CONDIÇÕES PESSOAIS E ECONÓMICAS DO ARGUIDO
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
REENVIO PARCIAL
Sumário

I - A sentença recorrida enferma do vício da “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” (artigo 410º, nº 2, al. a), do C. P. Penal), porquanto o Tribunal de primeira instância não apurou, minimamente, as condições pessoais do arguido, sendo que o facto de o mesmo ter sido julgado na sua ausência não desobrigava o Tribunal de exercer o poder-dever de averiguação oficiosa da factualidade atinente àquelas condições, com vista a possibilitar uma decisão justa sobre a escolha da pena e a determinação da sua medida concreta, a fixação da taxa diária, em caso de aplicação de pena pecuniária, como ainda, em caso de opção pela pena de prisão, a ponderação da aplicação de alguma pena de substituição ou o seu cumprimento em regime de permanência na habitação.
II - Para evitar a apontada lacuna da matéria de facto podia o Tribunal de primeira instância ter, por exemplo, solicitado a elaboração de “relatório social”, nos termos do disposto no artigo 370º, nº 1, do C. P. Penal, tanto mais que o paradeiro do arguido era conhecido (como resulta evidente do facto de ter sido notificado para o julgamento).
III - Importará, assim, reenviar o processo para novo julgamento, restrito ao apuramento das condições pessoais e económicas do arguido/recorrente e dos reflexos desses elementos na escolha da pena, na determinação da sua medida concreta, e em caso de opção pela pena de prisão, na ponderação da aplicação de alguma das penas de substituição ou, eventualmente, da possibilidade do seu cumprimento em regime de permanência na habitação.

Texto Integral



Acordam, em conferência, na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório:

No âmbito do Processo Abreviado com intervenção de Tribunal singular com o n.º 973/23.5GBABF a correr termos no Juízo Local Criminal de Albufeira- Juiz 1 foi julgado o arguido M e proferida sentença a 2.2.2024, que decidiu nos seguintes termos:

“a) Condenar M, em autoria material, de um crime de injuria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º n.º 1 e 184.º, com referência ao artigo 132.º n.º 2, alínea l) e 188.º, n.º 1, al. b), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão, na pessoa de T.

b) Condenar M, em autoria material, de um crime de injuria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º n.º 1 e 184.º, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l) e 188.º, n.º 1, al. b), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão, na pessoa de A.

c) Condenar M, em autoria material, de um crime de injuria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º n.º 1 e 184.º, com referência ao artigo 132.º n.º 2, alínea l) e 188.º, n.º 1, al. b), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão, na pessoa de B.

d) Condenar M, em autoria material, de um crime de injuria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º n.º 1 e 184.º, com referência ao artigo 132.º n.º 2, alínea l) e 188.º, n.º 1, al. b), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão, na pessoa de I.

e) Condenar M, em autoria material, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos art. 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, al a) e c) com referência ao artigo 132.º n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, na pessoa de T.

f) Condenar M, em autoria material, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos art. 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, al a) e c) com referência ao artigo 132.º n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, na pessoa de A.

g) Condenar M, em autoria material, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos art. 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, al a) e c) com referência ao artigo 132.º n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, na pessoa de B.

h) ABSOLVER Marco André Marques dos Santos pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos art. 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, al a) e c) com referência ao artigo 132.º n.º 2, alínea l), todos do Código Penal na pessoa de I.

i) Condenar M, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo n.º 1 do art. 143.º e al. a) do n.º 1 do art. 145.º ex vi al. l) do n.º 2 do art. 132.º do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, na pessoa de T.

j) Fazendo a acumulação material das penas referidas em a), b), c), d), e), f), g) e i), condena-se o arguido numa pena unitária de 24 (vinte e quatro) meses de prisão.

k) Condenar o arguido no pagamento das custas, que se fixam nos seguintes termos: 2 UC.”

***

Desta decisão veio o arguido M interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que constam dos autos, que se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a formulação das seguintes conclusões:

“A. O Arguido M vem apresentar recurso da Sentença condenatória proferida pela Meritíssima Juíza 1 do Juízo Local Criminal de Albufeira, em 02.02.2024.

B. Quanto ao decidido pelo Tribunal a quo, o arguido interpõe o presente recurso quanto à condenação pela prática dos crimes de injuria agravada na pessoa de B, por considerar existir uma falta de legitimidade do Ministério Público para o exercício da respetiva ação penal.

C. Considera ainda que o decidido em primeira instância quanto à medida concreta da pena a que o arguido foi condenado pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, na pessoa de T, in casu afigura-se excessiva e desproporcional à culpa do arguido, ora Recorrente.

D. Sendo que, em qualquer caso, seria de substituir a pena de prisão aplicada ao arguido por outra pena não privativa de liberdade.

Vejamos;

E. O Tribunal a quo decidiu indeferir a pretensão da defesa, concluindo pela legitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal, inclusive pela prática dos crimes de injuria agravada e ameaça agravada na pessoa de B, pelos quais foi condenado nos autos, ao considerar que a manifestação de desejo de procedimento criminal, acrescida da assinatura por B na qualidade de testemunha, era suficiente para considerar válida a dedução de queixa pelo mesmo.

F. O Arguido/Recorrente discorda do entendimento do Douto tribunal, porquanto, no caso dos autos, no Auto de notícia/participação não é mencionado nenhum facto respeitante ao militar B, quer a respeito das injúrias quer da ameaça. Nesse mesmo Auto, não é sequer feita qualquer menção ou referência a esse militar relacionado com os factos relatados, nem à sua presença no local dos factos, nem mesmo de forma vaga, contrariamente ao que sucedeu com todos os restantes militares.

G. Os próprios crimes que estavam em causa, sobretudo quanto ao crime de injúria exigia-se uma descrição circunstanciada quanto à sua presença nos eventos ocorridos com o arguido naquela noite e de este ter proferido na sua direção e/ou à sua pessoa qualquer expressão de teor intimidatório/ameaçador.

