I - Diferentemente da nulidade processual, correspondendo a «acto perspectivado como trâmite», que se considera «não só a pertença do acto a uma certa tramitação processual, como o momento em que o acto deve ou pode ser praticado nesta tramitação, no acto perspectivado como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte, o que se considera é o conteúdo que o acto tem de ter ou não pode ter».
II - Ao proferir-se sentença sem que o julgador, e quanto tal se justificava/impunha, lançasse mão da faculdade a que alude o art. 607.º, n.º1, in fine, do CPC, e com vista a ordenar a realização de nova perícia e diligência com vista a saber dum elemento essencial (se as obras/benfeitorias que se pretendem indemnizadas são legalizáveis), o tribunal a quo incorre na omissão de um acto obrigatório suscetível de influir no exame e na decisão da causa.
III - Porque logo de imediato profere sentença, após a omissão de um acto obrigatório, é esta última nula, por excesso de pronúncia nos termos do art. 615.º, n.º, al. d) do CPC, dado que conhece de matéria de que, nas circunstâncias em que o faz, não podia conhecer.
353/18.4T8PVZ.P1-A.P1
A presente decisão, por via da apensação do recurso constante do processo 353/18.4T8PVZ.P1-A.P1 a este, abarcará igualmente a que se impõe naquele processo[1].
I.
“A..., LDA” deduziu acção declarativa comum contra AA e mulher BB pedindo que se:
a) - reconheça que Autora é dona e legítima proprietária do prédio rústico que se identifica no artigo 2 da p.i.;
b) – reconheça que os RR ocupam sem qualquer título, ilícita, abusivamente e de má-fé tal imóvel;
c) – condene os RR a entregarem o imóvel em causa à Autora livre de pessoas e bens, no mesmo estado de conservação como o encontraram;
d) – condene os RR a pagarem à Autora, pela ocupação indevida desde junho do ano de 2005 a até à presente data, 23/02/2018, indemnização nos termos referidos nos itens 64º e 66º desta petição, de quantia nunca inferior a €92.930,95 (Noventa e dois mil, novecentos e trinta euros e noventa e cinco cêntimos);
e) – condene os RR a pagarem à Autora indemnização pela ocupação indevida desde a instauração dos presentes autos até efetiva entrega do imóvel livre de pessoas e bens, calculado sobre o atual valor locativo do imóvel de €8.018,56/ano, acrescido das respetivas atualizações legais anuais;
f) - condene os RR a pagarem à Autora a indemnização a título de danos morais referidos nos itens 68º a 70º desta peça processual em quantia nunca inferior a €5.000,00.
Sem prescindir pede-se que:
g) condene os RR. a pagarem as quantias referidas nas alíneas d), e) e f) nos termos do artigo 1045º do Código Civil.
Ainda sem prescindir pede-se que se:
h) se condene os Réus no pagamento das quantias referidas nas alíneas d), e) e f) nos termos dos artigos 473º, 479 e 480º do Código Civil.
Por fim pede-se ainda que se:
i) condene os RR a pagarem juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa legal em vigor sobre a data de vencimento das prestações mensais em divida devidas pelo uso do imóvel (artigos 804º, n.º 2 e 805º, n.º 2 alínea b) e artigo 806º do Código Civil);
j) e a pagarem uma sanção pecuniária compulsória no montante nunca inferior a 150,00€/dia pela não entrega do imóvel descrito em 2 da presente petição, desde a citação dos Réus nestes autos até à entrega do mesmo à Autora nas condições referidas em c) deste pedido.
Para o efeito, muito sinteticamente e no essencial, alega-se a propriedade do citado imóvel com base em compra e venda, a aquisição originária por via da usucapião e o respectivo registo na CRP, a nulidade declarada com trânsito em julgado de contrato de promessa de arrendamento celebrado entre os RR. e o anterior proprietário e para que ali se instalasse uma pista em terra, com os respetivos acessórios e demarcações amovíveis, para desportos motorizados.
Mais se alega a verificação de várias interpelações dos RR. para, na sequência da dita decisão, entregaram o imóvel, coisa não ocorrida e com consequente inviabilidade de fruição do mesmo.
Suporta-se neste dado a pretensão de ser compensada, incluindo quanto ao período anterior a aquisição do imóvel e por via da cessão de créditos de que beneficiou, com base no valor locativo da coisa, partindo-se para o efeito do valor consignado no citado contrato promessa.
Invocam-se angústias e sofrimentos por não se poder utilizar a coisa.
Os RR. contestando, deduzem igualmente reconvenção.
Pedem que se:
a) declare a ilegitimidade activa da A. relativamente aos pedidos vertidos nas al. d), g), h) e i) da p.i. e respeitante ao período de tempo compreendido entre o mês de junho de 2005 ao dia 22.09.2015;
b) se declare a prescrição dos direitos indemnizatórios decorrentes de período anterior ao dia 1-3-2015;
c) se reconheça o direito de retenção do prédio rústico a favor dos RR. em razão das benfeitorias úteis realizadas no mesmo;
d) se declare a falsidade do doc.2, 3, 4, 10, desentranhamento do doc.8 da p.i., a junção aos autos de certidão da decisão proferida no processo 2089/05.7TBVCD;
e) a absolvição de todos os pedidos;
f) condene a A. reconvinda a pagar-lhes uma quantia não inferior a 2.155.200,00 € referente a todas as benfeitorias úteis efectuadas no prédio rústico ou na quantia que vier a ser fixada no relatório pericial desde que superior aquela;
g) - decretar o levantamento da personalidade jurídica da reconvinda para permitir que o património dos sócios responda elos valores das benfeitorias úteis peticionadas.
Invoca-se uma multiplicidade de questões (ilegitimidade, processual e subsidiariamente substantiva, para a A. peticionar valores pela ocupação do imóvel em relação a período anterior a aquisição do mesmo / prescrição dos direitos indemnizatórios decorrentes de factos anteriores à 1.3.2015), uma extensa impugnação, quer de factos quer de documentos, com invocação de falsidade, incluindo de documentos autênticos.
Na economia do recurso, e por referência à pretendida indemnização pelas benfeitorias, invoca-se que no prédio reivindicado foram realizadas o que se classificam de benfeitorias úteis no valor de 2.155.200,00 € (limpeza, terraplanagens, pré-preenchimento do “prédio rústico” com mais de 30.000 m3 de terras para elevação e nivelamento do terreno, construção da pista e seus acessos, pavimentação asfáltica, obras de construção civil, exploração de águas para autoabastecimento do complexo, arranjos exteriores, criação e instalação das redes gerais de energia elétrica, água, drenagem, esgotos e outras estruturas de apoio), tudo com o conhecimento do anterior proprietário.
A final, agrupam um conjunto de argumentos suporte da pretensão de levantamento da personalidade da A. e visando atacar o património dos respectivos sócios[2].
Pedem que se condene a A. a pagar-lhes uma quantia nunca inferior a 2.155.200,00 €, decorrente de todas as benfeitorias úteis efetuadas no prédio rústico.
Houve réplica, na qual, além da resposta às excepções, se pede, na hipótese de ser julgada provado aquele valor de 2.155.200,00 €, a alteração da causa de pedir e ampliação do pedido e por forma a que se condene os RR. a adquirir por acessão industrial imobiliária, e pelo valor de 390.000,00 €, o prédio reivindicado.
Foi admitida a reconvenção e, dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde, após se indeferir a alteração da causa de pedir e a ampliação do pedido (pedido pela A.), se fez também improceder a excepção da ilegitimidade ad processum da A. e invocada pelo RR.[3], remeteu para decisão final a apreciação da prescrição dos direitos indemnizatórios, de seguida enunciando o objecto do processo[4] e os temas da prova[5].
Durante o julgamento foi requerida pela A. uma segunda perícia visando saber qual a área sobre a qual incidiu a primeira, tudo na sequência do depoimento de CC que asseverou que parte substancial da perícia incidiu sobre terreno do R. que não da A, igualmente se requerendo a inquirição de testemunha, DD, e por aquela testemunha ter afirmado que lhe terá sido pedido pelos RR. um milhão de euros pela venda das pista construída no prédio objecto dos autos.
Sobre tal requerimento incidiu despacho que inferiu o pretendido, afirmando-se a respectiva extemporaneidade e irrelevância para o apuramento da verdade.
Deste despacho a A. deduziu recurso autónomo, 353/18.4T8PVZ.P1-A.P1, apensado ao presente, apresentando as seguintes conclusões:
A- No decorrer da audiência de discussão e julgamento nos presentes autos, foi proferida a seguinte Decisão: “Finda a inquirição da testemunha, pelo ilustre mandatário da autora foi solicitada a palavra e, no seu uso, ditou um requerimento para acta, que ficou gravado em suporte digital no sistema aplicativo "Habilus Media Studio", no qual em súmula, face ao depoimento da testemunha CC, arrolada pelo Réu que quanto ao objecto da perícia de fls. 4 do auto informou que parte substancial do terreno objecto da perícia pertencia ao Réu e não à Autora, requereu que fosse realizada uma segunda perícia para determinar qual a área sobre a qual incidiu a primeira, e que está integrado o prédio da autora e, qual a área que está no prédio dos réus. Requereu ainda a inquirição como testemunha de DD, a quem, segundo a testemunha CC, terá si pedido um milhão de euros pelos réus para venderem a pista objeto dos autos. Concedida a palavra ao ilustre mandatário dos réus, no seu uso, em súmula, disse se opor ao requerido e pelo Mm.º Juiz, em suma, proferiu despacho em que o Tribunal indefere os requerimentos, por extemporâneos e por não relevarem para o apuramento da verdade dos factos.”
B- É desta Decisão que ora se recorre, uma vez que viu-se a Recorrente coibida de fazer prova bastante para a boa e correta decisão da causa.
C- Nos presentes autos decorreu audiência de discussão e julgamento, e perante o que foi declarado pela testemunha CC, a Autora foi surpreendida com novas evidências para a descoberta material dos factos pois a testemunha CC declarou que o DD lhe teria dito que havia sido pedido um milhão de euros para venderem a pista - objecto dos autos, facto este que é de suma importância para a boa decisão da causa.
D- Assim, em resultado da audiência de discussão e julgamento, a Autora foi surpreendida por novos factos e de natureza superveniente, declarados pela testemunha CC, e em audiência requereu a inquirição da testemunha Sr. DD, como novo meio probatório, conforme se extrai da gravação da audiência decorrida aos 21/03/2024, CD único, das 09h46m às 11h02m, que consta do Citius e aqui se dá por integrada e reproduzida.
E- Após ouvir a Ré/Recorrida sobre este pedido, o Tribunal a quo veio indeferir este requerimento da Recorrente - a oitiva do Sr. DD, bem como, também, o pedido de realização de nova perícia, requerida ao abrigo do art. 487.º, n.º 2 do C.P.C., alegando que eram “extemporâneos e por não relevarem para o apuramento da descoberta dos factos”.
F- Não é esse o entendimento da ora Recorrente, e não podendo conformar-se com esta douta Decisão proferida, vem dela recorrer, uma vez que, para a descoberta da verdade material e a devida aplicação legal, importante é analisar-se todas as provas que constituam a realidade de facto, culminando assim numa boa decisão da causa, entendendo a recorrente que nunca os requerimentos apresentados poderiam ser considerados extemporâneos.
G- Do indeferimento da oitiva de testemunha - de natureza superveniente - A Recorrente, em sede de audiência, requereu junto ao MM. Juiz a quo, que fosse ouvida a testemunha DD para elucidação de pontos fundamentais para a boa resolução da causa, uma vez que é uma testemunha que possui conhecimento directo das contingências que envolvem as questões discutidas na presente lide, até porque a Recorrente frisou a importância da oitava desta testemunha, tendo presente que as declarações da testemunha CC trouxeram uma informação relevante quanto aos valores discutidos nos presentes autos, resultando que terão sido pedidos um milhão de euros pelos réus para venderam a pista objecto dos autos, tornando-se assim de extrema importância apurar-se a verdade dos factos e ouvir-se a testemunha requerida, isto para a melhor decisão e certeza jurídica na decisão final.
H- Ensina a melhor jurisprudência, in DGSI, no Acórdão de 12-03-2019 do Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do processo 141/16.2T8PBL-A.C1, que, apesar das provas através de declarações de testemunhas puderem ser requeridas ao arbítrio do Douto Julgador, certo é que as partes não podem negligenciar a sua responsabilidade em requererem provas que sejam necessárias: ”A norma do artigo 411.º do Código de Processo Civil, segundo a qual incumbe ao juiz ordenar oficiosamente todas as diligências probatórias que se mostrem adequadas a provar uma afirmação factual, não comporta a interpretação no sentido das partes não terem quaisquer responsabilidades probatórias, tem antes de ser aplicada tendo em consideração outros princípios processuais, como o princípio dispositivo, o da autorresponsabilidade e da igualdade das partes e o da preclusão de direitos processuais probatórios, sem esquecer o dever de imparcialidade do juiz.
I- Ainda, perfilhamos o entendimento vertido no excerto infra reproduzido, expressado no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 02630/14.4BEBRG, TAF de Braga, 1.ª Secção de 05- 11-2021, in DGSI, na inquirição oficiosa de testemunhas, que assim refere: I - O que é realmente decisivo para deferir [ou indeferir] um eventual pedido de despoletamento da inquirição oficiosa de testemunhas é a existência [ou não] de razões para presumir que as testemunhas em causa terão conhecimento de factos relevantes para a decisão, não revelando neste domínio a eventual falta de diligência das partes em matéria de indicação dos meios de provas e/ou a necessidade de privilegiar o andamento célere do processo.
J- Ora, o que sucede nos presentes autos é que o Réu/Recorrido vem defendendo, com base na perícia, que o valor da pista é superior a 2 milhões de euros apesar de ser uma obra ilegal todavia resultou do depoimento da testemunha CC, arrolado pelo Réu, que esse mesmo Réu propôs a venda da pista a DD pelo valor de 1 milhão de euros, menos de metade do valor que reclama nos autos e, mesmo assim, não obteve sucesso na venda por não ter sido aceite o preço, por aqui se percebendo que o valor real do imóvel está bem abaixo do pretendido, sendo esta a verdade material que o Tribunal deve apurar se pretender que o Réu seja indemnizado do prejuízo que invoca ter com a devolução do imóvel.
K- Torna-se pois necessário e imprescindível ouvir o DD, uma vez que virá colaborar para a descoberta da verdade material dos factos sub judice, nomeadamente sobre o valor real do imóvel como supra já se referiu, não devendo prevalecer o entendimento do douto Juíz a quo, uma vez que, ao ouvir-se esta testemunha, estar-se-á a gerar mais certezas e mais segurança para a decisão da futura sentença.
L- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no processo n.º 939/16.1T8LSB de 26-09-2019, in DGSI, ensina-nos que: V - O direito à prova não pode ser esgrimido contra toda e qualquer falta das partes a respeito da apresentação dos meios de prova, em rota de colisão com princípios estruturantes do processo civil, como o dispositivo, a igualdade das partes, a independência do tribunal e a imparcialidade do juiz (artigos 20º e 62 da CRP).
