ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO MORTE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I - Tendo uma das vítimas do acidente de viação em causa 19 de idade, e tendo as outras duas vítimas do mesmo acidente 23 anos de idade, e sendo, todas elas, pessoas saudáveis e com largos anos de expectativa de vida, e considerando a prática jurisprudencial mais recente a propósito do valor indemnizatório atribuído para ressarcimento do “dano morte”, é de fixar, para tal ressarcimento, uma indemnização de 100.000,00 euros (por cada uma das vítimas).
II - Aos pais de cada uma dessas vítimas, para ressarcimento dos seus próprios danos não patrimoniais decorrentes da perda dos seus filhos, e ponderando todas as circunstâncias provadas nos autos, é de estabelecer o valor da indemnização em 45.000,00 euros.
III - Aos valores fixados pela indemnização devida pelos danos não patrimoniais devidos aos pais das vítimas em virtude da sua morte não há que tomar em consideração a percentagem de responsabilidade daquelas pelo agravamento dos danos, dada a sua natureza.

Texto Integral



Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I – relatório

No âmbito do processo nº 96/19.1GTEVR, o Ministério Público encerrou o respetivo inquérito com a dedução de acusação contra o arguido F, imputando-lhe o cometimento, em autoria material e n forma consumada, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelos artigos 291.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, de três crimes de homicídio negligente, previsto e punido pelo artigo 137.º, n.º 1, 15.º e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, de uma contraordenação, classificada como grave, prevista e punida pelo artigo 27.º, n.º 1, 2, al. a), 3.º, 138.º, 145.º, n.º 1, al. d) e 147.º todos do Código da Estrada, de uma contraordenação, classificada como muito grave, prevista e punida pelo artigo 81.º. n.º 1, 2, 6, al. b), 138.º, 146.º, al. j) e 147.º, todos do Código da Estrada e de uma contraordenação, classificada como leve, prevista e punida pelo artigo 54.º, n.º 3 e n.º 6 do Código da Estrada.

Deduziram pedido de indemnização civil:

· N e M deduziram pedido de indemnização civil, contra a Companhia de Seguros Zurich Insurance – Sucursal em Portugal pedindo a condenação da seguradora no pagamento da quantia total de €243.087,40 (duzentos e quarenta e três mil oitenta e sete euros e quarenta cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
· A deduziu pedido de indemnização civil, contra a Companhia de Seguros Zurich Insurance – Sucursal em Portugal/ Zurich – Companhia de Seguros Vida, pedindo a condenação da seguradora no pagamento da quantia total de €213.145,80 (duzentos e treze mil cento e quarenta e cinco euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros de mora a contar da citação até efetivo e integral pagamento.
· L e R deduziram pedido de indemnização civil contra a Companhia de Seguros Zurich Insurance – Sucursal em Portugal/ Zurich – Companhia de Seguros Vida pedindo a condenação da seguradora no pagamento da quantia total de €202.313,45 (duzentos e dois mil trezentos e treze euros e quarenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até e integral pagamento.

Realizado o julgamento, em processo comum com intervenção de Tribunal Coletivo, por acórdão de 09 de Maio de 2024, foi decidido:

a) Absolver o arguido F, como autor material pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelos artigos 291.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal;

b) Absolver o arguido F, como autor material pela prática de três crimes de homicídio negligente, previsto e punido pelos artigos 137.º, n.º 1, do Código Penal e, convolando a acusação, condenar o arguido F, como autor material pela prática de três crimes de homicídio negligente grosseiro, previsto e punido pelos artigos 137.º, n.º 2, 15.º e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão e na pena acessória de 1 (um) ano de proibição de conduzir veículos motorizados, por cada um dos crimes;

c) Unificar as penas referenciadas na alínea anterior, condenando o arguido F na pena única de:

- 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com sujeição a regime de prova, assente em plano de reinserção social individual, que vise a frequência pelo arguido de um programa rodoviário, o qual deverá ser acompanhado com vigilância dos serviços de reinserção social;

- 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de proibição de conduzir veículos motorizados, devendo o arguido entregar a sua carta de condução neste tribunal ou em qualquer posto policial no prazo de dez dias após o trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de não o fazendo, ser determinada a apreensão daquela carta e de o arguido incorrer na prática de um crime de desobediência;

d) Julgar parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil deduzido pelos assistentes N e M contra a demandada Companhia de Seguros Zurich Insurance – Sucursal em Portugal,, e em consequência, condenar esta a pagar àqueles o montante total de €219.187,40 (duzentos e dezanove mil cento e oitenta e sete euros e quarenta cêntimos)m a que acrescem juros de mora, à taxa legal anual de 4%, vencidos desde a data do presente acórdão e vincendos até efetivo pagamento, absolvendo a demandada do demais peticionado por aqueles;
e) Julgar parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil deduzido por A contra a demandada Companhia de Seguros Zurich Insurance – Sucursal em Portugal,, e em consequência, condenar esta a pagar àquele o montante total de €175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros) acrescido de juros de mora, à taxa legal anual de 4%, vencidos desde a data do presente acórdão e vincendos até efetivo pagamento, absolvendo a demandada do demais peticionado por aquele;
f) Julgar totalmente procedente por provado o pedido de indemnização civil deduzido por L e R contra a demandada Companhia de Seguros Zurich Insurance – Sucursal em Portugal,, e em consequência, condenar esta a pagar àqueles o montante total de €206.313,45 (duzentos e seis mil trezentos e treze euros e quarenta e cinco cêntimos) acrescido de juros de mora, à taxa legal anual de 4%, vencidos desde a data do presente acórdão e vincendos até efetivo pagamento, absolvendo a demandada do demais peticionado por aqueles.
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Na sessão de julgamento de 7 de Fevereiro de 2024, pela Senhora Juíza Presidente, foi proferido despacho no qual foram aditados factos à acusação e alterada a qualificação jurídica dos crimes de homicídio imputados ao arguido.
Na sequência deste despacho veio o arguido apresentar um requerimento arguindo a sua nulidade absoluta.
Em 06 de Março de 2024 foi proferido despacho onde se julgou não verificada a nulidade absoluta suscitada pelo arguido.

Inconformado com tal decisão o arguido interpôs recurso, pedindo a sua revogação e, em consequência, que se declare que o despacho proferido na sessão de julgamento de 07-02-2024 padece de nulidade absoluta.
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O recurso foi admitido a subir nos próprios autos juntamente com o recurso da decisão que vier a pôr termo à causa.
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Inconformados com a decisão final dela interpuseram recurso:

A - O arguido F pedindo a revogação da decisão e sua substituição por outra, em conformidade com as conclusões que extraiu da motivação apresentada e que são as seguintes:

(transcrição)

1- O presente recurso vem interposto da sentença que julgando procedente acusação condenou o arguido.
2- Requer-se que, com o presente recurso, seja admitido a subir o recurso interposto da decisão que determinou a alteração de factos no qual se mantém interesse, recurso interposto em 16 de Abril de 2024 e admitido por despacho proferido nos autos 18 de Abril de 2024 ( artigo 412º nº 5 do CPP).
3- Da factualidade dada como provada sob o nº 6, não consta que local onde ocorreu ao acidente não existia qualquer limitação de velocidade, como resulta da própria sentença, nem sinalização de perigo ( cfr. informação junta ao autos a fls…) o que deve ser aditado à matéria de facto.
4- O acidente deu-se numa estrada sem iluminação de noite, contudo, tal facto não consta dos factos provados embora conste da sentença que o acidente ocorreu pelas 04h30 de amanhã de 27 de Outubro. Devendo ser alterado o facto 7, dando-se como provado que o acidente ocorreu de noite e que estrada não tem iluminação.
5- Deu-se ainda como provado no facto 8 da Sentença que nas circunstância de tempo, modo e lugar descritas em 1, o arguido seguia a uma velocidade de cerca de 138 km/hora (há claro um lapso de escrita o facto é o 8 e não o 9) com base num alegado relatório pericial de fls. 568/574 do autos.
6- Não perícia nos autos, há um parecer técnico elaborado com base em imagens de crashs teste- que não se sabe quais são- e em modelos matemáticos – sem ficha técnica ou reconhecimento científico.
7- Por outro lado como resulta do documento junto, como uma dita perícia, os cálculos foram efetuados com base no peso do veículo sem carga. Não se diz nem se refere qual a incidência deste peso, e das massas em movimento, na dinâmica do acidente.
8- O juízo técnico e cientifico de uma perícia presume-se subtraído à livre apreciação da prova. Mas não os factos que serviram de base à formação do juízo técnico científico. Pelo que se violou por erro de aplicação interpretação o disposto no artigo 151º e ss do CPP, deve ser alterada a matéria de facto e dado como não provada a velocidade a que seguia o Arguido na hora e local do acidente.
9- Não consta da matéria de facto que berma era de terra e de cor igual à do asfalto.
10- Os rastos de derrapagem não constam da factualidade dada como provada ao mesmos e estão descritos no croqui e constam das fotografias juntas aos autos e do registo do exame ao local.
11- Em nenhum momento na dinâmica do acidente, descrita na sentença, é referida a força produzida pelos corpos em movimento e qual sua influência nessa mesma dinâmica.
12- A sua presença na caixa de carga determinou o desgoverno do veículo e a impossibilidade de controlo do mesmo pelo condutor, pese embora os esforços desenvolvidos pelo arguido e descritos nos pontos 10, 11 ,12, 13 da sentença. - embora na sentença se aponte, sem nenhuma justificação, a velocidade como o único fator que determinou impossibilidade controlo do veículo.
13- Não está provado nem não provado a idade do veículo, a sua quilometragem e o peso dos ocupantes fatores condicionavam a velocidade de circulação do veículo.
14- A cor do pavimento e da berma de terra e o facto de ser de noite foram, também, totalmente desconsiderados pelo tribunal não constando dos factos provados nem não provados.
15- Num local, sem iluminação, com a estrada sem marcações e uma berma de terra, pisar a berma é algo que acontece a qualquer condutor, e no caso concreto quando o arguido tentou meter o carro na via, o facto de quatro corpos andarem à solta na caixa veículo determinou que este entrasse em derrapagem tornando-se ingovernável.
16- O arguido não teve nem tinha condições para prever que o acidente poderia ocorrer nem se conformou com tal.
17- Termos em que deve ser alterada a matéria de facto do artigo 8 dando-se o mesmo por não provado, alterado o artigo 10 dando se não escrito “ que atento a velocidade que imprima ao veiculo, (…) atento a taxa de álcool que no sangue apresentava, artigo 13 ( na parte em que refere ( em virtude da velocidade que o arguido F imprimia na viatura)
18- Por outro lado, não está provado nos autos que as lesões dos malogrados F, J e B, e que foram causa da sua morte, tenham resultado do embate.
19- Não foi produzida a prova do facto dado como provado sob o nº 23, como resulta, da motivação da sentença o mesmo decorre de uma apreciação sobre o que comum das pessoas sabe.
20- Se é verdade que o arguido sabia dos riscos de transportar pessoas na caixa da carrinha, também os transportados os conheciam e aceitaram como aceitaram o risco de serem conduzidos por quem, com eles, tinha estado a ingerir bebidas alcoólicas.
21- O arguido não circulava à velocidade descrita nos autos, nem nunca imaginou despistar-se e causar danos fosse a quem fosse. O despiste foi motivado por um ato fortuito -pisar berma- agravado pelo a força de quatro corpos em movimento dentro da caixa da carrinha que a destabilizaram de forma irremediável.
22- O arguido não agiu com negligência consciente.
23- Pelo que deve ser alterada a matéria de facto nos termos do disposto no artigo 412 nº 3 alínea a) e b) do Código Processo Penal.
24- Caso assim não se entenda o que se admite sem conceder resulta claramente da sentença um erro notório na apreciação da prova nos termos do disposto no artigo 410º nº 1 e 2 alínea c) do CPP e em consequência deverá anular-se o julgamento ( artigo 426º do CPP nº 1).
25- O Artigo 8º, nº 2 , 18º, nº 3 da lei só determina a recolha de ADN ao arguido no caso de condenação por crime doloso com pena igual ou superior a 3 anos.
26- A não ser assim esta norma está ferida de inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18 nº 2 da CRP e do direito à reserva dos dados pessoais.
27- Pelo que deve ser revogada a sentença na parte em que determinou a recolha de ADN ao arguido.
28- A concreta pena aplicada ao arguido é manifestamente excessiva.
29- Com efeito, na pena aplicada o Tribunal teve em conta a ilicitude a conduta , centrada no facto do agente conduzir sob o efeito do álcool, de canabinoides, em excesso de velocidade, e com isso ter provocado o morte dos ofendidos, mas em momento algum tem em conta a contribuição dos mesmos na produção do acidente, bem como o facto de todos terem entrado no veículo voluntariamente após terem estado a ingerir bebidas alcoólicas com o condutor.
30- O crime negligente, preenche-se com violação do dever de cuidado a que o arguido estava adstrito.
31- O arguido não agiu e de forma temerária, nem os factos permitem qualificar a sua conduta como temerária.
32- Pelo que a sua conduta não se se subsume à imputação do artigo 137 nº 2 mas sim à 137 nº 1 do CP.
33- Como resulta dos autos o arguido não tem antecedentes criminais nem rodoviários, tem um grande sentimento de culpa em resultado do acidente, mostrou arrependimento, não tem registo de outras infrações. É muito novo, socialmente integrado, trabalhador, com grande apoio da família e amigos.
34- A pena aplicada ao concurso não deve exceder um máximo de 1 ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período por só esta medida da pena respeitar a medida da culpa e é a ajustada à necessidade de prevenção especial e geral e de reintegração do arguido. (Cfr. artigo 77º, 71º e 50º do Código Penal).
35- Ao aplicar ao arguido uma sanção acessória de proibição da condução de veículos motorizados de 2 anos e 2 meses violou-se por erro de interpretação e aplicação o disposto no artigo 71º , 69º do Código Penal pois ultrapassou-se largamente a medida de culpa e não se teve em consideração a profissão do arguido e que o mesmo não tem antecedentes criminais nem contraordenacionais.
36- A aplicação de uma sanção acessória de dois anos e dois meses sem conduzir implicará com uma grave limitação profissional para o arguido e totalmente desajustada à medida da culpa e necessidade de prevenção incumprido os critérios do disposto no artigo 71 do Código Penal.
37- A pena acessória a aplicar não deve exceder os seis meses de proibição de condução de veículos motorizados.
38- Neste termos e nos mais de direito deve ser julgado procedente por provado o presente recurso e em consequência revogar-se a douta sentença recorrida, alterando-se a matéria de facto e a qualificação do crime e reduzindo se a pena principal e acessória aplicadas no autos.


B - A demandada Companhia de Seguros Zurich Insurance pedindo a revogação da decisão e sua substituição por outra, em conformidade com as conclusões que extraiu da motivação apresentada e que são as seguintes:

(transcrição)

A recorrente vem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, por, no seu entender, ter ocorrido erro na apreciação das provas, e vem, bem assim, impugnar a decisão de direito, por entender que o tribunal não fez uma correta aplicação da lei aos factos provados.

Quanto à Matéria de Facto
A – A Recorrente pugna pela alteração da decisão constante dos números 30., 31., 57. e 77. dos Factos Provados, porquanto, em seu entender, não resultou, de modo algum, provado que:
1. J se apercebeu do veículo a entrar em despiste e de forma descontrolada e que teve consciência da iminência e inevitabilidade do embate;
2. J sentiu dores que se agudizaram até ao seu falecimento, estando ciente que dificilmente iria sobreviver face às lesões sofridas;
3. B sofreu com a iminência do embate;
4. B teve antevisão da sua morte e com isso sofreu;
5. F sofreu dores horríveis e teve a noção da iminência da sua morte.
B – O tribunal fundamentou a sua decisão sobre esta matéria com o depoimento da testemunha C. Acontece, porém, que do depoimento desta testemunha conclui-se precisamente o contrário. O tribunal fez uma leitura errada das declarações da testemunha.
C – C, ouvido na sessão de julgamento de dia 12-07-2023, cujo depoimento consta gravado com início às 10:42h e fim às 11:52h, declarou ser médico especialista de medicina legal e foi quem realizou as autópsias e elaborou os respetivos relatórios, juntos a fls. 274 e 275, 279 e 280, e 284 a 286, dos autos.
D – Pronunciando-se sobre as lesões sofridas pela vítima mortal J, declarou esta testemunha, entre os minutos 9:00 e 10:00 e depois entre os minutos 31:30 e 33:10, que a mesma teve morte imediata. Declarou, face à gravidade das lesões: “Eu acho que não houve nenhum batimento cardíaco após estas lesões”. Por seu turno, quanto aos efeitos da taxa de alcoolémia de que era portadora, atestados no Relatório de Autópsia de fls. 284 a 286, de, pelo menos, 1,94g/litro, declarou entre os minutos 14:30 e 16:50, que J já estaria letárgica, obnubilada, já teria pouco controle dos seus movimentos, já existiria falta de coordenação motora e arrastar da fala. A situação de seguramente influenciada pelo álcool fez que com que a J não se apercebesse claramente do que estava a acontecer.
E – Por seu turno, sobre a vítima mortal B, a testemunha afirmou, entre os minutos 18:44 e 20:50 e ao minuto 24 do depoimento, que a mesma morreu imediatamente ou pode ter tido algum esgar de dor, mas não mais que isso não. Declarou ainda, entre os minutos 24:50 a 27:00 e ao minuto 28:50, a propósito da taxa de alcoolémia e das concentrações de canabinóides plasmadas no Relatório de Autópsia de fls. 279 e 280, que a junção dessas substâncias tem um efeito multiplicador, a conjugação das substâncias faz aumentar o efeito de uma e de outra, o que terá provocado uma alteração do discernimento, uma ligeira anestesia.
F – E sobre a vítima F, a testemunha declarou, ao minuto 36, que este poderia ter tido um bocadinho mais de sobrevida que as outras duas vítimas, embora não sabendo precisar quanto. Por seu turno, quanto ao efeito da taxa de alcoolémia de pelo menos 1,19 g/litro declarou que este jovem estaria numa fase de euforia, de desinibição.
G – Ao minuto 29:30 do seu depoimento, a testemunha C declarou assertivamente, quanto aos três inditosos jovens: “Não tiveram consciência completa do que lhes aconteceu, se é que tiveram alguma consciência, se é que tiveram alguma consciência.”
H – O que resulta do depoimento da testemunha, especialista em medicina legal, é que as três vítimas mortais tiveram morte imediata, ou quase imediata, além de que o estado de letargia decorrente do elevado teor de álcool no sangue que apresentavam determinava-lhes alteração de pensamento.
I – Acresce que do teor da fundamentação relativa aos Factos 30, 31, 57 e 77 respiga que sobre os mesmos existiria prova no sentido positivo e que o depoimento do senhor perito C não foi suficiente para a desacreditar e os dar como não provados, quando, na verdade, não é nada disso, pois sobre a matéria em questão nenhuma prova foi feita, para lá das declarações da testemunha C.
J – Cabia aos Demandantes Civis a prova do que alegaram e, nesta parte, não produziram qualquer prova.
K – Não pode, de modo algum, afirmar-se que porque o passageiro T se apercebeu do despiste do veículo, os outros passageiros também disso se aperceberam, pois este seguia sentado no banco da frente, ao lado do condutor, enquanto os restantes passageiros seguiam na caixa de carga, separados do banco da frente por um gradeamento e sem qualquer sistema de contenção! Nem sequer sabemos se nas posições que ocupavam na caixa de carga tinham visibilidade para a faixa de rodagem!
L – Impõe-se, pois, alterar a decisão da matéria de facto, eliminando os números 30, 31 e 57 dos Factos Provados, que devem passar a incluir-se nos Factos Não Provados.
M – Por seu turno, o Facto Provado nº 77 deve ser alterado, passando a ter a seguinte redação: “F faleceu alguns minutos após o acidente.”, passando o segmento “sofreu dores horríveis e teve a noção da iminência da sua morte.” a constar dos Factos Não Provados.
Por outro lado,

Quanto à Matéria de Direito

N – Entende a recorrente que o tribunal a quo fez uma incorreta aplicação da lei aos factos provados, na medida em que condena no pagamento de montantes indemnizatórios exagerados e violadores da aplicação uniforme do direito e da padronização do valor das indemnizações, desrespeitando, assim, o disposto no Artº 496º nº 4 e no nº 3 do Artigo 8º, ambos do C. Civil, ao mesmo tempo que não reduz os montantes indemnizatórios por aplicação do disposto no Artigo 570º nº 1 do C.Civil.
O – Como decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-02-2018 no processo 1685/15.9T8CBR.C1, disponível em www.dgsi.pt: “5. Em termos de busca e fixação do valor dos danos advenientes da responsabilidade civil extracontratual (morais/patrimoniais) os princípios da igualdade e da unidade do direito e o valor da previsibilidade da decisão judicial vinculam à padronização e à normalização do valor da indemnização;”
P – Ora o douto acórdão recorrido afasta-se, precisamente, e de forma injustificada, desta regra, violando, assim, o princípio da igualdade.
Q – Não se conforma a recorrente com a fixação em € 120.000,00 do montante da indemnização pela lesão do direito à vida de cada uma das vítimas, J, B e F.
R – Como se salienta no Acórdão do STJ de 19-01-2023, no qual foi Relator o Colendo Conselheiro João Cura Mariano, tirado no proc. 3437/21.8T8PNF.P1.S1 (disponível em www.dgsi.pt), o valor padrão desta indemnização que nos últimos tempos tem norteado a jurisprudência dos tribunais superiores tem rondado os € 80.000,00 (oitenta mil euros).
S – Ademais os dois doutos arestos citados no Acórdão aqui recorrido, a saber, o Acórdão da Relação de Évora de 24-09-2020, em que é relatora a Juíza Desembargadora Albertina Pedroso, e a decisão objeto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-11-2022, em que é relatora a Juíza Conselheira Teresa Almeida, fixam a compensação pelo dano da vida do lesado em € 90.000,00 (noventa mil euros) e em € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), respetivamente, pelo que não se vislumbra qualquer razoabilidade para, citando arestos que fixam tais valores, acabar por fixar-se indemnização do montante de € 120.000,00!
T – Não resultou provada nos autos nenhuma particular circunstância, expectativa, ou aspiração, diferenciadoras, de cada um dos jovens relativamente ao seu futuro, que a nível da sua formação académica, quer a nível da sua vida profissional, nem nenhuma outra particular circunstância, nomeadamente a nível social ou comunitário, que permitisse ao Tribunal valorar o dano morte num patamar superior da escala de gravidade configurável para este tipo de dano de modo a ultrapassar significativamente os parâmetros seguidos pela jurisprudência.
U – Perante os factos provados nos autos e a jurisprudência mais constante nos últimos anos, a indemnização a arbitrar pela perda da vida de J, B e F não pode, pois, ser fixada em montante superior a € 80.000,00 (oitenta mil euros).
V – Por seu turno, as indemnizações fixadas por danos não patrimoniais sofridos pelas três vítimas mortais entre o momento do acidente e a sua morte não é, de todo, devida. Ou, sendo-o, apenas o será para o lesado F.
X – Como se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 03-08-2009, no Proc. 151/99.2PBCLD-5 (disponível em www.dgsi.pt): “(...) no que concerne ao dano sofrido pela vítima antes de morrer, importa referir que este pode variar de acordo com diversos factores, tais como o tempo decorrido entre o evento e a morte, se a vítima esteve consciente ou em coma, se teve dores ou não e se teve ou não consciência de que ia morrer.
E, deste modo, a dor que a vítima padeceu pode estabelecer-se entre o limite zero (caso de morte instantânea, sem qualquer sofrimento ou caso de coma profundo desde o acontecimento até à morte) e o limite que se situe em plano aquém do que for entendido como adequado pela perda do direito à vida. Tudo depende do sofrimento e da respectiva duração, da maior ou menor consciência da vítima sobre o seu estado e da aproximação da morte.”.
Y – Em idêntico sentido se decidiu Acórdão da Relação de Coimbra de 16-09-2014, no Proc. 509/10.8TBVNO.C1, nos termos do qual apenas assistirá direito a indemnização se se provar que a vítima mortal foi sensível à dor e/ou consciência da sua situação infortunística.
Z – Ora no caso sub judicio tendo presente que J e B tiveram morte imediata ou quase imediata, e que F teve uma sobrevida de apenas alguns minutos, estando todos eles com o seu estado de consciência alterado por virtude dos elevados graus de alcoolémia que os afetavam, não podendo afirmar-se que tenham tido sofrimento ou que tenham tido a consciência da gravidade do seu estado de saúde, nem tão pouco da iminência da sua morte, a indemnização por danos não patrimoniais das próprias vítimas não é devida.
AA – Admitindo contudo, por hipótese de raciocínio, que possa ser fixada indemnização a favor do lesado F, posto que terá tido alguns minutos de sobrevida e, não menos importante, porque o seu estado de consciência estaria menos obnubilado que o dos restantes, face aos efeitos do álcool, ainda assim a arbitrar-lhe não pode ser mais que simbólica.
BB – O douto acórdão recorrido deve pois, nesta parte, ser alterado, revogando-se na totalidade a decisão que fixa indemnizações por danos não patrimoniais das vítimas pela iminência da morte, fixando-se, quando muito, indemnização pelos danos sofridos por F entre o momento do acidente e a morte não pode ser fixada em montante superior a € 3.000,00 (três mil euros).
CC – De igual modo se impõe a alteração dos montantes indemnizatórios fixados no douto acórdão recorrido a título de danos não patrimoniais sofridos por cada um dos Demandantes Civis em virtude da morte de seus filhos, os quais se mostram desconformes, por excesso, com a mais constate jurisprudência.
DD – Os danos não patrimoniais sofridos pelos Demandantes são, sem sombra de dúvida, graves. Porém, com todo o respeito pelo sofrimento dos Demandantes, os danos provados não consubstanciam uma situação tal que permita ao Tribunal afastar-se, para mais, dos montantes indemnizatórios decididos pelos Tribunais superiores a este título.
EE – Trazendo à colação, por todos, os Acórdãos do STJ de 27-09-2016 no processo 7559/12.8TBMAI.P1.S1, e de 14-11-2017 no processo nº 3316/13.2TJVNF.G1.S1, bem como o Acórdão da Relação de Évora de 18-11-2019 proferido no processo 216/13.0GTSTB.E1, os quais, todos eles, fixam a indemnização por danos não patrimoniais dos progenitores de vítimas mortais com graus de desgosto e sofrimento análogos aos Demandantes Civis dos autos, no montante de € 30.000,00 para cada um deles, também no caso sub judicio essa indemnização, pelos danos não patrimoniais sofridos pelos Demandantes com a morte das vítimas não pode ser fixada em montante superior a € 30.000,00 (trinta mil euros) para cada um dos Demandantes.
FF – Finalmente, o douto acórdão recorrido fez uma incorreta aplicação da Lei aos factos provados, ao não aplicar ao caso o disposto no Artigo 570º nº 1 do Código Civil e, como tal, ao não reduzir indemnização a atribuir a todos os Demandantes Civis em virtude da atuação dos próprios lesados, que concorreu para a produção dos danos que sofreram.
GG – Resultou provado que F, J, C e B faziam-se transportar na caixa de carga do veículo, sabendo que a mesma não tinha nenhum assento ou dispositivo de segurança. Nessas condições, não eram transportados em condições de segurança.
HH – Mais resultou provado que quer o condutor, quer as três vítimas mortais que seguiam na caixa de carga estavam todos influenciados pelo álcool e todos sabiam que F, o condutor, tinha ingerido bebidas alcoólicas.
II – J, B e F, tal como a ocupante C, violaram ostensivamente o disposto no Artigo 54º, nº.s 3 e 4, do Código da Estrada e essa violação, se bem que possa não ter sido determinantes para o eclodir do acidente, foi, sem dúvida, determinante para a gravidade dos danos que sofreram.
JJ – Os jovens que se faziam transportar na caixa de carga expuseram-se voluntariamente ao perigo, assumindo correr um risco grave para a sua integridade física e mesmo para a sua vida, como, infelizmente, veio a acontecer.
KK – Comparando as lesões sofridas pelos ocupantes da caixa de carga com as lesões sofridas pelo condutor do veículo e pelo passageiro T, que seguia na frente no banco do passageiro, fácil é concluir que as lesões sofridas pelos ocupantes da caixa de carga foram consequência necessária das condições em que os mesmos se faziam transportar!
LL – Os passageiros transportados na caixa de carga foram projetados para fora do veículo em virtude de não terem nenhum mecanismo de segurança a protegê-los, pelo que os seus comportamentos não podem ficar fora de um juízo de censura.
MM – As infrações praticadas pelos ocupantes da caixa de carga, ao serem transportados fora dos assentos, excedendo claramente a lotação do veículo e comprometendo a sua segurança e a segurança da condução, foram uma concausa para a produção e gravidade dos danos que sofreram.
NN – Em face deste circunstancialismo, por força do disposto no Artº 570º nº 1 do C. Civil, o montante da indemnização fixada pelo Tribunal a favor dos Demandantes Civis deve, pois, ser reduzida em 40% (quarenta por cento).
Em suma
OO – O douto Acórdão recorrido enferma de erro notório na apreciação da prova, bem como de erro na aplicação da lei aos factos provados, tendo violado, nomeadamente, o disposto nos Artigos 8º nº 3, 496º nº 4 e 570º nº 1, todos do C. Civil,
PP – Pelo que deve, em suma, ser revogada e substituída por outra que, dando provimento ao presente recurso
a) Elimine os Factos Provados nºs 30, 31, 57 e segunda parte do nº 77, passando os mesmos a constar dos Factos não provados;
b) Fixe em € 80.000,00 (oitenta e cinco mil euros) a indemnização pela lesão do direito à vida de cada uma das vítimas J, B e F;
c) Elimine a indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelas vítimas com a iminência da morte;
d) Fixe em € 30.000,00 (trinta mil euros) para cada um dos Demandantes Civis a indemnização devida a título de danos não patrimoniais próprios em virtude da morte de seu filho,
e) Reduza todos os montantes indemnizatórios, incluindo os fixados a título de danos patrimoniais, em 40% (quarenta por cento).”
*
Os recursos foram admitidos por serem tempestivos e legais.
*

O Ministério Público apresentou resposta, quer ao recurso interlocutório – pugnando pela sua improcedência - quer ao recurso da decisão final, no caso circunscrita ao recurso interposto pelo arguido F - pugnando pelo seu provimento parcial.
Apresentou as seguintes conclusões:
(transcrição)

(recurso interlocutório)
1. No que tange aos factos descritos no nº 1, do despacho proferido na sessão de julgamento, do dia 07.02.2024, que o tribunal apresenta como nova, verifica-se que já se encontravam descritos no nº 2, da acusação proferida nos autos, com uma formulação quase idêntica, pelo que não constitui qualquer alteração de factos.
2. Relativamente aos factos vertidos no nº 2, desse despacho, respeitantes às concentrações de THC detectadas no sangue do arguido que lhe foi colhido, no Hospital de Évora, no dia da prática dos factos que lhe são imputados nos autos, verifica-se que, efectivamente, não constavam da acusação contra ele deduzida.
3. Foi, contudo, o arguido quem, de forma espontânea, aos 24’.30” das suas declarações mencionou que “durante o dia fumou um charro” em Évora, antes de sair para Reguengos de Monsaraz, donde resulta que a condução do veículo automóvel, de matrícula (…..), pelo arguido, no dia 27.10.2019, sob a influência de THC, foi introduzido no julgamento pelo arguido.
4. Consequentemente, a ponderação desse elemento mostra-se abrangido pelo disposto no artº 358º, nº 2, do C.P.P., pelo que se mostra excluído do regime da alteração de factos previsto nos artºs. 358º e 359º, do C.P.P.
5. A matéria vertida no nº 2, do despacho de 07.02.2023, não desvirtua a acusação deduzida nos autos, nem possui virtualidade para, por si só, conduzir à alteração da qualificação penal ou para a determinação da moldura penal. Com efeito,
6. Num quadro em que é imputada ao arguido a condução de um veículo automóvel ligeiro de mercadorias, a uma velocidade de cerca de 138 Kms/h, sendo a velocidade máxima permitida para esse veículo de 80Kms/h, transportando na caixa do veículo quatro pessoas e apresentado nessa ocasião o condutor uma TAS não inferior a 0,96 g/l, a circunstância de se aditar à acusação a concentração de THC, que o arguido então apresentava, a qual foi objecto de discussão na audiência de julgamento, não altera o circunstâncialismo fáctico imputado na acusação ao arguido por forma a que essa alteração sustente a alteração da incriminação ou da alteração da moldura penal.
7. Pelo exposto, afigura-se que a alteração de factos realizada deve ser qualificada como não substancial.
8. Quanto aos elementos subjectivos do tipo descritos nos nºs. 3 a 6 do despacho de 07.02.2024, apesar do tribunal começar por mencionar no despacho em causa que “constitui factualidade não descrita na acusação (e que também não resulta da defesa)” verifica-se que, com a excepção do segmento indicado no nº 3 “e que havia ingerido estupefacientes” já se mostravam descritos na acusação deduzida nos autos, nos nºs. 21 a 29 da acusação deduzida nos autos, pelo que o tribunal procedeu apenas a uma nova formulação dos elementos subjectivos do tipo, nada mais acrescentado de inovador.
9. Quanto à alteração da qualificação jurídica realizada pelo Tribunal Colectivo, verifica-se que a mesma tem por base os mesmos factos imputados ao arguido na acusação.
10. Consiste numa alteração da qualificação jurídica e não numa alteração de factos que determina a alteração da qualificação jurídica, pelo que se afigura que deve ser submetida ao regime do artº 358º, do C.P.P., nos termos do nº 3, desse preceito.