H. E, a nosso ver, o facto de o referido militar da GNR ter assinado o respetivo Auto/Participação, desacompanhado de qualquer outro elemento ou referência que o relacione com os eventos ocorridos naquela noite e denunciados contra o arguido/aqui Recorrente, não pode considerar-se suficiente para considerar válida a dedução de queixa pelo mesmo, nem para a dedução de uma acusação pública no caso do crime de ameaça, como decidiu o Tribunal a quo.

I. Não havendo um mínimo de concretização factual na participação a respeito dos factos que envolvem o militar B, em nosso entender, não podia considerar-se válida a dedução de queixa pelo mesmo e, por conseguinte, não tinha o Ministério Público legitimidade para acusar o arguido/Recorrente pelos crimes respeitantes ao militar B, e

J. Por consequência, o arguido/Recorrente não podia ser julgado e condenado pelos crimes de injuria agravada e ameaça agravada na pessoa de B, impondo-se a revogação do decidido, nesta parte, pelo Tribunal a quo.

K. O Recorrente considera que a pena de 9 (nove) meses a que foi condenado pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, na pessoa de T é excessiva e desproporcional, quer à gravidade dos factos, quer à culpa do Recorrente.

L. Do contexto em que ocorreram os factos, relatado pelas testemunhas e pelo próprio ofendido, não resultou demonstrada uma intenção deliberada de agressão por parte do arguido, do relato das testemunhas inquiridas não é possível concluir-se, sem mais, que o arguido agiu com dolo direto, e que a sua intenção fosse efetivamente agredir o guarda T.

M. Vide as declarações do ofendido T prestou na audiência de julgamento de 17.01.2024, gravadas no Sistema Habilus Media – 00:00:00 a 00:23:15 – fragmentos de gravação: 00:00:55 a 00:03:30 minutos; 00:10:50 a 00:11:18; 00:13:20; as declarações da testemunha A na audiência de julgamento de 17.01.2024, gravadas no Sistema Habilus Media – 00:00:00 a 00:09:15 – fragmentos de gravação: 00:00:56 a 00:04:10 minutos, e ainda as declarações que a testemunha B prestou na audiência de julgamento de 17.01.2024, gravadas no Sistema Habilus Media – 00:00:00 a 00:05:16 – fragmentos de gravação: 00:00:55 a 00:02:15 minutos.

N. Veja-se que, no contexto em que os factos ocorrem e na sua dinâmica, tal como relatada pelas testemunhas, não se extrai que o comportamento do arguido foi efetivamente um ato voluntário e deliberado de agressão ao militar em causa, mas um ato inopinado de reação para afastar o militar, aliás, como foi percecionado pelo próprio ofendido e também pelos restantes militares presentes. Também todas as testemunhas afirmaram que o arguido no dia dos factos estava alterado e descompensado, sendo essa descrição compatível com o discurso e o comportamento do próprio arguido no dia dos factos, em que afirmava querer se entregar em virtude de um mandado de detenção, que afinal não existia!

O. Esta conjugação de circunstâncias em que os factos ocorreram, no entender da defesa, diminuem o dolo e o grau de culpa do arguido.

P. Não podemos aceitar uma reação penal cega, desmesurada, excessiva e desproporcional à atuação do Recorrente nos autos, sendo que no quadro em que o arguido atuou (até risível) e dada a ausência de lesões do ofendido a sua conduta também não assume tamanha gravidade, sendo efetivamente diminuta a gravidade da sua conduta.

Q. Num tal quadro, afigura-nos que a condenação em 9 (nove) meses de prisão determinada pelo Tribunal a quo é excessiva e desproporcional face à gravidade e à culpa do Recorrente, sendo que, in casu, uma pena de prisão não poderia ir além dos 5 (cinco) meses, atendendo desde logo que o limite que é imposto pela culpa do agente, ora Recorrente, consagradas respetivamente nos arts. 40.º, 70.º, 71.º e 40.º, nº 2, todos do Cód. Penal.

R. O Tribunal a quo considerou não ser viável a aplicação de quaisquer das penas de substituição.

S. O Recorrente discorda de tal decisão, em primeiro lugar porque considera que uma pena de 24 meses de prisão reconduz – se efetivamente ao conceito de uma pena curta de prisão, para além disso o cumprimento de pena de prisão pelo Recorrente anterior (aos factos) não afastam as habituais consequências gravosas que estão associadas à pena curta de prisão, assim como não afastam as necessidades do processo de ressocialização do agente, e como tal, no caso dos autos, impunha-se a aplicação ao arguido/Recorrente de penas de substituição.

T. No caso em apreço, a denegação da suspensão ao Recorrente não está devidamente fundamentada.

U. Com efeito, as circunstâncias (tal como descritas na acusação e nos depoimentos acima identificados) em que o arguido/Recorrente cometeu os crimes a que foi condenado (também pela presença no local dos vários militares), não revestem tamanha gravidade a exigir-se uma punição cega e desmesurada. A nosso ver, não podendo o arguido, neste aspeto, também ser prejudicado pela sua ausência ao julgamento.

V. Termos em que se entende que deveria ser suspensa a execução da pena de prisão aplicada ao arguido/Recorrente, nos termos do art. 50.º do Código Penal.

W. Caso assim não se entenda, sempre seria substituída por trabalho a favor da comunidade, ao abrigo do disposto no artigo 58.º, nº 1 do Cód. Penal, por cumprir as finalidades da punição, uma vez que se traduz num verdadeiro trabalho forçado que é imposto ao próprio arguido/Recorrente, representa para os condenados, no caso, o arguido/Recorrente uma verdadeira punição.

X. A douta sentença recorrida, na ponderação da substituição por trabalho a favor da comunidade (6.2.) padece de um erro, quando refere que o arguido se ausentou do território português.

