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CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Sumário
I – O impedimento previsto nas disposições conjugadas das als. a) e d) do n.º 1 do artº. 40.º do CPP, é o que decorre da intervenção do juiz em recurso relativo a processo em que tiver proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido de decisão que aplica a prisão preventiva ou outra medida consignada nos artºs 200º a 202º; não já nos casos em que tenha proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido de decisão que, em reexame dos pressupostos ou, em indeferimento de requerimento de substituição da medida, tenha mantido a prisão preventiva ou outra medida coactiva enunciada naqueles supracitados artigos.
Texto Integral
I – Relatório
1 - Em 23.12.2024, o presente processo de recurso penal foi distribuído à Exmª Juíza Desembargadora, AA, a qual proferiu decisão sumária nos termos, na sua parte dispositiva: «Afigura-se-me, assim, que se verifica o impedimento previsto na al. d) do nº 1 do artº 40º do Código de Processo Penal, motivo pelo qual me declaro impedida para intervir nos presentes autos, quer como relatora, quer como adjunta».
2 –Posteriormente, redistribuído o processo, o mesmo é atribuído ao Exmº Desembargador BB, em 14.01.2025.
Neste, este Exmº relator profere o seguinte despacho, na sua parte dispositiva: «Assim, não se verificando os pressupostos que legitimariam o impedimento invocado pela Exma. Desembargadora relatora, declaro-me incompetente para conhecer do presente recurso. Notifique».
Cumprido o contraditório, a Exmª relatora inicial manteve o despacho por si proferido. II – Fundamentação
Com interesse para a decisão deste conflito, importam as incidências fáctico-processuais constantes do Relatório supra e ainda o seguinte:
I - No âmbito de Inquérito (Actos Jurisdicionais)1 que corre termos pelo Juízo de Competência Genérica da Torre de Moncorvo, do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, sob o nº 18/20.7GATMC, na sequência de requerimento oferecido pelo arguido CC em 11-12-2022 foi proferido despacho com o seguinte teor: “Fax de 12-12-2022 – Ref.ª ...43; Promoção de 13-12-2022 – Ref.ª ...06 Vem o ilustre mandatário do arguido CC requerer a imediata restituição à liberdade deste último por ausência de indícios que sustentem a factualidade descrita na acusação. Notificado do requerimento apresentado, pronunciou-se o Digno Ministério Público no sentido de que o arguido deve permanecer sujeito à medida de coacção de prisão preventiva. Compulsados os autos, verificamos que, por despacho proferido em 02-12-2022 foi objecto de reexame o estatuto coactivo dos arguidos sujeitos a prisão preventiva. Do requerimento agora apresentado não decorre qualquer circunstância superveniente susceptível de invalidar o juízo efectuado em 12-02-2022, sobre a questão suscitada e, consequentemente, de fundar qualquer decisão de revogação de medida de coacção, ao abrigo do artigo 212º do Código de Processo Penal. Assim – e em consequência – indefere-se o requerido. Notifique. Devolva os autos ao Ministério Público.”
II - Inconformado com o despacho em apreço, veio o arguido interpor recurso, em 26-12-2022 com a ref ...21, no aludido processo sob o nº 18/20.7GATMC, no qual, após conclusões, formula o seguinte pedido recursivo: “Deve, pois, no provimento do presente, ser determinado que o recorrente aguarde a ulterior tramitação sujeito, apenas, a TIR.”.
III – Nesse processo, a Exmª relatora decidiu o seguinte, na parte dispositiva: “Em face do acima exposto nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido, e, em consequência, confirma-se o despacho recorrido” (despacho referido em I supra).
IV – No presente processo 93/23.... ( na sequência de certidão extraída daqueloutro), o arguido CC não foi pronunciado pelo crime de tráfico de estupefacientes, tendo o Mº Pº interposto recurso – recurso este distribuído à Exmª relatora que se declarou impedida.
Apreciando:
1. A questão em análise que se suscita nestes autos de recurso penal não configura um conflito negativo de competência, tal como definido pelo n.º 1 do art.º 34° do Código de Processo Penal (CPP), mas antes um conflito negativo de distribuição.