(recurso da decisão final)
1. O Acórdão recorrido foi proferido no dia no dia 09.05.2024 pelo que o prazo de 30 dias para a interposição do recurso findou no dia 11.06.2024.
2. O recurso interposto pelo arguido F deu entrada no dia 12.06.2024 –cfr. referência citius 4035682- após o decurso do prazo legalmente fixado.
3. Em aplicação do previsto nas disposições conjugadas dos artºs. 107-A, al. a), do C.P.P. e 139º nºs. 5, al. a e 6, do Cód. Proc. Civil deve a secretaria notificar o arguido para proceder ao pagamento da multa com o acréscimo legal.
4. No caso dos autos o arguido F pugna pela verificação do vício de erro notório na apreciação da prova, mas, em momento algum, indica quais os factos julgados provados sobre os quais incide esse alegado erro, que na sua perspectiva, é evidente.
5. Nada de notoriamente errado consta do Acórdão, ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, pelo que este vício não se verifica.
6. No que tange aos factos descritos no nº. 7, da matéria julgada provada verifica-se o arguido não indica quais as provas que impõem decisão diversa daquela alcançada pelo Tribunal, em violação do disposto no nº. 3, al. b), do artº 412º, do Cód. Penal, pelo que o decidido pelo Tribunal Colectivo em sede de factos provados deverá ser mantido nos seus precisos termos.
7. No que tange à velocidade a que circulava o veículo tripulado pelo arguido verifica-se que este admitiu, nas declarações prestadas em julgamento circular a uma velocidade “não superior a 120km/h”, a qual, por si só, já excede, em 50%, a velocidade máxima de 80Km/h, a que o veículo conduzido pelo arguido -um ligeiro de mercadorias-pode circular em qualquer estrada nacional.
8. O Tribunal Colectivo considerou aquelas declarações do arguido -como resulta da motivação da decisão de facto- e ainda o relatório de exame pericial relativo à velocidade a que circulava o veículo acidentado e perspectiva da dinâmica do acidente, junto a fls. 616 a 622 dos autos.
9. Trata-se de um relatório que espelha o trabalho desenvolvido pelos seus subscritores - ambos Engenheiros Mecânicos -, demonstrando com juízos técnico-científicos, as razões pelas quais concluíram que, no momento do despiste, o veículo tripulado pelo arguido seguia a uma velocidade compreendida entre os 138 e os 145 km/h.
10. Tais juízos técnicos-científicos não foram, por qualquer forma, colocados em causa por qualquer outro juízo, de idêntica natureza em sede de julgamento.
11. No recurso interposto o arguido tece, por si mesmo, algumas considerações referentes a elementos que, agora, entende que deveriam ter sido considerados naquele relatório, mas que nenhuma prova produzida em julgamento indica que deveriam ter sido atendidos para a determinação dos parâmetros de velocidade a que o veículo tripulado pelo arguido circulava. Consequentemente,
12. As singelas dúvidas agora suscitadas pelo arguido, não possuem relevância para abalar os juízos técnicos em que se funda o relatório em causa, pelo que a decisão do Tribunal Colectivo referente a esta matéria mostra-se bem fundada e não merece reparo.
13. Em corolário do que acima se defendeu devem, igualmente, ser mantidas as referências à velocidade a que o veículo seguia mencionadas nos nºs. 10 e 13, da matéria assente, negando-se, também nessa parte, provimento ao recurso.
14. Relativamente à falta de iluminação da estrada onde ocorreu o acidente, como supra mencionado, o arguido não indica qual a prova ou provas em que funda tal facto, sendo certo que há estradas que possuem iluminação pública, outras que não e outras que possuem em alguns troços e noutros não, pelo que o facto de se tratar de uma estrada nacional não permite, por si só, afirmar que, no local onde ocorreu o acidente, a estrada nacional possuía ou não iluminação.
15. Consequentemente, não pode esse facto ser julgado provado.
16. O arguido pretende que se dê como provado que “a berma da estrada era em terra, de cor igual à do asfalto” mas, ao arrepio do disposto no atº 412º, nº 3, al. b), do C.P.P., em nenhuma passagem do seu recurso indica qual a prova ou provas em que funda tal facto.
17. Também neste ponto o recurso do arguido não merece provimento.
18. Quanto à descrição dos rastos de travagem na matéria de facto julgada provada verifica-se que o arguido não afirma o que é que, em concreto, pretende que seja aditado à matéria de facto julgada provada, limitando a sua pretensão a uma referência genérica e conclusiva, pelo que também esta sua pretensão não deve merecer provimento.
19. Os factos julgados provados revelam um “cocktail” de infracções estradais, da responsabilidade do arguido, que mostram que o arguido previu, necessariamente, a possibilidade de perder o domínio sobre a direcção do veículo, deste se despistar e de, em consequência, ocorrer a morte de algum dos ocupantes do veículo, em especial, dos passageiros que seguiam na caixa do veículo.
20. O arguido conduzia o veículo a uma velocidade não inferior a 138 Km/h, muito superior à permitida para aquele veículo que é de 80 Km/h (mas ainda que fosse a cerca de 120km/h, como o arguido admitiu, seria sempre uma velocidade muito excessiva), sob a influência de álcool, transportando no interior da caixa de carga do veículo quatro passageiros, que não usavam qualquer sistema de retenção (cinto de segurança ou outro), circulando de noite (cerca das 04h 30m), numa estrada que não possuía guia na lateral direita.
21. Esse quadro, nos termos bem explicitados no Acórdão recorrido, mostra que o arguido agiu com negligência consciente.
22. A multiplicidade de violações de regras de condução estradal praticadas pelo arguido e a intensidade dessas violações revelam que o arguido conduzia o veículo com elevados índices de imprudência, com grave desconsideração da integridade física e da vida dos passageiros que transporta no veículo que conduzia, pelo que está preenchido o tipo do crime de homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelo artº 137º, nº 2, do Cód. Penal.
23. Face a uma moldura penal compreendida entre os dois anos e quatro meses e os sete anos de prisão, nos termos do disposto no nº 2, do artº 77º, do Cód. Penal, tendo ainda em consideração os argumentos apontados pelo arguido no nº 33 das conclusões do Acórdão e as considerações realizadas pelo Tribunal Colectivo em sede de determinação da medida das penas única e parcelar, afigura-se que a fixação da pena concreta em cinco anos de prisão, sensivelmente ao meio da moldura penal aplicável, não excede a elevada culpa revelada pelo arguido e está de acordo com as exigências de prevenção geral e especial no caso verificadas.
24. Por idênticas razões afigura-se que a medida da sanção acessória de inibição de condução de veículos motorizados deverá ser também mantida nos seus precisos termos.
25. O arguido insurge-se, ainda contra a recolha de amostras do seu ADN e a sua inserção na base de dados de ADN, nos termos do disposto nos artºs. 8º, nº 2 e 18º, nº 2, da Lei nº 5/2008.
26. Afigura-se ao Ministério Público que este segmento do recurso merece provimento uma vez que os crimes pelos quais o arguido foi condenado em primeira instância são negligentes e o artº 8º, nº 2, da apontada Lei, invocado pelo Tribunal, exige que o crime pelo qual o arguido foi condenado seja doloso, pelo que o pressuposto da sua aplicação não está verificado”.

Os demandantes N e M responderam ao recurso interposto pela demandada Companhia de Seguros Zurich Insurance pugnando pela sua improcedência e pela manutenção na íntegra do Acórdão recorrido.

O demandante A respondeu ao recurso interposto pela demandada Companhia de Seguros Zurich Insurance pugnando pela sua improcedência e pela manutenção na íntegra do Acórdão recorrido.
Apresentou as seguintes conclusões que infra se transcrevem:

“I- Veio a demandada civil, Zurich Insurance Europe AG, Sucursal em Portugal, interpor recurso do douto Acórdão proferido pelo Juízo Central Cível e Criminal de Évora, Juiz 1, concretamente, no tocante à parte cível, manifestando discordância relativamente a três aspetos da decisão:
- Dano moral da vítima B, decorrente do sofrimento com a iminência do embate.
- O “quantum” indemnizatório fixado pelo tribunal “a quo”, relativos à perda do direito à vida da vítima B e aos danos morais do demandante A.
- Contribuição das vítimas para os danos que vieram a sofrer.
II- Não lhe assiste, porém, qualquer razão, sendo inteiramente justo e insuscetível de qualquer reparo, porque conforme à lei e à matéria de facto dada como provada.
III- Quanto ao dano moral da vítima B, decorrente do sofrimento com a iminência do embate, importa referir, que a própria recorrente reconhece que entre o evento traumático (acidente) e a morte da vítima B, decorreram” segundos a minutos”.
IV- Nos autos, não existe qualquer elemento probatório que permita concluir com qualquer grau de certeza, ainda que mínimo, que a morte da vítima B ocorreu de imediato ou poucos segundos após o acidente;
V- Pois o acidente ocorreu pelas 04h:30m do dia 27 de outubro de 2019, o alerta para as autoridades de socorro foi feito às 05h:10m desse mesmo dia e a chegada dos meios de socorro ocorreu pelas 05h:40m, conforme relatório de ocorrência constante dos autos.
VI- Conforme entendimento maioritário da jurisprudência, justifica-se “… indemnizar os danos morais sofridos pelo lesado entre o momento do acidente e o momento da morte, ainda que não demonstrando que em tal período estava consciente e sofreu dores físicas, angustia e desespero, pois se pode concluir, pelo menos, que ele se apercebeu da iminência do embate e das consequências fatais” – vidé Acórdão da Relação do Porto de 22.05.2012, disponível em www.dgsi.pt.
VII- Conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.06.2020 (P.º65/17.6GTALQ-5, Relator: João Carrola), Acórdão da Relação de Lisboa, de 30 de junho de 2020; disponível em www.dgsi.pt;
“Para além de serem danos não patrimoniais graves, é de considerar que o grande sofrimento de que padece uma pessoa que, por poucos segundos que sejam, luta contra a morte que vê iminente, constitui um facto notório”.
“Apesar de a sua morte ter sido declarada no local do acidente, depois da respetiva ocorrência, não sabemos concretamente quanto tempo esteve o mesmo a sofrer até à sua morte”.
“No entanto, não tendo sido imediata a morte do falecido, pensamos que não releva em termos ontológicos saber se esteve muito ou pouco tempo a sofrer, sendo mais penoso psicologicamente o saber que se está próximo da morte”.
VIII- Não estando demonstrado que a vítima B teve morte imediata, algum hiato de tempo decorreu entre o momento do acidente e o seu decesso, período de tempo em que a vítima anteviu o desfecho fatal da sua vida.
IX- Ora, não pode deixar de se reputar como adequada, justa e proporcional a indemnização, no valor de €.10.000,00 (dez mil) euros, que Doutamente foi fixada pelo Tribunal “a quo” para ressarcir a dor do sofrimento da vítima B com a antevisão da morte que lhe sobreveio em consequência do acidente.
X- Relativamente ao quantum indemnizatório fixado pelo tribunal “a quo”, relativos à perda do direito à vida da vítima B e aos danos morais do demandante A, foram fixados €.120.000,00 (cento e vinte mil euros) pela perda do direito à vida da vítima B e o montante de 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), atribuído ao demandante A, a título de indemnização por danos morais.
XI- Foi provado nos autos, nos pontos 44 a 49 da matéria de facto provada que, a vítima B:
“… tinha (à data da sua morte) 23 anos de idade;
Era um jovem saudável, com um corpo atlético, praticava desporto com regularidade, designadamente futebol;
Gostava de viver, era trabalhador, alegre, sociável e cultivava amizades;
Tinha uma excelente relação com o seu pai e a irmã H, amava a sua família e facilmente conquistava amizades, sendo estimado por amigos e familiares;
Facilmente granjeava amizades e simpatia, sendo popular entre os amigos, junto de quem gozava de boa reputação;
Tinha o curso de Turismo e tinha uma vida cheia de sonhos e projetos pessoais e profissionais; era um profissional zeloso, dedicado, cumpridor, com a ambição de ir progredindo na carreira profissional.
XII- Tendo em conta a idade da vítima, a sua inserção social, familiar e profissional, e o facto de ter falecido, de forma abrupta no violento acidente de viação dos autos, o valor da indemnização fixado pelo Tribunal “a quo”, não pode deixar de se considerar justo e adequado.
XIII- Quer pela perda do direito à vida de um jovem com pouco mais de vinte anos, que de forma trágica, viu o seu percurso de vida interrompido no seu início, quer tendo em conta a valorização da vida atualmente aplicada pelos tribunais em situações desta natureza.
XIV-Tal valor enquadra-se dentro da valorização da perda do direito à vida fixados pela jurisprudência.
XV- sendo de destacar, nesse sentido, entre outras, as decisões proferidas por tribunais superiores nos seguintes Acórdãos:
Acórdão do STJ de 22.02.2018 (P.º33/12.4GTSTB.E1.S1., Relator: Manuel Braz): 120.000,00 euros - disponível em www.dgsi.pt
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.06.2020 (P.º65/17.6GTALQ-5, Relator: João Carrola):150.000,00 euros -disponível em www.dgsi.pt.
XVI- Constitui entendimento unânime na jurisprudência que a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, não se podendo pautar por critérios miserabilistas ou meramente simbólicos.
XVII- Por outro lado, a idade da vítima não pode deixar de constituir um critério determinante para a fixação do quantum indemnizatório, sobretudo quando se trata da perda do direito á vida, pois tendo em consideração a esperança média de vida, e face ao sentimento social dominante, não será o mesmo perder a vida aos 20 anos ou aos 80 anos, pois;
XVII- Como é afirmado no Acórdão do TRP de 13-05-2009, se o que se pretende indemnizar é o direito à vida, o direito de viver durante determinados anos, de acordo com as regras naturais e de esperança média de vida, uma vida ceifada em consequência de um acidente aos 15, 20 anos, tem um significado diferente se ocorrer aos 80 ou 90 anos, não podendo ser indiferente à quantificação da indemnização.
XIX- A vida de um jovem, com as descritas características do Alfredo, tem que ser valorizada, de acordo com os valores indemnizatórios atualmente fixados pela jurisprudência.
XX- O Tribunal “a quo”, ao fixar a indemnização do dano morte – perda do direito à vida, da vítima B, no valor de €120.000,00, ajuizou com ponderação e de forma equilibrada, tendo em conta a idade da vítima, a sua inserção social, profissional e familiar, não merecendo qualquer reparo.
XXI- No tocante à indemnização arbitrada a favor do Demandante A, pelos danos patrimoniais por ele sofridos em virtude da morte do seu filho B, cujo “quantum” foi fixado em 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), entende a recorrente que aquele valor se mostra desconforme, por excesso.
Sem razão!
XXII- Ficou provado que;
O demandante A recebeu a notícia da morte do seu filho com enorme choque e sente um permanente sofrimento e profundo desgosto.
O demandante é profissional liberal e nas semanas que se seguiram não conseguiu trabalhar, por estar mergulhado em profundo desespero e angústia, tendo ficado muito debilitado psicologicamente.
Em consequência da perda do seu filho, A teve sentimentos de revolta, negação, desgosto, tristeza, ansiedade, angustia e amargura e sensação de permanente ausência; nos primeiros meses chorou com frequência pela perda do seu filho.
O demandante sofreu e vai continuar a sofrer até ao resto da sua vida um profundo desgosto e dor permanente com a morte do seu filho e ainda hoje sente revolta, tristeza a angustia, pelo facto de jamais poder reencontrar o seu filho.
Após a morte da sua mulher, o seu filho B era o principal apoio familiar do demandante, já que com ele coabitava e convivia diariamente.”
XXIII- Tal factualidade, pela dor inerente á perda de um filho jovem e saudável, de forma trágica, abrupta e imprevisível, justifica inteiramente o valor da indemnização fixada pelo “a quo”, a qual, por justa, adequada e proporcional não merece qualquer redução.
XXIV- Por fim, relativamente ao contributo da conduta do lesado para a produção do dano morte, invocado pela recorrente, cumpre, desde logo, referir que a decisão do Coletivo, no sentido de não haver lugar à aplicação do disposto no artigo 570º do Código Civil, encontra total acolhimento na matéria de facto provada.
XXV- Concluiu o tribunal “a quo” que;
“…no caso em apreço a nosso ver não se vislumbra existir motivo para a redução da indemnização concedida aos demandantes ao abrigo do citado preceito legal, na medida em que nenhuma das vítimas praticou qualquer infração determinante para a verificação do acidente, e as mesmas também não tinham o domínio funcional do veículo ou da velocidade que era imprimida ao mesmo; acresce que, em concreto, as vítimas também não tinham conhecimento do real grau de alcoolemia do conduto, sendo certo que foram estas as causas determinantes para a ocorrência do acidente.”
XXVI- Esta conclusão é em tudo coincidente com aquilo que resulta da matéria de facto dada como provada, já que, o acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo, que sendo a única pessoa com a direção efetiva do mesmo, aceitou iniciar a condução, bem sabendo que tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidade significativa durante toda a noite, exercendo a condução em manifesto excesso de velocidade e aceitando transportar passageiros na caixa de carga.
XXVII- Não há qualquer base factual comprovativa de que a circunstância de a vítima viajar na caixa de carga do um veículo, com capacidade para apenas um condutor e um passageiro, mas no qual, aparentemente, sem constrangimentos para a segurança da condução, tivesse concorrido para a ocorrência do evento e produção dos danos sofridos pela vítima B.
XXVIII- Ainda que a entrada voluntária da vítima na caixa de carga do veículo, tivesse atuado como condição da produção do evento danoso, a verdade é que a sua atuação deixa de ser considerada como causa adequada do acidente quando para a sua produção concorreram decisivamente as circunstâncias que podem ser qualificadas como anómalas ou extraordinárias, decorrentes da atuação do condutor do veículo, essas sim, determinantes do acidente – teoria da causalidade.
XXIX- Quando se aprecia o comportamento do condutor do veículo que, conhecendo as características do veículo e estando ciente da alteração das suas faculdades, em função da excessiva ingestão de bebidas alcoólicas, aceita transportar passageiros na caixa de carga, conduzindo com uma taxa de alcoolemia acima do permitido por lei e imprimindo ao veículo velocidade muito acima do limite legal para a via e para o próprio veículo, constatamos que apenas este comportamento é atribuível à ocorrência do evento danoso.
XXX- Perante a sobredita factualidade, outra conclusão se não pode extrair, que não seja a de que foi o condutor do veículo, do qual tinha a direção efetiva, e só ele, quem mediante a sua condução e nas circunstâncias em que o fez, deu causa ao acidente.
XXXI- Pois, sem aquela conduta ilícita e culposa, a vítima B não teria sofrido quaisquer danos, porque estava a ser transportado na caixa de carga, sem que se tenha demonstrado que esse facto do lesado tenha contribuído para as circunstâncias em que o veículo estava a ser conduzido.
XXXII- Como é entendido unanime do Supremo Tribunal de Justiça, a aplicação do disposto no artigo 570º do Código Civil, exige não só que a conduta do lesado seja subjetivamente censurável em termos de culpa, como se admite suceder no caso dos autos, mas que essa atuação culposa tenha sido uma das causas do dano, ou seja, que fosse tida como causal do acidente, o que não ocorreu no acidente em causa nos autos.
XXXIII- A factualidade provada, com relevo para determinar a causa do acidente e os danos sofridos pela vítima B, são os seguintes:
1.No dia 27 de outubro de 2019, pelas 04h30m, o arguido F conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias com a matrícula (…..), na estrada regional 381, no sentido Reguengos de Monsaraz-Redondo, no interior do qual se encontravam os passageiros T, que ocupava o banco da frente para passageiros, F, J, C e B que se encontravam na caixa de carga do veículo.
2.O arguido F, nas circunstâncias descritas, conduzia o veículo ligeiro de mercadorias id. em 1., apresentando uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 0,96 g/l, por litro de sangue.
3.Nessas circunstâncias o arguido apresentava ainda por mililitro de sangue: -27 ng de 11-nor-9-carboxi-D9-tetrahidrocanabinol(THC-COOH);
- 1,2 ng/ml de D9 tetrahidrocanabinol (THC);
- e 0,7 ng de 11-Hidroxi-D9-tetrahidrocanabinol (11-OH-THC.
4.A estrada regional 381, perto do km 36,700, é composta por duas vias de trânsito, uma em cada sentido, com largura total aproximada de 7,30 metros e dispõe de bermas em terra batida.
5.Naquele local, a via de trânsito, no sentido da marcha Reguengos de Monsaraz-Redondo configura uma curva para a esquerda com amplitude de cerca de 280 metros, com inclinação descendente.
6.No local a velocidade permitida para os veículos ligeiros de mercadorias era de 80km/h.
7.Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1., o tempo encontrava-se seco, a visibilidade no local era boa e não existia nevoeiro.
8.O piso encontrava-se seco e limpo, sem anomalias.
9.O arguido, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas em 1., seguia a uma velocidade de cerca de 138 km/h.
10.Nestas circunstâncias, na estrada regional 381, ao km 36,700, atento o sentido da marcha Reguengos de Monsaraz-Redondo, o arguido, ao descrever a curva à esquerda com uma amplitude de 280 metros, atenta a velocidade que imprimia no veículo, o facto de o veículo se encontrar com quatro pessoas na caixa de carga sem sistemas de segurança e atenta a taxa de álcool no sangue que apresentava, o veículo saiu da sua via para a direita e entrou na berma da estrada não pavimentada com as rodas direitas do veículo.
11.Ao aperceber-se do sucedido, o arguido F tentou corrigir a trajetória do veículo, guinando o mesmo para a esquerda, com o intuito de retomar a posição na via, acabando o veículo por voltar a entrar na faixa de rodagem de forma desgovernada e invadindo a via de trânsito contrária.
12. O arguido F, tentou mais uma vez posicionar o veículo na faixa de rodagem, contudo perdeu o controlo da viatura, acabando por entrar de forma desgovernada na via da Ponte da Vigia e por embater com a roda da frente esquerda, em total rotação para a direita sobre o seu eixo, no passeio, acabando por o subir e embater nas guardas metálicas da ponte.
13.Em virtude da velocidade que o arguido F imprimia na viatura e pela rotação que o veículo trazia, após este primeiro embate, o veículo em rotação voltou a embater com a lateral esquerda traseira e com a porta traseira esquerda no gradeamento metálico da Ponte da Vigia, circulando de forma desgovernada cerca de 6 metros na via da Ponte da Vigia.
14.Com o descrito embate, as guardas metálicas da Ponte da Vigia acabaram por ceder e as portas traseiras da viatura acabaram por abrir.
15.Em consequência, F, J, C e B foram projetados contra as grades metálicas da Ponte da Vigia, acabando por ficarem imobilizados no centro da via Reguengos de Monsaraz-Redondo, enquanto o veículo continuou a sua rotação ficando imobilizado na via de sentido Redondo-Reguengos de Monsaraz, no sentido inverso ao da sua via de circulação.
XXXIV- Da análise destes factos, só pode concluir-se como concluiu o Tribunal “a quo”, que a causa do acidente se ficou a dever exclusivamente ao condutor do veículo, que tinha a sua direção efetiva.
XXXV- Para além disso, não é uma evidência que, em abstrato, o facto de seguirem passageiros na caixa de carga do veículo, seja causa adequada à sua projeção para fora do veículo e nada se provou em relação a esta matéria.
XXXVI- Até porque, nada se provou relativamente à relação entre o facto de os passageiros seguirem na caixa de carga e o acidente.
XXXVII- Consequentemente, ao contrário do alegado pela recorrente, não pode ser reduzida a indemnização, como aliás entendeu, e bem, o tribunal “a quo”.
XXXVIII- O douto Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo”, Não merece, portanto, qualquer censura ou reparo que assim, deverá ser integralmente confirmado, improcedendo totalmente o recurso interposto perla demandada Zurich Insurance Europe AG, Sucursal em Portugal.

Os demandantes L e R responderam ao recurso interposto pela demandada Companhia de Seguros Zurich Insurance pugnando pela sua improcedência e pela manutenção na íntegra do Acórdão recorrido.
Apresentaram as seguintes conclusões que se passam a transcrever:

1. A decisão recorrida não merece qualquer censura, pois que fundamentada com toda a clareza e escalpelizada quer quanto à questão da matéria de facto quer quanto aos montantes arbitrados a título de danos não patrimoniais, bem como quanto à questão do nexo de causalidade e de adequação;
2. Quanto à matéria de facto provada, e apesar de se desconhecer em concreto o tempo que mediou entre a ocorrência do acidente e a morte do F, a sua morte não foi imediata, tendo decorrido, no mínimo, cinco a dez minutos, como afirmado em sede de julgamento pelo depoimento do Dr. C, médico legista.
3. Tempo mais do que suficiente para que o F tivesse sofrido, no período de sobrevida, dores excruciantes abdominais e do membro desmembrado, bem como para que se tenha apercebido da iminência da sua morte.
4. E, como se refere no Acórdão do STJ, de 07-11-2006, revista nº 2873/06- 6ª, independentemente do tempo que medeie entre a ocorrência do acidente e a morte “o sofrimento moral da vítima ante a iminência da morte nos (…) minutos após o acidente é uma evidência - é, por si só, um facto notório, dispensando de alegação e prova, e que não pode deixar de ser valorizado em sede de indemnização por danos não patrimoniais”.
5. É evidente que durante o tempo de sobrevida, o F, além das dores intensas que sentiu, terá necessariamente sofrido psicologicamente ao pensar que poderia morrer, já que, contrariamente ao alegado pela recorrida, resulta também do depoimento do mesmo médico especialista de medicina legal, que, apesar de no momento do acidente, dada a quantidade de etanol no sangue que apresentava, se poder encontrar com algum desequilíbrio, alteração da fala ou em estado de euforia, não se encontrava, contudo, em estado de letargia ou em pré-coma alcoólico.
6. O que quer dizer que não tinha perdido as suas capacidades, tendo-se apercebido do acidente, da gravidade das suas lesões e da iminência da sua morte.
7. A decisão da matéria de facto não merece, assim, qualquer censura.
8. E bem andou o douto Acórdão recorrido quando fixou em € 120 000,00 o montante indemnizatório pela perda do direito à vida do F.
9. “O direito à vida é um direito prioritário, pois é condição de todos os outros direitos fundamentais, sendo material e valorativamente o bem mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto” (Constituição da
República Portuguesa Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, 2007, volume I, págs. 446/7)
10. Como refere Diogo Leite Campos, “A vida, a morte e a sua indemnização”, in BMJ 365, págs. 5 e segs. “(…) porque a morte absorve todos os outros prejuízos não patrimoniais, o montante da sua indemnização deve ser superior à soma dos montantes de todos os outros danos imagináveis” sendo que “a indemnização do dano da morte deve ser fixada sistematicamente a um nível superior, pois a morte é um dano acrescido e isto tem de ser feito sentir economicamente ao culpado”.
11. E, segundo o Acórdão de 20-06-2006, Revista n.º 1476/06-1ª do STJ: “No cômputo da indemnização há que considerar que a vida é um valor absoluto, não havendo que atender à idade, estado de saúde ou situação sócio-cultural da vítima, mas apenas ponderar as demais circunstâncias do artigo 494º do Código Civil.”
12. No caso concreto do F, relativamente ao montante indemnizatório, há que ter em conta que, à data da morte, tinha 23 anos de idade, tendo, segundo as regras naturais e a esperança média de vida, uma vida longa à sua frente; era feliz e activo, estava bem consigo próprio e com a sociedade, tendo projectos de vida que visavam a melhoria da sua condição socioprofissional; era um jovem trabalhador, comprometido com a família, amigo de ajudar o próximo; gozava de boa saúde; era trabalhador, disciplinado, alegre, bem-disposto, bem educado e amigo de ajudar o próximo; era um jovem respeitado, acarinhado e admirado pelos amigos; trabalhava na empresa “Embraer Portugal – Estruturas Metálicas SA”, onde auferia um vencimento base de € 863,68, a que acrescia o subsídio mensal de transporte de € 22,00; encontrava-se inscrito no ano lectivo de 2019/2020 em 15 unidades curriculares isoladas na Universidade de Évora.
13. Há também que ter em conta, ainda, que o lesante agiu com elevado grau de culpa, na medida em que conduzia o seu veículo sob a influência de álcool e de estupefacientes, a uma velocidade que excedia “muito” o limite máximo legalmente admitido quer para a viatura quer para e o local onde circulava.
14. E também há que ter em conta a evolução da jurisprudência nesta matéria, sobretudo a partir da década de 90, que deu um salto qualitativo, aumentando progressivamente a indemnização pela perda do direito à vida, tendo em conta, entre outros aspectos, a evolução do custo de vida, os aumentos dos prémios de Seguro e, sobretudo, o princípio da dignidade da compensação dos danos (vfr. entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-10-2023, Proc. 9039/20.9T8SNT.L1.S1 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proc. 16/15.2GTCBR.C1.S1, de 28-05-2020).
15. É, assim, justa, adequada e razoável a indemnização de € 120 000,00 arbitrada no Acórdão Recorrido.
16. Entendem os demandantes ser também justa, adequada e proporcional o montante de € 10.000,00 arbitrado pelo Tribunal a quo pelos danos morais sofridos pelo F, tendo em conta o já alegado nos anteriores pontos 2 a 6, que se dão aqui por integralmente reproduzidos.
17. Não tem a recorrente razão, igualmente, quando considera excessivo o valor fixado para cada um dos demandantes pelos danos patrimoniais por eles sofridos em resultado da morte de seu filho único.
18. Como se sabe, na morte de um filho está em causa um dano especial, próprio, que os progenitores da vítima sentiram e sofreram com a morte do lesado, contemplando o sofrimento moral decorrente da morte, o desgosto provocado pela morte do ente querido.
19. No caso, a compensação é devida pelo sofrimento da perda abrupta e irreparável do F, pelos danos que sofreram, sofrem e sofrerão com a sua morte, pela perda dos laços de convivência, de apoio mútuo, afeição, carinho e ternura.
20. “É pacífico que um dos factores a ponderar na atribuição desta forma de compensação será sempre o grau de proximidade ou ligação entre a vítima e os titulares desta indemnização”, sendo que, na sua determinação, “há que considerar o grau de parentesco, mais próximo ou mais remoto, o relacionamento da vítima com esses seus familiares, se era fraco ou forte o sentimento que os unia, enfim, se a dor com a perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa ou não. É que a indemnização por estes danos traduz o “preço” da angústia, da tristeza, da falta de apoio, carinho, orientação, assistência e companhia sofridas pelos familiares a quem a vítima faltou” - Sousa Dinis, in Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 13».
21. Da factualidade dada como provada pelo douto Acórdão recorrido resultou que: O F vivia apenas com a mãe, mas amava ambos os pais, que por sua vez também o amavam, sendo muito fortes os laços que os uniam; Os pais ficaram destroçados com a notícia da morte do seu filho e não queriam acreditar; Sofreram muito ao ver o seu filho morto, estendido num caixão e ao ver o quarto vazio do seu filho, a sua roupa e os seus bens pessoais, que não mais poderia usar; Ambos os demandantes necessitaram de apoio psicológico e a mãe também procurou ajuda na associação de pais em luto “Laços Eternos”, onde se inscreveu e assiste a encontros de entreajuda; A mãe do F esteve um mês sem conseguir trabalhar, porque tinha dificuldades de concentração e de atenção, bem como insónia persistente; Apesar de ter regressado ao trabalho, perdeu grande parte do sentido da vida, com risco de depressão grave por luto patológico; O pai do F apresenta um quadro de grande traumatismo psicológico, bem como dificuldade de concentração e mobilização da atenção, revelando momentos de irrealidade, ainda hoje esperando que o filho vá ter consigo ao local de trabalho, como acontecia muitas vezes; O pai não conseguiu tratar de qualquer assunto inerente à morte do seu filho; Ambos os demandantes choraram e choram frequentemente e a dor que sentem continua a ser a mesma, deslocando-se amiúde ao cemitério; Vivem tristes e amargurados.
22. Dada esta factualidade, resulta mais do que evidente que o montante indemnizatório fixado pelo tribunal a quo é adequado para o justo ressarcimento dos graves e irreversíveis danos morais e sofrimentos que os demandantes padeceram, padecem e padecerão atenta a privação brusca e definitiva do afecto e companhia do seu único filho bem amado, sendo certo que, “a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos, sendo que numa interpretação actualista da lei, para efeito da fixação da compensação com recurso à equidade, merecem ser destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-04-2009, proferido no proc. 08P3704 e disponível em www.dgsi.pt).
23. Da matéria dada como provada conclui o douto Acórdão recorrido pela imputação à conduta do arguido F a culpa exclusiva na produção do acidente que vitimou o filho dos demandantes, não existindo “(…) motivo para a redução da indemnização concedida aos demandantes (…), na medida em que nenhuma das vítimas praticou qualquer infração determinante para a verificação do acidente, e as mesmas também não tinham o domínio funcional do veículo ou da velocidade que era imprimida ao mesmo; acresce que, em concreto, as vítimas também não tinham conhecimento do real grau de alcoolémia do condutor, sendo certo que foram estas as causas determinantes para a ocorrência do acidente” .
24. Segundo a demandada, porém, o facto do filho dos demandantes se fazer transportar alcoolizado e na caixa de carga do veículo, que não dispunha de qualquer sistema de segurança, foi causa concorrente adequada do acidente de viação e dos danos daí resultantes, defendendo, em consequência, que a indemnização final a atribuir aos demandantes não pode deixar de ser reduzida em 40%.
25. No entanto, não lhe assiste razão, pois, como é entendimento dominante da nossa jurisprudência, na aplicação do disposto no artigo 570.º do Código Civil, a questão de saber se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída exige não só determinar se a conduta do lesado foi subjectivamente censurável em termos de culpa mas, ainda, se essa actuação culposa foi uma das causas do dano.
26. Ora, se é verdade que o F aceitou ser transportado na caixa de carga do veículo, nada resulta da matéria provada donde se possa concluir que, com essa circunstância, tenha comprometido a sua segurança ou a segurança da condução, ou seja não foi feita qualquer prova de que a sua conduta, ainda que contra-ordenacional, possa ter contribuído para o acidente.
27. No caso concreto em apreço, quanto à produção do acidente, deu-se por provado em 1.ª Instância que a única causa adequada à produção do acidente de viação foi uma condução temerária, sob o efeito do álcool e de estupefacientes.
28. O arguido, no momento do acidente, circulava a cerca de 138 km/h, quando o limite máximo da velocidade permitida para o local onde circulava e para a viatura que conduzia era de 80 Km/h, e apresentava uma elevada taxa de álcool no sangue e vestígios de consumo de estupefacientes.
29. Assim, quando se aprecia o comportamento do arguido, que sabia que transportava, além do ocupante que seguia à frente, ao seu lado, mais quatro pessoas na caixa de carga do veículo, vemos que apenas ao seu comportamento é atribuível a ocorrência do acidente de viação e consequentes danos.
30. O único responsável pela produção do acidente foi, pois, o arguido, pois detinha o domínio efectivo do veículo e estava obrigado a tomar todas as precauções para a segurança da circulação e salvaguarda das pessoas, animais e bens, designadamente das pessoas que transportava.
31. Perante este quadro, não podia o Tribunal a quo deixar de concluir, como o fez, que foi o arguido e só ele, que mediante a condução do veículo nas circunstâncias referidas, deu causa ao acidente.
32.Não existe, pois, qualquer repartição de culpas.”.

