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FACTOS INSTRUMENTAIS
SIMULAÇÃO
NEGÓCIO DISSIMULADO
Sumário
I - Por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o tribunal de recurso não deve reapreciar a matéria de facto, quando os factos concretos objeto da impugnação forem desprovidos de relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente. II- Os factos instrumentais não têm de constar do rol dos factos julgados (provados ou não provados), ou ser alvo de um juízo probatório específico, podendo a matéria de facto instrumental ser relevada secundariamente, se resultar da decisão recorrida, nomeadamente da sua fundamentação (art.º 607º, nº 4, do C.P.C.). III- A simulação pressupõe o conluio entre os declarantes, produzido com o intuito de enganar terceiros, através do qual as partes envolvidas aparecem a declarar que realizaram um ato ou negócio jurídico, que afinal não quiseram nem tinham vontade de realizar. IV- Na simulação relativa, além do negócio simulado (também designado de patente, ostensivo, aparente ou fictício), que é nulo, há um negócio oculto (latente, real), o negócio dissimulado, que é válido se for respeitada a forma legal do mesmo.
Texto Integral
I- RELATÓRIO:
AA, residente em ..., veio intentar a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra BBe CC, também residentes em ..., formulando contra os mesmos os seguintes pedidos:
A) Declarar nulo, porque simulado, o negócio de doação outorgado entre os Réus em 24 de agosto de 2012 referente ao prédio urbano destinado a habitação, composto de rés-do-chão e andar com quintal, sito na Rua ..., lugar de ..., atual União de freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...60, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...49-...; B) Julgar válido o negócio dissimulado de compra e vendareferente ao prédio mencionado em A), por ter sido esse o negócio que efetivamente os contraentes quiseram realizar através da escritura pública de Doação de 24 de agosto de 2012. D) Declarar que deve ser considerado que o prédio urbano mencionado em A) constitui um bem comum do extinto casal formado pelo Autor e pela Primeira Ré. F) Ser ordenado o cancelamento da AP. ...11 de 2012/08/27, do prédio descrito em A) como tendo causa a Aquisição por Doação, e ordenado o registo de aquisição do mesmo prédio a favor do Autor e Primeira Ré, casados no regime de comunhão de adquiridos. Sem prescindir, se assim não for de entender, G) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de metade do valor que se vier a apurar, mas que se estima em metade de 220 000.00 €, correspondente a metade do valor das despesas materiais feitas pelo casal na pendência do casamento, com a reconstrução do prédio urbano descrito em A).
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Alegou para tanto, em síntese, que no decurso do casamento com a 1ª Ré, foi por estes adquirido em conjunto um prédio urbano ao 2.º Réu, em ruínas, pelo valor de € 30.000,00, tendo sido despendido pelo casal, na reconstrução desse prédio, o montante de 220.000,00 €.
Acontece que só na altura do inventário, o Autor se apercebeu que a Ré outorgou com o 2º Réu, não uma escritura de Compra e venda, mas uma escritura de Doação do mesmo prédio, tendo-o registado apenas em seu nome como uma doação, tendo os Réus visado com essa declaração enganar e prejudicar o Autor na partilha dos bens. Assim, a Ré pretendeu enriquecer o seu património à custa do Autor.
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Foram citados os Réus, tendo apenas a 1ª Ré apresentado Contestação, invocando a título de exceção a ilegitimidade processual ativa, e a prescrição do enriquecimento sem causa. Impugna ainda a factualidade alegada pelo A, invocando que o mesmo tinha conhecimento da doação, sendo a invocação da simulação do negócio um abuso de direito. Relativamente às obras de reconstrução do imóvel, diz que as mesmas foram pagas com o produto da venda de um bem próprio dela, contestando a qualificação de benfeitorias.
Conclui pedindo ainda a condenação do Autor como litigante de má-fé.
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O Autor apresentou Resposta à contestação, concluindo pela improcedência das exceções, e concluindo também para condenação da Ré como litigante de má fé.
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No despacho Saneador foi decidido o incidente do valor da ação e declarando-se improcedente a ilegitimidade invocada.
