Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO
DANO
PERDA DE CHANCE
ÓNUS DA PROVA
Sumário
I – O advogado, no exercício do patrocínio forense, não se obriga a obter ganho de causa, mas a utilizar, com diligência e cuidado, os seus conhecimentos técnico-jurídicos de forma a defender os interesses legítimos do cliente. II - Quando o advogado não cumpre as obrigações no âmbito do patrocínio jurídico, seja porque não praticou os atos compreendidos no mandato, tal como lhe impunha o artigo 1161.º, alínea. a), do Código Civil, seja porque violou os deveres deontológicos a que estava obrigado na relação com o cliente resultantes do EOA, e presumida que resulta a sua culpa em face do artigo 799.º do Código Civil, incorre em responsabilidade geradora da obrigação de indemnizar (artigo 798.º do Código Civil). III - O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade (Ac. de Uniformização de Jurisprudência nº2/2022 de 26/01/2022). IV - A probabilidade de ganho de causa deverá ser aferida através de um juízo de prognose póstuma, cabendo ao tribunal que aprecia a ação de responsabilidade civil adotar a perspetiva do tribunal que teria de decidir o processo – o chamado “julgamento dentro do julgamento”.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I- RELATÓRIO
AA e BB, vieram propor a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra CC e EMP01... COMPANY SE, ..., pedindo a condenação dos réus no pagamento de €21.898,41, quantia acrescida de juros à taxa legal contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, alegam que a segunda autora celebrou contrato de empreitada com uma empresa terceira para escavação de um furo de água em terreno de sua propriedade, mas a obra realizada não apresentava as características garantidas. Os serviços foram faturados ao primeiro autor, seu pai, o qual, por desconhecimento do que se tratava, devolveu as faturas, sendo que, por falta do pagamento das referidas faturas, a empresa empreiteira apresentou ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, pedindo a condenação dos autores no pagamento dos serviços prestados.
Em consequência, contrataram o primeiro réu para que assegurasse a sua representação em juízo e contestasse o pedido e que forneceram todas as informações e documentos solicitados para o efeito pelo primeiro réu, o qual aceitou patrocinar os autores.
Mais alegam que, após algumas vicissitudes, o réu acabou por não deduzir contestação, pelo que foram surpreendidos com a notificação de uma sentença judicial, condenando-os no pagamento do peticionado pela empreiteira.
A atuação do primeiro réu, em violação dos seus deveres funcionais, provocou danos patrimoniais e não patrimoniais, cujo ressarcimento exigem do primeiro réu e da segunda ré enquanto seguradora da responsabilidade civil profissional.
*
Citados os réus, veio a segunda ré invocar a franquia contratual do contrato de seguro em caso de procedência da ação.
Em sede de exceção, invoca cláusula do contrato de seguro que exclui a garantia quando o segurado já conhecesse o facto gerador da responsabilidade à data de celebração do contrato, alegando que é a situação dos autos.
Em sede de impugnação, alega que não foi outorgada procuração forense, pelo que não existe prova do contrato de mandado, que os autores não logram demonstrar a prática de qualquer ato ilícito da parte do primeiro réu, nem a probabilidade de procedência da sua pretensão caso o réu tivesse respeitado o prazo.
Mais impugna os valores peticionados.
*
O primeiro réu apresentou também contestação, impugnando por desconhecimento a matéria alegada pelos autores quanto à celebração do contrato de empreitada.
Admite que existiram duas reuniões com a autora, e apenas com a autora, no sentido de preparar a defesa, na medida em que apenas conheceu o autor já no ano de 2019, no âmbito das quais o réu explicou à autora que seria difícil obter vencimento na causa, atentas as circunstâncias concretas do caso, mais ficando combinado que, tendo sido citado apenas o autor, a autora informaria o réu quando fosse citada, a fim de ser preparada a contestação.
Alega porém que a autora não colaborava com a preparação da sua defesa, não juntando documentos que lhe eram solicitados pelo réu, e que apenas informou o réu de que já havia sido citada para ação no fim de semana antes de terminar o prazo, o que fez com que o réu, a pedido da autora e para tentar resolver a situação, tenha efetuado pedidos de concessão de apoio judiciário a fim de prorrogar o prazo para defesa, informando porém a autora de que seria representada pelo advogado que visse a ser nomeado.
Mantém que, face à prova de que a autora dispunha, seria impossível ou muito difícil obter vencimento na causa.
*
Foi proferido despacho saneador, que relegou para decisão final a matéria de exceção invocada, e fixou os temas da prova e o objeto do litígio.
*
A final foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou os réus no pagamento ao autor AA, do montante de €10.949,21 (dez mil novecentos e quarenta e nove euros e vinte e um cêntimos); à autora BB, do montante de €4.684,00 (quatro mil seiscentos e oitenta e quatro euros), quantias a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data de citação dos réus até efetivo e integral pagamento.
No mais, foram os réus absolvidos do pedido.
*
Inconformados com a sentença, os réus interpuseram recurso.
*
O Réu CC, finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)
*
A Ré EMP01... COMPANY SE, ..., termina o seu recurso com as seguintes conclusões:
(…)
*
Não consta dos autos a apresentação de contra alegações.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
As questões decidendas a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, consiste em saber se deve ser alterada a matéria de facto, se o réu advogado praticou ato ilícito, e se os autores lograram demonstrar o dano consistente e sério da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar e se ocorre causa de exclusão da cobertura do contrato de seguro.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. Os factos 3.1.1. Factos Provados
Elencam-se os factos considerados provados pela primeira instância e também se incluem, em itálico, aqueles que resultaram da alteração decorrente da impugnação da matéria de facto:
1) Os autores são pai e filha.
2) Em 2015, como atualmente, o primeiro autor era residente na Rua ..., ... ..., ..., e a segunda autora era residente na Rua ..., ..., ... ..., ....
3) Por volta de abril ou maio de 2015, a primeira autora decidiu fazer uma captação de água subterrânea para fins de rega, vulgarmente designada por “poço de furo”, no seu prédio urbano, sito no lugar ... ou Rua ..., ..., da freguesia ..., do concelho ..., inscrito na matriz sob o art. ...24-urbano (antes 512), e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...61/....
