I – A posse traduz-se na prática reiterada de actos materiais correspondentes ao direito que se reclama ou se reivindica, tendo o C. Civil aderido à concepção subjectivista (artºs 1251º e 1253º), sendo seus elementos integrantes o corpus, que, como elemento externo, se identifica com a prática de actos materiais sobre a coisa, ou seja, com o exercício de certos poderes de facto sobre o objecto, de modo contínuo e estável, e o animus que, como elemento interno, se traduz na vontade ou intenção do autor da prática de tais actos se comportar como titular ou beneficiário do direito correspondente aos actos realizados.
II - Na restituição provisória de posse há esbulho se o possuidor fica em condições de não poder exercer a sua posse ou os direitos que anteriormente tinha, e violência se o possuidor é impedido de aceder ao objecto da posse, deste modo, será de considerar violento o esbulho, quando o esbulhado fica impedido de contactar com a coisa face aos meios (ou à natureza dos meios) usados pelo esbulhador.
III - Tendo sido peticionado pelos Requerentes/aqui recorridos na acção principal o reconhecimento da inexistência do direito de propriedade dos requeridos sobre 148,00 m2 do prédio rústico, estando em causa a posse dos Recorridos sobre tal parcela de terreno, tem de se concluir que a presente providência cautelar é dependência e incidente de causa que tem por fundamento o direito que se pretende acautelar, apresentando-se com uma função instrumental relativamente à medida definitiva, tal como previsto no artº 364º, nº 1, do CPC.
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Competência Genérica de ...
1º Adjunto: Juiz Desembargador Aristides Rodrigues de Almeida
2º Adjunto: Juíza Desembargadora Ana Luísa Gomes Loureiro
…………………………………………………………………………….
……………………………………………………………………………..
……………………………………………………………………………..
*
AA, NIF Nº ...26, intentou, por apenso à acção principal, o presente procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse contra BB, NIF Nº ...90, e CC, NIF Nº ...47.
Peticiona a restituição provisória da posse sobre a parcela do prédio rústico identificado em 2.º, alínea a), do requerimento inicial, ocupada pelos requeridos.
Alega para o efeito que desde, pelo menos 2012/2013, tem o domínio material sobre o prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número ...71, da Freguesia ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...39, com a área total de 369,96 m2, a que acresce o registo predial por si titulado.
Porquanto, em 2012, DD, e marido, apesar de pretenderem vender na íntegra os dois prédios de que eram proprietários, concretamente os prédios urbano e rústico, respectivamente, descritos na CRP com os números ...93, e ...51, ambos da Freguesia ..., Concelho ..., acordaram verbalmente na venda de 210,43 metros quadrados do identificado prédio rústico ao aqui requerente.
Acordo que se veio a concretizar verbalmente em data não concretizada, mas verificada entre 2012/2023, com a transmissão da posse dos mencionados 210,43 m2 para o requerente, cabendo a cada uma das partes proceder à regularização das áreas dos seus prédios em conformidade, o que o requerente concretizou.
Contudo, para delimitar fisicamente o acordado, DD, e marido, edificaram um muro de pedra (granítica) para servir de linha divisória dos prédios.
Entretanto, os supra-mencionados prédios de DD, com a alteração supra elencada, em 26.03.2019, foram transmitidos aos requeridos.
No entanto, em 27.04.2021, os requeridos alteraram as áreas descritas no registo predial do supra mencionado prédio rústico, passando-o dos remanescentes 270,00m2 para 418,00m2, remetendo, em 31.05.2021, uma missiva ao requerente para este se abster de usar o seu prédio rústico, então, alterado, tendo, em data não concretamente apurada, colocado uma rede a ocupar mais de metade do prédio do requerente, alterando o marco presente no local. Rede que veio a ser removida em 09.12.2021 pelo requerente.
Acontece que, após 11.10.2024 [data da citação para os termos da acção principal], os requeridos procederem à retirada do muro divisório existente no local e colocaram uma rede em mais de metade do prédio do aqui requerente, colocando um veículo na propriedade deste.
“Por tudo quanto supra se expôs, julga-se procedente, por provado, o presente procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse sobre o bem imóvel identificado no artigo 2, a), do requerimento inicial, indiciariamente dado como provado em 3..
