I - Viola os deveres de boa fé, de lealdade e de informação o intermediário financeiro que sabendo que os clientes não têm experiência, conhecimentos ou competências pessoais para avaliar de forma livre e informada a decisão de subscrever um produto que não assegura a sua preocupação de, em nenhuma circunstância perderem o capital investido, lhes sugere a aplicação em obrigações com a indicação de que se trata do melhor produto do mercado e que no final iriam receber o seu dinheiro por as obrigações serem de quem eram.
II - Há nexo de causalidade entre essa violação e a perda de parte do capital investido se o cliente apenas tiver tomado a decisão em virtude da informação que lhe foi dada e não teria tomado essa decisão se tivesse sido informado que as obrigações representavam mesmo o risco de perda do capital.
II - O funcionário do intermediário financeiro com o qual o cliente se relaciona não é pessoalmente responsável pela obrigação de indemnização por violação desses deveres do intermediário financeiro, ainda que seja ele que no exercício das suas funções profissionais omite a informação que devia prestar.
ECLI:PT:TRP:2025:652.19.8T8AVR.P1
SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
I. Relatório:
AA, casada, contribuinte fiscal n.º ...20, residente no ..., ..., instaurou acção judicial com processo comum contra Banco 1... – Sucursal em Portugal, pessoa colectiva com a identificação n.º ...79, com sede em Lisboa, e contra BB, contribuinte fiscal n.º ...04, residente em ..., pedindo a condenação dos réus a pagarem-lhe €51.215,43, a título de indemnização de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescidos de juros à taxa legal.
Para fundamentar o seu pedido alegou, em súmula, que se deslocou ao balcão de ... do banco réu onde foi atendida pelo segundo réu ao qual manifestou querer aplicar a quantia de €50.000,00 num depósito a prazo, sem qualquer risco de capital, tendo sido induzida por este a aplicar o dinheiro numa aplicação financeira, que disse ser inteiramente segura e sem riscos, sem ter sido devidamente informada das características do produto e alertada para os respectivos riscos, vindo mais tarde esse produto a desvalorizar quase por completo, perdendo a autora a quase totalidade do seu dinheiro.
O réu BB contestou, excepcionando a sua ilegitimidade por a sua actuação ter ocorrido na qualidade e no exercício das funções de funcionário do banco réu, sob as ordens do qual sempre agiu. Mais impugnou os factos alegados contrapondo que apresentou à autora e ao marido os produtos disponíveis no Banco, dando-lhes uma explicação minuciosa das vantagens e desvantagens desses produtos, tendo sido a autora e o marido a tomar a sua decisão, sendo certo que o produto em causa era na altura um dos melhores que se podia subscrever, atendendo ao risco e à boa rentabilidade.
O banco réu contestou, excepcionando a prescrição do eventual direito da autora, por já terem passado mais de 2 anos sobre a data em que tiveram conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos. Por impugnação, sustenta que cumpriu todos os deveres a que se encontrava adstrito no âmbito da relação contratual com a autora e o marido, os quais subscreveram as condições gerais de serviços bancários e de intermediação financeira, a carta comprovativa de Welcome Pack e os questionários de Apuramento do Perfil do Investidor, tendo-lhes sido atribuído o perfil 2; o marido da autora tomou a decisão de subscrever 50 Notes Db Rendimento Portugal Telecom Finance 2020 depois de ele e a autora terem sido esclarecidos da natureza e riscos deste produto financeiro.
A autora respondeu à matéria da excepção da prescrição, defendendo que o prazo de prescrição é de 20 anos por o comportamento dos réus traduzir culpa grave.
Foi admitida a intervenção principal de CC, marido da autora, contribuinte fiscal n.º ...00, residente em ..., ..., o qual fez seus os articulados da mulher.
Entretanto, foi instaurado processo de acompanhamento de maior quanto à autora, no qual foi proferida decisão a aplicar à beneficiária a medida de acompanhamento de administração total de bens, nomeando-se como acompanhante o marido CC, com poderes para receber e gerir os rendimentos e o património da requerida, mais se fixando a data a partir da qual a medida de acompanhamento se tornou conveniente no dia 4 de Agosto de 2005.
No despacho saneador foram julgados ambos os réus partes legítimas e remetido para final o conhecimento da excepção da prescrição.
Realizado julgamento foi proferida sentença, tendo a acção sido julgada parcialmente procedente e os réus condenados solidariamente a pagarem à autora €43.715,43, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, e €3.000,00 de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença até integral pagamento.
Do assim decidido, vieram ambos os réus interpor recurso de apelação.
O recorrente BB termina as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
I. O recorrente não se pode conformar com a sua condenação a título pessoal e de forma solidária com o R. “Banco 1..., pois não ocorre fundamento jurídico para tal.
II. Na sentença recorrida não se fundamenta a responsabilização solidária do recorrente nela decidida em qualquer preceito legal respeitante à responsabilidade do intermediário financeiro nem em qualquer cláusula eventualmente constante dos concretos contratos de serviços bancários e de intermediação financeira subscritos pela autora e seu marido.
III. Como se prevê no art. 513º do C. Civil, a responsabilidade solidária “só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes”. Isto é, a solidariedade tem de ser convencionada pelas partes ou prevista em disposição legal, ou seja, se nada tiver sido acordado pelas partes nem resultar de especial previsão legal, não se aplica o regime da solidariedade, que não foi consagrado entre nós como regime supletivo.
IV. No caso concreto, a actuação do recorrente ocorreu apenas por causa e no âmbito da sua qualidade de funcionário do réu “Banco 1..., que era o intermediário financeiro do produto financeiro adquirido pela autora, e, desde logo, não se mostra convencionada nos concretos contratos de serviços bancários e de intermediação financeira subscritos pela autora e seu marido junto do banco qualquer responsabilidade solidária dos funcionários ou colaboradores deste no âmbito da prestação daqueles serviços.
V. Por outro lado, no Código dos Valores Mobiliários (aprovado pelo Dec. Lei 486/99, de 13/11, com sucessivas alterações) – regime legal que prevê a responsabilidade do intermediário financeiro por violação dos deveres de informação que a este são impostos e os termos em que aquela ocorre – também não existe qualquer norma na qual se preveja ou resulte aquela responsabilidade solidária.
VI. No art. 304º-A de tal regime legal (vigente nos seus termos ao tempo da subscrição do produto financeiro dos autos), com a epígrafe “Responsabilidade civil”, consta expressamente sob o seu nº 1 que são “os intermediários financeiros” os “obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública”.
VII. Tal norma de responsabilização do intermediário financeiro mais não é do que a consequência de se estar perante uma responsabilidade de natureza contratual – decorrente do contrato de intermediação financeira celebrado entre si e o interessado no produto financeiro –, a qual é assim explicitamente qualificada pela própria lei quer no nº 2 do art. 304º-A, que presume a “culpa do intermediário financeiro” quando o dano seja originado pela violação de deveres de informação “no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais”, quer no nº 1 do art. 324º, que, sob a epígrafe “Responsabilidade contratual”, estatui que “São nulas quaisquer cláusulas que excluam a responsabilidade do intermediário financeiro por actos praticados por seu representante ou auxiliar”.
VIII. A responsabilidade, porque de natureza contratual, é sempre e só do intermediário financeiro, que é quem juridicamente contrata com o interessado o produto financeiro, e não das pessoas singulares de que, como seus representantes ou auxiliares, se possa servir no âmbito do desempenho da sua actividade de intermediação.
IX. Ainda que sob o nº 5 do art. 304º do Código dos Valores Mobiliários se preveja que os deveres de informação referidos no art. 312º (abrangidos por via da expressão “deveres referidos nos artigos seguintes” constante daquele nº5) “são aplicáveis aos titulares do órgão de administração e às pessoas que dirigem efectivamente a actividade do intermediário financeiro ou (…) aos colaboradores do intermediário financeiro (…) envolvidos no exercício ou fiscalização de actividades de intermediação financeira (…)”, tal norma, como se sumaria no Acórdão da Relação de Lisboa de 4/6/2020 (proferido no proc. nº 15392/17.4T8LSB.L1-2, disponível em www.dgsi.pt), “consagra um dever funcional dos colaboradores do intermediário financeiro e não um dever pessoal, pelo que, em caso de violação dos princípios e deveres por parte dos colaboradores, não ocorre uma responsabilidade pessoal/subjectiva destes, mas antes uma responsabilidade do próprio intermediário financeiro”.
X. Recaindo a responsabilidade por danos que se tenham por causados ao cliente por violação dos deveres de informação sobre o intermediário financeiro – e não sobre as concretas pessoas de que este se sirva como seus representantes, colaboradores ou auxiliares –, não pode ter lugar a condenação solidária do ora recorrente.
XI. Nem mesmo quanto à quantia fixada a título de indemnização por danos não patrimoniais pode ter lugar tal condenação do recorrente, pois a indemnização daquele tipo de danos, como decorre dos factos provados sob os nºs 29 e 30, apenas ocorre por causa da responsabilidade contratual decidida em relação ao réu banco.
XII. Estando em causa uma responsabilidade daquela natureza e sendo o banco réu o único a poder ser responsabilizado, só ele poderá ser responsabilizado pelos danos não patrimoniais que no âmbito dessa sua responsabilidade contratual ocorram.
XIII. Ao decidir-se como se decidiu na sentença recorrida em relação ao recorrente, violaram-se os artigos 513º do C. Civil e 304º nº 5, 304º-A e 324º do Código dos Valores Mobiliários.
Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Ex.ª doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, devendo a sentença recorrida, na parte em que condena o ora recorrente nos termos que supra se referiram, ser revogada, absolvendo-o.
O recorrente Banco 1... termina as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
A. […]. B. […]. C. O recorrente não se conforma com a referida sentença, e visa com o presente recurso impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto dada como provada e não provada, por entender que o tribunal a quo fez uma incorrecta apreciação da prova produzida o que determinou um erro no julgamento de facto e, em consequência, na aplicação do direito.
D. Não obstante a prova documental junta aos autos, a verdade é que na questão de fundo e essencial dos presentes autos, relacionada com o cumprimento ou não dos deveres de informação pelos réus, apenas a autora, o interveniente e o 2.º réu BB, têm conhecimento directo dos factos e do que efectivamente ocorreu nas reuniões havidas entre ambos e na subscrição do produto financeiro em apreço nos autos.
E. Naturalmente que o tribunal tem a livre apreciação dos depoimentos e declarações das partes e, nesse sentido, entendeu mais credível o depoimento e declarações de parte da autora, compreensivelmente mais confuso, mas também algo selectivo, assim como do interveniente CC que como se verá, depôs com pouca clareza e com bastantes incoerências que, no nosso modesto entender, seriam suficientes para colocar em causa as suas declarações de parte.
F. Era à autora e ao interveniente CC que cabia a prova do ilícito - violação do dever de informação - não bastando para tal vir aos autos dizer que não foram informados das características do produto financeiro em apreço e que não sabiam que havia risco associado.
G. A assinatura aposta no documento de subscrição e bem assim na declaração de advertência, pelo interveniente CC, não podem ser desconsideradas e valem como confissão-extrajudicial, como manifestação da vontade de subscrever o produto em apreço, independentemente das suas características.
H. Para além das declarações e depoimentos da autora e interveniente e do 2.º réu e dos documentos assinados para subscrição do produto financeiro em apreço nos autos, não existe qualquer outra prova que possa asseverar com grau de certeza o que se passou e qual foi efectivamente a intenção da autora e marido ao subscreverem as “Notes db Rendimento Portugal Telecom Finance 2020”.
I. Considerou o tribunal a quo ter sido mais credível a versão da autora e marido.
J. Não se compreende que tenham sido dados como não provados os factos a), b), c), d), e), f), g), h), j), k) e l), considerando o depoimento e declarações do 2.º réu.
K. Sendo verdade que, estamos perante um produto financeiro complexo, comportando o risco de perda do capital investido e, inclusivamente, a ausência de rentabilidade, contrariamente a outros produtos da mesma natureza, este tinha a vantagem do risco estar mitigado, uma vez que, tal como consta das Informações Fundamentais ao Investidor, a remuneração das Notes e o reembolso do capital investido dependiam da inexistência de incumprimento da Portugal Telecom International Finance BV ao abrigo das obrigações por si emitidas que constituíam a garantia do produto, contrariamente a outros, mais voláteis, compostos por activos subjacentes propensos às oscilações dos mercados.
L. Foi neste contexto, face às informações de que dispunha, que o 2.º réu transmitiu à autora e marido CC as informações inerentes ao produto financeiro em apreço, nada fazendo indicar que o desfecho do produto fosse o que veio a suceder, com a venda da Portugal Telecom à A... e posterior processo de insolvência desta entidade.
M. Factos a que os réus foram (e são) completamente alheios.
N. No que respeita à actuação do 2.º réu BB, na qualidade de gestor, e mais concretamente quanto à pretensão da autora e marido CC na aplicação do dinheiro e prestação da informação sobre o produto financeiro “Notes db Rendimento Portugal Telecom Finance 2020”, destacamos vários excertos do depoimento / declarações de BB, com referência para a gravação, início pelas 10:00:21 e terminus pelas 12:11:04, no dia 30.05.2023, cujas transcrições se encontram devidamente identificadas supra no presente articulado, e se dão por reproduzidas aqui na integra, para todos os efeitos legais.
O. Tal como consta na IFI (doc. 8 junto com a contestação), não é falso que o capital investido estivesse garantido na maturidade do produto e desde que não ocorresse nenhum evento de crédito ou situação de incumprimento por parte da “Entidade de Referência” - Portugal Telecom International Finance B.V.
P. Não tendo existido qualquer falsidade na informação prestada pelo 2.º réu, e muito menos intenção de enganar, pois a verdade é que os réus acreditavam na segurança do investimento, porque nenhum indicador de mercado dizia o contrário.
Q. Tendo sido explicado à autora e marido CC que a menos que ocorresse um evento de crédito com a entidade emitente ou de referência (insolvência ou pedido de recuperação judicial, o que era um facto imprevisível, mas que infelizmente veio a ter lugar), na maturidade, independentemente da variação ocorrida na cotação, o capital estaria garantido.
R. Pelo que, não se compreende onde está a ilicitude, e muito menos conduta dolosa ou actuação com culpa grave do 1.º e 2.º réu que possa determinar a sua responsabilidade.
S. Acresce que, nenhuma questão foi suscitada pela autora e marido CC sobre o produto financeiro em questão ou sobre o que assinavam, o que, naturalmente, transmitiu ao 2.º réu a convicção de que autora e marido estariam cientes do investimento que subscreveram - depoimento / declarações de BB, com referência para a gravação, início pelas 10:00:21 e terminus pelas 12:11:04, no dia 30.05.2023 - cujas transcrições se encontram devidamente identificadas supra no presente articulado, e se dão por reproduzidas aqui na integra, para todos os efeitos legais.
T. O 2.º réu confirmou ainda nas suas declarações que entregou documentação à autora e marido CC, que a levaram para ler e reflectir antes mesmo de decidirem assinar, aliás, como fazia com a maioria dos clientes - depoimento / declarações de BB, com referência para a gravação, início pelas 10:00:21 e terminus pelas 12:11:04, no dia 30.05.2023 - cujas transcrições se encontram devidamente identificadas supra no presente articulado, e se dão por reproduzidas aqui na integra, para todos os efeitos legais.