4) Após obter informações junto de várias empresas, foi-lhe indicada a empresa EMP02..., S. A. [doravante designada “empreiteira”] como sendo especialista na execução deste tipo de trabalhos.
5) Perante isto, em inícios do mês de Junho de 2015, a primeira autora contactou verbalmente a empreiteira, apresentou-lhe os trabalhos pretendidos e pediu-lhe um orçamento quanto a custos e prazo de execução.
6) O legal representante da empreiteira, DD, foi ver o terreno da autora, e, no final, informou-a verbalmente do seguinte: - Que o melhor local para o poço de furo ser executado era o por si agora indicado; - Que aqui a perfuração nunca seria superior a 80 metros de profundidade; - Que lhe garantia um caudal de água que daria para regar “dia e noite”; - Que o tubo a aplicar no poço de furo era de 280 mm (tubo de isolamento) em toda a sua extensão, que era o ideal e suficiente para criar uma capacidade de armazenamento de água para efeitos de redução da profundidade/perfuração do mesmo; - Que o valor do orçamento de todos estes trabalhos – mão de obra, máquinas e material – seria, então, de € 36,00/metro, o que perfazia um total de € 2.880,00 (€36,00 x 80 metros); - Que, caso surgisse algum imprevisto, mesmo assim, esta obra nunca ultrapassaria os € 3.600,00, ou seja, caso fosse necessário fazer uma perfuração maior, esta nunca iria além dos 100 metros (€36,00 x 100 metros = € 3.600,00), o que de todo não iria acontecer. – Não Provado 7) Face às garantias do legal representante da empreiteira, e apesar de a segunda autora ter outros orçamentos de outras empresas, todos de valor inferior, decidiu entregar estes trabalhos àquela, precisamente porque foi a única que lhe garantiu um caudal de água necessário e suficiente ao fim a que se destinava a execução deste poço de furo – rega – e que era o que a autora pretendia. – Não Provado 8) O legal representante da empresa declarou à autora que o poço iria dar para regar água “dia e noite”, mas que a autora nada pagaria caso assim não fosse. – Não Provado
9) Nos primeiros contactos entre a autora BB e o legal representante da empreiteira, não foram entregues àquela quaisquer documentos.
10) Os trabalhos foram iniciados na semana de 29 de Junho de 2015.
11) Nesse dia, um dos colaboradores da empreiteira à segunda autora o documento de fls. 51-53, cujo teor se reproduz, que a mesma assinou a pedido deste, sem ler nem prestar qualquer atenção ao conteúdo do mesmo.
12) A autora assinou também o documento junto a fls. 57, cujo teor se reproduz, sem o ler nem prestar qualquer atenção ao seu conteúdo.
13) A empreiteira não entregou à autora qualquer cópia dos referidos documentos.
14) O cabeçalho do documento de fls. 57 foi preenchido pelos serviços da empreiteira, mais concretamente nos campos “nome completo”, “rua/lugar”, “freguesia”, “concelho” e “NIF”.
15) No final da obra, a empreiteira alegou que tinha efetuado uma perfuração de 145 metros.
16) Na semana seguinte à conclusão dos trabalhos, por volta de 8 ou 9 de julho de 2015, a autora contatou um picheleiro para transferir um motor, existente noutro poço de furo, para o novo poço de furo.
17) O picheleiro retirou o motor do poço de furo e apercebeu-se que os primeiros 2/3 primeiros metros de perfuração estavam encamisados com um tubo de 280mm, e que nos restantes foi aplicado um tubo de 180mm.Não Provado
18) Mais se apercebeu o picheleiro que o novo tubo tinha apenas 126 metros, e não os 145 que a empreiteira havia dito que tinham sido escavados. Não Provado
19) A autora contactou o legal representante da empreiteira, que informou de que poderia ter ocorrido um aluimento de terras e tapar alguns metros, explicação que a autora não aceitou.
20) Perante a insistência da autora, o legal representante da empreiteira afirmou que havia um contrato assinado, e que ela teria de pagar.
21) Em 24 de julho de 2015, a autora remeteu à empreiteira a missiva junta como doc. 9 com a petição inicial, cujo teor integralmente se reproduz, a qual não obteve resposta.
22) Em 15/07/2015, a empreiteira enviou a fatura junta como doc. 10 ao primeiro autor.
23) O autor devolveu a fatura através da carta registada junta como doc. 11, cujo teor integralmente se reproduz, carta esta que nunca obteve resposta.
24) A empreiteira nunca enviou as faturas à autora.
25) O primeiro autor nunca assinou qualquer documento, nem nunca contactou a empreiteira, até envio da missiva referida em 24.
26) Em 28/10/2015, a empreiteira apresentou na então Instância Local Cível de Vila Nova de Famalicão uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, que correu termos sob o n.º 8611/15.....
27) A empreiteira fundou tal ação no contrato de empreitada celebrado com a autora BB em 29/06/2015, formulando o seguinte pedido:
“Nestes termos, e nos mais que V. Exª. doutamente suprirá, deve ser julgada procedente, por provada, a presente ação e, consequentemente, condenarem-se os réus:
a. Ao pagamento da quantia de € 8.999,91 referente à factura;
b. Ao pagamento da quantia de € 1.619,98, a título de clausula penal (cfr. Artº. 10 do contrato);
c. Ao pagamento da quantia de € 98,63 referente a juros de mora vencidos até à presente data;
d. Ao pagamento de juros de mora que se vencerem desde a presente data até efetivo e integral pagamento;
e. Ao pagamento de uma indemnização por litigante de má-fé, nos termos do disposto na al. a), do nº 1 do Artigo 543 do CPC, a liquidar em execução de sentença;
f. Em custas e procuradoria condigna.”
28) O primeiro autor foi citado para a referida ação em 05/11/2015, informando a segunda autora de imediato.
29) A segunda autora contactou então o primeiro réu, na sua qualidade profissional de advogado, com o intuito de lhe apresentar os factos e de assessorar os autores juridicamente, no início de novembro de 2015.
30) Autora e réu tiveram então duas reuniões, na segunda das quais a autora informou o réu de que pretendia contestar a ação.
31) A segunda autora foi citada para a ação em 01/02/2016, por contacto pessoal com agente de execução, porquanto a primeira citação por via postal foi remetida para o endereço incorreto.