Y. Neste contexto, o arguido/Recorrente, por via do presente recurso, dá sua aceitação legal à aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade como pena substitutiva, nos termos do art. 58.º, nº 1 doCód. Penal, realizando a mesma in casu de forma adequada e suficiente as finalidades da punição exigidas no caso concreto.

Z. Termos em que o decidido pelo Tribunal a quo na parte relativa à negação da pena substitutiva deve assim ser revogada.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso, e, em consequência proferido Acórdão que revogue a Douta Sentença recorrida, e substitua por outra, em que:

- Absolva o Recorrente dos crimes de injuria agravada e ameaça agravada na pessoa de B,

- Alterada a pena de prisão aplicada pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, na pessoa de T.

- Seja suspensa a execução da pena de prisão unitária aplicada ao arguido/Recorrente, nos termos do art. 50.º do Código Penal.

Caso assim, não se entenda,

- Seja a mesma substituída por trabalho a favor da comunidade, ao abrigo do disposto no artigo 58.º, nº 1 do Cód. Penal.”


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Neste Tribunal de recurso a Digna Procuradora-Geral Adjunto no parecer que emitiu, pugna pela improcedência do recurso apresentado.

Cumprido o preceituado no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada foi respondido.

Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito.

II- Fundamentação:

São os seguintes os factos (provados e não provados) e a motivação da sentença:

“ – Factos Provados
3.1.1. - Com relevância para a decisão criminal provaram-se os seguintes factos:
1. No dia 2 de maio de 2023, pelas 3 h e 10 m, o arguido entrou no posto territorial da GNR em Albufeira, dando um murro em cima do balcão afirmando querer se entregar em virtude de ter pendente um mandado de detenção.
2. O que fez na presença dos militares da GNR A e I que aí se encontravam ao serviço devidamente uniformizados e identificados.
3. Porquanto as supra referidas militares solicitaram ao arguido que aguardasse um momento, o mesmo, exaltado, proferiu as seguintes expressões na sua direção: “Filhas da Puta” e “Racistas!”.
4. De seguida, dirigiu-se para o exterior do Posto da GNR, tendo a militar A seguido no seu encalço, sendo que o arguido se manteve exaltado, proferindo expressões insultuosas em tom elevado.
5. Nesse momento, aproximou-se o militar T, seguido de B, o qual tentou dialogar com o arguido com o propósito de o acalmar.
6. De seguida o arguido desferiu um murro no braço do militar T, causando-lhe dor na região atingida, sem que tenha tido necessidade de receber tratamento médico.
7. Ato contínuo o arguido verbalizou: “filhos da puta, racistas de merda” e “não sabem com quem se meteram, sou feirante vou-vos matar a todos”, dirigindo-se aos militares presentes.
8. Dirigindo-se ainda ao militar T expressou que o iria matar.
9. Ao atuar do modo descrito teve o arguido o claro e firme propósito de:
- atingir os militares T, A, I e B, não apenas como cidadãos, mas sobretudo como profissionais da GNR que são, sentindo-se vexados e humilhados com o sucedido, com as palavras que lhes foram diretamente dirigidas;
- atingir o militar T na sua integridade física, ofendendo-o no seu corpo e saúde, o que logrou conseguir;
- provocar medo e inquietação nos militares T, A e B, bem como afetar a liberdade de determinação destes, o que logrou conseguir, ciente de que a sua conduta era adequada a produzir o pretendido efeito.
10. O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que tal conduta não lhe era permitida e era punida por lei.
Mais se apurou que:
11. O arguido foi condenado:
 Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 76/08.2GAPRL do Tribunal Judicial de Portel transitada em julgado em 22.06.2009, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €6,00; processo extinto por cumprimento.
 Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 30/06.9GGEVR do 2.º Juízo Criminal de Évora transitada em julgado em 27.07.2009, pela prática de um crime de passagem de moeda falsa, na pena de 7 meses de prisão, substituída por 210 dias de multa à taxa diária de €5,00; processo extinto por cumprimento.
 Por acórdão proferido no âmbito do processo n.º 616/09.0PBEVR do 2.º Juízo Criminal de Évora transitado em julgado em 19.05.2010, pela prática de um crime de roubo e de um crime de ameaça, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
 Por acórdão cumulatório proferido no âmbito do processo n.º 616/09.0PBEVR do 2.º Juízo Criminal de Évora e do processo n.º 30/06.9GGEVR, transitado em julgado em 09.12.2010, na pena de 3 anos e 2 meses de prisão.
 Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 272/09.5GBMMN do 1.º Juízo de Montemor-O-Novo, transitada em julgado em 16.04.2011, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 3 meses de prisão, substituída por 90 dias de multa à taxa diária de €5,00.
 Por acórdão proferido no âmbito do processo n.º 699/09.2PBEVR do 1.º Juízo Criminal de Évora transitado em julgado em 25.01.2012, pela prática de um crime de roubo, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
 Por acórdão cumulatório proferido no âmbito do processo n.º 699/09.2PBEVR do 1.º Juízo Criminal de Évora e do processo n.º 272/09.5GBMMN, transitado em julgado em 15.10.2012, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
 Por acórdão proferido no âmbito do processo n.º 54/15.5GAVVC do Juízo Central Cível e Criminal de Évora – Juiz 1, transitado em julgado em 16.02.2017, pela prática de um crime de roubo qualificado, na pena de 3 anos e 2 meses de prisão.
 Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 109/16.9GDEVR do Juízo Local Criminal de Évora – Juiz 1, transitada em julgado em 08.06.2017, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 5 meses de prisão.
 Por sentença cumulatória proferida no âmbito do processo n.º 109/16.9GDEVR e processo n.º 54/15.5GAVVC, transitada em julgado em 10.11.2017, na pena de 3 anos e 5 meses de prisão.
 Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 971/15.2PBEVR do Juízo Local Criminal de Évora, transitada em julgado em 23.01.2018, pela prática de um crime de ofensa à integridade física, na pena de 1 ano e 1 mês de prisão.
 Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 8/17.7GAARL do Juízo Local Criminal de Évora – Juiz 1, transitada em julgado em 07.02.2018, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão.
 Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 74/16.2GTEVR do Juízo Local Criminal de Évora – Juiz 2, transitada em julgado em 12.03.2018, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de condução de veiculo sob influencia de estupefacientes, na pena de 1 ano de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses.
 Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 103/17.2PBEVR do Juízo Local Criminal de Évora – Juiz 2, transitada em julgado em 23.04.2018, pela prática de um crime de dano, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão.
 Por acórdão cumulatório proferido no âmbito do processo n.º 528/18.6T8EVR do Juízo Central Cível e Criminal de Évora e dos processos n.º 8/17.7GAARL, 109/16.9GDEVR, 74/16.2GTEVR, 54/15.5GAVVC, 971/15.2PBEVR e 103/17.2PBEVR, transitado em julgado em 24.02.2019, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses.