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Tramitados regularmente os autos, foi proferida, a final, a seguinte decisão: “…Face ao exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condeno a Ré BB a reconhecer, como crédito do Autor AA, o montante de 52.700,00 € (cinquenta e dois mil e setecentos euros) a título de benfeitorias realizadas em bem próprio da Ré e que onera o seu património próprio, a relacionar em inventário para partilha de património do casal. Determino a absolvição do restante peticionado. Custas por Autor e Ré, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário – artigo 527.º do Código de Processo Civil…”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio o A interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:
(…)
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Dos autos não consta que tenha sido apresentada Resposta ao recurso.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir no presente recurso de Apelação (por ordem lógica de conhecimento) são as seguintes:
- A de saber se deve ser alterada a Matéria de Facto, no sentido pretendido pelo recorrente;
- E se perante a matéria de facto alterada deve ser alterada a decisão em conformidade, com a procedência dos primeiros pedidos formulados.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Foram dados como provados na primeira instância os seguintes factos: “1. Autor e Ré contraíram casamento em ../../2004, sem convenção antenupcial, tendo-se divorciado por sentença proferida a 9 de março de 2021, correndo termos inventário para a partilha dos bens comuns do dissolvido casal, no Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Famalicão, aí registado sob o número de processo 3760/22..... 2. O Autor e Ré viveram em ... desde 1994 até 2013, sendo que, em Portugal, o casal vivia em casa própria, sita na Rua ..., em ..., vendida em 24 de julho de 2015. 3. Na constância do matrimónio, o casal pretendeu adquirir o prédio urbano destinado a habitação, composto de rés-do-chão e andar com quintal, sito na Rua ..., lugar de ..., atual União de freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...60, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...49-.... 4. O imóvel estava registado a favor dos pais do Réu, primo da Autora, que ali vivia sozinho desde que o pai faleceu em outubro de 2011, doente e em situação de dependência do álcool. 5. O Réu não queria vender, aceitando apenas entregar o prédio na condição de tratarem de si, que a Ré aceitou e até hoje se mantém, residindo num anexo à moradia, construído para tal. 6. Assim, por escritura pública de habilitação e doação, outorgada a 24 de agosto de 2012, o Réu doou o referido prédio à Ré, que o aceitou, com reserva de usufruto para ele doador, pelo valor patrimonial de 14.793,96 € (…), tendo ficado registado a favor da Ré pela AP. ...11 de 2012-08-27. 7. O usufruto foi cancelado no registo pela Ap. ...01 de 2016/05/17. 8. O casal resolveu transformá-la na nova casa de morada de família, efetuando obras de reconstrução em 2013/2014, incluindo, entre outros, os seguintes trabalhos (…): 9. Autor e Ré despenderam na realização das referidas obras a quantia de 105.400.00 € (…), custeada com o produto do trabalho de ambos, tendo sido o imóvel avaliado, em perícia realizada em 2023, em 202.000,00 € (duzentos e dois mil euros)”.
E foram dados como não provados os seguintes: “…Designadamente não resultou provado que: - o imóvel foi adquirido ao segundo Réu pelo preço de 30 000.00 €, pago aos poucos; - os Réus não quiseram de facto fazer e receber uma doação, mas sim comprar e vender o referido imóvel; - que os Réus ardilosamente fizeram uma escritura de doação, contrária à realizada, querendo prejudicar o Autor, que só se apercebeu aquando do inventário; - que as obras importaram um custo de 220.000,00 €”.
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A- Da impugnação da matéria de facto:
Insurge-se o recorrente contra a decisão da matéria de facto, dizendo que não deveriam ter ficado provados os Factos dados como Provados em 5, 6 e 9; que deveria ter ficado provado que o imóvel foi adquirido ao segundo Réu pelo preço de 30 000.00 €, pago aos poucos; que deveria ter ficado provado que os Réus não quiseram de facto fazer e receber uma doação, mas sim comprar e vender o referido imóvel; que deveria ter ficado provado que os Réus ardilosamente fizeram uma escritura de doação, contrária à realizada, querendo prejudicar o Autor, que só se apercebeu disso aquando do inventário; que deveria ter ficado provado que as obras importaram num custo de 220.000,00 €; que deveria ter ficado provado que a casa em apreço nos autos ficou pronta em 2014, e as partes, Autor e Ré, foram viver para lá; que deveria ter ficado provado que só depois, em 2015, venderam a casa que as partes adquiriram e onde residiram antes, sita em ...; que deveria ter ficado provado que aquando do divórcio o bem em apreço nos autos não constava da Relação de bens; que deveria ter ficado provado que o Autor apurou em 30-8-2021 que a Autora efetuou uma doação relativamente ao prédio dos autos; e que deveria ter ficado provado que o Autor passava largos períodos em ... – fazendo apelo à prova que indica no corpo das alegações.
Vejamos se assiste razão ao recorrente:
Ficou a constar dos pontos 5, 6, e 9 da matéria de facto provada o seguinte:
5. O Réu não queria vender, aceitando apenas entregar o prédio na condição de tratarem de si, que a Ré aceitou e até hoje se mantém, residindo num anexo à moradia, construído para tal.
6. Assim, por escritura pública de habilitação e doação, outorgada a 24 de agosto de 2012, o Réu doou o referido prédio à Ré, que o aceitou, com reserva de usufruto para ele doador, pelo valor patrimonial de 14.793,96 € (catorze mil setecentos e noventa e três euros e noventa e seis cêntimos), tendo ficado registado a favor da Ré pela AP. ...11 de 2012-08-27.
9. Autora e Ré despenderam na realização das referidas obras a quantia de 105.400.00 € (cento e cinco mil e quatrocentos euros), custeada com o produto do trabalho de ambos, tendo sido o imóvel avaliado, em perícia realizada em 2023, em € 202.000,00.