32) A segunda apenas informou o réu desta citação no dia 18/02/2016, sexta-feira.
33) De imediato, o réu transmitiu telefonicamente à autora que o prazo para contestar terminava no dia 21/02/2016, segunda-feira, de que se encontrava impossibilitado de apresentar a contestação durante o fim de semana.
34) A fim de prorrogar o prazo para apresentar contestação, o primeiro réu pediu à segunda autora vários documentos pessoais, nomeadamente cópias do cartão de cidadão, dos documentos do carro, recibos de vencimento, etc., para efeitos de pedir apoio judiciário para dispensa de pagamento e demais encargos do processo.
35) No dia 19 de fevereiro de 2016, o primeiro réu apresentou na Segurança Social ... dois pedidos de apoio judiciário para efeitos de contestação no âmbito do proc. n.º 8611/15...., na modalidade de nomeação de patrono e pagamento da compensação e de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo.
36) O pedido apresentado em nome do primeiro autor foi indeferido.
37) O pedido apresentado em nome da segunda autora foi parcialmente deferido, incluindo no concernente à nomeação de patrono.
38) A segunda autora deu a conhecer pelo menos a decisão referida em 36) ao primeiro réu.
39) Em 18/10/2016, foi proferida sentença, conferindo força executiva à petição inicial apresentada pela empreiteira no âmbito do proc. n.º 8611/15...., pelo valor de €10.718,52.
40) O primeiro réu não apresentou contestação à ação proposta pela empreiteira no proc. 8611/15...., causando assim a referida aposição de fórmula executória e a condenação dos autores no pagamento à empreiteira do montante de €10.718,52.
41) Após ser notificada da decisão referida em 39), a autora contactou telefonicamente o réu, que esclareceu que os autores tinham sido condenados no pagamento da referida quantia, por inexistência de contestação.
42) Em novembro de 2016, o primeiro réu apresentou recurso da decisão referida em 39), junto como doc. 24 com a petição inicial e cujo teor integralmente se reproduz.
43) O recurso foi julgado improcedente pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
44) No âmbito do processo executivo que se seguiu, os autores pagaram à empreiteira, por via da penhora dos seus bens, o total de €13.898,41.
45) A situação descrita nos autos trouxe aos autores incómodos, aflições e transtornos, por nunca terem estado em situação semelhante.
46) Os autores sentiram-se envergonhados e constrangidos com a penhora dos seus depósitos bancários e salários, por nunca terem tido oportunidade de apresentar a sua argumentação no âmbito do proc. n.º 8611/15.....
47) Entre a segunda ré e a Ordem dos Advogados foi celebrado um acordo escrito, intitulado contrato de seguro de grupo, temporário, anual, do ramo de responsabilidade civil, titulado pela apólice n.º ...9..., ao qual aderiu o primeiro réu.
48) Nos termos da cláusula 6A do referido contrato, a ré obrigou-se a segurar a “Responsabilidade Civil Profissional decorrente do exercício da advocacia, com um limite de 150.000,00€ por sinistro (…).”, entre outros riscos.
49) Nos termos do artigo 2.º das Condições Especiais do contrato, “Mediante o pagamento do prémio, e sujeito aos termos e condições da apólice, a presente apólice tem por objetivo garantir ao segurado a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de Responsabilidade Civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada contra o segurado, durante o período de seguro, pelos prejuízos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido (a) pelo segurado (…) no desempenho da atividade profissional (…).”
50) O contrato de seguro em causa foi celebrado pelo prazo de 12 meses, com data de início às 0:00 horas do dia 01 de janeiro de 2019 e termo às 0:00 horas do dia 01 de janeiro de 2020.
51) No ponto 9 das Condições Particulares do referido acordo, acordaram as partes em franquia no valor de €5.000,00, não oponível a terceiros lesados.
52) No artigo 8.º, n.º 1 da Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional constante no referido contrato, estipularam as partes que “[o] tomador do seguro ou o segurado deverão, como condição precedente às obrigações do segurador sob esta apólice, comunicar ao segurador tão cedo quanto seja possível:
a) Qualquer reclamação contra qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;
b) Qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;
c) Qualquer circunstância ou incidente concreto conhecida(o) pelo segurado e que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela apólice ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice.”
53) Nos termos do artigo 3.º, al. a) da Condição Especial de Responsabilidade Civil do referido contrato, “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações:
a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data do início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação; (…)”.
54) Nos termos do ponto 7 das Condições Particulares da referida apólice, dispõe-se que: “O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal da retroatividade.
Pelo contrário, uma vez rescindida ou vencida e não renovada a presente apólice, o segurador não será obrigado a assumir qualquer sinistro cuja reclamação seja apresentada após a data da rescisão ou término do contrato, sem prejuízo sempre de norma ou princípio mais favoráveis da legislação portuguesa reguladora do contrato de seguro e da atividade seguradora.
(…)”
*
3.1.2. Factos Não provados
Foram considerados como não provados os seguintes factos (com a menção a itálico dos excluídos em virtude da impugnação da matéria de facto):
a) O colaborador da empreiteira alegou que os documentos referidos em 11) e 12) eram necessários para efeitos de obtenção da respetiva licença/autorização junto da “Administração da Região Hidrográfica do ..., I.P.”, licença esta necessária e obrigatória à execução de um poço de furo, e a ser pedida e deferida antes de serem iniciados estes trabalhos.
b) No final da obra, a empreiteira alegou que tinha aplicado um tubo de 280mm em toda a extensão da perfuração.
c) Quando a segunda autora assinou o documento de fls. 51-53, existiam diversos pontos por preencher.
d) A segunda autora assinou o documento de fls. 57 logo no início dos trabalhos, em 29 de junho de 2024.
e) Apresentado o caso ao primeiro réu, conforme descrito em 29), este de imediato declarou aceitar patrocinar a defesa dos autores.
f) Os autores, de imediato, após a primeira reunião, pretenderam que fosse apresentada contestação à petição inicial da empreiteira, e mandataram o réu para o efeito.
g) Para este efeito, a partir do dia 05 de Novembro de 2015 e nos meses que se seguiram quer de 2015, quer de 2016, os autores realizaram várias reuniões com o réu, prestando-lhe todas as informações necessárias para ele preparar a defesa, e entregando-lhe todos os documentos de que eram possuidores para instruir essa mesma defesa.