U. Quanto ao facto de ter sido dado como provado que “20 – Só em meados de 2016, a autora e o marido ficaram a saber, após contactarem o balcão de ... do 1º réu Banco 1..., que não tinham feito um depósito a prazo ou algo equivalente, mas investido os €50.000,00 num produto financeiro de risco”, remetemos para o momento em que, algures em 2015 a autora contacta o 2.º réu para pedir esclarecimentos - depoimento / declarações de BB, com referência para a gravação, início pelas 10:00:21 e terminus pelas 12:11:04, no dia 30.05.2023, cujas transcrições se encontram devidamente identificadas supra no presente articulado, e se dão por reproduzidas aqui na integra, para todos os efeitos legais.
V. Perante as explicações transmitidas pelo 2.º réu à autora, e admitindo a mesma, assim como o interveniente CC que recebiam os extractos e que se aperceberam que o dinheiro estava a desaparecer, não é minimamente crível, nem é o que resulta dos autos, que julgassem ter subscrito um simples depósito a prazo e que só em 2016 tiveram conhecimento da natureza do investimento realizado.
W. Também com relevância para atestar esta realidade, há que ter em consideração as declarações do interveniente CC sobre a recepção dos extractos e confronto do 2.º réu com a informação constante dos mesmos – depoimento o interveniente CC depoimento com início pelas 15:36:58 a 17:15:22 horas, no dia 30.05.2023, cujas transcrições se encontram devidamente identificadas supra no presente articulado, e se dão por reproduzidas aqui na integra, para todos os efeitos legais.
X. Importa ainda fazer o devido enquadramento sobre a valência e segurança do produto em apreço, tal como referido pelo 2.º réu e que, naturalmente, gerava confiança no próprio banco e gestores na comercialização deste produto - depoimento / declarações de BB, com referência para a gravação, início pelas 10:00:21 e terminus pelas 12:11:04, no dia 30.05.2023, cujas transcrições se encontram devidamente identificadas supra no presente articulado, e se dão por reproduzidas aqui na integra, para todos os efeitos legais.
Y. Em concreto no que respeita aos factos não provados nas alíneas j), k) e l), não se compreende em que medida tais factos foram considerados não provados, uma vez que o recorrente agiu apenas como intermediário financeiro na execução de uma ordem de compra dada pelo interveniente CC, que de resto não podia recusar, como expressamente prevê o artigo 326.º do CVM.
Z. Com efeito, uma interpretação sistemática, considerando tanto as normas acima referidas como os artigos aplicáveis do Código dos Valores Mobiliários (em especial os artigos 314º-D e anteriores), permite concluir que os deveres do intermediário no contexto da mera execução de ordens assumem uma densidade significativamente menor do que, por exemplo, na prestação de serviços de consultoria para o investimento ou gestão de carteira, que não existiu no caso concreto.
AA. Considerando tudo o exposto, entende o recorrente que o tribunal a quo não valorou em conformidade o depoimento do 2.º réu BB que, para além do mais, não foi, no nosso modesto entender, devidamente conjugado com a documentação assinada pelo interveniente CC e inerente à subscrição do produto “Notes db Rendimento Portugal Telecom Finance 2020”.
BB. Os factos provados 16, 20, 21, 24 e 25 devem ser incluídos nos factos não provados.
CC. O facto provado 18 deve ser alterado, eliminando a parte final, passando a sua redacção para “18 - As Notes Db Rendimento Portugal Telecom foram subscritas pelo marido da A. por este e ela terem plena confiança nos réus, nos serviços e informações que o Banco 1... lhes prestou por intermédio do 2º réu seu funcionário.”
DD. O facto provado 19 dever ser alterado, passando a sua redacção para “19 – Verificando a A. e o marido que, no decorrer dos anos de 2014 e 2015, na sua conta eram retirados valores da aplicação e que de três em três meses eram depositados juros, questionaram o 2º réu BB sobre a retirada dos valores, tendo-lhes ele dito que não deviam ficar preocupados, pois no final do prazo, em 2020, caso não ocorresse nenhum evento de crédito, tanto no Banco 1..., como na Portugal Telecom, receberiam o capital por inteiro.”
EE. Os factos não provados a), b), c), d), e), f), g), h), j), k) e l) devem ser incluídos nos factos provados.
FF. O que, claramente, e em conjugação com a prova documental junta aos autos pelo recorrente, conduziria a uma tomada de decisão diferente da que foi proferida pelo tribunal a quo, absolvendo os réus em conformidade.
GG. No que respeita à declaração manuscrita do investidor - doc. 9 da contestação - tendo sido dado como provado que o interveniente CC assinou tal documento, deveria o tribunal a quo ter aceitado a confissão das declarações apostas no referido documento.
HH. Assim, entende-se que o facto provado 22 deve ser incluído nos factos não provados por não, no entender do recorrente, não ter sido feita prova de tal factualidade.
II. Por outro lado, o facto não provado i) deve ser incluído nos factos provados com a redacção que se sugere: o 2º réu, após ter explicado em pormenor à A. e marido que havia risco de perda do capital investido e continuando estes a mostrar interesse na subscrição das Notes, apesar de desadequadas ao seu perfil de investidor, exigiu- lhes a declaração constante do doc. nº 9 (fls. 152), que estes entregaram ao 2.º réu já assinada e manuscrita.
JJ. Tal como ficou provado, que ainda que sem conceder se pudesse considerar que à data da subscrição do produto os Autores não sabiam que podiam ver o seu capital afectado, pelo menos desde 2015 perceberam que essa era de facto uma possibilidade, o que, salvo o devido respeito, não foi tido em consideração pelo tribunal a quo e que sempre teria relevância para efeitos da prescrição invocada.
KK. O facto do réu BB lhes transmitir que podiam estar descansados, que o dinheiro estava lá, não era mentira, pois o investimento estava em curso e o valor investido não estava alterado.
LL. A testemunha BB, explicou de forma bastante clara e esclarecedora como e em que termos transmitiu a informação sobre o produto à autora e marido CC, disponibilizando e lendo a IFI – Informações Fundamentais ao Investidor, aos Autores.
MM. Os Autores colocam-se na situação de quem não sabe nada, que não perceberam nada, que fizeram confiança numa pessoa que nunca tinham visto, colocando-se num patamar fora da diligência exigida ao homem médio na gestão da sua vida diária, o que não é minimamente verosímil.
NN. Aliás, o interveniente CC, chega ao ponto de dizer que nem sequer sabe o que é um depósito a prazo num primeiro momento, mas depois afirma que entregou o dinheiro para fazer um depósito seguro. A este propósito, referiu o interveniente CC depoimento com início entre as 15:36:58 a 17:15:22 horas, no dia 30.05.2023 - cujas transcrições se encontram devidamente identificadas supra no presente articulado, e se dão por reproduzidas aqui na integra, para todos os efeitos legais.
OO. O interveniente CC, apresentou-se com um discurso incoerente e sem qualquer correspondência com a realidade, ora dizendo que não sabia o que era um depósito a prazo ora afirmando que queria um depósito a prazo, e bem assim que não assinou nada, mas remetendo as assinaturas para uma fase final, referindo por diversas vezes não se lembrar quando assinou ou deixou de assinar documentos, apesar do que consta nos autos e das assinaturas não terem sido impugnadas e até as ter reconhecido quando confrontado em sede de audiência de julgamento - depoimento de CC com início entre as 15:36:58 a 17:15:22 horas, no dia 30.05.2023, cujas transcrições se encontram devidamente identificadas supra no presente articulado, e se dão por reproduzidas aqui na integra, para todos os efeitos legais.
PP. Portanto se tiveram discernimento para perceber num suposto extracto de tão difícil interpretação que o dinheiro que tinham estava a descer, também teriam tido, nessa altura, noção que não tinham subscrito um simples depósito a prazo.
QQ. Apesar das alegadas dificuldades a interpretação dos extractos, em momento algum o interveniente CC ou a autora, referiram ao 2.º réu BB, ter dificuldade em interpretar os extractos.
réus É muito fácil para a autora e interveniente CC apresentar uma narrativa de puro desconhecimento e total ignorância, fazendo tábua rasa do facto de ter aposto a assinatura em documentos bancários, como se tal não valesse nada.
SS. A IFI foi apresentada aos autores para explicar o produto, e não se trata, assim, de clausulado geral com letras pequeninas destinadas a omitir informação dos pequenos aforradores, mas sim de produtos com validação pública, cujas páginas contêm letras garrafais com pontos de exclamação a vermelho.
TT. Sendo manifesto que in casu se impunha decisão diversa da que foi proferida pelo Tribunal a quo, relativamente aos factos acima indicados que, ora foram erradamente dados como não provados, ora como provados.
UU. Conforme resulta da impugnação da matéria de facto, para além dos réus não terem violado o dever de informação, afastando desta forma a ilicitude, ainda que assim fosse, não existiu qualquer dolo ou culpa grave na actuação dos réus, o que foi cabalmente demonstrado.
VV. A autora deu entrada da presente acção em tribunal em 18/02/2019, requerendo a responsabilização do Banco réu por alegado incumprimento dos deveres de intermediação financeira decorrente da alegada falta de informação prestada no momento da compra do produto em causa na presente acção.
WW. Tendo em consideração a data da subscrição das Notes ocorreu em 04.09.2013, tendo a autora e marido CC tido conhecimento dos termos dos contratos nas datas das suas celebrações, tendo assinado toda a documentação respectiva, à data da propositura da acção o direito invocado já se encontrava prescrito – artigo 324.º, n.º 2 do CVM. O que se invoca novamente.
XX.A relação bancária que se estabeleceu entre a autora e seu marido CC e o recorrente, na sua génese, teve por base o contrato de abertura de conta de depósito à ordem composto pelas Condições Gerais inerentes aos serviços bancários, mas, igualmente, compreendendo os serviços de intermediação financeira devidamente contratualizados com o recorrente.
YY. Dos factos acima referidos resulta que a autora e marido e o recorrente iniciaram uma relação bancária a qual pode ser definida como “relação complexa no seio da qual se estabelecem entre as partes direitos e deveres de vária ordem, assentes numa relação de confiança e no princípio da boa-fé, relação duradoura e na qual pontificam, entre outros, deveres de colaboração e de lealdade mútua, de protecção dos interesses do cliente, de prevenção, de diligência e de cuidado” (Prof. Pinto Monteiro in R.L.J. ano 143, n.º 3987, pág. 379).
ZZ. De igual modo, entre a autora e marido CC e o recorrente estabeleceu-se ainda uma relação contratual de intermediação financeira, nos termos específicos dos artigos 289.º, n.º 1, 290.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 293.º, n.º 1, alínea a) do Código dos Valores Mobiliários.
AAA. Não tendo o recorrente, no âmbito da actividade de intermediação, incumprido qualquer dever de lealdade ou informação para com a autora e marido, inexistindo qualquer responsabilidade do mesmo, ou do 2.º réu, nos termos do artigo 304.º - A do CVM.
BBB. Nunca foi referido à autora e marido que a aplicação que realizara junto do recorrente era um depósito a prazo, ou que não comportava riscos, e que tinha capital garantido, bem sabendo ambos que para obter remuneração superior, só o conseguiria com o investimento em produtos que implicassem um acréscimo de risco.
CCC. Salvo o devido respeito, a argumentação da autora e marido CC, está assente em considerações que não são criveis para qualquer homem médio colocado na posição de observador externo.
DDD. O artigo 312.º do Código dos Valores Mobiliários (redacção vigente à data dos factos) prevê o núcleo base ou essencial dos deveres informativos que oneram o intermediário financeiro, os quais se traduzem, no dever de prestação de toda a informação necessária para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo verdade que a extensão e profundidade dessa informação, deve ser tanto maior quanto menor for o grau de conhecimento e experiência do cliente.
EEE. O legislador veio consagrar no n.º 2 deste artigo o princípio de que o dever de informação não tem um conteúdo fixo e uniforme, antes deve ser adequado ao conhecimento e experiência do cliente, sendo tanto maior quanto menor for este.
FFF. Sobre esta questão, diz-nos de forma clara e com toda a propriedade, o Acórdão do STJ de 30/04/2019 no proc. 2632/16.6T8LRA.L1.S1 in www.dgsi.pt e Acórdão do TRL de 03/12/2020 no proc. 562/19.9T8LSB.L1 in www.dgsi.pt.
GGG. Sem esquecer, de elevada importância sobre esta matéria, o recente Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022 emanado do Supremo Tribunal de Justiça, disponível em https://dre.pt/dre /detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/8-2022-202959162.
HHH. No seu essencial este Acórdão Uniformizador acabou por consolidar uma realidade que, até ao presente momento se apresentava como potencialmente controvertida, determinando que: i) No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano. ii) Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.
III. A autora e o interveniente CC, não cumpriram com tal desiderato, pelo que, inexiste qualquer fundamento para a pretensa e alegada responsabilização do recorrente pelos alegados danos.
JJJ. A possibilidade de perda do capital inicialmente investido tratou-se de um risco expressamente assumido pelo interveniente CC e, consequentemente, pela autora, pelo que, a mesma encontra- se devidamente coberta pelos riscos próprios do contrato assinado, não consubstanciando qualquer fundamento de indemnização civil contratual.
KKK. Não houve qualquer violação do dever de informação e inadequação dos instrumentos financeiros ao perfil dos Recorridos, pelo que, consequentemente, não existiu violação de princípios fundamentais da actividade de intermediação financeira, como são: a “protecção dos legítimos interesses dos seus clientes” (art 304.º n.º 1 do CVM), a boa fé, em particular do dever de lealdade e de transparência (art 304.º n.º 2 do CVM), o “conhecimento do cliente” (art 304.º n.º 3 e 314.º do CVM) e a norma de conflito de interesses (art. 309.º nº 1 e 3 do CVM).
LLL. Assim como não está verificada qualquer responsabilidade civil nos termos do artigo 304.º-A CVM.
MMM. São requisitos cumulativos da responsabilidade civil o facto ilícito, a culpa, o dano e existência de nexo de causalidade entre o facto praticado e o dano ocorrido.
NNN. Para que o recorrente pudesse responder por eventuais danos, por violação dos deveres de informação, não bastaria a estes socorrerem-se da presunção de culpa que recai sobre o intermediário financeiro, nos termos do n.º 2 do artigo 304.º do Código dos Valores Mobiliários.
OOO. De facto, conforme jurisprudência claramente maioritária, neste âmbito, a ilicitude, ao contrário da culpa, não se presume, cabendo assim à autora e marido CC.
PPP. Nesta medida, quanto à ilicitude, para que o recorrente pudesse ser responsabilizado, e atento o disposto no artigo 304.º do CVM, era necessário que tivesse havido uma violação de um dever respeitante ao exercício da sua actividade imposto por lei ou regulamento, o que não foi o caso.
QQQ. Efectivamente, não há qualquer facto ilícito susceptível de ser imputado ao recorrente, sendo que, nessa medida, não se logra alcançar qualquer nexo de causalidade entre a actuação do recorrente, ou do 2.º réu, e o prejuízo sofrido pela autora e interveniente CC.
RRR. Com referência a este nexo de causalidade vide Acórdão do TRP de 23/05/2018 no proc. 2387/ 17.6T8VNG.P1; Acórdão do STJ de 30/04/2019 no proc. 2632/16.6T8LRA.L1.S1.
SSS. No caso, entende-se que a autora e o interveniente CC não lograram provar que, enquanto clientes do recorrente, não teriam adquirido o produto financeiro em questão se lhe tivesse sido prestada (ainda) mais informação, pelo que não podemos considerar a conduta do recorrente como causal do prejuízo que sofreram, em função do investimento realizado.