II – QUESTÕES A DECIDIR

Resulta do disposto conjugadamente nos artºs 402º, 403º e 412º nº 1 do C. P. Penal que o poder de cognição do Tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o Tribunal está ainda obrigado a decidir todas as questões que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem a decisão, nos termos dos artºs 379º nº 2 e 410º nº 3 daquele diploma, e dos vícios previstos no artº 410º nº 2 do mesmo C. P. Penal, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito, tal como se fixou no Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995 [DR, Iª Série - A de 28.12.1995] e no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência nº 10/2005, de 20.10.2005 [DR, Iª Série - A de 07.12.2005].
Das disposições conjugadas dos artºs 368º e 369º, por remissão do artº 424º, nº 2, ambos do mesmo diploma legal, resulta ainda que o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão (artº 379º do citado diploma legal);
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela chamada impugnação alargada, se deduzida [artº 412º], a que se segue o conhecimento dos vícios enumerados no artº 410º nº 2 sempre do mesmo diploma legal.
Finalmente, as questões relativas à matéria de direito.

Os recorrentes, nas conclusões do recurso, fixaram o objecto de apreciação requerida nas seguintes questões:

· Recurso interlocutório apresentado pelo arguido F
- Da nulidade do artº 119º, b) do CPP;
- Da alteração substancial dos factos, nos termos do artº 1º, f) e 359º do CPP.
-
· Recursos da decisão final

Ø Recurso interposto pelo arguido F
- Da impugnação da matéria de facto nos termos do artº 412º, nº3 do CPP;
- Da impugnação da matéria de facto nos termos do artº 410º, nºs 1 e 2, c) do CPP, por erro notório na apreciação da prova;
- Da impugnação do direito:
- Errada determinação da recolha de ADN ao arguido;
- Subsunção da conduta do arguido ao tipo legal do artº 137, nº1 do C. Penal;
- Medida da pena e da sanção acessória.
Ø Recurso interposto pela demandada civil Companhia de Seguros Zurich Insurance.
- Da impugnação da matéria de facto nos termos do artº 412º, nº3 do CPP;
- Da impugnação do direito:
- Redução da indemnização fixada a cada um dos demandantes civis nos termos do artº 570, nº1 do C. Civil;
- Valor excessivo da indemnização fixada pela lesão do direito à vida de cada uma das vitimas;
- Valor excessivo da indemnização fixada pela iminência da morte;
- Valor excessivo da indemnização fixada pelos danos não patrimoniais sofridos por cada uma das vítimas mortais.

III – DO RECURSO INTERLOCUTÓRIO

Para apreciação do recurso interlocutório em apreço revisitemos o despacho proferido na sessão que decorreu no dia 07-02-2024, através do qual se procedeu à comunicação das alterações em causa.
É o seguinte o seu teor:
(transcrição)

“Da prova produzida na audiência de julgamento resultou indiciada a seguinte factualidade não descrita na acusação (e que também não resulta da defesa):
1.O arguido F conduzia o veículo ligeiro de mercadorias apresentando uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 0,96 g/l, por litro de sangue.
2.Nessas circunstâncias o arguido apresentava ainda por mililitro de sangue: -27 ng de 11-nor-9-carboxi-D9-tetrahidrocanabinol(THC-COOH); - 1,2 ng/ml de D9 tetrahidrocanabinol (THC):
- e ainda 0,7 ng de 11-Hidroxi-D9-tetrahidrocanabinol (11-OH-THC).
3.No circunstancialismo referenciado na acusação e não obstante saber que havia ingerido bebidas alcoólicas e que havia consumido estupefacientes, o arguido F quis conduzir o referido veículo na via pública, transportar os passageiros acima id. nas condições descritas e imprimir à viatura a velocidade indicada na acusação, agindo sempre de forma livre, deliberada e consciente.
4.E fê-lo ciente que estava sob a influência do álcool e que ao conduzir sob a influência do álcool, não estava em condições de conduzir em segurança pelo que poderia provocar um acidente de viação de que resultassem lesões ou a morte de terceiros, criando desse modo perigo para a vida e para a integridade física de outrem.
5.Mais sabia o arguido que não estava a cumprir com as regras estradais reguladoras da velocidade permitida por lei e que também por esse motivo poderia causar um acidente de viação e, desse modo, criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem.
6.Nesse quadro, o arguido agiu sem o cuidado a que estava obrigado enquanto condutor, omitindo as precauções de segurança exigidas no exercício da condução que era capaz de adotar, estando o mesmo ciente que exercendo a condução do modo acima descrito poderia causar um acidente e dar causa às lesões que conduziram à morte de F, B e J, resultado que aquele podia e devia prever como consequência possível da sua conduta, mas com o qual não se conformou.
Estamos perante uma alteração não substancial dos factos.
Resulta, ainda, da apreciação da prova e da factualidade indiciada que a conduta do arguido se pode traduzir na prática, para além do mais, dos seguintes crimes:
- Um crime de homicídio por negligência, p e p. pelas disposições conjugadas do artigo 137.º, n.º 1 e 2, 15.º e 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, perpetrado na pessoa de J;
- Um crime de homicídio por negligência, p e p. pelas disposições conjugadas do artigo 137.º, n.º 1 e 2, 15.º, 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, perpetrado na pessoa de B;
- Um crime de homicídio por negligência, p e p. pelas disposições conjugadas do artigo 137.º, n.º 1 e 2, 15.º, 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, perpetrado na pessoa de F;
Todos estes crimes em concurso real.
Pelo exposto, comunica-se ao arguido a presente alteração não substancial dos factos descritos na acusação e a alteração da qualificação jurídica nos termos e para os fins previstos no artigo 358.º n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Penal.
Notifique.”

Notificado do despacho veio o arguido apresentar requerimento invocando a sua nulidade absoluta, nos termos do disposto no artº 119º, b) do CPP, porquanto o despacho ultrapassou os limites do objeto dos autos pois diz respeito a factos conhecidos em inquérito e sobre os quais incidiu despacho de arquivamento, encontrando-se, assim, a comunicação operada pelo tribunal fora do âmbito de aplicação dos artºs 358º e 359º do CPP. Mais refere que a alteração do enquadramento jurídico constante da acusação para uma incriminação mais gravosa consubstancia uma alteração substancial que apenas pode ser tomada em consideração com o consentimento do arguido, o qual expressamente não presta.

Tal requerimento veio a ser indeferido pelo tribunal a quo, afirmando, em síntese, que:

“Na audiência de discussão e julgamento e depois de produzida a prova, o tribunal considerou estar indiciado (para além do mais e que o arguido também não discute), que no circunstancialismo do acidente o arguido apresentava tetrahidrocanabinol no sangue, em quantidades que se encontram determinadas no exame pericial que se encontra junto aos autos.
Esta trata-se de uma factualidade que não se encontrava descrita na acusação, mas que já decorria, efetivamente, da prova coligida no decurso do inquérito, sendo que no decurso do julgamento o tribunal entendeu tratar-se de um facto relevante para a decisão a proferir e, nessa medida, deu cumprimento ao preceituado no artigo 358.º n.º 1 do CPP.
Estabelece o artigo 119.º, al. b), do CPP que constitui nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, a falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.º.
Ora, a falta de promoção do processo pelo Ministério Público “…respeita à falta de acusação do Ministério Público em relação a crimes públicos e semipúblicos…” (assim, veja-se Paulo Pinto Albuquerque, in CPP anotado), aí não se incluindo, a nosso ver, a situação em causa nos autos que corresponde simplesmente à inclusão de novos factos que o tribunal teve por relevantes para a boa decisão da causa.
Nesta sede, cabe referir que a prolação de um despacho de arquivamento relativamente a um determinado crime não impede que o tribunal possa conhecer de certos factos que em tese seriam suscetíveis de integrar o preenchimento do crime que foi objeto da decisão de arquivamento, mas que simultaneamente também se mostram relevantes para a decisão a proferir quanto a outros ilícitos criminais imputados ao arguido. E essa possibilidade, a nosso ver, não colide com a estrutura acusatória do processo penal nem contraria a decisão de arquivamento proferida pelo Ministério Público, porquanto a decisão de arquivamento pressupõe uma análise quanto à verificação (ou não) de um crime e não quanto à verificação (ou não) de um determinado facto.
Nesta ótica, a inclusão do facto n.º 2 nos moldes em que foi comunicado ao arguido é harmonizável com a estrutura acusatória do processo penal, como tal, consideramos não estar preenchida a nulidade processual invocada pela defesa do arguido.
Concretizou, ainda, que:
“- os factos vertidos nos pontos n.ºs 1, 3 a 6 visam descrever com maior precisão e de forma mais concretizada os factos que já estavam descritos na acusação;
- o facto n.º 2 releva para a boa decisão da causa, como supra já se referiu;
- a alteração da qualificação jurídica comunicada à defesa do arguido no sobredito despacho proferido em 7 de fevereiro não foi originada por nenhum daqueles novos factos, assentando inteiramente na factualidade imputada ao arguido na acusação;
Entende-se, por isso, que os novos factos não determinam a imputação ao arguido de um crime diverso nem a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Assim e em conformidade com o entendimento que acabámos de expor, entende-se que as referidas alterações foram comunicadas com total observância do preceituado na lei, mais precisamente, no citado artigo 358º, n.º 1 e 3 do CPP”.

Discordando deste despacho o arguido interpôs recurso[1], apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

1- Dia 7 de Fevereiro de 2024, em audiência de discussão e julgamento, sem que nada o fizesse prever foi proferido despacho no qual foram aditados factos à acusação e alterada a qualificação jurídica dos crimes de homicídio imputados ao arguido.
2- O arguido, não se conformou com tal e invocou a nulidade deste despacho, o que foi julgada improcedente por despacho proferido em audiência no dia 6 de Março despacho do qual se interpõe recurso.
3- No processo penal vigora a princípio da vinculação temática segundo o qual toda a atividade probatória a realizar tem como limite os factos que constam da acusação ou da pronúncia.
4- A tomada de conhecimento de novos factos, surgidos durante o julgamento, só é atendível nos termos dos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal.
5- No despacho final do inquérito, o meritíssimo procurador determinou o arquivamento dos autos relativamente a factos que já constavam do inquérito, nomeadamente o teor das análises ao sangue do arguido e os valores, com resultados positivos aos canabinoides, que resultavam das mesmas.
6- Assim, sendo, não tendo o arguido sido acusado previamente pelo Ministério Publico, por crime algum relativamente aos factos aditados no despacho sub judicie nomeadamente no nºs 2, 3 e 4, o tribunal, ultrapassou os limites do objeto do autos, fora do circunstancialismo dos artigos 358 e 359 do CPP, o que fere o douto despacho de nulidade absoluta nos termos do disposto no artigo 119º alínea b) do CPP. Nulidade que expressamente se invocou para todos os efeitos.
7- O Tribunal entendeu, mas mal, que não havia sido praticada nenhuma nulidade porque se limitou a incluir na acusação factos que já constavam nos autos.
8- O tribunal não está limitado nos seus poderes investigatórios, mas não pode sobrepor-se ao Ministério Publico e aditar factos conhecidos em inquérito no curso da audiência ou aditar factos sobre imputação subjetiva.
9- No despacho em que se aditaram os factos aditaram-se factos de tipicidade objetiva e subjetiva.
10- “A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal.”
11-Ora claramente não só a factualidade respeitante à condução sobre a influência de estupefacientes como atuação a titulo de dolo foi aditada em julgamento e não constava da acusação pública.
12-O arguido foi notificado, nessa data, 6 de Fevereiro de 2024 que o tribunal entendia haver, apenas, uma alteração não substancial de factos e comunicou-a ao arguido nos termos do disposto no artigo 358º nº e 3 do CPP.
13-Acontece que no referido despacho, não só o tribunal alterou os factos objeto do julgamento, como alterou a qualificação dos factos imputados ao arguido, imputando-lhe prática de três crimes de homicídio, não por negligência nos termos do disposto 137º n º 1 do CP, como consta da acusação, mas foi imputando ao arguido, três crimes de homicídio por negligência grosseira, nos termos do disposto artigo 137º n º 1 e 2 CP, incriminação esta que eleva a punição da conduta de uma pena de 3 anos ou com pena de multa, para uma pena de prisão até 5 anos.

Apreciando, então, as questões suscitadas pelo recorrente:

É indiscutível que a acusação (ou a pronúncia) fixa o objecto do processo. Esta é uma constatação que decorre da estrutura acusatória do processo penal português assente no princípio da investigação da verdade material e que tem o seu fundamento no artº 32º, nº5 da Constituição da República Portuguesa.
No entanto, isso não significa que a acusação (ou a pronúncia) delimite o objecto da discussão, ou seja, embora o processo penal tenha uma estrutura basicamente acusatória, ele não é um processo acusatório puro.
É o que decorre no disposto no artº 339º, nº4 do CPP que refere que “sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos, a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368º e 369º”.
“Portanto, um facto que pode ser constituído por uma multiplicidade de factos singulares que se conjugam numa unidade de sentido, permitindo apercebê-lo como um acontecimento da vida real, dotado de individualidade e de características próprias (o tal pedaço de vida), incindível enquanto formando um todo significante do ponto de vista social e do ponto de vista jurídico, na medida em que esse complexo de elementos pode ser também relevante deste último ponto de vista e, nomeadamente, do ponto de vista jurídico-penal. Por conseguinte, o objecto do processo é a acusação, sim, mas enquanto descrevendo esse pedaço de vida, esse acontecimento da vida real e social, portador de uma unidade de sentido e, como tal, susceptível de um juízo de subsunção jurídico-penal. Esse é que é o quid que se tem de manter idêntico até à decisão final (a eadem res), não obstante as mutações que venha a sofrer. Em tal sentido, a acusação funciona como garantia para o arguido: ”(…) a garantia de que apenas do que é acusado se terá de defender, e de que só por isso será julgado, posto que a eadem res da acusação à sentença é seguramente uma fundamental garantia para uma defesa pertinente e eficaz, segura de não deparar com surpresas incriminatórias e de ter assim um julgamento leal - mas, por outro lado, no sentido também de não frustrar uma averiguação e um julgamento justos e adequados da infracção acusada”.[2]
Assim, se é verdade que o nosso processo penal possui uma estrutura predominantemente acusatória, também incorpora o princípio da investigação. Isso significa que nem todos os factos ou circunstâncias relacionadas com o crime imputado precisam de estar integralmente descritas na acusação e pode acontecer que durante o julgamento, surjam novos factos que modifiquem os anteriormente apresentados.
A lei permite que, em determinados casos, mesmo após a apresentação da acusação, sejam considerados novos factos ou se reconheça que os factos nela descritos estão incompletos, imprecisos ou incorretamente qualificados. No entanto, essa possibilidade deve sempre respeitar as garantias de defesa do arguido, assegurando que o processo cumpra o seu objetivo fundamental: a busca da verdade e a realização da justiça.
Essa possibilidade encontra-se prevista nos artºs 358º e 359º do CPP, que regulam a hipótese de modificação dos factos descritos na acusação e na pronúncia (alteração não substancial e alteração substancial), bem como a alteração da sua qualificação jurídica.
As duas situações de alteração dos factos diferem da seguinte forma: a primeira ocorre quando a mudança tem um impacto significativo na qualificação do crime imputado ou nos limites máximos das penas previstas, podendo resultar numa incriminação por um tipo legal diferente ou no agravamento das sanções (artº 359º do CPP). A segunda situação diz respeito a uma alteração factual que, embora não afete a tipificação do crime ou as penas aplicáveis, ainda é relevante para a decisão do processo (artº 358º do CPP).
A lei também contempla uma situação em que, sem qualquer alteração dos factos, é possível modificar a qualificação jurídica que lhes foi atribuída na acusação ou na pronúncia, tendo o legislador decidido enquadrar essa situação no regime da alteração não substancial dos factos, conforme previsto no n.º 3 do artigo 358º do CPP.
O conceito de “alteração substancial dos factos”, encontra a sua consagração na alínea f) do artº 1.º do CPP, que a define como sendo “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximas das sanções aplicáveis”.
“Alteração substancial dos factos significa uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo a que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido, ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação, constituindo uma surpresa com a qual o arguido não poderia contar, e relativamente às quais não pode preparar a sua defesa; Alteração não substancial constitui, diversamente, uma divergência ou diferença de identidade que não transformam o quadro factual da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de qualquer modo, não têm relevância para alterar a qualificação penal ou para a determinação da moldura penal; a alteração, para ser processualmente considerada, tem de assumir relevo para a decisão da causa”[3].
Assim, quando os novos factos não resultam na imputação de um crime diferente nem no agravamento dos limites máximos das penas aplicáveis, mas ainda assim são relevantes para a decisão, a alteração é considerada não substancial. Nesses casos, deve-se recorrer ao mecanismo estabelecido no artigo 358º, nº 1, do Código de Processo Penal e, cumprida que se mostre a exigida comunicação ao arguido, estão acertadamente garantidos os seus direitos de defesa.

Revertendo ao caso concreto.
Para ocorrer uma alteração dos factos é necessário que aos factos que constam da acusação ou da pronúncia se acrescentem outros ou se substituam, ou, ao invés, se excluam alguns deles.
Porém, não é toda e qualquer alteração de factos que assume relevo processual suficiente para impor a necessidade da comunicação a que alude o nº1 do artº 358º do CPP, pois, o que a lei fala é em alteração relevante para a decisão da causa.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-03-2023, “não há alteração alguma de factos quando na sentença são descritos os mesmos factos da acusação ou da pronúncia, mas com uma formulação distinta, ou quando se explicitam, pormenorizam ou concretizam factos (já narrados sinteticamente na acusação ou na pronúncia) que não sejam relevantes para a tipificação ou para a verificação de qualquer agravante qualificativa”. [4]

Referia-se na acusação que:
2. O arguido F, nas circunstâncias descritas, conduzia o veículo ligeiro dc mercadorias id. em 1., apresentando uma taxa de álcool no sangue de 1,10 g/l, correspondente à taxa registada de 0,96 g/l.
21. Não obstante saber que havia ingerido bebidas alcoólicas, o arguido F agiu, deliberadamente, com intenção de conduzir na via pública o veículo sob a influência do álcool, podendo e devendo prever que não estava em condições de conduzir em segurança.
22. O arguido F, sabia que ao conduzir sob a influência de bebidas alcoólicas e de forma temerária e descuidada, poderia provocar acidente de viação de que resultassem lesões ou a morte de terceiros.
23. Ao atuar da forma descrita, agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que não estava a cumprir com as regras estradais, nomeadamente aquelas que se referem à circulação com excesso de velocidade e que poderia causar um acidente de viação e, desse modo, criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem.
24. A velocidade imprimida pelo arguido F ao veículo que conduzia ultrapassava, em mais de 58 km/h, o máximo legalmente estipulado para a circulação naquela via de trânsito, por aquela categoria de veículo.
25. O arguido F agiu de forma livre e voluntária com o propósito concretizado de conduzir veículo automóvel nas condições descritas, isto é, animado de velocidade superior ao legalmente imposto para o local (80km/h).
26. O arguido F sabia que não podia transportar na caixa de carga do veículo que conduzia quatro pessoas, que as mesmas não eram transportadas em condições de segurança e que, pelas forças de rotação do veículo e à velocidade que o mesi110 imprimia no veículo, as mesmas obrigatoriamente se deslocavam de forma brusca dentro da caixa de carga.
27. Com a conduta descrita, o arguido F agiu com total inobservância das precauções exigidas pela mais elementar prudência e cuidados impostos pelas regras de condução estradal essenciais para uma circulação rodoviária segura, o que podia e devia ter feito e que era capaz de adotar para evitar o resultado verificado.
28. O arguido F agiu sem o cuidado a que estava obrigado enquanto condutor. omitindo as precauções de segurança exigidas no exercício da condução, para evitar um resultado que podia e devia prever, dando, assim, causa às lesões que conduziram à morte de F, B e J, ainda que não quisesse produzir tais resultados.
29. O arguido F em todas as suas supra descritas condutas, agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que estas eram proibidas e punidas por lei penal e contraordenacional e o tornavam incurso em responsabilidade criminal e contraordenacional.

E foram comunicados ao arguido os seguintes factos:
1. O arguido F conduzia o veículo ligeiro de mercadorias apresentando uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 0,96 g/l, por litro de sangue.
3. No circunstancialismo referenciado na acusação e não obstante saber que havia ingerido bebidas alcoólicas (…), o arguido F quis conduzir o referido veículo na via pública, transportar os passageiros acima id. nas condições descritas e imprimir à viatura a velocidade indicada na acusação, agindo sempre de forma livre, deliberada e consciente.
4. E fê-lo ciente que estava sob a influência do álcool e que ao conduzir sob a influência do álcool, não estava em condições de conduzir em segurança pelo que poderia provocar um acidente de viação de que resultassem lesões ou a morte de terceiros, criando desse modo perigo para a vida e para a integridade física de outrem.
5. Mais sabia o arguido que não estava a cumprir com as regras estradais reguladoras da velocidade permitida por lei e que também por esse motivo poderia causar um acidente de viação e, desse modo, criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem.
6. Nesse quadro, o arguido agiu sem o cuidado a que estava obrigado enquanto condutor, omitindo as precauções de segurança exigidas no exercício da condução que era capaz de adotar, estando o mesmo ciente que exercendo a condução do modo acima descrito poderia causar um acidente e dar causa às lesões que conduziram à morte de F, B e J, resultado que aquele podia e devia prever como consequência possível da sua conduta, mas com o qual não se conformou.

Assim, numa primeira abordagem diríamos que os factos 1., 4., 5. e 6. nem sequer se traduzem numa alteração de relevo, pois, na realidade já constavam da acusação e apenas lhes foi dada uma formulação diferente, explicitando e concretizando factos que o Ministério Público já tinha incluído naquela peça processual, pelo que, quanto a eles, nem sequer haveria que dar cumprimento à referida comunicação.

Avançando.
Manifestamente que o facto 2. com a seguinte redacção,
Nessas circunstâncias o arguido apresentava ainda por mililitro de sangue:
-27 ng de 11-nor-9-carboxi-D9-tetrahidrocanabinol(THC-COOH);
- 1,2 ng/ml de D9 tetrahidrocanabinol (THC):
- e ainda 0,7 ng de 11-Hidroxi-D9-tetrahidrocanabinol (11-OH-THC)”.
Comunicado ao arguido é um facto novo que não constava da acusação, com incidência em parte do facto 3., quando se refere à situação do arguido ter consumido estupefacientes.
Alega o arguido, num primeiro momento, que o tribunal não poderia ter tomado conhecimento desse facto, porquanto o mesmo já tinha sido analisado em inquérito pelo Ministério Público que, nessa parte, optou por proferir despacho de arquivamento. Defende que o tribunal, ao proceder ao aditamento deste facto, violou o princípio da vinculação temática, ultrapassando os limites definidos pela acusação, tendo ocorrido a nulidade de falta de promoção do Ministério Público, prevista no artº 119º, b) do CPP.
Sem razão, porém, no entender deste Tribunal.
Com efeito, é verdade que esta situação – consumo de estupefacientes – foi investigada pelo Ministério Público no inquérito, mas na perspectiva da eventual prática pelo arguido de um crime de condução de veículo sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo artº 292º, nº2 do C. Penal, tendo-se concluído que o arguido não tinha incorrido na prática de tal crime, em virtude de não existirem indícios de que, em consequência desse consumo, este não se encontrava em condições de exercer a condução em seguraça, elemento fundamental ao preenchimento do tipo objectivo do crime (cfr. despacho de arquivamento).
Ou seja, contrariamente ao referido pelo arguido, o Ministério Público não considerou inexistirem indícios de que o arguido havia consumido estupefacientes. Mas, mesmo que o Ministério Público assim tivesse concluído (que o arguido não tinha consumido estupefacientes), nada impedia, no caso concreto, o aditamento desse facto que, em nada contende com o princípio do acusatório, desde que não implique o agravamento dos limites máximos das sanções a aplicar e seja devidamente comunicado ao arguido, nos termos do artº 358º, nº1 do CPP, assegurando-se, assim, os seus direitos de defesa e o principio do contraditório.
E, não se diga que sequer foi aditado o elemento subjectivo do crime de condução sobre influência de estupefacientes, porquanto, o arguido não foi condenado pela prática de tal crime (no Acórdão o tribunal apenas apreciou os factos na vertente do preenchimento do tipo legal do crime de condução sob o efeito do álcool, de que o arguido estava efectivamente acusado, para concluir pela sua absolvição), nem a eventualidade do seu cometimento foi objecto de análise por parte do tribunal a quo.

Por último considera o arguido que a alteração realizada pelo tribunal recorrido relativamente ao enquadramento jurídico da sua conduta, ao considerar que esta podia integrar a prática de três crimes de homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelo artº 137º, nº1 e 2 do C. Penal (e não de negligência simples p. e p. pelo artº 137º, nº1 do C.Penal, por que estava acusado), teve como consequência a elevação da punição da conduta de uma pena até 3 anos de prisão ou pena de multa, para uma pena de prisão até 5 anos, constitui uma alteração substancial dos factos, nos termos do artº 1º, f) do CPP e, consequentemente, deveria ter sido cumprido o disposto no artº 359º, nº1 do CPP, o que não se verificou.
Com as mudanças trazidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, foi acrescentado um número ao artigo 358º do CPP (n.º 3), que estabeleceu que o tribunal de julgamento tem liberdade para qualificar juridicamente os factos. No entanto, essa liberdade está condicionada à obrigação de informar previamente o arguido sobre qualquer alteração na qualificação jurídica e, caso este o solicite, conceder-lhe o tempo necessário para preparar a sua defesa.
Para Maria João Antunes, «é distinta da questão da alteração dos factos a da alteração da qualificação jurídica dos factos. E é distinta, desde logo, porque se sabe de antemão que a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida na audiência, bem como todas as soluções jurídicas, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia (artigo 339.º, n.º 4, do CPP)».[5]
Como salienta Oliveira Mendes, em comentário ao artº 358º, nº3 do CPP, ao alargar o âmbito de aplicação do instituto da alteração não substancial à alteração da qualificação jurídica dos factos, “o legislador visou, também, assegurar as garantias de defesa do arguido, de acordo, aliás, com a Constituição da República, que impõe sejam asseguradas todas as garantias de defesa do arguido – n.º 1 do artigo 32º -, consabido que a defesa do arguido não se basta com o conhecimento dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, sendo necessário àquela o conhecimento das disposições legais com base nas quais o arguido irá ser julgado (as disposições legais é que definem e estabelecem a natureza jurídica do facto, o tipo de culpa exigido para o seu preenchimento e demais elementos constitutivos, as sanções aplicáveis e outros elementos essenciais para a correcta e adequada defesa do arguido, devendo-se ter em vista que a própria tramitação processual depende da qualificação jurídica dos factos, sendo o que acontece «com a forma do processo, a competência do tribunal e o modo de exercício e a extensão do direito ao recurso)”. [6]
Na verdade, como se refere no Acórdão desta Relação de Évora de 24-01-2023, “a comunicação de alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação não constitui alteração substancial, nem substancial de factos, ainda que dela resulte a prática de crime a que corresponda moldura penal abstrata mais grave”. [7]
Nada obsta, pois, a que o tribunal proceda a uma alteração da qualificação jurídica dos factos imputados, desde que essa alteração se basei nos factos descritos na acusação – como ocorreu – e seja dada ao arguido a possibilidade de exercer o contraditório – como se verificou – mesmo que dessa alteração resulte a incriminação e posterior condenação por um crime mais grave.
Assistiria razão ao arguido caso a alteração dos factos que lhe foi comunicada tivesse como consequência a alteração do enquadramento jurídico com a agravação da pena. No entanto, não foi isso que aconteceu, já que, como o tribunal a quo refere no despacho recorrido “a alteração da qualificação jurídica comunicada à defesa do arguido no sobredito despacho proferido em 7 de fevereiro não foi originada por nenhum daqueles novos factos, assentando inteiramente na factualidade imputada ao arguido na acusação”. O que de resto se veio a verificar, pois a circunstância do arguido ter consumido estupefacientes não foi valorada no Acórdão para efeitos da sua condenação pela prática dos três crimes de homicídio por negligência grosseira.
Ao proceder a esta alteração do enquadramento jurídico o tribunal manteve-se dentro dos limites legalmente admissíveis pelo direito processual penal, sendo certo que não assiste qualquer razão ao arguido quando defende que os artigos 358º, 359º e 1º alínea f), todos do CPP são inconstitucionais, por violação do disposto no artigo 32º, nº1 e 5 da CRP, na interpretação dada no despacho recorrido.