M- A Recorrente crê ser essencial a audição da testemunha requerida, o que foi indeferido pelo MM. Tribunal a quo, uma vez que se revela fundamental a sua oitiva, para a decisão final do processo, devendo este MM. Tribunal ad quem revogar a decisão do Juízo originário, ordenando que seja ouvida a testemunha requerida e indicada pela Recorrente – Sr. DD.
N- Do indeferimento do requerimento de segunda perícia: Nos termos do artigo 487.º, n.º 2 do C.P.C. a Recorrente requereu a realização de segunda perícia, a qual foi indeferida liminarmente pelo Douto Juiz a quo.
O- Os representantes da Autora/Recorrente não participaram da realização da primeira perícia - levada a cabo pelo Sr. Perito, pois somente o Réu/Recorrido esteve presente, conforme se pode confirmar a fls. do presente processo, mais especificamente a fls. 3 do Laudo Pericial, e aquando- da mesma, in loco, remeteu-se ao silêncio uma vez que o favorecia que o Sr. Perito não soubesse - da realidade dos limites das propriedades das terras da Autora e Réus, tendo estes omitido informações importantes em relação a parte de terras que lhe pertenciam e onde foram efectuadas obras de aterro, juntamente com as terras da Recorrente.
P- Resulta claro do depoimento da testemunha CC, indicado pelo Réu, que confrontado com o levantamento topográfico que determinou o objecto da perícia e que consta de fls. 4 do laudo, o mesmo referiu que cerca de 1/3 da área que foi objecto de aterro é um imóvel pertencente aos Réus, mais tendo referido que dos 30.000 metros onde ocorreu a perícia uma vez que o aterro não existiu na totalidade do imóvel da Autora, nos cerca de 10.000 metros pertencentes ao Réu foi efectuado um aterro de maior dimensão atentos os declives que são muito superiores no imóvel dos Réus.
Q- Com a realização da requerida segunda perícia haverá de determinar-se qual a área sobre qual incidiu a primeira, e que está integrada no prédio da Autora/Recorrente e qual a área afecta ao prédio dos Réus/Recorridos, sendo este ponto de suma importância para uma boa decisão da causa e em respeito pela absoluta verdade material.
R- Só por este facto, ou seja, a existência evidente de um erro material quanto ao objecto da perícia impunha que, de per si, ex oficio, o Douto Julgador devesse ordenar uma nova perícia, e assim não sendo, deveria ter, então, conforme requerimento efectuado em audiência pela ora Recorrente, deferido uma nova perícia para a descoberta da verdade material dos factos.
S- A Autora/recorrente veio, então, requerer a segunda perícia com base na existência de erro sobre o objecto da mesma, designadamente quanto à área total do seu imóvel e que tinha sido aterrado uma vez que numa eventual decisão favorável ao Réu e que não se aceita, a Autora poderia ser condenada a pagar um aterro efectuado num imóvel que não é seu e que nunca lhe será devolvido. Haverá maior injustiça material do que esta? Deverá sobrepor-se a verdade formal a esta verdade material?
T- Finalmente, nos termos do nº 2 do artigo 487º do CPC, não pode nunca ser indeferida a realização da segunda perícia por extemporaneidade, uma vez que aquele preceito permite a realização da mesma a todo o tempo.
U- O MM. Juiz do Tribunal a quo indeferiu também este requerimento da Recorrente, alegando a sua extemporaneidade e que nova perícia não relevaria nada de novo ao processo, no entanto, para que seja deferida uma segunda perícia, a parte tem de alegar, fundadamente, as razões da sua discordância quanto ao relatório pericial e a Autora/Recorrente fundamentou largamente a sua pretensão, sendo evidente que a manutenção do erro constante do objecto da perícia constitui um manifesto desvio à verdade material dos factos.
V- As razões da discordância da Autora quanto às conclusões do relatório pericial prendem-se, por um lado, com o facto de não estar comprovado que o objecto da perícia versou apenas sobre a área do imóvel da Autora e o volume de aterro apresentado na perícia não corresponder exclusivamente a aterro no imóvel da Autora que esta pretende ver devolvido pelo Réu.
W- Veja-se que o imóvel pertencente à Autora tem uma área de cerca de 40.000 metros quadrados, sendo que a perícia do aterro incidiu sobre 30.000 metros quadrados, alcançando-se à vista desarmada do levantamento constante de fls. 4 do laudo, que o mesmo deixa de fora cerca de metade do imóvel pertencente à Autora, sendo certo que a Recorrente nunca conheceu a realidade do imóvel antes da realização do aterro, sendo facilmente enganado pelo levantamento que consta do laudo por estar convencido que o aterro tinha incidido apenas sobre o imóvel propriedade da sociedade que representa.
X- De má-fé agiu sim o Réu que, sabendo e conhecendo a realidade do prédio, bem sabendo que o aterro tinha incidido sobre cerca de 10.000 metros quadrados que constituem um imóvel sua propriedade, não hesitou em enganar o perito fazendo-o acreditar que todo o aterro estava incluído no imóvel da Autora.
Y- Por outro lado, não existiram razões exactas – nem o Tribunal as evoca – para concluir-se que a pretensão da Recorrente na realização de segunda perícia seja meramente dilatória, porque não o é, bem ao contrário do que têm feito os R.R. que agora surgem como verdadeiros arautos da celeridade processual porque os beneficia no sentido de ver decidido pelo Tribunal o injusto reconhecimento de uma benfeitoria realizada num imóvel deles Réus, sua propriedade, que pretendem imputar à sociedade Autora.
Z- É relevante afirmar que o legislador preveniu o risco das partes requererem sucessivas perícias até alcançarem o resultado pretendido, limitando a duas o número de perícias que podem ser realizadas em cada processo, não se percebendo o porquê do indeferimento de realização da segunda perícia, devidamente requerida.
AA- Assim, nestas condições o “motivo invocado” de extemporaneidade na decisão sob censura para se indeferir a realização da segunda perícia não pode sustentar-se, o que se fundamenta no facto do nº 2 do artigo 487º do CPC permitir a realização dessa perícia a todo o tempo e ainda de estar demonstrado o completo erro no objecto da perícia.
BB- Consequentemente, impõe-se que seja revogado o despacho sob censura e, em sua substituição, seja proferida uma decisão pelo MM Tribunal ad quem que admita a realização de uma segunda perícia, bem como a oitiva da testemunha DD, nos moldes e fundamentos requeridos.
Foram deduzidas contra-alegações pelos RR. com as seguintes conclusões:
I-Porque o Tribunal a quo decidiu bem ao indeferir os requerimentos da recorrente, os quais, para além de serem extemporâneos, não relevam para o apuramento da verdade dos factos em causa.
II - Porque a testemunha que, alegadamente, surpreendeu a recorrente, com factos deveras importantes, trata-se de um dos seus sócios, em concreto, CC.
III - Porque tanto em relação aos factos que, alegadamente, decorrem da inquirição da testemunha CC, quanto à realização de uma segunda perícia, poderiam ter sido, oportunamente, requeridos pela recorrente, a qual descurou do rito processual.
IV - Porque o Tribunal ad quem não pode permitir que se ultrapasse a Lei processual, em razão da recorrente pretender mudar a sua estratégia processual, relativamente ao seu requerimento probatório, por força do curso da sessão de julgamento ocorrida no passado dia 21-03-2024.
V - Logo, o douto Despacho de 21-03-2024, com a referência n.º 458388281, não merece qualquer censura por parte do Tribunal ad quem, devendo manter-se incólume no segmento impugnado no recurso apresentado pela recorrente.
Do dispositivo da mesma consta:
Julga-se a acção parcialmente procedente e condenam-se os réus/reconvindos AA e mulher BB a:
A - Reconhecerem que a autora/reconvinte “A..., LDA” é dona e legítima proprietária do prédio rústico melhor descrito no facto provado número dois;
B - A entregarem esse imóvel à Autora livre de pessoas e bens;
C - A pagarem à Autora, pela ocupação desde Junho de 2005 (dois mil e cinco) até 23 (vinte e três) de Fevereiro de 2018 (dois mil e dezoito), uma indemnização de €92.930,95 (noventa e dois mil novecentos e trinta euros e noventa e cinco cêntimos).
D - A pagarem à Autora indemnização pela ocupação desde a instauração dos presentes autos até efetiva entrega do imóvel livre de pessoas e bens à Autora, calculado sobre o atual (à data da entrada da acção) valor locativo do imóvel de €8.018,56/ano, (oito mil e dezoito euros e cinquenta e seis cêntimos) acrescidos das respetivas atualizações legais anuais;
E - A pagarem juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa legal em vigor calculados desde a citação;
Do mais pedido, absolvem-se os réus
Julga-se a reconvenção totalmente improcedente e absolve-se a autora/reconvinda do pedido reconvencional.
Improcedem os pedidos de condenação como litigantes de má-fé de ambas as partes.
Indeferem-se os pedidos de declaração de falsidade dos documentos números dois a quatro e dez da petição inicial
Custas na proporção do decaimento que se fixa em 2% (dois por cento) para a autora/reconvinda e 98% (noventa e oito por cento) para os réus/reconvintes.
Registe e notifique.
1. Porque a douta Sentença recorrida é manifestamente injusta, nula e ilegal, padece de erro notório na apreciação da prova, erro de julgamento facto, posto que julgou mal os factos que deu como “provados” e como “não provados”, e de direito, uma vez que viola o disposto nos artigos 216.º, 473.º, 479.º e 1273.º, todos do CC e, ainda, 102.º e 102.º-A, ambos do RJUE, e, deve, por isso, ser revogada, pois só assim se cumpre escrupulosamente a Lei, o Direito e a Jurisprudência aplicável ao caso concreto.
2. Porque o presente Recurso versa sobre as matérias de facto e de direito.
3. Porque a douta Sentença recorrida padece do vício do erro notório na apreciação da prova, uma vez que o entendimento e a interpretação do Tribunal a quo, relativamente ao Relatório Pericial elaborado pelo IlustrePerito, oArquiteto EE, extravasou aquilo que consta do referido Relatório Pericial, alcançando uma Decisão que não é possível retirar-se do mesmo;
4. Porque a douta Sentença recorrida é nula, por falta de fundamentação, relativamente à divergência do Tribunal a quo com o Relatório Pericial elaborado pelo Ilustre Perito, o Arquiteto EE, tanto em relação ao valor que se apurou, quanto em relação as consequências da ausência de licenciamento das construções, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, com as devidas consequências legais.
5. Porque deverá ser alterado o texto do ponto 54 dos “factos provados”, passando a constar a redação seguinte: “CC, o proprietário anterior, teve conhecimento da realização das obras pelos Recorrentes, e nunca se opôs a elas.”. Atendendo ao depoimento prestado pelo próprio, enquanto testemunha, em concreto, as passagens da gravação do mesmo, constantes do ficheiro de áudio “Diligencia_353-18.4T8PVZ_2024-03-21_09-46-38.mp3”, das rotações 00:48:44 até 00:48:55;
6. Porque face aos esclarecimentos realizados supra, o texto do ponto 17 dos “Factos não provados” deverá ser suprimido, a fim de evitar uma possível contradição na fundamentação do douto Acórdão a ser proferido pelo Tribunal ad quem;
7. Porque deverá ser alterado o texto do ponto 55 dos “factos provados”, passando a constar a redação seguinte: “Mercê das ditas obras, o prédio, Pista ..., passaria a valer mais 2.587.824,71 € do que valia anteriormente, sem o prejuízo de uma eventual redução ao valor, o qual perito não pôde precisar, pois não teve tal em consideração, em razão das construções não se encontrarem licenciadas no momento da realização da perícia.” Atendendo aos esclarecimentos prestados pelo Ilustre Perito, o Arquiteto EE, em concreto as passagens da gravação do mesmo, constantes do ficheiro de áudio “Diligencia_353-18.4T8PVZ_2023-11-27_14-21-47.mp3”, das rotações 00:06:04 até 00:07:00;
8. Porque deverá ser aditado aos “factos provados” o facto seguinte: “As construções e trabalhos realizados no prédio, a Pista ..., são propriedade dos Reconvintes.” Atendendo aos depoimentos prestados pelas testemunhas CC e FF, em concreto as passagens da gravação dos mesmos, respetivamente, constantes dos ficheiros de áudio “Diligencia_353-18.4T8PVZ_2024-03-21_09-46-38.mp3”, das rotações 00:08:14até 00:09:41e00:25:43 até 00:26:23; e “Diligencia_353-18.4T8PVZ_2024-03-21_11-02-50.mp3”, das rotações 00:04:03 até 00:05:14;
9. Porque face aos esclarecimentos realizados supra, em concreto, do depoimento prestado pela testemunha CC, o texto do ponto 8 dos “Factos não provados” deverá ser alterado e movido para o elenco dos “factos provados”, uma vez que a permuta se trata de uma meio de pagamento na aquisição de bens e serviços;
10.Porque a douta Sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, uma vez que não apreciou a ampliação dos pedidos dos Recorrentes, em decorrência da prova produzida, em concreto, o Relatório Pericial elaborado pelo Ilustre Perito, o Arquiteto EE, que fixou um valor superior ao valor pedido inicialmente, para as obras e trabalhos realizados no prédio, a Pista ..., conforme requerido em sede de Contestação com Reconvenção;
11.Porque a douta Sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, uma vez que o Tribunal a quo ao omitir a prática de atos que influenciaram na Decisão da causa e, por conseguinte, viola o disposto no artigo 411.º do CPC;
12.Porque o Tribunal a quo negligenciou o poder-dever ao qual estava adstrito, relativamente à determinação dos meios de prova necessários para a Descoberta da Verdade Material e Boa Decisão da Causa, respeitante ao apuramento do valor das obras no prédio, considerando que as construção não estão licenciadas, à possibilidade, ou não, de licenciamento das referidas construções, e, ainda, à titularidade do direito de propriedade sobre as mesmas;
13.Porque o entendimento vertido na douta Sentença recorrida, pelo Tribunal a quo, viola o disposto no artigo 216.º, n.º 2, do CC, posto que não resulta da Lei que as construções que constituem as benfeitorias úteis dependem de licenciamento para aumentarem o valor da coisa beneficiada;
14.Porque o entendimento vertido na douta Sentença recorrida, pelo Tribunal a quo, viola o disposto nos artigos 102.º e 102.º-A, ambos do RJUE, uma vez que o Decreto-Lei n.º 136/2014, de 09-09, instituiu uma medida de tutela da legalidade urbanística chamada de “legalização”, a qual se mostra, verdadeiramente, como um contraponto à demolição das construções;
15.Porque os Recorrentes demonstraram indícios, os quais não foram tidos em consideração pelo Tribunal a quo, relativamente à titularidade do direito de propriedade, respeitante às obras e trabalhos realizados no prédio, sobretudo, a posse ininterrupta do prédio e a utilização das construções, por si realizadas, ao longo de mais de duas décadas;
16.Porque os Recorrentes demonstraram indícios, os quais não foram tidos em consideração pelo Tribunal a quo, relativamente à possibilidade de legalização das obras e trabalhos realizados no prédio, sobretudo, a exploração comercial no início dos anos 2000, a classificação do prédio no Plano Diretor Municipal e a finalidade/natureza das construções;
17.Porque decorre da prova produzida que, ainda que subsista a falta de licenciamento das construções, as obras e trabalhos realizados no prédio, a Pista ..., aumentam o seu valor;
18.Porque as partes, Recorrentes e Recorrida, aceitaram o valor atribuído às obras e aos trabalhos realizados no prédio, em concreto, o montante de 2.587.824,71 €, no âmbito da perícia realizada pelo Ilustre Perito, o Arquiteto EE;
19.Porque a douta Sentença recorrida viola o disposto no artigo 1273.º, n.º 1, do CPC, uma vez que os Recorrentes têm o direito de serem indemnizados pelas benfeitorias úteis realizadas no prédio, as quais não podem ser levantadas sem o seu detrimento, uma vez que são titulares do direito de propriedade sobre as mesmas;
20.Porque a douta Sentença recorrida viola o disposto nos artigos 473.º e 479.º, ambos do CC, relativamente à limitação imposta quanto aos requisitos do instituto jurídico do enriquecimento sem causa, em concreto, a interpretação da norma no sentido de que o empobrecimento só se verifica com a prova de que as obras e os trabalhos realizados no prédio foram feitos as expensas dos Recorrentes;
21.Porque a devolução do prédio, sem o pagamento de uma indemnização pelas benfeitorias úteis, resulta num empobrecimento dos Recorrentes e, por conseguinte, num enriquecimento sem causa da Recorrida;
22.Porque, por todo o exposto, deverá o Tribunal ad quem revogar a douta Sentença recorrida, na totalidade, e, em consequência, proferir douto Acórdão a julgar procedente a Reconvenção, com as devidas consequências legais;
23.Porque a manter-se a douta Sentença recorrida, o que não se concede, nem concebe, o Tribunal ad quem deverá, sempre, revogar a referida Decisão, por força da violação do disposto no artigo 33.º, n.º 2, do CPC, em razão de se verificar a exceção dilatória de ilegitimidade por preterição do litisconsórcio necessário ativo, quanto aos pedidos vertidos na Reconvenção, absolvendo os Recorridos da instância e permitindo, assim, aos Recorrentes, instaurarem nova ação para o fim pretendido, face a ausência de caso julgado material.
