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AECOP
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
RECONVENÇÃO
Sumário
Sendo a AECOP ( ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias) um procedimento especial, são-lhe aplicáveis as regras gerais do CPC (art. 549.º n.º 1), entre as quais se conta as da reconvenção (art. 266.º), cabendo ao juiz, utilizando os seus poderes de gestão processual e de adequação formal (artigos 6.º e 547.º), adaptar o processo à tramitação da reconvenção, pelo que relegar a invocação da compensação para a oposição a subsequente execução (art.º 729.º, al. h), implicaria um desnecessário desperdício de recursos e violaria o princípio constitucional da igualdade, cumprindo-se, assim, a função instrumental do processo civil em face do direito material.
Texto Integral
I- RELATÓRIO: “EMP01..., S.A.”, com sede na Rua ...-..., Guimarães, veio apresentar Requerimento de Injunção contra “EMP02..., S.A.”, com sede na Quinta ..., ... - Ribeira ..., Alegando para tanto, em síntese, que forneceu à requerida os bens e serviços constantes das faturas que indica, no montante global de € 12.132,72, cujo valor a requerida, apesar de instada e de reconhecer a divida, ainda não liquidou à data da entrada do requerimento, pelo que, ao capital referido acrescem juros de mora no valor de € 2.205,73.
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A requerida veio deduzir Oposição à Injunção, com Reconvenção, alegando em sínteseque celebrou com a requerente um contrato de prestação de serviços e de licenciamento de um software, pelo preço global de € 28.057,00, tendo ainda sido contratados serviços adicionais não compreendidos no contrato inicialmente celebrado, e que seriam pagos quando todos os serviços estivessem concluídos.
Ora, os serviços, quer os iniciais, quer os adicionais, nunca chegaram a ser totalmente prestados, pelo que estão verificados os pressupostos da exceção de não cumprimento do contrato, que invoca, podendo escusar-se ao cumprimento da prestação em causa, o que acarreta a improcedência do pedido. Deduz ainda pedido reconvencional contra a requerente, dizendo que já pagou a totalidade dos serviços inicialmente contratados, os quais foram apenas parcialmente prestados, padecendo ainda os mesmos dos vícios descritos, que a requerente, apesar da sua denúncia, não logrou suprimir.
Assim sendo, deverá ser o preço reduzido à parte da obra efetivamente concretizada, que a requerida considera ser apenas de € 5.611,40, devendo a Requerente ser condenada a restituir à Requerida o remanescente do valor pago, ou seja, € 22.445,60.
Não sendo admitido o pedido reconvencional, sempre assistirá à Requerida a possibilidade de invocar a compensação como mera exceção, até ao limite do alegado crédito da Requerente, e deduzir o correspondente pedido reconvencional, na parte em que o seu crédito excede o da Requerente, no montante de € 8.005,15 (€ 22.445,60 - € 14.440,45).
Requer ainda a Intervenção principal provocada da “EMP03..., S.A.”, como ré subsidiária do pedido reconvencional formulado, porquanto aquela pagou à Requerente a totalidade dos montante devidos pelos serviços prestados. Pede, a final, que seja julgada procedente a oposição, com a sua absolvição do pedido, e procedente o pedido Reconvencional, com a condenação da Requerente a pagar-lhe a quantia de € 22.445,60.
Caso assim se não entenda, deverá considerar-se compensado o valor peticionado pela Requerente com o que é devido à Requerida, extinguindo-se o referido crédito por compensação, e a Requerente ser ainda condenada a pagar à Requerida a quantia de € 8.005,15, acrescida de juros de mora contabilizados desde a notificação da oposição até efetivo e integral pagamento.
Subsidiariamente, no caso de se entender que a EMP03..., S.A. é a devedora do montante peticionado em c), deve ela ser condenada no pagamento do mesmo à Requerida.
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Foi a requerente convidada pelo tribunal a concretizar a matéria de facto alegada no seu requerimento de Injunção, e notificada, ao abrigo do disposto nos artigos 3.º, n.º 3, e 547.º do CPC, a pronunciar-se, querendo, quanto à matéria de exceção deduzida pela ré na oposição.
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A requerente veio apresentar nova petição, e pronunciar-se, além do mais, sobre a Reconvenção deduzida, pugnando pela sua inadmissibilidade, com o fundamento de que no âmbito do processo especial previsto no Decreto-Lei nº 269/98, não é admissível a Reconvenção.
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Foi então proferido o seguinte despacho (do qual se recorre): “I – QUESTÕES PRÉVIAS: 1. Da inadmissibilidade da reconvenção deduzida pela ré Na oposição que apresentou, veio a ré deduzir pedido reconvencional contra a autora, pedindo que, na hipótese de proceder a acção, seja considerado compensado o valor peticionado pela autora com o que alega ser devido por esta à ré, extinguindo-se o referido crédito, por compensação e, seja ainda a autora condenada a pagar à ré a quantia de € 8.005,15, acrescida de juros de mora contabilizados desde a notificação da oposição até efectivo e integral pagamento. Pronunciando-se quanto ao pedido reconvencional deduzido pela ré, veio a autora pugnar pela sua inadmissibilidade.
Cumpre apreciar e decidir.