h) A segunda autora entregou ao réu os orçamentos de outras empresas com quem havia contactado para efetuar o furo do poço.
i) Após, os autores contactavam regularmente com o primeiro réu, interrogando quanto ao estado do processo, informando o primeiro réu que estava tudo tratado.
j) A segunda autora, aquando da sua citação em 01/02/2016, deu de imediato conhecimento ao primeiro réu.
k) Nas circunstâncias descritas em 33) e 34), o réu informou a autora de que o prazo se reiniciaria, mas que a partir do momento em que fosse nomeado patrono ao abrigo do apoio judiciário, teria de ser este a representar os autores.
l) A autora aceitou a proposta do réu, por ser a única hipótese de apresentar contestação.
m) Os autores estranharam o pedido do primeiro réu, descrito em 34).
n) Depois da situação referida em 33) e 34), os autores continuaram a contactar o primeiro réu, que ia informando de que estava tudo tratado e deviam aguardar novas notificações do tribunal.
*
3.2. O Direito Da impugnação da matéria de facto
Começaremos por apreciar a impugnação da decisão da matéria de facto do Recorrente CC.
Considera o recorrente que foram incorretamente julgados os factos provados 3), 6) a 8), 17), 18), 29) e 30), os quais deveriam ser dados como não provados e o facto não provado K), que deveria ser dado como provado.
O facto 3) tem a seguinte redação:
«3) Por volta de abril ou maio de 2015, a primeira autora decidiu fazer uma captação de água subterrânea para fins de rega, vulgarmente designada por “poço de furo”, no seu prédio urbano, sito no lugar ... ou Rua ..., ..., da freguesia ..., do concelho ..., inscrito na matriz sob o art. ...24-urbano (antes 512), e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...61/...».
Incidindo a ação não sobre direitos reais, mas meramente obrigacionais, assumindo-se a autora como sujeito outorgante no contratado de empreitada, e constando da caderneta predial como titular do prédio a autora BB, carece de fundamento a alteração pretendida.
Quanto aos factos 6) a 8) a facticidade em causa respeita às características do poço e garantias dadas pelo legal representante da empresa empreiteira. Ora, quanto a estes factos, as declarações da autora e o depoimento de EE não são consentâneas, quer quanto à escolha do local do furo e características deste, quer quanto ao momento e modo das alegadas garantias quanto ao resultado da obra.
Em face disso, apresentava-se crucial o depoimento da testemunha DD, legal representante da empresa.
Sucede que o tribunal a quo pôs em causa a credibilidade do depoimento do legal representante da empresa. E fê-lo com a seguinte argumentação “No mais, tal atuação do legal representante da empreiteira compagina-se com o conhecimento funcional do Tribunal, posto que as (múltiplas!) empresas detidas pelo legal representante DD (também testemunha nos autos) são sobejamente conhecidas deste juízo, existindo diversos processos neste Juízo Local Cível com contornos muito semelhantes aos descritas nos autos – com muitas queixas relativas ao hábito da referida testemunha prometer “mundos e fundos” aos seus clientes e em oferecer serviços muito diferentes e por preços muito superiores aos prometidos. Pelo que o depoimento de DD foi tomado cum grano salis, principalmente porque o mesmo tanto afirmou não se recordar da autora BB como no momento seguinte já recordava que a mesma era “casada” – com muitas falhas de memória que não se compaginavam com o teor de outras declarações.”
Sem outras indicações objetivas, designadamente quanto à identificação e resultado dos processos judiciais referidos, esta motivação torna-se insindicável e, portanto, inadmissível.
A motivação assentou em circunstâncias não conhecidas pelas partes e não constantes do processo, pelo que os factos invocados para sustentar a convicção de falta de credibilidade da testemunha não estão documentados, não são factos notórios, nem do conhecimento das partes, não sendo possível, até pela ausência de contraditório, escrutinar o acerto daquelas afirmações.
Consequentemente, não resultou demonstrada, com a segurança exigida, tal factualidade.
Assim, os pontos 6) a 8) da matéria provada têm de se considerar como não provados.
Quanto aos factos 17) e 18), em causa está a profundidade do poço.
Esta questão foi sujeita a prova pericial, tendo o perito afirmado que “A resposta a esta questão só será possível através de eventuais “ensaios/perícia” a realizar no local para este efeito e com colaboração de empresa desta atividade.”.
Os autores não pretenderam a realização de ensaios, invocando para esse efeito os custos elevados que essa diligência implicaria.
Ora, tendo a perícia resultado inconclusiva, dada a não realização dos ensaios, não pode a questão ser ultrapassada com base no depoimento da testemunha FF, picheleiro contratado pelos autores que procedeu à colocação do motor no poço de furo.
Donde, os factos 17 e 18 deverão ser considerados não provados.
Os factos 29) e 30), mostram-se comprovados pelas declarações quer da autora quer do réu. Com efeito, o próprio réu, Dr. CC, admite um primeiro contacto telefónico e um segundo contacto presencial (em ...), em que a autora lhe transmite o seu propósito de contestar a ação.
Assim, estes factos são de manter.
Relativamente ao facto não provado k), apesar de o réu, Dr. CC, ter enfatizado nas suas declarações que a partir do momento em que fosse nomeado patrono ao abrigo do apoio judiciário, teria de ser este a representar os autores, de tal não ficámos convencidos, desde logo por que isso foi contrariado pela autora nas suas declarações, resultando a explicação avançada credível e consentânea com o que veio a suceder. Declarou a autora que quando foi contactada pela patrona nomeada transmitiu-lhe que já tinha um advogado contratado, razão pela qual a referida advogada não apresentou defesa, contando a autora ainda com os serviços do réu.
Nestes termos o facto não provado K) é de manter.
Quanto à impugnação da recorrente EMP03... Company SE, ..., esta dirige o erro de julgamento quanto aos factos 1), 2), 6) a 8), 10), 11) e 16)- estes quanto à data -, 17), 18), 19) e 20)- estes dois últimos com diferente redação – 40).
O facto 1) respeita ao parentesco dos autores (pai e filha).
