ACIDENTE DE VIAÇÃO
DÉFICE FUNCIONAL SEM REPERCUSSÃO PATRIMONIAL À DATA DO SINISTRO
DANO BIOLÓGICO
INDEMNIZABILIDADE
Sumário

I - A afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento do trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, também, da sua atividade laboral, quando implica esforços suplementares que a vítima de défice funcional tem que desenvolver para realizar o seu trabalho.
II - Nessas situações, a inexistência de uma repercussão patrimonial das sequelas, evidencia a irrelevância da retribuição do lesado, na altura ou depois do acidente, para a fixação da eventual indemnização, pelo que deve ser considerado o salário médio mensal.
III - Numa situação em que não se prova que as sequelas acarretem uma redução efetiva de rendimentos, o dano decorrente do défice funcional permanente deve ser fixado tendo em conta, apenas, a extensão e gravidade das sequelas, as quais serão iguais esteja o lesado desempregado, reformado, a trabalhar, auferindo um salário maior ou menor, ou, ainda, a estudar.
IV - Seria mesmo violador do princípio constitucionalmente consagrado da igualdade, defender que a um sinistrado caberia maior indemnização pelo défice funcional permanente sem comprovada repercussão a nível salarial, do que a que mereceria um outro sinistrado com a mesma e exata sequela, mas diferente estatuto remuneratório.

(Da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Apelação 580/23.2T8PNF.P1

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ..., ..., ... e ..., ..., intentou ação sob a forma de processo comum contra A... Companhia de Seguros, SA., com sede no Largo ..., ... Lisboa, peticionando o pagamento pela Ré da indemnização global de € 50.234,00, acrescida de juros calculados no dobro da taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento, bem como a ressarcir-lhe, no futuro, os danos que se venha a apurar serem causa direta e necessárias das lesões sofridas com o evento, conforme alegado nos arts. 57º e 58º da PI.

Para o efeito alegou, em síntese, que foi interveniente em acidente de viação, em que a culpa exclusiva foi do condutor do veículo seguro na Ré, pelo que é a mesma responsável pelo pagamento da indemnização a que tem direito por força dos danos patrimoniais e não patrimoniais para si advenientes do acidente dos autos.

A Ré apresentou contestação, invocando que assumia a responsabilidade pela indemnização por culpa do seu segurado, o qual conduzia com uma taxa de álcool de 0,58 g/l no sangue, tendo direito de regresso em relação ao mesmo. Mais alegou serem exagerados os montantes peticionados pelo Autor, concluindo pela improcedência parcial da ação, para além de pedir a intervenção acessória provocada do condutor do veículo, seu segurado.

Foi proferido despacho que determinou o requerido chamamento, chamado que foi citado e apresentou contestação, invocando, no essencial, que o seu estado de alcoolemia em nada influenciou a ocorrência do acidente.

Foi proferido despacho saneador, com a identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Prosseguindo o processo para julgamento, ao qual se procedeu, foi proferida sentença que decidiu:

“Pelo exposto, de harmonia com as disposições legais citadas, julgo a presente acção parcialmente procedente, e consequentemente, decido:

1. Condenar a Ré A..., Companhia de Seguros, SA., a pagar ao Autor AA:

a) a título de danos patrimoniais, a quantia global de €225,00 (duzentos e vinte e cinco euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;

b) a título de dano pela perda da capacidade de ganho, esforços acrescidos e dano biológico, a quantia de € 8.000,00 (oito mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

c) a título de danos não patrimoniais, a quantia global de € 11.000,00 (onze mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da presente sentença, até efectivo e integral pagamento.

2. No mais, absolve-se a R. do pedido.

Custas a suportar pelo Autor e pela Ré na proporção do respectivo decaimento (art. 527º do CPC).

Notifique e registe.”.


*

Não se conformando com o assim decidido, vieram interpor recurso, quer o autor AA, quer o chamado BB, recursos que foram admitidos como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

No seu recurso, formulou o autor/apelante, as seguintes conclusões das suas alegações:

“1ª O presente recurso versa apenas sobre matéria de direito e visa o seguinte:

I - Discutir a consideração, na sentença, dos 3 pontos de dano biológico como se de 3% de IPP se tratasse e as implicações de tal indevido enquadramento na determinação do valor adequado ao ressarcimento legalmente previsto.

II - Aduzir argumentos tendentes a demonstrar que o valor de 8.000€ ordenado pagar é demasiado escasso.

III – Indicar as normas violadas – al. a) do nº 1 do art. 639º do CPC.

2ª Neste I ponto defendemos que 3 pontos de dano biológico não devem ser considerados como 3% de IPP e vamos sinalizar as consequências desse indevido enquadramento.

3ª O Dec. Lei 341/93, de 30/09, foi revogado pelo Dec. Lei 352/2007, de 23/10. Do preâmbulo deste último consta, no essencial, que no Direito Laboral está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho e que, no âmbito do Direito Civil – face ao princípio da reparação integral do dano nele vigente – se deve valorizar percentualmente a incapacidade permanente em geral, isto é, a incapacidade para os atos e gestos correntes do dia-a-dia, assinalando depois e suplementarmente o seu reflexo em termos da atividade profissional específica do examinando.

4ª Por se entender que a utilização da TNI para os ATs não correspondia ao princípio da reparação integral do dano, vigente no âmbito do direito civil, foi aprovada nova TNI, visando a reparação do dano em direito civil.

5ª A pesquisa e o estudo que conduziram à atual TNI, aqui em apreço, jamais perderam de vista os valores da justiça, igualdade, proporcionalidade e boa-fé.

“Com a sua adoção visa-se igualmente uma maior precisão jurídica e a salvaguarda da garantia de igualdade dos cidadãos perante a lei, no respeito do princípio de que devem ter avaliação idêntica as sequelas que, sendo idênticas, se repercutem de forma similar nas atividades da vida diária.”.

6ª Com alguma frequência, os tribunais confrontam-se e sentenciam demandas que têm por objeto acidentes simultaneamente de viação e de trabalho.

Nestes casos, um A. da ação por acidente de viação pode ter a possibilidade de juntar aos autos a sentença que lhe fixou o grau de IPP (de natureza, obviamente, profissional), o que cria desigualdade face a qualquer outro A., designadamente vítima até do mesmo acidente, mas não que não consubstancie AT.

7ª Na prática, o que é que vem ocorrendo?

- Há Tribunais que, no essencial, julgam com base na equidade – fixando um quantitativo englobante ou dois valores que levem em conta o seguinte:

- A perda patrimonial futura, de âmbito profissional; e,

- A perda patrimonial futura, de natureza não profissional - esta segunda componente indemnizatória normalmente qualificada de “a título de dano biológico” e destinada a ressarcir a incapacidade dos lesados para os atos e gestos correntes do dia-a-dia.

8ª Há outros (tribunais) que convertem os pontos de dano biológico em percentagem de IPP. Ora, como, por exemplo, a 15 ou 20 pontos de dano biológico correspondem, com frequência, IPPs de foro profissional muito mais elevadas e, inclusivamente, IPATHs, ao efetuarem essa “conversão” desrespeitam aquele que é o desiderato da publicação das duas tabelas; e, por outro lado, ao considerarem o dano biológico como se de IPP se tratasse, apuram valores indemnizatórios muito inferiores aos que se obteriam com base na antiga TNI, prevista no revogado Dec. Lei 341/93, de 30/09, afastando-se, de forma injusta e gravosa para os sinistrados, especialmente e apenas só de acidentes de viação, do princípio do ressarcimento global, desconsiderando, inclusive, as als. a) e b) do art.º 3º da Portaria 377/2008, de 26/5.

9ª Efetivamente, ocorrem situações em que o valor globalmente sentenciado pagar ao abrigo de um acidente de viação chega a ser bastante inferior ao que, em condições normais, resulta da aplicação da TNI para os ATs e, por outro lado, ficam por ressarcir os danos, consequentes das sequelas, para a vida extraprofissional dos lesados.

10ª Nesta matéria, há que ter em conta que, biologicamente, um qualquer sujeito conseguia fazer e/ou fazia antes do evento que o vitimou e, atualmente, após a alta definitiva, passou a não conseguir ou a ter dificuldade em fazer, consubstancia dano biológico.

Este dano biológico, para além do dano não patrimonial/moral consubstanciado na ofensa de interesses insuscetíveis de avaliação patrimonial, tem, com frequência, reflexo patrimonial de natureza especificamente profissional e extraprofissional;

11ª Pode, efetivamente, ter só qualquer uma das “coisas” ou ter as duas. Na verdade, o dia tem 24 horas.

O ser humano dorme, em média, entre 7 a 8 horas por dia e, profissionalmente, trabalha, também, entre 7 a 8 horas.

