ARRENDAMENTO
FALTA DE PAGAMENTO DE RENDAS
RESOLUÇÃO PELO SENHORIO
EXCEÇÃO AO NÃO CUMPRIMENTO
PRIVAÇÃO PARCIAL DO USO DO LOCADO
NECESSIDADE DE OBRAS
Sumário

I - No contrato de arrendamento para habitação, ocorrendo diminuição parcial do gozo do locado por razões estranhas à pessoa do arrendatário regula o artigo 1040º do CC, norma que contém afloramento do princípio de exceção de não cumprimento do contrato impressa no artigo 428º do CC a qual tem subjacente a relação sinalagmática, que justifica e delimita o seu campo de aplicação.
II - Sendo o pagamento pontual da renda, a contrapartida do gozo do locado haverá lugar à exceção ao não cumprimento, não sendo exigível o pagamento pontual e integral da renda, se o locatário é privado do gozo integral da coisa ou de uma parte de tal modo essencial do gozo do locado que o fim deste, no caso, a habitação do arrendatário, se frustrou e deixou de poder concretizar-se .
III - Decorre ainda deste regime legal específico do arrendamento previsto no artigo 1040º do CC, que a consequência contratual para uma diminuição parcial do gozo da coisa arrendada que não ponha em causa o fim essencial do arrendamento é uma redução proporcional à respetiva diminuição e extensão do montante estipulado para a renda.

Texto Integral

Ap 2366/23.5YLPRT.P1
Sumário (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
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ACORDAM OS JUIZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
A..., S.A, Requereu junto do Balcão Nacional do Arrendamento o despejo do local arrendado em 01/11/2022 para fins habitacionais sito na Rua ... n.º ... -8.º andar, Habitação ... (Fração CW), ... Vila Nova de Gaia) pelo arrendatário AA.
O requerido deduziu oposição na qual sustentou ser o contrato de arrendamento nulo dado que nunca conheceu o senhorio e que o contrato de arrendamento não está assinado, nem rubricado pelo mesmo.
Invocou que abrangendo o contrato de arrendamento lugar de garagem e arrumos até ao momento não foi disponibilizada ou colocada à disposição do Requerido, a chave dos mesmos tão pouco lhe foi disponibilizada a chave da caixa do correio.
Que contactou diversas vezes a Requerente através do agente que intermediou todo o arrendamento, para lhe entregar as chaves em falta sem qualquer êxito.
Que rapidamente se degradaram as paredes e tetos do imóvel que se encontram danificadas, cheias de bolor, com rachaduras e cheias de marcas, o piso de madeira todo danificado, riscado e a levantar em certas áreas por causa da humidade sentida no imóvel, os eletrodomésticos encastrados, tais como o fogão e o forno, estão totalmente danificados, e velhos e os móveis, que foram adquiridos pelo requerido na sua maioria de madeira, encontram-se velhos e estragados e com bolor e a canalização é deficitária em todo o imóvel.
Quando o tempo está húmido, a água escorre pelas paredes, fazendo com que as partes do chão levante e quando as paredes secam apresentam manchas da água ter escorrido.
A humidade existente no imóvel, colocou e continua a colocar em risco a saúde de quem lá habita, e quando o tempo está húmido os quartos de dormir ficam insuportáveis.
O Requerido está constantemente a pintar as paredes e tetos do imóvel de modo a travar a humidade e bolor existentes no imoveis, mas sem sucesso.
Tais anomalias nunca foram resolvidas, apesar de reclamadas ao intermediário do arrendamento.
Concluiu pelo direito de suspender o pagamento das rendas ao abrigo do disposto no artigo 428º e visto o estabelecido no artigo 1031º, ambos do CC
Arrolou prova testemunhal e documental.
Distribuídos os autos foi proferido despacho judicial com o seguinte teor:
“Considerando o teor da oposição apresentada, em confronto com os fundamentos do requerimento de despejo, é nosso entendimento encontrarem-se reunidas as condições para, sem necessidade de mais provas, decidir imediatamente do mérito da causa nos termos do disposto no artigo 15.º-H, n.º 3, do NRAU.
Assim sendo, notifique as partes para que tenham a oportunidade de se pronunciar”.
Notificada tal decisão às partes, por estas, nada foi oposto.
