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PERÍCIA
IMPERTINÊNCIA
INDEFERIMENTO
PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL
Sumário
I - Processualmente, o escrutínio de quais os meios de prova a produzir impõe-se ao juiz em nome do princípio da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis (art.º 130º CPC), bem como do dever de gestão processual (art.º 6º CPC). II - Porém, extravasa a competência do juiz escolher ou determinar qual o meio de prova que a parte pode, ou quer, usar. III - A realização de uma perícia para apuramento de benfeitorias efetuadas em prédio arrendado pode ser considerada inútil e dilatória se no contrato ficou estipulado que (i) não era permitido ao inquilino a realização de obras ou benfeitorias sem a autorização escrita dos senhorios; (ii) e que quaisquer obras ou benfeitorias realizadas ficariam a pertencer ao prédio, sem que o inquilino possa invocar direito de retenção ou exigir o respetivo pagamento.
Texto Integral
Apelação nº 69/24.2T8ILH-B.P1
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I – Resenha do processado
1. Corre termos um processo de despejo instaurado por AA e BB contra CC, em que esta deduziu oposição, depois convolada em impugnação do título para a desocupação do locado. [[1]]
Na denominada “oposição” foi, para além do mais, deduzida reconvenção. Entre outros meios de prova, foi requerida uma perícia para se apurar o valor das alegadas obras feitas pela inquilina no locado, peticionadas a título de benfeitoria.
A Mmª Juíza admitiu a reconvenção, ordenando a notificação dos Requerentes para, querendo, apresentarem réplica.
Os Requerentes recorreram de tal despacho (Apenso A), recurso esse que foi decidido por decisão singular de 27/09/2024, devidamente transitada, na qual se considerou que a reconvenção não é um articulado, medida em que o despacho não era passível de apelação autónoma e, portanto, não se conheceu do objeto do recurso. Significando, portanto, que se mantém por ora a admissão da reconvenção.
Em 02/12/2024, a Mmª Juíza proferiu então o seguinte despacho:
«Em sede de oposição, veio a Requerida requerer a realização de uma perícia, tendo em vista fazer prova de que efetuou benfeitorias no imóvel arrendado.
Ora, atendendo à matéria que pretende provar, não se vislumbra existir necessidade e/ou justificação para seja realizada a perícia nos termos pretendidos, tendo a Requerida à sua disposição inúmeros meios de prova alternativos que lhe permitem atestar, caso tal corresponda à verdade, a realização das despesas por si alegadas.
Nestes termos, e ao abrigo do disposto no artigo 476.º, n.º 1 a contrario do Código de Processo Civil, por se considerar a mesma impertinente e dilatória, atendendo ao objeto indicado pela Requerida, indefere-se a prova pericial pretendida.»
2. Inconformada com tal decisão, dela apelou a Requerida, formulando as seguintes conclusões:
1 – Constitui direito fundamental o direito de ação e prova, que gozam da proteção constitucional devida por força do artigo 18º da CRP, articulado com o artigo 32 dessa.
2 – Tem sido entendimento que a referência constitucional do artigo 32º não se reporta apenas ao processo criminal, mas inclui ainda o processo civil.
3 – Ademais, para afastar o exercício daquele direito fundamental o Senhor Juiz só o poderia fazer com outro direito de idêntico conteúdo, e mesmo assim como restrição daquele direito, não com total exclusão, sob pena de inconstitucionalidade.
4 – O conceito de prova pode ser entendido como atividade, como meio ou como resultado. No primeiro caso, reporta-se à atividade que as partes desenvolvem com vista a convencer o julgador da realidade dos factos. No segundo caso, integra os elementos concretos apresentados tendo em vista a demonstração da realidade dos factos. E, no último sentido, como resultado, a prova traduz a criação, no espírito do julgador, da convicção de que o facto ocorreu.
5 – Uma tal prova não é de certeza mas, mas sim, um grau de convicção suficiente para as exigências da vida.
6 – Se a parte deduziu reconvenção com pedido de perícia, tendo indicado quesitos, tendo a reconvenção sido admitida, por outro lado se o direito reconhece direito de retenção ao inqulino quanto a imóvel por benfeitorias, a prova destas é elemento essencial, não sendo nem impertinente nem dilatório que se requeira perícia, que observe e avalie o valor dessas benfeitorias.
7 – Pelo que foram violados os artigos 18º, 20º e 32º da CRP, os artigos 341º e 388º do CC, artigos 6º, 467º, 476º do CPC.
Termos em que, anulando-se o despacho recorrido e substituindo-se esse por outro que ordene a perícia, se fará Justiça.
3. Os Requerentes contra-alegaram, sustentando a improcedência da apelação.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
4. Apreciando o mérito do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).
No caso, trata-se de decidir se a perícia deve ser admitida.
4.1. Da realização, ou não, da perícia § 1º - Já vimos que foi deduzida reconvenção e que a mesma foi admitida. O substrato dessa reconvenção reside na realização de benfeitorias, pretendendo-se a condenação dos requerentes do despejo ao respetivo pagamento (€ 2.500,00).
Para prova do alegado, a Requerida requereu perícia individual e apresentou os respetivos quesitos.