Resulta das disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.ºs 1 e 2, 16.º, n.º 1, e 17.º, n.º 1, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, que deduzida a oposição, são os autos apresentados à distribuição que imediatamente se seguir, podendo o juiz julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer, ou decidir do mérito da causa, ou então, designar data para a realização da audiência. Da conjugação dos normativos vindos de referir resulta, assim, que as acções declarativas especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, comportam unicamente dois articulados, o requerimento inicial e a oposição, não sendo admissíveis quaisquer outros articulados para além destes. Neste conspecto resulta, desde logo, legalmente inadmissível a dedução de pedido reconvencional, conforme, aliás, tem vindo a ser entendido, cremos que de forma maioritária, pela jurisprudência (vide, neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.05.2010 (…), Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10.02.2011, (…), e de 24.02.2018 (…), todas disponíveis in www.dgsi.pt). Compreende-se a opção do legislador, atenta a natureza especialmente célere e a tramitação simplificada dos presentes autos. Sem prejuízo do exposto, entendemos que nada obstaria, todavia, à invocação pela ré da compensação de créditos por via de excepção, mas apenas na hipótese do montante do crédito a compensar não exceder o do crédito invocado pela autora, na medida em que só nessa hipótese configuraria a pretendida compensação uma causa extintiva da obrigação alegada pela autora, pelo que a inadmissibilidade do pedido reconvencional, não impediria que pudesse o Tribunal conhecer da eventual compensação de créditos, a título de excepção peremptória (vide, no mesmo sentido, Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.11.2020 (…), de 05.03.2020 (…), de 10.07.2019, (…), e de 13.06.2019 (…), todos disponíveis in www.dgsi.pt). Sucede, porém, que não é essa também a hipótese verificada nos autos, na medida em que o crédito de que se arroga titular a ré sobre a autora é de montante superior ao do valor do crédito reclamado nestes autos por esta, pelo que a compensação pretendida teria sempre que ser deduzida por via reconvencional, via essa que, vimos já, não se revela legalmente admissível no âmbito destes autos. Pelo exposto, por ser legalmente inadmissível, decide-se não admitir a reconvenção deduzida pela ré”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a Requerida interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“A. A Recorrida apresentou um requerimento de Injunção no qual peticiona a condenação da Recorrente no pagamento de € 14.440,45, por serviços por si alegadamente prestados e não pagos pela última; B. A Recorrente apresentou a competente Oposição à Injunção, no âmbito da qual formulou um pedido reconvencional com vista a fazer operar a compensação relativamente ao crédito que detém sobre a Recorrida, o qual se fixa em € 22.445,60; C. Nessa sequência, foi proferido Despacho Saneador recorrido, o qual, ainda que não tenha determinado a extinção total da instância, decidiu do mérito da causa ao julgar legalmente inadmissível a compensação invocada pela Recorrente por via da reconvenção; D. A doutrina e a jurisprudência têm vindo a considerar que decide do mérito da causa o despacho saneador que aprecie exceções perentórias como a compensação; E. Dúvidas não restam., por isso, de que o presente recurso é admissível, nos termos do disposto no artigo 644.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (CPC); F. Ainda que assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se concebe, sem conceder, o Despacho que se vem de referir sempre seria recorrível ao abrigo da alínea h), do n.º 2, do artigo 644.º, do CPC; G. Com efeito, caso aquela decisão se mantenha, a audiência de discussão e julgamento realizar-se-á sem se apreciar o mérito da matéria invocada em sede de reconvenção, ficando a Recorrente sujeita a ser condenada no pagamento da elevada quantia peticionada pela Recorrida, sem que lhe seja permitido o exercício cabal do seu direito de defesa; H. Na verdade, a impugnação, apenas com o recurso da decisão final, da decisão que não admitiu a reconvenção, tornaria essa decisão absolutamente inútil, porquanto impossibilitaria que se discutisse e produzisse prova sobre os factos relativos ao mérito da reconvenção em sede de audiência de discussão e julgamento; I. Assim, estar-se-ia a obrigar a repetição da audiência de discussão e julgamento, bem como a Recorrente a pagar à Recorrida valores dos quais é, afinal, credora, e que só iria eventualmente reaver após a repetição da audiência de discussão e julgamento; J. É consabido que o objetivo primordial do legislador ao criar a forma de ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias foi o de promover a celeridade; K. Caso não se admita a reconvenção deduzida, estar-se-á a comprometer a referida celeridade, porquanto se estará a obstar à discussão e julgamento, numa só ação, de factualidade intimamente relacionada; L. Obrigando à instauração de uma nova ação, com todos os custos a ela associados; M. Prevê o artigo 647.º, n.º 4, do CPC, a possibilidade de o Recorrente requerer que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução; N. Conforme referido anteriormente, caso o presente Recurso tenha efeito meramente devolutivo, a Recorrente ver-se-á privada de ver apreciada e julgada matéria invocada na reconvenção, bem como exposta a uma condenação que, considerando o montante peticionado, lhe causará um enorme prejuízo e não refletirá os créditos e contra-créditos existentes entre as Partes; O. Não sendo atribuído efeito suspensivo ao presente Recurso, no caso de procedência do mesmo, seria forçosa a repetição da audiência de discussão e julgamento, onde se discutiria o mérito da reconvenção deduzida – a qual, sendo considerada procedente, como se espera, obrigaria a Recorrida a devolver à Recorrente valores que nunca deveria ter recebido, ficando a Recorrente à mercê da capacidade financeira que a Recorrida na altura apresentasse; P. Em suma, não sendo atribuído efeito suspensivo ao presente Recurso, a Recorrente poderá vir a ser condenada em montante bastante superior àquele que efetivamente é o real – o que lhe causará um prejuízo considerável, nos termos e para os efeitos do disposto no mencionado n.º 4 do artigo 647.º do CPC; Q. Como tal, a Recorrente desde já se oferece para prestar caução, no montante de € 14.440,45, mediante depósito bancário à ordem do Tribunal, em prazo a fixar por V. Exa.; R. Em sede de reconvenção, a Recorrente alegou e fundamentou ser credora da Recorrida do montante de € 22.445,60, que corresponde à diferença entre a totalidade do valor por si pago (€ 28.057,00) pelos serviços de criação de um software para implementação da solução de gestão de transportes aTrans – os quais deveriam ser prestados pela Recorrida – e o valor correspondente aos serviços efetivamente prestados; S. Em causa, está uma empreitada apenas parcialmente executada e que padece de inúmeros defeitos, todos eles tempestivamente denunciados pela Recorrente mas não eliminados pela Recorrida; T. Na sua Oposição à Injunção, a Recorrente fez operar a compensação do seu contra-crédito por via de reconvenção; U. Sucede que, o Tribunal a quo entendeu que a reconvenção deduzida é legalmente inadmissível, porque as ações declarativas especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias apenas comportam dois articulados; V. Salvo o devido respeito, tal entendimento afronta os princípios da economia processual e da celeridade, na medida em que obsta a que, numa só ação, se decida duas pretensões que assentam em factualidade comunicante e intimamente relacionada; W. Tem sido perfilhado pela jurisprudência e pela doutrina o entendimento segundo o qual a compensação pode operar por duas vias possíveis: a da exceção perentória e a via da reconvenção; X. Para que a compensação possa operar, exige-se a verificação dos seguintes requisitos: a) a existência de dois créditos recíprocos; b) a exigibilidade (forte) do crédito do autor da compensação; c) a fungibilidade e a homogeneidade das prestações; d) a não exclusão da compensação pela lei; e e) a declaração de vontade de compensar; Y. Todos os requisitos se mostram, in casu, preenchidos; Z. O artigo 266.º, n.º 2, al. c) do CPC, face à redação introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26/6, refere a possibilidade do exercício da compensação através de dedução de reconvenção; AA. A questão prende-se com a aplicação das regras gerais da compensação às ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOPs); BB. A doutrina tem vindo a defender que não existem razões que obstem à aplicação das regras gerais do CPC às AECOPs, sobretudo tendo em consideração que o regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, é manifestamente insuficiente para regular aquele tipo de ação; CC. Além disso, a admissibilidade da reconvenção neste tipo de ação permite, desde logo, salvaguardar os princípios da economia e celeridade processual, na medida em que evita a instauração de nova ação judicial, aproveitando-se a ação em curso; DD. Se, para tal, a Meritíssima Juiz de Direito tiver de lançar mão dos seus soberanos poderes de gestão processual e adequação formal, então deve fazê-lo, adaptando a tramitação processual adequada às especificidades da causa; EE. Caso assim não se entenda, será vedado à Recorrente o direito a ver ressarcido o contra-crédito que detém sobre a Recorrida e, consequentemente, o direito a exercer a sua defesa por esta via; FF. Importa, por último, referir que, caso seja admitida a reconvenção deduzida, não emergirá qualquer prejuízo para as Partes; GG. Será, aliás, mais vantajoso para ambas as Partes, que, assim, não serão obrigadas a discutir a mesma factualidade em duas ações distintas. Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser admitido, sendo-lhe atribuído efeito suspensivo, com a consequente revogação da decisão proferida que julga inadmissível a reconvenção deduzida e a sua substituição por outra que declare admissível a referida reconvenção, com todas as legais consequências”.