Mostra-se junta cópia do assento de nascimento da autora, que a ré impugnou genericamente. Tendo resultado sobejamente demonstrado da audiência de julgamento que se trata de pai e filha, não sendo a ação sobre o estado das pessoas, e limitando-se a ré a impugnar inconsequentemente o documento que consubstancia a cópia do assento de nascimento, a impugnação está votada ao insucesso.
O facto 2) respeita à morada dos autores. Também quanto a este facto mostram-se juntos os documentos 4 e 5, de que se extrai as respetivas moradas, tendo sido estas as moradas indicadas na petição inicial da presente ação e foi nestes endereços que os autores foram citados, na qualidade de réus, na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, que correu termos sob o n.º 8611/15..... Donde, este facto mantém-se.
Os factos 6) a 8) pelos fundamentos acima expostos, são de considerar não provados.
Quanto ao facto 10) e com ele relacionado o 11) e 16), o momento temporal referido é o que se compagina com as declarações de parte da autora e do depoimento da testemunha EE, estando igualmente em consonância com o momento da celebração do contrato e com o período temporal situado pelo picheleiro, a testemunha FF.
Assim, os factos 10) 11) e 16) mantém os exatos termos em que foram dados como provados.
Os factos 17) a 18) pelos fundamentos acima expostos, são de considerar não provados.
A alteração de redação pretendida quanto aos factos 19) e 20), não tem efeito útil jurídico, pelo que não é de atender.
O facto do 40) não é um juízo jurídico-conclusivo, antes um facto relativo a uma consequência jurídica, sendo de manter.
Em conclusão, procede parcialmente a impugnação das recorrentes quanto aos factos provados 6) a 8), 17) e 18), que se consideram como não provados.
*
3.2.2.Responsabilidade civil do advogado e o dano da perda de chance processual
Pretendem os autores, pela presente demanda, ver-se ressarcidos dos danos que alegam ter sofrido em virtude da omissão, pelo réu, da defesa da sua posição processual, consistente na não contestação de uma ação para cumprimento de obrigações pecuniárias contra si instaurada.
A pretensão dos autores alicerça-se na responsabilidade civil contratual do réu, enquanto advogado.
Apesar de alguma controvérsia sobre a natureza da responsabilidade civil dos advogados, mostra-se largamente maioritária a corrente que lhe atribui natureza mista (contratual e extracontratual, conforme as circunstâncias), havendo assim responsabilidade contratual sempre que o advogado não cumpra (incumprimento em qualquer das modalidades que o conceito comporta, desde a impossibilidade do cumprimento, à simples mora, passando pelo cumprimento defeituoso) as obrigações emergentes do contrato de mandato e responsabilidade extracontratual quando incorra na prática de facto ilícito lesivo dos direitos do seu constituinte, mas fora, como é óbvio, das obrigações geradas pelo contrato.
Questionam os réus a existência de mandato, em particular relativamente ao autor AA.
Sem razão, porém.
Resultou demonstrado que, tendo sido proposta ação judicial contra os autores, o réu aconselharia e assessoria juridicamente os autores no âmbito desse processo judicial, mais se obrigando à apresentação de contestação à referida ação. Foram praticados atos pelo advogado em nome dos dois autores, como seja o pedido de apoio judiciário, e a interposição de recurso, com junção de procuração, em nome do autor AA.
Consequentemente, entre as partes foi celebrado um contrato nos termos do qual o réu se obrigou à prática de uma série de atos de natureza essencialmente jurídica, nisso se traduzindo o contrato de mandato, regulado pelos artigos 1157.º e seguintes do Código Civil; mais concretamente, um contrato de mandato forense, atenta a qualidade de advogado do mandatário e o tipo de atos englobados no mandato.
Sendo certo que é comum a outorga da denominada procuração forense da parte do mandatário, documento particular por via do qual o mandante confere poderes ao mandatário, a existência de procuração não é imprescindível à existência do mandato. Procuração e mandato não se confundem.
Como assertivamente se escreveu no Ac. do STJ de 13-05-2021 (proc. 1021/16.7T8CSC.L2.S, disponível em www.dgsi.pt) o mandato é um contrato; a procuração é um acto unilateral. O primeiro impõe a obrigação de celebrar actos jurídicos por conta de outrem; o segundo confere o poder de os celebrar em nome de outrem. Porém, o mandato e a procuração podem coexistir ou andar dissociados: aquele sem esta, esta sem aquele.
Acrescenta-se no referido aresto que o que, efectivamente, origina os poderes existentes no mandatário não é a procuração; a procuração, no sistema do CC actual, mais não é que o meio adequado para exercer o mandato; representa apenas a exteriorização do poder negocial que é conferido ao mandatário pelo mandante através do mandato.
No caso, estabeleceu-se uma relação contratual sendo imputada ao réu advogado o incumprimento do mandato, havendo a sua responsabilização de ser apreciada à luz dos pressupostos previstos no artigo 798.º do Código Civil.
Nos termos deste normativo “o devedor que falta culposamente ao cumprimento de uma obrigação torna-se responsável pelo prejuízo causado ao credor”.
Assim, haverá primeiramente de apreciar-se se o réu faltou culposamente ao cumprimento de uma obrigação, o mesmo é dizer se o réu praticou algum ato ilícito e culposo.
Dado o interesse público do patrocínio judiciário, o mandatário forense não se encontra apenas adstrito às obrigações do mandatário comum elencadas no artigo 1161.º do Código Civil (dever de praticar os atos jurídicos acordados, de informar o mandante sempre que para tal seja solicitado, de prestar contas e de restituir o que lhe foi entregue em execução ou no exercício e não despendeu no cumprimento do contrato), mas encontra-se ainda sujeito a um elenco de deveres mais alargado previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados (deveres para com a Ordem dos Advogados, para com a sociedade, para com os Colegas e Magistrados e para com o cliente) e enumerados nos artigos 90.º e ss. do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Assim, o advogado (entre outros) tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas (cfr. artigo 97.º, n.º 2, do EOA), não devendo aceitar o patrocínio de uma questão se souber, ou dever saber, que não tem competência ou disponibilidade para dela se ocupar prontamente (cfr. artigo 98.º, n.º 2, do EOA), estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade (artigo 100.º, n.º 1, alínea b), do EOA); e não devendo cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas (cfr. artigo 100.º, n.º 1, alínea e), do EOA).