E ficou a constar da matéria de facto dada como não provada o seguinte:
- o imóvel foi adquirido ao segundo Réu pelo preço de € 30 000.00, pago aos poucos;
- os Réus não quiseram de facto fazer e receber uma doação, mas sim comprar e vender o referido imóvel;
- os Réus ardilosamente fizeram uma escritura de doação, contrária à realizada, querendo prejudicar o Autor, que só se apercebeu disso aquando do inventário;
- que as obras importaram um custo de € 220.000,00.
Pretende ainda o A que seja acrescentada à matéria de facto provada o seguinte:
- que a casa em apreço nos autos ficou pronta em 2014, e as partes, Autor e Ré, foram viver para lá;
- que só depois, em 2015, venderam a casa que as partes adquiriram e onde residiram antes, sita em ...;
- que aquando do divórcio, o bem em apreço nos autos não constava da Relação de bens;
- que o Autor apurou em 30-8-2021 que a Autora efetuou uma doação relativamente ao prédio dos autos; e
- que o Autor passava largos períodos em ....
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Relativamente à matéria de facto pretendida aditar à matéria provada, entendemos que a mesma não merece ser apreciada.
Resulta dos autos, que há duas questões colocadas, e que cumpre conhecer: A questão da simulação do negócio feita pelos RR, que apelidaram de doação, e que o A considera ter sido uma compra e venda, pedindo que seja reconhecido que o bem imóvel adquirido pela ré pertence ao património comum do casal, devendo ser partilhado como tal. A outra questão prende-se com o pedido subsidiário, relacionado com as benfeitorias feitas pelo casal no imóvel, caso se considere que o mesmo foi efetivamente doado.
Balizadas assim as questões colocadas, deverá ser sobre a matéria de facto relacionada com as mesmas, que este tribunal se deverá debruçar, pelo que a matéria de facto que não esteja relacionada com essas duas temáticas não deve merecer apreciação desta Relação.
E consideramos que estão nessa situação – de irrelevância para a decisão das questões colocadas –, os factos pretendidos aditar á matéria de facto pelo recorrente.
Efetivamente, revela-se inócuo para a resolução das questões acima enunciadas, que a casa em apreço nos autos tenha ficado pronta em 2014; que as partes (Autor e Ré) tenham ido viver para lá; que só em 2015 tenham vendido a casa de ...; que aquando do divórcio o bem em apreço nos autos não tenha constado da Relação de bens; que o Autor tenha apurado, precisamente em 30-8-2021, que a Autora efetuou uma doação relativamente ao prédio dos autos; e que o Autor passava largos períodos em ....
Ora, como tem sido defendido unanimemente na jurisprudência, o direito à impugnação da matéria de facto não subsiste por si só, antes assume um carácter instrumental face à decisão de mérito da ação. Deste modo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o tribunal de recurso não deve reapreciar a matéria de facto, quando os factos concretos objeto da impugnação forem insuscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (Ac. RC de 24.04.2012 e de 27-05-2014, e desta RG, de 15-02-2018 e de 11-07-2017, todos disponíveis em www.dgsi.pt.)
Concluímos assim do exposto que a matéria de facto pretendida aditar pelo recorrente à matéria provada, se apresenta de todo irrelevante em termos de decisão jurídica da causa, qualquer que seja o sentido que pudesse ser dado à mesma, pelo que nos dispensamos de a reapreciar, para evitar levar a cabo a prática de atos inúteis que a lei processual proíbe (art.º 130º do CPC).
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Ainda que tal matéria possa ter relevo instrumental, não tem de constar do rol dos factos julgados (provados ou não provados), ou ser alvo de um juízo probatório específico, podendo apenas ser relevada secundariamente, se resultar da decisão recorrida, nomeadamente da sua fundamentação ((art.º 607º, nº 4, do C.P.C. e Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa - Código de Processo Civil Anotado, vol. I, p. 744, nota 12).
Efetivamente, na lógica do atual CPC, os factos instrumentais puramente probatórios – como se apresentam os factos acima descritos -, não têm de ser alegados pelas partes, cabendo a estas apenas alegar os factos essenciais (artºs 552º, nº 1, alínea d), e 572º, alínea c), podendo o julgador, na elaboração da sentença, servir-se daqueles factos para deles extrair as suas ilações (art.º 607º nº 4 do CPC).
Com defende Abrantes Geraldes (Sentença Cível, Janeiro de 2014, p.14/15), debruçando-se sobre os factos que podem sustentar presunções judiciais - relativamente aos factos que apenas sirvam de suporte à afirmação de outros factos por via de presunções judiciais -, para além de não se mostrar necessária a sua alegação (art.º 5º) e de poderem ser livremente discutidos na audiência final (arts. 410º e 516º), nem sequer terão de ser objeto de um juízo probatório específico. Em regra, bastará que sejam revelados na motivação da decisão da matéria de facto, no segmento em que o juiz, analisando criticamente as provas produzidas, exterioriza o percurso lógico que o conduziu à formulação do juízo probatório sobre os factos essenciais ou complementares.