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A recorrida veio Responder ao Recurso, pugnando pela sua improcedência.
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II- OBJETO DO RECURSO:
A questão decidenda a apreciar é delimitada pelas conclusões do recurso: saber se a reconvenção é admissível nos processos de injunção que devido à oposição deduzida seguem os termos das AECOPs.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Os factos a considerar para a decisão da questão suscitada são os contantes do relatório deste acórdão e da decisão recorrida.
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IV- O DIREITO.
Vem o recurso interposto da decisão recorrida que considerou que as ações declarativas especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato - como é o caso da presente ação -, comportam unicamente dois articulados: o requerimento inicial e a oposição, não sendo admissíveis quaisquer outros articulados para além destes.
Insurge-se a apelante contra o despacho recorrido por entender que “ A reconvenção é legalmente admissível em sede de ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias, sendo essa «a solução que resulta da conjugação do Art 549.º, n.º 1 com o art.266, n.º 2, al. c”. Para o efeito, invoca jurisprudência que sustenta tal tese.
Vejamos.
Desde já diremos que, seguimos de perto e literalmente o Acordão em que foi relatora a ora relatora em substituição ( AC do TRG de 25-05-2023,publicado in dgsi), porquanto a questão é a mesma.
No caso vertente estamos perante um procedimento de injunção, o qual uma vez apresentada a oposição, e remetidos os autos à distribuição, nos termos do disposto no 16.º do Anexo ao DL 269/98, de 1.09, segue, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do art. 1.º e nos arts. 3.º e 4.º (art. 17.º, n.º 1 do referido Anexo).
O procedimento de injunção apenas é utilizável quando se destina a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000 ou, independentemente desse valor, de obrigações emergentes de transações comerciais que não integrem as exceções previstas nas enunciadas alíneas a), b) e c) do predito decreto-lei 62/2013 (artigo 2º/2).
É certo que neste tipo de ações apenas se mostram legalmente previstos dois articulados – a petição inicial e a oposição.
Estando em causa um pedido inferior a 15.000,00€, a decisão recorrida considerou convocável o regime especial de procedimento e, portanto, a inviabilidade processual da reconvenção.
Contudo, o procedimento de injunção, após ser deduzida oposição, transmuta-se em processo declarativo que poderá revestir a forma especial ou comum, em função do valor.
Se estiver em causa uma injunção destinada à cobrança de dívida fundada em transação comercial com valor superior a 15.000,00€, em que tenha sido deduzida oposição, ela segue os termos do processo comum (artigo 10º/2 do identificado decreto-lei n.º 62/2013).
Se a injunção se destinar à cobrança de dívida de valor não for superior a 15.000,00€, ela segue a forma de processo especial (artigos 3.º a 5.º do referido decreto-lei n.º 269/98, de 1 de setembro).
Ora, a lei não toma posição clara sobre a admissibilidade da reconvenção em processo originariamente de injunção e, por isso, existe controvérsia na jurisprudência.
Conforme resumidamente se lê no AC. RL de 23-02-2021, relator Luís Pires de Sousa a respeito desta temática e da invocação da compensação de créditos em sede de pedido reconvencional, perfilam-se três teses:
a) A da inadmissibilidade da reconvenção uma vez que tal não se coaduna com a simplicidade de tramitação e celeridade que o legislador pretendeu imprimir a esta forma processual ( Neste sentido, veja-se, entre outros, Ac. TRL de 05-02-2019, proc. 75830/18.6YIPRT.L1, relator Carlos Oliveira; Ac. TRP de 21-06-2021, proc. 83857/20.1YIPRT-A.P1, relator Pedro Damião e Cunha; Ac. TRE de 23-04-2020, proc. 90849/19.1YIPRT-A.E1, relator Francisco Matos), tendo sido esta a tese seguida pela decisão recorrida;
b) A da admissibilidade da dedução da compensação, mas como exceção perentória sob pena de ser coartado um meio de defesa ao requerido ( Neste sentido, Ac. TRC de 16-01-2018, proc. 12373/17.1YIPRT-A.C1, relatora Maria João Areias; Ac. TRG de 05-11-2020, proc. 9426/20.2TIPRT-A.G1, relatora Lígia Venade; Ac da RG de 5-03.2020, proc. (104469/18.2YIPRT.G1), relator Ramos Lopes; Ac. RG 5/3/2020 (3298/16.9T9VCT-B.G1 ( (e no qual a ora relatora teve intervenção como 1ª adjunta);
c) A da invocação da compensação de créditos por via da dedução de reconvenção, devendo o juiz, se necessário, fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal para ajustar a respetiva tramitação à dedução do pedido reconvencional.” ( Neste sentido, veja-se Acs. TRL de 09-10-2018, proc. 102963/17.1YIPRT.L1, relator Cristina Coelho; de 16-06-2020, proc. 77375/19.8YIPRT-A.L1, relator Micaela Sousa; e de 23-02-2021, proc. 72269/19.0YIPRT.L1, relator Luís Filipe Sousa; AC RP de 13-06-2018, relator Rodrigues Pires; AC RP de 14-12-2022, relator Carlos Portela; Ac da RG de 17-12-2018, Proc. 110141/17.3YIPRT.G1, relatora Fernanda Proença; AC da RG de 31-01-2019; proc. 53691/18.5 YIPRT.A-G1, relatora Maria Purificação Carvalho; AC RG de 15-12-2022. Proc. 117544/21.7YIPRT-B.G1, relatora Maria Cristina Cerdeira), sendo esta a tese defendida pela recorrente.