Pode também assentar-se que a prestação devida pelo mandatário forense se insere nas denominadas obrigações de meios (o devedor obriga-se a praticar ou desenvolver determinada atuação, comportamento ou diligência com vista à produção do resultado pretendido pelo credor), por oposição às obrigações de resultado (em que o devedor se obriga à produção de certo resultado).
De facto, o advogado, no exercício do patrocínio forense, não se obriga a obter ganho de causa, mas a utilizar, com diligência e cuidado, os seus conhecimentos técnico-jurídicos de forma a cumprir com o dever que lhe resulta do artigo 97.º, n.º 2, do EOA (“defender os interesses legítimos do cliente”), tão bem e adequadamente quanto possível, ou seja, utilizando os meios ajustados ao caso, segundo as leges artes.
Daí que, sem prejuízo do reconhecimento da margem de liberdade de atuação, inerente à autonomia profissional e independência técnica da intervenção forense, são as exigências específicas próprias dum exercício profissional, designadamente em sede de competência (saber e experiência) e diligência, que fundamentam a responsabilidade de quem presta profissionalmente serviços (cfr. Ac. do STJ de 4/12/2012, processo n.º 289/10.7TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Temos, assim, que a ilicitude da conduta do advogado, seja por ação ou omissão, decorrerá normalmente da violação dos deveres deontológicos a que está sujeito para com o cliente, deveres estes especificados no artigo 100.º do EOA.
O advogado, pela relação estabelecida, obriga-se a desenvolver determinada atividade, que se analisa, essencialmente, na prática de atos jurídicos, com determinado objetivo visado pelo cliente, sem que se vincule à obtenção do resultado, mas a empenhar a sua atuação diligente e o seu saber jurídico, de acordo com as boas práticas da profissão (ou da leges artis), procurando não perder oportunidades ou as chances possíveis (permitidas) para alcançar essa finalidade (cfr. Ac. da RP de 14/7/2010, processo n.º 2555/07.3TBVNG.P1, disponível in www.dgsi.pt).
“Daí que, se, após se inteirar da pretensão do cliente, estudar o assunto submetido, atuar com zelo e diligência, de acordo com as regras da profissão (que exige preparação técnica e científica adequada), não perder oportunidades de êxito, informar o cliente sobre o andamento dessa pretensão, não se pode censurar o advogado por incúria na defesa dos interesses daquele, mesmo que a finalidade proposta se frustre.
De contrário, violando tais deveres, pratica ato ilícito que, se danoso, implica a sua responsabilidade pela reparação dos danos causados. Salvo se provar que o incumprimento ou cumprimento defeituoso (a violação de tais deveres ou das obrigações assumidas para com o cliente) não procede de culpa sua (artigo 799º/1 do CC)” – referido Ac. da RP de 14/7/2010.
Feito este enquadramento, vejamos se a factualidade demonstra que o réu atuou com violação dos deveres a que estava adstrito para com os autores de acordo com o mandato com este celebrado.
O réu obrigou-se a assegurar a defesa dos autores no âmbito do processo n.º 8611/15...., com a apresentação de contestação à pretensão contra estes formulada.
O réu, apesar de mandatado para o efeito, não deduziu contestação ao referido processo, o que levou a que os aqui autores fossem condenados a pagar integralmente à empreiteira o valor peticionado.
Como bem se explica na sentença recorrida,” O réu logrou provar a existência de alguma incúria da parte da autora BB, na medida em que apenas o informou de que já havia sido citada para a ação poucos dias antes do término do prazo. Contudo, é de verificar que o réu se havia disposto a apresentar a oposição, não tendo recusado a mesma ainda que a autora tenha tardiamente informado da citação; e é de louvar a circunstância de o réu ter encontrado uma forma de estender o prazo por via da apresentação do pedido de apoio judiciário, nos termos dados como provados, aproveitando o efeito do artigo 24.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004 de 29 de julho. O réu já não logrou porém demonstrar que informou devidamente a autora de que não mais devia contar com os seus serviços, conforme se explanou na fundamentação da matéria de facto; assim, o réu não aproveitou os efeitos da Lei n.º 34/2004, permitindo assim o esgotamento do prazo, em violação do dever de diligência que lhe era exigível”.
O réu não cumpriu as obrigações a que se encontrava adstrito no âmbito do patrocínio jurídico, seja porque não praticou os atos compreendidos no mandato, tal como lhe impunha o artigo 1161.º, alínea. a), do Código Civil, seja porque violou os deveres deontológicos a que estava obrigado na relação com os autores, não tendo assegurado a sua defesa, nem informado dos atos subsequentes designadamente após a decisão do apoio judiciário. O que por si demonstra, a nosso ver, a violação dos deveres a que estava adstrito nos termos dos citados artigos 97.º, n.º 2, e 100.º, n.º 1, alínea. a), e 101.º, nº1, do EOA.
Violados, então, os aludidos deveres comportamentais, e presumida que resulta a culpa do réu em face do artigo 799.º do Código Civil, temos que está demonstrado o incumprimento gerador da obrigação de indemnizar (artigo 798.º do Código Civil).
Demonstrado o incumprimento, a questão posta no recurso reside em saber se concorre o necessário nexo de causalidade entre os danos invocados e a conduta omissiva.
Os autores reclamam o pagamento dos danos patrimoniais causados com a atuação omissiva do réu, ao não contestar a ação foram injustamente condenados no valor peticionado pela empreiteira, bem como danos morais, assentes nos incómodos, aflições e vergonha.
Sob outro angulo, os autores pretendem ser indemnizados pela perda da chance de verem vigar a sua versão dos factos e não serem condenados, pelo menos integralmente, no pedido formulado pela empreiteira.
Ou seja, em apreciação está o dano da perda de chance processual.
A obrigação do advogado é uma obrigação de meios.
No exercício do mandato forense, reafirma-se, o advogado não se obriga a obter ganho de causa, mas sim a utilizar, com diligência e zelo, os seus conhecimentos técnico-jurídicos de forma a defender os interesses do seu cliente, utilizando os meios ajustados ao caso, segundo as legis artis, com o objectivo de vencer a lide, visto tratar-se de uma obrigação de meios e não de resultado’ – como bem se refere no Ac. desta Relação de Guimarães de 24/11/2022, proferido no processo nº2285/21.0T8BRG.G, disponível em www.dgsi.pt..
