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PROVA POR DECLARAÇÕES DE PARTE
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA CONTRATUAL
DANOS CAUSADOS POR ANIMAL
Sumário
1 - Numa situação em que as declarações de ambas as partes têm relevo para a decisão da matéria de facto, há que perceber quais delas encontram maior apoio na restante prova produzida e, por essa via, permitir a afirmação da sua maior credibilidade, considerando as particularidades do caso concreto. 2 – O proprietário de um animal responde pelos danos por ele causados nos termos do art.º 502.º do C. Civil.
Texto Integral
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I – Relatório (elaborado com base no que existe já nos autos):
AA intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB e esposa, CC.
Alegou, em síntese, ter sido atacada por um cão pertencente aos réus, tendo sofrido danos de natureza patrimonial e não patrimonial.
Concluiu pedindo a condenação dos réus no pagamento da quantia global de 13.523,52 €, acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Regularmente citados, apresentaram-se os réus a contestar, alegando, em súmula, ser falso que o seu cão tenha mordido a autora nas circunstâncias de tempo e de lugar descritas na petição inicial.
Concluem pugnando pela improcedência da ação.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente.
Inconformada, veio a autora apresentar recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
(…)
Os réus contra-alegaram, pugnando pela manutenção da sentença proferida.
*
O recurso de apelação foi admitido com efeito meramente devolutivo e a subir imediatamente e nos próprios autos.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Questões a decidir:
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente - arts.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (doravante C. P. Civil) -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consiste em saber:
1. se procede a impugnação da matéria de facto apresentada pela autora, face aos pontos 1 e 2 da matéria de facto não provada.
2. se, alterada ou não a decisão sobre a matéria de facto, deve manter-se a fundamentação jurídica da decisão.
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III – Fundamentação de facto:
Estando parcialmente impugnada a matéria de facto não provada, a matéria de facto relevante para a apreciação desta apelação será descrita apenas após a apreciação daquela impugnação. IV - Do objeto do recurso:
1.1. Em sede de recurso, a apelante autora impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
Dispõe o art.º 640.º do C. P. Civil, que:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) (…); b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
A jurisprudência tem entendido que desta norma resulta um conjunto de ónus para o recorrente que visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2015, da Juiz Conselheira Ana Luísa Geraldes, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1 in www.dgsi.pt, das normas aplicáveis resulta que “recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Estes ónus exigem que a impugnação da matéria de facto seja precisa, visando o regime vigente dois objetivos: “sanar dúvidas que o anterior preceito ainda suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expressa a decisão alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova” (cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, pág. 198).
Recai assim sobre o recorrente o ónus de, sob pena de rejeição do recurso, determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretendem questionar (delimitar o objeto do recurso), motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação (fundamentação) que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre cada um dos factos que impugnam e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito (vide Abrantes Geraldes, no livro já citado, pág. 199).
Veja-se, por todos, a jurisprudência citada no Acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023, da Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, proc. 1/20.2T8AVR.P1.S1, e em particular o Acórdão do mesmo Tribunal de 10/12/2020 (proc. n.º 274/17.8T8AVR.P1.S1), nele citado, que estabelece que “na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal”.
Analisadas as alegações apresentadas, a recorrente indica de forma correta os factos que pretende sejam decididos de forma diversa (os factos 1 e 2 da matéria de facto não provada), e em que sentido, fundamentando a sua alegação na prova concreta que foi produzida sobre a matéria, nada obstando assim à reapreciação da matéria de facto da decisão recorrida.
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1.2. Nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do C. P. Civil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/10/2023, da Juiz Desembargadora Margarida Gomes, proc. 2199/18.3T8BRG.G1, in www.dgsi.pt, “a reapreciação da prova pela 2ª Instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto. De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do art.º 640º, do Código de Processo Civil. Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”.
Estão em causa os dois factos que identificam um dos cães dos réus como autor do ataque sofrido pela autora.
É perfeitamente percetível o raciocínio do Mm.º Juiz que, com grande elevação, presidiu à realização da audiência.
Admitindo que a prova produzida era suficiente para se afirmar que naquelas circunstâncias de tempo e legal foi efetivamente mordida por um cão, não deu como provado que o cão que efetuou tal mordida pertencia aos réus, entendendo que não seria possível que tivesse saído pela grade de vedação da casa de habitação dos réus e que foi o local indicado pela autora como sendo aquele por onde o cão se escapuliu do quintal onde se encontrava.
Para tal, como decorre dos autos, deslocou-se à habitação dos réus e viu quer a grade, quer os cães, fazendo constar nos autos da inspeção judicial o que encontrou.