Ao cumprimento da diligência poderá aplicar-se, se se revelar necessário, o disposto no artigo 757º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Custas pelo requerente, a atender na acção principal, cfr. prescreve o n.º 1 do artigo 539.º do Código de Processo Civil.
Mais devem os requeridos ser notificados pessoalmente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 375.º do Código de Processo Civil, sob pena de prática de crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.
CONCLUSÕES:
1. Atento o regime processual preceituado no artigo 364º do CPC, o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de ação declarativa ou executiva.
2. Ora, no caso do presente procedimento cautelar de restituição provisória da posse, o mesmo foi instaurado no decurso da ação, como incidente, sendo certo que causa não o fundamento da restituição da posse, nem da reivindicação de propriedade.
3. Pelo que, s.m.o., tal procedimento cautelar nem deveria sequer ter sido admitido.
4. Não obstante, e sempre sem conceder, as razões de direito que ditaram a decisão ora recorrida, falecem nos seus pressupostos de aplicação ao caso concreto, uma vez que o recorrido não tem melhor posse de que os recorrentes.
5. E, por via disso, nunca deveria o mesmo ser restituído a uma posse que já não tinha há mais de três anos.
6. Acresce que é notório ao longo do seu o petitório que o recorrido não possui qualquer título que legitime a sua posse, nem o seu direito de propriedade.
7. Diga-se ainda que, no caso concreto os Apelantes agiram sempre de boa fé, mas mesmo que assim não o fosse e o é, a sua posse encontra-se titulada e nunca foi adquirida por violência, o que se faz presumir essa boa fé igualmente e por maioria de razão.
8. Importará ainda referir o preceituado na al. d), n.º 1 do artigo 1267º do CC: “O possuidor perde a posse: d) Pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver durado por mais de um ano.
9. Isto posto, em abono da verdade, no mais radical argumento, o que somente por mera cautela ora se invoca, é óbvio que os aqui RR. têm a posse do prédio rústico descrito na CRP sob o n.º ...51/... e inscrito na matriz sob o artigo ...37/União de freguesias ..., ... e ..., há bem mais de um ano, e que decisão ora em crise não teve em consideração e que resulta dos próprios documentos juntos pelo Requerente.
10. Fatalmente errou o tribunal a quo ao admitir o procedimento cautelar ora aqui em crise, uma vez que não tem conexão com a causa que tem por fundamento o direito que se visa acautelar.
11. Impondo-se uma decisão em sentido diametralmente oposto, revogando-se o procedimento cautelar de restituição provisória da posse concedido ao recorrido.
12. Requereram os Apelantes a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial, atenta a arreliação, a vergonha, o constrangimento psicológico que têm vivenciado no pequeno mundo rural onde habitam e onde até exploram um pequeno minimercado, danos que facilmente se comprovarão, urge serem ressarcidos em quantia nunca inferior a € 5.000€, pelo que o valor do procedimento cautelar nunca será de €66.59, outrossim de € 5.066,59, pelo que importa corrigir tal valor.
13. Normas Violadas: art. 364º do CPC, art.ºs 1258.º a 1263.º e 1287.º, 1267º e 1376º, n.º 1 todos do C. Civil)
Pugna, assim, pela procedência do recurso.
Pugnam pela rejeição do recurso, porquanto os Recorrentes apresentam recurso ordinário de apelação nos termos do preceituado artigo 366º, nº 1, alínea a) do CPC, alínea que não existe.
Caso assim não se entenda, deve ser confirmada a decisão recorrida.
Efectivamente os recorrentes invocam a título de introito o artº 366º, nº 1, a), do CPC, o qual não existe, no entanto, invocam nas conclusões (1, 8 e 13) como normas Violadas: art. 364º do CPC, art.ºs 1258.º a 1263.º e 1287.º, 1267º e 1376º, n.º 1 todos do C. Civil).
Assim sendo, é de admitir o recurso.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do C. P. Civil).
Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pelos Apelantes, importa apreciar e decidir:
- Saber se é de alterar a decisão do Tribunal recorrido que decidiu pela procedência do procedimento cautelar.
A decisão recorrida fixou os seguintes factos:
1. Em 10.10.2024, o requerente interpôs acção declarativa de simples apreciação negativa, neste Juízo de Competência Genérica de ..., contra os requeridos no qual pediu, a final, que seja reconhecida a inexistência do direito de propriedade dos requeridos sobre 148,00 m2 do prédio rústico, sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...71, da Freguesia ..., com o artigo matricial nº ...39, composto por cultura e que confronta a Norte e Nascente com caminho, a Sul com EE e a Poente com FF.