Durante as demais 8 ou 9 horas, em que nem está a trabalhar, nem a dormir, pode produzir e/ou fazer muita coisa com implicação direta ou indireta na sua esfera patrimonial.

12ª Os artigos 13º e 18º da Constituição da República Portuguesa são diretamente aplicáveis e não deixam dúvidas quanto à necessidade de autonomização do dano biológico, sempre que seja o caso, das suas duas vertentes. Se ela não ocorrer, violar-se-á o princípio da igualdade, ao tratar-se como desigual o que é, óbvia e efetivamente, igual.

13ª Por esta via, ao sentenciarem conforme descrito na conclusão 8ª e 15ª, em matéria de fixação de valores indemnizatórios, o conteúdo das decisões assim proferidas, afasta-se do acima indicado princípio, consagrado no Código Civil, nas várias diretivas do direito da União Europeia e, por outro lado, de forma ainda mais gravosa, na atribuição de indemnizações, vai do 8 ao 80, violando o nº 3 do art.º 8.º do Código Civil e, bem assim, o disposto no artigo 13.º da CRP – inconstitucionalidade que aqui se invoca.

14ª A propósito desta questão, citam-se abaixo dois exemplos, que têm a particularidade de serem ambos relativos a processos que penderam no Juízo Central Cível do Tribunal Judicial de Penafiel – J4 – Comarca de Porto Este.

1º exemplo - no Proc. nº 2624/17.8T8PNF, em que o acidente, como o dos presentes autos, foi simultaneamente de viação e AT, a um dano biológico de 33,82 pontos, em avaliação por AT foi atribuída ao A. uma IPP 61,79%, vindo, à posteriori, o Tribunal da Relação do Porto, a considerar o A. totalmente incapaz, uma vez que ele, à data do sinistro, trabalhava na recolha do lixo e, anteriormente, na construção civil – tudo atividades objetivamente incompatíveis com a necessidade de uso de uma canadiana para se movimentar.

2º exemplo - no Proc. 721/18.1T8PNF.P1 – também em acidente, igualmente de viação e AT, a um dano biológico de 16,21 pontos, em avaliação por acidente de trabalho foi atribuída ao A. uma IPP de 45,00%, com IPATH.

15ª Aplicar a TNI nos termos em que o Tribunal o fez, isto é, “converter”, de facto, o dano biológico em IPP, pode, com frequência, implicar o seguinte:

- A lesão grave dos direitos indemnizatórios de qualquer sinistrado;

- O desrespeito pelo desiderato da tabela, desde logo por ignorar a sua vertente não profissional; e,

- De alguma forma, inclusive, a desconsideração pelas als. a) e b) do art.º 3º da Portaria 377/2008, de 26/5.

16ª Em parte alguma dessas normas se prevê a efetiva consideração do dano biológico como IPP e, muito menos ainda, o ignorar da sua vertente não profissional. Aliás, a este respeito, há igualmente que salientar que no âmbito dos ATs, salvo nos casos de incapacidade absoluta e/ou de IPATH, aos sinistrados que, com a IPP que lhes foi atribuída, continuam a trabalhar e a auferir exatamente a mesma retribuição que auferiam antes do AT – nada lhes é descontado.

17ª Quanto ao ponto II - escassez do valor ordenado pagar.

No que ao, especificamente, ao ponto II diz respeito, ficou aquém porque, como supra expendido, IPP e dano biológico são coisas diferentes e porque fez constar que aplicou uma fórmula, todavia, nem explicitou os cálculos, nem da sua aplicação nos parece resultar, sequer por aproximação, o valor de dano patrimonial futuro atribuído.

18ª Mesmo assim, com base nos 3% de IPP efetuamos cálculos. Consideramos a esperança média de vida dos homens - 78,05 anos (Portal Oficial – Instituto Nacional de Estatística – A esperança de vida à nascença em Portugal, no triénio 2020-2022, foi estimada em 80,96 anos, sendo de 78,05 anos para os homens e de 83,52 anos para as mulheres) e os 43 anos levada em conta pelo Tribunal e chegamos ao montante de €10.275,11.

19ª Por outro lado, como é suposto ter aplicado a fórmula que enunciou na pág. 41, tentamos perceber e efetuamos vários cálculos – que a seguir vertemos - com base na fórmula a que se reporta o Acórdão do STJ, de 05/05/1994 (CJ, ano 11, 2°, pág. 87 e segs.), ajustada nos termos referidos no Acórdão da RC, de 04/04/1995, (CJ, ano XX, 2°, pág. 23 e segs.) mas não logramos perceber adequadamente os €8.000 atribuídos, o que deverá ter a ver, como é de supor, com a redução do quantitativo devido ao pagamento do capital alcançado de forma adiantada e de uma só vez.

20ª Por fim, efetuamos os cálculos com salário médio de 1.294,10€ x 14 x 3% = 574,56€ x 43 anos = 24.706€.

Por esta via, com aplicação da fórmula dos acima indicados acórdãos e levando em consideração uma taxa de juro de 2% (para o capital apurado) e uma taxa de crescimento dos salários para os próximos 43 anos de 2% (o salário mínimo tem subido bem mais) chegamos ao montante de 24.706€.

21ª Todavia, se mantivermos os pressupostos enunciados, mas considerarmos a esperança média de 78 anos (78-27=51) de vida, passamos para um período de 51 anos e atingimos o quantitativo de €27.726,69.

22ª Quanto às normas violadas – al. a) do nº 1 do art. 639º do CPC - dir-se-á que ao ressarcir nos termos decididos, o Tribunal violou o disposto nos artigos 607º, nº 4, e als. c) e d) do nº 1 do art. 615º, ambos do CPC e, bem assim e também, o disposto nos arts. 562º, 564º e 566º, nº 2, todos do C.C.

23ª Como supra se fez constar, os valores sentenciados pagar desconsideram, em substância, o disposto na TNI para o Direito Civil, boa parte da nossa jurisprudência e, bem assim e igualmente, o disposto no artº 13º da Constituição e o nº 3 do artº 8 do C. C. – normativos consagradores do princípio da igualdade e da uniformidade, repetidamente citados pela boa jurisprudência dos nossos Tribunais superiores.

24ª Um dano biológico X ou Y é igual para todo e qualquer cidadão, devendo, por isso, merecer a mesma consideração, sob pena de violação do princípio da igualdade.

“Coisa” bem diferente desse dano é o reflexo que os 3 pontos podem ter (ou não ter) na capacidade de trabalho do cidadão A ou B.

25ª Um operário da construção civil privado de uma perna estará profissionalmente “arrumado”. Um empregado de escritório, um informático, um advogado, etc., continuará a exercer sua atividade profissional com relativa regularidade; já não sendo assim, todavia, quanto à capacidade para, em tese, levar a cabo todo um outro vasto conjunto de tarefas de índole não profissional que a TNI para o direito civil veio consagrar.

26ª Na situação dos autos, a forma como o Tribunal operou e fundamentou o cálculo do valor adequado a ressarcir os danos do A. deu causa a que o quantitativo fixado tenha ficado aquém da efetiva compensação da perda patrimonial de natureza profissional e, por outro lado, desconsiderou, em absoluto, a vertente não profissional do dano – exatamente aquela que a TNI aqui em apreço veio consagrar.

27ª São, por isso, desajustados os critérios utilizados pelo Tribunal com vista ao calcular e/ou ao suportar do juízo de equidade para, a título de dano biológico – vertente profissional e não profissional – atribuir, em situação com a gravidade apurada nos autos, uma indemnização global de apenas €8.000,00.

Concluindo, defendemos que ao decidir nos termos expostos, o Tribunal violou o disposto nos artigos 607º, nº 4, e als. c) e d) do nº 1 do art. 615º, ambos do C.P.C. e o preceituado nos arts. 562º, 564º e 566º, nº 2, todos do C.C., devendo, por isso, alterar-se a decisão em termos de a Ré vir a ser condenada a pagar ao Autor o valor peticionado a título de dano biológico – vertente especificamente profissional e vertente não profissional, no valor global de (20.000€ + 15.000€) €35.000, a assim se fazendo JUSTIÇA.”.

O chamado/apelante, por sua vez, concluiu as suas alegações nos seguintes termos:

“A- Com o recurso apresentado, o recorrente impugna a factualidade que resulta dos factos dados como provado, designadamente os constantes nos pontos 4 e 5, pretende ainda que os factos dados como não provados nos pontos I e J sejam alterados/corrigidos e dados como factos provados, propondo ainda alteração à sua redação.

B- Apesar das limitações deste Venerando Tribunal, no que concerne à reapreciação prova testemunhal, pelo facto de não ter contacto directo com as testemunhas, sempre lhe cumpre reapreciar a prova e formular a sua própria convicção, de acordo com o disposto no art.º 662.º do C.P.C., em resultado entre outras da prova gravada. Existem factos dados como provados e factos dados como não provados, os quais, sempre com o muito e devido respeito por diferente entendimento, não são consentâneos com a prova produzida nos autos.