E, assim, a sua convicção é a de que não era possível que qualquer dos cães pertencentes aos réus pudesse ter passado pelo local que autora indica como local de saída, o que coloca em causa o depoimento da autora na parte em que identifica o cão que a mordeu.
Não podemos sufragar este entendimento.
Se é certo que os réus não viram o que aconteceu à autora, as suas declarações, no que diz respeito aos cães que têm à sua guarda, têm relevância para a decisão, pois que, como referiu a autoridade policial quando lá chegou, não os encontrou no espaço da casa dos réus, sendo assim verdadeiro que se ausentaram daquele local, naquela manhã, antes da deslocação da autoridade policial.
É preciso saber em que circunstâncias. Estas, apenas podem ser conhecidas pela autora, que estava sozinha na rua, ou pelos réus, se a ausência se tivesse verificado perante os seus olhos.
Começa por referir-se que o Tribunal está perante declarações das partes que são entre si incompatíveis.
Se estes dois cães se ausentaram quando um deles mordeu a autora, não saíram pelo portão quando este foi aberto pelo réu, como este referiu, e se estes só se ausentaram do quintal vedado quando o portão foi aberto, então nenhum mordeu a autora porque antes não se encontrava na rua (a autora referiu que os cães fugiram do local, após o ataque, pelo que não existe a possibilidade de o cão ter mordido a autora e voltado a entrar no espaço vedado da casa dos réus).
Elencando o pensamento doutrinário sobre as declarações de parte como meio de prova, no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 12/10/2023, da Juiz Desembargadora Raquel Rego, proc. 1059/19.2T8CHV.G1, inwww.dgsi.pt, vemos três posições diferentes:
“Assim, adotando, neste domínio, o princípio da prova, veja-se Carolina Henriques Martins, Declarações de Parte, Universidade de Coimbra, 2015, p. 58, quando escreve que «Caso se considere útil a audição da parte nesta sede quando coexistem outros meios de prova, propomos a sua apreciação como um princípio de prova, equivalente ao mencionado argomenti di prova italiano, que não deixará de auxiliar na persuasão do juiz, mas que apenas o fará em correlação com a restante prova já produzida contribuindo para a sua (des)credibilização, e apenas nesta medida». Integrando a segunda posição, está Lebre de Freitas, “A ação Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 4ª edição, pag. 322, editora Gestlegal, Lebre de Freitas consignando que «a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime se ambas as partes tiverem sido efetivamente ouvidas». Finalmente, sendo defensora da terceira, Catarina Gomes Pedra, “A Prova por Declarações das Partes no Novo Código de Processo Civil. Em Busca da Verdade Material no Processo”, Escola de Direito, Universidade do Minho, 2014, p. 145, ao escrever que «não pode esquecer-se que a limitação do valor probatório das declarações das partes, como, de resto, a sua compreensão no contexto de um meio de prova subsidiário, pode consubstanciar, em determinadas situações, uma violação do princípio da igualdade de armas previsto no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem»”.
Como aí se conclui “é acertado dizer-se que as declarações de parte, pela sua própria natureza, exigem do julgador um redobrado cuidado de apreciação e exigência quanto à veracidade do seu conteúdo, posto que não deixam de estar imbuídas de um interesse pessoal na sorte da lide. Todavia, entender que, sozinhas, não podem valer como meio de prova equivaleria a uma revogação material do conteúdo da norma, cujo poder ao tribunal não assiste”.
E é, assim, neste contexto de declarações de parte contraditórias sobre a ausência destes dois cães no espaço onde se encontravam habitualmente que temos de verificar qual é que se mostra mais plausível com a descrição dos factos, na certeza, que não está já em discussão, que naquelas circunstâncias de tempo e lugar, a autora foi mordida por um cão.
E assumimos que estão apenas em causa estes dois cães porque também noutro ponto a prova produzida não foi clara. O cabo da GNR que verificou as instalações referiu que não viu nenhum dos cães. O réu referiu, sem indicar o número, que os cães fugiram pelo portão quando o abriu. A autora referiu que apenas os dois que fugiram pela vedação saíram do local, porque o terceiro nunca saiu de casa. A ré, embora sem muita certeza, referiu que o terceiro cão, naquele dia, nunca saiu da propriedade vedada.
A questão de facto relevante é, porém, apenas a de saber se aqueles dois cães dos réus saíram pela grade da vedação que têm em sua casa e um deles mordeu a autora.