O importante é que o juiz exponha com clareza os motivos essenciais que o determinaram a decidir de certa forma a matéria de facto controvertida contida nos temas de prova, garantindo que a parte prejudicada pela decisão (com a aludida sustentação) possa sindicar, perante a Relação, o juízo probatório formulado relativamente a tal factualidade, designadamente na medida em que foi sustentada em factos instrumentais e nas regras de experiência que foram expostas.
Em tais circunstâncias a Relação, em sede de apreciação da impugnação da matéria de facto, tendo acesso a todos os meios de prova que foram produzidos e aos que foram prestados oralmente, que foram gravados, estará apta a reapreciar a decisão e o correspondente juízo probatório formulado relativamente aos factos principais. Donde, se mostra de todo irrelevante a apreciação e inserção na matéria de facto de tal matéria (ainda que com caráter instrumental).
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Relativamente à matéria de facto dada como provada em 5 e 6, e dada como não provada, contende a mesma com o alegado negócio simulado, que o tribunal considerou tratar-se de uma verdadeira doação, justificando assim a sua posição: “…Relativamente à simulação, estamos perante uma situação diferente, uma vez que os documentos refletem efetivamente uma doação com usufruto e ulterior cancelamento (…), não foram produzidas provas objetivas que demonstrassem esta simulação, que os outorgantes, desde logo, negaram e de forma que se nos afigurou como circunstanciada. Alega o Autor que a Ré foi com o Réu à escritura, alegadamente por estar no estrangeiro, e o enganaram. Ora, o Autor, pela sua própria descrição, foi interveniente em todos os preliminares do negócio, estranhando-se como ficaria alheado da escritura. Uma escritura que terá sido necessário proceder previamente à habilitação do Réu e regularizar o imóvel, o que terá de ter tido intervenção qualificada. O Autor, por outro lado, como se vê da documentação junta, e confirmado pelas testemunhas DD e AA, controlou todos os trâmites da obra, solicitou orçamentos, guardou comprovativos, juntando até mesmo comprovativos da conta bancária do Réu, aberta em novembro de 2011 (depois do pai falecer em outubro). Os primeiros orçamentos terão sido apresentados em mão ao Autor e aparece um, datado de dois dias antes da escritura (cf. fls.62 v.), o que infirmaria a versão que, na altura, estaria fora do país. Por fim, refira-se que o usufruto a favor do Réu foi cancelado, mais uma vez na pendência do casamento, sendo coerente a explicação dada pela Ré, relativa ao pagamento do IMI pelo Réu, que se pretendeu evitar, conhecendo e controlando tudo o Autor (…). O Réu não contestou, nem entregou os elementos relativos à sua conta bancária (além dos juntos pelo Autor na PI). No entanto, do confronto das contas e que não foram impugnados pelo Réu, constata-se a realização de transferências da conta do casal para a conta do Réu (cf. extratos juntos, onde se verificam transferências regulares desde ../../2012 a dezembro de 2014, que ascendem a cerca de 15.000,00 €), não havendo comprovativo de outras entregas em numerário. No entanto, estas transferências, perante a circunstância do próprio Autor e mesmo o casal, controlar a conta do Réu, e se vir constatados levantamentos sucessivos e quase imediatos das quantias depositadas, não podem levar à conclusão que o dinheiro foi efetivamente entregue ao Réu, nem tanto para pagamento do preço, uma vez que algum terá sido utilizado para ajudar nalgumas situações depois do falecimento dos pais e que aquele não estaria em condições de tratar sozinho, explicando isso e a necessidade de ajuda, de ter sido realizada a doação. O Réu, em depoimento de parte, confirmou que não queria vender, queria apenas que alguém tomasse conta dele, o que aconteceu, com a prima, aqui Ré, que o corroborou. Alega o Autor que o preço pago – 30.000,00 € - tinha sido o oferecido já por outro primo, para demonstrar que seria o preço justo do negócio. Ora, tal oferta não chegou a acontecer, como confirmado pelos referidos interessados – EE e FF - nem tal oferta implicava qualquer obrigação de cuidar do Réu, como aconteceu, pelo que não é comparável. O filho do casal, GG, refere compra do terreno e no valor, mas na altura tinha apenas 10 anos, e que a mãe é que trata do primo (Réu), apenas por ser primo e por o terem querido ajudar, “por ser família”, mas não explicando a razão de tal continuar a acontecer. Apesar de se falar com terceiros, que compraram a casa, tal seria o normal da experiência comum, não se dando mais pormenores do que o necessário, nem complicando o que é mais simples, ao invés de mencionar a terceiros que foi doada, com reserva de usufruto e obrigação de cuidado com que se comprometeram. Não resulta qualquer indício que se pretendia enganar o Autor ou terceiros, mas apenas realizar este negócio. Não havendo outra prova que o sustente, não se poderá concluir pela simulação e anulação de um negócio - que afinal foi pretendido por todos e por todos aceite -, decorridos mais de 12 anos, e em litígio decorrente de divórcio…”.