2. A acção identificada em 1 foi distribuída sob o número 285/24.7T8CPV e os requeridos citados para os seus termos em 15.10.2024.
3. Pela apresentação número 2 de 30.05.2006 foi registada a aquisição, a favor do requerente, do prédio rústico sito em ..., descrito na CRP sob o número ...71, da Freguesia ..., Concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...39, com a área total de 369,96 m2, destinado a cultura, confrontando a norte e a nascente com caminho, a sul com EE e a poente com FF.
4. Pela apresentação número 2 de 30.05.2006 foi registada a aquisição, a favor do requerente, do prédio urbano sito em ..., descrito na CRP sob o número ...61, da Freguesia ..., Concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...97 que teve origem no artigo ...63, com a área total de 200,00 m2, composto por casa de dois pavimentos [habitação - S. C. - 120m2, quinteiro – 30 m2 e dependência - 50m2], confrontando a norte e poente com GG e a sul e nascente com caminho.
5. O prédio identificado em 3 tem a configuração constante do levantamento topográfico junto com o requerimento inicial como documento número 3 para onde se remete por economia processual e se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
6. Até 2012/2013, o prédio identificado em 3 confrontava com o quintal do prédio rústico descrito na CRP sob o número ...51, da Freguesia ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...37, da União de freguesias ..., ... e ..., do Concelho ..., cuja aquisição se encontrava registada a favor de DD e marido, HH, pela apresentação número 9 de 16.08.2001.
7. Em 2012, DD, e marido, HH, pretendiam transmitir o prédio urbano descrito na CRP sob o número ...93, da Freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...41, da União de freguesias ..., ... e ..., e o prédio rústico descrito na CRP sob o número ...51, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...37, da União de freguesias ..., ... e ..., do Concelho ..., ao requerente, mas este só tinha interesse em adquirir 210,43 m2 do prédio rústico para expandir a área de cultivo do seu prédio rústico, àquela data, com 159,53 m2.
8. Em data não concretamente apurada, mas ocorrida entre 2012 e 2013, DD e HH transferiram verbalmente para o requerente o domínio sobre 210,43 m2 do seu, até aí, quintal correspondente ao prédio rústico elencado em 7.
9. A transmissão mencionada em 8 corresponde à delimitação aposta sob a cor azul no levantamento topográfico junto com o requerimento inicial como documento 3 para onde se remete por economia processual e se dá por inteiramente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
10. Após o descrito em 8 e em 9, o requerente e DD e HH acordaram que cada um faria a regularização das áreas dos seus prédios em conformidade.
11. Aquando da transferência do domínio sobre a área do prédio rústico identificado em 7 e em 8, DD e HH procederam à construção de um muro divisório entre o prédio rústico que mantiveram e a parte do prédio cujo domínio transferiram para o requerente.
12. A partir do descrito em 9, o requerente dispõe dos 210,43 m2 do prédio rústico elencado em 7, cuidando da sua limpeza, conservação, exploração e cultivo, disponibilizando, na época natalícia, o prédio à Associação Cultural de ... para colocação de decoração de natal.
13. As actividades elencadas em 12 são realizadas pelo requerente, desde o ocorrido em 8 e em 9, em nome próprio e em proveito exclusivo, à luz do dia, à vista de toda a gente, sem oposição ou reparo de terceiros, e de modo ininterrupto até 2021, agindo o requerente na convicção de ser o dono e legitimo possuidor do identificado prédio rústico.