Este, no que respeita à distribuição de processos criminais, resolve-se, por aplicação analógica, nos termos do artº 205º, nº 2, do CPC ex vi artº 4º do CPP, no qual se prescreve que “As divergências resultantes da distribuição que se suscitem entre juízes da mesma comarca sobre a designação do juízo em que o processo há-de correr são resolvidas pelo presidente do tribunal de comarca, observando-se processo semelhante ao estabelecido nos artigos 111º e seguinte”.
A lei processual civil não contém norma expressa relativa aos conflitos de distribuição que surjam entre Juízes do mesmo Tribunal da Relação, porém o art.º 114º do CPC, estatui que «O disposto nos art.ºs 111º a 113º é aplicável a quaisquer outros conflitos que devam ser resolvidos pelas Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça…».
Por sua vez, o art.º 12º, nº 2, do CPP, estabelece que «Compete aos presidentes das relações, em matéria penal:
a) Conhecer dos conflitos de competência entre secções;
Em suma, seja com recurso à analogia, ante o previsto no art.º 205 do CPC, seja por argumento a fortiori, decorrente da competência atribuída ao Presidente do Tribunal da Relação, para resolver os conflitos de competência entre Secções do mesmo Tribunal, a entidade competente para dirimir este conflito será o Presidente do Tribunal da Relação a que pertencem os juízes em conflito.
2. Quanto à questão controvertida - preenchimento dos pressupostos relativos ao impedimento de um deles para intervir nos presentes autos - defende a Exmª Desembargador que se declarou impedida, em súmula, que esta foi relatora no apenso L do processo nº 18/20.7GATMC (do qual o presente processo 93/23.... foi extraído), tendo proferido acórdão em 17.04.2023 referente precisamente ao arguido CC e à sua pretensão de alteração da sua situação coactiva, mais argumentando que “as considerações tecidas no âmbito deste recurso seguem, em parte, a linha de argumentação seguida pela signatária no acórdão de 17-04-2023 que relatou no âmbito do apenso L do processo nº 18/20.7GATMC (…)”
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O artº 40º, nº 1, do CPP, com a epígrafe ‘Impedimento por participação em processo’ estatui que: «1 – Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver: a) Aplicado medida de coação prevista nos artigos 200.º a 202.º; b) Presidido a debate instrutório; c) Participado em julgamento anterior; d) Proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido, a final, do objeto do processo, de decisão instrutória ou de decisão a que se refere a alínea a), ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior. e) Recusado o arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória ou a forma sumaríssima por discordar da sanção proposta.».
Temos assim que, conjugando a alínea d) com a alínea a), verifica-se o impedimento quando o juiz já proferiu uma decisão de recurso que conheceu da decisão de aplicação de medida de coação (concretamente, medida de prisão preventiva).
Dito de outro modo, nenhum juiz pode intervir em recurso relativo a processo em que tiver proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido de decisão que aplicou medida de coação prevista nos artºs 200.º a 202.º.
Logo, um juiz só estará impedido de intervir em recurso relativo a processo em que tiver participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido de decisão que aplica a prisão preventiva, mas não nos casos em que tenha essa participação se limite, em reexame dos pressupostos, a manter a prisão preventiva.
Este entendimento tem respaldo não só nos elementos literal, sistemático e histórico de interpretação dos artºs 194.º e 213.º do CPP, como é sufragado a nível jurisprudencial e doutrinal.
Neste sentido, vide o Acórdão do STJ de 22-06-2022, processo 189/12.6TELSB.P1-G.S1, em cujo aresto se sumariou, na parte aqui relevante que: «III - De acordo com as disposições conjugadas das al. a) e d) do n.º 1 do art. 40.º do CPP, um juiz só está impedido de “intervir” em recurso relativo a processo em que tiver “proferido ou participado em decisão” de recurso anterior que tenha conhecido de decisão que aplica a prisão preventiva, mas não nos casos em que tenha “proferido ou participado em decisão” de recurso anterior que tenha conhecido de decisão que, em reexame dos pressupostos ou, em indeferimento de requerimento de substituição da medida, tenha mantido a prisão preventiva. IV - Como resulta do elemento literal e do elemento sistemático de interpretação (nomeadamente da formulação textual dos art. 194.º e 213.º do CPP, que se referem, respetivamente, à aplicação e ao reexame e manutenção da medida, e da sua inserção sistemática), há que estabelecer distinção entre os conceitos (jurídicos) e decisões de “aplicação” e de “manutenção” da prisão preventiva. V - No caso, o elemento histórico (trabalhos preparatórios da alteração ao art. 40.º do CPP introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25-08, na sequência da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do art. 40.º, na parte da sua redação original que permitia a intervenção no julgamento do juiz que, na fase do inquérito, decretou e posteriormente manteve a prisão preventiva do arguido – acórdão do TC n.º 186/98) e a evolução legislativa (Lei n.º 3/99, de 13-01; Lei n.º 48/2007, de 29-08; Lei n.º 20/2013, de 21-02; e Lei n.º 94/2021, de 21-12) oferecem contributo decisivo neste sentido».