TTT. Ainda que assim não se entenda, o que apenas se equaciona por mera cautela e dever de patrocínio, sempre será de considerar que o direito à indemnização pretendida já se encontrava prescrito ao tempo da instauração da acção, conforme alegado supra.
UUU. Atendendo ao supra exposto, verifica-se que a decisão recorrida violou assim o vertido nos artigos 304.º-A, 312.º, 312.º-A, 312.º-B, 314.º-A, 324.º, n.º 2, 326.º, do Código dos Valores Mobiliários, artigo 2.º n.ºs 1 e 3 do Regulamento da CMVM n.º 2/2012, e os artigos 227.º, n.º 1, 496.º, 563.º e 800.º do Código Civil, quer por não ter valorado em conformidade a prova documental e testemunhal carreada para os autos, por erro na aplicação do direito ao caso sub judice e ainda por ter condenado o recorrente a indemnizar os recorridos por danos patrimoniais e não patrimoniais, sem que estivessem verificados os pressupostos da responsabilidade civil contratual.
Nestes termos e nos demais de direito aplicável, requer a Vs. Exas. que julguem procedente o presente recurso e consequentemente se dignem a revogar a decisão recorrida, proferindo uma outra que determine a absolvição do recorrente de todos os pedidos, só assim se fazendo a costumada Justiça!
A autora e o interveniente responderam a estas alegações, defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i. Se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada.
ii. Como qualificar a relação entre a autora e o banco réu e quais os deveres que resultam dessa relação para o réu.
iii. Se houve violação do dever de informação.
iv.Se existe nexo de causalidade entre a actuação do réu e o dano suportado pela autora
v.Se o direito da autora está prescrito.
vi.Se o réu BB é responsável pela indemnização daquele dano.
III. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
O recorrente impugnou a decisão sobre a matéria de facto, cumprindo os requisitos específicos desta impugnação previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil.
De acordo com a sua interpretação e avaliação dos meios de prova, o recorrente defende que os factos dos pontos 16, 20, 21, 22, 24 e 25 que o tribunal a quo julgou provados devem antes ser julgados não provados.
Defende outrossim que a redacção o facto do ponto 18 deve ser alterada, eliminando-se a parte que vem a seguir à expressão funcionário, e a redacção do facto do ponto 19 alterada, acrescentando-se, a seguir à data 2020, a expressão «caso não ocorresse nenhum evento de crédito, tanto no Banco 1..., como na Portugal Telecom».
No tocante à matéria de facto julgada não provada, defende o recorrente que devem ser julgados provados os factos das alíneas a), b), c), d), e), f), g), h), j), k) e l) do respectivo elenco. E que o facto da alínea i) deve ser julgado provado com a seguinte redacção: o 2º réu, após ter explicado em pormenor à A. e marido que havia risco de perda do capital investido e continuando estes a mostrar interesse na subscrição das Notes, apesar de desadequadas ao seu perfil de investidor, exigiu-lhes a declaração constante do doc. nº 9 (fls. 152), que estes entregaram ao 2.º réu já assinada e manuscrita.
Os pontos mencionados dos factos julgados provados têm a seguinte redacção:
16- Deram ao 2º réu instruções específicas e claras no sentido de não pretender produtos que pudessem pôr em risco o capital investido.
18- As Notes Db Rendimento Portugal Telecom foram subscritas pelo marido da A. por este e ela terem plena confiança nos réus, nos serviços e informações que o Banco 1... lhes prestou por intermédio do 2º réu seu funcionário, o qual lhes garantiu que se tratava de um produto equivalente a um depósito a prazo.
19- Verificando a A. e o marido que, no decorrer dos anos de 2014 e 2015, na sua conta eram retirados valores da aplicação e que de três em três meses eram depositados juros, questionaram o 2º réu BB sobre a retirada dos valores, tendo-lhes ele dito que não deviam ficar preocupados, pois no final do prazo, em 2020, receberiam o capital por inteiro.
20- Só em meados de 2016, a A. e o marido ficaram a saber, após contactarem o balcão de ... do 1º réu Banco 1..., que não tinham feito um depósito a prazo ou algo equivalente, mas investido os € 50.000,00 num produto financeiro de risco.
21- Só nesta data a A. teve acesso às cópias juntas a fls. 24 e 25 dos documentos subscritos pelo marido.
22- Aquando da aposição da assinatura do marido da A. no documento de fls. 25, este documento não continha as declarações manuscritas constantes do mesmo.
24- Se a A. e seu marido tivessem conhecimento de que estavam a aplicar os € 50.000,00 num produto financeiro de risco elevado, nunca teriam aceitado tal aplicação nas Notes Db.
25- Só o fizeram por não terem sido devidamente informados pelos réus, convencidos de que se tratava de um depósito com o capital e juros garantidos.
Os factos julgados não provados nas alíneas objecto da impugnação têm a seguinte redacção:
a- O 2º réu limitou-se, no exercício das suas funções de subdirector da agência de ... do Banco 1..., a apresentar aos clientes (a A. e seu marido) os produtos disponíveis no Banco, dando-lhes uma explicação minuciosa sobre as Notes Db Rendimento Portugal Telecom, suas vantagens e desvantagens.
b- Nunca lhes disse que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo e eles sabiam, por terem sido devidamente informados pelo 2º réu, que não eram.
c- Na altura da subscrição, as Notes Db Rendimento Portugal Telecom eram um dos melhores produtos financeiros para subscrever, atendendo à falta de risco e à boa rentabilidade, sendo o rating da Portugal Telecom superior ao do Estado Português.
d- O interveniente e Acompanhante CC tomou a decisão de subscrever, através da Ordem de Títulos A....47, 50 Notes Db Rendimento Portugal Telecom Finance 2020, a 04/09/2013, após reunião no dia anterior com o 2º réu BB na agência de ... do Banco 1..., na qual ele e a A. foram esclarecidos da natureza e riscos deste produto financeiro.
e- No momento da compra do produto, o 2º réu esclareceu devidamente a A. e o seu marido sobre as características, remuneração, modo e prazo do reembolso e risco inerente ao mesmo.
f- A subscrição do produto foi decisão de ambos, devidamente esclarecidos de que não se adequava ao âmbito do seu perfil de investidor por ser um produto financeiro complexo estruturado sob a forma de Notes, tendo- lhes o 2.º réu explicado o conteúdo do documento nº 8 (de fls. 146 e segs.).
g- Por pretenderem, subscrevendo um produto de risco, rentabilizar o capital investido acima dos depósitos a prazo oferecidos nos Bancos, que era muito inferior por exigência da “Troika”.
h- A A. e seu marido preferiram contrair o mútuo constante do documento nº 12 (de fls. 322 e segs.) para poderem continuar a beneficiar (do rendimento) dos cupões trimestrais da aplicação financeira das Notes, que rondava os 4,5%, quando os depósitos a prazo rendiam pouco mais do que 0%.
i- O 2º réu, após ter explicado em pormenor à A. e marido que havia risco de perda do capital investido e continuando estes a mostrar interesse na subscrição das Notes, apesar de desadequadas ao seu perfil de investidor, exigiu-lhes a declaração constante do doc. nº 9 (fls. 152), que o marido da A. CC manuscreveu.
j- Os réus agiram apenas como intermediários financeiros na execução de uma ordem de compra dada pelo marido da A..
k- Não podiam recusar esta ordem.
l- A compra era, à data da sua subscrição, ajustada ao valor das Notes, sua remuneração, não se divisando risco de perda do capital ou rendimento dada a boa situação financeira da PT.
Os factos em apreço ocorreram com a participação directa e exclusiva dos autores e do réu BB. Embora estejam juntos aos autos documentos onde constam rubricas de outros funcionários do balcão de ... do banco réu, a sua intervenção foi apenas para apor visto de conferência das assinaturas pelo que esses funcionários não participaram nos contactos com os autores.
Essa circunstância torna a tarefa da avaliação dos meios de prova particularmente difícil na medida em que quer os autores quer o réu BB têm interesse directo na causa, aqueles para tentarem recuperar o seu dinheiro, este para defesa da correcção da sua actuação, não esquecendo que ele também foi demandado e inclusivamente foi condenado em 1.ª instância.
As versões de ambos correspondem às duas versões em confronto nos autos.
Dai que seja particularmente importante caracterizar as pessoas em causa para conseguir compreender o que pode ter sido a respectiva actuação e detectar se é verosímil que eles possam ter adoptado determinados comportamentos.
Os autores são pessoas humildes, com muito pouca instrução, profissões básicas, e, tendo em conta as suas profissões, escassos meios económicos e vidas muito modestas. Ele era funcionário de uma empresa de fabrico de vigas de betão pré-esforçado, ela empregada de escritório numa fábrica, mas tendo apenas uma escolaridade inferior ao ensino secundário.
A autora sofreu um acidente de viação, tendo sido colhida por um camião quando se deslocava para o emprego de motorizada, sofrendo diversas lesões das quais decorreu uma IPP de 80% e cujas sequelas físicas, mentais e psicológicas conduziram a que presentemente esteja sujeita ao regime do maior acompanhado. No âmbito do processo de acidente de trabalho acabaram por receber uma indemnização num montante significativo para eles e que nunca antes tinham tido.
Malogradamente, o advogado que os representou nesse processo e que certamente os conhece melhor do que nos permite a gravação do respectivo depoimento, terá entendido que eles não saberiam gerir esse dinheiro da melhor forma (ou o que sobrava dele depois do valor significativo que referem ter-lhe pago a título de honorários no processo de acidente de trabalho) e apresentou-lhes, no seu próprio escritório, o réu BB, garantindo-lhes que este era a pessoa certa para gerir esses dinheiro.
Foi pois o advogado do autores que os convenceu a não colocarem o seu dinheiro na Banco 2... que era o único banco com o qual trabalhavam (foi à Banco 2... que pediram empréstimo para comprar a sua casa e era nela que tinham o pouco dinheiro de que dispunham) e os remeteu para o Banco 1..., que, como seguramente o advogado conhecia e teve mesmo em mente, era um banco vocacionado para a comercialização de produtos mais rentáveis que os depósitos a prazo, criando assim, condições para estes confiarem no que lhe era apresentado, o que é evidenciado fortemente pela circunstância de o cheque da indemnização ter sido logo entregue ao réu no escritório do advogado.
É necessário ter presente que nos encontrávamos em Agosto de 2009, numa altura em que a grande crise financeira de 2008 já tinha deflagrado e em Portugal já tinha sido declarada a nacionalização do Banco Português de Negócios e começava a instalar-se na opinião pública a noção do risco de os bancos não cumprirem as suas obrigações e isso causar prejuízo, designadamente aos clientes (o que terá, muito provavelmente estado na origem da indicação do advogado da autora para colocar o seu dinheiro no banco réu).
É igualmente necessário ter presente a circunstância que infelizmente não foi devidamente abordada nos articulados nem na audiência, de o produto que a autora acabou por subscrever ter sido criado pelo próprio Banco 1..., de o emitente das Notes não ser esse banco mas a B... PLC que era uma mera subsidiária daquele banco com a finalidade de emitir estes produtos financeiros, e de o colateral do produto ser constituído por obrigações emitidas não pela Portugal Telecom mas pela Portugal Telecom International Finance BV.
Essa diferença permitia apresentar o produto ao interessados como tendo a garantia do próprio Banco e da Portugal Telecom (que à data se dizia ter um rating melhor que o do Estado Português) quando não era assim e o risco estava associado a outras empresas, subsidiárias daquelas é certo, mas cuja autonomia jurídica e solidez financeira não eram sequer abordadas ou percepcionadas.
Isso desfaz por completo as afirmações do réu no sentido de que para ele, enquanto funcionário do Banco, era igual comercializar esse ou qualquer outro produto disponível no banco, uma vez que se tratava de um produto que por ter sido criado pelo banco este tinha especial interesse em comercializar, tanto mais que o prazo para o mercado principal já se tinha esgotado e a comercialização decorria agora no mercado secundário, isto é, quando o valor do título tinha oscilações (por isso é que havia mercado secundário) e o banco tinha o problema dos clientes que vendiam o produto ao próprio banco (como o réu revelou) obrigando este a colocá-lo de novo para evitar perdas com as baixas de valor.
Os autores tinham condições (i.e., conhecimento, curiosidade intelectual e experiência de vida) para perceber isto, para compreender estas nuances do que lhe era proposto? É evidente que não. Mas, ao invés, o réu BB teve condições para se aperceber das qualidades, características e conhecimento dos autores, daquilo que eles podiam compreender e em resultado do que a sua decisão podia ser qualificada como livre e consciente (o que lhe terá dito o advogado para o convencer a abandonar a agência e deslocar-se de ... a ... por causa de um cheque de €150.000?).
Por isso é absolutamente inverosímil, e, se nos é permitido, sobretudo, algo em que ninguém razoavelmente crédulo acredita, que o réu BB pudesse ter lido aos autores na íntegra, segundo ele, as 6 páginas do documento n.º 8 junto com a contestação do banco réu com as Informações Fundamentais ao Investidor, mais precisando de forma repetida que as folhas eram a cores porque a sua impressora era a cores (que foi a forma inteligente encontrada pela testemunha para sub-repticiamente chamar a atenção para o que no documento está escrito a cor vermelha) como se isso tivesse mais importância que o facto de a última folha do documento possuir um quadro para ser datado e assinado pelo cliente, a seguir à declaração de recebimento de cópia, e esse espaço se encontrar … em branco.
Por outras palavras, na sua versão o réu ter-se-ia preocupado em ler na íntegra um texto que, conforme ele bem sabia, os autores não iriam perceber, acompanhar ou reter, e não se preocupou com o algo que podia servir para provar que os clientes tinham conhecimento desse documento: colher a respectiva assinatura . A sua explicação (o documento já não tinha de ser assinado porque isso só era exigido no mercado principal e a negociação já estava a decorrer no mercado secundário, mas sem explicar a razão dessa diferença) não colhe: as informações fundamentais do produto eram necessárias sempre e em qualquer negociação; isso não variava consoante o mercado, o que podia mudar eram as exigências administrativas da comercialização; se leu o documento (no que pura e simplesmente não acreditamos) foi porque conhecia a sua importância na negociação, logo seria igualmente importante colher as assinaturas para demonstrar que os clientes tinham ficado a conhecer o documento, não podendo a testemunha deixar de saber que os clientes não tinham competência nem literacia para compreender o grosso do que lhe era dito.
Os depoimentos dos autores são, como era de esperar, débeis. Apresentam falhas e contradições ao nível temporal e factual e, em alguns momentos, é manifesto o esforço em afirmarem apenas o que julgam convir à defesa da sua tese, ajustando, desse modo, a verdade. Isso sucede, por exemplo, com o número de vezes que foram ao balcão de ... do banco réu tratar da aplicação do dinheiro (aparentemente, segundo o teor dos documentos, duas vezes – dias 3 e 4 – e não apenas uma, para o que, note-se, tinham de se deslocar de ... no concelho ... até ...) ou quando afirmam não saber o que é uma conta a prazo, conceito que é claramente do domínio público ainda que possa haver alguma imperfeição na noção de cada pessoa concreta (e a autora foi … empregada de escritório!).