14. Em 26.03.2019, os requeridos, enquanto segundos outorgantes, e DD e HH, enquanto primeiros outorgantes, outorgaram o documento epigrafado “Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca”, no qual entre o mais, acordaram, que esta transmitia, com o consentimento de HH, aos aqui requeridos, “a) o prédio urbano correspondente a casa de habitação com 2 pisos e telheiro, com logradouro, sito em ..., actualmente na Rua ..., Freguesia ..., Concelho ..., descrito na CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL DE ..., sob o número ...93 da mencionada Freguesia ..., com registo de aquisição a favor da Primeira Outorgante mulher pela apresentação AP. 1 de 1988/11/09 e pela transmissão da posição registada sob AP. 10 de 2001/06/16, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...41 da União de freguesias ..., ... e ..., com o valor patrimonial de 20.570,00 euros;
b) o PRÉDIO RÚSTICO, correspondente a cultura, sito em ..., confrontando de Norte com II, de Sul e Nascente com Caminho e de Poente com ..., Freguesia ..., Concelho ..., descrito na CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL DE ... sob o número ...51 da mencionada Freguesia ..., com o registo de aquisição a favor da Primeira Outorgante mulher pela apresentação AP. 1 de 1988/11/09 e pela transmissão da posição registada sob AP. 9 de 2001/08/16, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ...37 da União de freguesias ..., ... e ... (proveniente do ...67 da extinta Freguesia ..., com o valor patrimonial de 2,47 euros (…)”.
15. Em 26.03.2019, o prédio rústico transmitido, identificado em 14 (b), tinha 270,00 m2 de área.
16. À data da transmissão elencada em 14, os requeridos foram informados por DD da delimitação e confrontação do prédio rústico transmitido, bem como de que o muro ali existente servia para delimitar a propriedade que adquiriam, funcionando como limite físico entre o prédio rústico transmitido e o prédio do requerente.
17. Em 27.04.2021, os requeridos alteraram as áreas do prédio rústico elencado em 15 para 418,00 m2.
18. Em 31 de Maio de 2021, os requeridos, por intermédio do sr. dr. JJ, remeteram uma missiva ao requerente, com o assunto “Interpelação”, na qual, referiram o seguinte: “(…) Devidamente mandatado pelos meus constituintes acima referenciados, sou a interpelar V. Exa. para se abster de se intrometer de qualquer modo na propriedade dos meus clientes, a que corresponde o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...37º da União de freguesias ..., ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...51- ..., inscrito a favor dos aqui requerentes pela AP. ...58 de 2019/03/26, sob pena de procedimento judicial. (…)”.
19. Por carta datada de 18.06.2021, o requerente, por intermédio da sra. dra. KK, remeteu aos requeridos uma missiva, com o assunto “(…) Resposta à carta de “Interpelação” (…)”, na qual respondeu “(…) Na qualidade de Mandatária de AA, sou a expor e informar o seguinte:
O M/Constituinte recebeu a V/carta, no passado dia 01 de Junho. O Exmo. Colega não apresenta a razão pela qual “interpela” o M/Constituinte para se abster de intrometer na propriedade.
O M/Constituinte é proprietário da parcela de terreno que utiliza, porquanto, há dez anos atrás, ter adquirido a mesma à Senhora DD.
Só por mero lapso ou engano o Exmo. Colega terá enviado tal carta de “Interpelação” ao M/Constituinte. (…)”.
20. Em 12.07.2021, o requerente, por intermédio da sra. dra. KK, remeteu missiva aos requeridos, com o assunto “Carta de “interpelação” – Imóvel sito em ...”, na qual referiu “(…) Na qualidade de Mandatária de AA, e no seguimento da missiva por mim enviada, no passado dia 18 de Junho de 2021, venho pelo presente escrito solicitar a V. Exa. o agendamento de reunião no local por forma a regularizamos esta situação. (…)”.
21. Em data não concretamente apurada, os requeridos colocaram uma rede a ocupar mais de metade do prédio do requerente e alteraram o marco existente no local.
22. Na sequência do descrito em 21, o requerente apresentou denúncia criminal que deu origem ao inquérito n.º 127/21.5T9CPV, que correu termos no DIAP de ....
23. Em 29.11.2021, o requerente, por intermédio da sra. dra. KK, remeteu uma missiva aos requeridos, com o assunto “(…) Imóvel sito em ... – colocação indevida de rede (…)”, na qual referiu “(…) Na qualidade de Mandatária do Senhor AA, venho pelo presente escrito informar que, tendo Vs. Exas. Invadido a propriedade do M/Constituinte e colocado uma rede de vedação indevidamente no seu prédio sito em ..., data electrónica supra,, ..., iremos proceder à retirada dessa rede, no próximo dia 09 de Dezembro de 2021, pelas 11h00.
Nesse sentido, caso V/Exª pretenda reaver a mesma, solicito que nos contacte para o telefone n.º ...21, de modo a agendarmos a sua entrega. (…)”.