A recorrida A. respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado, apresentando as seguintes conclusões:
A – A Sentença recorrida não padece dos vícios que lhe são indevidamente apontados pelos Recorrentes, pois que espelha aquilo que foi a prova que as partes produziram nos presentes autos, constituindo uma decisão lícita, justa, equitativa e assertiva.
B - A Douta Sentença demonstra e retracta a correcta percepção dos factos, a valoração das provas efectivamente produzidas e às circunstâncias que ocorreram em todo o trâmite processual desde a apreciação ao tipo de construções efectuadas pelos Recorrentes, valor das mesmas, mesmo anteriormente desde o primeiro proprietário do prédio até a presente data com a Recorrida – actual proprietária, pois, negócio jurídico não houve entre nenhuma das partes para terem os recorrentes ocupado o prédio sub judice e exigirem em reconvenção o pagamento pelas benfeitorias consideradas não úteis ou necessárias, ainda mais pelo facto de terem sido construídas ilegal e clandestinamente (conforme a fls. 26 tais da Douta Sentença), ao arrepio das licenças camarárias para sua concretização, bem como da ausência de sua licença de uso.
C - A Douta Decisão não avaliou se as obras eram licenciáveis, a Decisão só tem de avaliar se estavam ou não licenciadas tais construções, o Tribunal não tem de se substituir às partes para alcançar o que elas pretendem. Aliás os RR. nunca pediram que as obras fossem avaliadas com ou sem licença. Também não LHES interessava, a Sentença dá como provado que não há qualquer licença das tais obras e assim, baseada também neste facto, absolve a Recorrida das escusas pretensões dos RR./Reconvintes, ora Recorrentes.
D - Ademais, como compensar/reembolsar os Recorrentes se foram dados como provados aos itens 60 e 61 da Douta Sentença (a fls. 12), que tais construções/obras foram realizadas SEM LICENÇA e que também NÃO EXISTE LICENÇA DE UTILIZAÇÂO das construções realizadas no prédio, que benfeitorias úteis são estas que querem receber os Recorrentes, ainda mais que as mesmas não são úteis a um terreno rústico e nada importam à Recorrida.
E - Ainda, a Douta Sentença (a fls. 11), assevera que mercê das obras no prédio até poderia valer mais 2.155.200,00 € “se as construções estivessem licenciadas”, como se lê no item 55 dos factos dado como provados.
F - De modo que não estão descuradas as apreciações de todos os pontos que numa expertise tentam os Recorrentes abalar a credibilidade da Douta Sentença, pois não se provou que as tais “benfeitorias” tivessem legalmente incorporado ao prédio avultando o seu valor em milhões de euros, uma porque não estão licenciadas de modo algum, outra, não foram os Recorrentes que arcaram com esses custos, bem como não foram e não são as mesmas consideradas benfeitorias úteis.
G – Também decai o entendimento dos Recorrentes que apregoam a nulidade da Douta Sentença, por infringir o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do C.P.C. por não tomar em conta a majoração do valor inicial pedido pelas obras edificadas no prédio, sendo certo que a Douta Sentença considerou que as obras ali não são licenciadas (e por isso valem zero). Ora, não havendo o principal, não se fala em acessório, ademais nos termos do artigo 608.º, n.º 2 do C.P.C., o Tribunal não há-de apreciar ínfimos detalhes (diríamos acessórios) pois não tem o Julgador de pronunciar-se sobre toda e qualquer alegação ou “facto” das partes.
H - Com todo o respeito por melhor opinião, os Recorrentes não referem ou apresentam qualquer erro ou vício de que a Sentença padeça e que permita o respectivo enquadramento no disposto no art. 615.º do Código do Processo Civil, designadamente, na al. b) e d) do seu n.º 1, mas, tão-só a sua discordância relativamente à forma como o Meritíssimo Julgador entendeu e interpretou toda a prova produzida.
I – Resulta da prova produzida que, de todos os proprietários do prédio nestes autos, o antigo CC e agora Recorrida, foram os únicos que nada ganharam, aliás tudo perderam, tendo o seu prédio sido fruído por terceiros, aqui Recorrentes, nunca tendo concordado com a construção de uma pista de corridas no seu prédio rústico, o que se alcança de fls 17 da douta Sentença: “/….não foi feita prova de que CC deu autorizações para a realização das obras…/”.
J – Nos autos do processo não surge nenhum depoimento a dizer que o CC autorizou as obras no seu terreno rústico, a testemunha CC disse claro e em bom som: não permito! Assim é impossível partir para uma autorização tácita, qual pretendem os RR..
K – Com que fundamento pretendem os Recorrentes eliminar o ponto 17 dos factos não provados? O que se retira do depoimento do CC foi que os Recorrentes utilizaram um terreno que não era deles para permitir o depósito de desaterro e em troca de construírem a pista, mas com tal, quem ficou onerado e suportou o aterro foi o proprietário do terreno, logo ele também de ser beneficiário da contrapartida.
L – Permuta é isto, não é como pretendem os Recorrentes dar algo que não é seu recebendo algo para integrar no seu património. Isso tem outro nome.
M - Ainda se dirá que a Douta Sentença também analisou os “gastos, dito efectuados pelos Recorrentes” no prédio, uma vez que não apresentaram qualquer prova, qualquer documento que corroborasse com suas alegações, assim, podemos observar nas fls. 15 da Douta Sentença, que mais uma vez de forma cuidada e fundamentada não descurou de nenhum detalhe apresentado nos presentes autos.
Em conclusão, dir-se-á que os Recorrentes não produziram quaisquer provas que sustentasse os factos invocados em sua Reconvenção e aos pedidos ali formulados, como vemos ora também em suas Alegações no presente recurso.
N - Ainda os Recorrentes se insurgem pedindo a alteração ao ponto 55 dos factos “dados como provados”, tendo em vista o valor majorado da pista aquando da Perícia, uma vez que entende que todas as obras ali erigidas mesmo sem qualquer licença de construção e de uso “valem milhões”, o que temos são que obras sem LICENÇA valem ZERO, pois as leis comtemplam que obras desautorizadas tem de ser demolidas, assim qual valor das tais obras que se dizem proprietários? Dizemos nós: NENHUM.
O - Ainda não satisfeitos os Recorrentes invocam a nulidade da Sentença por violar o artigo 216.º, n.º 2 do C.C., (em suas palavras) “posto que não resulta da lei que as construções que constituem as benfeitorias úteis dependem de licenciamento para aumentarem o valor da coisa beneficiada”, mais uma vez diremos sem licenças as propriedades não tem valor económico, ademais a aplicação deste artigo ao nosso ver encontra-se totalmente desajustado no contexto que se pretende aplicar ao caso concreto.
P - Invocam igualmente os Recorrentes que a Douta Sentença viola também os artigos 102.º e 102.º-A do RJUE, uma vez que estes instituem (palavras daqueles) “uma medida de tutela urbanística chamada “legalização” a qual, se mostra, verdadeiramente como um contraponto à demolição das construções”, mas, entretanto, não é interesse da Recorrida legalizar as obras que não permitiu, obras que não lhe servem ao uso para o qual adquiriu o terreno, de modo que os Recorrentes “soltam o foguete e mandam a Recorrida correr atrás”, não é do interesse da mesma as edificações ali implantadas, como exaustivamente pediu seja o prédio deixado nas mesmas condições que os RR. o encontraram.
Q – Os Recorrentes ainda invocam em sua conclusão de n.º 10, a omissão de pronúncia relativamente ao pleiteado em L) na 2.ª parte da sua contestação/reconvenção.
Com todo o respeito por melhor e mais douta opinião, pois, o Tribunal a quo não deixou de apreciar o pedido em L), conforme indica os Recorrentes, pois, temos a fls. da Douta Sentença, que, A fls. 2:
Da reconvenção Pedidos
A Reconvinda ser condenada a pagar, aos Reconvintes, uma quantia nunca inferior a 2.155.200,00 €, decorrente de todas as benfeitorias úteis efectuadas por estes no “prédio rústico”.
A fls. 3:
o) Do direito dos réus a obterem a condenação da autora no pagamento da quantia não inferior a 2.155.200,00 €, decorrente da realização, no prédio identificado em a), de benfeitorias úteis; (sublinhado nosso).
A fls. 4:
- se as construções realizadas nos prédios constituem benfeitorias; - se por elas os réus têm algum crédito sobre a autora;
- se têm direito de retenção sobre o imóvel por causa desse crédito;
Assim, a decisão na Douta Sentença quanto aos pontos acima reclamados pelos Recorrentes, foram devidamente analisados, como constam destas passagens, dentre outras, não tendo sido omissa a Sentença em absolutamente nada.
R - Ainda a corroborar com todo o Douto Entendimento a quo, podemos extrair das declarações da Testemunha CC ao minuto 08h33m --> 13h21m, onde pormenorizadamente discorre como as construções/obras no seu terreno foram efectuadas não pelos RR., mas, sim através de permuta destes com grandes empreiteiras, como por exemplo a B... e a C... (do concelho de Paredes).
S - Para além de pleitearem também nas suas Alegações de n.º 8 ser aditado aos factos provados que são os Recorrentes proprietários das construções e trabalhos no prédio, primeiro diremos que foram dados como provados que os mesmos não despenderam qualquer cêntimo para construção daquelas, depois se as testemunhas disseram em “propriedade de obras como sendo suas”, isso nada mais é do que um reflexo, já que os RR. sempre se arrogaram donos de tudo inclusive da terra nua, ou seja do prédio rústico alheio.
T – Os Recorrentes falam em empobrecimento, mas como podem falar sobre isso se, como provado nos autos, não foram os mesmos que custearam qualquer construção, aterro, etc. no prédio, como também se detritos foram depositados num terreno que não era deles, quem se onerou por estes largos anos foram os proprietários do mesmo, uma vez que não receberam um cêntimo desde 2001, pelo uso que ainda fazem os Recorrentes do prédio sub judice.
U – A Decisão aqui colocada em crise não padece de nenhum dos vícios que os Recorrentes lhes apontam, designadamente, o da nulidade da Sentença por oposição entre os fundamentos de facto e a decisão, o da omissão de pronúncia e do erro de julgamento por incorrecta interpretação da prova, dos factos dados como provados e não provados, bem como por uma inadequada aplicação de direito aos factos provados.
V – Em circunstância alguma se pode admitir que os Réus, aqui Recorrentes, tenham formado a sua decisão de serem proprietários das construções edificadas no prédio, baseada em INDÍCIOS, como os mesmos os denominam, de serem proprietários alicerçados num contrato inexistente e que por força da acção n.º 2089/05.7TBVCD, do 3.º Juízo Cível do Tribunal de Vila do Conde considerou o “contrato promessa de arrendamento” do prédio NULO, conforme Douta Sentença de 2009.
W – Os ali Réus aqui Recorrentes, não obstante todos os seus lamentos, continuaram desde sempre (1991) a ocuparem e agirem com extrema má-fé, quando desde 2001 até a presente data, nada pagaram em contrapartida pelo uso e fruição de prédio alheio, apesar de em 2009 terem sido compelidos a este pagamento pela Sentença proferida no processo supra imediatamente citado, para além de ser considerado o contrato NULO continuaram AINDA a ocupar o prédio.
X – É ilícito, injusto e imoral que tenham vindo os Recorrentes tentar exigir a compensação, por sua intervenção, diga-se voluntária, nas obras que “construiu” no prédio alheio, a nível de benfeitorias voluptuárias, porque as mesmas NUNCA tiveram licença para serem efectuadas, nem licença de utilização e não foram os Recorrentes que pagaram as construções/obras.
Y - No que aos Réus, aqui Recorrentes, diz respeito, não produziram qualquer prova, nem apresentam nas suas conclusões dados que sustentassem os factos invocados na sua contestação e reconvenção.
Z – Em especial ao não serem consideradas úteis as construções no prédio, uma vez que se trata de um prédio rústico e porque são clandestinas, haveriam sempre tais benfeitorias de ser consideradas de valor nulo, logo, sem constituírem enriquecimento da Recorrida.
AA - Bem como, não possuem direito à compensação por estas obras “edificadas por eles” em prédio alheio, como exaustivamente a Sentença tratou não tendo sido os Recorrentes que pagaram por todas elas, mas que, desde 1991 só estes usufruíram do prédio em questão, diga-se - de bem alheio.
BB - Como também, por NÃO PROVAREM os Réus por qualquer meio ou prova que foram eles os responsáveis pelos pagamentos da edificação das construções, tudo conforme fundamentado na Douta Sentença, chegando mesmo ao cúmulo de justificar a não junção de meios de prova com o facto dos mesmos terem desaparecido numa inundação, como se não pudessem solicitar segundas vias.