Salvo o devido respeito, cremos ser esta última posição a que melhor reflete o espírito do atual processo civil, o qual dá prevalência às decisões de mérito sobre as decisões formais, recorrendo para tal designadamente aos princípios da gestão processual e da adequação formal.
Saliente-se que, mesmo sem considerar a situação particular do instituto da compensação, já o STJ, basicamente por razões de igualdade, defendeu ser de admitir a reconvenção neste tipo de procedimentos, considerando expressamente inexistir “motivo de justiça material que justifique o tratamento desigual que se consubstancia em admitir a reconvenção em procedimento de injunção instaurado por comerciante contra outro comerciante e destinado à cobrança de quantia de valor superior a metade da alçada da Relação, mas em rejeitá-la em procedimento de injunção destinado à obtenção do pagamento de importâncias de valor inferior” – ac. de 6.6.2017, proc. 147667/15.5YIPRT.P1.S2.
Do mesmo modo, enfatizando nestes casos a aplicação do princípio da adequação processual ínsito no art. 547.º CPC, o já supra mencionado Ac. RG, de 31.1.2019 (Proc.53691/18.5YIPRT.A-G1, relatora Maria Purificação Carvalho): «Afigura-se-nos de frágil sustentabilidade o entendimento de que a proibição de reconvenção se extrai da existência de apenas dois articulados e do escopo de celeridade que presidiu à criação dos procedimentos em causa. A celeridade é um valor inerente a qualquer procedimento processual, não apenas a estes, e a ilação extraída da existência de apenas dois articulados contraria frontalmente o princípio da adequação processual, consagrado no art.º 547 do C. P. Civil, com o qual se pretende evitar que razões de natureza adjectiva obstem à realização do direito substantivo.
O caso sub judice, tal como nos é dado conhecer, apresenta-se como um típico exemplo em que débeis razões processuais obstariam à realização da justiça, sem que se vislumbre valor jurídico que tal justifique. Com efeito, a apreciação da defesa apresentada pela requerida impõe-se sob pena de não se perceber a relação contratual entre as partes estabelecida e de se apreciar apenas uma pequena parte dessa relação (pequena parcela nos termos definidos pela recorrente).
(…)
ainda que a requerida não se encontre impedida de, em acção a instaurar posteriormente, vir a pedir o reconhecimento do seu crédito, tal reconhecimento não ocorrerá a tempo de o poder contrapor ao crédito da requerente, pois que vedando-lhe a invocação do contracrédito na presente acção, significará que, na prática, ainda que possua (no âmbito dessa mesma relação), um contracrédito contra a requerente, a requerida será obrigada a, em primeiro lugar, satisfazer o crédito da requerente, correndo o risco de o seu contracrédito não vir a ser satisfeito.»
Do mesmo modo se defendeu no supra citado ac. da RL de 23-02-2021, aí se enfatizando que a jurisprudência tem vindo a alterar a posição de rejeição da reconvenção que antes vinha sendo pacificamente assumida com várias ordens de razões: “ é a solução que resulta da conjugação do Art. 549º, nº1 com o Art. 266º, nº2, al. c); permite a apreciação numa única ação das questões que, doutra forma, teriam de ser apreciadas em duas ações (cf. Art. 729º, al. h)); a imediata apreciação da compensação evita que o compensante suporte o risco de insolvência da contraparte; conforma-se melhor com o princípio da igualdade das partes; o legislador quis facilitar a compensação; é a posição que mais se conforma com o espírito do atual processo civil, o qual dá prevalência às decisões de mérito sobre as decisões formais, recorrendo para tal designadamente aos princípios da gestão processual e da adequação formal.”.
Igualmente Miguel Teixeira de Sousa, em diversos textos publicados no Blog do IPPC( último dos quais, em 15.05.2020, em comentário aos dois Acordãos da RG de 05-03-2020 e supra citados e sob a epígrafe “AECOPs e compensação: que tal simplificar o que é simples?» ), propugnou a aplicação, já relativamente à ação declarativa especial (AECOP), do regime da reconvenção, argumentando, em resumo que sendo a AECOP um procedimento especial, são-lhe aplicáveis as regras gerais do CPC (art. 549.º n.º 1), entre as quais se conta as da reconvenção (art. 266.º), cabendo ao juiz, utilizando os seus poderes de gestão processual e de adequação formal (artigos 6.º e 547.º), adaptar o processo à tramitação da reconvenção; relegar a invocação da compensação para a oposição a subsequente execução (art.º 729.º, al. h), implicaria um desnecessário desperdício de recursos e violaria o princípio constitucional da igualdade.
Conforme se sintetiza no AC da RP de 14-12-2022 ( Carlos Portela) supra citado “ a argumentação que está na base daquelas decisões, pode pois concluir-se da seguinte forma:
Atenta a redacção dada pelo legislador ao art.º 266º, nº 2, al. c) do actual Código de Processo Civil, impõe-se concluir que foi intenção do mesmo estabelecer que a compensação de créditos, independentemente do valor dos créditos compensáveis terá sempre de ser operada por via da reconvenção.
Apesar de ser aceite o entendimento generalizado de que no âmbito do processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98 (emergente de injunções de valor não superior a 15.000,00€), não é admissível reconvenção, ainda assim nesta forma de processo, deve ser dada ao réu a possibilidade de invocar a compensação de créditos, devendo o juiz, se necessário, fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal ajustando a respectiva tramitação à dedução do pedido reconvencional.