C- O Recorrente não pode aceitar, como provados, os factos vertidos nos pontos: 4 e 5, não só, por não ter sido feita prova de tais factos, como ao invés, foi feita prova segura que impunha uma decisão em sentido contrário. Do mesmo erro da apreciação da prova, decorre não poder aceitar como não provados os factos vertido no ponto: i).

D- Assim, quanto aos factos dados provados e elencados nos pontos 4 e 5, o Tribunal a quo, não valorou, em nosso entendimento, erradamente o depoimento da testemunha CC, arrolada pelo Recorrente, nem as declarações de parte prestadas por este.

E- A referida testemunha, foi a primeira a chegar ao local, sendo que foi esta que ligou para os Bombeiros, sendo que esta testemunha (CC) foi identificada, também pelo Recorrido e pela sua companheira/namorada, como sendo essa pessoa.

F- Não obstante a tal, o Tribunal a quo, fez tábua rasa ao seu depoimento, optando por considerar credíveis, o depoimento da namorada do recorrido, (pessoa com interesse na causa) bem como da testemunha DD, testemunha essa que chegou ao local, muito depois da ocorrência do acidente

G- O Tribunal a quo, entendeu que esta, depôs de forma inverosímil (invocando o fato de a filha conhecer o irmão do chamado BB), andando na mesma escola’, no entanto, já não teve o mesmo cuidado na análise do depoimento de namorada à data e companhia atualmente, do recorrido, já não mereceu qualquer reparo, apesar de esta (ter manifesto interesse na causa).

H-Tudo isto, autoriza a que se diga, que o tribunal a quo, demonstrou uma inclinação tendenciosa, no que à avaliação dos depoimentos das referidas testemunhas, diz respeito. Nota-se que o depoimento desta testemunha (CC), veio a corroborar em parte as declarações de parte do recorrente.

I- A testemunha CC, demonstrou a sua razão de ciência, porquanto o seu conhecimento, adveio do facto de esta ter presenciado, parte dos acontecimentos em causa nos autos.

J- Foi a primeira a chegar ao local do acidente, auxiliou as vítimas, alertou os bombeiros, descreveu àqueles a situação que visionou no local, informou-os da necessidade do envio um veículo de desencarceramento. Respondeu a todas as questões que lhe foram colocadas, não demonstrando uma memória seletiva ao contrário do que aconteceu com a testemunha EE e DD.

Verificou a existência de uma mancha de óleo, de grandes dimensões antes da chegada dos Bombeiros, caindo assim por terra a suposição peregrina aventada pela testemunha, DD de que a mancha poderia pertencer a um carro de bombeiros.

K- Verificou ainda a existência de detritos no local, além disso referiu qual a tendência dos condutores, quando estão num plano descente e apanham a curva pela esquerda. A testemunha reside perto do local do embate, e passa diariamente no mesmo refere que a tendência de marcha dos veículos que circulam em sentido descendente, que era o caso do Recorrido, é ir mais para o lado esquerdo. A referida tendência, ficou largamente demonstrada também com as várias fotografias juntas pelo recorrente.

L- Estamos perante um depoimento absolutamente credível, uma vez que das testemunhas que foram inquiridas, é a única que não é familiar ou amiga das partes.

M- Quanto ao recorrido, este apresentou um discurso nada espontâneo, apenas querendo referir, que viu um clarão e que o “outro invadiu a sua faixa de rodagem, mas não soube explicar mais o sucedido, nem quantos metros é que a sua faixa de rodagem foi invadida, se o veículo em sentido contrário tinha totalmente transposto a faixa de rodagem, encontrava-se totalmente na faixa de rodagem em que seguia o recorrido, entre outras coisas.

N- Resultou do seu depoimento, que o veículo conduzido pelo recorrente, vinha em sentido ascendente e o veículo conduzido pelo recorrido, vinha em sentido descendente, sendo que essa descida, era de elevada inclinação. Identificando ainda com clareza o local onde o embate ocorreu.

O- Importa fazer notar que o discurso, apresentado foi um discurso coerente, consentânea com os documentos (fotografais apresentadas nos autos), bem como com os danos resultantes do sinistro no veículo conduzido pelo Recorrente e atentas as regras da experiência. Apesar de tal, o Tribunal a quo, que fez tábua rasa ao depoimento prestado pelo recorrente.

P- O depoimento desta testemunha (companheira do recorrido), é estranhamente igual, sem tirar nem por às declarações prestadas pelo recorrido, chegando ao ponto de referir as mesmas palavras “clarão, não sei dizer”. Estamos perante um discurso nada espontâneo, apenas querendo referir, que viu um clarão e “de vir na nossa mão”, mas não soube explicar mais o sucedido, nem quantos metros é que a sua faixa de rodagem foi invadida, se o veículo em sentido contrário tinha totalmente transposto a faixa de rodagem, encontrava-se totalmente na faixa de rodagem em que seguia o depoente, não sabe dizer, se o recorrido travou ou não, entre outras coisas.

Q- Quanto à velocidade que o recorrente e o recorrido em primeiro lugar, para se fazer um juízo adequado quanto à velocidade a que seguia um veículo, só pode obviamente ser apurada em função de considerações retiradas da conjugação de elementos probatórios, como a prova testemunhal produzida, as características da via em que os veículos circulavam, as trajetórias seguidas, as distâncias percorridas pelos veículos, o seu posicionamento após a ocorrência do acidente de viação, os vestígios existente na faixa de rodagem e os danos produzidos em cada um dos veículos ou intervenientes - entre outros elementos probatórios relevantes. Importa referir que a testemunha e o recorrido em momento algum referiram que verificaram no velocímetro, para verificar a velocidade que seguiam, aquando do sinistro.

R- O mesmo se diga, quanto ao referido pelo recorrente. Pelo que, entendemos que o tribunal a quo, não deveria ter dado como provado que o recorrente seguia à velocidade de 60/70km.

S- Em segundo lugar, estranha-se que o Tribunal a quo, não tenha usado a mesma prerrogativa, relativamente ao recorrido, uma vez que não dá como provado a velocidade a que este seguia, aquando do acidente, apesar de ter sido referido por este e pela sua companheira, que seguiam a uma velocidade de 60Km por hora.

T-Quanto ao depoimento prestado pela testemunha DD, este baseou-se em meras suposições, sugestões, possibilidades, hipóteses e poucos mais. Não se compreende ser possível, que o Tribunal considera credível uma testemunha, que baseia o seu discurso, em meras suposições, sendo essas suposições valoradas pelo Tribunal, em detrimento do depoimento de uma testemunha (CC) que foi a primeira ao chegar ao local do acidente.

U- Este aventou a possibilidade de os vestígios, que verificou na local, designadamente óleo que se encontrava na faixa de rodagem ascendente, podiam ser provenientes dos próprios veículos dos Bombeiros ou máquinas que usam designadamente para desencarcerar.

V- Note-se que a mancha de óleo, verificada no local era de grande dimensão (1 ou 2 litros), conforme se verifica das fotografias, não sendo possível pertencer de todo ao carro dos bombeiros, porquanto se tal fosse assim, o mesmo não conseguiria chegar ao quartel, porquanto perderia todo o óleo no percurso. Acresce ainda que, foram encontrados do lado ascendente, (direito), na faixa de rodagem onde circulava o recorrente vários vestígios do acidente, vidros, detritos, pelos menos duas peças, uma metálica e outra de plástico.

W- Refere a referida testemunha que “uma peça ou duas peças, uma metálica, creio, e uma plástica, que estavam… ou seja, no sentido do Audi, estavam acima cerca, sei lá, de 100 metros, estavam lá duas peças. Aventando ainda a possibilidade, dessas peças, que se encontravam do lado ascendente, terem sido colocadas por pessoas, que se encontravam no local. Atentas as regras de experiência, ninguém encontraria peças de um lado da faixa de rodagem e as colocaria na berma da outra faixa de rodagem.

X- É o próprio auto de notícia que confirma a existência de vestidos, peças, fluidos, na faixa de rodagem mais à direita, faixa essa em que seguia o recorrente. Tudo isto, se autoriza a dizer que o embate, se deu na faixa de rodagem ascendente, ou seja, faixa essa em que seguia o recorrente.

Y- O recorrido invadiu aquela e embateu no veículo conduzido pelo recorrente, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo. Mais se atentarmos aos danos verificados, nos veículos, leva-nos à mesma conclusão. O veículo Audi, conduzido pelo recorrente, tinha danos na frente, lado esquerdo.