Analisemos, antes de mais, a versão que cada uma das partes trouxe aos autos, nos seus articulados, sendo certo que as grades de vedação da casa de habitação dos réus eram as mesmas no dia a que os factos se reportam e no dia em que a inspeção judicial foi realizada (eram da origem da casa, como disseram).
Alegando a autora que estava a passar na rua junto à casa dos réus, refere que dois cães saíram para a rua “através das grades daquela residência” – art.º 3.º da petição inicial – tendo-lhe um deles mordido numa perna.
Sobre esta alegação, depois de descreverem as instalações que possuem para acolher os seus três cães da raça castro laboreiro, referem os réus que tinham instalado um sistema de “fuga/vigilância, designado por canifugue” e que, “à data dos factos alegados pela A. os canídeos encontravam-se dentro da residência dos Réus, não sendo possível transpor a vedação existente, com o sistema canifiue ligado”, acrescentando “os canídeos não saíram pelas grades nem atacaram a A.” – arts.º 11.º, 13.º e 14.º da contestação.
Em nenhum momento alegaram os réus que a vedação era intransponível pelos cães, atenta a largura das grades, mas apenas que o não era, naquela data, com o sistema “canifugue” ligado.
Em resposta aos documentos que os réus apresentaram com a contestação (e relativos precisamente ao sistema “canifugue”), a autora apresentou requerimento em que, precisamente sobre a alegação de que os canídeos não saíram pelas grades, fez a junção aos autos de uma fotografia em que se vê a grade da vedação e, pela parte interior desta, a existência de uma rede com uma abertura, alegando que tal fotografia “demonstra o local por onde os animais de estimação dos R.R conseguem sair para a via pública”.
Os réus nada disseram perante esse documento.
Quer isto dizer que, perante a alegação da autora de que o cão que lhe mordeu havia saído pelas grades de vedação da casa de habitação dos réus estes, que cuidam daqueles cães e têm aquela vedação desde sempre, nunca alegaram não ser possível, pela largura das grades, que a mesma fosse transponível pelos animais, mas tão-só que os cães não saíram pela grade porque o sistema preventivo de fuga estava ligado e que apenas saíram pelo portão quando o réu o abriu.
Ora, ouvidas as declarações do réu, este começou logo por dizer que, àquela hora da manhã, aquele sistema não estava ligado.
Como explicou, o tal sistema “canifugue”, quando ligado, impede que os animais se aproximem da vedação, pois que tem duas linhas, paralelas àquela e escondidas na relva do solo, que, ao serem transpostas, dão ao animal um sinal elétrico, um primeiro mais suave e um segundo, mais próximo da vedação, mais forte, sendo assim dissuasor de tal aproximação.
Este, porém, não estava então ligado (como resultou das suas declarações em audiência).
Caiu assim por terra, e com a suas próprias declarações, a justificação dada pelos réus no articulado apresentado nos autos para explicar a razão pela qual os cães não teriam transposto as grades de vedação.
Alegavam ainda os réus que não poderiam ter sido os seus cães a atacar a autora porque estes não se ausentaram da sua residência “só tendo ocorrido a saída dos mesmos com o aqui Réu, aquando da saída para prestar o auxílio à A.”.
Ou seja, decorre desta sua alegação que os cães estavam em casa quando ouviram a autora gritar (e assim depois de atacada), tanto mais que saíram da casa com o réu quando este foi prestar auxílio à autora.
E é, aqui, que a versão dos réus (melhor dizendo, do réu, pois que a ré não sabia como é que os cães tinham saído de casa) é absolutamente incoerente.
Como afirmou o polícia que se deslocou ao local, não viu os cães na casa dos réus.
Daqui se retira que, em algum momento, como acima se referiu, pelo menos dois se ausentaram daquela casa.
Ora, nas declarações que prestaram, os réus admitiram que os cães fugiam, por vezes, andando soltos (todo o dia), e acabando depois sempre por regressar. Afirmaram, porém, que tal acontecia sempre por descuido de alguém que não estava habituado aos cães (uma empregada, um trabalhador ocasional, um familiar), que permitia a sua saída pelo portão pequeno. Era sempre um descuido de quem não estava habituado a lidar com os cães.
Porém, na situação concreta, querem convencer o Tribunal que foi o réu, proprietário da casa, e que sabe que os cães fogem quando têm o portão aberto, que não teve cuidado no momento de o abrir, permitindo então, inadvertidamente, a sua saída do quintal vedado.
Não será esta versão a mais inverosímil de todas: a única vez que o réu deixou sair os cães por descuido foi exatamente aquela em que a autora refere ter sido, momentos antes, mordida por um desses animais?