Tudo isto porque não faz sentido que se retire ao réu a possibilidade de numa acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) invocar a compensação de créditos por via da dedução de reconvenção, quando essa a mesma pode ser posteriormente invocada por este como fundamento de oposição à execução, atento o disposto no art.º 729º, alínea h) do Código de Processo Civil.”
Acresce dizer ainda que tal como o afirma expressamente Miguel Teixeira de Sousa, os fundamentos para a admissibilidade da dedução da reconvenção para fazer valer a compensação valem para todos os outros casos em que, nos termos do art.º 266.º, n.º 2, CPC, a reconvenção seja admissível na AECOP pendente – cf. neste sentido, “AECOPs e Compensação, Blog IPPC, 26-04-2017 https://blogippc.blogspot.com.”.
Aquele mesmo Professor, num outro post, em 15-03-2023, no mesmo blogue e em comentário ao Ac do TRP de 13/3/2023 (109593/21.1YIPRT-A.P1), realça de modo impressivo o seguinte : “ Realmente, a que título é que se coarcta ao demandado a possibilidade de se defender através da extinção por compensação do crédito do demandante? É constitucionalmente admissível criar uma situação de desigualdade entre as partes, proibindo que uma delas utilize os meios de defesa que resultam do direito substantivo?
Note-se que esta desigualdade pode prejudicar qualquer das partes da acção. Havendo dois credores recíprocos, aquele que primeiro intentar a AECOP (ou requerer a injunção) impede o outro de invocar o crédito compensante. A solução acaba por favorecer uma muito discutível estratégia processual: precisamente a de favorecer a escolha propositada da AECOP (ou do procedimento de injunção) para impedir a defesa do demandado através da compensação.”.
Por todas aquelas razões aduzidas, propendemos a aceitar que o facto de se tratar de ação que admite apenas dois articulados e de se visar com ela a simplicidade e celeridade processual, não significa que se não admita a reconvenção.
Seria materialmente injusto e violador do princípio da igualdade, não permitir que a requerida, invocando factos que podem ser até base de exceções (pense-se na exceção de não cumprimento) e que, portanto, serão necessariamente conhecidos na corrente ação, fosse obrigada a propor ação posterior para ver reconhecido eventual crédito que daí resultasse para si com base nos mesmos factos.
Concluindo, entende-se que devem ser usados os poderes de gestão e adequação processual previstos nos arts. 6º e 547º do CPC, por forma a ajustar a tramitação das ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias à dedução do pedido reconvencional, desde que esse seja admissível nos termos prescritos no art. 266º do CPC.
Nunca será demais recordar que o processo civil tem uma função de instrumentalidade face ao direito material.
Revertendo estas considerações ao caso dos autos, impõe-se a procedência da apelação, com a revogação da decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus termos, mediante análise dos requisitos constantes do art. 266º do CPC.
V- Decisão:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta 3ª secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que admita a reconvenção, caso conclua pela verificação dos demais requisitos legais necessários à sua admissibilidade, seguindo-se as devidas consequências legais.
Custas pela parte vencida, ora apelada ( cfr. art. 527º do CPC).
Notifique.
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Guimarães, 6 de fevereiro de 2025
Assinado eletronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira ( relatora em substituição da relatora inicial, por esta ter ficado vencida na deliberação)
Luís Miguel Martins
Voto de vencida (na qualidade de Relatora inicial):
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Tenderia a julgar a Apelação improcedente, e a confirmar a decisão recorrida, pelos fundamentos que exponho – e que, por facilidade de exposição, retirei do projeto que apresentei aos Exmos Srs. Adjuntos, e que transcrevo:
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Vem o recurso interposto da decisão recorrida que considerou que as ações declarativas especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato - como é o caso da presente ação -, comportam unicamente dois articulados: o requerimento inicial e a oposição, não sendo admissíveis quaisquer outros articulados para além destes.
E que neste conspecto, resulta desde logo inadmissível a dedução de pedido reconvencional, por inexistir um terceiro articulado (a Réplica) onde a requerente possa pronunciar-se sobre tal pedido.
Compreende-se, na versão do julgador, a opção do legislador, atenta a natureza especialmente célere e a tramitação simplificada dos presentes autos, pelo que se conclui pela não admissão da reconvenção deduzida pela requerida.
Insurge-se a recorrente contra tal decisão, argumentando, no essencial, que o entendimento perfilhado pelo tribunal recorrido afronta os princípios da economia processual e da celeridade, na medida em que obsta a que, numa só ação, se decidam duas pretensões, que assentam em factualidade comunicante e intimamente relacionada, e que poderia a julgadora ter lançado mão dos seus soberanos poderes de gestão processual e adequação formal, para adaptar a tramitação processual do tipo de ação em presença, às especificidades da causa.
Mas não podemos concordar com a recorrente.
Fazendo um enquadramento legal da questão, constatamos que a presente ação é uma Ação Especial para Cumprimento de Obrigações pecuniárias (AECOP), tramitada nos termos previstos no DLei n.º 269/98, de 1.9., na sequência da apresentação pela requerente de um procedimento de Injunção no Balcão Nacional de Injunções.
Efetivamente, o DL n.º 269/98, de 1 de setembro aprovou o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias, prevendo-se no seu artigo 7.º que «Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro».
Este procedimento traduz-se num mecanismo processual conferido ao credor de obrigação pecuniária emergente de contrato, de montante não superior a quinze mil euros (ou de transação comercial para os efeitos do decreto-lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, sem qualquer limite quanto ao montante do crédito), a fim de lhe permitir, de modo mais célere, a obtenção de um título executivo que lhe faculte o acesso direto à ação executiva.
Efetivamente, o artigo 1.º do diploma preambular (DL n.º 269/98, de 1.09) reporta-se ao “regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000”.
O n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio (para o qual se considera atualmente feita a remissão prevista no art.º 7.º do DL 269/98, de 1/09, face ao disposto no artigo 13.º do DL 62/2013, de 10/05), define, por sua vez, o âmbito de aplicação daquele diploma, a “pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais”, excluindo o n.º 2 desse âmbito normativo: “a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais; c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros”.
A alínea b) do artigo 3.º do citado DL 62/2013, de 10/05, define “transação comercial”, como «uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração».
Finalmente, o artigo 10.º do mesmo diploma legal (DL 62/2013, de 10/05), estabelece o seguinte regime de “Procedimentos especiais”: “1- O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida. 2 - Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum. 3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais. 4 - As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação» (realce nosso).