De todo o modo, face às circunstâncias (após a infelicidade do acidente que gerou sequelas muito graves para a autora, acabaram por receber uma indemnização que lhes permitiu fazer obras na sua casa e deixar um pouco de dinheiro de lado para a velhice ou alguma necessidade, e, confiando no que lhe foi dito por quem tinha a obrigação de evitar que se metessem em problemas na gestão desse dinheiro, acabam por ficar praticamente sem nada para além das … consequências do acidente), não conseguimos detectar nos seus depoimentos uma intenção firme de mentir, de faltar à verdade, apenas uma conformação e um ajuste aos poucos factos que estes anos volvidos têm como certos ou … em que acreditam.
O depoimento do réu BB é muito diferente, como também era de esperar, face à formação, aos conhecimentos e à experiência profissional e de vida que o réu tem, designadamente ao nível da actividade bancária. No entanto, à partida era muito pouco crível e verosímil que dez anos depois o réu se lembrasse dos contactos tidos com os réus aquando da aplicação, com o pormenor a que por vezes chegou, tantos terão sido os clientes, as reuniões, os contactos e as negociações de produtos que ao longo do tempo realizou, sendo certo que não muito tempo depois deixou o banco réu, foi trabalhar para o Brasil noutra área de actividade e quando voltou a Portugal foi para outro banco.
Por isso não é de estranhar que no final do seu depoimento, a perguntas do Ministério Público, tenha acabado por afirmar que quando foi confrontado com esta situação não se lembrava de nada do que tinha sucedido e que teve de ir fazer a «fita do tempo» para se «preparar», teve de ir à «procura da informação», o que é indício absolutamente claro de que o que ele se recorda já é somente do que os documentos lhe permitem deduzir, razão pela qual acaba por dizer que foi uma «situação normal», se passou o que «era normal», aquilo que «eu fazia no dia-a-dia».
Desse modo, embora apenas no fim do depoimento e depois de se ter esforçado debalde por deixar a ideia do contrário, acaba por admitir que não se lembra de facto dos pormenores dos contactos e que face aos documentos que pôde consultar (e que cremos são os que constam dos autos) presume que as coisas se passaram como normalmente acontecia, de acordo com o que era comum ele fazer, sendo esse o motivo que o leva a fazer as afirmações que fez.
Daí que em sede de avaliação dos meios de prova e no tocante ao respectivo valor epistemológico (que pressupõe a aferição da riqueza do depoimento – v.g. os pormenores, a consistência, a coerência –, mas também da segurança oferecida pelo esforço de recuperação da memória que origina as afirmações – se a pessoa tinha condições objectivas e subjectivas para memorizar uma imagem ilustrativa do evento que depois relata e tem condições para fazer a recuperação dessa memória sem distorções assinaláveis –) não seja possível afirmar que este depoimento seja mais válido e/ou mais valioso do que o dos autores.
Para os autores foi um evento único e excepcional na sua vida, que extravasou as respectivas ocupações e preocupações quotidianas, pelo que tinham razões para guardar uma imagem mais impressiva do que se passou, passível de gerar uma recordação melhor. Para o réu foi um acontecimento banal, idêntico a inúmeros outros e compreendido na rotina normal da sua profissão. O réu compreende os mecanismos do que se passou e as subtilezas da linguagem e, por isso, conseguiu sempre arranjar para eles uma explicação (“preparou-se”, sic), os autores não. Todos têm interesse na situação e por isso adoptam, mesmo que instintivamente (não ousamos afirmar que o façam de forma deliberada e para fugir a uma verdade conhecida), a versão que se adapta a esse interesse.
Por isso, na sempre difícil tarefa de julgar factos passados (os futuros, apesar de o serem, são sempre mais fáceis de julgar porque se bastam com um prognóstico para o futuro, enquanto que os passados existiram ou não existiram e é pressuposto que tenham deixado marcas), cremos que existe um documento que analisado devidamente ajuda a compreender o que se passou.
Referimo-nos ao documento n.º 9 junto com a contestação do banco réu, intitulado «Declaração Manuscrita do Investidor - Produto Financeiro Complexo». Este documento contém duas declarações escritas pré-impressas e a seguir dois espaços para o subscritor do documento, antes de o assinar, escrever pela sua própria mão («a manuscrever pelo cliente») o texto dessas declarações.
Como a mera leitura do próprio documento já deixava antever e o exame pericial confirmou, esse texto não foi efectivamente manuscrito pelo marido da autora. E devia tê-lo sido … segundo resulta do seu conteúdo pré-elaborado pelo próprio banco (!), com a intenção de que a escrita da declaração pela própria mão do cliente constituísse uma inequívoca tomada de consciência do seu teor, afastando a situação comum de as pessoas se limitarem a assinar os documentos que são convidados a assinar sem sequer os lerem ou conhecerem o seu conteúdo total e o significado de tudo o que neles se encontra escrito.
A redacção da escrita revela não apenas que ela não foi feita pelo marido da autora, como que também não foi feita pela autora, atentas as dificuldades físicas e mentais que ela já apresentava em resultado do acidente e a caligrafia com que ela faz a sua assinatura nos outros documentos juntos aos autos. Acresce que essa redacção, conforme se deduz do relatório pericial, apresenta uma velocidade de escrita e uma regularidade nos traços dos caracteres que é mais própria de quem está habituado à escrita e está familiarizado com o que está a escrever.
No seu depoimento e declarações o réu BB não soube explicar esta situação, limitando-se a referir que o documento só foi assinado na sua presença e a assinatura do marido da autora conferida pelos seus colegas da agência, conforme resulta dos carimbos de conferência da assinatura que o documento apresenta. Esta situação é algo estranha. Em primeiro lugar, por não ter havido o cuidado de fazer o mesmo em relação à própria autora, quando o dinheiro era dela e foi colocado numa conta solidária, sinal de que se desprezou a sua participação no assunto, apesar de a aplicação ter sido concretizada em seu nome. Em segundo lugar, porque não se vê porque haveria a autora e o marido de levar para a agência o documento já preenchido precisamente nesse conteúdo, deixando apenas a data e a assinatura para fazer na agência. Em terceiro lugar porque não é verosímil que os autores fossem pedir a alguém que preenchesse a declaração em seu lugar quando estava em causa a aplicação do dinheiro, aspecto que naturalmente não quereriam partilhar com outras pessoas até porque nas suas palavras nunca se tinham visto com tanto dinheiro (os filhos declararam nos seus depoimentos que apenas muito depois tiveram notícia do que os pais tinham feito).
De qualquer modo, tenha a declaração sido preenchida fora da agência ou já dentro da agência (por quem lá se … encontrava, hipótese que a escrita do documento indicia bastante mas não é possível considerar demonstrada), certo é que ela foi manuscrita por outra pessoa que não o cliente que assina o documento e essa circunstância não podia deixar de ser detectada por um funcionário bancário atento e verdadeiramente preocupado em obter as declarações necessárias para a subscrição do produto.
Por isso, como o texto do documento exigia que a declaração fosse manuscrita pelo próprio cliente, se o documento já estava preenchido com a declaração (hipótese menos grave, mas admitida pelo réu) o réu devia ter exigido o preenchimento manual de novo documento. O facto de isso não ter sido feito revela que não foi adoptado o cuidado que era necessário (… segundo o próprio documento do banco) e, portanto, que a situação não foi tratada com o cuidado e o cumprimento escrupuloso das normas que o réu afirmou (embora, como já se assinalou, depois tenha confessando que não se recorda mesmo da situação e que só em função da leitura dos documentos recuperou alguma memória, mas não a suficiente para ir além da descrição do que «era normal» acontecer).
O que isso evidencia é o que é verosímil e mais provável: que o contacto com os clientes ocorreu no decurso dos trabalhos normais da agência, no meio de todos os assuntos e contactos que diariamente eram abordados e realizados na agência, e, como o produto em causa tinha sido concebido pelo próprio banco, a sua comercialização não levantava quaisquer dúvidas aos funcionários, pelo que a actuação destes decorria sem especiais cuidados, sem especial enfoque na explicação do produto a clientes que os funcionários percebiam facilmente que não conseguiam compreender o que lhes fosse dito ou explicado a esse propósito, procurando cumprir as formalidades mas sem se preocuparem com as razões pelas quais estas tinham sido concebidas e o objectivo de prosseguiam.
O que é absolutamente improvável é que os funcionários defendam que à data ninguém tinha razões para desconfiar do produto, que o seu pagamento na maturidade não levantava dúvidas a ninguém (por se tratar de um produto «garantido» pelo banco e pela PT) e … mesmo assim alertavam do risco de perda da totalidade do capital todos os clientes, mesmo aqueles que não dominavam minimamente esses assuntos.
É neste contexto em que têm de ser interpretados não apenas os depoimentos e declarações das pessoas intervenientes nos factos e as únicas que se podiam pronunciar sobre o que se passou entre eles, como também os documentos juntos aos autos, procurando encontrar os pontos em relação aos quais existe um denominador comum e sobrepondo ao restante a normalidade do devir, a racionalidade dos comportamentos humanos, a probabilidade de as pessoas, na situação concreta de vida que os factos traduzem, adoptarem comportamentos adequados e conformes às respectivas características, qualidades, conhecimentos, aptidões e preocupações.
Nesse pressuposto, afigura-se-nos que a decisão sobre a matéria de facto deve ser modificada nos seguintes aspectos.
Ponto 16: não há prova exactamente do que está julgado provado, mas a prova produzida permite julgar provado o seguinte:
16- A autora e o marido manifestaram claramente perante o réu que queriam estar seguros que não corriam o risco de perder os €50.000 que decidiram guardar fora da conta à ordem.
Ponto 18: não há prova exactamente do que está julgado provado, mas a prova produzida permite julgar provado o seguinte:
18- As Notes Db Rendimento Portugal Telecom foram subscritas pelo marido da autora, por ambos, na sequência da indicação do seu advogado, terem acreditado no réu BB quando este lhes dizia que no final do prazo da aplicação iam receber o seu dinheiro.
O ponto 19 está correctamente julgado provado mas merece um esclarecimento, devendo a sua reacção passar a ser a seguinte:
19- A autora e o marido ao verificarem, nos anos de 2014 e 2015, que na sua conta eram depositados juros mas a aplicação aparecia com valor abaixo dos €50.000 colocados, questionaram o réu BB sobre isso, tendo-lhes este dito que não se preocupassem porque no final do prazo receberiam o capital por inteiro, uma vez que a PT e o Banco 1... não entrariam em incumprimento.
Ponto 20: não há prova exactamente do que está julgado provado, mas a prova produzida permite julgar provado o seguinte:
20- Só em meados de 2016, a autora e o marido tomaram consciência, após contactarem o balcão de ... do Banco 1..., que os seus € 50.000,00 tinham sido investidos num produto financeiro com risco de perda total do capital.
O facto 21 está correctamente decidido.
Ponto 22: a prova produzida não é bastante para julgar provado este facto, o qual é eliminado da fundamentação de facto (passa a não provado).
Ponto 24: não há prova exactamente do que está julgado provado, mas a prova produzida permite julgar provado o seguinte:
24- Se não tivesse sido dito à autora e ao marido que podiam estar descansados porque não iam perder os seus €50.000,00 e ainda iam obter juros melhores que noutras aplicações, e lhes tivesse sido dito que havia o risco real de perda da totalidade do capital, eles nunca teriam aceite subscrever esse produto.
Ponto 25: não há prova exactamente do que está julgado provado, mas a prova produzida permite julgar provado o seguinte:
25- A autora e o marido só aceitaram subscrever esta aplicação por terem sido convencidos pelo réu que no final receberiam mesmo o seu capital.
Passando aos factos julgados não provados.
Alínea a): existe prova que permite julgar provado o seguinte:
a- O 2º réu, no exercício das suas funções de subdirector da agência de ... do Banco 1..., indicou à autora e ao marido modos de aplicarem o seu dinheiro no Banco, sugerindo-lhes como mais vantajosa a aplicação Notes Db Rendimento Portugal Telecom em virtude dos juros que pagava.
Alínea b): existe prova que permite julgar provado o seguinte:
b- Nunca lhes disse que se tratava de um depósito a prazo.
Alínea c): existe prova que permite julgar provado o seguinte:
c- Na altura da subscrição, as Notes Db Rendimento Portugal Telecom eram tidas e apresentadas pelo banco réu como um produto financeiro com boa rentabilidade e sem risco real porque o rating da Portugal Telecom era superior ao do Estado Português.
As alíneas d), e), f), g), i), j), k) foram correctamente julgadas não provadas por inexistir prova suficiente para as julgar de outro modo e o ónus da prova cabe ao réu.
Alínea h): existe prova que permite julgar provado o seguinte:
h- Em finais de 2015, quando tiveram necessidade de usar €5.000,00 do seu dinheiro e foram ao banco para o levantar, a autora e o marido foram convencidos pelo réu BB de que era melhor para eles contratarem um empréstimo pessoal em vez de resgatarem parte da aplicação financeira porque nessa data ela estava abaixo do valor aplicado mas no final do prazo seria paga a totalidade do capital.
Alínea l): existe prova que permite julgar provado o seguinte:
l- Na data da subscrição das Notes Db Rendimento Portugal Telecom o réu BB considerava não haver risco de perda do capital dada a boa situação financeira da PT e actuava com essa convicção.
Procede assim, em parte, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
IV. Fundamentação de facto:
Encontram-se julgados provados em definitivo os seguintes factos[1]:
1- A autora AA recebeu, a 03/09/2013, da seguradora C... – Companhia de Seguros, S.A., a indemnização de € 150.000,00, por cheque emitido por esta a 20/08/2013, que depositou na conta nº ...5.
2- AA e marido CC celebraram com o réu Banco 1... – Sucursal em Portugal, a 03/09/2013, o contrato de abertura de conta de depósitos à ordem colectiva e solidária constante de fls. 101 a que foi atribuído o número transcrito no nº 1 dos Factos Provados.
3- A autora e seu marido subscreveram as condições gerais de serviços bancários e de intermediação financeira e a carta comprovativa de Welcome Pack constantes de fls. 122/137.
4- A 03/09/2013 e a 04/09/2013, respectivamente, a autora e seu marido subscreveram os questionários de Apuramento do Perfil do Investidor de fls. 138/140 e 141/143, tendo-lhes sido atribuído o perfil 2 – fls. 31 e 32.
5- CC subscreveu, a 04/09/2013, a ordem de compra de Notes Rendimento Portugal Telecom no valor de € 50.000,00 constante de fls. 144.
6- E assinou o documento de fls. 152, do qual constam, manuscritas, as seguintes declarações: “Declaro ter-me sido solicitada informação sobre os meus conhecimentos e experiência em matéria de investimento”; e “Declaro ter sido avisado do facto de, em resultado do teste de adequação que me foi feito, as Notes Rendimento Portugal Telecom não ser adequado ao meu perfil de investidor, mantendo, não obstante, a minha decisão de investir no Notes Rendimento Portugal Telecom”.
7- A 04/09/2013, CC subscreveu o documento de fls. 24, através do qual solicitou ao Banco 1... que debitasse na sua conta à ordem identificada em 1 dos Factos Provados o valor de €50.000,00 para compra de Notes Rendimento Portugal Telecom.
8- A autora AA foi informada, pelo Banco réu, desta subscrição (compra de Notes DB Rendimento Portugal Telecom) e do débito de € 50.000,00 da sua conta nº ...5.
9- Dos € 50.000,00 da subscrição que fez das Notes DB Rendimento Portugal Telecom, a autora apenas recuperou € 6.284,57, dos quais o réu Banco 1... reteve € 5.002,23 para amortização do empréstimo que fez, a 28/12/2015, à autora – docs. fls. 33 e 322/339.