O advogado não assume a obrigação de alcançar um determinado resultado em benefício do cliente, mas apenas de desenvolver as diligências adequadas para que este resultado possa ser alcançado. Assim, o que está em causa é saber se, em consequência da atuação do advogado ou da conduta que omitiu, ficou inviabilizada a possibilidade de o cliente alcançar um resultado que permitia que obtivesse um benefício ou não sofresse um prejuízo e se deve ser atribuída uma indemnização por este dano.
É esta probabilidade que conforma a perda de chance.
Todavia, como de forma impressiva se concretizou no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 19/12/2018 'para que se considere autónoma a figura da perda de chance, como um valor que não pode ser negado ao titular e que está contido no seu património, importa apreciar a conduta do lesante, ponderando como requisito caracterizador dessa autonomia, se se pode afirmar, no caso concreto, que o lesado tinha uma chance, uma probabilidade séria, real e credível de, não fora a actuação que a frustrou, obter uma vantagem que probabilisticamente era razoável supor que almejasse, ou que a actuação omitida, se não tivesse ocorrido, poderia ter minorado a chance de ter tido um resultado não tão desfavorável como o que ocorreu' - proferido no processo nº1337/12.1TVPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt.
A perda de chance pressupõe uma probabilidade de obtenção do resultado. Só assim se compreende que seja atribuída uma indemnização para compensar o lesado por este dano. Não basta, porém, uma qualquer probabilidade, designadamente uma mera possibilidade abstrata ou especulativa, exigindo-se que seja demonstrado um elevado índice de probabilidade que se traduz numa possibilidade consistente e séria de que o resultado seria alcançado (neste sentido pode ver-se Nuno Santos Rocha, in A Perda de Chance como uma Nova Espécie de Dano, pág. 58, e Bruna de Sousa, in Da Perda de Chance na Responsabilidade Civil do Médico, pág. 81).
O ónus da prova relativamente à demonstração desta probabilidade compete ao lesado, nos termos do artigo 340.º nº1, do Código Civil.
Neste sentido decidiu o Ac. de Uniformização de Jurisprudência nº2/2022 de 26/01/2022, de acordo com o qual 'o dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade - publicado no Diário da República de 22 de Janeiro de 2022 (Série I).
Neste aresto uniformizador, o STJ concretiza esta fundamentação afirmando que para se estar “perante uma chance com probabilidade de sucesso suficiente terá, em princípio e no mínimo, o sucesso da chance (o sucesso da provável ação comprometida) que ser considerado como superior ao seu insucesso, uma vez que só a partir de tal limiar mínimo se poderá dizer que a não ocorrência do dano, sem o ato lesivo, seria mais provável do que a sua ocorrência”.
A probabilidade de ganho de causa deverá, assim, ser aferida através de um juízo de prognose póstuma, cabendo ao tribunal que aprecia a ação de responsabilidade civil adotar a perspetiva do tribunal que teria de decidir o processo – o chamado “julgamento dentro do julgamento”.
Na responsabilidade do advogado pela atuação no processo, o lesado tem assim de demonstrar que existia um elevado índice de probabilidade de que conseguia obter no processo em que ocorreu a atuação ilícita do advogado o resultado que permitia que obtivesse o benefício que perdeu ou evitar o prejuízo que sofreu. Para este efeito deve aferir-se no processo em que é reclamada a indemnização, com a prova que o lesado apresentou neste processo, qual teria sido a decisão provável no processo em que ocorreu a perda de chance, procedendo-se a um verdadeiro julgamento dentro do julgamento.
É também este o sentido afirmado no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 15/11/2018, ao sustentar que 'o tribunal da indemnização terá de realizar uma apreciação hipotética a partir da perspectiva do tribunal que teria decidido o processo, tentando determinar qual teria sido a sua decisão e com que probabilidade. O cálculo da probabilidade de vitória na acção falhada será determinado através daquilo a que a doutrina vem denominando de julgamento dentro do julgamento. O juiz está, nestes casos, obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de vitória nesse processo'- proferido no processo nº296/16.6T8GRD.C1.S2, in www.dgsi.pt.
É esse exercício, de apreciação hipotética, que agora cumpre fazer.
Para tal haverá de distinguir a situação dos dois autores.
Na base dos autos que deram origem à condenação dos autores, estava um contrato de empreitada, sendo a ação intentada pela empresa empreiteira a fim de obter o pagamento do preço devido pela realização da obra (cfr. artigo 1207.º do Código Civil).
Os autores pretendiam naquela ação demonstrar que o preço pedido pela empreiteira não era devido, assentando a argumentação no cumprimento defeituoso ou incumprimento da parte da empreiteira – na medida em que o furo não teria o comprimento alegado pela empreiteira, e o fluxo de água não era o que a autora pretendia e que lhe havia sido prometido pelo legal representante da empreiteira.
Ora, não se nos afigura que os autores lograssem demonstrar tal factualidade.
Na verdade, além de ter ocorrido a assinatura do auto de verificação final, não se apurou a desconformidade quanto à profundidade do furo, por outro lado, também não ficou demonstrada a prestação de garantia quanto a determinado fluxo de água.
Evidencia-se que o contrato especificava que a obrigação do empreiteiro era de meios e não de resultado – ou seja, não garantia o empreiteiro a obtenção de água, mas apenas a utilização de todos os meios para permitir a sua obtenção.
Não existia uma probabilidade séria, forte, e real, de obter vencimento, sequer parcial, em relação à pretensão contra si formulada.
Em suma, formou este tribunal a convicção segura de que a falta do réu não implicou uma efetiva perda de chance para a autora BB.
Dito de outro modo, realizado o “julgamento dentro do julgamento” resulta o claro não convencimento de um elevado índice de probabilidade de que a autora, por intermédio dos atos que foram omitidos pelo réu, obteria uma vantagem ou benefício, consistente no não procedência, total ou parcial, da ação contra si proposta.
Já não assim, quanto ao autor AA.
Este autor não foi parte no contrato de empreitada, nem por qualquer forma nele teve intervenção, direta ou indireta, ou assumiu qualquer responsabilidade.