Decorre assim dos dispositivos legais citados, que o procedimento de injunção apenas é utilizável quando se destina a exigir o cumprimento: a) de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000 (artigo 1.º do diploma preambular citado); b) ou, independentemente desse valor (art.º 10.º do DL 62/2013 de 10/05), de obrigações emergentes de transações comerciais que não integrem as exceções previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art.º 2.º do DL 62/2013 de 10/05.
Isto posto,
Nos presentes autos, vem reclamado pela requerente um crédito no montante de €14.338,45, sendo tal valor crucial para a definição do tipo de ação a seguir após a Oposição deduzida pela requerida, e a respetiva tramitação dos autos.
Com efeito, o procedimento de injunção, após ser deduzida oposição, transmuta-se em processo declarativo, que poderá revestir a forma de processo especial, ou a forma de processo comum, em função do valor da Injunção: nas injunções destinadas à cobrança de dívida fundada em transação comercial com valor superior a €15.000,00, após a dedução da Oposição, a ação segue os termos do processo comum (art.º 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio); nas injunções destinadas à cobrança de dívida de valor não superior a €15.000,00, a forma de processo a seguir é o processo especial (AECOP) (art.º 3.º a 5.º do DL n.º 269/98, de 1 de setembro).
Assim, face ao seu valor, o presente procedimento corre termos na forma de Ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, tramitando-se de acordo com o regime processual aprovado pelo DL 269/98, 1.09.
É aqui que se coloca então a questão fulcral suscitada pela recorrente: a da viabilidade, na ação especial em causa, da dedução de pedido reconvencional, nomeadamente visando a realização da compensação de créditos.
Adiantando já soluções, afirmamos que aderimos integralmente à decisão recorrida, assim como aos ensinamentos de Salvador da Costa (“A Injunção e as Conexas Acção e Execução”, Almedina, 6.ª edição, 2008, pág. 88) quando refere, que «Não obstante a compensação só poder ser suscitada por via de reconvenção, pensamos que, se neste tipo de ação ela for deduzida, deve ser liminarmente indeferida, caso em que o respetivo valor processual é insuscetível de adição ao valor processual da ação, designadamente para efeito da alteração da regra da competência ou da interposição de recurso».
Efetivamente, face ao disposto na alínea c) do n.º 2 do art.º 266.º do atual CPC - que impõe a reconvenção como meio processual para o exercício do direito de compensação, caso o seu valor exceda o do pedido principal -, o problema da admissão da Reconvenção é acrescido, decorrente do facto de tal articulado implicar automaticamente a adição do valor da ação (art.º 299.º CPC), o que se pode traduzir numa alteração da forma da ação declarativa.
In casu, considerando o valor da ação - € 14.338,45 -, e o valor da reconvenção - € 22.445,60 -, teríamos um valor muito superior ao permitido para a tramitação da ação em que se transmutou o procedimento de Injunção previsto no artigo 1.º do diploma preambular - DL n.º 269/98, de 1.09.
Diferente seria já a situação, caso a Injunção fosse de valor superior a €15.000,00, pois como adianta Salvador da Costa (ob. e local citados), «Nessa hipótese (…) é admissível a formulação de reconvenção na oposição ao procedimento de injunção, essencialmente sob o argumento de a tramitação processual imprimida ter passado a ser, após a oposição, a do processo comum».
De facto, a jurisprudência tem entendido, de forma generalizada e pacífica, que em função da natureza da forma processual que se segue à oposição à injunção (e consequente distribuição como ação declarativa), se definirá a viabilidade da reconvenção, concluindo que tal articulado será sempre viável nas ações de natureza comum (decorrentes de injunção referente a transação comercial de valor superior a €15.000,00).
Como se concluiu no Ac. RP de 14.05.2012 (disponível em www.dgsi.pt), «O problema não é original nas decisões das Relações, e todas elas se encaminham, tanto quanto constatamos, para o entendimento que distingue as injunções em dois tipos, concluindo que aquelas que correspondem a transações comerciais com pedidos superiores à alçada da Relação (anteriormente, à alçada do tribunal) implicam o prosseguimento do processo como ação comum ordinária e, por isso, permitem a dedução de reconvenção pelo requerido que, entretanto, com a oposição, passou a réu» (cfr. no mesmo sentido os Acs. da RP de 15.5.2012 e de 26.1.2015; e da RE de 21.1.2016, todos disponíveis em www.dgsi.pt.).
No que respeita às ações com processo especial (de valor não superior a €15.000,00, como ocorre com aquela que apreciamos) a jurisprudência em geral, assim como a doutrina, tem entendido que não é viável a reconvenção (Acs. RP de 10.2.2011, de 2.05.2015 e de 24.1.2018; da RC de 7.06.2016; da RL de 6.5.2010, 12.11.2015, 12/12/2020, e 26-09-2024; da RE de 3.12.2015 e 9.2.2017; e da RG de 22.06.2017, - todos disponíveis em www.dgsi.pt).
São em geral expendidos os seguintes argumentos, para obstar à admissibilidade da reconvenção neste tipo de ações: há apenas dois articulados, não comportando este processo especial um terceiro articulado/resposta; e o legislador pretendeu instituir um processo particularmente célere.
E assim é, de facto: o processo especial em análise apenas comporta dois articulados – o requerimento de Injunção e a Oposição -, inexistindo na tramitação legal a previsão de um terceiro articulado onde possa ser debatido o pedido reconvencional deduzido, restando ao requerente a possibilidade de debater oralmente, na audiência de Julgamento, as exceções deduzidas pelo requerido (art.º 3º nº 4 do CPC).
Como se anotou no Ac. do STJ de 24/09/2015 (www.dgsi.pt), face ao disposto nos artigos 3º e 4º do Anexo ao Diploma Preambular do DL nº. 269/98, de 01/09, “e ao modelo que presidiu ao regime nele estabelecido – o da antiga ação sumaríssima – não podemos deixar de concluir que tal ação especial não comporta a possibilidade de ser deduzida reconvenção, ao contrário do que acontece nas ações de processo comum”.
Como resulta ademais do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 269/98, este tipo de procedimentos especiais veio corresponder à observação de que “a par de um aumento explosivo da litigiosidade, esta se torna repetitiva, rotineira, indutora da "funcionalização" dos magistrados, que gastam o seu tempo e as suas aptidões técnicas na prolação mecânica de despachos e sentenças”.