Note-se que a ser verdade a versão do réu, a autora estaria na rua a gritar ter sido atacada por um cão, imputando o ataque a um dos três cães dos réus quando este estaria, afinal, ainda dentro do quintal, não tendo esta como antecipar que o réu seria descuidado ao sair de casa, de modo a permitir a sua fuga.
E houve outro pormenor das declarações da autora que foi manifestamente confirmado. Esta referiu que o réu procurou responsabiliza-la pelo que havia acontecido, por estar a passar ali, com um cão, sabendo dos cães que existiam naquela concreta casa, como se estivesse a colocar-se naquela posição. Ora, esta foi também a sua versão no decurso da audiência de julgamento, procurando dizer que aquele local ficava longe da casa da autora e esta não teria necessidade de ali passar para ir para praia, como supunha que pretenderia, questionando dessa forma o que estaria por ali a fazer.
Mas não só.
Quando foi questionado sobre a rede colocada na grade de vedação, o réu referiu que a colocou naquele local quando os animais eram pequenos, tendo tirado a rede quando os animais cresceram e já não podiam sair pelas grades. Ora, a rede é perfeitamente visível na fotografia junta aos autos, reportada à data dos factos (sem que tal fosse oportunamente questionado pelos réus), e, nas palavras do próprio réu, se ainda lá estava era porque os cães, certamente os de menor porte, então ainda saiam pelas grades.
Note-se que os três cães, sendo da mesma raça, não têm o mesmo porte. A ré referiu-se aos cães como tendo um cerca de 35 kilos (o macho), sendo as cadelas “médias”.
São estas as cadelas que aqui estão em causa. E que se refere terem saído pelas grades que têm apenas 14 cms de largura. Se atentarmos na alegação dos próprios réus estas teriam cerca de 25 kilos.
E, aqui chegados, temos que apenas em audiência de julgamento os réus afirmaram que as grades da vedação não tinham largura que permitisse a passagem dos cães, sendo certo que o volume dos animais não é de modo a que, contorcendo-se, não a pudessem efetivamente transpor.
O que releva aqui não é o peso dos animais, mas a forma como, tendo agilidade, se poderiam ou não contorcer para se esgueirarem e saírem pela vedação. E até ao julgamento nenhum dos réus, que os conhecem melhor que ninguém, afirmou que tal não era possível.
Note-se que o GNR DD, que não falou com a autora no local, pois que desta ficou encarregue outro colega, tendo apenas falado com os proprietários da casa, referiu que lhe foi dito que os animais teriam possivelmente saído pelo gradeamento, e que “era normal” eles saírem para um pinhal ali perto.
Ou seja, a versão da autora, que esta confirmou em audiência, surge corroborada pela não prova da justificação dada pelos réus no seu articulado de contestação para explicar porque não podiam os animais ter transposto a vedação e pela total falta de credibilidade da explicação que o réu apresentou, em audiência, para a circunstância de os seus cães não se encontrarem em casa quando a polícia, chamada ao local pela autora, lá entrou.
Surge ainda corroborada pelo depoimento da autoridade policial que, quando chegou ao local, falou apenas com os réus e, assim, relatou o que foi por estes referido, naquele momento.
A afirmação genérica de que os cães dos réus não passavam pelas grades, atenta a sua largura, considerando tal transposição como uma impossibilidade, não foi assim corroborada, até à audiência de julgamento, pelos réus que bem conhecem os seus animais.
O carater dócil dos mesmos, que não está aqui em discussão, também não afasta a possibilidade de, em determinado momento e contexto, um deles acabar por morder uma pessoa, não podendo ignorar-se os termos em que a própria autora descreveu o ataque. O cão não estava a dirigir-se a ela, mas ao cão que a acompanhava, tendo autora afastado o seu cão, interpondo-se entre este e o cão dos réus, sendo nessas circunstâncias que foi por este mordida numa perna.
Entendemos assim que assiste razão à autora quando refere que se fez prova dos factos que, nos pontos 1 e 2 foram dados como não provados e que, assim, devem considerar-se provados.