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3.2. – Factos Não Provados
i. No dia 2 de maio de 2023, pelas 3 h e 10 m, quando o arguido entrou no posto territorial da GNR em Albufeira, encontravam-se presentes os militares da GNR T e B.
ii. Ato contínuo o arguido verbalizou: “sois todos uns filhos da puta, não valeis nada”, bem como “vocês são todos uns racistas, uns filhos da puta, não sabem com quem se meteram eu sou cigano, ides aparecer mortos”.
iii. Dirigindo-se ainda ao militar T proferindo as seguintes palavras: “tu és um filho da puta, eu vou-te matar, não gostas de ciganos feirantes, mas tu és um racista de merda”.
iv. Ao atuar do modo descrito teve o arguido o claro e firme propósito de provocar medo e inquietação na militar I, bem como afetar a liberdade de determinação desta, o que logrou conseguir, ciente de que a sua conduta era adequada a produzir o pretendido efeito
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IV.1. – Fundamentação da Decisão Sobre a Matéria de Facto
A convicção do Tribunal em relação aos factos provados e não provados acima descritos fundou-se no conjunto da prova, apreciada criticamente à luz das regras da experiência comum e da nossa livre convicção (cf. art. 127.º do Código de Processo Penal), junta aos autos e a produzida em sede da audiência de julgamento.
O princípio da livre apreciação da prova “não é, portanto, livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objetivos e, dessa forma, determina uma convicção racional, logo, também ela objetivável e motivável” (cf. Ac. do STJ de 4-11-98, CJ, tomo III, p. 209). É dentro deste contexto aqui assinalado que o Tribunal se estribou, alicerçado no princípio da livre apreciação da prova, perspetivado como um dever, o de alcançar a verdade material, para julgar provada e não provada a matéria supra transcrita.
Ponderou o Tribunal os depoimentos prestados pelos militares da GNR, T, A, I e B, cujo testemunho se afigurou isento e credível, bem como a conjugação de todos os depoimentos permitiu ao Tribunal obter um quadro completo e circunstanciado dos eventos em discussão, porquanto os referidos testemunhos se revelaram complementares e uníssonos. Com efeito, apesar das testemunhas apenas terem percecionado parte dos acontecimentos, a descrição das mesmas permite uma construção similar e não discrepante desse pequeno excerto de vida.
Assim, relataram A e I que se encontravam no interior do Posto da GNR de Albufeira a prestar atendimento, quando surgiu um individuo de sexo masculino, posteriormente identificado como sendo o arguido, o qual, de modo inusitado e aparentemente exaltado, se aproximou do balcão e apos bater no mesmo, exigiu ser detido porquanto teria mandados pendentes. De imediato, ambas solicitaram que se acalmasse e que aguardasse que terminassem o atendimento aos outros cidadãos que aí se encontravam, ao que o arguido não atendeu, tendo, em ato continuo, proferido na sua direção as expressões: “Filhas da Puta! Racistas!” e se dirigido para o exterior.
Perante a supra referida conduta, a militar A dirigiu-se para o exterior no seguimento do arguido, enquanto a militar I permanecia no interior do Posto. Contudo, depôs a testemunha que o arguido permanecia exaltado, vociferando insultos em tom elevado. Entretanto, aproximou-se o militar T o qual, depôs que ter-se-ia deslocado nesse momento ao Posto, com o colega de patrulha, o militar B com o propósito de trocarem de veículo, e que escutou vozes exaltadas junto do Posto, razão que motivou a sua deslocação.
Ambas as testemunhas (T e A) descreveram que, apesar do militar T apenas ter tentado acalmar o arguido, aquele persistiu na sua conduta, tendo inclusive em ato continuo desferido um murro que atingiu o bíceps braquial do referido militar (evento esse igualmente testemunhado por B, o qual se aproximava, igualmente do local), causando-lhe dor na região atingida, sem que tenha tido necessidade de receber tratamento médico. Em ato consecutivo, foi dada a voz de detenção ao arguido, sendo que este prosseguiu com a prolação de expressões insultuosas, designadamente “racistas” e “filhos da puta”, mas igualmente dirigiu na direção dos supra mencionados militares palavras como que não valiam nada e que os ia matar a todos, embora, por vezes, foca-se essas palavras apenas à pessoa T, motivado pelo facto de ter sido este quem o algemou.
Depuseram os militares T, A, I e B que já no interior do Posto, apos a sua detenção, o arguido continuou a proferir expressões insultuosas, não tendo, contudo, a testemunha I memória, nem perceção de este ter proferido na sua direção e/ou à sua pessoa qualquer expressão de teor intimidatório/ameaçador.
Mais esclareçam as testemunhas o modo como lograram obter a identificação do arguido, atendendo que o mesmo não se fazia acompanhar de qualquer documento de identificação – mediante o reconhecimento deste por terceira pessoa, nos termos da al. c) do n.º 5do art. 250.º do CPP, conforme decorre do Auto de identificação constante a fls. 6 dos autos, o qual coincidia com os elementos de identificação previamente fornecidos pelo próprio arguido.
Atendeu ainda o Tribunal à prova documental junta aos autos, nomeadamente o auto de notícia a fls. 4 a 5, auto de identificação a fls. 6 e, por fim, considerou o Tribunal o certificado de registo criminal, constante nos autos, quanto à (in)existência de antecedentes criminais.”
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Fundamentos do recurso:

Questões a decidir no recurso:

É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso (cf. art.º 412.º do Cód. Proc. Penal e, entre outros, Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção).