Assim, uma das forças motrizes da criação destes processos especiais foi a desjudicialização de certo tipo de litígios, e a simplificação do processo civil.
Como se acentuou no Ac. RL de 12/12/2020 (disponível em www.dgsi.pt), “A ideia era afastar a rigidez da legalidade da forma de processo, limitar o objeto da controvérsia a determinados pontos de direito substantivo, e afastar diretamente alguns atos do formalismo legalmente previsto - Américo de Campos Costa, in O Processo Simplificado do Art. 464-A - Tribuna de Justiça, n.º 2, Fevereiro/Março, 1990, p. 58.
É nesta tendência legislativa que se inscreve o regime dos procedimentos aprovados pelo Decreto-Lei n.º 269/98 de 1.9.
Este diploma legal, na sua versão original, apenas se aplicava aos pedidos de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada da 1.ª instância.
Ora, no Código de Processo Civil de 1961, o processo declarativo comum poderia seguir a forma ordinária, sumária ou sumaríssima (artigo 461.º), sendo esta última a forma de processo comum adequada ao cumprimento de obrigações pecuniárias de valor inferior a metade da alçada do tribunal de comarca (artigo 461.º, n.º 1, in fine).
O processo sumaríssimo era uma forma de processo mais simplificada, que compreendia apenas dois articulados - a petição e a contestação -, estabelecia prazos mais curtos, os meios de prova eram mais limitados, e não havia fase de saneamento dos autos, passando o processo logo para a fase de julgamento, com prolação imediata da sentença (artigos 793.º a 800.º do CPC de 1961).
Já então a questão da admissibilidade da reconvenção em processo sumaríssimo era discutida, havendo uma corrente, porventura maioritária, que entendia que a resposta a essa questão deveria ser negativa (vide, neste sentido, Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. VI, 1953, p. 493; Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 1985, pp. 745 e 746; Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, 1999, p. 315).
Neste diapasão alinhava também a jurisprudência (como por exemplo, o acórdão do TRL de 30.3.1982, BMJ n.º 321, p. 433, o acórdão do TRP de 8.2.1983, BMJ n.º 326, p. 536, e o acórdão do TRE de 7.5.1998, BMJ n.º 477, p. 586), argumentando-se que na referida forma de processo não havia resposta à contestação, devendo logo designar‑se data para julgamento. Considerava-se que a celeridade e a simplicidade do processo não se compaginavam com o exercício da defesa por reconvenção.
Esta argumentação não está desfasada da realidade do regime dos procedimentos especiais aprovados pelo Decreto-Lei n.º 269/98, os quais, de igual modo, só contemplam dois articulados - a petição ou formulário de injunção e a contestação ou oposição - artigos 1.º a 4.º e artigos 15.º a 17.º do regime de processos anexo a esse diploma.
Daí que seja legítimo continuar a sustentar que a lei, intencionalmente, veda a dedução de pedido reconvencional na espécie de processos aqui em causa, sustentando-se que esta solução legal não afeta os direitos de defesa do réu, porquanto o mesmo poderá, se tiver fundamento legal para o efeito, fazer valer os mesmos em ação própria…”.
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E aderimos integralmente aos argumentos expendidos no acórdão citado, que segue a posição jurisprudencial maioritária.
E tal posição não pode ser derrogada pela afirmação da recorrente, de que a tal ação se aplicam, nos termos do n.º 1 do art.º 549.º do CPC, não só as disposições que lhe são próprias, mas também as regras gerais e comuns do processo civil, sendo que a norma que expressamente regula a admissibilidade do pedido reconvencional se integra nas disposições gerais do Cód. Proc.
Efetivamente, o artigo 266.º, n.º 2, al. c) do CPC, com a redação que lhe foi introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26/6, refere a possibilidade do exercício da compensação através de dedução de reconvenção. E daí a afirmação da recorrente (alegadamente com acompanhamento na doutrina), de que não existem razões que obstem à aplicação das regras gerais do Código de Processo Civil às Ações especiais em causa, sobretudo tendo em consideração que o regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, é manifestamente insuficiente para regular aquele tipo de ação.
Rebatemos tal afirmação com o seguinte argumento: a aplicabilidade daquela norma geral ao caso concreto, deve aferir-se por via da sua compatibilidade com o modelo da ação especial em apreço, nomeadamente na fase dos articulados, não podendo olvidar-se as adaptações que a norma subsidiária teria de sofrer na sua aplicação, em virtude das diferenças estruturais fundamentais que existem entre o processo comum e o processo especial em causa.
Como escreve Salvador da Costa a este propósito (ob. e local citados) “…no que concerne à ação declarativa em análise, a lei confina essa forma de processo especial unicamente a dois articulados, a petição inicial e a contestação, e estabelece que este último instrumento só é notificado ao autor aquando da notificação do despacho designativo da data de julgamento. Isso significa que a resposta pelo autor a eventuais exceções que o réu deduza na contestação só pode ocorrer, oralmente, sob registo na ata, no início da audiência de discussão e julgamento (artigo 3.º, n.º 4 do Código de Processo Civil). Daí resulta a intencionalidade da lei no sentido de proibir a dedução de pedido reconvencional na espécie em causa, o que, aliás, está de acordo com a simplificação que a caracteriza, em função da reduzida importância dos interesses suscetíveis de a envolver ou da estrutura do litígio em causa…”.
E em corroboração do aduzido, acrescenta que “…nestes casos, os princípios da simplicidade e celeridade processual, reportados à natureza dos litígios para que estes procedimentos foram criados, prevalece sobre o princípio da economia processual que justificaria a admissibilidade em geral dos pedidos reconvencionais, nos termos do artigo 266.º do CPC…” (realce nosso).