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Analisados, no entanto, os depoimentos prestados, declarações de parte incluídos, assim como os documentos juntos aos autos, que corroboram aqueles depoimentos e declarações, temos de dar razão ao recorrente, no sentido de alterar os factos dados como provados – e não provados – relacionados com o negócio simulado realizado pelos RR, em conluio, e para prejudicar o A.
Efetivamente, Contrariamente ao decidido na matéria de facto descrita, entendemos que ficou provada a simulação do negócio outorgado pelos RR.
Não se nos afigura estranha desde logo a situação, de o Autor ter negociado a compra do imóvel com o réu, e ter-lhe pago o seu valor, e não estar presente na escritura, uma vez que foi por todas as testemunhas referido que o A passava longo períodos fora do país, e que a ré se encontrava permanentemente em Portugal com os filhos.
Ouvido o A em declarações de parte, que nos pareceram muito convincentes, o mesmo afirmou que confiava na ré, sua mulher na altura, com quem dividia todas as responsabilidades relacionadas com a casa que adquiriram enquanto casal, sendo a ré que passava os cheques para pagamento das obras, sempre que necessário, confirmando também que estaria fora na altura em que foi feita a escritura.
O Autor relatou ainda de forma muito convicta, que acreditava ter sido outorgada a escritura como de compra e venda, conforme negócio por si firmado com o réu, e que só depois do divórcio, e de a mulher lhe dizer que a casa era “apenas sua”, percebeu que tinha sido engando, e que afinal a sua ex-mulher outorgou com o primo uma doação para o prejudicar nas partilhas. Ficamos absolutamente convencidos – pela análise das suas declarações –, que o Autor não sabia da doação e do engano a que o levaram os RR.
Por outro lado o Réu, ouvido em declarações de parte, num depoimento muito limitado, diz que sempre tratou de tudo com a Ré, ou melhor, que foi sempre a ré que tratou de tudo por ele, desconhecendo ele ao certo o que fez e em que termos, o que é compreensível, por se tratar de um homem doente, com problemas de alcoolismo assumido.
Aliás, há prova documental nos autos de transferências do ex-casal para a conta bancária do Réu, de um montante elevado (€ 15 000.00), em datas seguidas à escritura, desconhecendo-se outras transferências ou pagamentos, por falta de colaboração do réu com o tribunal (que não autorizou a consulta da sua conta). Trata-se de um valor muito elevado, para o qual não foi dada explicação, mas que foi recebido pelo R.
Afirmou também categoricamente a testemunha DD, empreiteira das obras levadas a cabo pelo casal no imóvel, num depoimento que nos pareceu muito convincente, que quando foram ver a casa para fazer o orçamento das obras, lhe foi dito pelo casal, na presença do Réu CC, que tinham comprado a casa, e que pretendiam restaura-la, referindo-lhe inclusivamente o preço acordado, do qual não se recordava na altura.
Todas as testemunhas afirmaram também ao tribunal que o Réu queria vender a casa; que tinha muitas dívidas (que estaria mesmo em risco de perder a casa); e que o Autor comprou a casa ao réu, seu primo, pelo preço acordado de € 30.000,00.
Resulta aliás da matéria de facto provada em 3, que na constância do matrimónio, o casal pretendeu adquirir o prédio urbano identificado nos autos, destinado a habitação, o que significa que houve sempre da parte de ambos a intenção de comprar o imóvel.
Também o filho do casal referiu em tribunal que em casa sempre foi falado que os pais compraram a casa ao primo, e que em conversa com ele, com quem partilha todas as refeições, sempre se falou na compra da casa, e não na doação da mesma apenas à mãe.
Muito circunstanciado foi o depoimento da testemunha EE, ao referir que esteve interessada na compra da casa, por € 30.000,00, para instalar no rés do chão o seu negócio de confeção, deixando o réu a viver no primeiro andar. Que só não comprou a referida casa porque o A a comprou primeiro, sendo aquele o preço ajustado, com a condição de o réu ficar a viver na casa.
Mais referiu a testemunha ao tribunal que lhe foi dito pela própria ré – já na fase do divórcio -, que tinha “tramado” o marido, pondo a casa apenas em nome dela.
Todos os depoimentos analisados, corroborados pelos documentos juntos aos autos, são de molde a concluir, que o negócio acordado entre o casal e o réu foi a compra e venda do imóvel, por € 30.000,00, tendo ficado, no entanto, escriturada uma doação, por conluio entre os RR, para enganar e prejudicar o A, numa partilha futura.
Ficamos ademais convencidos, pela análise do depoimento do réu, pessoa muito fragilizada, que houve grande contribuição da ré na agilização de todos os trâmites do negócio, convencendo o mesmo que iria tomar conta dele para o resto da vida, em troca da sua participação na formalização do negócio. Denota-se isso mesmo quando o réu vai afirmando no seu depoimento que foi tudo feito por ela, incluindo a extinção do usufruto vitalício, em data posterior à escritura. Concluímos assim do exposto que a matéria de facto impugnada deve ser alterada, ficando a constar da matéria de facto provada o seguinte:
5. O Réu reside num anexo à moradia, construído para tal.
6. Os RR outorgaram uma escritura pública de habilitação e doação, em 24 de agosto de 2012, conforme documento junto aos autos, tendo sido registado a favor da Ré o imóvel objeto dessa escritura, pela AP. ...11 de 2012-08-27 (conforme documento também junto).