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2 - Devem, pois, considerar-se os seguintes factos:
1. Os réus são donos de três canídeos de grande porte, um macho e duas fêmeas, de raça castro laboreiro, com peso aproximado de 25 a 40 Kg, devidamente tratados e vacinados, tendo o macho nascido em ../../2015 e as fêmeas em 14.05.2017. 2. No dia 8 de abril de 2023, pelas 8h45m, a autora encontrava-se a caminhar e a passear o seu canídeo de porte pequeno na localidade de ..., freguesia ..., concelho ..., quando, ao passar na Rua ..., junto ao número de polícia ...10, foi mordida por um cão na zona do gémeo da sua perna esquerda. 3. A autora, porque estava desesperada com as dores e em pânico, ligou para o 112, solicitando tratamento médico. 4. Após a chegada ao local da ambulância, foi transportada para o Hospital ..., onde deu entrada no serviço de urgência e foi vacinada com a vacina contra o tétano, tendo-lhe sido feita avaliação e curativos às feridas que apresentava. 5. Teve alta hospitalar naquele mesmo dia. 6. Como consequência direta e necessária do referido em 2, a autora teve dores na perna esquerda, e sofreu ainda escoriações e feridas puntiformes no gémeo da referida perna. 7. A autora foi medicada com antibióticos em comprimidos, para tomar nos 14 dias seguintes à mordida. 8. E foi-lhe também receitada pomada com antibiótico, para colocar nas feridas durante 5 dias. 9. A autora fez curativos no Centro de Saúde ... durante três semanas, dia sim, dia não. 10. Após as três semanas de curativos no Centro de Saúde, teve indicação médica para manter os curativos em casa durante, pelo menos, mais duas semanas, porque a ferida não se encontrava curada. 11. Por força do referido em 2, a autora apresenta duas cicatrizes nacaradas com halo mais avermelhado com 2x1 cm cada, localizadas na face posterior do terço médio da perna esquerda, apresentando ainda uma área de hiperpigmentação azulada com cerca de 5 x3 cm na face posterior da perna superiormente às duas cicatrizes acima referidas. 12. Em consequência, apresenta um Dano Estético Permanente de grau 1, numa escala de 0 a 7. 13. A consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 8 de maio de 2023. 14. O Período de Défice Funcional Temporário Total (correspondente ao período durante o qual, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, a autora viu condicionada a sua autonomia na realização dos atos correntes da vida diária, familiar e social, excluindo-se aqui a repercussão na atividade profissional) sofrido pela autora foi de 2 dias. 15. O Período de Défice Funcional Temporário Parcial (correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses atos, ainda que com limitações) sofrido pela autora foi de 29 dias. 16. O Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total (correspondendo ao período durante o qual a autora em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos inerentes à sua atividade profissional habitual) sofrido pela autora foi de 22 dias. 17. O Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial (correspondendo ao período em que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização destas mesmas atividades, ainda que com limitações) sofrido pela autora foi de 9 dias. 18. A A. sofreu um Quantum Doloris (correspondente à valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela autora durante o período de danos temporários, isto é, entre a data do evento e a cura ou consolidação das lesões) de 3, numa escala de 0 a 7. 19. Apresenta um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica (correspondente à afetação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, e sendo independente das atividades profissionais) de 1 ponto, numa escala de 0 a 100. 20. A autora ficou com sequelas que são compatíveis com o exercício da sua atividade profissional habitual, mas que implicam esforços suplementares, neste caso ligeiros, com dores ocasionais na cicatriz. 21. Durante um período de cerca de mês, a autora não se conseguia sentar-se nem estar deitada de costas, pois sempre que a zona mordida tocava em algum objeto sofria fortes e intensas dores. 22. Quando estava deitada, a autora tinha que estar de lado, ou de barriga para baixo. 23. No momento do ataque do canídeo e nos instantes que o procederam, a autora sofreu um enorme susto, receando pela própria vida. 24. Passou a ter medo de cães, o que não ocorria até então. 25. A autora andou, como ainda anda, triste e angustiada. 26. Tem vergonha de andar com a perna destapada na zona que foi mordida, devido à cicatriz que apresenta. 27. À data dos factos referidos em 2, a autora exercia, como ainda exerce, a função de empregada doméstica. 28. Trabalhava sem qualquer limitação e dor, e era uma mulher forte, ágil e dinâmica. 29. A autora aufere um salário mensal de cerca de 1.000,00 €, pois trabalha de Segunda a Sexta-Feira pelo menos 8 horas por dia, e Sábado de manhã, pelo menos 3 horas, auferindo pelo menos 7,00 € por cada hora de trabalho. 30. Durante o período de doença, com incapacidade temporária absoluta para o trabalho, deixou de auferir os rendimentos respetivos, no montante total de 850,00 €. 31. A título de subsídio por doença, pago pela Segurança Social, a autora recebeu a quantia de 62,00 €. 32. A autora nasceu no dia ../../1980. 33. Em consequência do referido em 2, a despendeu a quantia de 23,52 € em despesas médicas e medicamentosas necessárias à sua recuperação. 34. Os canídeos referidos em 1 fogem da residência dos réus por várias vezes, e andam à solta sozinhos na via pública., o que é do conhecimento daqueles. 35. Os canídeos referidos em 1 encontram-se no interior da residência dos réus., a qual é totalmente murada por um gradeamento, dispondo de uma longa área de jardim para poderem vaguear, que não tem acesso à via pública. 36. Nessa residência existe um lugar destinado aos mesmos e está instalado um sistema de fuga/vigilância, designado por “canifugue”. 37. Nas condições de tempo e de lugar referidos em 2, saíram para a rua, através das grades da residência dos réus, dois dos três cães identificados em 1, sem estarem atrelados ou açaimados, o primeiro de cor ..., quase preta, e o segundo malhado, de cor ... e preta. 38. O cão de cor ..., quase preta, mordeu a autora nos termos referidos em 2.