FOI ENTÃO PROFERIDO SANEADOR SENTENÇA COM O SEGUINTE TEOR:
(…)
ii. Para o efeito do conhecimento imediato do mérito da ação, importa, antes de mais, recordar os factos alegados pela autora, os quais assim se elencam:
1. Em 26/10/2022, a autora celebrou com o réu um Contrato de Arrendamento de Prédio Urbano para Fins Habitacionais com prazo certo, tendo por objeto a fração autónoma designada pelas letras “CW”, correspondente a Habitação ... no piso 8, Corpo ..., com entrada pelo n.º ..., área: 94,70 m2. Lugar de garagem no piso 0, com 12,10 m2 e arrumo no piso 2, com 6,70m2, assinalados com a respetiva letra, sito na Rua ..., ..., 8.º andar, freguesia ... - domicílio convencionado no Contrato - descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º ..., da mencionada freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia ..., com prazo de duração inicial de 3 (três) anos, renovável por 1 (um) ano, salvo denúncia das partes.
2. Ficou previsto o pagamento de uma renda de € 800,00 (oitocentos euros), devendo ser paga ao primeiro dia útil do mês anterior a que a renda diga respeito.
3. O imóvel locado foi vendido à autora, por escritura pública de compra e venda, encontrando-se o registo de aquisição a seu favor devidamente inscrito pela AP. ... de 2021/11/11.
4. Através de carta registada com aviso e receção, a Requerente comunicou ao Requerido, (…) a resolução do contrato, nos termos previstos no número 3 do Artigo 1083º do Código Civil, ou seja, por falta de pagamento de rendas mensais superior a 3 (três) meses.
5. À data da resolução, era o Requerido devedor das rendas dos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril e Maio, Junho, Julho e Agosto de 2023 (8 meses), no valor total de € 6.400,00.
iii. É nosso entendimento que, ainda que resultassem provados os factos alegados pelo réu, a decisão imposta pela factualidade alegada pela autora não sofreria alteração, motivo pelo qual se encontram reunidas as condições para proferir uma decisão imediata do mérito, tendo as partes sido auscultadas a este propósito”.
E prosseguiu com a seguinte fundamentação de facto:
1. Em 26/10/2022, a autora celebrou com o réu um Contrato de Arrendamento de Prédio Urbano para Fins Habitacionais com prazo certo, tendo por objeto a fração autónoma designada pelas letras “CW”, correspondente a Habitação ... no piso 8, Corpo ..., com entrada pelo n.º ..., área: 94,70 m2. Lugar de garagem no piso 0, com 12,10 m2 e arrumo no piso 2, com 6,70m2, assinalados com a respetiva letra, sito na Rua ..., ..., 8.º andar, freguesia ... (…) com prazo de duração inicial de 3 (três) anos, renovável por 1 (um) ano, salvo denúncia das partes.
(…)
4.Através de carta registada com aviso de receção, remetida ao Requerido Requerente comunicou, (…), a Resolução do Contrato (…), por falta de pagamento de rendas mensais superior a 3 (três) meses.
5.À data da resolução, era o Requerido devedor das rendas dos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril e Maio, Junho, Julho e Agosto de 2023 (8 meses), no valor total de € 6.400,00.
Entendeu o tribunal recorrido ser inoponível ao Requerente a invocada exceção ao não cumprimento do contrato e, a final CONDENOU O RÉU A DESOCUPAR O IMÓVEL LOCADO.

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DESTA SENTENÇA APELOU O RÉU QUE FORMULOU AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
I.O R. alegou a falta de fruição e utilização da garagem e arrumos do imóvel aqui em apreço porque o acesso à garagem e aos arrumos nunca lhe foram proporcionados apesar das várias insistências, nunca as chaves de acesso a ambas as dependências foram disponibilizadas ao R.
Aconteceu o mesmo quanto às chaves do correio da fração aqui em discussão.
II.O R. alegou ainda que as paredes e tetos do imóvel encontram-se danificadas, cheias de bolor, com rachaduras e cheias de marcas que colocaram e continuam a colocar em risco a saúde de quem lá habita.
III.O piso de madeira encontra-se todo danificado, riscado e a levantar em certas áreas por causa da humidade sentida no imóvel.
IV Os eletrodomésticos encastrados, tais como o fogão e o forno, os móveis que integram a cozinha e a casa de banho, na sua maioria de madeira, além de antigos encontram-se igualmente bastante deteriorados.