CC - Assim e ao contrário do alegado pelos Recorrentes o Tribunal julgou bem, e adequadamente, ao dar como não provados os factos da “matéria dada como não provada”, aqui abordando-se essencialmente a mentira propalada pelos RR. de que foram eles a arcarem com as despesas das construções implementadas no prédio da Recorrida, como podemos obter prova bastante através do áudio/Cd único, da gravação de audiência ao minuto 08h33m --> 13h21m, nas declarações da testemunha CC, que para lá se remetem e aqui se integram, sendo que não há contradições entre os factos dados como provados e não provados, como alegam os RR., ora Recorrentes, nada mais fazem do que viverem ao arrepio da Lei e tentarem enriquecer-se ilicitamente, como é ora o caso concreto.
DD - A Douta Decisão não infringiu qualquer dos artigos elencados em suas Alegações, em especial os invocados: art.s 216.º n.º 2, 473.º, 479.º n.º 1 e 1273 n.º 1 do Código Civil; art.s 33.º n.ºs 1 e 2, 191.º, 411.º, 615.º n.º 1, al. b) e d) do Código de Processo Civil, bem como os art.s 102.º e 102.º-A do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, isto depreendido por tudo que supra se disse e na leitura atenta da Douta Sentença, não se observam tais “infracções legais” apontadas indiscriminadamente pelos Recorrentes.
EE – Como também não existe qualquer contradição entre os descritos factos dados como provados com os factos dados como não provados, uma vez que como pode ser observado na Douta Sentença, a sua extensa fundamentação por cada facto, foi tida em conta no desfecho de sua Decisão Final.
FF - Resumindo-se, temos que de toda a prova que os Recorrentes trouxeram aos autos, nada mais é do que uma “factualidade da responsabilidade “in contrahendo”, ou seja, numa “responsabilidade pré-contratual ou pré-negocial” facto que no presente caso nunca existiu, pois, não houve qualquer contrato ou ato jurídico que permitisse aos Recorrentes agirem como agiram, somente uma promessa de contrato que foi sentenciado NULO, aquando a propriedade ainda pertencia ao CC, assim com a máxima vénia não lhes assiste qualquer razão ou DIREITO.
GG - Como já foi alegado, só a ligeireza com que os Réus, aqui Recorrentes abordaram a questão dirimida nestes autos, permitiria qualificar a desadequada conduta dos mesmos no que diz respeito à forma como pretenderam fazer crer a este Superior Tribunal, nas lucubrações que projectaram, serem eles os reais proprietários de tudo que implementaram ilicitamente em prédio rústico alheio – ora sub judice.
HH - Diante a todo o exposto devem ser as Alegações dos Recorrentes consideradas improcedentes e em consequência proferido Acórdão que confirme os termos da Douta Sentença, que de forma exemplar aplicou o Direito ao caso concreto, por toda sua fundamentação e análise dos factos existentes no presente processo.
Serão ambos aqui decididos.
II.
É consabido que resulta dos art.635.º, nº3 a 5 e 639.º n.º1 e 2, ambos do CPC, que o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das respetivas alegações[6], sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.
Assim, em síntese, em função da decisão projectada, tornando prejudicada a apreciação dos demais fundamentos do recurso da decisão final, do que resulta das conclusões do recurso da decisão final e do recurso que forma o apenso (353/18.4T8PVZ.P1-A.P1), são as seguintes as questões que se conhecerão:
1.
- do recurso dos RR. da decisão final
(a) - nulidade por violação do disposto no art.411.º do CPC, na relação com o disposto no art.487.ºnºs2 e 3 do mesmo diploma, por se ter preterido o recurso oficioso à uma segunda perícia que se mostrou essencial em sede audiência em face do conhecimento superveniente da insuficiência da primeira e por ter avaliado o valor das obras (benfeitorias) sem considerar que as mesmas não estavam licenciadas pela Câmara Municipal;
(b) - nulidade por violação do disposto no art.411.º do CPC por se ter omitido diligências tendentes a saber-se se as obras são licenciáveis, com reflexo no valor das benfeitorias;
(c) - nulidade por violação do disposto no art.411.º do CPC por se ter omitido diligências tendentes ao apuramento da titularidade do direito de propriedade sobre as obras.
2.
Na relação desta questão ligam-se aqueloutras duas outras objecto do recurso da decisão interlocutória apresentado pela A:
(d) - da nulidade por violação dos citados preceitos por se ter indeferido em sede de audiência de julgamento uma nova perícia com vista a apurar qual a área sobre a qual incidiu a primeira, e por ter surgido apendiculada à instrução informação de que parte desta teve por objecto obras realizadas em prédio contíguo dos RR.;
(e) igualmente por preterição do disposto no predito 411.º do CPC por se ter negado a audição de testemunha que se considera essencial por dela puderem surgir dados que abonam no sentido dos valores das benfeitorias ser inferior ao apurado sem sede de perícia.
III.1.
Resulta dos autos os seguintes segmentos das peças que se epigrafam:
- da contestação - do pedido reconvencional dos RR.
l) condenar a A. reconvinda a pagar aos RR uma quantia não inferior a 2.155.200,00 € decorrente de todas as benfeitorias úteis efectuadas por estes no prédio rústico (..) ou na quantia que vier a ser fixada no relatório pericial desde que superior aquela.
- da perícia / avaliação
32. A totalidade dos trabalhos, obras, construções, edificações e afins, indicados nos pontos anteriores, criaram um exponencial aumento do valor locativo do prédio em relação ao seu estado original? Resposta do perito:
Sim.
33. Qual é esse valor? Resposta do perito: O valor é de 2.587.824,71€
41. O prédio, mercê das benfeitorias indicadas nos pontos anteriores, aumentou o seu valor venal ou de mercado em valor superior a 2.155.200,00 €?
Resposta do perito: Sim
- da acta de audiência de julgamento (3ª Sessão)
Finda a inquirição da testemunha, pelo ilustre mandatário da autora foi solicitada a palavra e, no seu uso, ditou um requerimento para acta, que ficou gravado em suporte digital no sistema aplicativo "Habilus Media Studio", no qual em súmula, requereu que fosse realizada uma segunda perícia para determinar qual a área sobre a qual incidiu a primeira, e que está integrado o prédio da autora e, qual a área que está no prédio dos réus. Requereu ainda a inquirição como testemunha de DD, a quem, segundo a testemunha CC, terá sido pedido um milhão de euros pelos réus para venderem a pista objeto dos autos.
Concedida a palavra ao ilustre mandatário dos réus, no seu uso, em súmula, disse se opõe ao requerido e pelo Mm.º Juiz, em suma, proferiu despacho em que o Tribunal indefere os requerimentos, por extemporâneos e por não relevarem para o apuramento da verdade dos factos.
- da sentença
Factos provados
(…)
Da contestação/reconvenção
28 - Em meados de 1991, a Pista ... era um “prédio rústico”, a mato e coberto arbóreo disperso, constituído essencialmente por eucaliptos e por pinheiros de pequeno porte.
(….)
31 - Entre a data de celebração do contrato promessa e 1/1/1993 os Reconvintes passaram a dispor do prédio com o fito de nele construírem uma pista para desportos motorizados, destinada a exploração comercial, bem como todos os acessórios.
(….)
34 - Para adaptarem o “prédio rústico” aos fins pretendidos, construção da pista para automóveis, motos e outros veículos e seus acessórios, levaram nele a efeito obras no prédio, as quais se iniciaram em data não apurada ainda nos anos 90.
35 - Tais obras consistiram, essencialmente, em limpeza, terraplanagens, pré-preenchimento do “prédio rústico” com mais de 30.000 m3 de terras para elevação e nivelamento do terreno, construção da pista e seus acessos, pavimentação asfáltica, obras de construção civil, exploração de águas para autoabastecimento do complexo, arranjos exteriores, criação e instalação das redes gerais de energia elétrica, água, drenagem, esgotos e outras estruturas de apoio.
36 - Os trabalhos de limpeza, desmatação, arrumação de terras a preços actuais custariam 57.900,00€.
37 - Os trabalhos de espalhamento do saibro, sua compactação, nivelamento do terreno, formação das múltiplas plataformas para construção dos vários corredores de circulação, normais e especiais, da pista, bem como das áreas de estacionamento e de apoio, que, a montante, implicaram o fornecimento de 140.000 m3 de saibro, sua carga no estaleiro, serviços de transporte para o “prédio rústico”, sua descarga e espalhamento, que implicou o recurso a camiões e maquinaria pesada custariam a preços actuais 1.335.600,00€.
38 - O fornecimento e aplicação do “tout venant” de granulometria extensa usado na construção da pista, das áreas de apoio adjacentes e seus acessos, com 30 cm de espessura, dispostas em duas camadas de 15 cm cada, respetiva compactação e rega, de modo a ficar pronto a receber o tapete betuminoso asfáltico, numa área intervencionada de 30.000 m2, a preços actuais, custaria 985.000,00€.
39 - O fornecimento do material asfáltico usado na pavimentação das pistas, das áreas de estacionamento e de apoio adjacentes à pista, numa área de 30.000 m2, e aplicação do tapete betuminoso asfáltico, com 12 cm de espessura total, formado por 2 (duas) camadas, uma, de regularização, com 7 cm, e a outra, de acabamento e desgaste, com 5 cm, custaria, a preços actuais, 861.000,00€
40 - Todo o circuito, constituído por pista de “autocross”, respetivas escapatórias (boxes, na gíria), e respetivos acessos, corredores internos e zonas circundantes, está dotado de muros separadores de vias em betão, rails metálicos e outro equipamento específico de apoio à segurança e à prática da formação de condução avançada automóvel aí desenvolvida, bem como de sistema integrado de iluminação elétrica em todo o circuito, custaria a preços actuais 34.900,00€.
41 - À entrada e nas zonas laterais envolventes à pista, há construções em pré-fabricados, assentes em plataforma de betão, tudo para apoio ao circuito da pista, constituindo módulos diferenciados, um dos quais, afeto a portaria, com a área de 36 m2, para controlo das entradas e saídas no recinto da pista, outro módulo, com a área de 72 m2, destinado a sala de formação técnica, mais 2 (dois) outros, na zona central, com 73,6 m2 cada um, e, ainda, 3 (três) outros, com a área de 46,8 m2 cada um deles, destinados ora a controle de obstáculos, ora a armazéns, arrumos ou estruturas de apoio às pistas, bem como um outro, com a área de 10,4 m2, destinado a w.c, cujo custo, a preços atuais, seria de 48.783,60€,
42 - Na parte central do topo Norte do circuito da pista, os Reconvintes construíram, de raiz, um edifício, assente em plataforma de betão com estrutura mista de betão armado e metálica, destinado às áreas administrativas, de formação, de refeições e instalações sanitárias, constituído por cave, rés-do-chão e andares, num total de 4 (quatro) pisos.
43 - O piso 1 (um) do dito edifício central, correspondente à cave, com a área total de 115 m2 e pé direito com cerca de 3 metros, dispõe de uma área destinada a arrumos, com 70 m2, de instalações sanitárias, com 15 m2, e de uma área destinada a parqueamento, coberto com 30 m2, sendo as paredes e tetos em reboco pintado, os pavimentos em mosaico hidráulico e as instalações sanitárias estão revestidas com material cerâmico.
44 - O piso 2 (dois) do mesmo edifício central, correspondente ao rés-do-chão, com a área total de 322 m2 e pé direito com cerca de 3 metros, dispõe de hall de entrada, cozinha, copa e despensa, com 30 m2, de instalações sanitárias, com 25 m2, e, ainda, de salas de formação, zona de convívio e de refeições, com a área total de 267 m2, sendo a caixilharia em alumínio e ferro, os tetos rebocados e pintados e os pavimentos da área de formação e convívio em micro cubos de granito e os restantes pavimentos em material cerâmico
45 - O piso 3 (três), correspondente ao 1.º andar, com a área total de 282 m2 e pé direito com cerca de 3 metros, compõe-se de uma parte coberta, destinada a área administrativa, sala de reuniões e instalações sanitárias, estas com a área de 63,5 m2, e, bem assim, de um terraço envolvente descoberto, com a área de 184,50 m2, destinada a terraço panorâmico e visualização da pista, na qual se situam, também, as escadas de acesso, esta com a área de 34 m2.
46 - O piso 4 (quatro), atualmente correspondente ao último piso, com área total de cerca de 430 m2, dispõe de cobertura em chapa isotérmica térmica, assente em estrutura metálica, e atualmente, dispõe de uma esplanada pavimentada a cubos de granito, e está todo fechado e foi adaptado a área administrativa.
47 - O custo do edifício central, a preços atuais, seria de 204.251,24 €.
48 - A Pista ... dispõe, no topo sul-poente e traseiras do edifício principal, de um heliporto, com duas pistas de aterragem, de apoio ao complexo, também utilizado, na época dos fogos, pelos meios aéreos afetos ao combate aos incêndios, heliporto que está localizado na pista.
49 - E está dotada de dois furos artesianos, um dos quais com 136 metros e o outro com 69 metros de profundidade, um deles com electrobomba, cujo custo a preços atuais, semelhantes aos da década de 90, é de 5.680,00€ + 3.747,50€ = 9.427,50€.
50 - O circuito de formação dispõe ainda de uma zona com pavimento escorregadio em betão cujo custo, a preços atuais, seria de 24.117,120 €.
51 - Dispõe a Pista ... de um outro troço de pista especial com obstáculos, para treinos de travagens, dotado de um sistema de rega, cujo preço total, com equipamentos e aplicação, a preços atuais, seria de quantitativo não inferior a 68.583,06 €.
52 - Os Reconvintes alargaram o caminho que servia o “prédio rústico”, transformando-o numa via de acesso automóvel, com a largura de 7 (sete) metros, pavimentada a alcatrão, e delimitada, com guias de proteção de um lado, desde a Rua ... (EN ...) até à portaria e barreira de proteção da entrada no recinto da pista, numa extensão de cerca de 350 m2, cujo custo, a preços atuais, seria de 35.840,00 €.
53 - A Pista ... foi utilizada como centro de formação e condução avançada.
54 - CC, o proprietário anterior, teve conhecimento da realização das obras.
55 - Mercê das ditas obras, o prédio, Pista ..., passaria a valer mais 2.155.200,00 € do que valia anteriormente se as construções estivessem licenciadas.
56 - O valor comercial do “prédio rústico” sem as construções é de 336.600,00€
(…)
Da réplica
60 - As obras foram realizadas sem licença de construção.
61 - Não existe licença de utilização das cosntruções realizadas no prédio.
(….)
Da contestação/reconvenção
8 - Os Reconvintes pagaram os as construções e trabalhos realizados no prédio.
(...)
17 - CC sempre concordou com as obras.
(..)
22 - As obras que os Réus efectuaram nunca foram autorizadas pelos anteriores proprietários.
(…)
Análise da prova
(….)
Que a obras foram realizadas a mando dos réus, mormente do réu- marido, foi mencionado pelas testemunhas GG (sobrinho de CC), HH (amigo do réu), II (conhecido do réu), JJ (encarregado numa empresa que fez parte das obras) e também pelo próprio CC.
Estranhamente não existe uma única prova credível sobre pagamento dessas obras. Nenhum documento que corrobore que foram os réus que as pagaram.
Apenas há os depoimentos de carácter genérico das testemunhas HH, II, JJ. Mas, na verdade, desconhecem se os réus fizeram algum pagamento. Se saiu do bolso deles ou de outrem.