III – DOS RECURSOS DA DECISÃO FINAL

A) Transcrição dos segmentos relevantes da decisão Final recorrida para apreciação dos recursos interpostos

III. FUNDAMENTAÇÃO
1. De Facto:
1.1. Factos Provados:
Da instrução e discussão da causa, com relevância para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 27 de outubro de 2019, pelas 04h30m, o arguido F conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias com a matrícula (…..), na estrada regional 381, no sentido Reguengos de Monsaraz-Redondo, no interior do qual se encontravam os passageiros T, que ocupava o banco da frente para passageiros, F, J, C e B que se encontravam na caixa de carga do veículo.
2. O arguido F, nas circunstâncias descritas, conduzia o veículo ligeiro de mercadorias id. em 1., apresentando uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 0,96 g/l, por litro de sangue.
3. Nessas circunstâncias o arguido apresentava ainda por mililitro de sangue:
-27 ng de 11-nor-9-carboxi-D9-tetrahidrocanabinol(THC-COOH);
- 1,2 ng/ml de D9 tetrahidrocanabinol (THC);
- e 0,7 ng de 11-Hidroxi-D9-tetrahidrocanabinol (11-OH-THC.
4. A estrada regional 381, perto do km 36,700, é composta por duas vias de trânsito, uma em cada sentido, com largura total aproximada de 7,30 metros e dispõe de bermas em terra batida.
5. Naquele local, a via de trânsito, no sentido da marcha Reguengos de Monsaraz- Redondo configura uma curva para a esquerda com amplitude de cerca de 280 metros, com inclinação descendente.
6. No local a velocidade permitida para os veículos ligeiros de mercadorias era de 80km/h.
7. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1., o tempo encontrava-se seco, a visibilidade no local era boa e não existia nevoeiro.
8. O piso encontrava-se seco e limpo, sem anomalias.
9. O arguido, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas em 1., seguia a uma velocidade de cerca de 138 km/h.
10. Nestas circunstâncias, na estrada regional 381, ao km 36,700, atento o sentido da marcha Reguengos de Monsaraz-Redondo, o arguido, ao descrever a curva à esquerda com uma amplitude de 280 metros, atenta a velocidade que imprimia no veículo, o facto de o veículo se encontrar com quatro pessoas na caixa de carga sem sistemas de segurança e atenta a taxa de álcool no sangue que apresentava, o veículo saiu da sua via para a direita e entrou na berma da estrada não pavimentada com as rodas direitas do veículo.
11. Ao aperceber-se do sucedido, o arguido F tentou corrigir a trajetória do veículo, guinando o mesmo para a esquerda, com o intuito de retomar a posição na via, acabando o veículo por voltar a entrar na faixa de rodagem de forma desgovernada e invadindo a via de trânsito contrária.
12. O arguido F, tentou mais uma vez posicionar o veículo na faixa de rodagem, contudo perdeu o controlo da viatura, acabando por entrar de forma desgovernada na via da Ponte da Vigia e por embater com a roda da frente esquerda, em total rotação para a direita sobre o seu eixo, no passeio, acabando por o subir e embater nas guardas metálicas da ponte.
13. Em virtude da velocidade que o arguido F imprimia na viatura e pela rotação que o veículo trazia, após este primeiro embate, o veículo em rotação voltou a embater com a lateral esquerda traseira e com a porta traseira esquerda no gradeamento metálico da Ponte da Vigia, circulando de forma desgovernada cerca de 6 metros na via da Ponte da Vigia.
14. Com o descrito embate, as guardas metálicas da Ponte da Vigia acabaram por ceder e as portas traseiras da viatura acabaram por abrir.
15. Em consequência, F, J, C e B foram projetados contra as grades metálicas da Ponte da Vigia, acabando por ficarem imobilizados no centro da via Reguengos de Monsaraz-Redondo, enquanto o veículo continuou a sua rotação ficando imobilizado na via de sentido Redondo-Reguengos de Monsaraz, no sentido inverso ao da sua via de circulação.
16. Como consequência direta a necessária do embate, F, sofreu lesões traumáticas torácicas e abdomino-pélvicas, melhor descritas no relatório de autópsia de fls. 274 a 275 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
17. Tais lesões traumáticas torácicas e abdomino-pélvicas constituíram causa direta, necessária e adequada da morte de F.
18. Como consequência direta a necessária do embate, B, sofreu lesões traumáticas crânio-encefálicas e torácicas, melhor descritas no relatório de autópsia de fls. 279 a 280 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
19. Tais lesões traumáticas crânio-encefálicas e torácicas constituíram causa direta, necessária e adequada da morte de B.
20. Como consequência direta a necessária do embate, J, sofreu lesões traumáticas crânio-encefálicas, torácicas e abdominais, melhor descritas no relatório de autópsia de fls. 284 a 286 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
21. Tais lesões traumáticas crânio-encefálicas, torácicas e abdominais constituíram causa direta, necessária e adequada da morte de J.
22. No circunstancialismo acima referenciado e não obstante saber que havia ingerido bebidas alcoólicas e que havia consumido estupefacientes, o arguido F quis conduzir o referido veículo na via pública e transportar os passageiros acima id. nas condições acima descritas.
23. E fê-lo ciente que estava sob a influência do álcool e que ao conduzir sob a influência do álcool, não estava em condições de conduzir em segurança pelo que poderia provocar um acidente de viação de que resultassem lesões ou a morte de terceiros, criando desse modo perigo para a vida e para a integridade física de outrem, designadamente do T e da C.
24. Sabia ainda o arguido que não podia transportar na caixa de carga do veículo que conduzia quatro pessoas, que as mesmas não eram transportadas em condições de segurança e que, pelas forças de rotação do veículo e à velocidade que o mesmo imprimia no veículo, as mesmas obrigatoriamente se deslocavam de forma brusca dentro da caixa de carga.
25. O arguido agiu deliberadamente ao imprimir a velocidade referida em 9., sabendo que não estava a cumprir com as regras estradais reguladoras da velocidade permitida por lei e que também por esse motivo poderia causar um acidente de viação e, desse modo, criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, designadamente do T e da C.
26. Nesse quadro, o arguido agiu deliberadamente sem o cuidado a que estava obrigado enquanto condutor, omitindo as precauções de segurança exigidas no exercício da condução que era capaz de adotar, estando o mesmo ciente que exercendo a condução do modo acima descrito poderia causar um acidente e dar causa às lesões que conduziram à morte de F, B e J, resultado que aquele não pretendia, mas que podia e devia prever, representando-o como uma possível consequência da sua conduta, mas com o qual não se conformou.
27. O arguido F em todas as suas supra descritas condutas, agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que estas eram proibidas e punidas por lei penal e contraordenacional e o tornavam incurso em responsabilidade criminal.
*
28. J, filha de N e de M, era solteira e tinha 19 anos de idade.
29. J era uma pessoa alegre e feliz, socialmente integrada.
30. J apercebeu-se do veículo a entrar em despiste e de forma descontrolada e teve consciência da iminência e inevitabilidade do embate.
31. Após o embate a J sentiu dores que se agudizaram até ao seu falecimento, estando aquela ciente que dificilmente iria sobreviver face às lesões sofridas.
32. N e M ao terem conhecimento qua a sua filha tinha falecido sofreram um profundo choque e sentimento de pânico.
33. Sofreram e sofrem uma grande angústia e amargura e viram a sua vida transformada num doloroso e permanente sofrimento.
34. Lembram-se diariamente da sua filha e todos os dias choram a sua morte, que não aceitam e por vezes não acreditam que tenha ocorrido.
35. Ambos tinham uma relação excelente com a filha, que lhes retribuía com carinho, atenção afeto, nutrindo pelos pais grande estima, respeito e consideração, sendo uma filha muito preocupada com os seus pais.
36. Em consequência da morte da sua J, os demandantes deixaram de conviver com os amigos, tornando-os reservados, passando o tempo fechados em casa, deixaram de ir a festas e a eventos sociais.
37. Perderam o interesse pela vida, passaram a ter dificuldade em adormecer, tendo de fazer medicação para o efeito, mas continuam a ter pesadelos e a sonhar com a filha.
38. A mãe da J necessita de consultas regulares de psiquiatria e psicologia.
39. Os pais da J vão regularmente ao cemitério visitar a campa da J, ali permanecendo várias horas.
40. Em consequência da morte da jovem, N e M suportaram despesas de funeral no valor de €1.670,00, tendo sido reembolsados pelo Instituto de Segurança Social a título de despesas de funeral no montante de €1.307,28.
41. N e M adquiriram o terreno onde se encontra sepultada a sua filha, tendo despendido com essa aquisição o montante de €570,00.
42. Suportaram ainda o pagamento do montante de €254,68 com o ato de habilitação de herdeiros.
43. Em consequência do acidente, o telemóvel da J ficou destruído.
*
44. B, filho de A e de MH, pré-falecida, era solteiro e à tinha 23 anos de idade.
45. Era um jovem saudável, atlético, praticava desposto com regularidade, designadamente futebol.
46. Gostava de viver, era trabalhador, alegre, sociável e cultivada amizades.
47. Tinha uma excelente relação com o pai e a irmã H, amava a sua família e facilmente conquistava amizades, sendo estimados pelos amigos e familiares.
48. Facilmente granjeava amizades e simpatia, sendo popular entre os amigos, junto de quem gozava de boa reputação.
49. Tinha o curso de turismo e tinha uma via cheia de projetos e sonhos pessoais e profissionais; era um profissional zeloso, dedicado, cumpridor, com a ambição de ir progredindo na carreira profissional.
50. O demandante A recebeu a notícia da morte do seu filho com enorme choque e sente um permanente sofrimento e profundo desgosto.
51. O demandante é profissional liberal e nas semanas que se seguiram o demandante não conseguiu trabalhar, por estar mergulhado em profundo desespero e angústia, tendo ficado muito debilitado psicologicamente.
52. Em consequência da perda do seu filho, A teve sentimentos de revolta, negação, desgosto, tristeza, ansiedade, angustia e amargura e sensação de permanente ausência; nos primeiros meses chorou com frequência pela perda do seu filho.
53. O demandante sofreu e vai continuar a sofrer até ao resto da sua vida um profundo desgosto e dor permanente com a morte do seu filho e ainda hoje sente revolta, tristeza e angustia pelo facto de jamais poder reencontrar o seu filho.
54. .Após a morte da sua mulher, o seu filho B era o principal apoio familiar do demandante já que com ele coabitava e convivia diariamente.
55. Em 2018 B auferiu rendimentos do trabalho dependente no valor de €9.292,95.
56. Em 2019 e até 27 de outubro de 2019, auferiu rendimentos no valor de €9.536,40.
57. B sofreu com a iminência do embate e a antevisão da sua morte.
*
58. F, filho de L e de R, era solteiro e à data tinha 23 de idade.
59. F vivia apenas com a mãe, mas amava ambos os pais, que por sua vez também o amavam, sendo muito forte os laços que os uniam.
60. Os pais ficaram destroçados com a notícia da morte do seu filho e não queriam acreditar.
61. Sofreram muito ao ver o filho morto, estendido num caixão e ao ver o quarto vazio do seu filho, a sua roupa e os seus bens pessoais.
62. Ambos os demandantes necessitaram de apoio psicológico e a mãe também procurou ajuda na associação de pais em luto “Laços Eternos”, onde se inscreveu e assiste a encontros de entreajuda.
63. A mãe do F esteve um mês sem conseguir trabalhar, porque tinha dificuldades de concentração e de atenção, bem como insónia persistente.
64. Apesar de ter regressado ao trabalho, perdeu grande parte do sentido da vida, com risco de depressão grave por luto patológico.
65. O demandante R apresenta um quadro de grande traumatismo psicológico, bem como dificuldade de concentração e mobilização de atenção, revelando momentos de irrealidade.
66. Ainda hoje espera que o filho vá ter consigo ao local de trabalho, como acontecia muitas vezes.
67. O pai não conseguiu tratar de qualquer assunto inerente à morte do seu filho.
68. Ambos os demandantes choraram e choram frequentemente e a dor que sentem continua a ser a mesma, deslocando-se amiúde ao cemitério.
69. Vivem tristes e amargurados.
70. F era trabalhador, disciplinado, alegre, bem-disposto, bem-educado e amigo de ajudar o próximo.
71. Era um jovem respeitado, acarinhado e admirado pelos amigos.
72. Trabalhava na empresa “Embraer Portugal – Estruturas Metálicas SA”, onde auferia um vencimento base de €863,68, a que acrescia o subsídio mensal de transporte de €22,00.
73. Encontrava-se inscrito no ano letivo de 2019/2020 em 15 unidades curriculares isoladas na Universidade de Évora, nas áreas de cultura e ética organizacional, introdução à gestão e marketing.
74. Tinha projetos para o seu futuro e gozava de boa saúde.
75. A demandante L suportou com as despesas de funeral do filho a quantia de €513,95.
76. Com o arranjo da campa e pedra de cobertura despendeu a quantia de €799,50.
77. F faleceu alguns minutos após o acidente, sofreu dores horríveis e teve a noção da iminência da sua morte.
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78. À data do acidente acima descrito o veículo de matrícula (…..) tinha a responsabilidade civil emergente da sua circulação transferida para a Zurich Insurance PLC – Sucursal em Portugal, através com de um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º (…..).
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79. O arguido F é o primogénito de dois filhos de um casal normativo, organizado a nível estrutural e relacional. O núcleo familiar dispõe de um enquadramento favorável no meio social, e de uma situação económica estável assente na atividade profissional que todos exercem, com exceção do irmão mais novo do arguido, ainda estudante.
80. Neste contexto vivencial, F beneficiou de um ambiente familiar securizante, envolvente e gratificante em termos afetivos, propicio à aquisição de competências escolares e socioprofissionais, com veiculação de normas de conduta favoráveis ao seu desenvolvimento pessoal.
81. O arguido frequentou o espaço escolar, tendo completado o 12º ano de escolaridade sem quaisquer problemas de aprendizagem ou comportamento. Ainda iniciou o curso de desporto na Universidade de Évora, no entanto, não correspondeu às suas expetativas pelo que acabou por desistir da vida académica.
82. A partir de então, passou a desenvolver atividade laboral, num Call Center durante alguns meses e na empresa TYCO, durante 5 meses, em trabalho noturno. Posteriormente, começou a trabalhar com o pai, na empresa familiar "L.F. F Lda., Alimentos e Acessórios para Animais, com loja para venda direta - Reino Animal Petshop - e distribuição, onde permanece, até ao presente, com um vencimento médio de 800€ líquidos.
83. O sustento familiar é assegurado pelos proventos variáveis da empresa. A mãe, professora de profissão encontra-se há alguns anos de baixa médica por ser detentora de esclerose múltipla.
84. F dedica-se à atividade laboral, à vida familiar e à relação de namoro que estabeleceu há algum tempo, propiciadora de gratificação afetiva e de apoio consistente.
85. F tem mantido apoio psicológico através do qual tem conseguido manter algum equilíbrio psico-emocional que lhe tem permitido enfrentar, minimamente, o isolamento a que se remeteu, os sentimentos de culpa, de perda e de impotência perante o ocorrido.
86. O arguido passou por um período de isolamento, e depressão que gradualmente vem ultrapassando, embora ainda seja evidente uma postura triste.
87. O arguido não tem antecedentes criminais nem rodoviários.
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88. J, B e F sabiam que o arguido tinha ingerido bebidas alcoólicas.
89. Mais sabiam que a caixa de carga do veículo não tinha nenhum assento ou dispositivo de segurança.
90. J apresentava uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,94 g/litro.
91. B apresentava uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,39 g/litro e apresentava ainda:
17 ng de 11-nor-9-carboxi-D9-tetrahidrocanabinol(THC-COOH);
3,5 ng/ml de D9 tetrahidrocanabinol (THC);
0,9 ng de 11-Hidroxi-D9-tetrahidrocanabinol 11-OH-THC.
92. F apresentava uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,19 g/litro.
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1.2. Factos Não Provados:
Com interesse para a decisão da causa não lograram provar-se os seguintes factos:
a) No circunstancialismo descrito no facto n.º 1, a J, a C e o F seguiam do lado esquerdo (atrás do pendura) e B do lado direito (atrás do condutor).
b) Os passageiros transportados na caixa de carga seguiam sentados.
c) As guardas metálicas da Ponte da Vigia acabaram entraram na união do dispositivo de fechadura das portas, arrancando-o.
d) Na aquisição da campa, os pais de J despenderam ainda o montante de €1.650,00.
e) O telemóvel da J tinha o valor de €250,00.
f) B contribuía para as despesas do seu agregado familiar com cerca de um terço do seu rendimento.
g) O arguido desde o acidente não voltou a consumir bebidas alcoólicas.
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2. Convicção Do Tribunal e Exame Crítico Das Provas:

O princípio da livre apreciação da prova consignado no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, não representa a possibilidade de uma apreciação puramente subjetiva, arbitrária, baseada em meras impressões ou conjeturas de difícil ou impossível objetivação, antes pressupõe uma cuidada valoração objetiva e crítica e, em boa medida, objetivamente motivável, de harmonia com as regras da lógica, da razão, da experiência e do conhecimento científico.
Analisada a prova produzida na fase de julgamento, verifica-se desde logo que o arguido reconheceu que, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação, conduzia o veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula (…..), pela estrada regional 381, no sentido Reguengos de Monsaraz-Redondo, transportando no interior da viatura os passageiros T, que ocupava o banco da frente para passageiros, F, J, C e B, que se encontravam na caixa de carga do veículo. Referiu ainda que nessa noite se encontrou com o B e o T e, mais tarde também com o F, na cidade de Évora, depois seguiram todos juntos no veículo acima identificado para Reguengos de Monsaraz, onde se encontraram com a C e a J e que mais tarde decidiram terminar a noite em Évora, para onde se dirigiam no momento do acidente.
Instado, o arguido não logrou explicar por que motivo seguiam por essa estrada (que, segundo disse, nem sequer conhecia) e não pela via que liga de forma mais direta Reguengos a Évora.
F disse ainda que foi sempre o condutor do referido veículo nessa noite e que costumava conduzir esse automóvel diariamente.
Reconheceu que nessa noite ingeriu bebidas alcoólicas, assim como todos os que o acompanhavam, e que também consumiu haxixe (“fumou um charro antes do jantar”).
Não se lembra, todavia, do momento do acidente e que nessa ocasião perdeu os sentidos, por isso, só se recorda de ver o T e de este o chamar. Também não soube dizer a velocidade a que circulava.
Explicou ainda que depois de sair da viatura, (o arguido e o T) deslocaram o corpo do B, do F e da J para junto do passeio, uma vez que estes estavam no meio da via; já C estava noutra zona da estrada e levaram-na para o lugar do pendura onde a sentaram.
De forma bastante autentica e impressiva descreveu o quadro final que percecionou naquela noite bem como o silêncio total que os rodeava.
Referiu ainda que não tinham telemóveis a funcionar para pedir socorro e, por isso, só quando outros veículos por ali passaram é que foram acionados os meios de socorro.
As declarações do arguido foram, em geral, consentâneas com a declarações de T, que seguia no interior do veículo, ocupando o lugar do passageiro, testemunha que confirmou que o veículo era conduzido pelo F e que todos os demais passageiros seguiam na “caixa de carga”, em lugares e em posições que não logrou precisar. Também confirmou o mais declarado pelo arguido, referindo que a noite se iniciou em Évora, depois seguiam (o F, o B, o F e ele próprio) para Reguengos, onde se encontraram com a J e a C e estiveram no bar Classic até cerca das 4h00m; depois de saírem desse bar pretendiam continuar a noite em Évora.
Referiu que durante a viagem iam a ouvir música e estava a mexer no telemóvel, mas a dada altura, apercebeu-se do descontrole da carrinha e que o condutor estava a tentar manter o controlo da direção, até que ocorreu o acidente; depois de sair do veículo percebeu que tinham embatido no gradeamento da ponte e viu que a porta da carrinha estava aberta e a caixa de carga estava vazia, sendo que teve que acordar o F que estava desacordado; após, os dois em conjunto removeram os corpos da J, do F e do B para junto do lancil e sentaram a C no lugar do pendura. Não conseguiam pedir socorro porque os telemóveis estavam danificados, por isso, estiveram muito tempo à espera da assistência. Segundo esta testemunha, o F e ele próprio fumaram canábis nessa noite e também beberam bebidas alcoólicas durante a noite.
A prova do modelo e tipologia do veículo de matrícula (….) resulta do teor de fls. 73/74 (ficha de registo automóvel).
O auto de visionamento de imagens e os vídeos registados no CD junto a fls. 109 (sendo que alguns foram gravados cerca das 04h15m, já no interior do veículo durante a viagem), permite situar a hora do acidente cerca das 04h30m.
Assim, em face de toda a prova acima descrita, concluiu-se pela verificação do facto n.º 1.
O teor do relatório final de exame químico toxicológico constante de fls. 234/235 atesta as taxas discriminadas nos factos n.ºs 2 e 3, não oferecendo qualquer dúvida que os graus de alcoolemia e o valor de THC exibidos pelo arguido no momento do acidente nunca seriam inferiores àqueles que foram apurados através do referido exame pericial, tendo em consideração, designadamente, o período de tempo que mediou entre esse evento e a colheita de sangue realizada em contexto hospitalar (cerca das 08h17m desse mesmo dia) circunstância que, como resulta das mais elementares regras do saber científico, determina a diminuição da influência e taxa de etanol, nunca contribuindo para a sua exponenciação (o que, em tese apenas poderia ocorrer no caso do agente persistir na ingestão desses produtos após a ocorrência do acidente, o que manifestamente não terá sucedido in casu, tendo em consideração o relato do sucedido após o acidente apresentado quer pelo próprio arguido quer pela testemunha T).
Para a prova da configuração da via onde ocorreu o acidente, o tribunal valorou o auto de notícia de fls. 3, a participação do acidente de viação constante de fls. 146, o relatório fotográfico junto aos autos a fls. 207/220, conjugados com o relatório de inspeção judiciária junto a fl. 31 a 56, com o relatório técnico de inspeção judiciária e fotografias anexas de fls. 253/258), e com a diligência de exame judicial ao local realizada no decurso da audiência de discussão e julgamento nos termos exarados no auto de fls. 1566 verso/1567, elementos de prova que, conjugados entre si, confirmam inequivocamente a descrição vertida nos factos n.ºs 4 a 8 e permitem igualmente comprovar a velocidade máxima permitida para aquela viatura nos termos da legislação em vigor (cf. artigo 27.º do Código da Estrada).
De salientar que a sinalética vertical atualmente existente no local do acidente (sinal de velocidade recomendada e de curva à esquerda) ainda ali não tinha sido colocada à data do acidente, conforme decorre da confrontação dos documentos supra enunciados com a informação prestada pelas Infraestruturas de Portugal em 05.09.2023.
As declarações das testemunhas S, JR, militares da GNR que no exercício das suas funções se deslocaram ao local nessa noite e foram inteiramente esclarecedores relativamente ao estado da via, ao estado e posição final do veículo bem como às condições meteorológicas que nesse dia se faziam sentir, nos moldes vertidos nos factos n.ºs 7 e 8.
Também as testemunhas JJ e I – condutores que contataram os meios de socorro – e AB – bombeiro que prestou socorro e assistência às vítimas no local – confirmaram o posicionamento final do veículo, os respetivos danos, bem como do gradeamento daquela via e as condições meteorológicas daquela noite.
De salientar que a testemunha JR, participante do acidente, explicou que a medição vertida na participação elaborada e junta aos autos (fls. 146) foi efetuada pelo militar da GNR JB, que subsequentemente auxiliou o tribunal aquando da inspeção ao local, revelando o mesmo sempre objetividade e isenção das declarações e esclarecimentos que prestou no local.
Na verdade, consideramos que todas as testemunhas acima mencionadas depuseram com isenção e objetividade, não revelando qualquer interesse ou parcialidade nas suas declarações, motivo pelo qual se tiveram por credíveis.
Com base no relatório pericial junto aos autos a fls. 568/574 o tribunal considerou estar demonstrada a factualidade vertida no facto n.º 9, cabendo salientar que o juízo científico vertido na prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPP.
É certo que o arguido rejeitou a possibilidade de circular a 138 km/h. Na verdade, o arguido, num primeiro momento, afirmou não saber a que velocidade circulava, porém, mais tarde, referiu que não poderia seguir àquela velocidade, uma vez que a carrinha já era velha, tinha uma quilometragem próxima dos 400 mil Km (o que se mostra comprovado pelo relatório de peritagem de fls. 472) e não circulava a mais de 120 Km/h.
Porém, afigura-se que tais declarações são manifestamente insuficientes para divergir da perícia realizada na fase de inquérito, tendo a mesma sido elaborada segundo critérios científicos, mediante a aplicação de cálculos matemáticos e fórmulas físicas enunciadas naquele relatório e que permitiram concluir ao Sr. Perito que o veículo em causa nos autos circulava a pelo menos 138 Km/h, conclusão que se mostra cientificamente justificada e fundada no conhecimento especializado do perito autor do referido relatório, sendo certo que nenhum outro elemento de prova foi apresentado ao tribunal que lhe permita divergir do juízo contido no sobredito relatório pericial, razão pela qual se concluiu como supra descrito.
No que tange à dinâmica do acidente, posicionamento e estado final do veículo bem como estado da via após o acidente, o tribunal analisou, igualmente, o teor dos documentos constantes de fls. 31 e seguintes (relatório de inspeção judiciária), participação de acidente de viação (de fls. 146), relatório fotográfico (fls. 207/220), relatório técnico de inspeção judiciária e fotográfico de veículo (fls. 253/258), o relatório pericial de análise de vestígios de fls. 421/423, com o relatório de peritagem do veículo (cf. fls. 472/475), relatório pericial constante de fls. 568 e relatório final junto a fls. 577/609, este último elaborado pelo militar da GNR e instrutor do processo JC, merecendo neste conspecto particular destaque a ilustração da dinâmica do acidente junta a fls. 600.
Não podemos deixar de realçar que estes relatórios primam pelo rigor e exaustividade das suas informações, razão pela qual, em muito, contribuíram para o cabal esclarecimento do tribunal quanto à dinâmica do acidente, sendo o respetivo teor complementado pelos esclarecimentos prestados por JC, que descreveu as diligências realizadas, depondo de forma credível, porque isenta e objetiva. Sendo de realçar que da conjugação daqueles elementos resulta que o referido veículo quando entrou na Ponte da Vigia (já desgovernado) embateu com a roda no lancil e, iniciou um movimento de rotação, embatendo com a lateral esquerda traseira e com a porta traseira esquerda no gradeamento metálico existente no lado direito daquela ponte (atento o sentido de Reguengos/Redondo), continuando a desenvolver esse movimento de rotação na faixa de rodagem até que ficou imobilizado na via de sentido Redondo/Reguengos, mas em sentido contrário ao dessa via de circulação. Não resultou claro se a abertura das portas da caixa do veículo resultou do facto de as guardas metálicas da ponte entrarem na união do dispositivo das portas arrancando-o, ou se tal resultou apenas do próprio impacto e colisão do veículo com o gradeamento, razão pela qual se concluiu nos moldes vertidos na alínea c).
A prova da factualidade vertida nos factos n.ºs 10 a 15 fundou-se, portanto, na conjugação entre si de todo a prova documental acima elencada, complementada pelos esclarecimentos prestados pela testemunha JC, e que valorada de acordo com as leis da física e com as regras da experiência comum assim permitiu concluir.
No que concerne às lesões sofridas por J, B e F e que foram causa direta e necessária da sua morte (factos n.ºs 16 a 21 e 90 a 92), tivemos em consideração, respetivamente, os relatórios de autópsia constantes de fls. 274, 279 e 284, bem como os relatórios toxicológicos em anexo àqueles.
A prova do facto descrito em 22 resultou das declarações prestadas pelo próprio arguido, que reconheceu essa factualidade.
Já no que tange à factualidade vertida nos factos n.ºs 23 a 27, a verdade é que a mesma resultam do cotejo da matéria objetiva dada como provada de 1) a 22), o que permite a este Tribunal, com base em regras de experiência comum, inferir a sua verificação, sendo que inexistem dúvidas de que F naquele concreto circunstancialismo se encontrava sob a influência do álcool, atendendo à TAS que o mesmo apresentava e ao efeito que esse grau de etanol gera na conduta e nos reflexos do homem, o que aliás foi exemplarmente descrito pelo Sr. perito médico-legal C nos esclarecimentos que prestou na audiência.
Assim sendo, considerando a velocidade imprimida pelo arguido ao veiculo, a circunstancia de aquele se encontrar sob a influência do álcool, transportar 4 passageiros na caixa de carga do veículo sem qualquer dispositivo de segurança, são todas estas circunstâncias que, de acordo com os conhecimentos e a experiência comum, permitem considerar que, nesta situação concreta, o arguido circulava a uma velocidade manifestamente excessiva e em condições de total falta de segurança, com total desrespeito pelos mais elementares deveres de cuidado que sobre si impendiam, pelo que, não podia o arguido ignorar que desse modo criava um grave perigo para si , para as pessoas que transportava e para os demais utentes da via e, que nesse quadro poderia causar a morte àqueles, representado que não podia deixar de representar como possível, ainda que com o mesmo não se tenha conformado. Do mesmo modo, o arguido, enquanto cidadão adulto e comum, também não desconhecia a censurabilidade e proibição dessa conduta, tudo nos termos vertidos nos factos n.ºs 23 a 27.
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O facto descrito em 28 resulta da certidão da habilitação de herdeiros junta a fls. 809.
A factualidade descrita nos factos n.ºs 29, 32 a 39 ficou demonstrada com base nas declarações prestadas por MC, MG, P, MM, MO e HJ, amigos e familiares dos assistentes e que depuseram de acordo com o conhecimento que possuem relativamente à J e aos pais. Descreveram a J como uma jovem alegre, como é comum quando se tem 19 anos e também relataram o impacto devastador que o falecimento da filha teve na vida de ambos. O relatado por aquelas testemunhas foi inteiramente credível, não só porque compatível com as regras da vida, mas sobretudo porque durante o julgamento foi possível observar diretamente a forte emoção, desgosto e sofrimento permanentemente refletido no semblante dos pais da J, e em particular da mãe, cuja genuinidade não ofereceu qualquer dúvida. Assim em face dessa prova conjugada com o teor dos documentos de fls. 821/822 (informação clínica), concluiu-se pela prova dos factos acima referenciados.
Os documentos juntos aos autos a fls. 823/828 atestam os factos ínsitos em 40 a 42.
O facto descrito em 43 resultou das declarações do arguido e de T e bem assim da listagem de fls. 110 e do auto de apreensão de fls. 115.
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O facto descrito em 44 resulta da certidão da habilitação de herdeiros junta a fls. 843.
A factualidade descrita em 45 a 54 ficou demonstrada com base nas declarações prestadas por BP, RC, FR, JJ, e LC, amigos de B e do demandante, seu pai, e que depuseram de acordo com o conhecimento que possuem relativamente personalidade do jovem B, descrevendo-o como um jovem educado, desportista, responsável e trabalhador. Os factos descritos em 50 a 54 resultaram demonstrados com base nas declarações sentidas e emotivas prestadas pelo demandante A, que nenhuma dúvida suscitaram quanto à sua sinceridade e credibilidade e que no geral foram confirmadas pelos amigos do demandante BP e PI.
Os documentos juntos aos autos a fls. 845/855 atestam os factos ínsitos em 55 e 56.
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O facto descrito em 58 resulta da certidão da habilitação de herdeiros junta a fls. 875.
A factualidade descrita nos factos n.ºs 59 a 74 ficou demonstrada com base nas declarações prestadas por AS, MG, PP, JT, JB, AC, MV, ME e CM, amigos e familiares e colegas do F e também dos seus pais, que depuseram de acordo com o conhecimento que possuem relativamente ao jovem F e aos demandantes. Descreveram o F como um jovem educado, amigo dos seus pais e dos seus amigos, que tinha sempre um sorriso na cara, sociável, que tinha projetos para o futuro. Estas testemunhas também relataram o impacto devastador que o falecimento do F teve na vida dos seus pais e também aqui não podemos deixar de frisar que durante o julgamento foi possível observar diretamente a profunda emoção, tristeza e sofrimento que está permanentemente refletido no semblante da mãe do F. Assim em face dessa prova conjugada com o teor dos documentos de fls. 877/892, concluiu-se pela prova dos factos acima referenciados.
Os documentos juntos aos autos a fls. 894/899 atestam os factos ínsitos em 75 a 76.
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Os factos descritos em 30, 31, 57 e 77 encontram-se provados com base nas declarações de C, medico legista. O Sr. Perito caracterizou as lesões apresentadas pelas vítimas na sequência do acidente, hierarquizando a respetiva gravidade e o tempo de sobrevida de cada um dos lesados. As afirmações do Sr. Perito foram esclarecedora e devidamente justificadas pelo mesmo, todavia, a nosso ver dessas declarações não podemos concluir que as vítimas não se aperceberam do despiste do veículo e da iminência do embate (perceção que o outro passageiro T assumidamente reconheceu e, por isso, cremos que também os demais passageiros do veículo o percecionaram); do mesmo modo, também consideramos que F, B e J também percecionaram a iminência da sua morte, sofreram e tiveram dores durante o respetivo período de sobrevida, ainda que este tenha sido curto; não podemos deixar de referir que em momentos de grande intensidade – ainda que muito curtos - é possível o sinistrado ter flashbacks e percecionar o que o rodeia e a verdade é que as vítimas estavam ativas e conscientes durante a viagem (como se pode ver dos vídeos acima já referidos), pelo que seguramente sentiram medo e sofreram. Por outro lado, tendo presente a violência do embate e a gravidade das lesões dos ofendidos afigura-se que estes, seguramente, padeceram de dores, no período de sobrevida.
J, B e F não podiam desconhecer as características do veículo onde se faziam transportar e também não ignoravam que o condutor desse veículo, o arguido F, ingerira bebidas alcoólicas nas horas que antecederam o início da condução (cf. factos n.ºs 88 e 89), tendo em consideração que nessa noite estiveram todos juntos em vários bares, onde todos beberam álcool, como, aliás, foi declarado quer por T quer pelo arguido e assim também se extrai da visualização das imagens e vídeos registados no CD junto a fls. 109.
O facto ínsito em 78 encontra-se demonstrado pela apólice junta aos autos.
Quanto às condições pessoais, familiares e socioeconómicas do arguido, bem como quanto ao seu estado psicológico (factos 79 a 86), o tribunal fez fé no relatório social elaborado pela DGRSP que consta do processo, que, no geral, é inteiramente conforme com as declarações do arguido e das testemunhas JF e AS, amigos do arguido e da família, que com ele privam desde criança e que acompanharam o F após os factos em causa nestes autos.
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A ausência dos antecedentes criminais e estradais do arguido decorre, respetivamente, do certificado de registo criminal e o registo individual do condutor juntos aos autos.
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A factualidade das alíneas a) e b) resultou não provada em virtude de a prova produzida a este respeito ser insuficiente para assim se concluir. Com efeito, o arguido e as testemunhas presenciais (T e C) não conseguiram asseverar a concreta posição de cada um dos passageiros que seguiam na caixa de carga do veículo e os vídeos gravados durante essa viagem não registam o acidente, como tal, não podemos concluir com certeza qual a posição efetivamente ocupada por cada um dos passageiros nesse exato momento.
Nos termos acima já explicitados, a prova produzida – testemunhal, documental e pericial - não confirmou o facto das alíneas c), pelo que, se concluiu negativamente quanto a esta matéria de facto.
Nenhuma prova foi produzida relativamente aos factos vertidos nas alíneas d) e d).
O demandante A refutou a factualidade vertida na alínea f).
Por fim, no que tange ao facto da alínea g) entendemos que o relatório social constante do processo não constitui prova bastante quanto a esta matéria, pelo que, na falta de outros elementos se concluiu nos moldes supra enunciados.
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O testemunho de CG que pouco contribuiu para a formação da convicção do tribunal, porque revelou falhas de memória e foi sempre muito vaga e imprecisa na descrição que fez do ocorrido nessa noite.
A restante prova produzida não foi considerada uma vez que se mostrou irrelevante, inócua ou conclusiva.
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3. Do Direito:

3.1 Do Enquadramento Jurídico-Penal Dos Factos:

Vem imputada ao arguido a prática de 1 (um) crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelos artigos 291.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal em concurso real com 3 (três) crimes de homicídio por negligência grosseira, previsto e punido pelo artigo 137.º, n.º 2, 15.º e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
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Dispõe o artigo 291.º, do Código Penal:
“Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada:
a) Não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar em estado de embriaguez ou sob influência de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, ou por deficiência física ou psíquica ou fadiga excessiva; ou
b) Violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em autoestradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em autoestradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita;
e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
2 - Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada e nela realizar atividades não autorizadas, de natureza desportiva ou análoga, que violem as regras previstas na alínea b) do número anterior, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
3 - Se o perigo referido no n.º 1 for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
4 - Se a conduta referida no n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.”
Por sua vez, o artigo 294.º, n.º 3, do CP, prevê que aos casos previstos nos artigos 287.º a 291.º aplica-se o disposto nos artigos 285.º e 286.º, ainda que com as agravações previstas nos números anteriores.
“Se dos crimes previstos nos artigos 272.º a 274.º, 277.º, 280.º, ou 282.º a 284.º resultar morte ou ofensa à integridade física grave de outra pessoa, o agente é punido com a pena que ao caso caberia, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.” – cf. artigo 285.º, do Código Penal.
O crime de condução perigosa de veículo rodoviário é um crime de perigo concreto, que visa “evitar ou, pelo menos, manter dentro de certos limites, a sinistralidade rodoviária, que tem vindo a aumentar assustadoramente no nosso país nos últimos anos, punindo todas aquelas condutas que se mostrem susceptíveis de lesar a segurança deste tipo de circulação, e que, ao mesmo tempo, coloquem em perigo a vida, a integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado” (Paula Ribeiro de Faria, em “anotação ao art. 291º (condução perigosa de veículo rodoviário)”, in Figueiredo Dias, Jorge (dir.), Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, págs. 1079 e 1080).
Trata-se de um crime que integra, como elemento do tipo, a verificação de um perigo concreto, isto é, pressupõe que o agente com o seu comportamento crie um perigo concreto para os bens jurídicos protegidos com a norma (neste sentido, vide, entre outros, Ac. STJ, de 12/06/1997, in Boletim do Ministério da Justiça, nº 468, pág. 124).
Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, in Crimes Rodoviários, pena acessória e medidas de segurança, Lisboa, Universidade Católica Editora, págs. 14 e 15, “nos crimes de perigo concreto é necessária a prova de que nas circunstâncias do caso o comportamento do agente criou um perigo de lesão de bens jurídicos que a incriminação tutela (...). No artigo 291º exige-se que a conduta do agente crie perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, pelo que é sempre necessária a prova de que o comportamento descrito no tipo legal foi, nas circunstâncias concretas da acção, causa da criação de uma situação de perigo para aqueles bens jurídicos”
Não é suficiente que se violem as regras de condução. “É necessário que se trate de uma violação grosseira dessas mesmas regras, ou seja, uma violação de elementares deveres de condução, susceptível de traduzir o carácter particularmente perigoso do comportamento para a segurança do tráfego, e para os bens jurídicos pessoais envolvidos. Em suma, exige-se um grau especial de violação de deveres (não podem ser punidas violações de pequena dimensão)” – cf. Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág.1066.
O elemento subjetivo do crime de condução perigosa de veículo automóvel tem uma estrutura complexa, admitindo várias combinações. Assim, de acordo com a previsão do artigo 291.º, podemos distinguir três situações: a prevista no n.º 1, em que a conduta do agente e a criação do evento de perigo podem ser dolosos; a tipificada no n.º 3 do mesmo normativo legal, em que a conduta do agente é dolosa e o evento de perigo negligente; e finalmente, a situação em que quer a conduta quer o evento de perigo são ambos negligentes, como previsto no n.º 4 desse preceito legal.
Se da condução perigosa resultar morte ou ofensa à integridade física grave de outra pessoa, existe uma agravação da incriminação, por força da conjugação dos artigos 294.º, n.º 3 e 285.º acima transcritos.
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Por seu turno, estabelece o artigo 137.º, Código Penal:
“1 - Quem matar outra pessoa por negligência é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 – Em caso de negligência grosseira, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos”.
O homicídio é a ação livre e consciente de matar outra pessoa.
Os crimes negligentes de resultado – como é o caso do crime tipificado no citado dispositivo legal – enquanto tipo de ilícito pressupõem (vd. Cobo del Rosal e Vives Antón, Derecho Penal, Parte Geral, 1987, p. 464 e ss.):
a) A violação de um dever objetivo de cuidado que pode ter origem legal autónoma, se derivar de certas normas que visem prevenir perigos, ou tão somente derivar de certos usos e costumes ou da experiência comum;
b) A produção de um resultado típico;
c) A imputação objetiva do resultado à ação: a violação do dever de cuidado tem que ser causa adequada do resultado, sendo-o quando, de acordo com um juízo de prognose póstuma, segundo a experiência normal, for idóneo a produzir aquele resultado que é uma consequências normal e típica daquela ação;
d) A imputação subjetiva ou previsibilidade e evitabilidade do resultado, para o homem médio, colocado naquelas circunstâncias e segundo a experiência normal, há de ser previsível que a violação do dever objetivo de cuidado resulte a produção do resultado típico que seria evitável através do cumprimento do dever objetivo de cuidado.
O tipo de ilícito previsto no artigo 137.º do Código Penal é um crime negligente, pelo que deve ser articulado com a previsão do artigo 15.º do mesmo diploma, que preceitua:
“1 – Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:
a) Representa como possível a realização de um facto correspondente a um tipo de crime, mas atua sem se conformar com essa realização;
b) Não chega sequer a representar a possibilidade de realização do facto”.
Assim, face ao disposto neste artigo, podemos distinguir dois tipos de negligência: a negligência consciente e a negligência inconsciente. A atuação negligente será consciente se o agente chegar a representar a realização do facto que preenche um tipo legal de crime como possível, mas atuar sem se conformar com essa realização, ou inconsciente se não chegar a representar a possibilidade de realização do facto. Psicologicamente, a diferença está em que, no primeiro caso, o resultado chegou a ser previsto, embora o agente a ele não aderisse – sob pena de se cair no dolo e – no segundo caso, há somente previsibilidade.
Ao nível da causalidade, o homicídio negligente exige um nexo causal entre a ação (ou omissão) do agente e o resultado do crime e um nexo de tipo normativo entre a própria violação do dever de cuidado e o resultado típico. Assim, é elemento do crime a existência de um nexo de causalidade entre o resultado e o facto culposo: a omissão de um dever objetivo de cuidado ou diligência é causalmente adequada ao resultado ilícito quando entre o agente e o facto existe um nexo psicológico de previsão ou de previsibilidade.
Além disso, a atuação de agente e a morte têm de estar numa relação de causa e efeito, na qual não interfiram circunstâncias extraordinárias que lhe retirem a situação de adequação necessária.
Também, em sede de culpa, a previsibilidade do resultado relevará, pois deverão ser consideradas as capacidades pessoais do agente para prever a produção do resultado típico.
Assim, quando o agente, nas circunstâncias em que se encontrava, podia ou devia, segundo as regras da experiência geral e as suas capacidades e qualidades pessoais, ter representado como possíveis as consequências da sua conduta poder-se-á afirmar o conteúdo da culpa própria da negligência e punir-se o agente que não evita o resultado, cuja produção ele teve como possível ou podia ter previsto (neste sentido, vd. Figueiredo Dias, Pressupostos da Punição, p. 71).
Se, contrariamente, “...o agente não pode, concretamente, prever o resultado, (…) apesar da média das pessoas o poder fazer, não poderá ter lugar relativamente a ele qualquer censura, pois não lhe é exigível outro comportamento” (vd. Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. I, p.428).
O juízo de censura pela conduta do agente implica que ele tenha atuado com liberdade e discernimento.
Existe negligência grosseira quando “a culpa é agravada pelo elevado teor de imprevisão ou falta de cuidados elementares” sendo “indispensável que se esteja perante uma ação particularmente perigosa e de um resultado de verificação altamente improvável” (assim, Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado e Comentado e Comentário Conimbricense ao Código Penal tomo I, pg. 113)
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Feitas estas considerações teóricas, há ainda que referir que relativamente à situação em apreço importa perspetivar a pluralidade ou unidade de infrações.
Vejamos então.
Estabelece o artigo 30.º do Código Penal:
“1 - O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
3 - O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.”
Afigura-se pacífico o entendimento de que os crimes acima analisados tutelam bens jurídicos distintos, no primeiro caso (o artigo 137.º) visa proteger a vida humana, já o segundo (artigo 291.º) tutela a segurança rodoviária, punindo todas as condutas que se mostrem suscetíveis de lesar a segurança deste tipo de circulação, e que, ao mesmo tempo, coloquem em perigo a vida, a integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado.
No primeiro caso, estamos perante um crime de resultado e no segundo caso perante um crime de perigo concreto para a vida, integridade física, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado.
Verificada a diferente natureza dos bens jurídicos tutelados por cada uma daquelas normas, importa ainda assim, determinar se entre elas existem uma relação normativa que traduza um concurso aparente de infrações.
Uma concreta relação da vida pode ser subsumida a um ou vários tipos legais de crimes, porém a violação de várias disposições pode só aparentemente indicar o preenchimento de vários tipos e a correspondente existência de uma pluralidade de infrações e muitas normas de direito penal – ou outro ramo de direito – estão umas para com as outras em relação de hierarquia, na medida em que a aplicação de uma delas exclui a aplicação das outras.
A diferença fundamental entre o concurso aparente e o concurso real é que o concurso aparente resulta sempre da aplicação exclusiva de uma das normas, com o afastamento das demais, enquanto que no concurso real, porque nenhuma das normas atende exclusivamente ao facto complexo todas elas são igualmente aplicáveis ao facto-problema (neste sentido, Manuel Cavaleiro Ferreira, Lições de Direito Penal, I, 1992, 519 e ss.).
Ou seja, existe concurso aparente quando o comportamento do agente pode subsumir-se a várias previsões legais mas apenas uma delas é aplicável ao facto por esgotar inteiramente o conteúdo da ilicitude. Entre as normas concorrentes pode verificar-se três tipos de relações: especialidade, consunção e subsidiariedade.
A relação de consunção é a que, a nosso ver, melhor se enquadra no caso em apreço, na senda do entendimento exposto no Acórdão do STJ de 03.04.2003, Pereira Madeira, onde se disse:
“… tendo em conta que uma das normas - condução perigosa do artigo 291º, n.º 1 - punindo a criação do perigo, nomeadamente para a vida, e, também a sua própria privação, por via do disposto nos artigos 285º e 294º do Código Penal devidamente conjugados, e que a outra - art.º 137º, pune essa violação (privação da vida) como resultado consumado - poderá defender-se a existência, pelo menos, de um certo grau de consunção entre ambas as normas, já que entre os valores protegidos por cada uma delas, se verifica, por essa via, uma relação de mais e de menos: o do artigo 137º acaba por estar contido no âmbito mais lato da previsão do art.º 291º, n.º 1 e assim: «uns contêm-se já nos outros, de tal maneira, que uma norma consome já a proteção que a outra visa. Daí que, ainda com fundamento na regra "ne bis in idem", se tenha de concluir que "lex consumens derogat lex consumatae".
Em todo o caso, insiste o saudoso Mestre de Coimbra: ao contrário do que sucede com a especialidade, a conclusão pela verificação ou não da figura da consunção só em concreto se poderá afirmar através da violação dos bens jurídicos violados….”
“Entende-se que sendo protegidos no crime de condução perigosa, além da segurança das comunicações, os bens jurídicos individuais vida e integridade física, postos em perigo pela conduta do agente, ainda que estes reflexamente, se ocorrer uma lesão destes últimos como resultado daquela conduta, os referidos bens jurídicos de natureza pessoal passam a ser protegidos não só pelas disposições combinadas dos arts. 291.º, 294.º e 285.º, mas também, de forma genérica, pelos crimes dos arts. 137.º e 148.º, do CP.
Quando tal acontece, as disposições penais encontram-se numa relação de consunção – uma, a de protecção mais ampla [lex consumens] consome a protecção que a outra [lex consunta] já visa e que deixa de ser aplicada sob pena de clara violação do princípio ne bis in idem.
Advertia Eduardo Correia que, nestes casos, “a eficácia da consunção não só está dependente da circunstância de efectivamente concorrerem dois preceitos cujos bens jurídicos se encontrem numa relação de mais para menos, mas ainda de que, no caso concreto, a protecção visada por um seja esgotada, consumida pelo outro, coisa que nem sempre acontece”.
Por isso, comparando-a com a situação de especialidade, sustentava que “enquanto a especialidade se pode afirmar em abstracto, só em concreto se pode afirmar a consunção dum pelo outro” (A Teoria do Concurso em Direito Criminal – Unidade e Pluralidade de Infracções, págs. 131-132)”. – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. De 22.11.2007, Arménio Sottomayor.
Sendo assim, e tendo em conta o teor do artigo 291.º, complementado pelos artigos 285.º e 294.º pode afirmar-se que o dano da vida ou da integridade física consome o perigo, ou seja, mesmo no âmbito da criminalidade estradal o tipo do artigo 137.º acaba por ter, também nas situações de negligência grosseira, um campo de aplicação mais lato do que o crime do artigo 291.º agravado pelo resultado, devendo por isso prevalecer a aplicação daquele ilícito.
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Após estas liminares considerações importa analisar a matéria de facto apurada e enquadrá-la juridicamente por forma a aferir da eventual responsabilidade criminal do arguido.
In casu constata-se que no dia 27 de Outubro de 2019, o arguido F conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias com a matrícula (…..), na estrada regional 381, no sentido Reguengos de Monsaraz-Redondo, no interior do qual se encontravam os passageiros T, que ocupava o banco da frente para passageiros, F, J, C e B que se encontravam na caixa de carga do veículo, apresentando o arguido F, nas circunstâncias descritas, uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 0,96 g/l, por litro de sangue.
O arguido conduzia a uma velocidade de pelo menos 138 km/h.
Ao km 36,700 daquela estrada, o arguido, ao descrever a curva à esquerda com uma amplitude de 280 metros, atenta a velocidade que imprimia no veículo, o facto de o veículo se encontrar com quatro pessoas na caixa de carga sem sistemas de segurança e atenta a taxa de álcool no sangue que apresentava, o veículo saiu da sua via para a direita e entrou na berma da estrada não pavimentada com as rodas direitas do veículo, entrando em despiste, o que causou a morte de três dos passageiros que transportava, nos moldes acima descritos.
Ora, nos termos do disposto no artigo 27.º, do Código da Estrada, o condutor de automóveis ligeiros de mercadorias, fora das localidades, deve circular a uma velocidade máxima de 80 Km/h, como tal, no caso concreto, é forçoso concluir que o arguido conduzia a uma velocidade manifestamente excessiva e imprópria.
Além disso, o arguido exercia a condução do referido veículo com uma TAS de pelo menos 0,96 g/l, infringindo as regras rodoviárias previstas no artigo 81.º do Código da Estrada.
Acresce, por fim, que o arguido transportava ainda quatro passageiros na caixa de carga do referido veículo, circunstância que, sendo proibida nos termos previstos no artigo 54.º, n.º 4 do Código da Estrada, também obrigava a um especial cuidado e prudência por parte do arguido no exercício da condução, o que manifestamente não aconteceu.
Para o homem médio, colocado naquelas circunstâncias e segundo a experiência normal, era previsível que do excesso de velocidade, associado à condução sob influência do álcool e à carga de passageiros nos termos acima descritos, resultasse a produção do acidente e, em consequência, a morte daqueles que ali eram transportados (sobretudo quando todas as notícias e estudos rodoviários salientam a elevada mortalidade das estradas portuguesas).
Não obstante o arguido, não se ter conformado com este resultado, ou seja, com a possibilidade de vir a causar a morte dos passageiros que seguiam no veículo, a verdade é que não podemos deixar de entender que o mesmo representou essa possibilidade, pois o desrespeito das regras estradais consagradas nos artigos 27.º, 81.º, e 54.º, n.º 4 do Código da Estrada, tem como consequência previsível a ocorrência de um acidente e a morte de quem é transportado nos veículos intervenientes.
Aqui chegados cumpre assinalar que, a nossos ver, o arguido agiu com negligência consciente e grosseira. Com efeito, a condução foi executada com negligência grosseira – pois está provado que o arguido violou as regras estradais acima enunciadas atuando com negligência consciente em relação à produção do resultado morte, uma vez que resultou igualmente provado que sabia que a sua atuação era idónea a provocar sinistros, a colocar em perigo a vida, integridade física e bens patrimoniais de valor elevado dos restantes condutores da via e, mesmo assim, não se absteve de praticar tais condutas. Ou seja, o arguido não se coibiu de fazer uma condução temerária, violadora das elementares regras relativas ao tráfego automóvel.
Concluímos, desta forma, que o arguido desrespeitou os citados artigos do Código da Estrada e violou de forma intensa e grosseira os deveres de cuidado que sobre si impendiam e de que era capaz, facto que determinou a produção do acidente.
Como consequência direta e necessária da sua conduta, J, B e F sofreram lesões traumáticas que foram causa necessária e direta da sua morte.
No caso de vários crimes cometidos por negligência, com lesão de bens eminentemente pessoais, há, entre eles, concurso efetivo ideal, nos termos do artigo 30.º n.ºs 1 e 3 do Código Penal.
O Prof. Figueiredo Dias pronuncia-se categoricamente por esta posição: «se através de uma mesma ação são mortas várias pessoas estar-se-á perante uma hipótese de concurso efetivo, sob a forma de concurso ideal, …» (in, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 1999, Parte Especial, Tomo I, 114).
Com efeito, pese embora a questão tenha sido objeto de discussão na nossa jurisprudência, seguimos o entendimento de que «Se o agente, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado, representar a realização de um facto que preenche a realização de um tipo legal e, ainda assim atuar sem se conformar com essa realização ou não chegar, sequer, a representar essa possibilidade, ele é de censurar tantas vezes quantas esse dever de cuidado produziu naquela” - Ac. TRC. De 19.10.2020, Mouraz Lopes, processo n.º 195/07.2GTCTB.
Nesta conformidade, nos termos do artigo 30.º do Código Penal e considerando que a conduta do arguido produziu a morte de três pessoas, entendemos que devem ser imputados ao arguido três ilícitos criminais.
Em síntese concluímos da seguinte forma: atuando o arguido do modo supra descrito, violou de forma temerária o dever de cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, o que teve como consequência (previsível) a morte de três pessoas, pelo que se constituiu autor dos três crimes de homicídio por negligencia grosseira, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 2 e 15.º, do Código Penal, em concurso aparente com um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelos artigos 291.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal, pelo que, relativamente a este último ilícito o arguido não poderá ser punido pelo mesmo sob pena de violação do principio non bis in idem, constitucionalmente consagrado.
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4. Da determinação da medida pena:

O crime de homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 2 do Código Penal, é cominado, em abstrato, com pena de prisão até 5 anos.

Dispõe o artigo 40º, do C.P., que a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente (nº 1) e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2).

A culpa – salvaguarda da dignidade humana do agente – não sendo fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. Se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro lado, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, parece evidente que – dentro da moldura legal – a moldura da pena aplicável ao caso concreto – “moldura de prevenção” – há de ser definida entre o mínimo indispensável à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente. Entre estes limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social.

A medida das penas é determinada em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção (artigo 71.º, n.º 1 do C.P.), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2 do mesmo preceito).

Ora, neste âmbito, deverá considerar-se:

a) O grau de ilicitude dos factos é muito elevado, uma vez que o arguido circulava à noite, com uma TAS de pelo menos 0,96 g/l, ou seja, próxima do limite criminalmente relevante; apesentando ainda valores de THC, nos moldes descritos em 2), devido a estupefacientes que consumira nesse dia; acresce que imprimia ao veiculo uma velocidade muitíssimo elevada, quando transportava consigo cinco passageiros, sendo que quatro deles não tinham acesso a sistemas de segurança e retenção;
b) O modo de execução importa atender ao acentuadíssimo desleixo e imprudência do arguido, que reflete a violência e extrema gravidade do acidente;
c) As gravíssimas consequências da conduta do arguido, uma vez que em resultado ceifou a vida de três jovens:
d) Agiu com negligencia consciente, sendo que, em desfavor deste arguido depõe o grau de ligeireza e irresponsabilidade de toda a sua atuação;
e) O arguido é jovem, está profissional e familiarmente inserido, não é referenciado negativamente na comunidade;
f) O arguido não tem antecedentes criminais, demonstrou ter bom comportamento anterior e posterior aos factos e revelou uma atitude colaborante em audiência.
As exigências de prevenção geral são elevadíssimas, uma vez que a morte em decorrência de acidente rodoviário, sobretudo nas camadas mais jovens da sociedade, cria um significativo alarme social em face do número de situações ocorridas anualmente no nosso país. Por outro lado, apesar de todas as campanhas de prevenção rodoviárias e medidas de fiscalização policial, os condutores persistem na condução sob o efeito do álcool e violação das mais elementares regras estradais, Impõe-se, por isso, a revalidação da consciencialização de que as normas estradais devem ser rigorosamente respeitadas pelos condutores.
Já as necessidades de prevenção especial são reduzidas atendendo à inserção profissional e familiar do arguido, à ausência de antecedentes criminais e rodoviários e o facto de já terem decorrido mais de quatro anos desde a prática dos factos sem que tenha sido condenado por outras infrações.
Em face do exposto e ponderando todas as circunstâncias acabadas e enunciar, considera-se adequado condenar o arguido na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão por cada um dos crimes de homicídio negligente p. e p. pelo artigo 137º, n.º 2 do Código Penal.
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Estabelece o artigo 77.º do Código Penal que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. A pena a aplicar tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Verificando-se no caso concreto que o arguido violou normas destinadas a proteger bens jurídicos de natureza eminentemente pessoal e atendendo aos limites máximos – 7 (sete) anos - e mínimos –2 (dois) anos e 4 (quatro) meses - das penas concretamente aplicadas, considerando a globalidade dos factos supra enunciados, às condições de vida, à idade e personalidade do arguido e, bem assim, as necessidade de prevenção especial e de prevenção geral do caso, e atendendo ao grau de ilicitude da sua atuação, considera-se ser de aplicar ao arguido pela prática dos crimes enunciados a pena única de 5 (cinco) anos de prisão.

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Da suspensão da execução da pena:
Estabelece o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, que o tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos, quando perante a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior ou posterior ao facto e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Os n.º s 1 e 2 do citado artigo indicam-nos os elementos a atender nesse juízo de prognose:
a) A personalidade do agente;
b) As suas condições de vida;
c) A conduta anterior e posterior ao facto punível; e
d) As circunstâncias do facto punível.
E sendo essa conclusão favorável, o tribunal decidirá se a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para satisfazer as finalidades da punição, caso em que se fixará o período de suspensão.
No caso concreto, a favor do arguido milita a sua primodelinquência, a sua imaturidade resultante da idade que possuía à data dos factos, bem como as necessidades de prevenção especial.
Assim, pese embora o elevado grau de ilicitude, a gravidade das consequências da sua conduta e as necessidades de prevenção geral que se fazem sentir no caso concreto, atendendo ao percurso anterior e posterior aos factos, bem como ao período de tempo já decorrido desde o cometimento dos crimes em análise, afigura-se que a simples ameaça da pena de prisão, nesta fase da vida do arguido ainda é suficiente para que este interiorize não só a censura dos factos como a necessidade de não voltar a delinquir.
Com vista a reforçar esta convicção impõe-se, no entanto, que o período da suspensão seja acompanhado de regime de prova, fundado em plano de reinserção social a elaborar e a acompanhar pelos serviços de reinserção social, com frequência pelo arguido de programa rodoviário.
Assim, ao abrigo do disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1, e 5, 53.º, n.ºs 1, 2, do Código Penal, decide-se suspender a execução da pena, pelo período de cinco anos, com sujeição a regime de prova, assente em plano de reinserção social individual, que vise a frequência pelo arguido de um programa rodoviário, o qual deverá ser acompanhado com vigilância dos serviços de reinserção social.
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- Da aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02.08:
Atendendo à natureza da pena aplicada ao arguido (pena de prisão suspensa na sua execução) afigura-se não ser de apreciar no momento da aplicabilidade do instituto do perdão da pena previsto na citada lei, em face do preceituado no artigo 3.º, n.ºs 1 e 3 daquela lei.
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- Da pena acessória:
O artigo 69.º, n.º 1, al. a) do C. Penal estabelece que, sendo o arguido condenado pela prática de um crime de homicídio no exercício da condução de veículo motorizado em violação das regras de trânsito rodoviário e será também condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.
Prevê essa norma a moldura de 3 meses a 3 anos, devendo a determinação da pena ser fixada, de acordo com os critérios fixados pelo artigo 71º do CP.
A pena acessória de inibição da faculdade de conduzir veículos automóveis tem como pressuposto material o facto de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar censurável. Assim, a proibição de conduzir deve também conter um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa (neste sentido, FIGUEIREDO, Dias, in Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, p. 165).
Dito de outro modo, deve esperar-se que a pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente.
Posto isto, relevam aqui os pressupostos já enunciados, quanto ao elevado grau de ilicitude do arguido, às necessidades de prevenção geral, às consequências do facto, mas também às necessidade de prevenção especial, termos em que se considera adequado fixar a pena de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 1 (um) ano relativamente a cada crime.
Em cumulo jurídico dessas sanções acessórias – na senda do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de janeiro de 2018 – e ponderando o circunstancialismo acima descrito afigura-se ser de aplicar a sanção única de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses.
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5. Da Responsabilidade Jurídico-Civil

Nos termos do artigo 71.º, do Código de Processo Penal, “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei”.
Resulta deste preceito legal que o nosso sistema jurídico-criminal acolheu a via da adesão obrigatória da ação civil na ação penal, na medida em que o direito à indemnização por perdas e danos sofridos na sequência do ilícito criminal, só pode ser exercido no próprio processo penal, onde deve ser enxertada a ação cível, sem prejuízo de o pedido poder ser deduzido em separado sempre que se verifique qualquer das circunstâncias expressamente consignadas na lei (artigo 72.º do Código Processo Penal).
Por sua vez, dispõe o artigo 129.º do Código Penal que as indemnizações de perdas e danos emergentes de crime (sublinhado nosso) são reguladas pela lei civil, portanto, de acordo com o estabelecido nos artigos 483.º, 484.º, 496.º, 562.º e 566.º, todos do Código Civil.
Considera-se que o crime produz não só um dano penal, para o qual se comina uma pena, mas também um dano civil que há de ser indemnizado ao lesado. E, se é certo que o delito é uma conduta tipicamente antijurídica, culpável e sancionada com uma pena (sanção penal), não é menos certo que o crime, na medida em que lesa também interesses individuais ou particulares, pode dar origem a uma sanção extrapenal (sanção civil).
As sanções civis respeitam ao facto, na medida em que este ofende também um interesse tutelado pela lei civil, constituindo um ilícito civil. A obrigação de indemnização diz respeito ao próprio facto que integra, para além do ilícito penal, também o ilícito civil.
Para que alguém se constitua na obrigação de indemnizar exige-se o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, a saber: o facto, a ilicitude, o vínculo de imputação do facto ao agente, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, de acordo com o previsto nos artigos 483.º e 563.º do Código Civil.