VA canalização deficitária em todo o imóvel, dando origem a várias inundações.
VI O imóvel padecia de muita humidade que se agravou com o passar do tempo e com o inverno chuvoso.
VII Quando o tempo está húmido, a água escorre pelas paredes, fazendo inclusive que partes do chão continue a levantar causando sérios riscos de segurança aos adultos e crianças que residem no imóvel.
VIII Quando as paredes secam apresentam manchas da água ter escorrido.
IX R. está constantemente a pintar as paredes e tetos do imóvel de modo a travar a humidade e bolor existentes, mas mesmo assim o problema não fica solucionado.
X Até existe mobiliário propriedade do R., que contém bolor.
Alegou ainda a insistência perante a intermediária da A. para a resolução de todos os problemas relatados sem resultado.
Que ao contrário do que ficou explanado na Douta Sentença, assiste sim, ao R. o direito de suspender o pagamento das rendas, enquanto não for proporcionado o efectivo e total gozo do locado.
A Douta Sentença recorrida, viola por errada interpretação a aplicação do disposto nos art. 428° do CC e artºs 2º, 9º, 13º, 18º e 20º da CRP.
RESPONDEU A AUTORA A SUSTENTAR QUE
F. O princípio inerente à exceção do não cumprimento encontra concretização no âmbito do regime jurídico do arrendamento no artigo 1040.º, n.º 1, do Código Civil, segundo o qual, se, por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta, sem prejuízo do disposto na secção anterior.
J. Mostra-se desde logo indiscutido que estamos na presença de um contrato de arrendamento para habitação celebrado em 26/10/2022 a que são aplicáveis as normas do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006 de 27.02.
Q. a exceção de não cumprimento possa operar em geral, e em particular, no contrato de arrendamento, é suposto ou exigível, por um lado, que exista um nexo ou relação de correspectividade entre as prestações em causa (sinalagma) e, ainda, que, à luz dos ditames da boa fé (art. 762º, n.º 2 do Cód. Civil), exista uma relação de proporcionalidade ou equilíbrio entre a infração contratual do credor e a recusa do contraente devedor que alega a exceção.
R. Ora, no caso em apreço, os aludidos pressupostos não se verificam e, consequentemente, a “exceptio” não pode proceder.
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Nada obsta ao mérito
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II OBJETO DO PROCESSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Atentas as conclusões da recorrente as questões a decidir são as seguintes:
1-Saber se os factos alegados na oposição tornam legitima a suspensão de pagamento das rendas acordadas no contrato sub iudice, pelo requerido/inquilino
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III O MÉRITO DO RECURSO.

III.1FUNDAMENTAÇÂO DE FACTO
Dá-se por reproduzida a factualidade, supra.

III.2 FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
III.2.1. É incontroverso nos presentes autos que, o que se discute é (in)cumprimento de um contrato de arrendamento de imóvel para habitação, cuja noção consta do artigo 1022 do CC, (conjugada com o artigo 1023), a saber: “ o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição”.
Os elementos constitutivos desta relação contratual são (i) a obrigação do locador proporcionar ou conceder ao locatário o gozo temporário de imóvel; (ii) mediante retribuição que não pode ser indeterminada.
Também não há dissenso sobre a natureza bilateral e sinalagmática deste tipo contratual na medida em que,constitui obrigação do locador assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que se destina (al. b) do art. 1031 CC), recaindo sobre o locatário a correspondente obrigação de pagar a renda estipulada (al. a) do art. 1038º CC).
O pagamento da renda tem como correspetivo a cedência do locado em condições de ser plenamente fruído em vista do fim a que a coisa se destina.
III.2.2.O art. 1040/ 1 do C.CCl, por sua vez, regula a situação em que ocorre diminuição do gozo do locado por razões estranhas à pessoa do arrendatário estipulando que: “se, por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta, sem prejuízo do disposto na secção anterior”, num claro afloramento do princípio de exceção de não cumprimento do contrato.
Um parêntesis para relembrar que, a exceção de não cumprimento do contrato está prevista no art.º 428 do CC, que dispõe: “Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.” Tem subjacente a relação sinalagmática, que justifica e delimita o seu campo de aplicação.