10- A autora, em consequência das lesões que sofreu no acidente de que foi vítima a 04/08/2005, ficou com uma incapacidade permanente de 80%.
11- Por sentença de 29/01/2021, transitada em julgado a 19/02/2021, proferida no Processo nº 571/20.5T8AVR do Juízo Local Cível de Águeda, foi aplicada a AA (ora autora) a medida de acompanhamento de administração total dos bens e foi-lhe nomeado como Acompanhante, com os inerentes poderes/deveres, o marido CC, com poderes para receber e gerir os rendimentos e o património da Requerida AA, tendo sido fixada a data a partir da qual a medida de acompanhamento se tornou conveniente a 04/08/2005.
12- Foram enviados à autora e esta recebeu-os os extractos bancários constantes de fls. 162 e segs. da sua conta no Banco 1... de onde constava a evolução dos activos, nas datas respectivas, a desvalorização progressiva das obrigações subscritas e os juros pagos destas.
13- O 2º réu BB desempenhou e desempenhava na data de subscrição das Notes Db Rendimento Portugal Telecom pela autora e seu marido funções de subdirector do Banco 1... na agência de ....
14- CC e AA celebraram, a ../../1982, casamento católico, sem convenção antenupcial.
15- Com vista à aplicação de €50.000,00 da indemnização que recebeu, a autora e o marido procuraram aconselhar-se com o réu BB, subdirector da agência de ... do Banco 1... junto do qual fizera o depósito do cheque de € 150.000,00 da indemnização.
16- A autora e o marido manifestaram claramente perante o réu que queriam estar seguros que não corriam o risco de perder os €50.000 que decidiram guardar fora da conta à ordem.
17- O mesmo 2º réu propôs à autora e ao marido a realização da aplicação daqueles €50.000,00 em Notes Db Rendimento Portugal Telecom, que apresentou como sendo dos melhores e mais seguros do mercado, no momento.
18- As Notes Db Rendimento Portugal Telecom foram subscritas pelo marido da autora, por ambos, na sequência da indicação do seu advogado, terem acreditado no réu BB quando este lhes dizia que no final do prazo da aplicação iam receber o seu dinheiro.
19- A autora e o marido ao verificarem, nos anos de 2014 e 2015, que na sua conta eram depositados juros mas a aplicação aparecia com valor abaixo dos €50.000 colocados, questionaram o réu BB sobre isso, tendo-lhes este dito que não se preocupassem porque no final do prazo receberiam o capital por inteiro, uma vez que a PT e o Banco 1... não entrariam em incumprimento.
20- Só em meados de 2016, a autora e o marido tomaram consciência, após contactarem o balcão de ... do Banco 1..., que os seus € 50.000,00 tinham sido investidos num produto financeiro com risco de perda total do capital.
21- Só nesta data a autora teve acesso às cópias juntas a fls. 24 e 25 dos documentos subscritos pelo marido.
23- [As declarações manuscritas no doc. de fols. 25] não foram manuscritas pelo marido da autora.
24- Se não tivesse sido dito à autora e ao marido que podiam estar descansados porque não iam perder os seus €50.000,00 e ainda iam obter juros melhores que noutras aplicações, e lhes tivesse sido dito que havia o risco real de perda da totalidade do capital, eles nunca teriam aceite subscrever esse produto.
25- A autora e o marido só aceitaram subscrever esta aplicação por terem sido convencidos pelo réu que no final receberiam mesmo o seu capital.
26- A autora e o marido não tinham experiência na aplicação de produtos financeiros.
27- A autora tem o 6º ano de escolaridade e o interveniente CC tem o 4º ano de escolaridade.
28- O réu BB foi-lhes apresentado pelo advogado que a autora havia constituído na acção na qual recebeu a indemnização referida em 1 dos Factos Provados, para que aquele réu aconselhasse a autora a aplicar da melhor forma o seu dinheiro.
29- A autora ficou profundamente abalada ao tomar conhecimento de que tinha ficado sem o dinheiro investido nas Notes Db Rendimento Portugal Telecom.
30- E tem vivido, desde então, numa ansiedade, angústia e desespero permanente, andando constantemente nervosa e irritada, não tendo mais conseguido dormir tranquilamente.
31- A autora e seu marido têm conhecimento desde, pelo menos, Março de 2015, de que as Notes subscritas estavam cotadas abaixo do par (do valor nominal de venda).
32- Como foram tendo conhecimento, pelos extractos da conta enviados pelo 1º réu, de que o seu valor ia continuamente decrescendo.
33- As Notes foram emitidas a 30/08/2013 e já subscritas em mercado secundário.
34- A autora e o marido receberam de remuneração do investimento em 2013, 2014, 2015 e 2016 a quantia global de € 5.147,62.
35- O 2º réu, no exercício das suas funções de subdirector da agência de ... do Banco 1..., indicou à autora e ao marido modos de aplicarem o seu dinheiro no Banco, sugerindo-lhes como mais vantajosa a aplicação Notes Db Rendimento Portugal Telecom em virtude dos juros que pagava.
36- Nunca lhes disse que se tratava de um depósito a prazo.
37- Na altura da subscrição, as Notes Db Rendimento Portugal Telecom eram tidas e apresentadas pelo banco réu como um produto financeiro com boa rentabilidade e sem risco real porque o rating da Portugal Telecom era superior ao do Estado Português.
38- Na data da subscrição das Notes Db Rendimento Portugal Telecom o réu BB considerava não haver risco de perda do capital dada a boa situação financeira da PT e actuava com essa convicção.
39- Em finais de 2015, quando tiveram necessidade de usar €5.000,00 do seu dinheiro e foram ao banco para o levantar, a autora e o marido foram convencidos pelo réu BB de que era melhor para eles contratarem um empréstimo pessoal em vez de resgatarem parte da aplicação financeira porque nessa data ela estava abaixo do valor aplicado mas no final do prazo seria paga a totalidade do capital.
V. Matéria de Direito:
A. Recurso do Banco 1...:
A.1.] Pressupostos da responsabilidade:
Nos termos dos artigos 2.º, 3.º e 4.º do Decreto-Lei nº 298/92 de 31 de Dezembro, os bancos, enquanto instituições de crédito, podem efectuar diversas operações, entre as quais se conta a recepção de depósitos ou outros fundos reembolsáveis; transacções, por conta própria ou da clientela, sobre instrumentos do mercado monetário e cambial, instrumentos financeiros a prazo, opções e operações sobre divisas, taxas de juro, mercadorias e valores mobiliários; participações em emissões e colocações de valores mobiliários e prestação de serviços correlativos; consultoria, guarda, administração e gestão de carteiras de valores mobiliários; gestão e consultoria em gestão de outros patrimónios.
Normalmente, o mercado de valores mobiliários, que se estabelece, do lado da oferta, pelas entidades emitentes e, do lado da procura, pelos investidores, não se desenvolve através de contactos directos entre a procura e a oferta, mas sim mediante a intermediação de agentes especialmente qualificados que, de forma remunerada, prestam, por conta dos emitentes ou dos investidores, serviços que se traduzem em transacções específicas de valores mobiliários.
A montante de cada operação de investimento temos os designados negócios de cobertura, que o Código de Valores Mobiliários trata como contratos de intermediação. Entre os agentes que desempenham as funções de intermediação financeira encontram-se as instituições de crédito e as empresas de investimento que estejam autorizadas a exercer actividades de intermediação financeira em Portugal.
Ao actuar por conta alheia, o intermediário financeiro age em nome e no interesse do seu cliente, repercutindo-se na esfera deste as consequências das operações de investimento efectuadas por sua conta.
O artigo 289.º do Código dos Valores Mobiliários aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, estabelece que são consideradas actividades de intermediação financeira os serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros. O artigo 290.º do mesmo diploma dispõe que são serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros, designadamente, a recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem.
A relação estabelecida entre a autora e o banco reconduz-se a essa previsão: a autora era cliente do banco, no qual tinha conta bancária aberta e em determinado momento transmitiu-lhe uma ordem de aquisição de um específico instrumento financeiro emitido por uma sociedade distinta da pessoa jurídica do banco, o que este fez, por conta da autora, debitando-lhe o custo dessa aquisição no saldo da mencionada conta bancária.
Esta relação compreende a relação bancária geral, que consistiu num contrato de abertura de conta, e uma relação bancária particular de intermediação financeira que consistiu num contrato de recepção e transmissão de ordens de aquisição de valores mobiliários por conta de outrem, através do qual o banco apresentou à autora um produto financeiro de valores mobiliários emitido por terceiro e após a decisão da autora de subscrever o referido produto, recebeu e transmitiu, por conta da autora, a respectiva ordem de subscrição.
Deste modo, a relação estabelecida entre a autora e o réu banco réu no âmbito do qual ocorreu a comercialização de valores mobiliários, constitui um contrato (de intermediação financeira) de recepção e transmissão de ordens de aquisição de valores mobiliários por conta de outrem.
Na década anterior, devido à grave crise financeira internacional iniciada em 2008 e ao subsequente colapso de vários bancos estrangeiros e portugueses, da Portugal Telecom e de outras empresas detidas, controladas ou participadas pelos bancos, a matéria da responsabilidade dos intermediários financeiros pela negociação de produtos e aplicações financeiras relacionadas com essas entidades, cuja derrocada fez desaparecer o valor desses produtos e aplicações, causando aos clientes e investidores enormes prejuízos, foi apreciada e decidida em inúmeros processos judiciais.
O Supremo Tribunal de Justiça foi chamado a proferir muitos Acórdãos sobre essa matéria e também, numa fase mais adiantada, perante as divisões na jurisprudência em várias questões jurídicas levantadas nesses processos, a uniformizar a sua jurisprudência sobre algumas dessas questões.
Na sequência de longa e profícua discussão, o Supremo Tribunal de Justiça veio a proferir o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2022, cuja versão rectificada foi publicada no Diário da República, 1.ª série, de 03.11.2022, no qual fixou uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:
1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redacção anterior à introduzida pelo Decreto -Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.
2. Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.
3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexactidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.
4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.
Como resulta expressamente do seu dispositivo este Acórdão refere-se à interpretação e aplicação do Código dos Valores Mobiliários, na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro.
No caso dos autos, ao invés, está já causa a interpretação e aplicação daquele Código mas na versão proveniente do mencionado Decreto-Lei n.º 357-A/2007, porquanto a actuação que está na génese do pedido dos autos – a subscrição do produto Notes Db Rendimento Portugal Telecom 2020 – ocorreu em 4 de Setembro de 2013, data em que já se encontrava em vigor a redacção proveniente deste diploma legal.
No entanto, o próprio Supremo Tribunal de Justiça vem assinalando em Acórdãos posteriores que essa circunstância não obsta à aplicação da doutrina do AUJ a situações ocorridas já no âmbito deste novo regime na medida em que «através do D-L n.º 357-A/2007 procedeu-se apenas a uma densificação dos deveres de informação – a alteração legislativa serviu apenas para tornar mais claros e completos esses deveres, que já podiam ser derivados da redacção anterior», pelo que «não se verifica materialmente um diferente enquadramento normativo» - apud Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2022, proc. n.º 652/20.5T8VRL.G1.S1, in https://juris.stj.pt/pesquisa -.
Noutra acepção, o Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado que embora seja discutível se a nova versão «tem natureza inovatória em relação à versão originária do CVM ou natureza meramente interpretativa», «quanto ao conteúdo do dever de informação, uma vez que a nova legislação o veio alargar, parece não ser de aplicar o AUJ n.º 8/2022 directamente, mas apenas como um elemento auxiliar de interpretação, caso seja necessário e desde que não implique soluções mais desfavoráveis para o investidor do que as previstas no diploma de 2007», quanto ao «ónus da prova do incumprimento do dever de informação, a orientação do AUJ é aplicável, quanto às obrigações subscritas no domínio de vigência do DL 357-A/2007, pois que, não se verificou qualquer mudança legislativa que possa ter consequências na distribuição do ónus da prova» e no tocante «ao nexo causal, a legislação de 2007 também não trouxe qualquer alteração, continuando a ser aplicável a disposição do artigo 563.º do Código Civil, que deve ser interpretada nos mesmos termos em que o foi aquando da fixação de orientação jurisprudencial pelo AUJ n.º 8/2022» - apud Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.06.2023, proc. n.º 15440/17.8T8LSB.L1.S1, in https://juris.stj.pt/pesquisa -.
O caso decidido neste último Acórdão envolve a negociação e subscrição do mesmo produto dos autos, ocorrida apenas 8 dias depois da dos autos e nela esteve envolvido como intermediário financeiro o mesmo banco que aqui é réu.
Justifica-se, por isso, subscrever as palavras do Supremo Tribunal de Justiça sobre o enquadramento jurídico daquele evento:
«As actividades de intermediação financeira estão reguladas no Código dos Valores Mobiliários (CVM), sobretudo nos seus artigos 289.º a 351.º. Trata-se de actividades e serviços de investimento em instrumentos financeiros, serviços auxiliares daqueles, gestão de instituições de investimento colectivo e exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições (artigo 289, n.º 1, do CVM). Estas actividades apenas podem ser exercidas, a título profissional, por intermediários financeiros (artigo 289.º, n.ºs 2 e 3, do CVM), entre os quais avultam as instituições de crédito, máxime, os bancos (artigo 293 do CVM).
O CVM regula vários contratos de intermediação financeira, em particular os contratos de execução das ordens, gestão de carteira, assistência, colocação, tomada firme, colocação com garantia, recolha de intenções de investimento, registo e depósito. A recepção, a transmissão e a execução de ordens são serviços prestados por conta de outrem (artigos 290.º, n.º 1, a) e b), e 325.º a 334.º do CVM) ao abrigo de um negócio de cobertura, pelo qual o cliente concede ao intermediário os poderes necessários a receber, ou transmitir as ordens com vista à celebração dos negócios de execução que têm por objecto instrumentos financeiros.
O negócio jurídico de cobertura é normalmente um contrato de mandato sem representação, podendo constituir também um mandato representativo (neste sentido, Carlos Ferreira de Almeida, «As transacções de conta alheia no âmbito da intermediação no mercado de valores mobiliários», in AAVV, Direito dos valores mobiliários, Lex, 1997, p. 296; Paulo Câmara, Manual de direito dos valores mobiliários, Almedina, 2009, p. 443; Fátima Gomes, «Contratos de intermediação financeira, sumário alargado», in Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, Lisboa, UCP, 2002, pp. 582-3). O negócio de execução em que a ordem se integra é, portanto, celebrado por conta, eventualmente também em representação, do cliente, em cumprimento da obrigação assumida no negócio de cobertura.
[…] O CVM impõe ao intermediário financeiro fortes deveres de informação e de esclarecimento que devem ser actuados independentemente do tipo de relação que mantenham com os seus interlocutores. Trata-se de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios, cuja violação, juntamente com outros requisitos da responsabilidade civil, obriga à indemnização nos termos do artigo 483º, n.º 1, 2.ª hipótese (…). Havendo contrato de intermediação, muitos desses deveres integram-se nessa relação contratual, como concretizações do dever geral de boa fé na formação e execução dos contratos (…). O Código de Valores Mobiliários, sendo direito especial, que visa fornecer uma tutela reforçada a uma das partes, como forma de combater a assimetria informativa entre elas, explicita e particulariza ou desenvolve princípios de justiça contratual do direito comum, como o princípio da boa fé, vigente em todas as fases do contrato (artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil).