As testemunhas não receberam qualquer pagamento. Nem tinham que receber porque não foram contratados para nada. Salvo JJ que, porém, era encarregado da empresa que lá trabalhou. Portanto, não era das suas funções tratar dos recebimentos.
Aquelas testemunhas não sabem, ou pelo menos nada disseram a esse respeito, sobre quanto foi pago, como, a quem. Em suma, limitam-se a fazer um raciocínio simples. Se era o réu marido que mandava fazer as obras era ele que as pagava.
Não é necessariamente assim. Tais obras podem ter sido custeadas através de sociedades comerciais. Até porque aparece uma na exploração da pista: a PRM referida nos docs 9 e 10 da contestação e na sentença.
II mencionou que era essa empresa que explorava a pista. Teve um sócio de Setúbal que, entretanto, a abandonou. Ficou a ideia de que a actividade de formação de condução avançada cessou.
Assim, se à partida havia dúvidas sobre quem custeou os trabalhos, elas adensam-se pela inexistência de um único documento comprovativo de pagamentos e de não aparecer na audiência nenhum empreiteiro ou fornecedor a dizer que foram os réus que lhe pagaram trabalhos feitos no prédio.
(…)
O que foi construído no imóvel e respectivo custo a preços actuais é demonstrado pelos relatórios das três perícias.
A realizada pelo topógrafo KK: de onde se conclui, além do mais, que as construções pré-fabricadas e tipo contentor são removíveis.
A de LL que respeita aos furos de captação de água.
E a do arquitecto EE que verificou as diversas construções fez respectiva avaliação. Em esclarecimentos prestados na audiência, este perito disse que não levou em consideração o facto de inexistir licença de utilização. Se o tivesse considerado, teria que se apurar que era ou não licenciável e subtrair o custo do licenciamento.
Daí se provar que as construções trariam ao prédio um valor acrescido de 2.155.200,00 € se estivessem licenciadas.
Licenças que inexistem, seja de construção seja de utilização, conforme informou a Câmara Municipal ... pelos ofícios entrados a 20/3/2019 e de 5/6/2019.
Nenhuma das perícias foi posta em causa. O tribunal não vê motivos para o fazer. Pelo que teve em consideração as conclusões dos peritos.
(…)
O Direito
5ª questão - se as construções realizadas nos prédios constituem benfeitorias úteis
Invocam os réus diversas benfeitorias no prédio reivindicado para daí extraírem a existência de um crédito de 2.155.200,00 € sobre a autora. Para garantia do pagamento invocam o direito de retenção.
Mais uma vez há que olhar para as regras da nulidade dos contratos. Em particular para o art. 289º, 3, CC:
“1. Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
(…)
3. É aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269.º seguintes.”
Entre os artigos para onde esta norma remete conta-se o art. 1273º que se transcreve:
“1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.
2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.”
E o art. 1275º CC:
“1. O possuidor de boa fé tem direito a levantar as benfeitorias voluptuárias, não se dando detrimento da coisa; no caso contrário, não pode levantá-las nem haver o valor delas.
2. O possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que haja feito.”
Da conjugação das normas transcritas resulta que, declarado nulo um negócio jurídico, o benfeitorizante de coisas que devam ser restituídas tem direito a ser indemnizado pelas benfeitorias necessárias e pelas benfeitorias úteis que não possam ser levantadas sem detrimento da coisa.
Se não houver detrimento da coisa, pode levantar as benfeitorias úteis e, se estiver de boa-fé, as voluptuárias. Em ambos os casos, não tem direito a compensação.
Importa olhar para a noção legal das benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias que se encontra no art. 216º CC:
“1. Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.
2. As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias.
3. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.”
Os réus/reconvintes entendem que as construções no prédio são benfeitorias úteis não passíveis de levantamento sem detrimento da coisa. Vejamos se os factos provados lhes dão razão
O que lhes foi entregue pelo anterior proprietário era, em 1991, um prédio com mato e arbóreo disperso, constituído essencialmente por eucaliptos e por pinheiros de pequeno porte. Na época, era um terreno irregular e em declive.
Nele realizaram obras consistentes, essencialmente, em limpeza, terraplanagens, pré-preenchimento do “prédio rústico” com mais de 30.000 m3 de terras para elevação e nivelamento do terreno, construção da pista e seus acessos, pavimentação asfáltica, obras de construção civil, exploração de águas para autoabastecimento do complexo, arranjos exteriores, criação e instalação das redes gerais de energia elétrica, água, drenagem, esgotos e outras estruturas de apoio.
Destaque-se:
- o asfaltamento das pistas, das áreas de estacionamento e de apoio adjacentes à pista;
- muros separadores de vias em betão, rails metálicos;
- sistema integrado de iluminação elétrica em todo o circuito;
- construções em pré-fabricados, assentes em plataforma de betão, tudo para apoio ao circuito da pista;
- um edifício, assente em plataforma de betão com estrutura mista de betão armado e metálica, destinado às áreas administrativas, de formação, de refeições e instalações sanitárias, constituído por cave, rés-do-chão e andares, num total de 4 (quatro) pisos;
- dois furos artesianos;
- zona com pavimento escorregadio em betão;
- troço de pista especial com obstáculos, para treinos de travagens, dotado de um sistema de rega;
- alargamento do caminho que servia o “prédio rústico”, transformando-o numa via de acesso automóvel.
Não estamos perante benfeitorias necessárias. As construções nada interessam para a conservação do prédio rústico entregue aos réus: um prédio com mato e árvores.
Serão benfeitorias úteis? A serem-no concederão aos réus um direito de crédito relativamente àquelas que não podem ser levantadas sem detrimento da coisa.
Tenha-se em conta que o detrimento respeita à coisa benfeitorizada e não à benfeitoria – cf. Acórdão do STJ de 22/3/2018.
Logo, se a benfeitoria puder ser levantada mesmo com o seu detrimento, mas sem causar dano à coisa benfeitorizada, o benfeitor não terá qualquer crédito por elas.
Como bem se explica no Acórdão do STJ de 27/9/2012, as construções que sejam incorporadas num prédio rústico, por via da sua ligação material ao mesmo, passam a fazer parte do próprio imóvel. Por isso, o levantamento dessas construções causa necessariamente dano, detrimento, no imóvel:
“VII - As benfeitorias que constituem partes integrantes são, por via de regra, susceptíveis de serem levantadas sem detrimento, quer da coisa benfeitorizada, quer delas próprias.
VIII - Diversamente, as benfeitorias que constituem partes componentes porque incorporadas na estrutura da coisa benfeitorizada, são insusceptíveis de serem levantadas sem tal detrimento.
IX - Todavia, tratando-se de prédio rústico não é, em condições normais, configurável o seu detrimento, pois que a sua reposição é possível e facilmente realizável.
X - As benfeitorias nele implantadas e incorporadas são impossíveis de dele serem levantadas e separadas, pois que isso implica a própria destruição delas.”
Por isso, as construções feitas no prédio objecto dos autos que a ele estão unidas materialmente não podem ser levantadas. Sob pena de detrimento do prédio. Poi, dele fazem parte.
Ora, as construções que não podem ser levantadas são todas, excepto os edifícios pré-fabricadas e os tipo contentor.
Para serem consideradas benfeitorias úteis têm que aumentar o valor do prédio. O valor que releva é “o valor objetivo ou venal da coisa, também designado por valor comum ou real” e não o valor subjectivo que interessa apenas como benfeitoria voluptuária – Cf. Acórdão STJ de 22/3/2018.
Este valor deve ser medido por reporte à data da reclamação para entrega da coisa benfeitorizada. Ou seja, com a acção.
Pois bem provou-se que o valor comercial do “prédio rústico”, sem as construções, é de 336.600,00€.
Mercê das obras, o prédio, Pista ..., passaria a valer mais 2.155.200,00 € do que valia anteriormente se as construções estivessem licenciadas.
Ora, a falta de licenciamento das construções (não há licença de construção nem de utilização) não permite concluir que o prédio ficou valorizado.
Decidiu o Acórdão do STJ de 5/7/2012 que “estando em causa um loteamento ilegal e construções clandestinas, realizadas no lote fisicamente delimitado, com violação manifesta das regras urbanísticas, se o interessado não alegar e provar a expectativa razoável de uma legalização administrativa que previna os riscos de demolição coerciva não podem qualificar-se tais construções como benfeitorias úteis, nem invocar-se que o respectivo valor enriquece injustificadamente o conjunto dos consortes reivindicantes do prédio comum.”
Na verdade, estamos diante de construções clandestinas. Não legalizadas. Desconhece-se se podem sê-lo. Caberia aos réus/reconvintes prová-lo (art. 342º, 1, CC).
Segue-se que não é possível concluir que o prédio aumentou de valor com as obras.
Mesmo que assim não fosse,
6ª questão - se por elas os réus têm algum crédito sobre a autora;
Há que considerar que a determinação do valor indemnizatório, é feita segundo as regras do enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 479º, 1, ex vi art. 1273º, 2, CC.
Dispõe o art. 479º:
“1. A obrigação de restituir fundada no enriquecimento causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
2. A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte.
Explica o citado Acórdão do STJ de 22/3/2018 que:
“a medida de restituição deve ser estabelecida na base de dois limites: o custo da benfeitoria, correspondente ao empobrecimento de quem a suportou e o enriquecimento do titular da coisa benfeitorizada, correspondente à valorização incorporada. Tal não significa que a medida de enriquecimento não possa equivaler ao custo das benfeitorias; mas pode ser inferior, nunca podendo ser superior a esse custo.”
Pois bem, pese embora se tivesse provado qual o custo das construções a preços actuais ficou por provar que elas foram feitas a expensas dos réus/reconvintes.
Logo, mesmo que se provasse que as construções importaram aumento do valor venal do prédio, logo, um enriquecimento da autora, não se provou que tal sucedeu à custa dos réus/reconvintes».
Concentram os RR. nas suas conclusões[7] do recurso da decisão final o desagrado pelo facto do Tribunal a quo alegadamente se ter demitido de apurar, com recurso a meios de prova complementar, o efectivo valor das benfeitorias realizadas no prédio reivindicado, considerando que se violou o disposto no art..411.º do CPC e, nessa medida, entendendo a omissão referida como uma irregularidade que, afectando o exame e a decisão a causa, consubstancia nulidade nos termos do art.195.º, nº1 do CPC.
A base do fundamento dos RR. assenta na circunstância de, em sede de esclarecimentos do perito avaliador EE, ter afirmado que chegou ao valor das obras realizadas no prédio reivindicado sem considerar que as mesmas não estavam licenciadas, que se tivesse tido em consideração a ausência de licenciamento das construções, seria necessário apurar, novamente, o valor das mais-valias.
Referem os RR. no seu recurso que (…) o valor apurado no Relatório Pericial, pelo Ilustre Perito, o Arquiteto EE, não contempla a ausência de licenciamento das construções, de modo que, para tanto, sempre seria necessária realização de uma nova perícia em que, primeiro, ter-se-ia que apurar o que era ou não passível de ser licenciado e, em seguida, subtrair o custo deste licenciamento ao valor anteriormente fixado.
Na mesmo linha de raciocínio laboram os RR. em relação a diligência com vista a saber se as obras são licenciáveis, outrossim quanto a diligências tendentes ao apuramento de quem é o dono das obras.
Já a A., na economia do que em rigor se pode retirar da sua pretensão, insurge-se, além do mais, por via de recurso autónomo, do facto de também não ter o Tribunal a quo aderido à sua pretensão de realizar nova perícia[8] e por entender que surgiu apendiculada à instrução em sede de julgamento um dado[9] que, na sua perspectiva, inquina a perícia/avaliação que chegou ao valor[10] que atrás se fez referência.
Resulta deste preceito que cabe recurso autónomo das decisões que indefiram algum meio de prova.
Por ser assim, interpôs a A. o recurso atrás referenciado que materializa o apenso, nele pugnando pela nulidade da decisão que indeferiu os meios de prova que queria operacionalizados, e fê-lo sob pena da questão não puder ser ulteriormente suscitada.[11]
Esse é um caminho, acautelado.
Já no concernente ao recurso interposto da decisão final pelos RR., tendo por objecto, além do mais, a referida nulidade por omissão, o local próprio surge por via do recurso da decisão final e nele.
É esse o local próprio porque se considerar que se está perante uma nulidade abrangida pelo art.195.º, nº1 do CPC e por só com a decisão final se revelar a imputada nulidade e acobertada por ela.
Refere o Professor Alberto dos Reis[12], chamado à colação pelo acórdão do STJ de 22.02.2017[13], que “se a nulidade é consequência de decisão judicial, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infração de disposição da lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos e não por meio de arguição de nulidade do processo” (..), na mesma linha argumentativa afirmando Artur Anselmo e Castro[14], também citado no referido acórdão, que “Tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está, ainda que indireta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há despacho que pressuponha o ato viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respetivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se.»
Em face disto, a existir nulidade reconduzível ao art.195.º, n.º1 do CPC, coberta que esteja pela decisão, concluir-se-á com aquele acórdão do STJ afirmando-se que «ainda que não se configure como uma das nulidades previstas no art.º 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil», a existir a invocada, «acaba por inquinar» a decisão «ferindo-a de nulidade»[15], logo é no recurso que a mesma deve ser invocada.
Temos para nós, no entanto, que a via, nomeadamente quanto às nulidades invocadas pelos RR, com mais rigor, será outro.
Estaremos, pois, perante uma omissão naquilo que se deveria ter feito, ou seja, promover a produção de prova complementar[16].
Sendo uma omissão importa saber se corresponde a nulidade secundária a que alude o art. 195.º, nº1 do CPC, ou nulidade da própria decisão por omissão de pronúncia – art.615.º, n.º1, al.d) do CPC.
“O que é uma nulidade processual?
1. Tem-se vindo a observar que o conceito de nulidade processual tem originado algumas confusões. Importa procurar desfazer estas confusões (o que, aliás, nem sequer é difícil).
2. Todo o processo comporta um procedimento, ou seja, um conjunto de actos do tribunal e das partes. Cada um destes actos pode ser visto por duas ópticas distintas:
- Como trâmite, isto é, como acto pertencente a uma tramitação processual;
- Como acto do tribunal ou da parte, ou seja, como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte.
No acto perspectivado como trâmite, considera-se não só a pertença do acto a uma certa tramitação processual, como o momento em que o acto deve ou pode ser praticado nesta tramitação. Em contrapartida, no acto perspectivado como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte, o que se considera é o conteúdo que o acto tem de ter ou não pode ter.
3. Do disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC decorre que se verifica uma nulidade processual quando seja praticado um acto não previsto na tramitação legal ou judicialmente definida ou quando seja omitido um acto que é imposto por essa tramitação.
Isto demonstra que a nulidade processual se refere ao acto como trâmite, e não ao acto como expressão da decisão do tribunal ou da posição da parte. O acto até pode ter um conteúdo totalmente legal, mas se for praticado pelo tribunal ou pela parte numa tramitação que o não comporta ou fora do momento fixado nesta tramitação, o tribunal ou a parte comete uma nulidade processual.
Em suma: a nulidade processual tem a ver com o acto como trâmite de uma tramitação processual, não com o conteúdo do acto praticado pelo tribunal ou pela parte.