São também de realçar nesta matéria as considerações de Rui Pinto (no seu estudo sobre “A Problemática da Dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013”, disponível em www.academia.edu.pt, pp. 17 e 18), onde muito claramente afirma: “Na realidade, os processos especiais não são processos incompletos ou lacunares, a que o artigo 549º acrescentaria articulados, mas processos que veriam diminuída a sua eficácia específica se fossem engordados por normas do processo comum. Na verdade, a relação de subsidiariedade entre processo especial e processo comum guia-se por um princípio paradoxal: o legislador especial regulou o que considerou mais importante e deixou para a lei processual comum o que era secundário. Assim, quando o legislador especial determina que um processo especial apenas tem dois articulados, quis mesmo limitar esse número. Não há lacunas. Mas se o legislador não regula questões como as do procedimento instrutório, i.e., o direito probatório formal, é porque as quis deixar para o disposto no processo civil comum. Aliás, é este tipo de raciocínio que permitia, no passado, a diferenciação entre processo comum ordinário, sumário e sumaríssimo. Se assim não fosse, todos os processos teriam, em maior ou menor grau, o procedimento do processo ordinário ou, atualmente, do processo comum. Em consequência, deve concluir-se que a previsão de reconvenção e de réplica no processo declarativo comum não é transponível ex lege para os processos declarativos especiais. Tal não é de estranhar porquanto estes perseguem desideratos próprios associados a um “timing” processual breve e a um específico objeto processual - os processos declarativos especiais são moldados sobre uma certa espécie de pretensão do autor ou requerente, pelo que a defesa do réu ou requerido é correlata dessa pretensão”.
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Também não sufragamos o entendimento da recorrente, de que a seguir-se o entendimento exposto, ser-lhe-á vedado o direito a ver ressarcido o contra-crédito que detém sobre a recorrida e, consequentemente, o direito a exercer a sua defesa por esta via.
Começamos por dizer que não vemos compatibilidade substancial entre o pedido reconvencional deduzido e este tipo de ação especial. Efetivamente, o pedido reconvencional apresentado pela Requerida, nos termos em que foi suscitado na oposição, tem a natureza de pretensão indemnizatória decorrente do alegado incumprimento do contrato de empreitada (incumprimento qua tale ou na sua vertente de cumprimento defeituoso), pelo que, enquanto tal, não tem por génese ou facto emergente, a exigência de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes daquele mesmo contrato, e nem sequer uma “transacção comercial”, requisito de aplicabilidade do mencionado DL nº. 269/98, mesmo com as consequentes alterações no mesmo introduzidas.
Logo, como bem se decidiu no Ac. RL de 26.9.2024 (disponível em www.dgsi.pt), tal pretensão nunca poderia ser deduzida em processo injuntivo ou em procedimento especial destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15 000,00.
Ou seja, caso a requerida pretendesse acionar a requerente, de forma a exercer o reclamado direito indemnizatório por incumprimento do contrato, instaurando a competente ação judicial, nunca o poderia fazer no quadro dos processos especiais aprovados pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1.9.
Acrescenta-se ainda o seguinte:
Os limites impostos ao réu neste tipo de ação especial não prejudicam o seu direito de defesa, pois o mesmo não fica inibido do exercício do direito de ação, reclamando em processo próprio o crédito a que julga ter direito, não havendo por isso qualquer violação ao disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (cfr. neste sentido o Ac. RP de 12.5.2015; o Ac. RC de 7.6.2016; e o Ac. desta RG de 22.6.2017, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Muito pelo contrário: a admissão da Reconvenção neste tipo de ação especial poderia vir a constituir uma limitação inaceitável ao exercício do seu direito de ação, e ao correspondente direito de defesa da contraparte, tendo em atenção os limites que o Regime Jurídico dos Procedimentos aprovados pelo Decreto-Lei n.º 269/98 impõe às partes, por força da celeridade e simplicidade da causa, traduzidos, por exemplo: na existência de apenas dois articulados, o que constitui uma limitação, quer à reconvenção, quer à defesa por exceção à reconvenção, quer à resposta à exceção à reconvenção; no facto de os meios de prova serem apresentados apenas na audiência final; e na limitação do número de testemunhas que cada parte pode apresentar (artigo 3.º, n.º 1, ex vi do artigo 17.º do regime dos procedimentos aprovados em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98).
Ou seja, a verificação desta limitação não se traduz em qualquer prejuízo para a Recorrente, que não fica inibida de exercer o seu direito no momento oportuno, e com as garantias de um processo justo e equitativo.
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Afirma-se, finalmente, que também não é caso para lançar mão do princípio da gestão processual, na sua vertente de adequação formal (cf. artigo 547.º do CPC) como pretende a recorrente, transplantando as regras do processo declarativo comum para os processos especiais, permitindo ao juiz autorizar a reconvenção e o inerente articulado de resposta.
Como se deixou dito acima, a dedução da reconvenção conduz a um articulado de resposta (a Réplica), o que o regime especial afasta.
Por outro lado, a reconvenção postula um pedido de condenação do autor ou, pelo menos, de reconhecimento do direito do devedor, o que está fora do escopo da ação especial: formar título executivo contra o devedor, nos termos do artigo 2.º do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98.
Ora, como se defendeu no Ac. RC de 14.10.2014 (www.dgsi.pt), o princípio da gestão processual/adequação formal tem como terreno fértil situações específicas, não devendo ser utilizado para subverter o quadro legal da tramitação de um processo, transformando o juiz em legislador. Trata-se de um poder a usar apenas “quando o modelo legal se mostre de todo inadequado às especificidades da causa, e em decorrência, colida frontalmente com o atingir do processo equitativo”; ele constitui “uma válvula de escape” e não um instrumento de utilização corrente, “sob pena de subverter os princípios essenciais da certeza e da segurança jurídica”.
Também Manuel Eduardo Bianchi Sampaio defende (em «A compensação nas formas de processo em que não é admissível reconvenção», Julgar Online, maio de 2019, p. 9), que julga inadequada a utilização do princípio da adequação formal para admitir a reconvenção nas formas de processo em que não é admissível.
E o mesmo sucede com Salvador da Costa (“A Injunção e as Conexas Ação e Execução”, 7.ª edição, Coimbra: Almedina (2020), p. 132), ao afirmar o seguinte: “Considerando a estrutura do referido procedimento de injunção e da ação declarativa de condenação com processo especial em que se transmuta, e o seu fim, os princípios da gestão processual e da adequação formal não podem justificar a admissão da reconvenção que o requerido tenha deduzido na oposição.”
Em conclusão:
Temos para nós como regra, que para o procedimento de injunção e a ação especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias em que o pedido é inferior a € 15 000,00 (art.º 44.º, n.º 1, da Lei 62/2013 de 26.8 - que aprovou a Lei de Organização do Sistema Judiciário), como é o caso dos autos, em circunstância alguma a reconvenção é processualmente admissível.