Estabelece o artigo 483.º n.º 1 do Código Civil que, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

São assim pressupostos da obrigação de indemnizar a existência de um facto voluntário do agente; a ilicitude desse mesmo facto consubstanciada na desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado; a imputação do facto ao agente em termos de culpa; o dano e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano.

Passemos à análise de cada um dos pressupostos acima enunciados.

Constitui pressuposto da responsabilidade do agente e, consequentemente, da obrigação de indemnizar, a existência de uma conduta voluntária.

In casu, constata-se que o arguido/condutor praticou um ato voluntário, ao conduzir o referido veículo.

Para além de ter de existir uma conduta voluntária, a lei exige, para efeitos de responsabilização, que essa conduta seja uma conduta ilícita. Neste âmbito poderá incluir-se a violação de direitos subjetivos alheios ou a violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios. Quando estamos perante normas destinadas a proteger interesses alheios o que está em causa é a proteção genérica da coletividade, realizada através da proteção direta dos interesses individuais dos indivíduos que a compõem (neste sentido MARTINS DE ALMEIDA, Dario – Manual de Acidentes de Viação; Almedina, 2ª edição, 1980, pág. 200).

Como nos encontramos no domínio dos acidentes de viação cabe uma especial referência às disposições do Código da Estrada.

Como refere Dario Martins de Almeida, as regras de trânsito contidas no Código da Estrada configuram deveres de diligência cuja violação pode servir de base à negligência. Destinando-se as mesmas a acautelar prejuízos possíveis há nelas implícita uma previsão a que devem aderir os seus destinatários (MARTINS DE ALMEIDA, Dario; op. cit., pág. 201).

Nos presentes autos ficou demonstrado que o condutor do veículo automóvel exercia a condução sob a influência do álcool, não respeitou o limite máximo de velocidade permitido por lei e transportava quatro passageiros na caixa de carga da viatura, desrespeitando desse modo as regras de condução previstas nos artigos 27.º, 54.º, n.º 4 e 81.º do Código da Estrada.

Ora, os factos acima descritos, conjugados entre si, permitem considerar que o arguido violou efetivamente todas as disposições legais acima citadas.

Cabe ainda analisar se no caso em apreço podemos imputar o facto ao agente em termos de culpa. A culpa lato sensu abrange a vertente do dolo e da negligência ou mera culpa, traduzindo-se a primeira na intenção de realizar o comportamento ilícito que o agente configurou e a segunda na mera intenção de querer a causa do facto ilícito.

A culpa exprime um juízo de reprovação pessoal em relação ao agente lesante. A conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo (LIMA, Pires de e VARELA, Antunes – Código Civil Anotado; Vol. I [artigo 1.º a 761.º], 4ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, limitada, 1987, pág. 474).

Em matéria de responsabilidade civil por acidentes de viação, cujo dano haja sido provocado por uma contraordenação estradal, a questão da culpa tem assumido contornos específicos. Porque a atividade de condução automóvel é uma atividade perigosa que exige uma perícia e uma destreza mínimas, o dever de diligência terá de atingir então um maior grau face às circunstâncias ou exigências do caso concreto. O bonus pater famílias não se entregaria a tais atividades sem estar consciente de possuir a aptidão e a perícia adequadas. Por isso, desde que o evento seja previsível e a conduta se mostre adequada à produção dele, a omissão do dever de diligência configura negligência ou mera culpa (MARTINS DE ALMEIDA, Dario; op. cit. pág. 73 e 74).

Assim, a prova de inobservância das leis e regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos dela decorrentes, dispensando-se, em concreto, a prova da falta de diligência. Estamos perante a chamada prova da primeira aparência. Existe uma presunção “juris tantum” de negligência contra o autor da contravenção (neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1961, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 104, pág. 417; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 1982, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 320, pág. 422; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Janeiro de 1987, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 363, pág. 488; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 1998, Boletim do Ministério da Justiça n.º 475, pág. 635 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 1999, Boletim do Ministério da Justiça n.º 488, pág. 323).

Assim, verificada a infração dos dispositivos estradais acima mencionados, facilmente se conclui pela imputação dos factos, a título de culpa ao arguido, condutor do veículo ligeiro de mercadorias.

A obrigação de indemnizar pressupõe, ainda, a existência de dano.
Nem todos os danos sobrevindos ao facto ilícito são incluídos na responsabilidade do agente, antes apenas os resultantes do facto, os causados por ele, nisto se traduzindo a necessidade de se verificar um nexo de causalidade entre o facto e o dano, nos termos previstos no artigo 563.º, do Código Civil.
No que tange aos danos de natureza patrimonial, o artigo 562.º do Código Civil impõe a quem esteja obrigado a reparar um dano, o dever de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga a reparação.
Relativamente aos danos de natureza não patrimonial, o Código Civil consagra a sua ressarcibilidade, limitando-a, porém, aos casos em que a gravidade dos danos merece a tutela do direito (cf. artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil).
Dispõe o artigo 496º:
“1-Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3 - Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.
4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.”
Nesta disposição legal o legislador indica os requisitos de ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, regula a legitimidade no caso de morte e os critérios de avaliação do dano.
Ensina-nos Abrantes Geraldes, (“Temas da Responsabilidade Civil, II volume, Indemnização dos Danos Corporais, 2.ª Edição, Edições Almedina, SA, fevereiro, 2007), a propósito da indemnização do dano morte e dos danos morais dos familiares, que de acordo com o disposto no referido art. 496º, “(…) é reconhecido às categorias de familiares aí referidos, e pela ordem indicada, direito de indemnização envolvendo duas parcelas autónomas:
- A indemnização pela perda da vida, como bem absoluto que, apesar de irrecuperável, deve ser compensado;
- E a indemnização pelos danos morais que a morte de alguém é suscetível de provocar naqueles familiares”.
Entendemos, ainda, à semelhança da doutrina e jurisprudência que temos como maioritárias, que o dito artigo 496.º abarca ainda o direito de indemnização pelos danos morais sofridos pela vítima antes de morrer.
Quanto à avaliação do dano, cabe dizer que a gravidade tem de medir-se por um critério objetivo e não à luz de fatores subjetivos e “o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”[8].
No caso concreto o dano consiste nos prejuízos sofridos pelas vítimas e pelos demandantes em consequência do acidente (e que infra serão analisados).

Por fim, resta analisar a existência de um nexo causal entre o facto e o dano, uma vez que é pressuposto do dever de indemnizar que o ato do agente possa ser considerado uma das condições do dano, isto é, uma condição que, segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do lesante, seja adequada ou apropriada à produção do dano (conforme resulta do disposto no artigo 563.º do Código Civil).

O nexo causal entre o facto e o dano existe sempre que a conduta se não possa considerar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por causa de circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas (VARELA, João de Matos Antunes – Das Obrigações em Geral; vol. I, Almedina, 10.ª edição revista e atualizada, setembro de 2004, pág. 894).

No caso dos presentes autos, em face da factualidade provada, conclui-se que o embate se deveu ao facto de o condutor desrespeitar os limites de velocidade e exercer a condução sob o efeito do álcool. Conclui-se, pois, pela verificação do nexo de causalidade.

Aqui chegados cumpre convocar o disposto no artigo 570.º do Código Civil que estabelece a responsabilidade civil em caso de concurso de culpa do lesado.

Ora, no caso em apreço a nosso ver não se vislumbra existir motivo para a redução da indemnização concedida aos demandantes ao abrigo do citado preceito legal, na medida em que nenhuma das vítimas praticou qualquer infração determinante para a verificação do acidente, e as mesmas também não tinham o domínio funcional do veículo ou da velocidade que era imprimida ao mesmo; acresce que em concreto as vítimas também não tinham conhecimento do real grau de alcoolemia do condutor, sendo certo que foram estas as causas determinantes para a ocorrência do acidente.

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Segundo o artigo 4.º, n.º 1, do Decreto – Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor para cuja condução seja necessário um título específico e seus reboques, com estacionamento habitual em Portugal, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar -se coberta por um seguro que garanta tal responsabilidade, nos termos do citado decreto–lei.

Por outro lado, estabelece o artigo 15.º, n.º 1, do mesmo diploma, que o contrato garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar previstos no artigo 4.º e dos legítimos detentores e condutores do veículo.

Na ocasião do acidente, a responsabilidade da circulação do veículo automóvel ligeiro de passageiros matrícula (…..) tinha a responsabilidade civil emergente da sua circulação transferida para a Zurich Insurance PLC – Sucursal em Portugal, através de um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º 008049536, pelo que é esta a responsável, dentro dos limites legais, pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente rodoviário em apreço.

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Posto isto, cabe apreciar em concreto cada um dos pedidos cíveis deduzidos nos autos.
N e M deduziram pedido de indemnização civil, contra a Companhia de Seguros Zurich Insurance – Sucursal em Portugal, fundamentando esse pedido nos factos descritos na acusação pedindo que a demanda seja condenada a pagar-lhes indemnização no valor global de €243.087,40, sendo a quantia de €120.000,00 pelo dano não patrimonial de perda da vida, o valor de €30.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima em resultado das lesões e sofrimento que antecederam a sua morte e o valor de €90.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes e o restante a título de danos patrimoniais, acrescendo àquela quantia global os juros de mora, até efetivo e integral pagamento.
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A deduziu pedido de indemnização civil, contra a Companhia de Seguros Zurich Insurance – Sucursal em Portugal, fundamentando esse pedido nos factos descritos na acusação, pedindo que a demanda seja condenada a pagar-lhe indemnização no valor global de €213.145,80, sendo a quantia de €130.000,00 pelo dano não patrimonial de perda da vida, o valor de €10.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima com a antevisão da sua morte e o valor de €35.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante e o valor de €38.145,80 a título de dano patrimonial futuro, acrescendo àquela quantia global os juros de mora, até efetivo e integral pagamento.
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L e R deduziram pedido de indemnização civil, contra a Companhia de Seguros Zurich Insurance – Sucursal em Portugal, fundamentando esse pedido nos factos descritos na acusação pedindo que a demanda seja condenada a pagar-lhes indemnização no valor global de €206.313,45, sendo a quantia de €90.000,00 pelo dano não patrimonial de perda da vida, o valor de €15.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima em resultado das lesões e iminência da sua morte e o valor de €100.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes e o restante a título de danos patrimoniais, acrescendo àquela quantia global os juros de mora, até efetivo e integral pagamento.
Os pressupostos da responsabilidade civil já enunciados mostram-se no caso preenchidos nos moldes acima já explicitados, sendo que em consequência do comportamento do arguido, resultaram os seguintes danos:

- Perda do direito à vida:
Dentre os danos não patrimoniais, como dissemos, conta-se a perda do direito à vida.
A vida é o bem supremo, o bem mais precioso da pessoa e aquele de que todos os outros dependem, constituindo a sua supressão uma perda irreparável, pelo que estamos perante um dano não patrimonial cuja reparação é inquestionável.
O dano da perda da vida é um dano autónomo e o direito à indemnização cabe em conjunto às pessoas referenciadas no n.º 2 ou no n.º 3, do artigo 496.º do Código Civil, no caso, aos aqui demandantes.
Na fixação da compensação pelo dano morte o tribunal não pode deixar de ponderar as circunstâncias específicas da vítima, nomeadamente, a sua idade, estado de saúde, a situação familiar, a realização profissional, a sua relação com a própria vida.
No caso concreto, as vítimas era todas muito jovens, encontravam-se no início da vida adulta, tinham uma forte ligação à família e aos amigos, viviam com os pais, todos trabalhavam, eram alegres e tinham projetos para o futuro, como é próprio nos jovens dessa idade (cf. factos 28, 29, 44 a 49, 58, 59, 70 a 74).
Deste modo, em face da factualidade apurada nos autos, cremos que o valor €120.000,00, atualizado nesta data, é adequado à compensação do dano, tanto mais que se contém próxima dos valores referenciais da jurisprudência dos tribunais superiores (cf. Acórdão do TRE, de 24.09.2020, em que é relator a Juíza Desembargadora Albertina Pedroso e a decisão objeto do Ac. Do Supremo Tribunal de Justiça de 23.11.2022, em que é relator a Juíza Conselheira Teresa Almeida, ambos publicados www.dgsi.pt).
Assim, e concluindo, deve a demandada ser condenada a pagar a quantia de €120.000,00 (cento e vinte mil euros) a título de compensação pela perda do direito à vida de cada uma das infelizes vítimas.
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- Danos sofridos pelas vítimas pela iminência da morte:
A título de danos não patrimoniais, e no que diz respeito ao sofrimento vivenciado pela própria vítima nos momentos que antecederam a sua morte, perante a factualidade acima referenciada e atento o período temporal que decorreu entre o evento e o óbito, à luz dos critérios de avaliação do dano que se deixaram referenciados, sendo aqui de diferenciar a indemnização a atribuir em relação a cada uma das vítimas consoante o período de sobrevida de cada um e, consequente, ao prolongamento do sofrimento de cada vítima.
Nessa ótica e ponderando os factos vertidos nos n.ºs 30, 31, 57, e 77 reputa-se como justa, adequada e compensatória, a fixação da indemnização a este título no valor de:
- €8.000,00 (oito mil euros) relativamente a J.
- €10.000,00 (dez mil euros) relativamente a B; e
- €10.000,00 (dez mil euros) relativamente a F.
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- Danos Morais dos demandantes:
O dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte, traduzido no sofrimento, no desgosto provocado pela morte do ente querido é na maioria das vezes e salvo raras exceções, um facto notório, principalmente quando se trata da morte de um filho cuja vida é ceifada de forma totalmente inesperada.
Nessa perspetiva e relativamente aos danos morais sofridos pelos próprios demandantes em consequência da morte de cada um dos seus filhos, dada a forte ligação familiar que os unia à vítima e tendo presente a factualidade apurada relativamente a cada um dos demandantes (cf. factos n.ºs 32 a 39, 50 a 54, 60 a 69) e porque não se vislumbra razão para os distinguir entre si, julgamos como justa e adequada a fixação da indemnização no valor global e atualizado de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), a atribuir a cada um do pais das vítimas.
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- Danos patrimoniais:
Resultou ainda provado que os assistentes/demandantes N e M, em consequência do falecimento da sua filha, suportaram a quantia de €1.187,40 com o funeral, sepultura e ato de habilitação de herdeiros (cf. factos n.ºs 40 a 42).
Os demandantes L e R, por sua vez, também demonstraram que em consequência do falecimento do seu filho suportaram despesas com o funeral e a sepultura de F, no montante total de € 1.313,45 (cf. factos n.ºs 75 e 76).
As sobreditas despesas apresentam inequívoco nexo com o evento lesivo, e como tal encontram-se abrangidas pela responsabilidade civil extracontratual imputável ao arguido, como tal, deve a Ré ser condenada a pagar os referidos danos patrimoniais reclamados pelos demandantes.
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O demandante A veio ainda peticionar uma indemnização a título de danos patrimoniais futuros.
Sucede que os danos patrimoniais futuros invocados pelo demandante radicam em factos que não ficaram demonstrados, razão pela qual, sem outros considerandos de direito, concluímos que essa pretensão deve improceder.
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Os demandantes pedem a condenação do arguido/demandado no pagamento de juros, calculados à taxa legal, até integral pagamento.
Segundo o disposto no artigo 804.º, do Código Civil, “a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor”, sendo que, de acordo com o nº 2 do mesmo normativo legal, “o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido”.
Tratando-se duma obrigação pecuniária, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (cf. art. 806.º n.º 1).
Nos termos do n.º 3, do art. 805.º, “(…) tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número”.
No entanto, destinando-se os valores indemnizatórios a ressarcir danos de natureza não patrimonial e tendo sido atualizados neste acórdão, são devidos juros de mora apenas a partir deste momento até que se verifique o pagamento.
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Colhidos os vistos legais e realizada a conferência a que alude o art.º 419º, do Código de Processo Penal, cumpre apreciar e decidir.

IV – FUNDAMENTAÇÃO.

- DA IMPUGNAÇÃO DE FACTO

A matéria de facto pode ser sindicada em recurso através de duas formas: uma, de âmbito mais estrito, a que se convencionou designar de «revista alargada», implica a apreciação dos vícios enumerados nas als. a) a c) do art. 410º nº 2 do CPP; outra, denominada de impugnação ampla da matéria de facto, que se encontra prevista e regulada no art. 412º nºs 3, 4 e 6 do mesmo diploma.
Assim, se no primeiro caso, o recurso visa uma sindicância centrada exclusivamente no texto da sentença, dirigida a aferir da capacidade do juiz em expressar de forma adequada e suficiente as razões pelas quais se convenceu e o sentido da decisão que tomou, já no segundo, o que o recurso visa é o reexame da matéria de facto, através da fiscalização das provas e da forma como o Tribunal recorrido formou a sua convicção, a partir delas.
«Normalmente, esses erros de julgamento capazes de conduzir à modificação da matéria de facto pelo tribunal de recurso consistem no seguinte: dar-se como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem razão de ciência da mesma que permita a referida prova; dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal; dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram; dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado; dar-se como provado um facto com recurso à presunção judicial fora das condições em que esta podia operar;
«Quando o tribunal recorrido forma a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquelas que formulem os Recorrentes».[9]
O mecanismo por via do qual deverá ser invocado - impugnação ampla da matéria de facto – encontra-se previsto e regulado no artº 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP e envolve a reapreciação da actividade probatória realizada pelo Tribunal, na primeira instância e da prova dela resultante.
Essa reapreciação não é livre, nem abrangente, antes tem vários limites, porque está condicionada ao cumprimento de deveres muito específicos de motivação e formulação de conclusões do recurso e porque não envolve um novo julgamento, em face da concepção do recurso penal como um mero remédio jurídico destinado exclusivamente à correcção de erros pontuais e não a uma substituição da convicção do tribunal de primeira instância pela convicção do tribunal do recurso. [10]


- DA IMPUGNAÇÃO DE FACTO NOS TERMOS DO ARTº 412º DO CPP

O recorrente, F, começa por impugnar a decisão final proferida nos autos considerando, desde logo, que a mesma enferma de erros de julgamento.
Perante o juízo probatório emitido pelo Tribunal a quo, entende o recorrente que não foi feita uma correcta apreciação dos factos dados como provados e, trilhando o caminho da impugnação ampla da matéria de facto, previsto e regulado no artigo 412º do Código de Processo Penal, pretende que este Tribunal de recurso proceda a uma reapreciação da prova produzida.
Cumpre desde logo referir que o poder reapreciativo da 2ª instância não é equivalente ao poder original atribuído ao juiz do julgamento, não podendo a sua convicção ser arbitrariamente alterada apenas porque um dos intervenientes processuais expressa o seu desacordo face àquela, pois o poder reapreciativo concedido ao tribunal de recurso não é absoluto nem se reconduz à realização integral de um novo julgamento da matéria de facto, substituto do já realizado em 1ª instância.
Na verdade, sendo o recurso um remédio jurídico, um instrumento de reparação de algo que foi errada ou deficientemente apreciado e decidido, daqui decorre que só poderá haver lugar a uma alteração da decisão quanto à matéria factual já apurada pelo julgador a quo, nos casos em que, dentro dos poderes que a lei concede ao tribunal de revista, se tenha de concluir que um “mal” inelutavelmente se verifica.
Assim, a reapreciação só determinará uma alteração à matéria fáctica provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão.
Cumpre então enunciar quais são os poderes de reapreciação de matéria de facto, atribuídos por lei a este tribunal de apelo, bem como os seus limites e os seus condicionalismos
Há que começar por constatar que compete ao Tribunal decidir a matéria de facto, segundo os ditames previstos no artigo 127º do Código de Processo Penal, nomeadamente, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (desde que se não esteja perante prova vinculada), sendo estes os parâmetros determinantes do ato de julgar. Na realidade, embora este ato tenha sempre, forçosamente, um lado subjetivo (o julgador não é uma máquina), a verdade é que estas regras, complementadas ainda pelo disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, determinam que este ato de julgar não se possa fundar em arbitrariedade ou discricionariedade, balizando, pois, os fundamentos da decisão.
Daqui decorre que a livre convicção não se confunde com a íntima convicção do julgador, uma vez que a lei lhe impõe que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, sendo que a avaliação probatória deve ser realizada com sentido da responsabilidade e bom senso.
O artigo 127° do Código de Processo Penal determina, pois, um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Daqui decorre que sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador de 1ª instância, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de fevereiro de 2008, processo nº 07P4729, acessível em www.dgsi.pt.).
Temos, pois, que a lei não considera relevante a pessoal convicção de cada um dos intervenientes processuais, no sentido de a mesma se sobrepor à convicção do Tribunal – até porque se assim fosse, não haveria, como é óbvio, qualquer decisão final. O que a lei permite é que, quem entenda que ocorreu um erro de apreciação da prova, o invoque, fundamentadamente, em sede de recurso, para que tal questão possa ser reapreciada por uma nova instância jurisdicional.
Para além de a lei determinar a forma como tal reapreciação deve ser pedida, estabelece igualmente os limites de tal reapreciação – ou seja, os poderes de cognição que confere ao tribunal de apelo.
Mesmo nos casos em que exista documentação dos atos da audiência, o recurso para o Tribunal da Relação não constitui um novo julgamento, no sentido de haver lugar a reapreciação integral da prova.
O que esta instância pode e deve fazer em tal matéria, em sede de recurso (precisamente porque o seu propósito é, essencialmente, o de remédio jurídico), é verificar, ponto por ponto, se os concretos erros de julgamento indicados pelo recorrente, de facto existem e, na afirmativa, proceder à sua correção.

Vejamos.
Começa o recorrente por afirmar que “da factualidade dada como provada sob o nº 6, não consta que local onde ocorreu ao acidente que não existia qualquer limitação de velocidade, como resulta da própria sentença, nem sinalização de perigo ( cfr informação junta ao autos a fls…) o que deve ser aditado à matéria de facto”.
Foi considerado provado no referido ponto 6. Que, “No local a velocidade permitida para os veículos ligeiros de mercadorias era de 80km/h.”.
Ora, inexistindo qualquer sinal que fixe outro limite de velocidade, só podia o tribunal a quo considerar como provado o referido limite de 80 km/h que resulta do artº 27º do C.Estrada relativamente aos veículos ligeiros de mercadorias, como consta da fundamentação de facto.

Afirma, igualmente, que não tendo sido dado como provado que o acidente se deu numa estrada sem iluminação de noite, não podia o tribunal dar como provado que a visibilidade era boa, pelo que deve ser alterado o facto 7. da decisão , dando-se como provado que o acidente ocorreu de noite e que a estrada não tem iluminação.
Tendo o acidente ocorrido pelas 04h30 é óbvio que ocorreu durante a noite. Quanto ao facto da estrada não ter iluminação não indica o recorrente o elemento probatório de onde retirou tal conclusão, sendo certo que, da decisão também não consta que a estrada estava iluminada.

Deu-se ainda como provado no facto 8 do acórdão que nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas em 1, o arguido seguia a uma velocidade de cerca de 138 km/hora. A prova de tal apoiou-se, nos termos do Acórdão, no relatório pericial junto aos autos a fls. 568/574.
Alega o recorrente que o documento em causa não é um relatório pericial.
O “que ocorreu nos autos, foi que, sem que o arguido fosse notificado ou pudesse contraditar conclusões, foi elaborado um parecer com base em imagens de crashs teste- que não se sabe quais são- e em modelos matemáticos - cuja valia não se concede por não estarem referidos nem na literatura nem no quadro metrológico.
Por outro lado, como resulta do documento junto como uma dita perícia, os cálculos foram efetuados com base no peso do veículo sem carga.
Na ficha técnica não consta o método, a prova da valia do método e o seu reconhecimento científico.
Em nenhum lado deste relatório se faz menção ao peso dos corpos, nem ao facto de na caixa do veículo virem 4 adultos- mais 2 na cabine- não sentado em bancos à solta dentro de uma caixa de carga. Não se diz nem se refere qual a incidência deste peso, e das massas em movimento, na dinâmica do acidente.
Não, agarrou-se num boneco, juntaram-se umas fórmulas, omitiram-se dados e plantou-se um resultado- 138h KM horários
Percorrendo a internet, encontramos inúmeras fórmulas de avaliação de acidente de viação. Todas científicas, mas nenhuma validada pelo sistema metrológico nacional.
O juízo técnico e científico de uma perícia presume-se subtraído à livre apreciação da prova. Mas não os factos que serviram de base à formação do juízo técnico científico.

Dispõe o artº 127º do C. P. Penal que “salvo quando a lei dispuser de maneira diferente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador”.
No entanto, este não é um princípio absoluto, já que a própria lei lhe estabelece excepções, designadamente as respeitantes ao valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (artº 169º do C. P. Penal), ao caso julgado (artº 69º do C. P. Penal), à confissão integral e sem reservas no julgamento (artº 344º do C. P. Penal) e à prova pericial (artº 163º).
Tais excepções enquadram-se no princípio da prova legal ou tarifada, que se acha radicado na certeza e segurança e certeza das decisões, consagração da experiência comum e facilidade e celeridade das decisões.
A distinção a nível processual reveste-se de grande importância, pois que o desrespeito pelas regras próprias da valoração legal ou tarifada implica a violação de normas de direito, com as consequências e implicações, "maxime" em matéria de recursos.
De acordo com o artº 151º do C. P. Penal “ a prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação de factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos” e a sua importância em processo penal decorre, desde logo, da excepção (embora mitigada) àquele regime de livre apreciação da prova, na medida em que tal juízo técnico, científico e artístico, nos termos do artº 163º nº 1 do C. P. Penal, se presume subtraído à livre apreciação do julgador.
Tal excepção é mitigada uma vez que no seu nº 2, o mesmo artº 163º prevê a possibilidade de o Juiz divergir do juízo dos peritos, devendo, contudo, fundamentar aquela divergência.
Para Germano Marques da Silva “não se trata de uma presunção, no sentido “de ilação, o que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”, mas que o relatório pericial “se impõe” ao Julgador, salvo se dele divergir baseado em fundamentos críticos de igual valor [11](neste sentido se tem pronunciado a Jurisprudência, como por exemplo nos Acórdãos do STJ de 11.2.2004, 11.7.2007, 7.11.2007 e 1.10.2008., todos disponíveis no endereço electrónico www.dgsi.pt)
A função pericial não é, pois, a de narrar um facto, mas a de apreciar ou valorar o facto, emitir quanto a ele um juízo de valor, utilizando a sua cultura e a sua experiência (diferenciada, diremos nós).[12]
Todavia, importa salientar que esta vinculação do tribunal se reporta, apenas, ao juízo científico e à apreciação científica daí decorrente, mas conserva a sua inteira liberdade no que concerne à base do facto pressuposta.[13]
Pelo que o valor probatório especial concedido à prova pericial apenas pode ser afastado quando a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer do perito, com a condição de que a divergência seja devidamente fundamentada, nos termos do disposto do artigo 163º, n.º 2 do C. P. Penal, sendo que uma divergência relevante não se basta com uma apreciação genérica e pouco consistente, sob pena de se incorrer numa intolerável valoração subjectiva ou na falta de fundamentação.
Em termos de valor probatório Claus Roxin diferencia, nos que apelida de “factos vinculados” aqueles que o perito traz à luz devido aos seus conhecimentos técnicos e científicos e os chamados “factos adicionais”, ou seja, aqueles que também o tribunal poderia constatar com os conhecimentos e meios de prova que se encontram à sua disposição.
Defende este autor que só os primeiros devem ser tomados em atenção pelo tribunal sem necessidade de mais prova; os “factos adicionais” unicamente podem ser introduzidos através do depoimento da pessoa que esclareceu o perito que, ouvida na qualidade de testemunha, está obrigada a falar com verdade, prestando juramento legal[14].
O tribunal a quo, como se referiu apoiou-se no relatório pericial subscrito por dois peritos da Universidade do Minho, respectivamente, Eng.º JP e Eng.º LM, onde se conclui que o veículo interveniente no acidente circulava a uma velocidade entre os 138 km/h e os 145 km/h.
Esta conclusão não foi abalada, no entender do Tribunal a quo, por qualquer outra prova, pois apenas o arguido referiu que não circulava a mais de 120 km/h (o que de resto já se traduziria numa velocidade muito acima do limite máximo permitido), declarações que foram consideradas insuficientes para pôr em causa a perícia e permitir ao tribunal divergir do juízo emitido no relatório.
E, não vê este Tribunal razões para discordar do entendimento do Tribunal recorrido.
A perícia foi ordenada por quem para tal tinha competência (o Ministério Público), solicitada a uma instituição credível e realizada por quem tinha conhecimentos técnicos para o efeito.
Do relatório pericial constam as diligências realizadas e a forma como foram efectuados os cálculos matemáticos para aferição da velocidade a que o veículo circulava, sendo que a circunstância de ter sido elaborado com recurso a documentos e fotografias e a modelos matemáticos não lhe retira o seu valor. Quanto a esta questão não seguimos o entendimento sufragado no Acórdão da Relação de Lisboa de 29-09-2009 citado pelo arguido no seu recurso (Acórdão este que de resto acabou por aceitar o relatório elaborado nesses autos, embora não como prova pericial).
Acresce que o arguido nunca pôs em causa o relatório (designadamente arguindo a sua nulidade), teve a possibilidade de o contraditar, o que não fez, assim, como poderia ter apresentado provas que levassem o tribunal a ponderar e, eventualmente, divergir, do seu juízo probatório, o que também não concretizou. Apenas após a comunicação das alterações pelo tribunal veio requerer a audição do Sr. Perito, Eng.º JP, o que foi indeferido pelo tribunal, decisão com a qual se conformou.
Surgem, pois, como inócuas as questões agora colocadas em sede de recurso, que não põem em causa a matéria de facto provado no citado ponto 8. do Acórdão recorrido.