No recurso apresentado pelo arguido cumpre conhecer das seguintes questões:

1- falta de legitimidade do MºPº para o exercício da acção penal relativamente ao ofendido B por o auto de notícia não consubstanciar uma verdadeira queixa deste ofendido, não descrevendo os factos praticados pelo arguido contra este ofendido;

2- excessividade da pena parcelar de 9 meses de prisão pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada na pessoa de T;

3- suspensão da pena única de prisão ou, a não se entender assim, a sua substituição por pena de trabalho a favor da comunidade ao abrigo do disposto no art. 58º, n.º 1 do CPenal;


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Apreciando.

Como é sabido, e resulta do disposto nos arts. 368.º e 369.º, ex vi art. 424.º, n.º 2, todos do CPP, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem o objecto do recurso pela seguinte ordem:

Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão.

Seguidamente das que a este respeitem, começando pelas atinentes à matéria de facto e, dentro destas, pela impugnação alargada, se tiver sido suscitada e, depois dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP.

Por fim, das questões relativas à matéria de direito.

Será, pois, de acordo com estas regras de precedência lógica que serão apreciadas as questões suscitadas.

1 - falta de legitimidade do MºPº para o exercício da acção penal relativamente ao ofendido B por o auto de notícia não consubstanciar uma verdadeira queixa deste ofendido, não descrevendo os factos praticados pelo arguido contra este ofendido;


Compulsados os autos e lido com atenção o auto de notícia de 2.5.2023 verifica-se que, efectivamente, na descrição dos factos não consta o nome do agente B e nunca lhe é feita qualquer referência. Figura como vítima e agente autuante o agente T. Apenas na parte relativa às assinaturas consta o nome e a assinatura de B como testemunha. Ali figuram como testemunhas B, A e I. E no antepenúltimo parágrafo deste auto escreve-se “Ora participante e as testemunhas desejam procedimento criminal contra o arguido”. Quid Juris?
No nosso processo penal estão atribuídas ao Ministério Público a iniciativa e a prossecução processuais.
Este princípio, o princípio da oficialidade da promoção processual, sofre as limitações e excepções decorrentes da existência dos crimes semipúblicos e dos crimes particulares.
No art. 48.º do C.P.P. estabelece-se a legitimidade do Ministério Público para promover o processo penal, mas ressalvam-se as restrições constantes dos artigos 49.º a 52.º, as quais conformam as excepções a que o n.º 2 do art. 262.º do CPP se refere.
Nos crimes semipúblicos o Ministério Público só pode iniciar a investigação após a apresentação de queixa, como resulta do disposto no art.49.º do Código de Processo Penal. Sem queixa o Ministério Público carece de legitimidade para promover o processo.
Consta do auto de notícia que as testemunhas pretendem procedimento criminal contra o arguido, nas quais se inclui o agente B. Pode-se, pois, concluir de forma segura que este manifestou a vontade de que o procedimento criminal prosseguisse, ou seja, declarou apresentar queixa.
Mas qual é o conteúdo da sua queixa?
Desde logo não resulta da lei qual a forma e o conteúdo da queixa para que esta se mostre válida. Há então que procurar uma definição.
Ensina o professor Figueiredo Dias que “queixa é o requerimento, feito segundo a forma e no prazo prescritos, através do qual o titular do respetivo direito (em regra, o ofendido) exprime a sua vontade de que se verifique procedimento penal por um crime cometido contra ele ou contra pessoa com ele relacionada (art.111.º e CPP art.49.º)” E acrescenta “A queixa distingue-se, assim, tanto da mera denúncia, como da acusação particular”- in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, notícias editorial, §1063, pág. 665.
Trata-se de um pressuposto processual, um pressuposto positivo de punição, “cujo conteúdo contende com o próprio direito substantivo, na medida em que a sua teleologia e as intenções político-criminais que lhe presidem têm ainda a ver com condições de efetivação da punição, que nesta mesma encontram o seu fundamento e a sua razão de ser”- op. cit, pág. 663.
Esclarece ainda este professor que a queixa “pode ser feita por toda e qualquer forma que dê a perceber a intenção inequívoca do titular de que tenha lugar procedimento criminal por um certo facto . O que só é reforçado pelo disposto no art. 49º, n.º 3 do CPP. Não se torna necessário, por outro lado, que a queixa seja como tal designada; e é mesmo irrelevante que seja qualificada de outra forma pelo seu autor, v.g. como denúncia, acusação, etc. Tão pouco é relevante que os factos nela referidos sejam corretamente qualificados do ponto de vista jurídico-penal. Indispensável é só que o queixoso revele indubitavelmente a sua vontade de que tenha lugar procedimento criminal contra os agentes (eventuais) pelo substrato fáctico que descreve ou menciona”- op. cit. pág. 675.(negrito nosso)
Queixa é, pois, a manifestação de vontade de procedimento criminal feita por qualquer meio capaz de a levar ao conhecimento do Ministério Público em tempo, apresentada pelo respetivo titular do direito, em regra, o ofendido, para que, com os factos relatados, o MP exerça a ação penal contra o autor do crime. (111º CP e 49º CPP).
Referindo-se à queixa, como condição de procedibilidade, e à acusação particular, como condição de perseguibilidade, André Teixeira dos Santos, in “Queixa, participação e acusação particular versus crime público convolado em crime particular em sentido amplo por força de redução dos factos objeto do processo”, in RMP, nº 173, pags 87-138, defende: “Tratando-se de condições que se traduzem em momentos temporais, têm de verificar-se nos tempos chave a que se reportam. Isto é, a queixa e a participação, enquanto conditio sine qua non do processo, têm de existir no seu início, antes de se encetar diligências de investigação e probatórias, sem prejuízo das medidas cautelares e de polícia. Já a acusação particular tem de se verificar no final do inquérito. É nesses momentos-chave que cumpre aferir se o crime objeto do processo reclama o preenchimento dessas condições. Ultrapassado o marco temporal a que se reporta a condição de procedibilidade, os actos praticados posteriormente são válidos. Logo, deduzida uma acusação por crime público, se no julgamento este crime for convolado em crime particular, por somente se terem provado os factos descritos na acusação pública respeitantes a este crime contra a honra, poderá ocorrer a condenação (…). Nesse ponto do processo não renasce a questão da procedibilidade ou da legitimidade do MP para a prossecução do processo. (…) Em suma, a pedra de toque de todo o edifício jurídico das condições de procedibilidade assenta nos factos que dão azo à instauração do processo-crime e que permitem tal instauração, bem como à fase de julgamento. Marcos temporais delimitados e circunscritos na lei, nisso consistindo a sua definição de pressupostos processuais que, uma vez verificados, não deixam de existir e permitem que haja unidade e um fio condutor no sistema processual penal.”- (sublinhado nosso)- citação retirada do Acórdão do STJ de 29.5.2024, processo n.º 560/19.2PATVD, in www.dgsi.pt.
Parece-nos que resulta inequívoco que a descrição dos factos com a sua individualização relativamente a cada um dos queixosos (o que não significa que tais factos não possam constar de um único auto de notícia) é condição sine qua non do início do processo e condição de procedibilidade.
Da análise do auto de notícia de 2.5.2023 resulta que, efectivamente, nada se descreve no que respeita ao ofendido e agente B, cujo nome apenas surge, como já referimos, na parte relativa às assinaturas, não se particularizam factos, acções do arguido que lhe tenham sido dirigidas. Assim, temos que concordar com o recorrente na parte em que defende que o MºPº não tem legitimidade para a prossecução do processo relativamente ao crime de injúrias alegadamente praticado contra o agente B, uma vez que a queixa apresentada não engloba tais factos e, tratando-se de um crime semipúblico, depende de queixa.
Veja-se por revestir algum interesse para a questão aqui em análise, Acórdão da Relação de Évora de 18.9.2012, processo n.º 1445/10.3PBFAR(in www.dgsi.pt), onde se decide que o auto de notícia não configura, no caso, uma verdadeira queixa, por falta de manifestação de vontade.
Cumpre, pois, retirar a condenação do arguido relativamente ao crime de injúrias contra B (al. c) do dispositivo da sentença).
Já o mesmo não se pode dizer relativamente ao crime de ameaça agravada, na redacção dada ao Código Penal após a revisão feita pela Lei nº 59/2007, de 04/09, pois passou a tratar-se de um crime público, como defendido pela maioria da jurisprudência, posição à qual aderimos. Veja-se a este propósito e neste sentido, entre outros, Acórdãos da Relação de Évora de 26.10.2019, processo n.º 538/17.0PBELV, de 15.5.2012, processo n.º 16/11.1GAMAC, de 7.4.2015, processo n.º 517/12.4PAOLH e Acórdão da Relação do Porto de 28.2.2024, processo n.º 111/23.4GAPFR, in dgsi.pt.