24. Em 09.11.2021, a rede mencionada em 21 foi retirada e colocada no terreno dos requeridos.
25. Em 16.11.2023, foi proferido, no processo identificado em 22, despacho de arquivamento atendendo à “(…) insuficiência de indícios quanto à prática pelos arguidos:
– AA, BB, CC, LL e MM do crime de usurpação de coisa imóvel tipificado no artigo 215.º, n.º 1, do Código Penal;
– BB e CC do crime de alteração de marcos previsto no artigo 216.º do Código Penal; e
– AA, LL e MM do crime de dano, tipificado no artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, (…)”.
26. Após a citação mencionada em 2, os requeridos retiraram o muro divisório mencionado em 11 e colocaram uma rede em mais de metade do terreno do requerente, nele colocando um veículo.
27. Em consequência do descrito em 26, o requerente chamou ao local a GNR que elaborou o auto de ocorrência.
inexistem com relevo para a decisão.
2.1. Saber se é de alterar a decisão do Tribunal recorrido que decidiu pela procedência da providência cautelar.
Alegam os Recorrentes:
- No caso do presente procedimento cautelar de restituição provisória da posse, o mesmo foi instaurado no decurso da acção, como incidente, sendo certo que causa não o fundamento da restituição da posse, nem da reivindicação de propriedade, pelo que, tal procedimento cautelar nem deveria sequer ter sido admitido.
- Acresce que é notório ao longo do seu petitório que o recorrido não possui qualquer título que legitime a sua posse, nem o seu direito de propriedade.
Conhecendo:
De acordo com o disposto no art.º 377º do Código de Processo Civil, no âmbito dos procedimentos cautelares especificados, “no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência”.
Já segundo o previsto no art.º 378º, “se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente, ordenará a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador”.
No art.º 1276º do Código Civil dispõe-se que, se o possuidor tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem, será o autor da ameaça, a requerimento do ameaçado, intimado para se abster de lhe fazer agravo, sob pena de multa e responsabilidade pelo prejuízo que causar.
Nos termos do art.º 1279º do mesmo código, o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador.
A restituição provisória da posse, com características antecipatórias, apreciada e decidida de forma acelerada e sem prévia audição do requerido, está reservada para situações em que a ilicitude da conduta é mais grave, visando conferir tutela provisória ao possuidor o qual, por esta via, obtém a reconstituição da situação possessória anterior ao esbulho violento.
Assim, são pressupostos da restituição provisória da posse os seguintes:
- A existência de posse (na concepção objectiva, bastando por isso que, por qualquer dos meios admitidos pela lei do processo, o juiz fique convencido do exercício de poderes materiais não casuais sobre uma coisa e não exista disposição legal que imponha mera detenção);
- Seguida de esbulho;
- Com violência. (Neste sentido cf. Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979, volume II, pág. 833).
Deste modo, o esbulho corresponde a um acto pelo qual alguém priva outrem da posse de uma coisa determinada.
Há esbulho, para efeito de aplicação do citado artigo 377º, sempre que alguém foi privado do exercício da retenção ou fruição do objecto possuído, ou da possibilidade de o continuar a reter ou a fruir. (cf. Moitinho de Almeida, Restituição da Posse e Ocupações de Imóveis, 2ª ed., pág.100 e Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, volume II, págs.70 e 71).
Pode, pois, afirmar-se que no esbulho, o terceiro não permite que o possuidor actue sobre a coisa que até então possuía, dela ficando o último desapossado e impedido de exercer toda e qualquer fruição.
No que toca à violência, valem desde logo os ensinamentos de Alberto dos Reis, (Código de Processo Civil anotado, volume I, pág. 670), quando defende que a mesma “tanto pode exercer-se sobre as pessoas, como sobre as coisas; é esbulho violento o que se consegue mediante o uso da força contra a pessoa do possuidor; mas é igualmente violento o que se leva a cabo por meio de arrombamento ou escalamento, embora não haja luta alguma entre o esbulhador e o possuidor”.
No caso a violência contra as coisas há de constituir um meio de coação, de constrangimento físico ou moral sobre as pessoas, designadamente, intimidando o possuidor e limitando a sua liberdade de determinação (neste sentido e entre outros, o Acórdão da Relação de Guimarães de 3.11.2011, processo nº69/11.2TBGMR-B.G1, www.dgsi.pt.).