- o imóvel foi adquirido ao segundo Réu pelo preço de € 30 000.00.
- os Réus não quiseram de facto fazer e receber uma doação, contrariamente ao que ficou a constar da escritura pública referida em 6), mas sim comprar e vender o referido imóvel;
- os Réus ardilosamente fizeram uma escritura de doação, contrária à realizada, querendo prejudicar o Autor, que só se apercebeu disso aquando do inventário.
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Perante a matéria de facto alterada (e a solução jurídica já antevista, à luz da mesma), mostra-se prejudicada a apreciação da restante matéria de facto impugnada (ponto 9 da matéria provada e último facto dado como não provado).
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B- E perante a matéria de facto (provada e não provada), consideramos que a decisão recorrida não pode ser mantida.
Assim, com relevância para a decisão da causa, há a considerar que o imóvel descrito nos autos - prédio urbano destinado a habitação, composto de rés-do-chão e andar com quintal, sito na Rua ..., lugar de ..., atual União de freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...60, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...49-... –, foi adquirido por A e 1ª ré ao segundo Réu, pelo preço de € 30 000.00.
Daí que não tenha correspondência com a real vontade das partes, o que ficou a constar da escritura pública de habilitação e doação, outorgada a 24 de agosto de 2012, na qual o 2º Réu declarou doar o referido prédio à 1ª Ré, que aceitou tal prédio em doação, pelo valor patrimonial de € 14.793,96, com reserva de usufruto vitalício a favor do doador.
Efetivamente, os Réus não quiseram fazer e receber uma doação, mas sim comprar e vender o referido imóvel. Fizeram tal declaração ardilosamente, para prejudicar o Autor em futuras partilhas, o qual só se apercebeu desse facto aquando do inventário instaurado para partilha dos bens comuns do casal.
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Tal situação tem o seu enquadramento jurídico no instituto da Simulação.
Efetivamente, nos termos do art.º 240.º do CC, “se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado”. Verificada a simulação, o negócio é nulo, podendo ser invocada a sua nulidade por qualquer interessado (mesmo simuladores), ser a mesma oficiosamente declarada, e arguida a todo o tempo.
Consabidamente, a ordem jurídica negocial assenta, além do mais, na correspondência entre a vontade declarada e a vontade real e entre a declaração como elemento externo (que pode consistir num mero comportamento) e na vontade como elemento interno, pelo que a divergência (intencional) entre a vontade e a declaração comporta sempre consequências jurídicas.
Ora, uma das formas de divergência intencional entre a vontade e a declaração é a simulação. Nela, o declarante emite uma declaração não coincidente com a sua vontade real por força de um conluio com o declaratário, com a intenção de enganar terceiros.
Como resulta do texto legal – art.º 240º do CC -, a simulação pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: a) divergência entre a vontade real e a vontade declarada, de forma consciente e querida pelos contraentes; b) intenção de enganar terceiros; c) acordo simulatório ou conluio entre as partes, de forma a declararem intencional e concertadamente um ato que afinal não quiseram realizar (Acs. da RP de 11/12/2014 e de 09/07/2014, citados na decisão recorrida, e ambos disponíveis em www.dgsi.pt; Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 3ª edição, págs. 843 a 845; Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, Volume III, 1992, págs. 243 a 246; e Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, 4ª edição, António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto - 2005, págs. 466 e ss).
A simulação pressupõe assim o conluio entre os declarantes, produzido com o intuito e firme propósito de enganar terceiros, através do qual as partes envolvidas aparecem a declarar que realizaram um ato ou negócio, que afinal não quiseram nem tinham vontade de realizar.
É de notar que a simulação pressupõe sempre o intuito de enganar terceiros – embora não necessariamente de os prejudicar –, ou seja, pressupõe sempre o intuito de criar uma falsa aparência perante qualquer pessoa alheia ao acordo simulatório. Isto posto,
Dos factos provados – alterados por esta Relação -, verificamos ter havido uma divergência entre a real vontade das partes e a declaração por elas emitida, pois as mesmas acordaram (previamente, e com a participação do A), e disso estavam cientes, que o negócio realizado foi uma compra e venda, mas declararam na escritura pública de 24.8.2012, que tinham efetuado uma doação com reserva de usufruto, visando a salvaguarda da situação do Réu.
E fizeram-no com o intuito de enganar o A, prejudicando-o em futuras partilhas, pois que, em se tratando de uma doação, o bem doado não seria alvo de divisão entre os cônjuges. Aliás, ato seguido à outorga da escritura pública, a 1ª ré levou ao registo a aquisição do imóvel a seu favor, como um bem a si exclusivamente doado.