2- excessividade da pena de 9 meses de prisão pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada na pessoa de T;

Vem o arguido/ recorrente impugnar a pena parcelar de 9 meses de prisão que lhe foi fixada pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada na pessoa do agente da GNR T.
O recorrente começa por pôr em causa a análise feita da prova produzida, transcrevendo parte dos depoimentos das testemunhas, alegando que o contexto em que os factos ocorreram diminuem o dolo e a culpa do arguido.
Os elementos relativos ao dolo e à culpa integram e constituem matéria de facto.
O recorrente parece impugnar a matéria de facto neste particular, invocando uma errada apreciação da prova, embora não indique as disposições do art. 412º, n.º 2 e 3 do CPP, nem diga quais os concretos pontos de facto que deviam ser alterados.
Não tinha o recorrente que proceder à integral transcrição dos depoimentos, apenas à sua consulta e audição através do sistema disponibilizado pelo tribunal (ou solicitando a gravação de ficheiro áudio), para depois proceder à concreta indicação dos momentos da gravação e das exactas frases que entende que impõem outra decisão de facto, com recurso também à identificação dos depoimentos constantes das actas das sessões de julgamento. Não cumpriu o ónus de especificação.

Como é pacífico na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, para que a impugnação de facto proceda, é necessário que as provas indicadas pelo recorrente imponham, quanto à matéria impugnada, uma decisão diversa da proferida, não bastando que permitam uma diferente leitura, consoante a pessoa que as analisa e valora.

A apreciação da prova produzida em julgamento é feita segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, estando-se no domínio do princípio da livre apreciação da prova - art. 127º do CPP.

Preceitua o artigo 127.º do CPP, sob a epígrafe “Livre apreciação da Prova”: “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”

Esta liberdade, está, assim, intimamente ligada quer ao dever de tal apreciação assentar em critérios objetivos de motivação quer, por outro lado, ao dever de perseguir a verdade material. Quando se diz que a valoração da prova é feita segundo a livre convicção do juiz, a convicção há-de ser pessoal, objetivável e motivável, logo, vinculada e, assim, capaz de conseguir a adesão razoável da comunidade pública. Donde resulta que tal existirá quando e só quando o Tribunal se tenha convencido, com base em regras técnicas e de experiência, da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável (cf. Figueiredo Dias in “Direito Processual Penal”, Vol. I, Coimbra Editora, 1981, pág.ªs 198 a 207).