É a violência que compensa o facto da falta da característica típica das providências cautelares: o periculum in mora”.
Em suma, na restituição provisória de posse há esbulho se o possuidor fica em condições de não poder exercer a sua posse ou os direitos que anteriormente tinha, e violência se o possuidor é impedido de aceder ao objecto da posse.
Deste modo, será de considerar violento o esbulho, quando o esbulhado fica impedido de contactar com a coisa face aos meios (ou à natureza dos meios) usados pelo esbulhador.
Reconduzindo-nos ao caso sub-judice, constata-se que foi peticionado na acção principal de simples apreciação negativa, seja reconhecida a inexistência do direito de propriedade dos requeridos sobre 148,00 m2 do prédio rústico, sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...71, da Freguesia ..., com o artigo matricial nº ...39, composto por cultura e que confronta a Norte e Nascente com caminho, a Sul com EE e a Poente com FF.
Compulsada a petição inicial nos autos principais é invocada a posse pelos Requerentes sobre a propriedade aqui em discussão, vide, entre outros, pontos 6) a 10), 12) a 18) e em 27) e ss invocam a violação da posse pelos Requeridos/aqui Apelantes, ou seja, invocaram causa de pedir atinente à posse a consubstanciar o pedido formulado.
Por sua vez no requerimento da providência cautelar encontra-se igualmente invocado como fundamento da providência a posse dos requerentes sobre a parcela em discussão, vide pontos 6) a 12) e em 22) e ss invoca a violação da sua posse pelos requeridos.
Tendo sido peticionado pelos Requerentes/aqui recorridos na acção principal o reconhecimento da inexistência do direito de propriedade dos requeridos sobre 148,00 m2 do prédio rústico, estando em causa a posse dos Recorridos sobre tal parcela de terreno, tem de se concluir que a presente providência cautelar é dependência e incidente de causa que tem por fundamento o direito que se pretende acautelar, apresentando-se com uma função instrumental relativamente à medida definitiva, tal como previsto no artº 364º, nº 1, do CPC.
Assim sendo, improcede o recurso nesta parte.
A posse traduz-se na prática reiterada de actos materiais correspondentes ao direito que se reclama ou se reivindica, tendo o C. Civil aderido à concepção subjectivista (artºs 1251º e 1253º), sendo seus elementos integrantes o corpus, que, como elemento externo, se identifica com a prática de actos materiais sobre a coisa, ou seja, com o exercício de certos poderes de facto sobre o objecto, de modo contínuo e estável, e o animus que, como elemento interno, se traduz na vontade ou intenção do autor da prática de tais actos se comportar como titular ou beneficiário do direito correspondente aos actos realizados.
Sendo exigida a presença simultânea desses dois elementos, dada a dificuldade em demonstrar a posse em nome próprio, ou seja, do animus, a lei estabeleceu uma presunção (iuris tantum) do mesmo a favor de quem detém ou exerce os poderes de facto sobre a coisa, isto é, presume-se que quem tem o corpus tem também o animus (cfr. artº 1252º, nº 2, e assento, hoje com valor de acórdão uniformizador de jurisprudência, do STJ de 14/5/96, DR, II Série, de 24/6/96.
Reconduzindo-nos aos presentes autos encontra-se provado que os Requerentes/recorridos:
- 8) Em data não concretamente apurada, mas ocorrida entre 2012 e 2013, DD e HH transferiram verbalmente para o requerente o domínio sobre 210,43 m2 do seu, até aí, quintal correspondente ao prédio rústico elencado em 7.
- 9) A transmissão mencionada em 8 corresponde à delimitação aposta sob a cor azul no levantamento topográfico junto com o requerimento inicial como documento 3 para onde se remete por economia processual e se dá por inteiramente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
- 10) Após o descrito em 8 e em 9, o requerente e DD e HH acordaram que cada um faria a regularização das áreas dos seus prédios em conformidade.
- 11) Aquando da transferência do domínio sobre a área do prédio rústico identificado em 7 e em 8, DD e HH procederam à construção de um muro divisório entre o prédio rústico que mantiveram e a parte do prédio cujo domínio transferiram para o requerente.