Não se vê, nem o arguido o fundamenta, em que medida o facto de não constar da factualidade dada como provada os rastos de derrapagem nem se ter tido em consideração que a berma era de terra e de cor igual à do asfalto releva para efeitos da decisão.
Contrariamente ao alegado pelo arguido foi considerado que a presença na caixa de carga dos passageiros contribuiu para o desgoverno do veículo e o Tribunal considerou provadas, as tentativas do arguido de corrigir a trajectória do veículo, de forma a evitar o acidente, o que não conseguiu face à velocidade a que o veículo seguia, ao facto de o veículo se encontrar com quatro pessoas na caixa de carga sem sistemas de segurança e atenta a taxa de álcool no sangue que apresentava (v.d. ponto 10. da factualidade apurada).
Nada há a alterar à matéria de facto provada, designadamente, aos artºs 10º e 13º da factualidade apurada, nem as considerações trazidas à colação pelas motivações de recurso o demonstram.
E muito menos, defender-se, como pretende o arguido, que as lesões das vítimas, e que foram causa da sua morte, possam não ter resultado do embate. Nenhuma prova existe que foi a circunstância dos corpos dos passageiros andarem à solta dentro da caixa que provocou as lesões que levaram à sua morte.
Igualmente não existe fundamento para considerar não provado o facto vertido sob o nº 23, pois como se refere no acórdão “considerando a velocidade imprimida pelo arguido ao veiculo, a circunstancia de aquele se encontrar sob a influência do álcool, transportar 4 passageiros na caixa de carga do veículo sem qualquer dispositivo de segurança (…) não podia o arguido ignorar que desse modo criava um grave perigo para si, para as pessoas que transportava e para os demais utentes da via”. E para esta constatação é irrelevante a circunstância destes passageiros saberem que o arguido/condutor estava a conduzir sob o efeito do álcool.
Improcede, em toda a linha, a impugnação de facto, por erro no julgamento apresentada pelo arguido F.
*
Também a Recorrente Zurich Insurance Europe Ag, Sucursal em Portugal veio impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, por, no seu entender, ter ocorrido erro na apreciação das provas, pugnando pela alteração dos números 30., 31., 57. e 77. dos factos provados, porquanto, em seu entender, não resultou, de modo algum, provado que:
1. J se apercebeu do veículo a entrar em despiste e de forma descontrolada e que teve consciência da iminência e inevitabilidade do embate;
2. J sentiu dores que se agudizaram até ao seu falecimento, estando ciente que dificilmente iria sobreviver face às lesões sofridas;
3. B sofreu com a iminência do embate;
4. B teve antevisão da sua morte e com isso sofreu;
5. F sofreu dores horríveis e teve a noção da iminência da sua morte.
Para o efeito apoia-se nas declarações que foram prestadas pelo Sr. Perito C, médico responsável pela realização das autópsias, das quais resulta, no seu entender, que as três vítimas mortais tiveram morte imediata, ou quase, além de que o estado de letargia decorrente do elevado teor de álcool no sangue que apresentavam determinava-lhes alteração de pensamento.
Justificou o acórdão recorrido a prova dos factos em questão da seguinte forma:
“Os factos descritos em 30, 31, 57 e 77 encontram-se provados com base nas declarações de C, medico legista. O Sr. Perito caracterizou as lesões apresentadas pelas vítimas na sequência do acidente, hierarquizando a respetiva gravidade e o tempo de sobrevida de cada um dos lesados. As afirmações do Sr. Perito foram esclarecedora e devidamente justificadas pelo mesmo, todavia, a nosso ver dessas declarações não podemos concluir que as vítimas não se aperceberam do despiste do veículo e da iminência do embate (perceção que o outro passageiro T assumidamente reconheceu e, por isso, cremos que também os demais passageiros do veículo o percecionaram); do mesmo modo, também consideramos que F, B e J também percecionaram a iminência da sua morte, sofreram e tiveram dores durante o respetivo período de sobrevida, ainda que este tenha sido curto; não podemos deixar de referir que em momentos de grande intensidade – ainda que muito curtos - é possível o sinistrado ter flashbacks e percecionar o que o rodeia e a verdade é que as vítimas estavam ativas e conscientes durante a viagem (como se pode ver dos vídeos acima já referidos), pelo que seguramente sentiram medo e sofreram. Por outro lado, tendo presente a violência do embate e a gravidade das lesões dos ofendidos afigura-se que estes, seguramente, padeceram de dores, no período de sobrevida”.

Para apreciação deste segmento do recurso procedeu-se à audição das declarações do Sr. Perito nos termos do artº 412º, nº 6 do CPP.
Do teor das mesmas retira-se que, no entender do referido médico:
- a J não terá tido muito tempo de sobrevida e mesmo que tenha tido alguma consciência terá sido por breves momentos, acha que não houve batimento cardíaco após as lesões, mas não o pode afirmar; face ao álcool que tinha no sangue já estaria letárgica, com pouco controlo dos seus movimentos, pouca reação e falta de coordenação motora; o nível de álcool seguramente influenciou a sua percepção do acidente.
- o B morreu pouco tempo depois de terem ocorrido as lesões (minutos, segundos), ou morreu mesmo imediatamente, poderá ter tido um esgar de dor; o teor de álcool no sangue que tinha provoca uma ligeira anestesia, alteração do discernimento, terá tido pouca consciência do que se passou se é que teve;
- o F morreu devido à forte hemorragia que teve na sequência da lesão do baço; poderia ter sobrevivido alguns minutos; estaria numa fase de desinibição e euforia face ao teor de álcool no sangue, mas não em fase de perda das suas faculdades.
Constata-se, assim, que o Sr. Perito, embora tenha referido que o período de sobrevida terá sido muito curto relativamente à J e que o B morreu pouco tempo depois de terem ocorrido as lesões, não foi peremptório quanto à inexistência desse período, curto, momentâneo, mas existente. E quanto ao F afirmou que poderia ter sobrevido alguns minutos.
No entanto, é notório que o Sr. Perito não teve em consideração, nas suas declarações, toda a dinâmica do acidente. Ou seja, o sinistro não se consumou numa situação isolada em que o veículo pura e simplesmente embate na grade da ponte e imobiliza-se, pois houve todo um período de desgoverno da vitura (v.d. pontos 11. a 14. da factualidade apurada) em que o arguido tenta corrigir a sua trajectória e que foi seguramente percepcionado por todos os passageiros, e ainda mais, pelos quatro que seguiam na caixa em situação de grande insegurança.
É um facto notório o grande sofrimento de que padece uma pessoa que, por poucos segundos que sejam, luta contra a morte que vê iminente.
E as vítimas terão necessariamente de ter sentido essa angústia e sofrimento.
Por outro lado, por muito rápida que tenha ocorrido a morte após a lesão concordamos com o tribunal recorrido quando afirma que nesse curto espaço de tempo as vítimas terão sofrido dores elevadas.
É evidente que o consumo de álcool (e no caso do B do consumo de estupefacientes) terá tido alguns efeitos a nível da estado de vigilância das vítimas, mas não terá sido certamente inibidora da falta de percepção do acidente e das suas consequências. Nenhuma das vítimas estava inconsciente, pelo contrário, como referiu a testemunha T vinham a conversar, a rir a ouvir música, tendo até sido feitos videos durante o percurso.
Um último apontamento para referir que as declarações prestadas pelo Sr. Perito quanto ao sofrimento das vítimas não constituem prova pericial, pois a pericia indicidiu sobre as causas da morte (v.d. relatórios de autópsia). A esses esclarecimentos, embora válidos, não pode ser dada a força probatória de uma perícia, tendo o tribunal justificado, de forma correcta, as razões porque entendeu que as vítimas tiveram a percepção da eventualidade da sua morte e sofreram dores.
Pelo exposto, improcede a impugnação de facto apresentada pela recorrente.

- DA IMPUGNAÇÃO DE FACTO NOS TERMOS DO ARTº 410º, nº1 e 2, c) do CPP

Em sede de conclusões vem o arguido F que “resulta claramente da sentença um erro notório na apreciação da prova nos termos do disposto no artigo 410º nº 1 e 2 alínea c) do CPP e em consequência deverá anular-se o julgamento (artigo 426º do CPP nº 1)”.
Desde logo cumpre referir que não justifica minimamente porque razão entende estar-se perante o vicio do erro notório.
No entanto, e para que não ocorra fundamento para arguição de falta de pronúncia, sempre se dirá o seguinte.
No caso da revista alargada, estamos perante a arguição de vícios decisórios cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, nomeadamente, excertos de prova testemunhal produzida em julgamento.
Tais vícios terão de resultar da mera leitura do texto decisório, à luz das regras de experiência comum, tendo os mesmos de ser de tal forma evidentes, que serão detetáveis por um homem médio.
Consubstanciam-se, grosso modo, na invocação de segmentos decisórios que demonstrem que se retirou de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, que se tenha dado como assente algo notoriamente errado ou se tenham violado as regras da prova vinculada (caso do erro notório) ou quando se verifica que os factos dados como assentes são insuficientes para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição (no caso da insuficiência) face, única e exclusivamente, ao que consta no texto decisório.
Para verificação da ocorrência de tais vícios, o tribunal de recurso deverá apreciar se do texto da decisão recorrida (ou seja, sem recurso a qualquer outro elemento externo – declarações, depoimentos, etc.), por si só ou conjugada com as regras de experiência comum e de uma forma tão patente que não escape à observação do homem médio, emerge alguma das situações previstas nessa disposição legal, nomeadamente o erro notório na apreciação da prova.
Este vicio ocorre quando o tribunal a valora contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente» (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06-07-2016, Relator Desembargador Vasques Osório in www.dgsi.pt).
Ocorre quando se dão por provados ou não provados, factos que face às regras de experiência comum e à lógica normal, traduzem uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável e por isso incorrecta, quando resulta do próprio texto da motivação da aquisição probatória que foram violadas as regras do “in dubio”. (cfr Ac. do S.T.J de 24.3.2004 proferido no Proc. nº 03P4043 em www.dgsi.pt , Ac. do S.T.J 3.3.1999 no Proc. 98P930 e Ac. da Rel. Guimarães de 27.04.2006 no Proc. 625/06) ou quando se violam as regras sobre prova vinculada ou de “leges artis” (cfr Ac. da Rel. Porto de 02.02.2005 no Proc.0413844 e da Relação de Guimarães de 27.06.2005 no Proc. 895/05-1ª).
O erro é notório quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou desrespeitou as regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.
É a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência - decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido.
De qualquer forma, não pode incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que o recorrente possa pretender efetuar à livre valoração da matéria de facto produzida em audiência, realizada pelo tribunal recorrido de harmonia com o preceituado no art. 127º do Código de Processo Penal.
Sucede que, examinando a motivação da decisão de facto, não se deteta na decisão recorrida qualquer irrazoabilidade patente a qualquer observador comum – não se podendo afirmar que o raciocínio do julgador se opõe à normalidade dos comportamentos e às regras da experiência comum.
Face ao exposto, improcede a arguição do vício previsto no artigo 410º, alínea c), do Código de Processo Penal.

DO RECURSO EM MATÉRIA DE DIREITO

Do recurso interposto pelo arguido F

- Da inadmissibilidade de recolha de ADN -

Em termos de impugnação de direito vem o arguido num primeiro momento pôr em causa a decisão do tribunal a quo de ter ordenado a recolha de ADN, uma vez que, nos termos do disposto nos artigo 8º, nº 2 , 18º, nº 3 da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro, só é obrigatória essa recolha no caso de condenação por crime doloso com pena igual ou superior a 3 anos.
Sem necessidade de maiores desenvolvimentos, dir-se-á que, nesta parte, assiste razão ao recorrente, pois, tendo sido condenado pela prática de três crimes negligentes, não poderia o tribunal ter determinado a recolha de ADN, pelo que, nessa parte, procede o recurso interposto.
*
Do não preenchimento do tipo legal do crime de homicídio por negligência grosseira

Entende o arguido que a sua conduta não deve ser subsumida ao tipo legal do crime de homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelo artº 137º, nº2 do C. Penal, mas sim à do nº1 da mesma disposição legal, pois, não se pode considerar que agiu de forma temerária.
O arguido foi acusado pela prática de três crimes de homicídio por negligência, previstos e punidos pelo artigo 137º, n.º 1, do Código Penal, tendo o Tribunal procedido à comunicação da alteração da qualificação jurídica, considerando que os factos poderiam preencher o nº 2 do mencionado normativo legal.
Dispõe o artigo 137º, n.º 1, do Código Penal que “quem matar outra pessoa por negligência é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
O bem jurídico protegido por esta incriminação é a vida humana, bem jurídico supremo, do qual derivam e dependem todos os outros.
Está em causa um dos casos excecionais em que a atuação negligente é criminalmente relevante (artigo 13.º do Código Penal).
O artigo 15.º do Código Penal considera que “age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz”.
A negligência pode ser consciente se o agente “representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas atuar sem se conformar com essa realização” (alínea a) do artigo 15.º) ou inconsciente se o agente “não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto” (alínea b) do artigo 15.º).
É, portanto, ao nível do conhecimento que se distingue a negligência consciente da inconsciente: no primeiro caso, o agente ainda admite como possível a verificação do resultado típico no sentido de tomar a sério a possibilidade de ofensa ou violação de bens jurídicos, embora atue confiando que o mesmo não ocorrerá, enquanto no segundo, o agente nem sequer admite a possibilidade de ocorrer o evento típico[15].
Assim, “O essencial da definição [da negligência] reside (…), no proémio unitário, sendo aí que se contém o tipo de ilícito (a violação do cuidado a que, segundo as circunstâncias, o agente está obrigado, isto é, a violação do cuidado objectivamente devido) e o tipo de culpa (a violação do cuidado que o agente é capaz de prestar, segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais, está em condições de prestar)”.[16]
Em termos genéricos, pode dizer-se que há negligência se há a produção de um resultado típico resultante da violação de um dever objetivo de cuidado que o agente, segundo os seus conhecimentos e capacidades, estava em condições de cumprir.
O tipo legal do crime praticado com negligência “considera-se preenchido por um comportamento sempre que este discrepa daquele que era objectivamente devido em uma situação de perigo para bens jurídico-penalmente relevantes, para deste modo se evitar uma violação juridicamente indesejada», exigindo-se, por isso, para além da produção do resultado ilícito típico, «que tenha ocorrido a violação, por parte do agente, de um dever objectivo de cuidado que sobre ele impende e que conduziu à produção do resultado típico; e, consequentemente, que o resultado fosse previsível e evitável para o homem prudente, dotado das capacidades que detém o “homem médio” pertencente à categoria intelectual e social e ao círculo de vida do agente”.[17]
A negligência, ao nível do tipo de ilícito, resulta da “acção violadora do dever objectivo de cuidado («desvalor de acção»)» e da «ocorrência do resultado típico («desvalor de resultado»)», devendo existir «uma relação de adequação» entre a acção e o resultado de tal modo que se afirme que o resultado é «objectivamente imputado à acção descuidadamente praticada”.[18]
Em suma, o tipo de ilícito negligente integra-se pela (I) produção de um resultado ou evento típico, pela (II) violação do dever objetivo de cuidado e pela (III) imputação objetiva desse resultado típico à violação do dever objetivo de cuidado.
In casu, relativamente à verificação do resultado típico não surgem quaisquer dúvidas. Como ressalta da factualidade provada, verificou-se a morte das três vítimas.
Indaguemos, pois, da violação, por parte do arguido, do dever objetivo de cuidado que sobre ele impendia.
O dever objetivo de cuidado reconduz-se aos usos e normas jurídicas associadas ao exercício de um certo ofício ou atividade, às normas ou regulamentos que visam prevenir perigos e, finalmente, aos usos e à experiência comum com vista à adoção de determinadas cautelas e cuidados a fim de evitar a produção do resultado.[19]
Deste modo, “o primeiro e mais importante elemento concretizador (do cuidado objectivamente devido) deriva obviamente das normas jurídicas de comportamento existentes — sejam elas gerais e abstractas, contidas em leis ou regulamentos, sejam individuais, contidas em ordens ou prescrições da autoridade competente, digam respeito a matéria jurídica de carácter penal ou de qualquer outro carácter”.[20]
Ora, tal como anteriormente referido o dever objetivo de cuidado reconduz-se aos usos e normas jurídicas associadas ao exercício de um certo ofício ou atividade, às normas ou regulamentos que visam prevenir perigos e, finalmente, aos usos e à experiência comum com vista à adoção de determinadas cautelas e cuidados a fim de evitar a produção do resultado.
Tais condutas reconduzem-se àquelas que são impostas pelos deveres de cuidado decorrentes dos usos e da experiência num contexto de uma atividade em que o arguido domina e manobra um trator e uma grua que, pela sua dimensão e movimentos efetuados, constituem fonte de perigo, o qual resulta ainda agravado pela circunstância de a tarefa de apanha de azeitona a realizar implicar a subida da grua, a qual se encontra próxima da cabeça do auxiliar durante o momento em que aquele tem por incumbência colocar as argolas no trinco/ganchos.
Analisando a conduta do arguido, com recurso ao senso comum e tendo em vista a adoção das cautelas e cuidados necessários a evitar a produção de um resultado como o que ocorreu no presente caso, afigura-se-nos manifesto que as mais elementares regras prudenciais impunham que este se abstivesse de conduzir a viatura quando havia consumido álcool, numa velocidade muito acima do limite máximo permitido e trazendo quatro passageiros na caixa sem qualquer segurança (não só não é permitido o transporte de passageiros na caixa como inexistiam cintos que permitissem a sua deslocação em segurança).
Ponderando, ainda, que a violação do dever objetivo de cuidado é avaliada segundo critérios objetivos, concretizados com apelo às capacidades da sua observância pelo “homem médio” (diligente e prudente), pode afirmar-se com segurança que um condutor médio, naquela concreta circunstância, não teria actuado daquela forma.
Assim, verifica-se a violação pelo arguido do dever objetivo de cuidado a que se encontrava vinculado.
Relativamente à previsibilidade objetiva do resultado, importa atender se um homem consciente, prudente sensato, colocado naquela concreta situação e de acordo com a experiência comum, deveria prever o perigo de ocorrência do evento típico.
Ora, neste aspeto, é por demais óbvio reconhecer que um homem médio (prudente e fiel ao direito), nas concretas circunstâncias em que se encontrava o arguido, deveria prever que conduzir sob influência de álcool e em excesso de velocidade, com elevada probabilidade, poderia dar causa a um acidente com consequências graves.
Exige-se, ainda, para o preenchimento do tipo, a imputação objetiva do resultado à omissão do dever objetivo de cuidado. Dito de outro modo, é necessário comprovar que o resultado típico se ficou a dever àquela concreta violação do dever de cuidado.
Para que se possa dizer que determinado evento típico (no caso a morte) é devido (se pode imputar) à violação do dever objetivo de cuidado é necessário ter, pois em conta o disposto no artigo 10º do Código Penal: “Quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo como a omissão da acção adequada a evitá-lo, salvo se outra for a intenção da lei”.
Analisada a factualidade provada, pode sem dificuldade afirmar-se que as mortes ocorridas são de imputar à conduta do arguido, pois que, caso não tivesse desenvolvido uma condução manifestamente imprudente, não se teria verificado o falecimento dos três passageiros.
Em face destas considerações, torna-se patente que o resultado danoso produzido é de imputar à conduta do arguido ou, melhor dizendo, à violação do dever de cuidado por parte daquele.
Neste particular, importa, ainda referir que a conduta do arguido criou e potenciou um risco não permitido.
A conduta do arguido é culposa, nos termos do artº 15º do C. Penal se refere quando exige que agente atue sem o cuidado “de que é capaz”.
Pressupõe, assim, a previsibilidade subjetiva e a possibilidade de cumprimento do dever objetivo de cuidado omitido. É que “o elemento material do tipo de culpa negligente traduz-se justamente em que o agente, para que seja punível por negligência, tem não apenas de violar o cuidado objetivamente imposto, mas ainda de não afastar o perigo ou evitar o resultado apesar de aquele se apresentar como pessoalmente cognoscível e este como pessoalmente evitável”.[21]
Importa, todavia, ter-se em atenção que esta previsibilidade subjetiva (a possibilidade do agente ter previsto os perigos que a sua conduta acarretava) e a possibilidade de cumprimento do dever objetivo de cuidado (a evitabilidade do resultado típico) devem ser aferidas de acordo com as capacidades individuais e circunstâncias concretas do agente (tendo, portanto, como modelo, não o “homem médio”, mas “o tipo de homem da espécie e com as qualidades e capacidades do agente”. [22]Na verdade, a negligência supõe que o agente seja capaz de cumprir o dever de cuidado e de prever o resultado típico, devendo comprovar-se se ele, de acordo com as suas capacidades individuais, a inteligência e a sua formação, a sua experiência de vida e sua posição social, estava em condições de satisfazer as correspondentes exigências objetiva.
No caso dos autos, é incontroverso que o arguido se encontrava em condições de prever o perigo da verificação do resultado típico e de o evitar. Não se verificam circunstâncias que excluam a ilicitude da conduta ou a culpa do arguido.
Encontram-se, pois, integralmente preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime de homicídio por negligência p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal quanto à conduta do arguido.
Resta saber se o arguido agiu com negligência grosseira (artigo 137.º, n.º 2, do Código Penal).
A negligência grosseira constitui um grau essencialmente aumentado ou expandido de negligência, implicando tal conceito uma especial intensificação da negligência, não só ao nível da culpa, mas também ao nível do tipo de ilícito.[23]
O que significa que, desde logo, é indispensável que se esteja perante uma ação particularmente perigosa e um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adotada (tipo de ilícito).
Contudo, e porque daqui não pode deduzir-se, sem mais, que também o tipo de culpa resulta logo inevitavelmente aumentado, mais se impõe a demonstração autónoma de que o agente, não omitindo a conduta, revelou uma atitude particularmente censurável de leviandade ou de descuido perante o comando jurídico-penal.[24]
“Exemplos dessa situação encontramo-los no âmbito do exercício da condução, nos casos de demissão do condutor dos elementares deveres de precaução do exercício da condução, na condução temerária ou na condução efectuada de uma forma totalmente despreocupada de cuidados exigidos (…). Sublinhe-se que na concretização e densificação do conceito devem, numa primeira fase afastar-se todas as questões relacionadas com as consequências do facto, que, por muito graves que possam ser, não devem condicionar uma interpretação objectiva do conceito. O que se quer sublinhar, para o que interessa ao caso, é que há uma notória diferença entre o que é uma atitude negligente no exercício da condução do qual resulta a morte de um cidadão e uma atitude grosseiramente negligente do qual resulta a mesma morte de um cidadão que deve resultar do comportamento provado de que o condutor de uma forma leviana, irresponsável, irreflectida e sem levar em conta os mínimos princípios exigidos na actividade de condução, efectuava essa actividade”.[25]

No caso em apreço, conduzir uma viatura com álcool, em velocidade muito acima do limite máximo permitido, transportando os quatro passageiros na caixa sem qualquer tipo de segurança é revelador de elevado grau de irreflexão e insensatez, mostrando-se especialmente perigosa e com um resultado de verificação muito provável.
Donde se conclui pela negligência grosseira do arguido.
Em conclusão, foi acertada a decisão do tribunal a quo em condenar o arguido pela prática, três crimes de homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelo artº 137º, nºs 1 e 2, do C. Penal.

Quanto à medida da pena e da sanção acessória

O crime de homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelo artigo 137º, n.º 2 do Código Penal, é cominado, em abstrato, com pena de prisão até 5 anos.
Entendeu o tribunal a quo fixar a pena ao arguido em 2 anos e 4 meses de prisão por cada um dos crimes de homicídio negligente.

No que respeita à apreciação das penas fixadas pela 1ª Instância, a intervenção dos Tribunais de 2ª Instância deve ser moderada e seguir a jurisprudência enunciada, quanto à intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão daquele Tribunal Superior de 27/05/2009, no qual se considerou: "... A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que "no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada". [26]
Assim, só em caso de desproporcionalidade na sua fixação ou necessidade de correcção dos critérios de determinação da pena concreta, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, deverá intervir o Tribunal de 2ª Instância alterando o quantum da pena concreta.
Caso contrário, isto é, mostrando-se respeitados todos os princípios e normas legais aplicáveis e respeitado o limite da culpa, não deverá o Tribunal de 2ª Instância intervir corrigindo/alterando o que não padece de qualquer vício.
De tal resulta que, se a pena fixada na decisão recorrida, em todas as suas componentes, ainda se revelar proporcionada e se mostrar determinada no quadro dos princípios e normas legais e constitucionais aplicáveis, não deverá ser objecto de qualquer correcção por parte do Tribunal de Recurso.
Para apreciação deste segmento do recurso, revisitemos as considerações do Tribunal a quo no que se refere à determinação da medida das penas de prisão no caso concreto, e nos trechos em que, depois de versar sobre os parâmetros legais de tal operação, enunciou as circunstâncias relevantes:

“Ora, neste âmbito, deverá considerar-se:
a) O grau de ilicitude dos factos é muito elevado, uma vez que o arguido circulava à noite, com uma TAS de pelo menos 0,96 g/l, ou seja, próxima do limite criminalmente relevante; apesentando ainda valores de THC, nos moldes descritos em 2), devido a estupefacientes que consumira nesse dia; acresce que imprimia ao veiculo uma velocidade muitíssimo elevada, quando transportava consigo cinco passageiros, sendo que quatro deles não tinham acesso a sistemas de segurança e retenção;
b) O modo de execução importa atender ao acentuadíssimo desleixo e imprudência do arguido, que reflete a violência e extrema gravidade do acidente;
c) As gravíssimas consequências da conduta do arguido, uma vez que em resultado ceifou a vida de três jovens:
d) Agiu com negligencia consciente, sendo que, em desfavor deste arguido depõe o grau de ligeireza e irresponsabilidade de toda a sua atuação;
e) O arguido é jovem, está profissional e familiarmente inserido, não é referenciado negativamente na comunidade;
f) O arguido não tem antecedentes criminais, demonstrou ter bom comportamento anterior e posterior aos factos e revelou uma atitude colaborante em audiência.
As exigências de prevenção geral são elevadíssimas, uma vez que a morte em decorrência de acidente rodoviário, sobretudo nas camadas mais jovens da sociedade, cria um significativo alarme social em face do número de situações ocorridas anualmente no nosso país. Por outro lado, apesar de todas as campanhas de prevenção rodoviárias e medidas de fiscalização policial, os condutores persistem na condução sob o efeito do álcool e violação das mais elementares regras estradais. Impõe-se, por isso, a revalidação da consciencialização de que as normas estradais devem ser rigorosamente respeitadas pelos condutores.
Já as necessidades de prevenção especial são reduzidas atendendo à inserção profissional e familiar do arguido, à ausência de antecedentes criminais e rodoviários e o facto de já terem decorrido mais de quatro anos desde a prática dos factos sem que tenha sido condenado por outras infrações.
Em face do exposto e ponderando todas as circunstâncias acabadas e enunciar, considera-se adequado condenar o arguido na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão por cada um dos crimes de homicídio negligente p. e p. pelo artigo 137º, n.º 2 do Código Penal”.

Perante as considerações tecidas, não pode deixar de considerar-se que o Recorrente não tem razão ao acusar o Tribunal a quo de ter fixado uma pena muito elevada por cada um dos crimes que praticou.
A pena foi adequadamente fixada, não tendo o Tribunal a quo deixado de considerar qualquer circunstância atenuante de relevo no caso concreto, designadamente as indicadas pelo recorrente, tendo fixado a pena ligeiramente abaixo do meio da correspondente moldura penal. Nessa fixação, ponderou o Tribunal recorrido todos os fatores que militavam contra e a favor do arguido pelo que não se vislumbra razão para a pretendida redução da punição. Ponderados todos os contornos do caso concreto, não se surpreende qualquer razão válida para justificar uma reação penal mais branda perante os atos do recorrente. As circunstâncias provadas foram consideradas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 71º, nº 2, do C. Penal, em moldes que não nos merecem qualquer censura.
Por sua vez a pena única foi fixada em 5 anos de prisão (pena suspensa na sua execução).
Entende o arguido que esta pena deveria ter sido fixada próxima do limite mínimo, ou seja, uma pena que não ultrapasse 1 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
Refere-se no Acórdão recorrido relativamente à pena única:

Verificando-se no caso concreto que o arguido violou normas destinadas a proteger bens jurídicos de natureza eminentemente pessoal e atendendo aos limites máximos – 7 (sete) anos - e mínimos –2 (dois) anos e 4 (quatro) meses - das penas concretamente aplicadas, considerando a globalidade dos factos supra enunciados, às condições de vida, à idade e personalidade do arguido e, bem assim, as necessidade de prevenção especial e de prevenção geral do caso, e atendendo ao grau de ilicitude da sua atuação, considera-se ser de aplicar ao arguido pela prática dos crimes enunciados a pena única de 5 (cinco) anos de prisão”.


Como decorre do disposto no artigo 77º do C. Penal, a medida concreta da pena única (pena do concurso de crimes) deverá ser fixada dentro da moldura abstracta aplicável (a qual tem como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares concretamente aplicadas, tendo como limite máximo a soma das penas parcelares aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão) e é determinada em função da culpa e da prevenção, mas tendo em conta o critério específico da consideração em conjunto dos factos e da personalidade do arguido.
Como explicita o Conselheiro Artur Rodrigues da Costa:
“À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detectar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.
Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detectar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da actuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”, a que se refere Cristina Líbano Monteiro em anotação ao acórdão do STJ de 12/07/05.
Ou, como diz Figueiredo Dias: «Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.
Na avaliação desta personalidade unitária do agente, releva, sobretudo «a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
Por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses factores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita.”
Tendo presente tudo isto, resulta manifesta a falta de razão da recorrente, não se vislumbrando qualquer fundamento para se considerar excessiva a pena única que o Coletivo julgador determinou para o arguido.
Para assim decidir, ponderou o Tribunal a elevada gravidade dos ilícitos, globalmente considerados. Não podemos deixar de concordar com esse juízo. Ao cidadão comum repugnam de forma muito acentuada as condutas como a do arguido, altamente danosas, quer para as vítimas, quer para a sociedade face ao significativo alarme social perante o número de situações de sinistralidade ocorridas anualmente no nosso país.
O Tribunal a quo fixou a pena única em 5 anos, dentro da moldura de cúmulo aplicável, definindo assim uma reação penal consistente e firme, adequada em face da gravidade dos crimes cometidos, de acordo com a imagem global dos factos e apta a constituir uma advertência suficientemente séria para garantir o êxito das finalidades de prevenção.
Essa conclusão, impede, em absoluto, que a determinação da pena única concreta se quede abaixo da que foi fixada pelo Tribunal a quo.
Nestes termos, ponderando tudo o que supra se expôs e tendo em atenção os parâmetros de controlo da fixação da medida concreta das penas pelo Tribunal de recurso, impõe-se concluir pela improcedência do recurso interposto pelo arguido, na parte que a isso se refere.

A última questão a decidir é a de determinar se o tribunal de 1.ª instância se excedeu ao condenar o arguido em sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 2 anos e 2 meses.
O artigo 69º, nº 1, al. a) do C. Penal estabelece que, sendo o arguido condenado pela prática de um crime de homicídio no exercício da condução de veículo motorizado em violação das regras de trânsito rodoviário será também condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevendo-se uma moldura de 3 meses a 3 anos, devendo a determinação da pena ser fixada, de acordo com os critérios fixados pelo artigo 71º do C. Penal.
Considerou o tribunal recorrido que, tendo em atenção os “pressupostos já enunciados, quanto ao elevado grau de ilicitude do arguido, às necessidades de prevenção geral, às consequências do facto, mas também às necessidade de prevenção especial, termos em que se considera adequado fixar a pena de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 1 (um) ano relativamente a cada crime”.
Na sequência do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de janeiro de 2018, em cúmulo jurídico dessas sanções acessórias e ponderando o circunstancialismo em causa aplicou a sanção única de 2 anos e 2 meses.
Entende o recorrente que “Ao fixar-se a pena acessória em 2 e 2 meses de inibição de conduzir, ultrapassou-se largamente a medida de culpa e não se teve em consideração a profissão do arguido que ao trabalhar a transportar mercadorias, se ficar 2 anos e dois meses sem conduzir ficará com uma grave limitação profissional e ao direito ao trabalho e ao desenvolvimento de uma atividade profissional, o qual, não é um direito absoluto e que pode ser legalmente constrangido mas e apenas se justificado, proporcional e adequado à preservação de outros direitos ou garantias constitucionais”.

Adiantamos, desde já, que os argumentos utilizados pelo recorrente para alcançar a redução da sanção acessória de inibição de conduzir não são minimamente válidos.
Contudo, sempre se dirá que às penas acessórias é assinalado um carácter de reforço da pena principal, visando a sua aplicação a diversificação e reforço do conteúdo sancionatório da condenação penal.[27]
A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, estando dependente da pena principal, tem a sua razão de ser na perigosidade real que representa a condução em estado de embriaguez para a integridade física ou mesmo para a própria vida de todos aqueles que circulam nas estradas. Esta pena, com previsão no art.º 69º, do Código Penal, foi introduzida fruto de necessidades político-criminais decorrentes da elevada sinistralidade rodoviária e apresenta-se indissociavelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, assinalando-se-lhe ainda efeitos gerais de intimidação, legítimos, porque a considerar dentro do limite da culpa.[28]
Na sua determinação aplicam-se os mesmos critérios previstos para a fixação da pena principal, já que de uma verdadeira pena se trata, dotada de moldura penal própria, dentro da qual o tribunal tem que determinar casuisticamente a pena concreta em obediência ao disposto no art.º 71º, do Código Penal, o qual postula o recurso aos dois vetores fundamentais aí apontados – a culpa do agente e as exigências de prevenção – com ponderação ainda de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, todavia deponham a favor do agente ou contra ele, tendo-se presente que a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (artº 40º, nºs 1 e 2 do C. Penal).
A função do tribunal superior na fiscalização da medida da pena não é tanto a de verificar se o seu quantum é exatamente o correto, mas se a concretização está fundamentada e se contém dentro da faixa penal que o próprio tribunal de recurso utilizaria no caso concreto. No caso afirmativo, a pena tem-se por adequada e não deve sofrer alteração. De outro modo, deverá ser corrigida.
Reclamando a elevada sinistralidade estradal fortíssimas exigências de prevenção geral relativamente a condutas como a descrita nos autos, suscetíveis de fazer perigar a segurança da circulação rodoviária, na sua vertente de garantia da manutenção da confiança da comunidade na validade da norma, como na de dissuasão de potenciais infratores, exige uma pena acessória que se afaste da função quase simbólica cometida aos mínimos legais.
Assim, em função da imagem global do facto e dentro da moldura abstrata legalmente prevista para a pena acessória, que é a de 3 meses a 3 anos, a sua concretização em 2 anos e 2 meses de proibição de condução de veículos com motor, é ajustada ao caso concreto face aos factos concretos apurados (condução com álcool, excesso de velocidade e transporte de quatro passageiros em violação do legalmente permitido e sem que estivessem asseguradas condições de segurança) e mesmo impondo-se a ponderação, tal como o fez o tribunal recorrido, de diversos fatores positivos – a idade do arguido, o seu quadro social e profissional, a ausência de antecedentes criminais –, a verdade é que não se podem ignorar as evidentes necessidades de prevenção geral.
A ponderação efetuada pelo tribunal de 1.ª instância, neste conspecto, evidencia correção.
Pelo que, o recurso terá de improceder.