Depois, consultados os autos, vemos que na réplica, os Requerentes do despejo impugnaram a realização dessas obras, por desconhecimento, e referiram que o imóvel se encontrava em doas condições, e que a Requerida nunca lhes solicitou a realização de quaisquer obras. Invocaram ainda o clausulado contratual, em que não eram permitidas ao inquilino a realização de obras ou benfeitorias sem sua autorização escrita e que, a serem feitas, ficam a pertencer ao locado, sem que o inquilino possa invocar direito de retenção ou exigir o respetivo pagamento. Sendo que a Requerente não alega, nem existiu, tal autorização dos senhorios.
§ 2º - O direito à prova é um dos corolários do direito à tutela jurisdicional efetiva, de consagração constitucional: art.º 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Dado que o juiz julga secundum allegata et probata, sobre as partes recai o ónus de demonstrar a realidade dos factos que alegaram: art.º 341º e 342º do Código Civil (CC).
É certo que a Recorrente cumpriu os requisitos formais exigidos para a realização da prova pericial.
Porém, a produção dos meios de prova apresentados pelas partes está sujeita a várias condicionantes.
Desde logo, impõe-se ao Juiz um escrutínio do direito probatório material, como o respeito pelos princípios atinentes à prova vinculada, em que a lei vincula o julgador a determinados aspetos ou resultados dos meios de prova, como é o caso do valor probatório dos documentos autênticos [art.º 371º do Código Civil (CC)] ou o da confissão (art.º 358º CC).
Assim, por exemplo, deverá ser indeferida a produção de qualquer outro meio de prova relativamente a factos sobre os quais houve declaração confessória ou que se mostrem já admitidos por acordo; ou, por exemplo, indeferir a prova testemunhal quando a lei exige documento autêntico para prova do facto.
Processualmente, esse escrutínio impõe-se ao juiz em nome do princípio da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis (art.º 130º CPC), bem como do dever de gestão processual (art.º 6º CPC).
O fundamento do indeferimento da perícia foi que a Recorrente teria à sua disposição inúmeros meios de prova alternativos que lhe permitem atestar, caso tal corresponda à verdade, a realização das despesas por si alegadas. E, por isso, a perícia foi considerada impertinente e dilatória.
Não podemos concordar com tal motivo de indeferimento, na medida em que, fora das condicionantes legais acabadas de referir (prova vinculada), não incumbe ao juiz escolher ou determinar qual o meio de prova que a parte pode, ou quer, usar. Estamos ainda no domínio do princípio do dispositivo.
§ 3º - Não concordando com a fundamentação, já o mesmo não ocorre com a decisão de indeferimento em si, ainda que por outras razões.
Na verdade, resulta dos autos que a perícia se destinaria a provar a realização das obras, e respetivo custo, que a inquilina Recorrente cifrou em 2.500 euros.
Sucede que, como referido na réplica, as partes consignaram no contrato de arrendamento [cláusula 7ª-a) e b)] que:
· não era permitido ao inquilino a realização de obras ou benfeitorias sem a autorização escrita dos senhorios;
· e que quaisquer obras ou benfeitorias realizadas ficariam a pertencer ao prédio, sem que o inquilino possa invocar direito de retenção ou exigir o respetivo pagamento.
Por outro lado, a inquilina Recorrente não alegou que se tratava de obras necessárias (decorrentes, por exemplo, do mau estado de conservação do prédio), nem que tenha interpelado os senhorios para as realizar e que eles nada fizeram; ou que, tratando-se de obras para seu conforto, que tenha solicitado autorização dos senhorios e que lhe tenha sido concedida.
A falta de alegação de tais factos – que poderiam legitimar as obras – impede que sobre os mesmos possa ser produzida prova.
Ora, no domínio da responsabilidade contratual, e desde que não desrespeitem leis imperativas, é permitida às partes a livre fixação do conteúdo dos contratos, os quais, uma vez firmados, devem ser pontualmente cumpridos: art.º 405º e 406º nº 1 do CC.
Assim, tendo em conta a factualidade alegada, temos de concluir que a Recorrente violou as suas obrigações contratuais (ao realizar obras sem autorização). Por outro lado, mesmo perante obras realizadas, renunciou ao respetivo pagamento e a invocar o direito de retenção por benfeitorias.
Essa renúncia é perfeitamente legítima e válida, dado estarmos no domínio dos direitos disponíveis.
Nessa medida, é então de concluir ser inútil e dilatória a realização da perícia, uma vez que fica desde já claro que a Recorrente não tem direito, porque a ele renunciou, ao pagamento das benfeitorias realizadas.
Termos em que, ainda que por outra fundamentação, é de manter o indeferimento da perícia.
6. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, mantendo-se o decidido em 1ª instância.
Custas do recurso a cargo da Recorrente, face ao decaimento.
Porto, 06 de fevereiro de 2025
Relatora: Isabel Silva
1º Adjunto: João Venade
2º Adjunto: Paulo Duarte Teixeira
___________________________________ [[1]] O requerimento de despejo imediato foi apresentado no Balcão Nacional de Arrendamento. A oposição foi inicialmente indeferida. Porém, em acórdão proferido por este Tribunal da Relação em 18/04/2024, devidamente transitado, foi decidido: «convolando-se a deduzida “oposição” em impugnação do título para a desocupação do locado, determina-se se cumpram, no tribunal recorrido, os procedimentos previstos nos nºs 5 e 6 do artigo 139º do CPC, ali se aferindo após da validade da prática intempestiva do acto.»