- 12) A partir do descrito em 9, o requerente dispõe dos 210,43 m2 do prédio rústico elencado em 7, cuidando da sua limpeza, conservação, exploração e cultivo, disponibilizando, na época natalícia, o prédio à Associação Cultural de ... para colocação de decoração de natal.
- 13) As actividades elencadas em 12 são realizadas pelo requerente, desde o ocorrido em 8 e em 9, em nome próprio e em proveito exclusivo, à luz do dia, à vista de toda a gente, sem oposição ou reparo de terceiros, e de modo ininterrupto até 2021, agindo o requerente na convicção de ser o dono e legitimo possuidor do identificado prédio rústico.
Da aludida factualidade decorre o exercício de posse pelos Requerentes/recorridos sobre a parcela de terreno em causa, tal como previsto no artigo 1263º, a), e b) do C. Civil
Relativamente ao esbulho encontra-se provado:
21. Em data não concretamente apurada, os requeridos colocaram uma rede a ocupar mais de metade do prédio do requerente e alteraram o marco existente no local.
24. Em 09.11.2021, a rede mencionada em 21 foi retirada e colocada no terreno dos requeridos.
26. Após a citação mencionada em 2, os requeridos retiraram o muro divisório mencionado em 11 e colocaram uma rede em mais de metade do terreno do requerente, nele colocando um veículo.
27. Em consequência do descrito em 26, o requerente chamou ao local a GNR que elaborou o auto de ocorrência.
Os factos referidos em 21) e 26) representam manifestamente actos de esbulho e com violência nos termos já acima expendidos, pelo que encontra preenchido também aqui o requisito de violência exigido pela providência cautelar de restituição de posse, nos termos previstos no artº 377º do CPC..
A propósito atente-se encontrar-se provado que em 26.03.2019, o prédio rústico transmitido, identificado em 14 (b), tinha 270,00 m2 de área, sendo que à data da transmissão elencada em 14, os requeridos foram informados por DD da delimitação e confrontação do prédio rústico transmitido, bem como de que o muro ali existente servia para delimitar a propriedade que adquiriam, funcionando como limite físico entre o prédio rústico transmitido e o prédio do requerente.
Em suma, os Requeridos/recorrentes sabiam da posse exercida pelos Requerentes/recorridos e mesmo assim não se inibiram de praticar actos impeditivos da posse exercida por estes últimos, não podendo invocar boa fé na prática de tais actos.
Invocam ainda os Apelantes o disposto na al. d), n.º 1 do artigo 1267º do CC, segundo o qual: “O possuidor perde a posse: d) Pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver durado por mais de um ano.
Também aqui não lhes assiste razão, porquanto está provado:
- Em data não concretamente apurada, os requeridos colocaram uma rede a ocupar mais de metade do prédio do requerente e alteraram o marco existente no local.
- Na sequência do descrito em 21, o requerente apresentou denúncia criminal que deu origem ao inquérito n.º 127/21.5T9CPV, que correu termos no DIAP de ....
- Em 09.11.2021, a rede mencionada em 21 foi retirada e colocada no terreno dos requeridos.
- Após a citação mencionada em 2 (15.10.2024), os requeridos retiraram o muro divisório mencionado em 11 e colocaram uma rede em mais de metade do terreno do requerente, nele colocando um veículo.
- Em consequência do descrito em 26, o requerente chamou ao local a GNR que elaborou o auto de ocorrência.
A presente providência cautelar deu em entrada em juízo em 08.11.2024, os requeridos/recorrentes, só após a citação mencionada em 2 (15.10.2024) é que retiraram o muro divisório mencionado em 11 e colocaram uma rede em mais de metade do terreno do requerente, nele colocando um veículo.
Assim, tendo em atenção a data de propositura da providência cautelar e a prática dos aludidos actos de esbulho pelos Recorrentes não decorreu o prazo de um ano previsto no artigo 1267º, nº 1, d), pelo que não houve perda de posse pelos Requerentes/recorridos, pelo que improcede também o recurso nesta parte.
DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta 3ª Secção, acordam em:
a) Negar provimento ao Recurso de Apelação, mantendo a decisão recorrida.
b) Custas pelos Apelantes, artº 527º, nº 2, do CPC.
Notifique.
Porto, 6 de Fevereiro de 2025.
Álvaro Monteiro
Aristides Rodrigues de Almeida
Ana Luísa Gomes Loureiro