É, aliás, fácil comprovar, em função do direito positivo, o que acaba de se afirmar:
- A única nulidade processual nominada que decorre do conteúdo do acto é a ineptidão da petição inicial (cf. art. 186.º); …;
- As nulidades da sentença e dos acórdãos decorrem do conteúdo destes actos do tribunal, dado que estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podem ter (cf. art. 615.º, 666.º, n.º 1, e 685.º CPC); também não é por acaso que estas nulidades não são reconduzidas às nulidades processuais reguladas nos art. 186.º a 202.º CPC.
4. Em conclusão:
- Só há nulidade processual quando o vício respeita ao acto como trâmite, não ao acto como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte;
- Em especial, não é correcto reconduzir qualquer vício relativo ao conteúdo de um acto processual do tribunal ou da parte ao disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC.”[17]
Será igualmente de equacionar, apurado que está o valor das obras como se licenciadas estivessem, não se sabendo se efectivamente o poderiam ser, uma ampliação da matéria de facto nos termos do art.662.º, nº1 al.c), parte final do CPC, assim se impondo diligências no sentido de decidir essa questão?
Sabemos que a filosofia do novo CPC rompe em definitivo com a abordagem clássica do princípio do dispositivo a que a prática, ao abrigo do anterior código, ainda fazia caminho.
É hoje pacífico o exigido papel activo do Juiz, quer na procura da verdade quanto aos factos que tem de conhecer, quer na procura da verdade material por via de imposta obrigação legal de considerar factos que, não alegados, surjam apendiculadas da instrução dos autos e tenham a natureza de factos instrumentais ou a natureza de factos complementares ou concretizadores na relação com os factos essências nucleares alegados – Cfr. art.411.º e art.5.º do CPC.
«O CPC de 2013 acentuou a tendência para o reforço dos poderes do juiz e da sua compreensão como deveres, com a correlativa compressão do princípio do dispositivo (em sentido amplo) e os inerentes riscos no plano das garantias processuais fundamentais do cidadão perante o uso ou não uso de tais poderes/deveres… (…). O CPC de 2013 acentuou o carácter público da função jurisdicional civil, enquanto função estadual ao serviço da justa composição de litígios de acordo com a verdade material. Com efeito, a descoberta da verdade material envolve um alto interesse do Estado e assim se promove a confiança na justiça dos tribunais. O poder de livre disposição reconhecido à vontade individual mantém-se na fase do impulso inicial e de identificação do objecto do processo; porém, a partir do momento em que as partes submetem o litígio ao tribunal todo o decurso do processo passa a ser dominado quase exclusivamente pela ideia de que a função jurisdicional deve observar as exigências da justa composição do litigio e esta é uma incumbência do juiz, não está dependente da vontade das partes ….»[18]
(…)
«Esta prevalência da verdade material sobre a forma é a razão de ser da opção feita pelo legislador pela consagração do princípio do inquisitório em matéria da instrução do processo em detrimento (“com forte compressão”) do princípio do dispositivo - é significativo disso mesmo a expressão sistemática da inserção do artigo 411.º do Código de Processo Civil, logo nas disposições gerais do Título V, Instrução do processo, na actual redacção.
Como referem A. Geraldes/ P. Pimenta/Luís Sousa, o artigo 411º do CPC faz apelo à realização de diligências probatórias que importem a justa composição do litígio, cumprindo ao juiz exercitar a inquisitoriedade, preservando o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objectividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade.»
(..)
«A definição do dever funcional do juiz emergente da norma processual convocada, como “poder-dever” subordinado ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, vigora apenas com os limites que se sintetizam no acórdão da RG de 14.05.2020 (relator: Alcides Rodrigues - citando Nuno Lemos Jorge): «I- O uso de poderes instrutórios está sujeito aos seguintes requisitos: i) a admissibilidade do meio de prova; ii) a sua manifestação em momento processualmente desadequado; iii) a necessidade da diligência ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio; e iv) a prova a produzir incidir sobre factos que é lícito ao juiz conhecer»
Convoquemos o que de factual emerge dos autos com vista a, na relação pendular com o direito, se extrair a competente decisão quanto à legalidade da omissão do Tribunal a quo ao não actuar no sentido de procurar saber qual o valor efectivo das obras, na medida que não são legais, outrossim no sentido de procurar saber se o valor apurado está em consonância com a realidade por as mesmas serem legalizáveis.
São estes os dados:
- da contestação - do pedido reconvencional dos RR
l) condenar a A. reconvinda a pagar aos RR uma quantia não inferior a 2.155.200,00 € decorrente de todas as benfeitorias úteis efectuadas por estes no prédio rústico (..) ou na quantia que vier a ser fixada no relatório pericial desde que superior aquela.
- da perícia / avaliação
32. A totalidade dos trabalhos, obras, construções, edificações e afins, indicados nos pontos anteriores, criaram um exponencial aumento do valor locativo do prédio em relação ao seu estado original? Resposta do perito:
Sim.
33. Qual é esse valor? Resposta do perito: O valor é de 2.587.824,71€
41. O prédio, mercê das benfeitorias indicadas nos pontos anteriores, aumentou o seu valor venal ou de mercado em valor superior a 2.155.200,00 €?
Resposta do perito: Sim
- da sentença
Factos provados
(…)
Da contestação/reconvenção
(….)
34 - Para adaptarem o “prédio rústico” aos fins pretendidos, construção da pista para automóveis, motos e outros veículos e seus acessórios, levaram nele a efeito obras no prédio, as quais se iniciaram em data não apurada ainda nos anos 90.
35 - Tais obras consistiram, essencialmente, em limpeza, terraplanagens, pré-preenchimento do “prédio rústico” com mais de 30.000 m3 de terras para elevação e nivelamento do terreno, construção da pista e seus acessos, pavimentação asfáltica, obras de construção civil, exploração de águas para autoabastecimento do complexo, arranjos exteriores, criação e instalação das redes gerais de energia elétrica, água, drenagem, esgotos e outras estruturas de apoio.
36 - Os trabalhos de limpeza, desmatação, arrumação de terras a preços actuais custariam 57.900,00€.
37 - Os trabalhos de espalhamento do saibro, sua compactação, nivelamento do terreno, formação das múltiplas plataformas para construção dos vários corredores de circulação, normais e especiais, da pista, bem como das áreas de estacionamento e de apoio, que, a montante, implicaram o fornecimento de 140.000 m3 de saibro, sua carga no estaleiro, serviços de transporte para o “prédio rústico”, sua descarga e espalhamento, que implicou o recurso a camiões e maquinaria pesada custariam a preços actuais 1.335.600,00€.
38 - O fornecimento e aplicação do “tout venant” de granulometria extensa usado na construção da pista, das áreas de apoio adjacentes e seus acessos, com 30 cm de espessura, dispostas em duas camadas de 15 cm cada, respetiva compactação e rega, de modo a ficar pronto a receber o tapete betuminoso asfáltico, numa área intervencionada de 30.000 m2, a preços actuais, custaria 985.000,00€.
39 - O fornecimento do material asfáltico usado na pavimentação das pistas, das áreas de estacionamento e de apoio adjacentes à pista, numa área de 30.000 m2, e aplicação do tapete betuminoso asfáltico, com 12 cm de espessura total, formado por 2 (duas) camadas, uma, de regularização, com 7 cm, e a outra, de acabamento e desgaste, com 5 cm, custaria, a preços actuais, 861.000,00€
40 - Todo o circuito, constituído por pista de “autocross”, respetivas escapatórias (boxes, na gíria), e respetivos acessos, corredores internos e zonas circundantes, está dotado de muros separadores de vias em betão, rails metálicos e outro equipamento específico de apoio à segurança e à prática da formação de condução avançada automóvel aí desenvolvida, bem como de sistema integrado de iluminação elétrica em todo o circuito, custaria a preços actuais 34.900,00€.
41 - À entrada e nas zonas laterais envolventes à pista, há construções em pré-fabricados, assentes em plataforma de betão, tudo para apoio ao circuito da pista, constituindo módulos diferenciados, um dos quais, afeto a portaria, com a área de 36 m2, para controlo das entradas e saídas no recinto da pista, outro módulo, com a área de 72 m2, destinado a sala de formação técnica, mais 2 (dois) outros, na zona central, com 73,6 m2 cada um, e, ainda, 3 (três) outros, com a área de 46,8 m2 cada um deles, destinados ora a controle de obstáculos, ora a armazéns, arrumos ou estruturas de apoio às pistas, bem como um outro, com a área de 10,4 m2, destinado a w.c, cujo custo, a preços atuais, seria de 48.783,60€,
42 - Na parte central do topo Norte do circuito da pista, os Reconvintes construíram, de raiz, um edifício, assente em plataforma de betão com estrutura mista de betão armado e metálica, destinado às áreas administrativas, de formação, de refeições e instalações sanitárias, constituído por cave, rés-do-chão e andares, num total de 4 (quatro) pisos.
43 - O piso 1 (um) do dito edifício central, correspondente à cave, com a área total de 115 m2 e pé direito com cerca de 3 metros, dispõe de uma área destinada a arrumos, com 70 m2, de instalações sanitárias, com 15 m2, e de uma área destinada a parqueamento, coberto com 30 m2, sendo as paredes e tetos em reboco pintado, os pavimentos em mosaico hidráulico e as instalações sanitárias estão revestidas com material cerâmico.
44 - O piso 2 (dois) do mesmo edifício central, correspondente ao rés-do-chão, com a área total de 322 m2 e pé direito com cerca de 3 metros, dispõe de hall de entrada, cozinha, copa e despensa, com 30 m2, de instalações sanitárias, com 25 m2, e, ainda, de salas de formação, zona de convívio e de refeições, com a área total de 267 m2, sendo a caixilharia em alumínio e ferro, os tetos rebocados e pintados e os pavimentos da área de formação e convívio em micro cubos de granito e os restantes pavimentos em material cerâmico
45 - O piso 3 (três), correspondente ao 1.º andar, com a área total de 282 m2 e pé direito com cerca de 3 metros, compõe-se de uma parte coberta, destinada a área administrativa, sala de reuniões e instalações sanitárias, estas com a área de 63,5 m2, e, bem assim, de um terraço envolvente descoberto, com a área de 184,50 m2, destinada a terraço panorâmico e visualização da pista, na qual se situam, também, as escadas de acesso, esta com a área de 34 m2.
46 - O piso 4 (quatro), atualmente correspondente ao último piso, com área total de cerca de 430 m2, dispõe de cobertura em chapa isotérmica térmica, assente em estrutura metálica, e atualmente, dispõe de uma esplanada pavimentada a cubos de granito, e está todo fechado e foi adaptado a área administrativa.
47 - O custo do edifício central, a preços atuais, seria de 204.251,24 €.
48 - A Pista ... dispõe, no topo sul-poente e traseiras do edifício principal, de um heliporto, com duas pistas de aterragem, de apoio ao complexo, também utilizado, na época dos fogos, pelos meios aéreos afetos ao combate aos incêndios, heliporto que está localizado na pista.
49 - E está dotada de dois furos artesianos, um dos quais com 136 metros e o outro com 69 metros de profundidade, um deles com electrobomba, cujo custo a preços atuais, semelhantes aos da década de 90, é de 5.680,00€ + 3.747,50€ = 9.427,50€.
50 - O circuito de formação dispõe ainda de uma zona com pavimento escorregadio em betão cujo custo, a preços atuais, seria de 24.117,120 €.
51 - Dispõe a Pista ... de um outro troço de pista especial com obstáculos, para treinos de travagens, dotado de um sistema de rega, cujo preço total, com equipamentos e aplicação, a preços atuais, seria de quantitativo não inferior a 68.583,06 €.
52 - Os Reconvintes alargaram o caminho que servia o “prédio rústico”, transformando-o numa via de acesso automóvel, com a largura de 7 (sete) metros, pavimentada a alcatrão, e delimitada, com guias de proteção de um lado, desde a Rua ... (EN ...) até à portaria e barreira de proteção da entrada no recinto da pista, numa extensão de cerca de 350 m2, cujo custo, a preços atuais, seria de 35.840,00 €.
55 - Mercê das ditas obras, o prédio, Pista ..., passaria a valer mais 2.155.200,00 € do que valia anteriormente se as construções estivessem licenciadas.
56 - O valor comercial do “prédio rústico” sem as construções é de 336.600,00€
(…)
Da réplica
60 - As obras foram realizadas sem licença de construção.
61 - Não existe licença de utilização das construções realizadas no prédio.
(….)
Da contestação/reconvenção
8 - Os Reconvintes pagaram os as construções e trabalhos realizados no prédio.
(...)
17 - CC sempre concordou com as obras.
(..)
22 - As obras que os Réus efectuaram nunca foram autorizadas pelos anteriores proprietários.
(…)
Análise da prova
(…)
O que foi construído no imóvel e respectivo custo a preços actuais é demonstrado pelos relatórios das três perícias.
A realizada pelo topógrafo KK: de onde se conclui, além do mais, que as construções pré-fabricadas e tipo contentor são removíveis.
A de LL que respeita aos furos de captação de água.
E a do arquitecto EE que verificou as diversas construções fez respectiva avaliação. Em esclarecimentos prestados na audiência, este perito disse que não levou em consideração o facto de inexistir licença de utilização[19]. Se o tivesse considerado, teria que se apurar que era ou não licenciável e subtrair o custo do licenciamento.
Daí se provar que as construções trariam ao prédio um valor acrescido de 2.155.200,00 € se estivessem licenciadas.
Licenças que inexistem, seja de construção seja de utilização, conforme informou a Câmara Municipal ... pelos ofícios entrados a 20/3/2019 e de 5/6/2019.
Nenhuma das perícias foi posta em causa. O tribunal não vê motivos para o fazer. Pelo que teve em consideração as conclusões dos peritos.
(…)
O Direito
(…)
Nele realizaram obras consistentes, essencialmente, em limpeza, terraplanagens, pré-preenchimento do “prédio rústico” com mais de 30.000 m3 de terras para elevação e nivelamento do terreno, construção da pista e seus acessos, pavimentação asfáltica, obras de construção civil, exploração de águas para autoabastecimento do complexo, arranjos exteriores, criação e instalação das redes gerais de energia elétrica, água, drenagem, esgotos e outras estruturas de apoio.
Destaque-se:
- o asfaltamento das pistas, das áreas de estacionamento e de apoio adjacentes à pista;
- muros separadores de vias em betão, rails metálicos;
- sistema integrado de iluminação elétrica em todo o circuito;
- construções em pré-fabricados, assentes em plataforma de betão, tudo para apoio ao circuito da pista;
- um edifício, assente em plataforma de betão com estrutura mista de betão armado e metálica, destinado às áreas administrativas, de formação, de refeições e instalações sanitárias, constituído por cave, rés-do-chão e andares, num total de 4 (quatro) pisos;
- dois furos artesianos;
- zona com pavimento escorregadio em betão;
- troço de pista especial com obstáculos, para treinos de travagens, dotado de um sistema de rega;
- alargamento do caminho que servia o “prédio rústico”, transformando-o numa via de acesso automóvel.