Sobre o Autor impendia o ónus de demonstrar os factos integradores da alegada simulação, a saber, a divergência entre a vontade querida e a vontade manifestada, e o conluio simulatório entre os RR com o intuito de o enganarem (art.º 342° nº 1 CC), o que fez, pelo que o pedido por ele formulado em A) da petição terá de proceder, com a declaração de nulidade do negócio de doaçãooutorgado pelos Réus em 24 de agosto de 2012, referente ao prédio urbano melhor descrito nos atos.
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Acontece que tal negócio foi celebrado para ocultar um outro, real, querido pelas partes, o negócio dissimulado de compra e venda do imóvel – o qual permanece válido.
Efetivamente, considerando-se que o negócio real e verdadeiro foi a compra e venda do imóvel, feito pelo casal e com participação monetária do casal, é esse o negócio que prevalece, considerando-se o mesmo válido. Estamos perante uma simulação relativa, em que além do negócio simulado (também designado de patente, ostensivo, aparente ou fictício), há um negócio oculto (latente, real) - o negócio dissimulado.
Ora, enquanto o negócio simulado é nulo (artigo 240.º n.º 2), e na simulação absoluta não se põe mais nenhum problema, na simulação relativa surge a questão do tratamento a dar ao negócio dissimulado ou real, que fica a descoberto com a nulidade do negócio simulado.
O negócio dissimulado, o verdadeiramente desejado entre as partes, tem o seu regime jurídico tratado no art.º 241.º do Código Civil: a sua validade não é afetada pela simulação, mas isso não significa que seja pura e simplesmente válido; o negócio dissimulado há-de ser apreciado à luz das regras jurídicas que lhe sejam aplicáveis. E será válido ou não, tal como qualquer outro da mesma espécie, não dissimulado, nas mesmas circunstâncias.
Como refere Galvão Telles ("Dos Contratos em Geral", 2ª ed., 162 (nº. 75)-163): “Numa palavra, a simulação feita para se esconder de terceiros um acto jurídico não o afeta, e ele será válido ou não, tal como o seria aos olhos de todos se (se) tivesse revelado desde o começo”.
Quando tenha natureza formal, ele só será válido, no entanto, se houver sido observada a forma exigida por lei (n.º 2 do art.º 241.º) – regra geral aplicável a todos os negócios jurídicos formais, já que as exigências de forma não estão na disponibilidade das partes.
Cumprida essa formalidade, como bem refere Manuel de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica 1953), não há motivo para propugnar a invalidade formal do negócio dissimulado, quando as razões do seu formalismo se achem satisfeitas com a observância das solenidades do negócio simulado (no mesmo sentido, Vaz Serra RLJ 113/64; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, anotação ao Artigo 241 pág. 228; e Hörster, A Parte Geral do Código Civil pág. 544).
Também não será obstáculo á validade do negócio dissimulado, a falta de algum elemento literal, caraterístico do tipo de contrato celebrado, pois que, por definição, nem todo o negócio dissimulado poderá constar do texto do negócio simulado.
Daí que Oliveira Ascensão (Direito Civil Teoria Geral, 1999, V. II pág. 198 e ss.), sustente a validade do negócio dissimulado, desde que os elementos essenciais objetivos do negócio se encontrem em instrumento revestido da forma exigida, ou seja, que contenham o mesmo tipo de elementos relativos ao negócio simulado.
E exemplifica aquele Autor, que se se pretende fazer uma doação e se simula uma compra e venda, a doação é válida, pois o preço fictício ter-se-á por não escrito e os elementos objetivos essenciais da doação encontram-se em instrumento revestido de forma exigida. A declaração de doar não pode, por natureza, constar desse instrumento, pelo que o art.º 241 n.º 2 implica a dispensa de que figure no texto da declaração formal, a declaração de vontade relativa ao negócio dissimulado (Ob. e local citado, pág. 200).
Aliás, interpretar aquele art.º no sentido de que seria necessário que o negócio dissimulado conste de um ato solene, seria um contra-senso, uma vez que se o negócio é dissimulado não pode estar exteriorizado no negócio simulado.
Serve tudo isto para concluir, relativamente à validade do negócio dissimulado, que não é aceitável que por detrás de um negócio aparente se admitissem todos aqueles que se bastassem com a sua forma, mas que também não é necessária a declaração do verdadeiro negócio pretendido (doar em vez de comprar e vice-versa), para se ter por válido o negócio dissimulado, pois como se deixou dito, não deixaria de ser um non sense, que no ato solene se fizesse constar o negócio dissimulado, o que seria igual a dizer que inexistia qualquer negócio simulado.
Tem aqui aplicação, por analogia, o disposto no art.º 238º do CC, relativo à interpretação dos negócios jurídicos formais, nos quais se exige apenas a verificação, no texto do documento, de um mínimo de correspondência do sentido da declaração (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, pag.633).
Dito isto,
A simulação relativa manifesta-se em espécies diversas, consoante o elemento do negócio dissimulado a que se refere (simulação subjetiva ou dos sujeitos, e simulação objetiva ou sobre o conteúdo do negócio).