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3. Perante os factos provados agora aditados é inequívoco que não pode manter-se a decisão de improcedência da ação.
A presente ação coloca-nos no domínio da responsabilidade extracontratual ou aquiliana, resultante da violação de direitos absolutos, tal como definida no art.º 483º do C. Civil: “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
São pressupostos deste tipo de responsabilidade:
a) a verificação de um facto;
b) a ilicitude;
c) a culpa;
d) a existência de danos;
e) o nexo de causalidade entre o facto ocorrido e os danos verificados.
O facto terá necessariamente de ser aquele que é dominável e controlável pela vontade humana, pois só desse modo se compreenderá a responsabilização do indivíduo que o pratica.
A ilicitude traduz a reprovação da conduta do agente “no plano geral e abstrato em que a lei se coloca, numa primeira aproximação da realidade” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 9.ª edição, Almedina, Coimbra, 1996, pág. 562), refletida na violação do direito de outrem ou de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
A culpa é um juízo de reprovação e censura da conduta do agente, que assenta na imputação do facto à vontade deste e que revestirá uma de duas formas: dolo ou negligência.
Em alguns casos, a lei estabelece presunções de culpa, como acontece no art.º 493.º, n.º1, do C. Civil, em relação a quem tem a obrigação de vigiar um animal (“quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”).
Os danos correspondem ao prejuízo que decorre para quem suporta a atuação ilícita e culposa de outrem.
Por último, é necessário que se possa estabelecer um nexo de causalidade entre a conduta e os danos verificados de forma a que se possa afirmar ter sido aquela causa adequada à produção do dano.
Porém, casos existem em que, independentemente de culpa, a lei responsabiliza determinados sujeitos pelos danos resultantes de atividades ou coisas que pela sua natureza perigosa são suscetíveis de produzir danos. Trata-se da responsabilidade pelo risco, assente no princípio do ubi commodum, ibi incommodum.
Este tipo de responsabilidade é, contudo, excecional, como decorre do art.º 483º, nº 2 do C. Civil.
Um dos casos previstos na lei de responsabilidade pelo risco está precisamente relacionado com a existência de animais. Com efeito, dispõe o art.º 502.º do C. Civil que “quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais responde pelos danos que eles causarem, desde que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização”.
Sobre a aplicação destes dois normativos (arts.º 491.º e 502.º do C. Civil), em anotação ao art.º 502.º do C. Civil, referem Pires de Lima e Antunes Varela que “a diferença de regime explica-se pela diversidade de situações a que as duas disposições se aplicam: o artigo 493.º refere-se às pessoas que assumiram o encargo da vigilância dos animais (o depositário, o mandatário, o guardador, o tratador, o interessado na compra que experimenta o animal, etc.), enquanto o disposto no artigo 502.º é aplicável aos que utilizam os animais no seu próprio interesse (o proprietário, o usufrutuário, o possuidor, o locatário, o comodatário, etc.). É quanto a estas pessoas que tem inteiro cabimento a ideia do risco: quem utiliza em seu proveito os animais, que, como seres irracionais, são quase sempre uma fonte de perigo, deve suportar as consequências do risco especial que acarreta a sua utilização. No caso de o utente haver incumbindo alguém da vigilância dos animais, poderão cumular-se as duas responsabilidades (a prevista no artigo 493.º e a fixada no artigo 502.º) perante o terceiro lesado, caso o facto danoso provenha da presuntiva culpa do vigilante; não havendo culpa deste, a obrigação de indemnização recairá apenas, com o fundamento do risco, sobre a pessoa do utente, caso se verifiquem os pressupostos que a condicionam» (Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição revista e atualizada, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, pág. 511-512).