[…] O direito aplicável é, pois, o CVM na redacção do DL n.º 357-A/2007, de 31-10.
O artigo 7.º do CVM, sob a epígrafe «Qualidade da informação», dispõe o seguinte:
1 - A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita.
2 - O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.
3 - O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.
4 - À publicidade relativa a instrumentos financeiros e a actividades reguladas no presente Código é aplicável o regime geral da publicidade.
Nos termos do Artigo 304.º, n.º 1, que consagra os princípios orientadores da actividade, «Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado» e devem observar, segundo o n.º 2 do preceito, «os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência». Nos termos do n.º 3, «Na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente».
O artigo 304.º-A, com importância capital no presente processo, sob a epígrafe «Responsabilidade civil», estipula o seguinte:
1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2- A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
[…] A norma do artigo 312.º descreve, com pormenor, o conteúdo e o âmbito do dever de informação a cargo do intermediário financeiro:
1 - O intermediário financeiro presta, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo as respeitantes: a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados; b) À natureza de investidor não profissional, investidor profissional ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de protecção que tal implica; c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar: i) Sempre que as medidas organizativas adoptadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309.º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados, incluindo as medidas adoptadas para mitigar esses riscos; e ii) Em qualquer caso, a informação deve ser suficientemente detalhada, tendo em conta a natureza do investidor, para permitir que este tome uma decisão informada relativamente ao serviço no âmbito do qual surge o conflito de interesses e cumprir o disposto na legislação da União Europeia; d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas, incluindo se o instrumento financeiro se destina a investidores profissionais ou não profissionais, tendo em conta o mercado-alvo identificado; e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar; f) À sua política de execução de ordens, que contém informação sobre os locais de execução e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral ou organizado; g) À protecção do património do cliente e à existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar; h) Ao custo do serviço a prestar.
2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.
4 - A informação prevista no n.º 1 deve ser prestada por escrito ainda que sob forma padronizada.
5 - Sem prejuízo do disposto no n.º 8, sempre que, na presente subsecção, se estabeleça que a informação é prestada por escrito, esta é prestada em formato electrónico, que consiste em qualquer suporte duradouro que não o papel.
(…) 8 - Caso um investidor não profissional solicite a entrega da informação referida no n.º 5 em papel, o intermediário financeiro presta-a gratuitamente nesse suporte.
9 - O intermediário financeiro informa os potenciais ou actuais clientes que sejam investidores não profissionais que podem optar pela prestação da informação em papel.
(...) 11 - A informação prevista no número anterior é comunicada periodicamente ao investidor e, pelo menos, anualmente, durante todo o período de duração do investimento.
(...) 14 - Quando o serviço de investimento seja proposto ou prestado conjuntamente com outro serviço ou produto, como parte de um único pacote ou como condição para a prestação de um serviço ou aquisição de um produto (vendas cruzadas), o intermediário financeiro deve: a) Informar o investidor sobre a possibilidade de adquirir os diferentes componentes em separado e apresentar informação separada sobre os custos e encargos inerentes a cada componente; b) Fornecer uma descrição adequada dos diferentes componentes e do modo como a sua interacção altera os riscos de cada uma, caso os riscos decorrentes dos serviços prestados conjuntamente ou do pacote comercializados junto de um investidor não profissional sejam susceptíveis de ser diferentes dos riscos decorrentes de cada componente em separado.
A informação a prestar pelo intermediário financeiro deve ser verdadeira, completa, clara, actual, objectiva e lícita, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, e 312.º, n.º 1, do CVM, e suficientemente detalhada para capacitar o investidor a uma tomada de decisão livre e esclarecida.
Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes (artigo 304, n.º 1, do CVM). Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (n.º 2 do artigo 304.º do CVN). Neste artigo 304 evidencia-se que o dever geral de boa fé, em particular a conduta diligente, leal e transparente, é nuclear na actividade do intermediário financeiro. O comportamento diligente, leal e transparente actua-se de vários e muitos modos em cada relação concreta. Facilitando essa avaliação, várias normas do CVM densificam estes conceitos com deveres mais específicos.
O dever de informação tem um conteúdo amplo e deve incidir, designadamente, sobre os “riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar”, “a existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar”, referindo-se “à origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar”, bem como ter em conta a natureza do investidor, para permitir que este tome uma decisão informada relativamente ao serviço no âmbito do qual surge o conflito de interesses (als. a, c) e g) do n.º 1 do artigo 312.º do CVM.
A lei consagra ainda o princípio da proporcionalidade inversa, de acordo com o qual «a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente» (n.º 2 do artigo 312.º do CVM). A informação prevista no n.º 1 do artigo 312.º deve ser prestada por escrito ainda que sob forma padronizada (n.º 4 do artigo 312.º do CVM) e deve estender-se ao longo de todo o período de duração do investimento, sendo comunicada periodicamente ao investidor, pelo menos, anualmente (n.º 11 do artigo 312.º do CVM). Nos termos do AUJ n.º 8/2022, o intermediário financeiro tem o dever de se informar sobre o cliente e proporcionar-lhe informação clara, cabal e relevante para a opção que pretende tomar e tem de ter a iniciativa para prestar a informação, não tendo o investidor não institucional dever de a solicitar.
[…] Nos termos do AUJ n.º 8/2022: «Quanto ao âmbito dessa informação, nas palavras de Sofia Nascimento Rodrigues, na obra citada, “[...] Existe um conjunto de informações que o intermediário está obrigado a prestar a um cliente, potencial investidor, antes de lhe prestar qualquer serviço de intermediação financeira. Trata -se de informações prévias no âmbito das quais se inserem todas as necessárias para que o cliente tome uma decisão de investimento esclarecida e fundamentada (art. 312.º Cód. VM), as respeitantes à estrutura empresarial do intermediário financeiro e ainda as relativas à natureza e características do investimento a realizar (artigos 38.º e 39.º do Regulamento n.º 12/2000).
A lei não enumera taxativamente o conteúdo da informação considerada necessária, tendo por obrigatório prestar aquela informação que se revele relevante para efeitos de uma tomada de decisão consciente por parte do investidor. O legislador não dispensou, contudo, o enunciado de um conjunto mínimo de dados informativos que necessariamente terão de ser fornecidos pelo intermediário financeiro, encontrando-se nesse grupo elementos cujo conhecimento é, desta forma, reconhecido como indispensável à adopção de qualquer decisão de investimento. Entre esses elementos encontram -se os riscos envolvidos pelas operações a realizar e suas implicações, o custo do serviço a prestar, a existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente bem como a possibilidade de uma eventual reclamação ser recebida pela CMVM e ainda qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço que presta [alíneas a) a d) do n.º 1 do art. 312.º do Cód. VM e 39.o do Regulamento CMVM n.º 12/2000].» [fim de citação].
Este Acórdão vem na linha do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-04-2018, proc. n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1, https://juris.stj.pt/pesquisa, em cujo sumário, a propósito do conteúdo amplo e exigente do dever de informação quando estão em causa investidores não profissionais e conservadores, se pode ler:
«I. A protecção dos interesses legítimos dos clientes de produtos financeiros implica, em relação a eles, que o intermediário financeiro indague sobre a sua situação financeira e experiência – o princípio know your costumer, ou, know your client no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente – nº3 do art. 304º do CVM – devendo observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
II. O dever de conhecimento do perfil do cliente, sobretudo nos casos de investidores não qualificados, a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto que pretende adquirir, para se ajuizar se certa transacção é adequada ao cliente – suitablity test –, impõe ao intermediário financeiro um rigoroso dever pré-contratual de informação, que não se queda pelo padrão do bom pai de família, mas antes, dada a profissionalidade do banco/intermediário financeiro, lhe impõe um grau de diligência mais acentuado, devendo actuar como “diligentissimus pater familias”, não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve.
III. O dever contratual de agir de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro, no interesse legítimo dos seus clientes, não é mais, afinal, que o dever de agir de boa fé, constituindo um dever principal – a prestação propriamente dita no complexo obrigacional a cargo do intermediário financeiro.
IV. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte».
5. Para além das normas específicas do regime do CVM são ainda convocadas as disposições do Código Civil relativas à responsabilidade civil, na medida em que não tenham sido expressamente afastadas por aqueles preceitos.
Também no já citado Acórdão de 15-12-2022, o Supremo Tribunal de Justiça assinala que:
«Como é jurisprudência habitual deste Supremo Tribunal de Justiça, a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a actividades de intermediação e emitentes, que seja susceptível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art.º 7.º n.º1 do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (art.º 312.º do CVM) e orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspectos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.
A lei não enumera taxativamente o conteúdo da informação considerada necessária, mas entre o conjunto mínimo de dados informativos que necessariamente terão de ser fornecidos pelo intermediário financeiro, encontram-se elementos como os riscos envolvidos pelas operações a realizar e suas implicações, o custo do serviço a prestar, a existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente bem como a possibilidade de uma eventual reclamação ser recebida pela CMVM e ainda qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço que presta – als. a) a d) do n.º1 do art. 312.º do CVM e do Regulamento do CMVM.
No conjunto das informações que o intermediário estará obrigado a prestar ao cliente, potencial investidor (informações prévias no âmbito das quais se inserem todas as necessárias para que o cliente tome uma decisão de investimento esclarecida e fundamentada - art.º 312.º CVM), estão as respeitantes à estrutura empresarial do intermediário financeiro e ainda as relativas à natureza e características do investimento a realizar (art.ºs 38.º e 39.º do Regulamento da CMVM, n.º12/2000).»
O artigo 483.º do Código Civil consagra os requisitos da responsabilidade civil por factos ilícitos que depois se aplicam igualmente à responsabilidade pré-contratual e contratual por incumprimento do dever de prestar e/ou dos deveres principais ou acessórios associados à relação entre as partes.
Tais requisitos são o facto voluntário, enquanto comportamento (acção ou omissão) dominável pela vontade, a ilicitude, enquanto desvio do comportamento face à a conduta devida, a culpa, enquanto juízo de censurabilidade do comportamento, o dano e o nexo de causalidade entre o comportamento e o dano.
A ilicitude da actuação do intermediário financeiro está associada à inexecução das obrigações para com o cliente e, no caso da responsabilidade pré-contratual, consiste na violação de algum dos deveres de boa-fé contratual, como o dever de informação, de lealdade e de diligência. Por via da presunção de culpa estabelecida no n.º 2 do artigo 304.º-A do CVM, a culpa do intermediário financeiro presume-se, embora essa presunção seja ilidível nos termos do artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil. O nexo de causalidade, por sua vez, deve ser aferido pelo critério da causalidade adequada porquanto, nos termos do artigo 563.º do Código Civil, A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Como vimos, cabe à autora provar a violação do dever de informação e a existência de um nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e o dano.
No que concerne ao ilícito cremos que essa prova foi feita.
Na verdade ficou demonstrado que a autora e o marido são pessoas com pouca escolaridade e sem qualquer experiência da aplicação de produtos financeiros, cujas respostas ao «questionário de apuramento do perfil de investidor», todas de sentido negativo ou acusando desconhecimento e falta de experiência, levou a qualificá-los como clientes sem perfil de investidor e com perfil desadequado à subscrição de obrigações.
Além disso eram clientes recentes, que o funcionário do banco só tinha recebido no banco no dia anterior à subscrição, depois de dias antes lhes ter sido apresentado pelo advogado (no escritório deste) que representara a autora no processo de acidentes de trabalhão onde esta veio a receber a indemnização de €150.000 que necessitava de colocar num banco.
Estas circunstâncias eram suficientes para criar na autora e no marido, face à indicação do advogado e em consequências da sua inexperiência e falta de competências, uma confiança imediata na pessoa que acabavam de conhecer e lhes era indicada como a «pessoa certa» para tratar da colocação desse dinheiro e, dessa forma, fazê-los acreditar no que lhes fosse dito, mesmo que sem condições para compreenderem o real sentido ou alcance das afirmações sobre os produtos onde aplicar o dinheiro.
Estes dados eram conhecidos do funcionário do banco, o qual tinha a obrigação de adequar o seu comportamento e as suas afirmações a estes concretos clientes, orientando toda a sua actividade, conforme era sua obrigação legal, no sentido da protecção dos legítimos interesses dos clientes e não propriamente do banco ou do emitente das obrigações.
Provou-se que a autora e o marido manifestaram claramente perante o réu que queriam estar seguros que não corriam o risco de perder os €50.000 que decidiram guardar fora da conta à ordem. O que se compreende: a autora tinha sofrido um acidente de trabalho que lhe gerou uma IPP de 80% e recebeu uma indemnização que não só não era muito elevada como em grande medida ia já ser gasta em obras na casa, restando apenas o valor de €50.000 que certamente quereriam guardar para mais tarde, para a eventualidade de se agravarem as necessidades da autora, ainda que naturalmente desejassem obter alguma remuneração desse dinheiro.
Só por isso o funcionário do banco réu não devia nunca ter apresentado à autora e o marido aplicações financeiras que contivessem o risco de perda da totalidade do capital, mas fê-lo. E não adianta sustentar que o funcionário do banco só apresenta os produtos e só tem a obrigação de fornecer a informação necessária sobre esses produtos; quem decide e é responsável pelas consequência da sua decisão é o cliente. Não é assim!
Independentemente das instruções do órgão de supervisão e do que este assinale administrativamente estar vedado ao intermediário financeiro fazer, este tem a obrigação legal de orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes, observar os ditames da boa fé, seguir elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, da situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos e tomar a iniciativa de prestar todas as informações para que o cliente tome uma decisão livre e informada.
Por isso, se o funcionário tem ou deve ter conhecimento que os clientes não têm experiência, conhecimentos ou competências pessoais para avaliar de forma livre e informada a decisão de subscrever um produto que não assegura efectivamente o objectivo que prosseguem com o seu dinheiro, a boa fé impõe ao intermediário que não lhes apresente sequer esse produto, que não os alicie com a remuneração acrescida proporcionada por este em comparação com outros, porque esse factor pode só por si induzir pessoas menos capazes, independentes ou preparadas (v.g., no caso, sugestionadas pelo seu advogado a seguir as indicações deste funcionário do banco) a tomar uma decisão que não serve mesmo os seus interesses.
Como quer que seja, apesar da preocupação dos autores de estarem seguros que não perderiam o seu dinheiro, o réu BB propôs-lhe a aplicação em Notes Db Rendimento Portugal Telecom, que apresentou como sendo dos melhores e mais seguros do mercado, no momento. Ora como o réu não podia deixar de saber, tratando-se de obrigações, o produto em causa continha efectivamente o risco de perda da totalidade do capital investido e de o seu rendimento ser nulo ou negativo e, consequentemente, na realidade, a autora e o marido não podiam ter a segurança que desejavam.
É conhecido o que se passava. As obrigações em causa eram um produto criado sob a égide do próprio Banco 1... e tinham na designação a firma Portugal Telecom que na altura se apresentava e era tida como uma das empresas mais valiosas e sólidas do nosso país, com um valor de mercado gigantesco, lucros abundantes e enormes reservas financeiras. Essa circunstância, que o tempo veio a demonstrar ser falsa e esconder criminosamente uma realidade bem diferente, ajudava a criar a convicção de que as obrigações nunca seriam incumpridas e, por isso, o risco do produto era puramente teórico, abstracto, que o incumprimento nunca aconteceria (a PT tinha um rating superior ao do Estado Português, repetiu mais que uma vez o réu BB no seu depoimento) e por isso o risco real ou não existia ou não merecia ser considerado na decisão de investir.