Apresentava-se de fácil demonstração a prova desse facto, desde logo por não haver um único documento assinado pelo autor, ou contacto estabelecido com ele.
O autor AA tinha uma chance séria, forte e real de obter vencimento total na ação, caso o réu tivesse deduzido, atempadamente, oposição.
Cumpre agora saber que danos foram causalmente causados ao autor.
Ora, o único dano patrimonial, que com relação de causalidade, lhe foi causado consiste no valor pago em sede de execução de €13.898,41, correspondendo a sua quota parte (na falta de outro indicador) ao valor de €6.949,21.
Quanto ao dano moral, o autor provou que o caso lhe trouxe incómodos, aflições e transtornos, por nunca ter estado em situação semelhante, bem como constrangimento e vergonha por ter contra si uma execução.
Tais danos são passíveis de tutela pelo direito, consistindo em mais do que uma mera contrariedade ou um incómodo assente numa personalidade marcadamente sensível; a circunstância de o comum do cidadão se ver envolvido num processo judicial, e arrastado para um pagamento de quantias elevadas a um terceiro sem nunca ter tido oportunidade de ver os seus argumentos apreciados pelo tribunal, devido exclusivamente à omissão de deveres contratuais e deontológicos da parte do advogado, constitui fonte credível de incómodos, vergonha e frustração – mais quando o lesado é uma pessoa à partida inserida e cumpridora dos seus compromissos.
De acordo com os critérios do artigo 496.º do Código Civil, considera-se excessiva a quantia fixada pela primeira instância de € 4.000,00, mostrando-se mais adequada à situação concreta a quantia de €2.500,00.
À quantia fixada são devidos juros desde a presente data e até efetivo e integral pagamento (artigo 805.º, do Código Civil).
*
3.2.3. Contrato de seguro: causa de exclusão da cobertura e franquia e sua inoponibilidade aos terceiros lesados.
A recorrente Seguradora renova em sede de recurso a sua alegação quanto à exclusão da cobertura do contrato de seguro, com o entendimento de que o sinistro (conduta danosa do réu) ocorreu em data anterior à vigência da apólice.
Fá-lo, contudo, sem contrariar a argumentação factico-juridica desenvolvida na sentença, centrada na oponibilidade da cláusula de exclusão a terceiros lesados.
Com efeito, o contrato de seguro prevê no ponto 7 das suas condições particulares, que o segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal da retroatividade.
Donde, há que distinguir o âmbito temporal de cobertura do contrato de seguro, com o dever do tomador de seguro ou do segurado de comunicar o sinistro.
A verificação do sinistro deve ser comunicada ao segurador pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo beneficiário, no prazo fixado no contrato ou, na falta deste, nos oito dias imediatos àquele em que tenha conhecimento, participação esta onde devem ser explicitadas as circunstâncias da verificação do sinistro, as eventuais causas da sua ocorrência e respetivas consequências (artigo 100.º, do RJCS).
Relativamente à falta de participação do sinistro, decorre do disposto no artigo 101º, do RJCS que o contrato pode prever a redução da prestação do segurador atendendo ao dano que o incumprimento dos deveres de comunicação lhe cause, pode até o contrato prever a perda da cobertura se a falta de cumprimento ou o cumprimento incorreto desses deveres for doloso e tiver determinado dano significativo para o segurador.
Todavia, a norma salvaguarda que essas consequências não são oponíveis aos lesados em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil, ficando o segurador com direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efetuar.
Atendendo à imperatividade desta norma, a jurisprudência têm sido clara no sentido de que o preceito constante do artigo 101, nº4 da Lei do Contrato de Seguro, prevalece sobre a cláusula contratual da exclusão de pré-conhecimento do sinistro, prevista em condições particulares de apólices de seguro, e que exclui da cobertura do contrato de seguro as reclamações por qualquer facto ou circunstância conhecida do segurado, anteriormente à data de início do período seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação.
Neste sentido o Ac. do STJ de 11-07-2019 (proc. n.º (5388/16.9T8VNG.P1.S1), decidiu que por força do disposto no art.º 101.º n.º 4 da Lei do Contrato de Seguro, num contrato de seguro de responsabilidade civil profissional obrigatório, não são oponíveis aos lesados beneficiários as exceções de redução ou de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado dos deveres de participação do sinistro à seguradora, previstas, respetivamente, nos nºs 1 e 2 do citado artigo, e o Ac. da Relação de Lisboa de 12-05-2022 (proc. 190/18.6T8PRG.L1), refere que a previsão de uma delimitação temporal da cobertura atendendo à data das reclamações apresentadas, não se pode confundir com a oportuna comunicação/participação à seguradora dessas reclamações, e ainda que o segurado não tivesse comunicado a reclamação apresentada contra ele, não se pode a seguradora prevalecer perante terceiros lesados, dessa falta de oportuna participação do sinistro (cf. artigos 100.º e 101.º da LCS).
Em suma e resumindo esta orientação, com a qual se concorda, a circunstância de a Ordem dos Advogados ou de o réu advogado não ter comunicado oportunamente o sinistro, logo aquando do seu conhecimento, não pode ser invocada como causa de exclusão da responsabilidade perante os terceiros lesados com a atividade profissional do advogado.
Quanto à franquia, resulta do ponto 9 das condições particulares do contrato de seguro que foi acordada a franquia de € 5.000,00 por sinistro, não oponível a terceiros lesados.
A franquia é a importância que, em caso de sinistro, fica a cargo do segurado e cujo montante está estipulado nas Condições Particulares.
Ora, em relação à franquia estabelecida no contrato, a cláusula é clara no sentido de que a mesma não é oponível a terceiros lesados, carecendo de fundamento a pretensão da recorrente seguradora de aqui a fazer operar.
Em face do exposto, a apelação é parcialmente procedente.
*
Nos termos do art. 527.º do CPC, as custas da ação e do recurso são suportadas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento.
*
IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença na parte relativa à atribuição de indemnização à autora BB, e reduzindo a quantia a pagar pelos réus ao autor AA, ao montante de €9.449,21, a que acresce juros de mora, à taxa legal, desde a presente data e até efetivo e integral pagamento.
Custas por recorrentes e recorridos na proporção do decaimento.