Ora, sendo os réus proprietários do cão EE, que mordeu a autora, respondem pelos danos causados pelo cão, pois estes resultam do perigo especial que envolve a detenção daquele cão, nos termos do art.º 502.º do C. Civil.
Dos danos provados decorrerá a dimensão da obrigação de indemnização que recai sobre os réus.
Segundo o art.º 562.º do C. Civil, na reparação do dano vigora o princípio da reconstituição natural. Não sendo tal possível, deve o Tribunal fixar uma indemnização em dinheiro, nos termos do art.º 566.º, n.º 1, do C. Civil, de acordo com a teoria da diferença: o valor dessa indemnização deve corresponder à diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos – n.º 2 da mesma norma. Caso não seja possível averiguar do valor exato dos danos, o tribunal recorrerá à equidade, dentro dos limites que tiver por provados (art.º 566.º, n.º 3).
Dúvidas não subsistem que todos os danos apurados são consequência necessária da mordida que o cão dos réus perpetrou na autora, pelo que a questão que verdadeiramente se nos coloca é a de subsumir o dano (ou danos) sofridos às categorias de danos patrimoniais e/ou não patrimoniais e, desse modo, encontrar os critérios balizadores da tarefa que se impõe ao julgador: a de encontrar um valor suscetível de o/os reparar, considerado ainda o disposto pelos arts.º 562.º, 564.º e 566.º do C. Civil.
Estão em causa as seguintes quantias:
1 - a quantia de 788,00 € (pois que a autora referiu e demonstrou ter deixado de auferir 850,00 €, mas refere ela própria ter já sido indemnizada pelo valor de 62.00 €, só efetivamente voltando a referir a quantia de 850,00 € em sede de alegações de recurso), pelo período que esteve em situação de incapacidade temporária absoluta;
2 - a quantia de 23,52 € por si despendida na aquisição de medicamentos e em despesas médicas;
3 - a quantia de 6.000,00 euros considerando a incapacidade parcial e permanente de que ficou a padecer.
4 - a quantia de 7.500,00 euros a título de danos não patrimoniais;
No que se reporta aos valores referidos em 1 e 2, estão em causa danos patrimoniais sofridos pela autora na sequência de ter sido mordida pelo cão dos réus, estando estes obrigados a repara-los, atento o que resultou provado nos pontos 30, 31 e 33 da matéria de facto provada.
Já no que se refere aos demais danos, os valores peticionados partem de uma realidade que não se demonstrou exatamente nos termos em que estava alegada.
Desde logo, a alegada incapacidade permanente de pelo menos 2 pontos. Provou-se apenas que, na sequência de ter sido mordida pelo cão dos réus, a autora apresenta 1 ponto de défice funcional permanente na sua integridade física e psíquica, ainda que este tenha, como alegado, repercussão nas suas atividades diárias e implique esforços suplementares no exercício da sua atividade profissional.
De igual modo, a autora pressupunha, ao deduzir a sua pretensão, um quantum doloris de grau 4, e um dano estético de grau 2, tendo-se mensurado estes danos em grau 3 e 1, respetivamente.
Estava ainda alegada uma repercussão do dano nas suas atividades desportivas e de lazer em grau 2, mas este dano não resultou demonstrado.
O mesmo se diga em relação a todos os demais danos alegados e que foram dados como não provados nos pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 da matéria de facto não provada.
Quanto ao valor peticionado de 6.000,00 € começa por evidenciar-se que a autora não alegou qualquer concreta perda patrimonial decorrente do défice de que passou a padecer na sequência de ter sido mordida pelo cão dos réus, mas tão só a existência desse défice - que se demonstrou ser de apenas 1 ponto e não 2 pontos como alegava - e o seu rebate profissional, que também resultou demonstrado.
Neste enquadramento específico de défice funcional, tendo a autora 42 anos de idade à data dos factos, uma esperança média de vida de 83,7 anos, considerando um salário de 1.000,00 €, e que a autora em nada contribuiu para os danos sofridos, a repercussão que o mesmo tem na sua vida pessoal e na sua atividade profissional, desconhecendo a capacidade económica dos obrigados à indemnização, tendo por base critérios equitativos, dentro dos limites dos danos alegados e que resultaram demonstrados, em conformidade com o disposto no n.º 3 do art.º 566.º do C. Civil, tem-se por adequada a fixação da indemnização de 2.500,00 € pelas consequências da afetação da capacidade geral ou funcional da lesada, valor atualizado a esta data.