O juiz deve apreciar a prova testemunhal segundo os critérios de valoração racional e lógica, tendo em conta as regras normais de experiência, julgando segundo a sua consciência e convicção. Não se mostrando in casu que de harmonia com esse critério a convicção da Mma. juíza seja infundada, ela prevalece nos termos do art. 127º do CPP sobre a visão subjectiva do recorrente.
Entende o arguido que a pena parcelar pela prática do crime de ofensas à integridade física qualificadas deveria ser de 5 meses de prisão.

Analisado o texto decisório a sentença padece, a nosso ver, de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada no que respeita à escolha e determinação da medida concreta da pena, como adiante veremos.

O art. 70.º do CP refere que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Esta regra, que se reporta às penas alternativas, vale para as penas substitutivas da pena de prisão, ao abrigo do art. 45.º, n.º 1, do CP: “A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes”.

Por outro lado, dispõe o art. 40.º do CP que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (n.º 1), e que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (n.º 2).

É, pois, de acordo com as proposições fundamentais de política criminal sobre a função e os fins das penas condensadas nesta norma, que estabelece um modelo de prevenção, que haverá que interpretar e aplicar os critérios de determinação da medida da pena.

Como se escreve no Ac. do STJ de 16-01-2008 (Proc. n.º 4565/07 - 3.ª), in dgsi.pt, “O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”.

Assim, o Tribunal terá de atender, de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 71.º do CP, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.

No Acórdão do STJ de 29.04.2009, Proc. n.º 939/07.2PYLSB.S1 - 3.ª, in www.stj.pt escreve-se “Na escolha da pena, considera Figueiredo Dias, a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, na perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.

Essa prevalência opera a dois níveis diferentes:

- em primeiro lugar, o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas, coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração;

- em segundo lugar, sempre que, uma vez recusada pelo tribunal a aplicação efectiva da prisão, reste ao seu dispor mais do que uma espécie de pena de substituição (v.g., multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, suspensão da execução da prisão), são ainda considerações de prevenção especial de socialização que devem decidir qual das espécies de penas de substituição abstractamente aplicáveis deve ser a eleita.

Por seu turno, a prevenção geral surge aqui sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.»

De todo o exposto decorre que, no processo de formação pelo Tribunal dos juízos de valor que, nos termos das disposições legais referidas, terão de estar na base da escolha da pena, da determinação da sua medida concreta e da ponderação (obrigatória, quando reunidos os respectivos pressupostos formais) da aplicação de uma pena de substituição da pena de prisão quando seja esta a escolhida, designadamente a da suspensão da sua execução, terá sempre um papel relevante a consideração das «condições pessoais» do arguido, que poderão englobar, designadamente, o seu enquadramento familiar e profissional, a sua situação socioeconómica, o seu nível de escolaridade e de formação profissional, a existência de problemas de saúde física ou psíquica ou de hábitos de consumo de tóxicos ou álcool, e, se for o caso, eventuais esforços que aquele tenha desenvolvido no sentido de superar tais dependências.

Como resulta da transcrição acima efectuada, na factualidade dada como provada apenas consta as condenações que o arguido sofreu, não sendo feita qualquer referência às suas demais condições, nem às diligências que o tribunal tenha empreendido no sentido de as averiguar.

Ao contrário do que se escreveu na sentença em crise o arguido não sofreu quinze condenações. Se bem vemos, o arguido foi condenado no processo n.º76/08.2GAPRL do Tribunal Judicial de Portel por sentença transitada em julgado em 22.06.2009, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €6,00, pena declarada extinta a 26.1.2010.

Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 30/06.9GGEVR do 2.º Juízo Criminal de Évora transitada em julgado em 27.07.2009, pela prática de um crime de passagem de moeda falsa, foi o arguido condenado na pena de 7 meses de prisão, substituída por 210 dias de multa à taxa diária de €5,00, pena declarada extinta a 11.10.2010.

Por acórdão proferido no âmbito do processo n.º 699/09.2PBEVR do 1.º Juízo Criminal de Évora e transitado em julgado em 15.10.2012 foi feito o cúmulo jurídico da pena aplicada neste processo com as penas dos processos n.º 616/09.0PBEVR e n.º 272/09.5GBMMN, sendo o arguido condenado na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão. Esta pena foi declarada extinta a 28.4.2014.

Por acórdão proferido no âmbito do processo n.º 528/18.6T8EVR do Juízo Central Cível e Criminal de Évora e transitado em julgado em 14.02.2019 foi feito o cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos n.º 8/17.7GAARL, 109/16.9GDEVR, 74/16.2GTEVR, 54/15.5GAVVC, 971/15.2PBEVR e 103/17.2PBEVR, sendo o arguido condenado na pena de 5 anos e 6 meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses. Esta pena foi declarada extinta a 2.5.2022.

Assim, o arguido cumpriu quatro penas, duas penas de multa e duas penas de prisão, datando os últimos factos praticados, e que integram o último cúmulo jurídico, de 21.1.2017.

Em sede de escolha da pena e da determinação da sua medida concreta, o tribunal limitou-se a referir as exigências de prevenção geral e, ao nível das necessidades de prevenção especial, como já vimos, os antecedentes criminais do ora recorrente e o seu grau de culpa, que considerou elevado “atento o teor das expressões dirigidas ao ofendido”.

E, mais adiante, aquando da análise da possibilidade de substituição da prisão por pena não privativa da liberdade, de suspender a execução da pena aplicada ou de determinar o seu cumprimento em regime de permanência na habitação, volta a mencionar (apenas) esses mesmos elementos, para concluir que nenhuma dessas alternativas realiza de forma adequada as finalidades da punição que a situação concreta reclama.