Z- A conclusão à qual o Tribunal a quo deveria ter chegado, face a tudo o que se deixou dito, era, que o recorrido, condutor do veículo Ford, perdeu o controlo da viatura que conduzia, tendo vindo embater na parte lateral esquerda do Audi, invadindo a faixa de rodagem deste, o que fez com que o Audi rodopiasse e fosse parar à faixa de rodagem contrária. Infelizmente o Tribunal a quo, não procedeu a uma análise critica, quer do depoimento da referia testemunha, quer do depoimento da companheira do recorrido, bem como do recorrido.

AA- Assim, face ao que se deixou dito, o Tribunal a quo, não devia ter dado como provado os factos constantes nos pontos 4 e 5, do item “factos provados”. Pelo contrário, todos os factos elencados nos pontos que acima se fez referência, deveriam ter sido dados como “não provados”, pelo Tribunal a quo.

BB-Mais, deveria ter sido dado como provado que, “o veículo FORD, conduzido pelo A., circulava no sentido ... – .../..., ou seja, em sentido inverso, isto é, em sentido descendente. Ora, sem que nada fizesse prever e justificasse o condutor do veículo FORD perdeu o controlo da viatura que conduzia, entrou em despiste, tendo vindo a embater na parte lateral esquerda da frente do Audi, invadindo a faixa de rodagem deste. O referido embate fez com que o veículo Audi, rodopiasse e fosse parar à faixa de rodagem contrária”.

CC- Ora, da matéria de facto que deveria ter sido dada como provada, podemos constatar que o acidente dos autos, ao contrário do decidido, ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo Ford, ora Recorrido, uma vez que, invadiu a hemi-faixa de rodagem contrária, sendo certo que essa sua conduta foi a única causa do acidente, pois se este se mantivesse na sua hemi-faixa de rodagem, o acidente não teria ocorrido.

DD- No caso concreto, só o condutor do FORD teve culpa, não concorrendo para ela o lesado, cuja conduta se pode considerar isenta de culpa, em nada contribuindo para o acidente. O acidente ficou, por conseguinte, a dever-se à conduta contraordenacional do condutor do veículo Ford, ou seja, do recorrido.

Caso assim se não entenda, que por mera hipótese de raciocínio se aventa:

EE- Na verdade, sendo a esmagadora maioria das acções de responsabilidade civil emergentes de acidentes de viação intentada com fundamento na culpa do condutor do outro veículo interveniente no acidente, se o lesado que não conseguiu provar a culpa desse condutor, nem mesmo através do recurso às presunções (quer às presunções legais de culpa, quer às presunções judiciais a partir da prática de uma violação de uma regra de circulação rodoviária causal do acidente) dificilmente conseguirá vislumbrar a que se deveu o acidente.

FF-Assim, em matéria de acidentes causados por veículos, não logrando o lesado provar culpa efectiva ou presumida do condutor do veículo interveniente no acidente, verifica-se responsabilidade pelo risco, que, nos termos do artigo 505º CC, apenas é excluída se o responsável nos termos do artigo 503º, nº1, CC, demonstrar que o acidente é imputável ao lesado ou a terceiro, ou que resultou de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.

GG-Por outras palavras, não havendo culpa, efectiva ou presumida, do condutor do outro veículo interveniente no acidente, nem se provando que este se deveu a facto do lesado ou de terceiro, ou a causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo, situamo-nos no campo da responsabilidade pelo risco, ainda que o lesado não identifique o risco concreto que originou o acidente.

HH- Importa agora determinar se a taxa de alcoolemia apresentada pelo recorrente na altura do acidente projecta algum relevo a nível da responsabilidade. Não se trata de estabelecer qualquer presunção de culpa contra o condutor que conduzia alcoolizado, pois, nada se tendo apurado acerca das circunstâncias concretas em que ocorreu o acidente, não é possível estabelecedor um nexo de causalidade entre alcoolemia e o acidente (apenas a contravenção causal permite presumir, de acordo com as regras de experiência comum, a culpa do condutor).

II-A taxa de alcoolemia que o recorrente apresentava no momento do acidente (0,58 g/l), muito próximo do mínimo legal, é irrelevante, designadamente em termos de agravamento do risco.

JJ-Nessa conformidade, a presunção estabelecida no artigo 506º, nº2, CC. (que estabelece que, em caso de dúvida, considera-se igual a contribuição de cada um dos veículos para a produção dos danos), e na fixação de uma proporção do risco em 50% para a contribuição do veículo conduzido pelo recorrido, e em 50% para o veículo do recorrente.

KK- Caso assim se não entenda, os valores a que a Ré A... foi condenada, pecam por excesso, devendo o mesmo ser revistos.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Ex.a sempre mui doutamente suprirá:

Deve o recurso apresentado ser julgado totalmente procedente, devendo ser alterada a decisão recorrida, sendo, assim, feita inteira e Sã JUSTIÇA!!!”.

Foram apresentadas contra-alegações pela Ré A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pugnando pela improcedência do recurso do autor.


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Após os vistos legais, cumpre decidir.

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II - DO MÉRITO DO RECURSO

1. Objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.

Atendendo às conclusões das alegações apresentadas por cada um dos Apelantes, as questões a apreciar consistem em decidir:

- se deve ser alterada a análise jurídica que foi feita na sentença recorrida, nomeadamente quanto ao dano biológico e ao valor da indemnização devida ao autor;

- e se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, com base em erro na apreciação da prova, alterando-se, consequentemente, a análise jurídica que foi feita na sentença recorrida, como o chamado pretende.


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2. Apreciando:

2.1. A decisão recorrida

Foram dados como provados os seguintes factos:

1. No dia 16/01/2022, cerca das 01 horas e 45 minutos, na Av. ..., ..., na freguesia ..., concelho de Penafiel, ocorreu um embate,

2. em que foram intervenientes os veículos e condutores a seguir indicados:

- ..-DA-.., ligeiro de mercadorias, conduzido pelo A.; e,

- ..-XU-.., marca Audi, ligeiro de passageiros, propriedade de FF e conduzido por BB.

3. No momento do evento o A. circulava com o sentido de marcha descendente ... – .../... – e o condutor do XU em sentido inverso, ascendente.

4. Em momento em que o A. se aproximava de uma curva à esquerda, o condutor do XU perdeu o seu controlo, invadiu a via de circulação da esquerda, destinada ao trânsito de sentido contrário, e foi, completamente descontrolado, a velocidade de pelo menos 60/70 km/h, embater na frente, igualmente esquerda, do veículo do A..

5. O A. ainda tentou desviar-se para a direita da sua via de circulação, todavia, dada a rapidez da aproximação do XU, foi-lhe impossível evitar a colisão e após a mesma, ambos os veículos imobilizaram-se na via de circulação do A., sentido de marcha ....

6. A R. assumiu a responsabilidade decorrente do sinistro, por carta datada de 21/02/2022, conforme documento 1 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

7. Foi transferida para a Ré a responsabilidade decorrente de acidentes de viação, quanto ao XU, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...27, conforme doc. 1 da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

8. Do local do acidente e no dia do mesmo, o A. foi transportado em ambulância dos Bombeiros Voluntários ... para o Centro Hospitalar Tâmega e Sousa Epe (CHTS).

9. No dia do evento (16/01/2022), após triagem de manchester e observação médica especializada, o A. efetuou, designadamente, eletrocardiograma 04 TACs, várias análises clínicas e RX.

10. Concluída a sua avaliação clínica, foi constatado que apresentava as seguintes lesões:

a) -Traumatismo torácico, com destaque para:

- Fratura do 4º e 5º arcos costais esquerdos;

- Fratura do manúbrio esternal com contusão cardíaca;

- Hemotórax esquerdo e diminuto pneumotórax direito tratado conservadoramente;

- TC de controlo (18/01/22): aumento do hemotórax esquerdo; sem pneumotórax; e,

b) - Traumatismo abdominal: a saber, laceração esplénica da vertente inferior do baço associada a hemoperitoneu de pequeno volume, tratado conservadoramente, tudo conforme doc. 2 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

11. Ainda no referido dia 16/01, foi transferido para os cuidados intermédios do CHTS, onde permaneceu durante 03 dias.

12. No dia 18/01/2022 efetuou mais exames (2 TACs), mais análises e, de seguida, foi transferido para o departamento de Cirurgia Geral com vista à continuação dos tratamentos, conforme doc. 3 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

13. Teve alta no dia 23/01/22, com indicação para se manter parcialmente imobilizado durante cerca de 30 dias. Após a alta e durante mais de 30 dias, careceu de medicação diária e de ajuda de terceiro para tratar da sua higiene pessoal e para se sentar e deitar.

14. Em 10/02/2022 teve que se deslocar à urgência do CHTS, devido a dores muito fortes na anca e no joelho esquerdo – fez dois RX e uma TAC e mandaram-no para casa, com prescrição de medicação.