Podem ser, desde logo, simulados os próprios sujeitos do negócio jurídico, ou pelo menos um deles, como é o caso vulgar. É o que se passa com a chamada interposição fictícia de pessoas. Pode também a simulação de pessoas não fazer intervir um sujeito aparente, antes eliminar um sujeito real.
Por outro lado, a simulação objetiva ou sobre o conteúdo do negócio pode ser uma simulação sobre a sua natureza (por exemplo, finge-se uma venda e quer-se uma doação ou vice-versa) – como é o caso dos autos -, ou uma simulação de valor incidindo sobre o quantitativo de prestações estipuladas entre as partes (por exemplo, simulação de preço).
Ademais, a simulação relativa pode ser total ou parcial, consoante os dois negócios (simulado e dissimulado) pertencem a tipos negociais diversos (por ex. doação/venda) ou ao mesmo tipo negocial, no sentido de que o negócio simulado e dissimulado coincidem na generalidade dos seus elementos, só havendo divergência num ou noutro ponto concreto (Menezes Cordeiro - “Tratado de Direito Civil Português”, Tomo I, Parte Geral, fls. 632 – e Pessoa Jorge – “O Mandato sem Representação”, 1961, pág. 215 e 216).
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Ora, volvendo ao caso dos autos, sobre o A impendia também o ónus de demonstrar que por detrás do negócio simulado – a doação -, existia um verdadeiro negócio, dissimulado, de compra e venda do imóvel, e logrou fazer a prova desse negócio e da sua validade, pelo que devem também proceder os pedidos por si formulados em B) e F) da petição.
Ademais, o imóvel adquirido pela ré, na constância do matrimónio, constitui um bem comum do casal – art.º 1724º, b) do CC -, pelo que deverá o mesmo ser incluído na relação de bens, a fim de ser partilhado na sequência do divórcio.
Mas não só o imóvel assim adquirido, em ruínas, mas também após a sua reconstrução, porquanto as obras de recuperação foram também levadas a cabo por ambos os cônjuges, devendo ser relacionado o imóvel tal como se encontrava na data da sua avaliação, ou seja, pelo valor de € 202.000,00 – valor atribuído na perícia realizada em 2023 (facto 9).
De facto, resultou provado que o casal, na constância do matrimónio, investiu dinheiro comum na reconstrução do imóvel, transformando-o na casa de morada de família, pelo que deve ser também declarado procedente o pedido formulado pelo A em D).
Adicionalmente, o casamento entre Autor e Ré, celebrado em ../../2004, sem convenção antenupcial, considera-se celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos (art.º 1717.º do CC), estabelecendo o já citado art.º 1724.º do CC, a regra deste regime, estipulando que são bens comuns do casal os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei, e o produto do trabalho dos cônjuges.
Ora, o casamento de Autor e Ré foi dissolvido por divórcio em 2021, cessando, nesse momento, as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges (artigos 1788.º e 1688.º do CC). Cessadas as relações patrimoniais, procede-se à partilha dos bens do casal, na qual, em princípio, cada um dos cônjuges recebe os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns, se os houver, conferindo cada um deles o que dever a este património, nos termos do artigo 1689.º, n.º 1 do mesmo diploma legal.
Ou seja, cada um dos cônjuges tem uma posição jurídica em face do património comum, um direito à meação, que exprime a medida de divisão, e que virá a realizar-se no momento em que esta deva ter lugar (Ac. RC de 8/11/2011, www.dgsi.pt), sendo na partilha que os cônjuges recebem a meação no património comum.
Conclui-se assim do exposto que o imóvel adquirido por ambos os cônjuges na constância do matrimónio (embora apenas escriturado pela ré) é um bem comum do casal, que deve ser partilhado entre ambos de forma equitativa.
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Com a procedência dos pedidos principais fica prejudicado o conhecimento dos pedidos subsidiários formulados.
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IV- DECISÃO:
Por todo o exposto, Julga-se procedente a Apelação e Revoga-se a sentença recorrida. Em consequência:
A) Declara-se nulo, porque simulado, o negócio de doação outorgado entre os Réus em 24 de agosto de 2012, referente ao prédio urbano destinado a habitação, composto de rés-do-chão e andar com quintal, sito na Rua ..., lugar de ..., atual União de freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...60, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...49-...;
B) Julga-se válido o negócio dissimulado de compra e venda referente ao prédio mencionado em A), por ter sido esse o negócio que efetivamente os contraentes quiseram realizar através da escritura pública de doação de 24 de agosto de 2012;
D) Declara-se que o prédio urbano mencionado em A) constitui um bem comum do extinto casal formado pelo Autor e pela Primeira Ré; e
F) Ordena-se o cancelamento da AP. ...11 de 2012/08/27, do prédio descrito em A) como tendo causa a Aquisição por doação, ordenando-se o registo de aquisição do mesmo prédio a favor do Autor e Primeira Ré, casados no regime de comunhão de adquiridos.
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Custas da Apelação pelos RR recorridos(art.º 527º nº1 e 2 do CPC).
Notifique e DN
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Guimarães, 6.2.2025
Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Paula Ribas
2ª Adjunta: Anizabel Sousa Pereira