Ao tribunal impõe-se o dever de decidir da produção de prova sobre os factos relativos às condições pessoais do arguido, independentemente de este as ter alegado, designadamente em sede de contestação, ou da sua presença em audiência de julgamento.

Na verdade, como decorre das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 2 do art. 369.º e do n.º 1 do art. 371.º aplicável ex vi art. 391º-E, n.º1 todos do CPP, resulta que, quando verifique que se encontram reunidos os pressupostos da aplicação a determinado arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o tribunal terá de avaliar se é necessária a produção de prova suplementar dos factos relevantes para a determinação da espécie e da medida da sanção (nos quais relevam, como vimos, as condições pessoais do arguido), devendo proceder à reabertura da audiência quando conclua pela afirmativa, ou passar de imediato à deliberação sobre a escolha e a medida da pena, caso aquela produção de prova não se afigure necessária.

O Tribunal não apurou minimamente as condições pessoais do recorrente, sendo que o facto de o mesmo ter sido julgado na sua ausência não o desobrigava de exercer o poder-dever de averiguação oficiosa da factualidade atinente àquelas condições, com vista a possibilitar uma decisão justa sobre a escolha da pena e determinação da sua medida concreta, a fixação da taxa diária, em caso de aplicação de pena pecuniária, como ainda, em caso de opção pela pena de prisão, a ponderação da aplicação de alguma pena de substituição ou o seu cumprimento em regime de permanência na habitação.

Para evitar a apontada lacuna da matéria de facto podia o Tribunal de 1.ª instância ter, por exemplo, solicitado relatório social, nos termos do art. 370.º, n.º 1, do CPP, tanto mais que o paradeiro do arguido era conhecido (como resulta evidente do facto de ter sido notificado para o julgamento).

A ausência de prova das condições sociais, pessoais e económicas do arguido, em caso de decisão condenatória, tem vindo a ser entendida pela jurisprudência dos Tribunais Superiores como integradora do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP.

Como se lê no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.04.2006, Proc. n.º 363/06 - 5, in www.stj.pt, “A insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena.”

Neste sentido também os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-05-2022, Proc. n.º 2802/19.5T9SXL.L1-5, e do Tribunal da Relação do Porto de 24-09-2020, Proc. n.º 8/20.3GBVNG.P1, in dgsi.pt.

A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, escreve Tolda Pinto in “A Tramitação Processual Penal, 2.ª Ed., pág. 1035”, “existe quando, através dos factos dados como provados, não sejam logicamente admissíveis as ilações do tribunal “a quo”, não estando, porém, definitivamente excluída a possibilidade de as tirar. Esta, porém, não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, a qual resulta da livre convicção do julgador e das regras da experiência”.

A insuficiência da matéria de facto provada para prolação da respectiva decisão verifica-se quando há lacuna, deficiência ou omissão no apuramento e investigação daquela matéria.

Este vício supõe que os factos provados não constituem suporte bastante para a decisão que foi tomada, quer porque não permitem integrar todos os elementos materiais de um tipo de crime ou contra-ordenação, quer porque deixem espaços não preenchidos relativamente a elementos essenciais à determinação da ilicitude, da culpa ou outros necessários para a fixação da medida da pena.

No caso sub judice, a decisão posta em crise padece, pois, do vício de insuficiência da matéria de facto para suporte de uma bem fundada decisão de direito no que respeita a elementos importantes a ter em conta na escolha da pena, na determinação da sua medida concreta, na fixação da taxa diária da multa em caso de aplicação de pena pecuniária, ou ainda, em caso de opção pela pena de prisão, na ponderação da aplicação de alguma pena de substituição, ou da possibilidade de cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, o que ressalta da leitura do próprio texto da mesma.

A verificação deste vício decisório, que é, como se sabe, de conhecimento oficioso, é susceptível de determinar o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art. 426.º, n.º 1, do CPP, restrito, neste caso, à matéria da escolha e da medida da pena e, se for caso disso, da eventual aplicação de pena de substituição ou da determinação da forma do seu cumprimento.

E, de acordo com o mesmo preceito legal, tal só deverá suceder se a questão não puder ser ultrapassada em sede de recurso, por ser necessário sobre ela produzir prova, o que, como vimos, é precisamente o caso.

Importará, assim, reenviar o processo para novo julgamento, restrito ao apuramento das condições pessoais e económicas do recorrente e dos reflexos desses elementos na escolha da pena, na determinação da sua medida concreta, e em caso de opção pela pena de prisão, na ponderação da aplicação de alguma das penas de substituição ou, eventualmente, da possibilidade do seu cumprimento em regime de permanência na habitação, ficando, naturalmente, prejudicado o conhecimento por este Tribunal das questões suscitadas pela recorrente.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam as Juízas da 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- absolver o arguido da prática do crime de injuria agravada p. e p. pelo art. 181.º n.º 1 e 184.º, com referência ao artigo 132.º n.º 2, alínea l) e 188.º, n.º 1, al. b), todos do Código Penal relativamente ao ofendido B por falta de legitimidade do MºPº para o exercício da acção penal relativamente a este crime;

- julgar verificado na sentença recorrida o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e, em consequência, nos termos do disposto nos arts. 410.º, n.º 2, al. a), 426.º, n.º 1, e 426.º-A, todos do CPP e determinar o reenvio do processo para novo julgamento, restrito ao apuramento das condições pessoais e económicas do recorrente, M, após o que deverá ser proferida nova sentença na qual serão ponderados, para além dos factos já constantes da decisão recorrida, os elementos que vierem a ser demonstrados e que se mostrem relevantes em sede de escolha da pena, de determinação da sua medida concreta e, sendo caso disso, de ponderação da aplicação de penas de substituição ou, eventualmente, da forma do seu cumprimento, ficando prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pelo recorrente.

Sem custas.

Évora, 11 de fevereiro de 2025

Renata Whytton da Terra

Filipa Valentim

Helena Bolieiro