15. Em fevereiro de 2022 iniciou a realização de um conjunto de 60 sessões de fisioterapia na B..., e, algum tempo depois, compareceu a pelo menos 3 consultas no Hospital 1..., aí efetuando duas ressonâncias magnéticas, à bacia e ao joelho esquerdo, conforme doc. 4 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

16. Como não houve melhoras consideráveis, iniciou, por conta da Ré, novo conjunto de mais 60 sessões de fisioterapia na Clínica “C...”, de ..., com sede na Rua ..., ... ..., pagas pela Ré, conforme doc. 5 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

17. Teve alta, atribuída pelos serviços clínicos indicados pela Ré, em 16/11/2022, mas porque as dores persistissem, continuou e continua, por conta própria, a fazer fisioterapia – tendo gasto, até ao presente, a quantia de € 225,00, conforme doc. 5 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

18. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixada em 21/09/2022. O Período de Défice Funcional Temporário Total é fixado num período de 8 dias. O Período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixado num período 241 dias. O Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total é fixado num período total de 249 dias. O Quantum Doloris é fixado no grau 4/7. O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixado em 3 pontos. As sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares. O Dano Estético Permanente não é valorizado. A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer é fixada no grau 3/7. A Repercussão permanente na Atividade Sexual não é valorizada.

19. O A. apresenta as seguintes sequelas:

Crânio: sem alterações.

Face: sem alterações.

Pescoço: sem alterações.

Ráquis: Lombalgia associada a rigidez muito ligeira da coluna lombar, sem contracturas musculares, sem atitude escoliótica, sem alterações das curvaturas raquidianas normais, manobras de Lasègue e Bragard negativas bilateralmente; ROT´s presentes e simétricos; marcha em pontas e calcanhares possível e estável.

Tórax: assintomático e sem sequelas.

Abdómen: assintomático e sem sequelas.

Períneo: sem alterações.

Membro superior direito: sem alterações.

Membro superior esquerdo: sem alterações.

Membro inferior direito: sem alterações.

Membro inferior esquerdo: articulação da anca com movimentos articulares conservados, apenas com dor nos últimos graus da rotação interna, abdução e extensão; joelho esquerdo com boas mobilidades, sem edema e sem instabilidades.

20. À data do acidente o A. encontrava-se e realizar estágio profissional como desenhador técnico, recebendo cerca de € 568,82 por mês, na empresa onde estagiava – D..., Lda., com sede na rua ..., ..., ... ..., conforme doc. 6 da PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

21. O A. nasceu a ../../1994.

22. O A. sente dores na anca e nas costas, tomando medicação para as dores esporadicamente.

23. Até à data da alta, o A. teve também dores, estava limitado nos seus movimentos, designadamente, não podia conduzir, teve incómodos nas deslocações para exames, tratamentos e consultas, sentindo tristeza e frustração por não ter podido jogar futebol, como fazia anteriormente.

24. Por força do período de incapacidade para o trabalho e perdas salariais que o A. sofreu, a R. já lhe pagou € 4.081,93 e reembolsou a SS em € 1.947,37.

25. A R., após a alta do A., entrou em contacto para apresentar proposta de indemnização, o que não fez de imediato por estar em negociações e a aguardar informações do A..

26. O condutor do veículo ..-XU-.. efectuava a condução sob o efeito do álcool, tendo acusado uma taxa de álcool no sangue de 0,58 g/l (já com o desconto efectuado), conforme documentos 2 a 4 da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

27. O interveniente BB também foi conduzido ao Hospital na data do acidente, tendo recebido alta na manhã desse dia, conforme documento junto a 20/03/2024, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

E consideraram-se não provados, os factos seguintes:

A) BB conduzia o XU no interesse e por conta do seu proprietário.

B) Em consequência do evento, o A. ficou com duas cicatrizes no rosto e lesões dentárias, com fratura de um dente e fissurou dois.

C) O A. sente dificuldade em conduzir por mais do que uma hora e em permanecer sentado por mais de uma hora, situação que o obriga a interromper e a perder tempo e ritmo de trabalho como desenhador técnico e o torna menos apelativo para o mercado de trabalho e lhe dificulta a progressão na carreira profissional, perdendo, também, capacidade de desempenho para a realização de tarefas domésticas e para ajudar na atividade de seu pai – de que retirava, com frequência, compensação.

D) Durante mais de 08 (oito) meses, o A. sentiu acrescida dificuldade em se relacionar sexualmente (o que ainda sente), em dormir, teve pesadelos e sentiu-se ansioso e apreensivo com a demora na sua recuperação.

E) O A. continua a sentir formigueiro e dormência na parte direita do rosto.

F) A não ter ocorrido o sinistro, o A. teria começado a trabalhar, com salário correspondente à sua categoria profissional à data do evento, no dia 17/01/2022.

G) Da Ré, pelo tempo em que esteve efetivamente incapacitado de trabalhar (10 meses), só recebeu até 31/10/2022, estando em falta o valor de € 3.759,00.

H) O A., no futuro, com vista a atenuar as dores, poderá vir a ter de ser sujeito a tratamentos e cirurgias.

I) O condutor do veículo Ford, o A., perdeu o controlo da viatura que conduzia, entrou em despiste, tendo vindo embater na parte lateral esquerda do Audi, invadindo a faixa de rodagem deste, o que fez com que o Audi rodopiasse e fosse parar à faixa de rodagem contrária, sem conseguir evitar o embate, apesar dos seus esforços, nomeadamente de travagem.

J) O condutor do Audi circulava na sua faixa de rodagem a 50 Km/h.

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2.2. Posto isto, considerando que o chamado/apelante veio impugnar a decisão sobre a matéria de facto, impugnação que, a ser procedente, pode alterar a decisão recorrida em termos de culpa quanto à ocorrência do acidente, será pela apreciação dessa questão que iremos começar. De seguida, passaremos a apreciar as questões de direito.

a) Impugnação da matéria de facto

Nas suas conclusões de recurso veio o apelante/chamado requerer a reapreciação da decisão de facto, em relação a determinados factos julgados provados e não provados, com fundamento em erro na apreciação da prova.

O art. 640º do CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:

“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3. […]”

O mencionado regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão de facto, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, o qual terá que apresentar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.

Recai, assim, sobre o recorrente, o ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar os concretos pontos da decisão que pretende questionar, ou seja, delimitar o objeto do recurso, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto, a fundamentação, e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pelo Tribunal da Relação.

No caso concreto, o julgamento foi realizado com gravação dos depoimentos prestados em audiência, sendo que o apelante impugna a decisão da matéria de facto com indicação dos pontos de facto alvo de impugnação, indica a prova a reapreciar, bem como a decisão que sugere, mostrando-se, assim, reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão.

Tal como dispõe o nº 1 do art. 662º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “(…) se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que significa que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem um meio a utilizar apenas nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância.

No presente processo, como referido, a audiência final processou-se com gravação da prova produzida.

Segundo ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 225, e a respeito da gravação da prova e sua reapreciação, haverá que ter em consideração que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo consequentemente fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.

Assim, compete ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, face ao teor das alegações do recorrente e do recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

Cabe, ainda, referir que neste âmbito da reapreciação da prova vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º do Código Civil.

E é por isso que o art. 607º, nº 4 do CPC impõe ao julgador o dever de fundamentação da factualidade provada e não provada, especificando os fundamentos que levaram à convicção quanto a toda a matéria de facto, fundamentação essencial para o Tribunal de Recurso, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, com vista a verificar se ocorreu, ou não, erro de apreciação da prova.

Posto isto, cabe analisar se assiste razão ao chamado/apelante, na parte da impugnação da matéria de facto.

Como resulta das respetivas conclusões do recurso, o apelante entende que devem ser alterados os factos provados 4 e 5, bem como os factos não provados I e J.

Os factos impugnados têm o seguinte teor:

Facto provado 4.- Em momento em que o A. se aproximava de uma curva à esquerda, o condutor do XU perdeu o seu controlo, invadiu a via de circulação da esquerda, destinada ao trânsito de sentido contrário, e foi, completamente descontrolado, a velocidade de pelo menos 60/70 km/h, embater na frente, igualmente esquerda, do veículo do A..

Facto provado 5.- O A. ainda tentou desviar-se para a direita da sua via de circulação, todavia, dada a rapidez da aproximação do XU, foi-lhe impossível evitar a colisão e após a mesma, ambos os veículos imobilizaram-se na via de circulação do A., sentido de marcha ....

Facto não provado I)- O condutor do veículo Ford, o A., perdeu o controlo da viatura que conduzia, entrou em despiste, tendo vindo embater na parte lateral esquerda do Audi, invadindo a faixa de rodagem deste, o que fez com que o Audi rodopiasse e fosse parar à faixa de rodagem contrária, sem conseguir evitar o embate, apesar dos seus esforços, nomeadamente de travagem.