Não estamos perante benfeitorias necessárias. As construções nada interessam para a conservação do prédio rústico entregue aos réus: um prédio com mato e árvores.
Serão benfeitorias úteis? A serem-no concederão aos réus um direito de crédito relativamente àquelas que não podem ser levantadas sem detrimento da coisa.
Tenha-se em conta que o detrimento respeita à coisa benfeitorizada e não à benfeitoria – cf. Acórdão do STJ de 22/3/2018.
Logo, se a benfeitoria puder ser levantada mesmo com o seu detrimento, mas sem causar dano à coisa benfeitorizada, o benfeitor não terá qualquer crédito por elas.
(…)
Mercê das obras, o prédio, Pista ..., passaria a valer mais 2.155.200,00 € do que valia anteriormente se as construções estivessem licenciadas.
Ora, a falta de licenciamento das construções (não há licença de construção nem de utilização) não permite concluir que o prédio ficou valorizado.
Decidiu o Acórdão do STJ de 5/7/2012 que “estando em causa um loteamento ilegal e construções clandestinas, realizadas no lote fisicamente delimitado, com violação manifesta das regras urbanísticas, se o interessado não alegar e provar a expectativa razoável de uma legalização administrativa que previna os riscos de demolição coerciva não podem qualificar-se tais construções como benfeitorias úteis, nem invocar-se que o respectivo valor enriquece injustificadamente o conjunto dos consortes reivindicantes do prédio comum.”
Na verdade, estamos diante de construções clandestinas. Não legalizadas. Desconhece-se se podem sê-lo. Caberia aos réus/reconvintes prová-lo (art. 342º, 1, CC).
Segue-se que não é possível concluir que o prédio aumentou de valor com as obras.
Mesmo que assim não fosse,
6ª questão - se por elas os réus têm algum crédito sobre a autora;
Há que considerar que a determinação do valor indemnizatório, é feita segundo as regras do enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 479º, 1, ex vi art. 1273º, 2, CC.
Dispõe o art. 479º:
“1. A obrigação de restituir fundada no enriquecimento causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
2. A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte.
Explica o citado Acórdão do STJ de 22/3/2018 que:
“a medida de restituição deve ser estabelecida na base de dois limites: o custo da benfeitoria, correspondente ao empobrecimento de quem a suportou e o enriquecimento do titular da coisa benfeitorizada, correspondente à valorização incorporada. Tal não significa que a medida de enriquecimento não possa equivaler ao custo das benfeitorias; mas pode ser inferior, nunca podendo ser superior a esse custo.”
Pois bem, pese embora se tivesse provado qual o custo das construções a preços actuais ficou por provar que elas foram feitas a expensas dos réus/reconvintes.
Logo, mesmo que se provasse que as construções importaram aumento do valor venal do prédio, logo, um enriquecimento da autora, não se provou que tal sucedeu à custa dos réus/reconvintes».
No segmento em que exterioriza o percurso para concluir que o valor das obras cujo pagamento é reclamado pelos RR. por as considerarem benfeitorias úteis o tribunal a quo estrutura a sua decisão, num primeiro momento, afirmando que «o que foi construído no imóvel e respectivo custo a preços actuais é demonstrado pelos relatórios das três perícias. A realizada pelo topógrafo KK: de onde se conclui, além do mais, que as construções pré-fabricadas e tipo contentor são removíveis. A de LL que respeita aos furos de captação de água. E a do arquitecto EE que verificou as diversas construções fez respectiva avaliação. Em esclarecimentos prestados na audiência, este perito disse que não levou em consideração o facto de inexistir licença de utilização. Se o tivesse considerado, teria que se apurar que era ou não licenciável e subtrair o custo do licenciamento».
Num segundo momento, sem que se perceba a razão que o leva a afirmá-lo, porque existia um valor concreto apurado (2.587.824,71€), conclui que se prova «que as construções trariam ao prédio um valor acrescido de 2.155.200,00 € se estivessem licenciadas.»
De valor superior a este, mas qual?
Bem se «topa» por este raciocínio no percurso que se pretende logicamente empreendido com vista a justificar-se uma dada conclusão quanto à prova dum facto (art.607.º, nº4 do CPC), a dificuldade do Tribunal a quo.
O Tribunal dispunha suporte para afirmar que o valor das obras era de 2.587.824,71€ e não o fez, ficando pelo valor que supunha (pelo menos assim parece) satisfazer a pretensão dos RR. em face da primeira parte do pedido reconvencional L), olvidando-se a segunda parte.
Sem ajuizar do mérito da decisão que nega aos RR. o direito ao pagamento das benfeitorias[20], questiona-se o seguinte: se nenhum óbice existisse que fundasse a pretensão dos RR. (indemnização pelas benfeitorias), que valor arbitraria o Tribunal? Teria suporte para arbitrar um valor concreto?
A resposta seria, inequivocamente, não.
E não porque a avaliação ficou aquém daquilo que o mérito da causa e a boa decisão da mesma impõem, tudo porque não foi considerado nela que as obras não estão licenciadas, de resto facto alegado na réplica no art.58.º.
Impunha-se, pois, ao Tribunal, ainda que depois de encerrada a audiência, nesse caso reabrindo-a conforme o disposto no art.607.º, nº1 do CPC[21], diligenciasse no sentido de obter nova perícia/avaliação[22] que o habilitasse a assentar o valor das obras em face da sua situação de não licenciadas[23]/[24].
Mais, e porque havia suporte factual a trazer para julgamento nos termos do art.5.º, n.º2 al.b) do CPC para o efeito e uma vez que isso surgiu dos esclarecimentos do senhor perito, impunha-se, igualmente, apurar junto das entidades competentes se as obras em causa são licenciáveis[25].
Na nossa óptica o Tribunal a quo devia ter promovido oficiosamente[26], como o impõe o art. 411.º[27] e o art.487.º, nº2[28], ambos do CPC, as referidas diligências em vista ao apuramento da verdade e a justa composição do litígio[29].
Com a realização destas diligências, à primeira vista, ficará o tribunal com melhor suporte probatório para decidir quanto ao valor das alegadas benfeitorias.
Obviamente que com aquela nova diligência pericial se acautelará a pretensão da A., e por forma a que a perícia seja efectivamente feita no que existente está no seu prédio, ocupado pelos RR, assim se esvaziando de utilidade a diligência autónoma por si pugnada (questão d): uma nova perícia com vista a apurar qual a área sobre a qual incidiu a primeira, e por ter surgido apendiculada à instrução informação de que parte desta teve por objecto obras realizadas em prédio contíguo dos RR.
Fica também prejudicada com esta nova perícia, pela sua natureza técnica e superlativa mais valia face a qualquer elemento trazido por testemunha, a também pretensão da A (questão e): audição de testemunha que se considera essencial por dela puderem surgir dados que abonam no sentido dos valores das benfeitorias ser inferior ao apurado sem sede de perícia.
Sobeja uma última questão trazida pelos RR. (questão c) - nulidade por violação do disposto no art.411.º do CPC por se ter omitido diligências tendentes ao apuramento da titularidade do direito de propriedade sobre as obras.
Já deixamos em nota de roda pé o sentido evolutivo da doutrina quanto a questão em apreço no reflexo que tem no quadro do instituto do enriquecimento sem causa.
Dizer também que, verdadeiramente relevante não é saber quem suportou o custo das obras, sendo de facto isto que se discute. Relevante será saber quem é dono delas, a quem pertencem.
Dizer também que, apesar da natureza do actual processo civil, digamos, mais inquisitório, não se postergou o dispositivo e o encargo probatório que cabe às partes.
Em face do exposto, nesta parte não se detecta qualquer falha do tribunal a quo.
Em conclusão, ao proferir a SENTENÇA sem que o JULGADOR, e quanto tal se justificava/impunha, lançasse mão da faculdade a qua alude o art. 607.º, n.º1, in fine, do CPC, e com vista ao cumprimento do que atrás se referiu (nova perícia / diligências com vista a saber da se as obras são legalizáveis, trazendo esse facto para julgamento), o tribunal a quo incorreu na omissão de um acto obrigatório suscetível de influir no exame e na decisão da causa, mas, porque logo de imediato profere SENTENÇA – após a omissão de um acto obrigatório -, é esta última NULA, por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º1, al. d)), dado que conhece de matéria de que, nas circunstâncias em que o faz, não podia conhecer.
Padecendo portanto a sentença proferida e impugnada de nulidade na modalidade de excesso de pronúncia (art. 615.º, nº1, al. d), do CPC), inevitável é, portanto, a procedência parcial da apelação dos RR. quanto às nulidades suscitadas (questões a) e b)), igualmente do recurso da A. (questão d), impondo-se a anulação da sentença e a reabertura da audiência, com vista a:
(a)
- notificar a entidade competente com vista a aferir se as obras feitas no prédio reivindicado são legalizáveis;
(b)
- após, (1) determinar a realização de nova perícia que avalie o valor das obras, (2) que se centre exclusivamente nas feitas no prédio da A[30], e (3) considere a natureza legalizável ou não das mesmas;
(c)
- trazer a julgamento e à decisão a natureza legalizável ou não da obra.
Concluídas as diligências, feitas alegações complementares, deve proferir-se nova decisão que releve toda a prova até então produzida.
IV.
Pelo exposto, acorda este TRIBUNAL da RELAÇÃO do PORTO em
- anular a sentença recorrida;
- determinar-se que se proceda em respeito ao que se definiu na parte final da motivação desta decisão.
Custas a fixar a final.
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Porto, 6/3/2025
Carlos Cunha Rodrigues Carvalho
Ana Vieira
Aristides Rodrigues de Almeida [Vencido, nos termos da declaração que segue abaixo:
Voto vencido.
Com o devido respeito pela posição que fez vencimento, teria decidido de modo diferente.
Os dois recursos instaurados têm por objecto decisões diferentes e possuem regimes distintos, pelo que, não obstante a apensação determinada, teria conhecido de ambos de modo autónomo e sequencial, conhecendo em primeiro lugar do recurso da decisão interlocutória na medida em que este é prejudicial do conhecimento do recurso da sentença.
Conhecendo o recurso da decisão interlocutória teria julgado parcialmente procedente o recurso, revogando a decisão na parte em que não deferiu a realização da segunda perícia e ordenando a sua realização por ser manifesta a insuficiência da perícia realizada.
Na oportunidade, vendo que a perícia é igualmente insuficiente quanto ao aspecto, essencial ao conhecimento do mérito da acção, de saber se as obras implantadas são susceptíveis de serem licenciadas ou não e do respectivo valor em ambas as hipóteses, teria determinado, no exercício dos poderes/deveres oficiosos do juiz no tocante à produção de meios de prova, a ampliação do seu objecto a essa questão.
Assim decidindo, teria depois julgado extinta a instância do recurso da sentença por inutilidade superveniente da lide, em virtude da anulação dos actos processuais subsequentes à decisão interlocutória parcialmente revogada, onde se inclui a prolação de sentença.
Discordo igualmente do entendimento de que, no caso, tendo o juiz a quo apreciado o requerimento para produção de mais meios de prova e decidido que estes não eram necessários, se possa entender que a sentença depois proferida enferma de nulidade por excesso de pronúncia com o argumento de que como o tribunal ad quem considera esses meios de prova necessários então o tribunal a quo não podia ainda ou nessas circunstâncias conhecer de mérito.
A divergência sobre a necessidade da prática de outro acto que a ter lugar antecederia o conhecimento do mérito traduz uma divergência sobre o julgamento daquela necessidade, e conduz à revogação da decisão da 1.ª instância, com a subsequente necessidade de repetição dos actos processuais subsequentes (ou ao recurso ao mecanismo do artigo 662.º do Código de Processo Civil), não conduz à nulidade das decisões posteriormente proferidas.
O excesso de pronúncia tem lugar quando se conhece de questões de que não se pode conhecer, não quando se conhece de questões de que se deve conhecer; a nulidade existe ou não existe, não existe apenas por o tribunal de recurso entender diferentemente do tribunal a quo que se devia ter realizado outro acto antes do conhecimento do mérito.]
______________
[1] Cfr. última parte do despacho proferido no dia 12.12.24 no processo 353/18.4T8PVZ.P1-A.P1: «Entretanto aguardam estes autos o trânsito em julgado que vier a ocorrer do citado despacho, sendo que a decisão que se impõe nestes autos será incluída na decisão que vier a ser proferida no processo 353/18.4T8PVZ.P, assim se ajustando a tramitação por forma a que tudo se tramite no processo principal – artº6º nº1, parte final, do CPC.»
[2] Cuja intervenção não se pediu, facto relevado no saneador para se considerar como não deduzido pelos RR. qualquer incidente de intervenção de terceiros.
[3] Decisões que, objecto de recurso (apenso A e B), foram confirmadas.
[4] Objecto do Litígio: a) Do direito da autora a obter a condenação dos réus no reconhecimento do direito de propriedade de que se arroga titular sobre o prédio rústico denominado “... e ... ou ...”, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... e actualmente descrito na CRP de Vila do Conde sob o n.º ... da freguesia ...; b) Do direito da autora a obter a condenação dos réus no reconhecimento de que ocupam esse prédio sem título e de má-fé; c) Do direito da autora a obter a condenação dos réus a entregarem-lhe o prédio livre de pessoas e bens, no mesmo estado de conservação em que o encontraram; d) Do direito da autora a obter a condenação dos réus no pagamento, atenta a ocupação indevida do prédio desde Junho de 2005 até 23.02.2018, de uma indemnização de quantia não inferior a 92.930,95 €; e) Do direito da autora a obter a condenação dos réus no pagamento, atenta a ocupação indevida do prédio desde 24.02.2018 e até efectiva entrega do mesmo livre de pessoas e bens, de uma indemnização calculada sobre o actual valor locativo do prédio, 8.018,56 €/ano, acrescido das respectivas actualizações legais anuais; f) Do direito da autora a obter a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização por danos morais, de valor não inferior a 5.000,00 €; g) Sem prescindir, do direito da autora a obter a condenação dos réus no pagamento das quantias referidas em d), e) e f) com fundamento no disposto no artigo 1045 do CC; h) Sem prescindir, do direito da autora a obter a condenação dos réus no pagamento das quantias referidas em d), e) e f) com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa; i) Do direito da autora a obter a condenação dos réus no pagamento de juros de mora calculados à taxa legal em vigor sobre a data de vencimento das prestações mensais em dívida, devidas pelo uso do imóvel; j) Do direito da autora a obter a condenação dos réus no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de montante não inferior a 150,00 €/dia, pela não entrega do prédio, desde a citação até à sua entrega à autora. * l) Da prescrição do direito de indemnização da autora relativamente ao período anterior a 01.03.2015; m) Do direito dos réus a verem reconhecido que lhes assiste direito de retenção sobre o prédio identificado em a) em virtude de direito de crédito decorrente da realização de benfeitorias por eles realizadas no prédio; n) Da falsidade dos documentos juntos pela autora com a petição sob os números 2, 3, 4 e 10; o) Do direito dos réus a obterem a condenação da autora no pagamento de quantia não inferior a 2.155.200,00 €, decorrente da realização, no prédio identificado em a), de benfeitorias úteis; p) Do levantamento da personalidade jurídica da autora, por forma a permitir que o património pessoal dos seus sócios responda pelo pagamento do valor identificado em o); q) Da litigância de má fé por parte da autora; r) Da litigância de má fé por parte dos réus.