Quanto aos danos não patrimoniais peticionados, preceitua o art.º 496.º, n.º1, do C. Civil que na fixação da indemnização devem atender-se os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
A indemnização deste tipo de danos não visa propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas antes oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido - cfr. A. Varela, in Das Obrigações em Geral, I.º Volume, pág. 560; Rui Alarcão, in Direito da Obrigações, pág. 270.
Conforme prescrevem os art.ºs. 494.º, 496.º e 566.º, n.º 3, do C. Civil, o montante da compensação pelos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso - dolo, ou mera culpa do lesante -, segundo critérios de equidade, também atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à situação económica deste e às demais circunstâncias do caso que o justifiquem.
No Código Civil Anotado de Pires Lima e Antunes Varela, I.º Volume, pág. 499, pode ler-se: “a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo, e não à luz de fatores subjetivos - de uma sensibilidade particularmente embotado ou especialmente requintada”.
Começa por dizer-se que é total a falta de razoabilidade da autora.
Não tendo demonstrado os factos tal como os tinha alegado, carece de qualquer sentido que mantenha, em sede de recurso, os valores inicialmente peticionados.
O que se provou foi que:
- o défice funcional fixou-se afinal em 1 ponto, por cicatrização patológica (código da TNI Pa0101);
- o quantum doloris fixou-se em grau 3, entre a data dos factos e a consolidação médico-legal, em 08 de maio de 2023;
- o dano estético fixou-se em grau 1;
- das lesões sofridas não resultou qualquer repercussão nas atividades de lazer da autora;
- a autora sofreu um enorme susto, receando pela vida;
- a autora passou a ter medo de cães, o que antes não acontecia;
- a autora andou, como ainda anda, triste e angustiada.
Perante este confronto entre o que alegou a autora em 2023 para peticionar a quantia de 7.500,00 € a título de danos não patrimoniais e os factos que que resultaram provados, entende o Tribunal, de forma equitativa, atualizada a esta data, fixar em 3.500,00 € a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos.
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A autora peticiona ainda o pagamento de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação.
De acordo com o estabelecido no art.º 805.º, n.º 3, do C. Civil, nos casos de responsabilidade por facto ilícito, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte da mencionada disposição legal.
A este propósito impõe-se, desde logo, esclarecer que deve fazer-se uma interpretação restritiva do art.º 805º, nº3.
Assim, na compensação pelos danos não patrimoniais ou pela perda de capacidade de ganho não se justifica a solução da norma citada, uma vez que não se trata de uma dívida de valor. O que deverá acontecer é que o juiz, no momento da fixação da indemnização, “dentro das demais circunstâncias do caso” deverá ter em conta este fator, ou seja, a desvalorização da moeda, o que já foi feito, justificando-se, todavia, a condenação em juros com referência ao tempo posterior à data da decisão e até efetivo pagamento da indemnização.
Neste mesmo sentido decidiu o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ nº 4/2002 (publicado no DR, I-A série, de 27/06/2002).
Quanto ao mais, não se justifica (porquanto não se procedeu a qualquer atualização monetária) a exclusão do pagamento dos juros moratórios desde a data da citação até à “decisão atualizadora”.
A taxa supletiva de juros a considerar é de 4% - Portaria nº291/2003, de 08/04 – aplicando-se qualquer alteração que venha a ser introduzida a esta taxa de juro, enquanto não se verificar o pagamento, considerando-se quaisquer portarias que venham a alterar a taxa de juro de mora aplicável até que aquele ocorra.
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Nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil, as custas da ação e do recurso são suportadas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento.
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V – Decisão:
Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação apresentada pela autora FF e, em conformidade, revoga a sentença de absolvição do pedido dos réus BB e CC e, em conformidade:
a) condena estes réus a pagar à autora as seguintes quantias:
a. 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros) a título de indemnização pelo dano de défice funcional;
b. 3.500,00 € (três mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais;
c. 788,00 € (setecentos e oitenta e oito euros) a título de indemnização por perdas salariais;
d. 23,52 € (vinte e três euros e cinquenta e dois cêntimos) a título de despesas médicas e medicamentosas.
b) condena ainda os réus a pagar à autora juros de mora sobre estas quantias, nos termos fixados, desde a data deste Acórdão quanto aos valores referidos em a. e b. e desde a citação sobre os valores referidos em c. e d., até integral pagamento.
c) absolve os réus quanto ao mais peticionado.
As custas da ação e do recurso são suportadas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido à autora.
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Guimarães, 06/02/2025
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)
Relatora: Paula Ribas
1ª Adjunta: Maria da Conceição Sampaio
2ª Adjunta: Sandra Melo