Facto não provado J)- O condutor do Audi circulava na sua faixa de rodagem a 50 Km/h.

Procedemos à análise da documentação que consta dos autos, bem como à audição da prova gravada.

Os factos impugnados, 4 e 5 provados e I) não provado, dizem respeito à dinâmica do acidente.

Ora, existindo versões contraditórias por parte de cada um dos condutores intervenientes, o certo é que a versão do Autor acaba por se mostrar corroborada por outros meios de prova, ao passo que a versão do Chamado não se mostra confirmada por qualquer outra prova.

Senão, vejamos:

Desde logo, da participação do acidente junta aos autos, com o respetivo esboço do local, o qual demonstra o que pôde ser verificado pelo agente da GNR que o elaborou, resulta a posição dos veículos após o embate, ambos situados na faixa de rodagem por onde circulava o autor, posição mais consentânea com a dita versão do autor do que com a versão do interveniente acessório, não se afigurando verosímil que, caso o embate tivesse ocorrido nas circunstâncias que o interveniente descreve, as viaturas tivessem ficado na posição que se vê, sobretudo, o veículo conduzido pelo interveniente, o qual, a ser embatido pela outra viatura, na sua faixa de rodagem, dificilmente teria ficado na faixa de rodagem contrária e virado no sentido em que seguia.

A ter sido o veículo conduzido pelo autor a embater no veículo conduzido pelo chamado, o que se afigura mais verosímil é que este tivesse sido empurrado para a sua direita e não para a faixa de rodagem contrária. Já tendo sido o veículo conduzido pelo chamado a embater no conduzido pelo autor, empurrando este, a posição dos veículos mostra-se compatível com um embate nesses termos.

Por sua vez, as fotografias do veículo que conduzia o interveniente/chamado, e que mostram os danos por este sofridos, também não confirma a sua versão, sendo compatíveis com um embate na frente/lateral esquerda, os quais podiam resultar de qualquer uma das versões apresentadas no que diz respeito à dinâmica do acidente.

Quanto a possíveis vestígios no pavimento que possam indicar o local do embate, as fotografias juntas são já posteriores à chegada dos bombeiros, INEM, GNR, sendo impossível, com a necessária certeza, perceber de que vestígios se trata.

As demais fotografias juntas e que pretendem demonstrar a “tendência” de quem circula no sentido em que seguia o autor, de ocuparem a faixa contrária, não dizem respeito ao acidente, sendo certo que, se há condutores que circulam mais junto do meio da faixa de rodagem, outros haverá que seguem as regras e circulam dentro da faixa que lhes corresponde, até porque parece que a curva à esquerda não terá muita visibilidade.

De qualquer modo, a dinâmica do acidente tem que ser analisada em concreto, nada demonstrando as fotografias juntas, até porque, quem faz curvas para a direita também tem tendência a “cortar” a curva.

Deste modo, o único documento que contribui de forma relevante para o apuramento da dinâmica do acidente, acaba por ser a participação do mesmo com o respetivo croquis que mostra a posição das viaturas após o embate, posição compatível com a versão do autor e não com a do chamado.

Quanto aos depoimentos gravados, temos, desde logo, os depoimentos dos militares da GNR que acorreram ao local do acidente, os quais não têm qualquer interesse na causa.

A testemunha DD que elaborou a participação do acidente, confirmou tal auto de participação, não confirmando a existência de vestígios na hemi-faixa por onde seguia o XU, conduzido pelo interveniente, que pudessem indicar ser aí o local do embate, ao contrário do que o chamado/recorrente pretende, afirmando que estavam lá veículos dos bombeiros, e outros, como se vê nas fotografias juntas, já mencionadas. Aliás, esclareceu que na participação, indicaram o local provável do embate dentro da hemi-faixa de rodagem por onde o Autor seguia, pelos vestígios que havia nesse local e pela posição das viaturas na via, sendo um local próximo da curva, em que o XU está a sair da curva e o veículo do Autor ainda iria entrar na mesma curva.

Ora, este último facto, que foi admitido pelo chamado/recorrente que disse que vinha a sair da curva, à direita, tendo em conta o seu sentido de marcha, o que significa que o autor ainda não tinha entrado na mesma, que para si era à esquerda, contraria, desde logo, a versão do chamado/recorrente no sentido de que o autor cortou a curva e invadiu a faixa de rodagem contrária.

A testemunha GG, agente da GNR, que também foi ao local, referiu que estava muita confusão no local, e que o local provável de embate que indicaram, teve a ver com a maior concentração de vestígios e com a posição das próprias viaturas.

Para além dos condutores das duas viaturas, a única testemunha que presenciou o acidente foi EE que seguia como passageira, ao lado do condutor, no veículo conduzido pelo autor, de quem era namorada e, atualmente, companheira.

Apesar de se reconhecer que terá algum interesse no desfecho da ação, o certo é que confirmou a versão do autor, afirmando que o outro veículo invadiu a faixa de rodagem por onde circulavam, o que acaba por ser confirmado pelos meios de prova já mencionados.

Sobre a matéria impugnada depôs também a testemunha CC que terá sido a primeira a chegar ao local do acidente, mas que, contudo, não o presenciou.

Não tendo presenciado o acidente, de relevante referiu apenas que conhece bem o local, onde passa com frequência, afirmando que viu a posição dos veículos no local, que descreveu, referindo que ligou aos bombeiros, ainda antes de sair da sua viatura, os quais demoraram cerca de 10 minutos a chegar ao local. Referiu que, entretanto, saiu do seu automóvel, mas que não se aproximou muito dos dois veículos, porque até pensava que um dos condutores estivesse morto, referindo que viu uma mancha no pavimento do lado onde não estavam os carros, tendo voltado para a sua viatura. Não podemos deixar de estranhar, tal como fez o tribunal recorrido, que a testemunha que refere que pensava que houvesse um morto no interior de uma das viaturas, ficando muito ansiosa, tivesse tido a atenção de reparar nos alegados vestígios que haveria no pavimento.

Seja como for, não se logrou apurar de que material se tratava, ou se era proveniente do acidente, ou não, até porque, como referido, os veículos estavam na outra metade da faixa de rodagem.

Posto isto, temos de concluir que os meios de prova constantes dos autos e os depoimentos prestados em audiência não vão no sentido de a dinâmica do acidente ter sido tal como é descrita pelo recorrente/interveniente, o que, desde logo, leva à improcedência da impugnação do facto não provado I), que descrevia uma atuação culposa por parte do autor.

Por outro lado, os factos provados 4 e 5, afiguram-se consentâneos com o que se apurou, nomeadamente a configuração do local, o facto de o acidente se ter dado antes de o autor entrar na curva (o que inviabiliza que a tenha “cortado”), mas ter ocorrido precisamente quando o condutor do outro veículo vinha a sair de uma curva, e, principalmente, a posição dos veículos após o acidente, na faixa de rodagem por onde circulava o autor.

A posição do veículo conduzido pelo interveniente, virado precisamente na direção em que seguia, e ocupando totalmente a faixa de rodagem contrária, permite concluir que a dinâmica do acidente foi a que é descrita pelo autor e pela testemunha presencial, o que também é compatível com os danos nas duas viaturas e com as próprias lesões sofridas pelos condutores.

Não se vê, assim, que exista motivo para alterar a decisão proferida pelo tribunal a quo.

Quanto ao facto não provado J), relativo à velocidade a que circulava o veículo conduzido pelo interveniente/recorrente, diz-se na decisão recorrida que o interveniente admitiu que iria a cerca de 60/70 Km/hora, o que terá levado a considerar provada parte do facto 4 e não provada a alínea J).

E bem.

De facto, ouvidas as declarações de parte do interveniente, verifica-se que o mesmo afirmou que circulava à velocidade de “sessenta, setentas”, pelo que, sem necessidade de outras considerações, se decide manter o facto não provado J), como tal.

Improcede, deste modo, a impugnação da matéria de facto.

b) Reapreciação da decisão de direito

Apreciada a primeira parte do recurso do recorrente/interveniente, com a improcedência da impugnação da matéria de facto, fácil será concluir que improcede também a impugnação de direito, a qual se baseava na alteração da factualidade provada e não provada.

Tal como o recorrente/interveniente refere, “da matéria de facto que deveria ter sido dada como provada, podemos constatar que o acidente dos autos, ao contrário do decidido, ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo Ford, ora Recorrido, uma vez que, invadiu a hemi-faixa de rodagem contrária, sendo certo que essa sua conduta foi a única causa do acidente, pois se este se mantivesse na sua hemi-faixa de rodagem, o acidente não teria ocorrido”. E, de facto, assim seria se tivesse procedido a impugnação, o que não sucedeu.