A mesma posição foi adoptada na Decisão Sumária do TRP, de 15.09.2023, processo nº 12/19.0FAPRT.P1-A.
Também a doutrina perfilha idêntico entendimento: Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Sujeitos Processuais Penais, O Tribunal, Coimbra, 2015, pág. 20; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 5ª edição actualizada, Vol. I, pág. 142.
Volvendo ao caso concreto, a Exmª relatora inicial, com a prolação do acórdão proferido em 17.04.2023, no apenso L do Proc. n.º 18/20.7GATMC, limitou-se a apreciar a decisão proferida na 1ª instância que, na sequência de requerimento apresentado pelo arguido no sentido de ser alterada a sua situação coactiva, manteve a prisão preventiva aplicada ao mesmo.
Ou seja, o recurso anterior, a que se alude na declaração de impedimento, não teve por objecto uma decisão que aplicou a medida de prisão preventiva, mas sim uma decisão que indeferiu um requerimento de substituição da medida, mantendo a prisão preventiva.
E nem se diga, como defendido, que o recurso agora a conhecer (que pugna pela pronúncia do arguido) seguiu a linha de argumentação jurídica da decisão que faz despoletar esse impedimento, por duas ordens de razões:
A decisão determinativa do impedimento é aquela primeira (17.04.2023) e nesta não se conheceu da aplicação de medida coactiva, mas sim de indeferimento do pedido de alteração dessa medida.
E, salvo melhor opinião, é pressuposto destes casos – de manutenção ou substituição da medida de coação – que a decisão se cinja ao reexame dos requisitos da medida de coação, tendo em conta o analisado factualismo existente à data da aplicação da medida.
Noutra perspectiva, os valores de certeza e segurança jurídicas que devem imperar, em particular, na interpretação das regras de competência e distribuição, aliados aos já elementos interpretativos de natureza histórica, sistemática e literal, não podem compaginar-se com um entendimento ambíguo e casuístico, susceptível de pôr em causa, de forma objectiva, a gestão de recursos humanos.
Pelas razões expendidas, conclui-se não existir qualquer impedimento relativamente ao Exmº. Sr. Juiz Desembargador que, em sede de recurso, se pronuncie sobre a decisão que manteve uma medida de coação prevista no artº 200º a 202º do CPP. Sumariando:
I – O impedimento previsto nas disposições conjugadas das als. a) e d) do n.º 1 do artº. 40.º do CPP, é o que decorre da intervenção do juiz em recurso relativo a processo em que tiver proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido de decisão que aplica a prisão preventiva ou outra medida consignada nos artºs 200º a 202º; não já nos casos em que tenha proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido de decisão que, em reexame dos pressupostos ou, em indeferimento de requerimento de substituição da medida, tenha mantido a prisão preventiva ou outra medida coactiva enunciada naqueles supracitados artigos.
III – Decisão Pelo exposto, decide-se dirimir o conflito, atribuindo o processo de recurso penal à Exmª Desembargadora AA, a quem o mesmo deve ser averbado, dando-se baixa da distribuição ao Exmº Desembargador BB.
Sem custas.
Notifique.
Após trânsito, publique-se no sítio da dgsi.pt, remetendo-se a mesma, por email, através do secretariado da Presidência, a todos os Srs. Juízes Desembargadores da área criminal.
Guimarães, 31 de Janeiro de 2025.
O Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães,
António Júlio Costa Sobrinho