Só que nem isso era mesmo assim! Conforme resulta dos documentos juntos pelo próprio banco réu e não impugnados as Notes db Rendimento Portugal Telecom eram instrumentos financeiros representativos de dívida emitidos pelo B... plc, um veículo de fins especiais para emissão de Valores Mobiliários garantidos por activos, constituído na Irlanda, e estavam associadas a situações de incumprimento do Colateral do produto que era constituído por obrigações da Portugal Telecom International Finance BV, sendo que a remuneração das Notes e o reembolso do capital investido dependiam da inexistência de incumprimento da Portugal Telecom International Finance BV ao abrigo das obrigações por si emitidas que constituem o colateral.
Portanto, o produto foi emitido pela B... plc, não pelo banco réu. E tinha como colateral (produto cujas vicissitudes podem determinar o reembolso antecipado das Notes por valor inferior ao aplicado, podendo mesmo ser nulo) obrigações emitidas pela Portugal Telecom International Finance BV, ou seja, uma empresa aparentemente do universo da Portugal Telecom mas que não se confundia com esta, possuindo personalidade jurídica própria, sede noutro país e uma organização e actividade totalmente desconhecidas entre nós. Acresce que esse reembolso antecipado e respectivas consequências podia ainda derivar da cessação antecipada de qualquer operação de cobertura de risco contratada pelo emitente B... plc, devido a alterações fiscais ou ilegalidade/impossibilidade em relação ao Emitente ou à contraparte na operação de cobertura de risco, e devido a insolvência/incumprimento da contraparte na operação de cobertura de risco referida.
Desse modo, por conveniência, facilidade da apresentação comercial do produto ou, pura e simplesmente, não querer atender ao pormenor, confundia-se a B... plc com o banco réu e a Portugal Telecom International Finance BV com a Portugal Telecom S.A. (apesar das relações existentes entre elas e das consequências que os eventos de uma determinaram para a outra, a realidade veio a mostrar a diferença entre as empresas e o diferentes destino que tiveram).
Por conseguinte, a informação prestada pelo réu, independentemente de saber se o risco era teórico ou real e devia ser levado em conta ou desprezado, nem sequer era verdadeira, rectius, não era fundada numa verdadeira compreensão do produto, nem traduzia uma explicação real, clara e cabal do produto aos clientes. A indicação de que se tratava, à data, de um dos melhores e mais seguros produtos do mercado, qualquer que fosse a sua correspondência com a realidade, era vaga, não concreta e sugestiva, traduzindo um mero juízo de valor do intermediário em vez de informação sobre as características concretas do produto e das suas implicações ou consequências, ainda que eventuais ou pouco prováveis, sobre o reembolso do capital e, essencialmente, quanto à preocupação essencial da autora e o marido, conhecida do intermediário, de estarem seguros de que iam receber o seu dinheiro.
A justificação para o produto ser apresentado da forma como foi (a «PT» e o «Banco 1...» não entrariam em incumprimento) não só não tem correspondência, como vimos, com a natureza, as características e a constituição do produto, como traduz uma forma de induzir comportamentos, afirmando algo que parece tão inverosímil que o declaratário não tem como refutar, sendo afoitado a aceitar o que lhe é proposto para não se mostrar irrazoável, o que é algo que, embora possa ser consentido em termos de marketing em geral, não se coaduna com o elevado padrão de diligência, zelo e cuidado imposto legalmente aos intermediários financeiros.
Não se trata, note-se, de entender que o intermediário financeira não pode fazer sugestões, designadamente não pode sugerir produtos que melhor se adaptem ao que o cliente deseja, trata-se de entender que antes da sugestão, sobretudo quando como aqui sucede a sugestão é da iniciativa do intermediário, deve vir a informação, que esta tem de ser clara, cabal, relevante e suficientemente detalhada, tendo em conta a natureza do investidor, para permitir que este tome uma decisão livre e informada, o que não sucede quando se mistura opinião com informação, prognósticos com realidades, e se fornece uma informação não correcta que deteriora a análise e vicia a tomada de decisão.
Em conclusão, afigura-se-nos que houve efectivamente uma violação dos deveres de boa fé, de lealdade e de informação no modo como o banco réu prestou à autora e ao marido as suas obrigações enquanto intermediário financeiro e que isso constitui um acto ilícito.
A culpa como vimos presume-se, não tendo essa presunção sido afastada.
O dano resulta da circunstância de a autora e o marido não terem recuperado a totalidade do capital aplicado, mais propriamente terem deixado de receber €43.715,43, o que se traduz numa diferença patrimonial entre a situação actual e a situação em que estariam se o capital estivesse seguro nessa aplicação.
A questão do nexo de causalidade apresenta-se como a mais complexa nas acções com estes contornos. Com efeito, como não tinha de ser o Banco 1... a pagar as obrigações em causa o incumprimento das mesmas também não deriva do seu comportamento, rectius, não foi propriamente por causa do comportamento dos réus que a autora deixou de receber o seu capital, o que teria ocorrido se o emitente das obrigações as tivesse pago na maturidade.
Todavia, importa ter presente que o que está em causa não é propriamente a subscrição do produto financeiro, mas sim a violação dos deveres legais de informação pré-contratual que oneravam o intermediário financeiro e, portanto, aquele nexo deve ser avaliado não por referência ao não pagamento das obrigações, mas por referência à falta da informação que originou a decisão de subscrição.
Dispõe o artigo 563.º do Código Civil que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Esta disposição legal consagra a chamada formulação negativa do critério da causalidade adequada, ou seja, o evento ilícito tem, em concreto, de ter constituído condição necessária do dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que só por apenas circunstâncias extraordinárias ou invulgares aquele facto foi apto para produzir o dano verificado.
A questão foi, como já referido, decidida no AUJ n.º 8/2022, tendo sido fixada a seguinte doutrina que vale mesmo para situações ocorridas no âmbito do Decreto -Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro:
- No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, ... incumbe ao investidor … o ónus de provar o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.
- O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexactidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.
- Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.
Desse modo para concluir que há nexo de causalidade, deve averiguar-se se a autora conseguiu demonstrar não só que foi a informação que lhe foi dada que determinou a sua decisão de investir neste produto por causa da, como que se lhe tivesse sido dito que havia o risco (efectivo) de perder o capital investido não faria esse investimento.
A matéria de facto evidencia que a autora e o marido manifestaram claramente ao réu que queriam estar seguros que não corriam o risco de perder o seu dinheiro; que o réu lhe propôs aplicarem o dinheiro em Notes Db Rendimento Portugal Telecom, que apresentou como sendo dos melhores e mais seguros do mercado, no momento; que a autora subscreveu esse produto por, na sequência da indicação do seu advogado, terem acreditado no réu BB quando este lhes dizia que no final do prazo da aplicação iam receber o seu dinheiro; que a autora e o marido só aceitaram subscrever esta aplicação por terem sido convencidos pelo réu que no final receberiam mesmo o seu capital; que se não lhes tivesse sido dito que podiam estar descansados porque não iam perder os seus €50.000,00 e ainda iam obter juros melhores que noutras aplicações, e lhes tivesse sido dito que havia o risco real de perda da totalidade do capital, eles nunca teriam aceite subscrever esse produto.
Esta matéria de facto é bastante para o preenchimento do nexo de causalidade: se a decisão foi tomada apenas por lhe ter sido dito que a aplicação era segura, que não corriam o risco de perder o seu dinheiro, que no final receberiam o seu dinheiro, deve concluir-se que se lhes tivesse sido dito que no final podia ocorrer o que veio a ocorrer, ou seja, que havia o risco real e efectivo de perderem parte ou a totalidade do seu capital, a sua decisão seria a de não aplicar o sue dinheiro neste produto.
Desde modo deve concluir-se que estão preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade do intermediário financeiro, pelo que nessa parte a sentença recorrida deve ser confirmada.
A.2.] Prescrição:
O banco réu sustenta que o direito de indemnização da autora já prescreveu porque entre a data da subscrição do produto e a data da interposição da acção decorreram mais de dois anos, sendo esse o prazo de prescrição do direito nos termos do artigo 324.º do Código dos Valores Mobiliários.
Esta norma legal dispõe no n.º 2 que, salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.
A responsabilidade do intermediário financeiro pela sua actuação no âmbito de um contrato de intermediação financeira encontra-se assim sujeita a dois prazos de prescrição distintos: se a actuação ilícita resultou de dolo ou culpa grave, a responsabilidade prescreve no prazo de prescrição ordinária previsto no artigo 309º do Código Civil (20 anos); nas restantes situações, a responsabilidade prescreve no prazo de 2 anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.
Deste modo, tendo a subscrição do produto ocorrido em 4 de Setembro de 2012, tendo a autora tomado consciência em meados de 2016 que tinha subscrito um produto financeiro que continha o risco, que ela não quis assumir, de perda total do capital, e, portanto, um produto que não teria subscrito se lhe tivesse sido informada dessa risco, e a acção sido instaurada apenas em 19 de Fevereiro de 2019 (o que determinou a interrupção do prazo de prescrição cinco dias depois – artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil), é manifesto que decorreu aquele prazo de dois anos.
A pergunta que se coloca é pois se no caso o ilícito foi praticado com dolo ou culpa grave por parte do intermediário, situação, como vimos, ressalvada no artigo 324.º do Código de Valores Mobiliários e por isso subordinada ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos, o qual não está obviamente esgotado.
No caso não se deve colocar a hipótese de a actuação do intermediário financeiro ter sido praticada com dolo por não haver factos que permitam sequer abrir a discussão sobre o dolo eventual e os eventos ocorridos desde 2008 mostrarem que mesmo no mercado financeiro e entre os seus agentes era subtraída informação ou prestada informação falsa que determinava que outros agentes actuassem com base em pressupostos que tinham como sólidos, e neles fundassem decisões e modos de actuação, mas que depois se vieram a mostrar profundamente errados e falsos.
Resta a culpa grave.
Citando Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª edição, pág. 547, afirma-se no Acórdão da Relação do Porto de 02.03.2015, proc. n.º 1099/12.2TVPRT.P1, in www.dgsi.pt, que «a culpa lata, mais frequentemente chamada culpa grave “consiste em não fazer o que faz a generalidade das pessoas, em não observar os cuidados que todos em princípio adoptam. A culpa leve seria a omissão da diligência normal (podendo o padrão da normalidade ser dado em termos subjectivos, concretos, ou em termos objectivos, abstractos). A culpa levíssima seria a omissão dos cuidados especiais que só as pessoas mais prudentes e escrupulosas observam.” Esta classificação dos graus de culpa tem a ver com a gravidade ou a intensidade da violação dos deveres que recaem sobre o agente do facto, sendo sobreponível com a classificação que atende à previsão ou não do facto ilícito. Assim, pode um agente agir com culpa ou negligência consciente e dever essa culpa qualificar-se como leve ou levíssima, podendo também agir com negligência inconsciente e dever essa conduta qualificar-se como uma culpa ou negligência grave.»
Cremos que não basta invocar o especial dever de diligência dos intermediários financeiros e a obrigação de que na sua actividade adoptem elevados padrões de diligência e de profissionalismo para daí concluir que qualquer falha cometida seria sempre devida a culpa grave por inobservância do grau de diligência requerido a tal profissional. Nessa situação a responsabilidade do intermediário financeiro estaria sempre sujeita ao prazo de prescrição de 20 anos, pelo que a norma era desnecessária ou não tinha campo de aplicação.
A norma só faz sentido admitindo-se que mesmo um intermediário financeiro cuja actividade se encontra sujeita a esse dever particular e padrão elevado pode incorrer em falhas perante o cliente que não podem considerar-se devidas a culpa grave.
A culpa consiste um juízo ético-jurídico de avaliação do comportamento devido. Por isso a qualificação da culpa do intermediário financeiro deve ter em conta a notoriedade da falha (quanto mais notada ela devia ser, maior será o grau de culpa), a sua gravidade (quanto mais consequências tiver maior será o juízo de censura), a sua relevância para o fim social da disposição legal violada (quanto mais relevante ela for para a prossecução dos objectivos da norma, maior será o grau de culpa) e a intensidade da violação dos deveres do intermediário financeiro (mais grosseira a violação dos deveres de actuação e de cuidado, maior a culpa).
Essa avaliação tem, no entanto, de ser feita em contexto, em concreto.
Não é a mesma coisa uma falha ou falta de informação quando o cliente é uma pessoa preparada, com competências e qualidades para obter por si mesmo o complemento da informação, detectar a falha e o seu relevo e eventualmente colocar a questão para que a informação seja dada ou corrigida, e uma falha ou falta de informação quando se lida com um cliente sem preparação, experiência, conhecimento ou competências pessoais para compreender sequer o sentido da informação que lhe é dada e que por isso não só não se apercebe da falha, como não tem consciência do seu relevo para a decisão que acaba por tomar.
Por outro lado, não é a mesma coisa uma falha em relação a aspectos menores que apenas interferirão na dimensão, amplitude ou momento da decisão e falhas sobre aspectos maiores que não apenas interferem com a decisão em si mesma, como com a possibilidade de ela ser o modo correcto ou adequado de satisfazer os anseios e preocupações do cliente e que são conhecidos do intermediário financeiro.
É este aspecto em particular que nos faz entender que no caso estamos perante uma culpa grave. O intermediário acabara de conhecer a autora e o marido e iniciar um relacionamento bancário com eles. Teve condições para se aperceber de imediato não apenas da sua absoluta inexperiência na subscrição de produtos financeiros, em particular de um produto com o risco próprio das obrigações, como da sua preocupação com o pouco e único dinheiro que conseguiam guardar (“pôr de lado”) de uma indemnização destinada a compensar uma elevada incapacidade da autora para o trabalho, e bem assim da falta de competências da autora e do marido para por si mesmos perceberem o significado e as subtilezas do que lhe era dito e de questionarem a informação que lhe era dada.
No fundo, o funcionário do banco tinha obrigação de pensar que se dizia à autora e ao marido que o dinheiro deles estava seguro, que não o perderiam naquele produto, eles iam acreditar nisso e aceitar essa indicação como inquestionável. É por isso que, a nosso ver, no caso concreto, constitui culpa grave ele não ter dito que isso era apenas a ideia ou a convicção dele mas que era possível a sua expectativa não se realizar e verificar-se coisa diferente, pelo que eles tinham de estar conscientes da real possibilidade de perderem o seu capital.
Nesse sentido, entendemos que o direito da autora está subordinado ao prazo de prescrição ordinária e por isso ainda não prescreveu.
Nessa parte também a sentença recorrida deve ser confirmada.
B. Recurso do réu BB:
O réu BB discorda da sua condenação a pagar à autora as quantias indemnizatórias fixadas na sentença, alegando, essencialmente, que todos os actos que praticou foram praticados na qualidade de funcionário do banco réu e no exercício das respectivas funções, pelo que a haver responsabilidade ela é da sua entidade patronal e apenas desta.
Na sentença recorrida, justifica-se assim a condenação deste réu:
«Os actos de desinformação … foram praticados pelo 2º réu, empregado do Banco réu, que deveria prestar ao autor todas as informações necessárias para este se poder decidir a fazer a aplicação financeira devidamente esclarecido. ….