Mantendo-se, pois, a factualidade tal como foi dada como provada e não provada pelo tribunal recorrido, afigura-se correta a decisão no que à culpa pela ocorrência do acidente diz respeito, não sendo de considerar a responsabilidade pelo risco, a qual apenas tem lugar nos casos em que não se prove a culpa efetiva ou presumida de algum dos condutores, o que não é o caso.

Improcede, pois, o recurso formulado pelo recorrente/interveniente.

No que diz respeito ao recurso interposto pelo autor, o mesmo versa apenas sobre a decisão de direito, mais concretamente, sobre a fixação dos valores da indemnização no que diz respeito ao dano biológico.

Na decisão recorrida, sobre esta matéria, decidiu-se avaliar e atribuir uma indemnização em conjunto, quanto à indemnização a título de perda da capacidade de ganho e esforços acrescidos e a título de dano biológico, enquanto dano futuro, nos termos do art. 564.º, nº 2 do Código Civil.

É desse segmento da decisão que o autor/recorrente discorda.

Refere o autor/recorrente que em 23 de outubro de 2007 foi publicado o Dec. Lei 352/2007, que manteve a incapacidade laboral (IPP) e que instituiu uma nova TNI (anexo II) a qual veio criar o denominado “défice funcional permanente da integridade físico-psíquica/dano biológico” a valorar mediante a atribuição de pontos.

E se isso é certo, não se vê em que medida a decisão recorrida considerou os 3 pontos de dano biológico (na realidade são 3 pontos de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica) como se fossem 3 % de IPP.

Como também não se vê onde se encontra a inconstitucionalidade que o recorrente diz invocar, nomeadamente por violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13.º da CRP.

É que, o recorrente menciona várias decisões que terão sido proferidas noutros processos e refere que a decisão recorrida aplicou a TNI convertendo o dano biológico em IPP.

Contudo, não nos parece que seja isso o que resulta da decisão recorrida, transcrita supra, a não ser que o recorrente se refira ao facto de se ter considerado a idade ativa para efeitos de cálculo, sendo, no entanto, também certo que na mesma decisão se refere que “O critério que se tem por base para o cálculo desta indemnização, é o de determinar um capital equivalente ao rendimento de que o lesado foi privado e de que o irá ser até ao final da sua vida”.

Estas questões à parte, apreciemos, então, perante a matéria de facto dada como provada, se deve ser alterada a indemnização fixada.

Nos termos do disposto no artigo 562.º do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, mas esta obrigação só existe, nos termos do artigo 563.º do mesmo Código, em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, sendo a indemnização fixada em dinheiro, sempre que a restituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (artigo 566.º, n.º 1 do Código Civil).

No caso, não há dúvidas de que o lesado/autor/recorrente ficou afetado por um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, o que constitui dano biológico e implica uma alteração na sua vida, laboral, face ao maior esforço que terá que despender para realização das tarefas, mas também a todos os outros níveis do seu dia-a-dia, fazendo piorar a sua situação, pelo que se afigura evidente que esta alteração tem de relevar para efeitos de atribuição de indemnização.

Indemnização que, se o dito défice funcional permanente tiver reflexos na remuneração que o lesado vai deixar de auferir, se enquadra nos danos patrimoniais – danos futuros – a que se refere o artigo 564.º, n.º 2 do Código Civil.

No entanto, no caso de o défice funcional não determinar nenhuma diminuição do rendimento do lesado, quer porque a sua atividade profissional não é especificamente afetada pela incapacidade, quer porque embora afetado pela incapacidade, o lesado consegue exercer a sua atividade com um esforço complementar, como acontece no caso, quer porque o lesado está desempregado ou já é reformado ou é uma criança ou um jovem que ainda não entrou no mercado de trabalho, discute-se se o défice funcional constitui um dano patrimonial ou um dano não patrimonial.

No caso dos autos, o autor/recorrente pode continuar a exercer a sua atividade profissional, sem qualquer perda de rendimento, embora as sequelas de que ficou a padecer impliquem para o mesmo um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, as quais, sendo compatíveis com o exercício da atividade habitual, implicam, contudo, esforços suplementares.

Entende-se que numa situação destas, o esforço suplementar que a vítima de incapacidade tem que desenvolver para realizar o seu trabalho equivale à perda de ganho efetiva, para efeitos de indemnização.

Na verdade, sendo a incapacidade permanente, por si só, um dano patrimonial indemnizável, pela limitação que o lesado sofre na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, deve ser reparado, quer acarrete para o lesado uma diminuição efetiva do seu ganho laboral, quer implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais – cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 20/11/2011 e de 20/01/2010 e o Acórdão da Relação de Coimbra de 04/12/2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Como se diz no Ac. do STJ, de 23.04.2009 (Relator: Salvador da Costa), proferido no Proc. nº 292/04, disponível em www.dgsi.pt., “A afetação do ponto de vista funcional, não pode deixar de ser determinante de consequências negativas a nível da atividade geral do lesado, revestindo cariz patrimonial que justifica uma indemnização para além da valoração que se impõe a título de dano não patrimonial”.

No entanto, os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se limitam à redução da capacidade de trabalho do lesado, traduzindo-se, antes de mais, numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física, pelo que se deve considerar, para efeitos de cálculo de uma indemnização, o período de esperança média de vida, de modo a incluir não só o período de vida ativa, mas também o período posterior à normal cessação da atividade laboral, ou seja, a esperança média de vida, entendendo-se, ainda, que a indemnização por dano biológico não deve depender do rendimento do lesado.

Esta posição é a que temos vindo a considerar, nomeadamente no Acórdão desta mesma secção do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo 2125/18.7T8PVZ.P1 (Relator: António Paulo Vasconcelos), em que a aqui relatora foi segunda adjunta, e onde se decidiu:

“A afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, especificamente, também, da sua atividade laboral, implicando o esforço suplementar que as vítimas de incapacidade têm que desenvolver para realizar o seu trabalho.

A incapacidade em causa, constitui uma desvalorização efetiva que, normalmente, terá expressão patrimonial, embora em valores não definidos e com a consequente necessidade de recurso à equidade para fixar a correspondente indemnização.

(…)

Na verdade, a inexistência de uma demonstrada repercussão patrimonial das sequelas, evidencia a total irrelevância da retribuição do Autor, na altura ou depois do acidente, para a fixação da eventual indemnização.

De facto, se essa incapacidade é inconsequente no estatuto remuneratório do Autor, não há a mais pequena justificação para que se associe ou se indexe a determinação da respetiva compensação ao salário que, potencialmente, poderia auferir no futuro.

Numa situação em que não se prova que as sequelas acarretem uma redução efetiva de rendimentos, o dano decorrente do défice funcional permanente deve ser fixado tendo em conta, apenas, a extensão e gravidade das sequelas, as quais serão iguais esteja o Autor desempregado, a trabalhar, auferindo um salário de 1.000,00€ ou de 10.000,00€ mensais, ou, tão só, a gozar a reforma.

De resto, seria mesmo violador do princípio constitucionalmente consagrado da igualdade defender que a este sinistrado caberia maior indemnização pelo défice funcional permanente sem comprovada repercussão a nível salarial do que aquela que mereceria alguém com a mesma e exata sequela, mas diferente estatuto remuneratório.

A essa mesma conclusão se chegou, entre outros, no douto Acórdão do TRL de 24/10/2019, in processo 3570/17.0T8LSB.L1-2, no qual se lê que “O dano biológico expresso no grau de incapacidade de que o lesado fica a padecer, sendo um dano permanente e interferindo em todos os aspetos da vida do lesado, determina a necessidade de um esforço acrescido para viver e para todas as atividades diárias, levando a uma diminuição da qualidade de vida em geral e é igualmente grave para quem exerce um profissão remunerada com € 5.000,00 ou com € 500,00 sendo a dimensão do direito à saúde que está em causa e que é, tal como o direito à vida, igual para qualquer ser humano.”

Por outro lado, a inadequação do critério da fixação da indemnização com base na retribuição auferida pelo sinistrado resulta do facto de o Autor nem sequer ter ficado portador de uma incapacidade permanente fixada em percentagem, mas antes em pontos.

De facto, o défice funcional da integridade física é fixado na TNI para avaliação do dano em direito civil em pontos e não em percentagem.

A pontuação prevista nessa tabela não tem exata correspondência com as percentagens previstas na TNI para avaliação de dano permanente resultante de um acidente de trabalho.

Aliás, essa questão – bem como a da forma como deve ser fixada a indemnização pelo dano biológico de um sinistrado ainda estudante - foi abordada no douto acórdão do STJ de 10/12/2019, proferido in processo 497/15.4T8ABT.E1.S1, aí se tendo concluído que não pode ser equiparada a desvalorização em pontos com a incapacidade percentual, nem deve ser atendido o possível salário que a vítima irá auferir no cálculo da indemnização.