[5] Temas da Prova: 1. Objectivo com que a autora outorgou a escritura pública de 23.09.2015, relativa ao prédio denominado “..., ... e ... ou ...”, descrito na CRP de Vila do Conde sob o n.º ..., .... Interpelações dirigidas pela autora aos réus no sentido de estes procederem à desocupação e entrega do prédio identificado em 1.; 3. Prejuízos sofridos pelos anteriores proprietários desse prédio em consequência da ocupação do mesmo por parte dos réus; 4. Prejuízos sofridos pela autora em consequência da ocupação desse prédio por parte dos réus; 5. Valor locativo desse prédio; 6. Contrato de cessão de créditos celebrado entre os anteriores proprietários do prédio e a autora e pagamento do preço da cessão; 7. Natureza e composição do prédio descrito na CRP de Vila do Conde sob o n.º ... da freguesia ... e inscrito na matriz sob o artigo ...; 8. Não pagamento do preço que na escritura pública outorgada em 23.09.2015 CC, por si e em representação de FF, declarou já ter recebido; 9. Obras executadas pelos réus no prédio identificado em 1. e data em que foram executadas; 10. Valores pagos pelos réus pela execução dessas obras; 11. Autorização prévia, por parte de CC, para a realização dessas obras; 12. Acompanhamento da execução das obras por parte de CC; 13. Da existência de licença de utilização das edificações realizadas no prédio; 14. Valor do prédio identificado em 1. antes da execução das obras; 15. Objectivo visado com a constituição da sociedade autora e com a aquisição, pela mesma, do prédio identificado em 1. 16. Existência de processos executivos para pagamento de quantias devidas pelos réus e aqui reclamadas pelos autores e citação dos réus para os termos das mesmas; 17. Património detido pela autora.
[6] Cfr. a citação da doutrina a propósito no Ac. do STJ de 6.6.2018 proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1: (a) António Santos Abrantes Geraldes - [a]s conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do artigo 635º, n.º 3, do CPC. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo.” - in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª edição, Almedina, página 147. / (b) Fenando Amâncio Ferreira - “[n]o momento de elaborar as conclusões da alegação pode o recorrente confrontar-se com a impossibilidade de atacar algumas das decisões desfavoráveis. Tal verificar-se-á em dois casos; por preclusão ocorrida aquando da apresentação do requerimento de interposição do recurso, ou por preclusão derivada da omissão de referência no corpo da alegação. Se o recorrente, ao explanar os fundamentos da sua alegação, defender que determinada decisão deve ser revogada ou alterada, mas nas conclusões omitir a referência a essa decisão, o objeto do recurso deve considerar-se restringido ao que estiver incluído nas conclusões.” - in Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2000, página 108 / (c) José Augusto Pais do Amaral - “[o] recorrente que tenha restringido o âmbito do recurso no requerimento de interposição, pode ainda fazer maior restrição nas conclusões da alegação. Basta que não inclua nas conclusões da alegação do recurso alguma ou algumas questões, visto que o Tribunal ad quem só conhecerá das que constem dessas conclusões.” - Direito Processual Civil, 2013, 11ª edição, Almedina, páginas 417/418.
[7] Conclusões:
(…)
11.Porque a douta Sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, uma vez que o Tribunal a quo ao omitir a prática de atos que influenciaram na Decisão da causa e, por conseguinte, viola o disposto no artigo 411.º do CPC;
12.Porque o Tribunal a quo negligenciou o poder-dever ao qual estava adstrito, relativamente à determinação dos meios de prova necessários para a Descoberta da Verdade Material e Boa Decisão da Causa, respeitante ao apuramento do valor das obras no prédio, considerando que as construção não estão licenciadas, à possibilidade, ou não, de licenciamento das referidas construções, e, ainda, à titularidade do direito de propriedade sobre as mesmas.
[8] Pretende também a audição de DD, por CC ter afirmado que o R. propôs àquele a venda da pista pelo valor de 1 milhão de euros (confirma-se pela audição áudio um valor próximo disso: 1.000 pela pista mais 300 e tal pelo terreno).
[9] Confirmou-se com a audição do registo áudio que a testemunha CC asseverou que a avaliação foi feita em parte sobre obras existentes em terreno dos RR.
[10] Ponto 41 da perícia/avaliação.
[11] Cfr. Abrantes Geraldes, anotação ao artº660, Recursos no Novo CPC , 3º edição: «Quanto a outras decisões interlocutória previstas especificamente no artº644 nº2 do CPC a sua impugnação deve ser imediatamente accionada, sob pena de se formar caso julgado e, com isso, a sua definitividade que impede a posterior invocação de algum vício que as afete.»
[12] Código de Processo Civil anotado, Vol.V, reimpressão, Coimbra, 1984, pág. 424.
[13] Proc.5384/15.3T8GMR.G1.S1
[14] Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, pág.133.
[15] Cfr. ainda a propósito os Ac. citados por Lebre Freitas e Isabel Alexandre, a fls.739 ponto 6. V. II, do CPC anotado: «O primeiro dos acórdãos aplicou o número 4 do artigo em anotação (615 do CPC) - e não o artº199 – às sentenças que configurem decisão-surpresa e sejam nulas nos termos do artº195 nº1, por entender que revelando-se a nulidade em causa na sentença, é no recurso desta decisão que deve ser invocada a nulidade, não fazendo sentido a arguição de tal nulidade autonomamente perante o tribunal recorrido, quando o interessado tem de recorrer da sentença, sob pena de esta transitar em julgado, acrescentando que a sentença nula por violação do artº3-3 incorre em nulidade do nº1-d, por o juiz nela conhecer questão de que não pode, no momento em profere a decisão, conhecer.»
[16] (a) - nulidade por violação do disposto no artº411 do CPC, na relação com o disposto no artº487ºnº2 e 3 do mesmo diploma, por se ter preterido o recurso oficioso à uma segunda perícia que se mostrou essencial em sede audiência em face do conhecimento superveniente da insuficiência da primeira e por ter avaliado o valor das obras (benfeitorias) sem considerar que as mesmas não estavam licenciadas pela Câmara Municipal;
(b) - nulidade por violação do disposto no artº411 do CPC por se ter omitido diligência tendentes a saber-se se as obras são licenciáveis, com reflexo no valor das benfeitorias;
(c) - nulidade por violação do disposto no artº411 do CPC por se ter omitido diligências tendentes ao apuramento da titularidade do direito de propriedade sobre as obras.
[17] «Post» inserido por Teixeira de Sousa no dia 17 de Abril de 2018, no blogue do IPPC, e citado no Ac.da RC de 8.7.21, proc.5281/19.3T8VIS.C1.
[18] Cfr., pela sua exaustão, e quanto ao papel do juiz conforme se encontra agora configurado no actual CPC, o Ac. da Relação do Porto de 11.1.2021, proferido no processo nº 549/19.1T8PVZ-A.P1, neste excerto apoiado em citação de Rita Lobo Xavier/Inês Folhadela/Gonçalo Andrade e Castro, in “Elementos do direito processual civil - teoria geral; princípios; pressupostos”, págs. 144. V. e 152,
[19] Confirmou-se com audição do registo áudio.
[20] Notar que está impugnado, pretendendo-se a sua reversão, a decisão na parte de deu como não provado que as mesmas foram custeadas pelos RR.
Todavia, a propósito, da exigência de que o acréscimo patrimonial do «enriquecido» surja da esfera do «empobrecido», cita-se o Ac. do STJ de 3 de maio de 2019, Proc. 14/14.3T8CSC.L1.S1, remetendo-se para a sua consulta as citações doutrinarias que se fazem no aresto, tudo com vista a deixar evidente que a questão é debatida:
«(….) Independentemente das concepções doutrinais que pretendem explicar o instituto em referência, é possível afirmar que, tradicionalmente, o empobrecimento como requisito do enriquecimento sem causa é identificado com o conceito de diminuição patrimonial (dano em sentido próprio).
Nesta concepção, o enriquecimento de alguém era causal de uma desvantagem patrimonial de outrem, pelo que se impunha a demonstração da deslocação patrimonial, ou seja, a exigência da prova da efectiva diminuição patrimonial como elemento indispensável da obrigação de restituição.
A evolução da doutrina e da jurisprudência apontaram, por isso e necessariamente, para a omissão do dano do âmbito do enriquecimento sem causa na medida em que a sua finalidade tem por relevo central reprimir o enriquecimento injustificado e não o de compensar danos sofridos.
Assim, o requisito legal à custa de outrem não pode assumir o conceito de diminuição patrimonial, ainda que sob a forma de lucro cessante, enquanto exigência de um empobrecimento causal ao enriquecimento, antes deverá ser definido, conforme refere Menezes Leitão, como a imputação do enriquecimento à esfera de outra pessoa, sendo essa imputação que justifica que alguém tenha de restituir o enriquecimento que se gerou no seu património.
Uma vez que tal imputação pode resultar de diversas formas, não está em causa um conceito unitário, tendo configuração e relevância diversas nas várias categorias de enriquecimento sem causa, podendo mesmo ser dispensado no enriquecimento por prestação (...) não se podendo continuar a apresentá-lo como um pressuposto unitário deste instituto (...) o que leva a reconhecer que é precisamente o conceito de enriquecimento o facto aglutinador deste instituto.
Nesta mesma linha de pensamento se insere o entendimento defendido por Antunes Varela ao reportar-se às situações de uso e fruição de direitos reais, designadamente ao caso de permanência ilegítima em casa alheia, levando-o a concluir que tudo quanto estes bens sejam capazes de render ou produzir pertence, em princípio (...) ao respectivo titular. A pessoa que, intrometendo-se nos bens jurídicos alheios, consegue vantagem patrimonial, obtém-na à custa do titular do respectivo direito, mesmo que este não estivesse disposto a realizar os actos donde a vantagem procede.
Por conseguinte, há que interpretar o conceito legal enriquecimento à custa de outrem com o alcance de vantagem patrimonial (reservada ao titular do direito segundo o conteúdo da destinação desse direito) obtida com meios ou instrumentos pertencentes a outrem.»
Vide ainda Ana Prata, in CC anotado, Almedina, 2º Ed., V.I, pág.650: «É necessário que o enriquecimento tenha sido conseguido à custa de outrem. Este requisito não implica uma deslocação do património de alguém para o enriquecido nem um empobrecimento de património alheio. O que esta expressão significa é que o enriquecimento corresponda a uma vantagem destinada juridicamente a outrem»
Ou seja, as «cousas» podem efectivamente não ser exactamente como se defende na sentença, por conseguinte sendo essencial dotar o processo de todos os elementos necessários a uma decisão que se ajuste à existência de mais de uma solução plausível quanto à questão.
[21] «A iniciativa do juiz não está sujeita a prazo, podendo designadamente ser tomada após prestação, pelos primeiros peritos, dos esclarecimentos que lhe tenham sido pedidos (por ele próprio ou pelas partes) na audiência final (artº486) e até depois de esta encerrada.» - José Lebre Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, V.2, 4º edição, pag.342.
[22] «A segunda perícia não constitui uma instância de recurso. Visa, sim, fornecer ao Tribunal novos elementos relativamente aos factos que foram objecto da primeira, cuja indagação e apreciação técnica por outros peritos (artº488-a)) pode contribuir para a formação duma mais adequada convicção do Tribunal» - José Lebre Freitas e Isabel Alexandre, José Lebre Freitas e Isabel Alexandre, op. e loc. cit..
[23] Do registo áudio do senhor perito avaliar, arq. EE, resulta clara, sendo de resto uma evidência que emerge do senso comum, que não sendo as obras legalizáveis «fica sempre prejudicado o valor (…) estamos a retirar valor à coisa» - 6.10 m e ss.
[24] «O objecto da segunda perícia coincide com o da primeira, i.e., com as questões de facto, indicadas pelas partes (artº475-1 e 476-1) ou de iniciativa oficiosa, a que o juiz tenha circunscrito (artº476-2).
Tal não impede que, dentro do objecto, outros factos, que a primeira perícia devesse ter considerado mas não haja considerado, seja agora objecto de averiguação. A segunda perícia pode assim ter maior latitude do que quando, no regime anterior à revisão de 1995-1996 do CPC de 1961, o campo de intervenção dos peritos estava delimitado pelos quesitos que lhe eram formulados.
O que está vedado é requerer nova perícia com outro objecto. - José Lebre Freitas e Isabel Alexandre, José Lebre Freitas e Isabel Alexandre, op. Cit., pag.343
[25] A importância desta circunstância, saber se as oras são legalizáveis, mesmo relevando o fundamento da decisão posta em crise como juridicamente rigoroso, é patente. De facto, além de se justificar nela a negação da pretensão dos RR em se verem indemnizados com base em dado não provado que tem que ver com quem de facto custeou as obras, justifica-se também tal com o facto de não se provar que as obras são licenciáveis: « Mercê das obras, o prédio, Pista ..., passaria a valer mais 2.155.200,00 € do que valia anteriormente se as construções estivessem licenciadas.
Ora, a falta de licenciamento das construções (não há licença de construção nem de utilização) não permite concluir que o prédio ficou valorizado.
Decidiu o Acórdão do STJ de 5/7/2012 que “estando em causa um loteamento ilegal e construções clandestinas, realizadas no lote fisicamente delimitado, com violação manifesta das regras urbanísticas, se o interessado não alegar e provar a expectativa razoável de uma legalização administrativa que previna os riscos de demolição coerciva não podem qualificar-se tais construções como benfeitorias úteis, nem invocar-se que o respectivo valor enriquece injustificadamente o conjunto dos consortes reivindicantes do prédio comum.”
Na verdade, estamos diante de construções clandestinas. Não legalizadas. Desconhece-se se podem sê-lo. Caberia aos réus/reconvintes prová-lo (art. 342º, 1, CC).
Segue-se que não é possível concluir que o prédio aumentou de valor com as obras.»
[26] «A quem, deste modo, incumbe realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente e sem restrições, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer” - Cfr. Ac. do TR de Lisboa de 9.2.23 – prc.17956/18.0T8LSB.L1-6
[27] «A aludida essência de efectivo PODER/DEVER em sede de aquisição da prova, decorre de forma insofismável da força do elemento literal atinente à expressão “INCUMBE» que consta do artº411 do CPC – Cfr. Ac. do TR de Lisboa de 9.2.23 – proc. 17956/18.0T8LSB.L1-6
[28] «O Tribunal pode ordenar oficiosamente e a todo o tempo a realização da segunda perícia, desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade.» - José Lebre Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pag.342.
[29] E porque observados os requisitos para o uso de poderes instrutórios: i) os meios de prova em causa são admissíveis; ii) podem ter lugar inclusivamente depois de encerrada a audiência (artº607nº1 do CPC) iii) mostram-se necessários ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio; iv) a prova a produzir incide sobre factos que é lícito ao juiz conhecer.
[30] Assim se confirmando ou não se a perícia anterior falhou nesse aspecto.