Do recurso interposto pela demandada Zurich Insurance PLC – Sucursal em Portugal

Em matéria de direito entende a recorrente Zurich Insurance PLC – Sucursal em Portugal (doravante denominada apenas de Zurich) que os valores fixados pelo tribunal a quo relativamente à indemnização pela lesão do direito à vida de cada uma das vitimas J, B e F, se configuram manifestamente elevados, pugnando pela sua redução para 80.000,00 €., que deve ser eliminada a indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelas vítimas com a iminência da morte e que a indemnização devida aos demandantes civis a título de danos não patrimoniais próprios em virtude da morte do seu filho deverá ser fixada em 30.000,00 €. Solicita igualmente que todos os montantes indemnizatórios, incluindo os fixados a título de danos patrimoniais, sejam reduzidos em 40%.
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Analisemos então as questões suscitadas.
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Nos termos do artigo 71º do C.P. Penal “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo (…)”, pelo que em conformidade com o princípio da adesão que ali se consagra, deve o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime ser deduzido no âmbito do processo penal em que se aprecia a responsabilidade criminal emergente da infracção cometida.
De harmonia com o disposto no artigo 129º do C. Penal, “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”.
Daí que, como logicamente decorre do sentido dos referidos normativos e que estão na base da opção pelo sistema consagrado, o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem que ser sempre fundado na prática de um crime.
O que, desde logo, significa que o facto constitutivo da sentença condenatória em matéria de responsabilidade civil se há-de poder incluir no âmbito do facto criminoso que ao arguido é imputado, de tal forma que, se não existirem ou simplesmente não se provarem os pressupostos da punição penal, a condenação em indemnização civil possa ainda subsistir sustentada na verificação dos pressupostos da ilicitude civil permitida pela apreciação da realidade factual em causa.
O que vale por dizer que a responsabilidade civil, que no âmbito do processo penal pode ser apreciada, é apenas e tão só a responsabilidade civil extracontratual, pelo risco ou com fundamento na prática de facto ilícito.
Em termos gerais, o princípio do ressarcimento ou da imputação dos danos esse pode ser enunciado pela forma seguinte: sempre que exista uma razão de justiça, da qual resulte que o dano deva ser suportado por outrem, que não o lesado, deve ser aquele e não este a suportar esse dano, representando um enviesamento do brocardo jurídico ubi commoda ibi incommoda. Esta transferência do dano do lesado para outrem opera-se mediante a constituição de uma obrigação de indemnização, através da qual se deve reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento lesivo (562º do Código Civil).
Tradicionalmente a imputação que serve de base à responsabilidade civil consiste na culpa do lesante. Na imputação por culpa a responsabilidade funda-se numa conduta ilícita e censurável do agente, que justifica dever ele suportar em lugar do lesado os prejuízos resultantes da sua conduta. Neste caso, a responsabilidade civil, além de uma função reparatória vai desempenhar uma função sancionatória, na medida em que representa uma sanção ao agente por violação culposa de uma norma de conduta.
Quanto aos pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos ou responsabilidade civil extracontratual, rege o artigo 483º do C. Civil (C.C.) onde nomeadamente se lê:
1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.
Os elementos e requisitos da responsabilidade civil podem então ser descriminados da seguinte forma: a) facto – elemento básico da responsabilidade é o facto do agente, um facto controlável pela vontade do homem, comportamento ou conduta humana; b) a ilicitude – que consiste num juízo de desvalor atribuído pela ordem jurídica, pressupondo numa avaliação do comportamento lesivo que revestisse a forma de violação ou ofensa de direito de outrem ou a violação de norma jurídica que proteja interesses alheios; c)imputação do facto ao lesante, é imputável a pessoa com capacidade intelectual e emocional (discernimento) e capacidade volitiva (liberdade de determinação); d) culpa, não basta que o agente seja imputável é necessário que tenha agido com culpa, através de um nexo psicológico entre o facto praticado e a vontade do lesante, ou em sentido normativo que exista um juízo de censura quanto ao comportamento do agente; e) dano, para haver obrigação de indemnização é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito e culposo tenha causado um prejuízo a alguém, pela frustração de uma utilidade ou vantagem que é objecto de tutela jurídica; f) nexo de causalidade entre facto e dano, o facto tem de ser susceptível, através de um juízo de prognose póstuma, a provocar determinado prejuízo, pela aplicação de um nexo de causalidade adequada.[29]
Preenchidos tais requisitos, dispõe o artigo 496º, n.º 1 do C. Civil. que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito”. Estabelece, ainda, o n.º 3 do mesmo dispositivo legal que “O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º (…)”.
Da matéria de facto provada, resulta que nas circunstâncias de tempo, lugar e modo descritas supra, o arguido, estava a exercer a condução do veículo automóvel segurado pela demandada Zurich, sendo certo que por se encontrar sob o efeito do álcool e em excesso de velocidade, não conseguiu controlar o veículo veio a embater no gradeamento metálico da Ponte da Vigia o que provocou a abertura das portas traseiras e a projecção das três vitimas, que se faziam transportar na referida caixa, contra as grades metálica da referida ponte.
A conduta do arguido foi, pois, voluntária e ilícita. De igual modo, foi culposa, devendo-se o acidente a um comportamento imprudente e temerário da sua parte.
Verificada a inobservância das leis e regulamentos estradais por banda do arguido, comprovada resultou em sede penal a sua conduta negligente.
Considerando que o prejuízo se deveu a um evento causado pelo condutor do veículo segurado pela demandada (o arguido), constituiu-se na esfera jurídica desta última a obrigação de indemnizar as lesadas pelos danos sofridos.

Da repartição de responsabilidades

Entende a recorrente que as vítimas contribuíram para a gravidade dos danos porquanto aceitaram fazerem-se transportar na caixa de carga do veículo, sabendo que a mesma não tinha assento ou dispositivo de segurança, pelo que, por força do disposto no artº 570º, nº1 do C. Civil, o montante da indemnização civil a fixar em favor dos demandantes deve ser reduzido em 40%.
O Tribunal a quo apreciou a questão da aplicação da referida disposição legal, concluindo que “não se vislumbra existir motivo para a redução da indemnização concedida aos demandantes ao abrigo do citado preceito legal, na medida em que nenhuma das vítimas praticou qualquer infração determinante para a verificação do acidente, e as mesmas também não tinham o domínio funcional do veículo ou da velocidade que era imprimida ao mesmo; acresce que em concreto as vítimas também não tinham conhecimento do real grau de alcoolemia do condutor, sendo certo que foram estas as causas determinantes para a ocorrência do acidente”.
De acordo com o artº 570º nº 1 do C. Civil, quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
Estamos de acordo com o tribunal a quo quando conclui que não houve culpa das vítimas na ocorrência do acidente.
Porém, a referida disposição legal prevê igualmente a possibilidade de redução ou exclusão da responsabilidade quando o lesado tiver concorrido para o agravamento dos danos. Em termos de ponderação da gravidade das culpas estão apenas em causa os danos causados pelo sinistro em termos de nexo de causalidade, ou seja, os resultantes do facto e por ele causados (cfr. artº 483º, 563º e 798º do C.Civil).
Vejamos, então.
Extrai-se dos factos provados que as vítimas J, B e F, se faziam transportar na caixa de mercadorias do veículo sem cinto de segurança.
Resultou apurado que com o embate do veículo no gradeamento metálico da Ponte da Vigia, estas acabaram por ceder e as portas traseiras da viatura abriram-se, em consequência do que os quatro passageiros que seguiam na caixa, incluindo as três vítimas, foram projetados para fora do veículo de encontro às guardas metálicas, acabando por ficar imobilizados no centro da via.
Ou seja, o que provocou a gravidade do sinistro foi indubitavelmente a condução imprudente do arguido (sob influência de álcool e em excesso de velocidade) e não se pode dizer que a ausência do cinto tenha sido causa adequada do acidente e do dano.
Mas, a circunstância dos passageiros que vinham na caixa não terem cinto de segurança ou qualquer outro dispositivo de segurança contribuiu para o agravamento dos danos causados pelo acidente. É indubitável e do conhecimento geral que fazer-se transportar num veículo sem cinto de segurança é perigoso e as vítimas sabiam que a caixa de carga do veículo não tinha nenhum assento ou dispositivo de segurança (ponto 89. da factualidade provada).
E é este o comportamento censurável que pode ser atribuído às vítimas, já que não respeitaram o disposto no artº 82º nº 1 do C. da Estrada que, na seção das “regras especiais de segurança”, prescreve que os passageiros estão obrigados ao uso de cinto de segurança.
Assim ponderadas a culpa das vítimas (resultantes do não uso de cinto de segurança) considera-se equitativo atribuir aos lesados 10% da culpa no agravamento dos danos que para elas resultaram do sinistro, procedendo parcialmente, nesta parte, o recurso interposto.
*
Das indemnizações

Os danos podem ser patrimoniais e não patrimoniais, sendo que no caso presente apenas se mostram em causa os danos morais que são prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária porque atingem bens que não integram o património do lesado (a vida, a saúde, a liberdade, a beleza).
“Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.” (artº 496º, n.º 1 do C. Civil).
E o nº 4, do referido artigo, dispõe que “O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artº 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.”
Antunes Varela define danos não patrimoniais como sendo “os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”.[30]
Como se disse, tais danos só são indemnizáveis quando, pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito, sendo a aludida gravidade um conceito relativamente indeterminado, a apurar, objectivamente, caso a caso, de acordo com a realidade fáctica apurada. A gravidade mede-se por um critério objectivo, de normalidade e bom senso prático.
A gravidade deve “medir-se por um padrão objectivo e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado, sendo tais danos compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, e tratando-se mais de uma satisfação do que de uma indemnização, a ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc”.[31]
No caso em apreço, não existem dúvidas que as consequências do acidente revestem elevada gravidade, sendo, por isso, plenamente justificativas do seu ressarcimento, a título de danos não patrimoniais, pelo que, têm os demandantes direito a serem indemnizadas por eles.
Ora, de harmonia com o princípio geral expresso no artigo 562.º, do Código Civil, a obrigação de indemnizar implica a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado a lesão, repondo-se as coisas no lugar em que estariam se não se tivesse produzido o dano. Visa-se a eliminação deste, devendo a indemnização equivaler ao montante do dano imputado (cfr. nº2 do artº 566.º).
Porém, estando em causa a lesão de interesses imateriais, a reconstituição natural da situação anterior ao sinistro é impossível e também o é a fixação de um montante pecuniário equivalente ao «mal» sofrido, apenas se podendo atenuar, minorar ou, de algum modo, compensar os danos sofridos pelo lesado.
Nos termos do n.º 4, do artigo 496.º, o montante da indemnização a atribuir será fixado equitativamente pelo Tribunal tendo em conta a extensão e gravidade dos danos causados, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que se justifique ponderar. Este tipo de indemnização será fixado segundo o bom senso e o prudente arbítrio do julgador, temperado com os critérios objectivos a que se alude no artigo 494.º.
E daqui resulta que a indemnização por danos não patrimoniais “não se reveste de natureza exclusivamente ressarcitória, mas também cariz punitivo, assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, por forma a desagravá-la do comportamento do lesante”.[32]
A indemnização por danos não patrimoniais tem em vista compensar de alguma forma o lesado pelos sofrimentos e inibições que sofreu em consequência do evento danoso, compensação que só será alcançada se a indemnização for adequada e significativa do ponto de vista financeiro e não meramente simbólica.
Tal compensação deve “ser proporcionada à gravidade do dano, tomando-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.[33]
Todavia, no critério a adoptar, não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, procurando – até por uma questão de justiça relativa – uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8.º do CC.
Analisando a prática dos tribunais, constatamos que os quantitativos indemnizatórios, que antes eram quase simbólicos, têm vindo progressivamente a subir nos últimos anos.
Face aos factos que resultaram provados, vejamos se assiste razão à demandada Zurich quando pretende a redução ou anulação dos valores fixados em 1ª instância.

Indemnização devida pelo dano morte/perda à vida

O Tribunal a quo fixou as indemnizações a suportar pela demandada Zurich a título de compensação pela perda do direito à vida de cada uma das vítimas a quantia de 120.000,00 €.
No seu recurso a demandada Zurich pugna pela redução de tal valor, solicitando que tal valor seja fixado em 80.000,00 €.
Na resposta ao recurso os demandantes civis defendem ser de manter o valor fixado em 1ª instância.
Vejamos.
O dano morte/perda do direito à vida sofridos pelas vítimas do acidente de viação em caus constituem danos indemnizáveis autonomamente, cujo direito radica na esfera do de cujus e que depois se transmite (em conjunto) aos seus familiares-herdeiros referidos no nº 2 do artº 496º do C. Civil.
“Todos esses danos, e particularmente aquele decorrente da perda do direito à vida, devem ser condignamente indemnizados/compensados, tendo sempre como critério nuclear de fundo a equidade, embora sem perder de vista o recurso a outros elementos circunstanciais, quer aqueles de caráter mais geral, e particularmente aqueles que a lei manda atender, quer aqueles que resultam da peculiaridade de que se reveste o caso concreto” [34].
A complexidade do cálculo deste dano decorre, desde logo, do fatco do legislador não ter estabelecido critérios objetivos na fixação desta indemnização, limitando-se a definir princípios gerais, como se pode verificar da conjugação do artº 496º, nº 4 com o artº 494º, que consagram o recurso a critérios de equidade, complementados pela consideração do grau de culpa do agente, da sua situação econômica e de outras circunstâncias específicas do caso, como o sejam, a idade da vítima, a sua saúde, projectos de vida, situação profissional e familiar, sendo também fundamental ter em conta se a vítima não teve qualquer contribuição para o acidente que resultou na sua morte.
O montante da indemnização a fixar pelo direito à vida por parte dos tribunais superiores tem variado, sendo que a evolução tem sido no sentido de aumentar esses montantes face aos valores manifestamente exíguos que tendencialmente eram fixados.
Servindo-nos do apanhado realizado no Acórdão desta Relação de 05-12-2024, relatado pela Desembargadora Cristina Dá Mesquita (Proc. nº 2883/23.7T8FAR.E1), vejamos a evolução da jurisprudência:
- no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.02.2018, processo n.º 33/12.4GTSTB.E1.S1, julgou-se adequada uma indemnização pelo dano morte no valor de € 125.000,00 numa situação em que a vítima tinha 25 anos de idade, era solteiro e saudável, com formação académica superior, sendo piloto da Força Aérea, com a patente de alferes, e com profundas aspirações de progressão na carreira;
- no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.05.2020, processo n.º 952/06.7TBMTA.L1.S1, foi atribuída uma indemnização pelo dano morte no valor de € 85.000,00 num caso em que a vítima tinha 29 anos de idade, à data do decesso, casara há dois anos e tinha sido pai há cerca de um ano;
- no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.02.2021, processo n.º 625/18.8T8AGH.L1.S1, foi fixada uma indemnização pelo dano morte em € 100.000,00 num caso em que a vítima era uma criança de 7 anos, atropelada quando procedia ao atravessamento de uma estrada, iniciado numa altura em que não havia qualquer veículo a aproximar-se;
- no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.09.2022, processo n.º 2374/20.8T8PNF.P1.S1, confirmou-se o valor indemnizatório de € 85.000,00 numa situação em que a vítima tinha 33 anos, era casado e pai de dois filhos menores;
- no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.01.2023, processo n.º 3437/21.8T8PNF.P1.S1, numa situação em que a vítima tinha à data do decesso 29 anos de idade, se encontrava na berma de uma auto-estrada no exercício das suas funções policiais, solucionando um acidente de viação que aí havia ocorrido, e foi atropelado por um veículo que seguia a uma velocidade entre 140 e 150 Km/hora e se despistou foi fixada uma indemnização no montante de € 95.000,00; (vi) na Revista n.º 5306/16.4T8GR.G2.S1 fixou-se em € 100.000,00 o valor da indemnização pela perda do direito à vida numa situação em que vítima tinha 7 anos.
Ao nível dos Tribunais da Relação, a Relação de Évora, em acórdão de 27.06.2024, processo n.º 394/22.7T8PTG.E1, fixou em € 100.000,00 o valor da indemnização pela perda do direito à vida, num caso em que a vítima tinha 33 anos, vivia em união de facto com a autora e um filho de três meses de idade, era trabalhador, alegre e dedicado à sua família e exercia a profissão de operador de máquinas pesadas; a Relação de Guimarães, em acórdão proferido em 30.09.2021, processo n.º 5872/19.2T8BRG.G1, fixou a indemnização pelo dano morte em € 80.000,00, numa situação em que a vítima tinha 10 anos de idade; a Relação de Lisboa, em acórdão de 30.06.2020, processo n.º 65/17.6TALQ.L1.S1, fixou uma indemnização de € 150.000,00 numa situação em que vítima mortal tinha 33 anos, era saudável, e constituía uma família feliz juntamente com a mulher e os filhos do casal; a Relação de Évora, em acórdão de 12.01.2023, fixou a indemnização em € 85.000,00 numa situação em que a vítima tinha 40 anos de idade, era saudável e ativo, vivia com uma companheira e tinha três filhos menores, sem que tenha tido qualquer responsabilidade na produção do acidente.
Regressando ao caso concreto.
- J tinha 19 anos de idade, era solteira e era uma pessoa alegre e feliz, socialmente integrada (pontos 28. a 29. da factualidade provada).
- B tinha 23 anos de idade, era solteiro, era um jovem saudável, atlético, praticava desporto com regularidade, designadamente futebol, gostava de viver, era trabalhador, alegre, sociável e cultivada amizades; tinha uma excelente relação com o pai e a irmã, amava a sua família; facilmente conquistava amizades, sendo estimados pelos amigos e familiares, facilmente granjeava amizades e simpatia, sendo popular entre os amigos, junto de quem gozava de boa reputação; tinha o curso de turismo e tinha uma via cheia de projetos e sonhos pessoais e profissionais, sendo um profissional zeloso, dedicado, cumpridor, com a ambição de ir progredindo na carreira profissional (pontos 44. a 49. da factualidade provada).
- F à data tinha 23 anos de idade, era solteiro e vivia com a mãe embora o unissem ao pai fortes laços; era trabalhador, disciplinado, alegre, bem-disposto, bem-educado e amigo de ajudar o próximo; era um jovem respeitado, acarinhado e admirado pelos amigos; trabalhava na empresa “Embraer Portugal – Estruturas Metálicas SA”; encontrava-se inscrito no ano letivo de 2019/2020 em 15 unidades curriculares isoladas na Universidade de Évora, nas áreas de cultura e ética organizacional, introdução à gestão e marketing; tinha projetos para o seu futuro e gozava de boa saúde (pontos 58., 59. e 70. e 74. da factualidade provada).
Temos, pois, três jovens, com largos anos de expectativa de vida e que não contribuíram para a ocorrência do acidente.
O condutor do veículo estava sob influência de álcool, seguia em excesso de velocidade (cerca de 138 km em via onde o limite máximo era de 80 km/h) e aceitou transportar quatro passageiros na caixa do veículo, sem que estivesse assegurada a sua segurança.
A morte dos três jovens ocorreu de forma muito violenta.
No entanto, se é um facto que não resultou provado que as três vítimas tivessem tido responsabilidade pela ocorrência do acidente (que resultou da conduta imprudente do condutor como já se referiu), o seu comportamento também não foi isento de censura, pois aceitaram serem transportados na caixa do veículo sem qualquer suporte de segurança, sabendo que o condutor havia consumido álcool.
Pese embora a bondade da decisão recorrida, tendo em linha de conta a prática jurisprudencial mais recente a propósito do valor indemnizatório pelo dano morte em caso de vítimas jovens e sem responsabilidade pela ocorrência do acidente, julga-se que o valor da indemnização se mostra elevado, pelo que se decide fixá-lo em 100.000,00 por cada uma das vítimas, valor este atualizado à data da prolação deste acórdão. Pelo que a demandada e recorrente será responsabilizada pelo montante de € 90.000.00 €, correspondente à medida da culpa do arguido, que é de 90%.

Indemnização devida pelos danos sofridos pelas vítimas face à iminência da morte

O tribunal a quo fixou as quantias de 8.000,00 € relativamente à J, 10.000,00 € relativamente à vítima B e 10.000,00 € relativamente à vítima F para ressarcimento dos danos que sofreram face à eminência da morte.
A recorrente entende que não deverá ser fixada qualquer indemnização relativamente às vítimas J e B, que terão tido morte imediata, admitindo, quanto muito, a fixação de uma indemnização simbólica no que concerne à vítima F.
Todos os demandantes se pronunciaram no sentido da manutenção dos valores fixados pelo tribunal a quo.
Quando falamos do dano face à iminência da morte referimo-nos a um dano intercalar, o dano do sofrimento da vítima entre o momento em que ocorreu o sinistro e a sua morte, dano esse com cobertura legal nos termos do artº 496º do C.Civil.
Também neste âmbito, é jurisprudência uniforme que o cálculo da indemnização deve ser efetuado em função do caso concreto, mais uma vez por apelo à equidade, ponderadas a gravidade das lesões sofridas, a intensidade das dores, o período da respetiva duração, etc.
Nas suas motivações a recorrente impugnou a matéria de facto que levou o tribunal a quo a considerar indemnizável este dano. Porém, tal impugnação claudicou, pelo que este Tribunal irá apoiar-se nos factos que resultaram provados.
A este propósito ter-se-á em consideração a dinâmica do acidente que não se consumou de forma imediata, mas numa sucessão de manobras tendentes a evitá-lo e que finalizaram com o embate nas grades da ponte a abertura da porta e a projecção dos passageiros contra essas mesmas grades. Ou seja, foram segundos em que as vítimas anteviram a eminência do embate (pontos 30., dos factos provados).
As lesões que sofreram foram adequadas à sua morte
Após o embate J sentiu dores que se agudizaram até ao seu falecimento, estando aquela ciente que dificilmente iria sobreviver face às lesões sofridas (ponto 31. dos factos provados).
B sofreu com a iminência do embate e a antevisão da sua morte (ponto 57. dos factos provados).
F faleceu alguns minutos após o acidente, sofreu dores horríveis e teve a noção da iminência da sua morte (ponto 77. dos factos provados).
Ter-se-á, ainda, em consideração as taxas de álcool no sangue que cada uma das vítimas apresentava e o valor de canabinol apurado no que respeita à vítima B com evidentes reflexos na forma como percepcionaram os acontecimentos.
Assim, neste ponto, ponderando o tempo do sofrimento das vítimas, consideramos mais justo e equilibrado fixar os seguintes valores: € 5.500,00 relativamente à J, € 5.500,00 relativamente ao B e € 8.500,00 relativamente ao F.
Sendo a medida da responsabilidade da Recorrente de 90%, deverá pagar aos demandantes civis os seguintes montantes:
- M e N, pais de J, € 5.000,00;
- A, pai de B, € 5.000,00;
- L e de R, pais de F, € 7.650,00.

Indemnização a atribuir aos pais das vítimas pela sua morte

A título de danos não patrimoniais, o Tribunal a quo considerou equilibrado atribuir uma compensação de 45.000,00 € a cada um dos demandantes relativamente aos danos por eles sofridos com a morte dos filhos.
A Recorrente pugna pela fixação de um montante de 30.000,00 € para cada um.
Está em causa um dos danos não patrimoniais mais relevantes (além da perda do próprio direito à vida) e que se encontra essencialmente relacionado com a dor emocional resultante da perda de um ente querido, alguém que, pelos laços familiares e biológicos, ocupa normalmente um lugar central na vida dos seus familiares.
Também aqui nos situamos no âmbito da equidade, como critério decisório.
Aos valores fixados pela indemnização devida pelos danos morais devidos aos pais das vítimas em virtude da sua morte não há que tomar em consideração a percentagem de responsabilidade daquelas pelo agravamento dos danos, dada a sua natureza.
No caso concreto, estamos a falar do sofrimento causado pela perda de um filho, figura com especial significado afetivo e emocional.
As vítimas eram todos jovens e não se espera que um filho morra antes dos pais. As relações que mantinham com os pais eram harmoniosas e carinhosas.
Resultou apurado o sofrimento dos pais das vítimas ao vivenciarem a morte abrupta dos filhos, com a qual foram confrontados de forma inopinada, repentina e não era expectável. Não é, difícil, de concluir, segundo as regras de experiência comum, que cada um dos demandantes sofreu um forte abalo psicológico com a morte do filho (pontos 32. a 39., 50. a 54., 60. a 69. dos factos provados).
Assim, ponderando todas essas circunstâncias, afigura-se-nos, e seguindo critérios de equidade, manter o valor da indemnização pelos danos morais/não patrimoniais sofridos por cada um dos demandantes em 45.000,00 fixado pelo tribunal recorrido, improcedendo o recurso neste segmento.

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Indemnização pelos danos patrimoniais

O tribunal a quo fixou o valor dos danos patrimoniais sofridos pelos pais de J, N e M, em € 1.187,40 pelas despesas com o funeral da filha, e dos danos patrimoniais sofridos pelos pais de F, L e R, em € 1.313,45 pelas despesas com o funeral e sepultura do filho.
Tendo em atenção, a atribuição de 10% da responsabilidade pelo agravamento dos danos sofridos pelas vítimas decidida por este Tribunal, impõe-se a redução de tais valores, conforme solicitado pela recorrente Zurich.
Assim, procede nesta parte o recurso, pelo que a demandada será condenada a pagar aos demandantes N e M uma indemnização no valor de € 1068,66 (€1.874, 40 - € 118,74) e aos demandantes L e R uma indemnização no valor de € 1.182,10 (€ 1.313,45 – € 131,35).

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V - DECISÃO

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em:

a) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido F, e, consequentemente, revogar a decisão recorrida na parte em que determinou a recolha de ADN, nos termos dos artºs 8º, nº 2 e 18º, nº 2, da Lei nº 5/2008.

b) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela demandada Zurich Insurance – Sucursal em Portugal e em consequência:

- Fixar em 10% a responsabilidade das vítimas no agravamento dos danos que para elas resultaram do sinistro;
- Reduzir para € 90.000,00 o valor a pagar aos demandantes civis, pais de cada uma das vítimas, a título de indemnização devida pelo dano morte/perda de vida;
- Reduzir para os valores devidos a título de indemnização devida pelos danos sofridos pelas vítimas face à iminência da morte, nos seguintes termos:
- € 5.000,00 devidos a M e N, pais de J;
- € 5.000,00 devidos a A, pai de B;
- € 7.650,00 devidos a L e R, pais de F;
- Reduzir para € 1068,66 o valor da indemnização devida aos demandantes N e M a título de danos patrimoniais;
- Reduzir para € 1.182,10 o valor da indemnização devida aos demandantes L e R a título de danos patrimoniais.
A estes valores acrescem juros, à taxa legal, a partir da data desta decisão até integral e efetivo pagamento.

c) Em tudo o mais confirmar a decisão recorrida nos seus precisos termos.

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Recursos sem tributação, atenta a sua parcial procedência (artº 513º, n.º 1 do CPP).
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O presente acórdão foi elaborado pela Relatora e por si integralmente revisto (art. 94º, n.º 2 do C.P.P.).

Lisboa, 11 de fevereiro de 2025
Juíza Desembargadora Relatora: Filipa Valentim
Juiz Desembargador Adjunto: Renato Barroso
Juíza Desembargadora Adjunta: Fátima Bernardes

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[1] Mantendo interesse na sua apreciação conforme expressamente consignado no ponto 2 das conclusões.
[2] Cfr. Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, pag. 210.
[3] Cfr. Acórdão do STJ de 21.3.2007, consultável no endereço electrónico www.dgsi.pt
[4] Proc. nº 791/16.7PBLRA.C1, Desembargadora Relatora Cristina Branco, consultável no endereço eletrónico citado
[5] Em Direito Processual Penal, 2016, Almedina, p. 188.
[6] Em Código de Processo Penal Comentado, 2016 – 2.ª Edição Revista, Almedina, p. 1081.
[7] Acórdão do TRE relatado pela Desembargadora Ana Bacelar, Proc. 747/21.8GBABF.E1
[8]
[9] Ac. da Relação de Lisboa de 11.03.2021, processo 179/19.8JDLSB.L1-9, in http://www.dgsi.pt.
[10] V.d. Maria João Antunes, in RPCC – Ano 4 Fasc.1 – pág. 120; Acórdão do STJ n.º 3/2012, de 8/3/2012, DR, I Série, n.º 77, de 18/4/2012 Acordãos da Relação de Guimarães de 6.11.2017, proc. 3671/13.4TDLSB.G1; da Relação de Évora de 09.01.2018 proc. 31/14.3GBFTR.E1; da Relação de Coimbra de 08.05.2018, proc. 30/16.0GANZR.C1; da Relação de Lisboa de 12.06.2019, processo 473/16.0JAPDL.L1 e de 28.04.2021, processo 4426/17.2T9LSB.L1, in http://www.dgsi.pt).
[11] Em “Curso de Processo Penal”, Ed. Verbo, vol. II, pág. 178 (1999
[12] José Alberto Reis, em “CPC – anotado”, vol. IV, pág. 161
[13] Cfr. Figueiredo Dias, em “Curso de Processo Penal”, vol. 1, pág 208, Coimbra Editora (2004).
[14] Derecho Procesal Penal, Editores del Puerto, pags. 244 e 245
[15] Taipa De Carvalho, Direito Penal – Parte Geral: vol. II - Teoria Geral do Crime, Publicações Universidade Católica, 2004, pág. 390
[16] Figueiredo Dias, Direito Penal: Parte Geral – Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª ed., 2007., pág. 861
[17] Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 353 e 354.
[18] Taipa de Carvalho, ob. cit., pág. 379.
[19] Eduardo Correia, Direito Criminal I, 1971, pág. 425 e ss.).
[20] Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 875
[21] Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 898
[22] Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 899
[23] Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pág. 380
[24] Figueiredo Dias, ob cit, pág. 381.
[25] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-04-2010, processo n.º 3089/07.8TALRA.C1, www.dgsi.pt.
[26] No mesmo sentido, Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 197, § 255
[27] Figueiredo Dias, Direito Penal Português, - As Consequências Jurídicas do Crime, p. 181.
[28] Figueiredo Dias, obra citada, p. 165.
[29] cfr. Antunes Varela, Obrigações em Geral, vol I, 10ª Edição Almedina pág. 526 e sgs
[30] Antunes Varela, Das Obrigações em geral, 6ª ed., l°, pág. 571
[31] Antunes Varela, Idem, pág. 600)
[32] Idem, pág. 331.
[33] P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. 1, Coimbra, p. 501.
[34] Acórdão do STJ de 2022-09-27 (Processo nº 253/17.5T8PRT-A.P1.S1), Conselheiro Isaías Pádua, consultado no endereço electrónico www.dgsi.pt