Assim, lê-se nessa decisão: “Antigamente, e na ausência da Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil, quando apenas era possível o recurso às tabelas de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais para a avaliação dos danos patrimoniais futuros, entendia-se que a indemnização em dinheiro do dano futuro de incapacidade permanente devia corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não iria auferir, para que (o capital) se extinguisse no final do período provável de vida (v., por exemplo, o Ac. STJ de 25.6.2002, Garcia Marques, em www.dgsi.pt). Para tal, recorria-se à prestação anualmente perdida, em função da incapacidade permanente e, tendo em conta a idade e a esperança de vida, calculava-se o referido capital, no fim corrigido em função da equidade. Sucede, no entanto, que à autora foi fixado um défice permanente de integridade físico-psíquica, que não se pode confundir com a incapacidade permanente parcial própria da incapacidade laboral e prevista na respetiva tabela, como, aliás, se adverte no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 352/2007: “No direito laboral (…) está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho, enquanto que no âmbito do direito civil, e face ao princípio da reparação integral do dano nele vigente, se deve valorizar percentualmente a incapacidade permanente em geral, isto é, a incapacidade para os atos e gestos correntes do dia-a-dia, assinalando depois e suplementarmente o seu reflexo em termos da atividade profissional específica” da lesada. Os índices de incapacidade geral permanente (ou défices funcionais permanentes da integridade físico-psíquica) não se confundem, pois com os índices de incapacidade profissional, correspondendo a duas tabelas distintas, aprovadas pelo DL n.º 352/2007, de 23.10: na incapacidade geral avalia-se a incapacidade para os atos e gestos correntes do dia-a-dia, a qual pode ter reflexos ao nível da incapacidade profissional, mas que com esta não se confunde (cfr. Maria da Graça Trigo, Adopção do conceito de dano biológico pelo direito português, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 72, I, págs. 148-149; e, da mesma autora, que o relata, o Ac. STJ de 1.3.2018). Não é, portanto, possível uma equivalência exata entre o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, e uma taxa percentual de IPP (prevista e pensada para a Tabela Nacional de Incapacidades). Como assim, “neste tipo de situações, a indemnização reparatória não deve ser calculada com base no rendimento anual do lesado auferido no âmbito da sua atividade profissional habitual, já que o sobredito défice funcional genérico não implica incapacidade parcial permanente para o exercício dessa atividade, envolvendo apenas esforços suplementares nesse exercício. (…) Em tais casos, a solução seguida pela jurisprudência do STJ é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto na capacidade económica do lesado, considerando a expectativa de vida ativa não confinada à idade-limite para a reforma” (Ac. STJ de 6.12.2017; ver, ainda, o citado Acs. STJ de 1.3.2018 e o de 9.11.2017, também relatado por Maria da Graça Trigo)”.

Assim, numa situação como a do aqui Apelante, a indemnização pelo défice funcional permanente não deverá ser fixada com base numa concreta retribuição e, muito menos, deverá consistir numa percentagem dessa retribuição.

Nestes casos, deve antes recorrer-se a critérios de equidade, como se decidiu no douto acórdão do STJ de 19/02/2015, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Oliveira de Vasconcelos (disponível em http://www.dgsi.pt), onde se lê o seguinte: “Na verdade, estando provado que a incapacidade parcial permanente de 12 pontos que o autor recorrente ficou a padecer definitivamente em consequência das lesões e sequelas resultantes do acidente são compatíveis com o exercício da sua atividade profissional habitual e não estando provado que esse défice funcional tenha reduzido a sua capacidade de ganho em 12%, o montante da sua retribuição profissional nenhum interesse tem para a questão, na medida em que não está em causa essa específica atividade, mas antes a sua atividade em geral. Quanto a esta atividade, apenas se sabe que em virtude das sequelas das lesões provocadas no acidente, o autor passou a ter que empregar esforços suplementares. Face a este conceito abstrato, impossível é determinar o valor exato do dano. Assim e ao abrigo do disposto no nº3 do artigo 566º do Código Civil, resta-nos utilizar a equidade.”

(…)”

Nesse mesmo acórdão (Acórdão desta mesma secção do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo 2125/18.7T8PVZ.P1) considerou-se que para evitar uma solução inadequada, se impunha a ponderação, para a quantificação da retribuição do Autor, de um salário médio nacional

“De facto, tal critério é absolutamente ajustado à quantificação da indemnização pelo dano biológico que não acarreta efetiva redução de rendimentos, na medida em que elimina da ponderação uma variável – o salário auferido - que em nada é afetado pelo sinistro.”.

É o que a mais recente jurisprudência sobre a valorização do dano biológico vem apontando, ou seja, que se deve ter em conta o salário médio nacional, precisamente para evitar situações injustas e violadoras de critérios de igualdade.

Nesse sentido, passamos a citar o Acórdão de 04/04/2022, também deste Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo 1822/18.1T8PRT.P1, no qual se decidiu que “Importa enfatizar que a propósito do fator rendimento, alguma jurisprudência vem considerando que nos casos, como o presente, em que não há (imediata) perda de capacidade de ganho, não existindo, como não existe, qualquer razão para distinguir os lesados no valor base a atender, deverá usar-se, no cálculo do dano biológico, um valor de referência comum sob pena de violação do princípio da igualdade, já que só se justificará atender aos rendimentos quando estes sofram uma diminuição efetiva por causa da incapacidade, por só aí é que o tratamento desigual dos lesados terá fundamento. Em busca do tratamento paritário, no cálculo que efetue, o julgador terá que partir de uma base uniforme que possa utilizar em todos os casos, para depois temperar o resultado final com elementos do caso que eventualmente aconselhem uma correção, com base na equidade. Com efeito, a integridade psicofísica é igual para todos (artigos 25.º, nº 1, da CRPortuguesa e 70.º, nº1, do Código Civil) de modo que, no cálculo da indemnização, não deve ser relevada a situação económica do lesado sob pena de violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º, nº 1 e nº 2 da Constituição. O dano biológico expresso no grau de incapacidade de que o lesado fica a padecer, e quando não interfere na capacidade de ganho, determinando a necessidade de um esforço acrescido para viver e para todas as atividades diárias, levando a uma diminuição da qualidade de vida em geral, é igualmente grave para quem exerce uma profissão remunerada com € 5.000,00 ou com € 500,00 sendo a dimensão do direito à saúde que está em causa e que é, tal como o direito à vida, igual para qualquer ser humano.

Fazer interferir o valor do salário de cada um ou o do salário mínimo nacional quando o lesado não exerce ou não tem profissão, pode até, a nosso ver gerar situações injustas. A Portaria 377/2008 de 26 de maio faz consignar o montante da remuneração mínima mensal garantida como valor para efetuar o cálculo do dano biológico. Ora, considerando que o legislador faz interferir o salário como elemento fundamental para o cálculo da indemnização, temos então como mais correto que se pondere, para o efeito, o valor do salário médio nacional e não a remuneração mínima mensal garantida.”.

Voltando ao caso em apreciação, temos, então, que o autor/recorrente tinha, à data do acidente, a idade de 27 anos, ficou afetado de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, a esperança média de vida é de 78 anos para os homens, o salário médio nacional, anual, bruto, em 2022, era de € 21.131,00.

Levando em conta estas variáveis, entendemos que o montante de € 8.000,00 fixado na sentença recorrida para o ressarcimento do dano biológico, se afigura um pouco baixo.

Sendo certo que, ao contrário do que o recorrente pretende, entendemos que a indemnização pelo dano biológico deve ser fixada em conjunto, quer na vertente profissional (já que não há diminuição do rendimento, mas apenas a necessidade de despender um maior esforço), quer na vertente não profissional, levando em conta os critérios referidos, usando da equidade e observando os valores que vêm sendo fixados pelos Tribunais Superiores, consideramos adequada uma indemnização pelo dano biológico, no montante de € 25 000,00 (vinte e cinco mil euros).

Termos em que procedem parcialmente as conclusões da alegação do autor/apelante atinentes à questão do dano biológico.


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III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação:

a) Julgar improcedente o recurso interposto pelo interveniente acessório.

b) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor e, consequentemente, alterar parcialmente a sentença recorrida, fixando-se a indemnização devida ao autor, a título de dano biológico, em € 25 000,00 (vinte e cinco mil euros), mantendo-se o restante decidido.

Custas do recurso do interveniente acessório a cargo do recorrente, e do recurso do autor a cargo do recorrente e da recorrida, na proporção do vencimento (art. 527.º do CPC).

Porto, 2025-01-23

Manuela Machado

Aristides Rodrigues de Almeida

Ana Vieira