O Banco 1... responde, aqui, pelos actos dos seus auxiliares nos termos do art. 800.º, nº 1, do C. Civil.
… no caso, está devidamente demonstrada a íntima conexão entre as funções do empregado do réu e a violação do dever de informar.
Portanto, existe responsabilidade bancária dos réus pela recomendação …
O 2º réu responde pelos danos pedidos, solidariamente, por ser o autor ou agente dos factos.»
Se bem interpretamos esta fundamentação, o tribunal a quo entendeu responsabilizar o segundo réu por este «ser o autor ou agente dos factos», isto é, da prestação de informação deficiente e incorrecta, e responsabilizar o primeiro réu pelos actos do segundo réu, que actuou como auxiliar daquele.
Vejamos:
Para resolver a questão colocada, é necessário determinar se o segundo réu é o autor do facto ilícito gerador da responsabilidade, se o primeiro réu responde pela actuação do outro, se respondem ambos e, neste caso, qual é o regime dessa responsabilidade plural.
Ao enunciar os pressupostos da responsabilidade civil o artigo 483.º do Código Civil deixa na penumbra aquele que em rigor é o primeiro deles: o agente. O facto ilícito com efeito nunca pode ser um facto da natureza, um facto cuja ocorrência seja fruto de eventos naturais, não humanos ou não terminados pela vontade do homem, ele tem de ter um autor e é esse autor, por o ser, que é responsabilizado pela obrigação de ressarcir os danos causados a outrem pelo facto ilícito que praticou ou omitiu.
O direito civil não define o conceito de autoria, apesar de este conceito estar longe de possuir uma formulação única e inequívoca, como o demonstra cabalmente o direito penal.
É certo que em sede de responsabilidade civil, para efeitos da responsabilidade perante o lesado, o artigo 490.º do Código Civil não distingue os vários modos de contribuição para a prática do acto ilícito ou de participação neste acto, responsabilizando, conjunta e indistintamente, os vários autores, instigadores ou auxiliares do acto ilícito (segundo Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 1987, pág. 491, essa responsabilidade existe mesmo que não exista cooperação entre eles, e aos autores, instigadores ou auxiliares juntam-se ainda os encobridores, pelo menos nos casos em que a sua actuação contribui para o montante dos danos). Parece, pois, que para este efeito, mais que a noção de autoria, releva a noção da contribuição, a responsabilidade está associada não a ter feito algo, mas a ter contribuído para o resultado desse algo.
Todavia, o direito penal mostra que não basta estar envolvido na execução do acto para que se possa atribuir à pessoa a prática do acto ilícito. Para efeitos penais autor é todo aquele que executa, total ou parcialmente, a conduta que realiza o tipo. Todavia, são conhecidas várias teorias para explicar o significado dos elementos desta asserção, sendo a dominante a teoria do «domínio do facto». Segundo esta teoria, é autor «quem domina o facto, quem é dele “senhor”, quem toma a execução “nas suas próprias mãos” de tal modo que dele depende decisivamente o se e o como da realização típica». A autoria surge assim como uma «unidade de sentido objectiva-subjectiva: ele aparece, numa sua vertente como obra de uma vontade que dirige o acontecimento, noutra vertente como fruto de uma contribuição para o acontecimento dotada de uma determinado peso e significado» (cf. Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2019, pág. 894).
Não anda longe disso a afirmação de que para efeitos de responsabilidade civil necessitamos de um «facto voluntário», isto é, um facto objectivamente controlável ou dominável pela vontade, cuja produção possa ser controlada por decisão de vontade do agente, ficando apenas de fora do âmbito da responsabilidade os «danos causados por causas de força maior ou pela actuação irresistível de circunstâncias fortuitas» (cf. Antunes Varela, in Das obrigações em geral, Vol. I., Reimpressão da 10ª ed., pág. 529).
No caso, a questão que se coloca consiste em saber se um funcionário de uma instituição financeira que, actuando no exercício e no âmbito das suas tarefas profissionais, celebra um negócio em nome e por conta da sua entidade patronal e no decurso das respectivas negociações não fornece à contraparte a informação que estava legalmente obrigado a fornecer, o que constitui um facto ilícito gerador de responsabilidade pelos danos causados, deve ser considerado autor desse facto ilícito e responsável, ou essa responsabilidade cabe apenas à respectiva entidade patronal.
A resposta, cremos, não se pode buscar no disposto no artigo 165.º do Código Civil, nos termos do qual as pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários, nem no disposto no artigo 500.º, para que aquele remete, onde a propósito da responsabilidade do comitente, se estabelece que aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar, mas essa responsabilidade só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.
Estes preceitos, com efeito, independentemente de saber se o artigo 165.º se aplica apenas em sede delitual ou também em sede contratual, só se referem à responsabilidade da pessoa colectiva, responsabilizando-a pelos actos praticados por terceiros em resultado da verificação de uma especial circunstância: ter o agente material actuado no exercício da função ou representação que lhe foi dada pela pessoa colectiva e verificarem-se no agente os pressupostos da responsabilidade. Portanto, estas normas são fonte da responsabilidade da pessoa colectiva, não excluem a responsabilidade da pessoa individual que actua no âmbito de uma relação de comissão (aliás, pressupõem-na).
A resposta também não se encontra no disposto no artigo 800.º do Código Civil que no âmbito da responsabilidade contratual e a propósito dos actos dos representantes legais ou auxiliares do devedor prescreve que o devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor.
Salvo melhor opinião, a resposta resulta da natureza da relação jurídica em relação à qual havia o dever de informação omitido ou desrespeitado e da qualificação da responsabilidade que daí resulta.
A autora e o banco réu estabeleceram uma relação bancária geral, que consistiu num contrato de abertura de conta, e uma relação bancária particular de intermediação financeira que consistiu num contrato de recepção e transmissão de ordens de aquisição de valores mobiliários por conta de outrem, através do qual o banco apresentou à autora um produto financeiro de valores mobiliários emitido por terceiro e após a decisão da autora de subscrever o referido produto, recebeu e transmitiu, por conta da autora, a respectiva ordem de subscrição.
No domínio das obrigações funciona o princípio da relatividade (artigo 406.º, nº 2, do Código Civil), por oposição aos direitos absolutos ou subjectivos que são dotados de eficácia erga omnes. A natureza relativa das obrigações significa que os contratos apenas produzem efeitos entre as partes, que apenas o credor tem o direito de exigir do devedor o cumprimento da obrigação e que o devedor só está vinculado a esse cumprimento perante o credor. A consequência lógica da relatividade da obrigação é a de que o devedor só responde pelas consequências do não cumprimento ou do cumprimento defeituoso da prestação causadas ao credor e só este lhe pode exigir a reparação das consequências danosas.
O réu BB não é parte no contrato de intermediação financeira; aliás não tem sequer a qualidade de intermediário financeiro, ele é apenas um trabalhador por conta da pessoa colectiva que executa os actos de intermediário financeira através da sua organização, dos seus colaboradores, funcionários ou representantes. Por conseguinte, o réu não estava pessoalmente obrigado a prestar à autora qualquer informação, ele estava funcionalmente vinculado perante o banco réu a exercer, em nome e por conta do banco, as funções de que este o incumbiu, onde estão compreendidos actos de execução do dever de prestação do banco perante os seus clientes, que só as pessoas singulares podem praticar.
No caso, a causa de pedir não é composta pela violação de direitos subjectivos, direitos absolutos ou de personalidade, designadamente não é constituída por factos destinados ao preenchimento da responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações prevista no n.º 2 do artigo 485.º do Código Civil. Por esse motivo não nos encontramos no domínio da responsabilidade delitual, da responsabilidade civil por factos ilícitos, onde haveria que aplicar o artigo 490.º do Código Civil.
A causa de pedir é constituída pela violação dos deveres de lealdade e informação previstos nos artigos 304º e 314º do CVM, ou seja, pelo incumprimento dos deveres acessórios que o intermediário financeiro está obrigado para com o seu cliente a cumprir na negociação, na celebração e na execução dos contratos de intermediação financeira. Por isso encontramo-nos no domínio da responsabilidade contratual (considerando que a responsabilidade pré-contratual tem já essa natureza), da responsabilidade do devedor perante o credor., sendo que o réu BB não tem nem uma nem outra dessas qualidades por não ser parte no contrato de intermediação.
É precisamente por isso que Graça Trigo e Rodrigo Moreira, in Comentário ao artigo 800.º do Código Civil, in Brandão Proença (coord.), Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações/Das obrigações em geral, UCE, Lisboa, 2018, pág. 1112 e seguintes, afirmam o seguinte:
«A responsabilidade abrange apenas o devedor, isto é, o sujeito passivo do concreto dever em causa. O representante legal ou o auxiliar, na medida em que não se encontra vinculado ao cumprimento de qualquer obrigação perante o credor, i.e., o sujeito activo do concreto dever em causa, não pode ser responsabilizado por via obrigacional; não lhe é aplicável este regime, sem prejuízo da sua possível e eventual responsabilização directa, por facto próprio, por um qualquer título de responsabilidade extraobrigacional aplicável ao caso. Segundo o preceito anotado, o terceiro por cujos actos o devedor vem a ser responsabilizado tanto pode ser seu representante legal como um mero auxiliar no cumprimento. No entanto, há que distinguir. Em relação aos representantes legais, na medida em que a representação, como forma de suprimento da incapacidade de exercício, se restringe à prática de actos lícitos, … o n.º 1 vem apenas esclarecer que o devedor será, ainda assim, responsável pelos danos originados pelo incumprimento, ilícito contratual, resultante da actuação do representante legal do devedor incapaz, evitando que essa incapacidade e a consequente necessidade de representação resultem numa desprotecção dos direitos do credor (…). Em relação aos auxiliares de cumprimento, são abrangidos tanto os auxiliares dependentes ou subordinados (v.g., trabalhadores do devedor), como os auxiliares independentes (e.g., prestadores de serviços autónomos ou trabalhadores por conta de outrem, como o subempreiteiro, que não é, em regra, subordinado jurídico do empreiteiro), bastando que, deles se socorrendo o devedor para cumprir a obrigação, da respectiva actuação resulte um dano na esfera do credor. Não se exige, portanto, por oposição ao regime do artigo 500.º, a existência de uma relação de comissão. Exige-se sim que o auxiliar seja «alguém introduzido na execução da obrigação por iniciativa própria do devedor, no sentido amplo de facto recondutível à vontade dele» (…). A manifestação de vontade do devedor em relação à actuação do auxiliar pode ser inicial ou subsequente, expressa ou tácita, mas deve existir, não sendo, assim, auxiliar, o gestor de negócios, mesmo que em gestão representativa, salvo se posteriormente ratificada pelo devedor».
Mais à frente, estes autores sublinham que «que o regime consagrado não é o de uma linear responsabilidade objectiva, mas sim o de uma ficção jurídica, isto é, o n.º 1 do preceito sob anotação ficciona que o comportamento dos auxiliares ou dos representantes legais é um comportamento do devedor: este fica colocado em situação idêntica àquela em que estaria se fosse ele próprio, pessoalmente, a cumprir a obrigação (…). Tendo em conta que o auxiliar ou representante não se encontra adstrito a qualquer dever para com o credor, a sua conduta é insusceptível de ser sujeita a um juízo de ilicitude e, consequentemente, de culpa, na medida em que, não sendo sujeito da relação obrigacional, não a pode violar (…). Contudo, procurando que o recurso do devedor a auxiliares ou representantes legais não seja por si só um factor de favorecimento ou desfavorecimento da situação do credor, o legislador quis estabelecer um regime em que o devedor, da mesma forma que, se actuar pessoalmente, responde apenas caso tenha culpa, então, recorrendo a auxiliares ou representantes legais, só responde se houver «culpa» destes, sendo essa «culpa» uma verdadeira ficção jurídica, tratada como se fosse do próprio devedor, ele sim susceptível de um juízo de ilicitude e de culpa. Por consequência, o critério de apreciação da culpa dos auxiliares deve assentar na diligência e nas aptidões exigíveis ao devedor, não podendo este desculpar-se com circunstâncias pessoais do auxiliar que a ele não aproveitem (…), pois de outro modo o devedor estaria numa posição de favor face ao credor, por lhe ser exigida menor diligência no cumprimento, pelo simples facto de recorrer a auxiliares.»
Não se pode excluir, contudo, que os próprios auxiliares possam incorrer em responsabilidade delitual pelos actos que praticam, ainda que no exercício das suas funções (v.g. com base na doutrina que admite a responsabilidade de terceiros pelo incumprimento das obrigações) mas, no caso, não adianta seguir por essa via metodológica de análise, porque não é essa a causa de pedir da acção.
A questão que se pode colocar é se essa análise é prejudicada pela circunstância de o artigo 304º do Código dos Valores Mobiliários, sede legal dos deveres de lealdade e informação violados, estabelecer no seu n.º 5 que os princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração e às pessoas que dirigem efectivamente a actividade do intermediário financeiro ou do agente vinculado e aos colaboradores do intermediário financeiro, do agente vinculado ou de entidades subcontratadas, envolvidos no exercício ou fiscalização de actividades de intermediação financeira ou de funções operacionais que sejam essenciais à prestação de serviços de forma contínua e em condições de qualidade e eficiência.»
A nossa resposta é negativa. Essa disposição não tem a virtualidade de mudar os sujeitos da relação contratual em cuja negociação, celebração e execução esses princípios e deveres devem ser acatados e, consequentemente, também não tem a virtualidade de converter em devedor desse dever quem não estiver vinculado por essa relação. O que a norma faz é somente deixar claro que esses deveres, embora ligados à participação dos sujeitos no processo contratual de comercialização de produtos financeiros, têm consagração legal e abrangem todos os envolvidos no relacionamento com o cliente com vista ao contrato ou por resultado do contrato.
Para estarem vinculados a cumprirem esses deveres os funcionários do intermediário não carecem, por isso, de receberem instruções específicas da sua entidade patronal ou da entidade ao serviço das quais executam materialmente os actos nos quais tais deveres devem ser observados. Eles estão ex lege vinculados funcionalmente a essa actuação, independentemente da relação de trabalho ou de colaboração ao abrigo da qual actuam.
Por isso, sendo esses deveres meramente funcionais, ligados ao exercício das suas funções enquanto funcionário ou auxiliar do intermediário financeiro, a responsabilidade pela violação desses deveres é exclusivamente deste, não daqueles (neste sentido, também os Acórdãos da Relação de Lisboa de 22-03-2018, proc. n.º 7382/16.0T8LSB.L1-6, de 04-06.2020, proc. n.º 15392/17.4T8LSB.L1-2, e da Relação do Porto de 22-03-2018, proc. n.º 1310/12.0TVPRT.P1, in www.dgsi.pt).
Nesta parte o recurso é, por isso, procedente.
VI. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar os recursos do seguinte modo:
i) Recurso do réu BB – procedente; em consequência absolvem o réu dos pedidos formulados pela autora, revogando nessa parte a sentença recorrida.
ii) Recurso do réu Banco 1... – improcedente; em consequência, confirmam a sentença recorrida na parte em que condenou este réu.
Custas do primeiro recurso pela recorrida e do segundo pelo respectivo recorrente.
Relator: Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 872)
1.º Adjunto: António Paulo Vasconcelos
2.º Adjunto: Paulo Dias da Silva
[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]
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[1] Mantém-se a numeração de origem; os novos factos provado são aditados a seguir aos anteriormente julgados provados (com inversão da posição dos dois últimos para facilitar a leitura).