Portanto, sendo o pagamento pontual da renda, a contrapartida do gozo do locado, forçoso é concluir que, haverá lugar à exceção ao não cumprimento não sendo exigível o pagamento pontual e integral da renda se o locatário é privado do gozo integral da coisa ou de uma parte de tal modo essencial do gozo do locado que o fim deste, a habitação do arrendatário, se frustrou e deixou de poder concretizar-se .
Decorre ainda deste regime legal específico do arrendamento previsto no artigo 1040 do CC, que a consequência contratual para uma diminuição parcial do gozo da coisa arrendada que não ponha em causa o fim essencial do arrendamento é uma redução proporcional à respetiva diminuição e extensão do montante estipulado para a renda.
E isto é assim, porque como se, disse, para que se possa invocar a exceção de não cumprimento necessário se torna que haja correspetividade entre as prestações essenciais de cada contrato bilateral e, tal como refere Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, 10ª ed., I, pág. 397, a obrigação de pagar a renda imposta ao locatário, faz parte do sinalagma contratual, na medida em que se contrapõe à obrigação fundamental imposta ao locador, de proporcionar o gozo da coisa, o gozo pleno da coisa, logo no caso em que essa diminuição do gozo da coisa é parcial, o que a boa fé (princípio consagrado no artigo 762 do CC e imanente a toda a relação contratual) postula é que haja adequação/proporcionalidade entre a ofensa do direito e o exercício da exceção.
Nesta senda, se pronunciou o STJ nos acórdãos (todos consultáveis in dgsi) de 10-09-2009 ALBERTO SOBRINHO 375/1999.C1.S1; de 11.10.2007 CUSTÓDIO MONTES 07B2934: (…) “Os contratos bilaterais ou sinalagmáticos originam obrigações para ambas as partes, havendo uma relação de reciprocidade e interdependência entre elas. Na génese do contrato é intenção de cada uma das partes que a obrigação contraída por um deles seja a razão de ser da assumida pelo outro. E, no desenvolvimento da relação obrigacional, é intenção das partes a manutenção dessa correspetividade ou interdependência”.
Diz-nos A. Varela (Das Obrigações em Geral, 9.ª Ed., pág. 407) (…)
“O sinalagma liga entre si as prestações essenciais de cada contrato bilateral, mas não todos os deveres de prestação dele nascidos (…) Não basta que o contrato seja bilateral para que se possa invocar a exceção de não cumprimento do contrato; necessário se torna ainda que entre as obrigações haja correspetividade, que uma seja a causa da outra”.(…).
É também, este o ensinamento de Vaz Serra (BMJ 67, pág. 30, em citação de Rodrigues Bastos, no Ac. do STJ de 6.5.82, BMJ 317, pág. 242 e 243 6). “a exceção pressupõe que a prestação exigida e a que se invoca para justificar a recusa são correlativas, recíprocas ou correspetivas: deve estar-se em face de prestação e contraprestação, pois só então, por haver correspondência, se justifica que o não cumprimento de uma baseia a recusa da outra”.
Neste mesmo sentido de exigência de proporcionalidade/adequação da suspensão do pagamento da renda pelo locatário à diminuição do gozo da coisa arrendada se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do STJ de 9.12.2008 NUNO CAMEIRA 8A3302, in dgsi:“É entendimento comum, desde logo, que em matéria de locação a excepção do não cumprimento do contrato tem um limitado campo de aplicação, talvez porque, como salienta Aragão Seia (Arrendamento Urbano, 7ª edição, pág. 412), “uma vez entregue ao locatário a coisa locada, o sinalagma em grande medida se desfaz. (…)”.
De qualquer modo, tem-se admitido o funcionamento do instituto mesmo no caso de incumprimento parcial ou de cumprimento defeituoso, mas fazendo intervir então, sempre que as circunstâncias concretas o imponham, o princípio da boa fé e a “válvula de segurança” do abuso do direito (artºs 762, nº 2, e 334 do CC). E isto porque, como justamente observa o Prof. Almeida Costa na RLJ 119º, pág. 144, “seria contrário à boa fé que um dos contraentes recusasse a sua inteira prestação, só porque a do outro enferma de uma falta mínima ou sem suficiente relevo. Na mesma linha, surge a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da excepção. Uma prestação significativamente incompleta ou viciada justifica que o outro obrigado reduza a contraprestação a que se acha adstrito. Mas, em tal caso, só é razoável que recuse quanto se torne necessário para garantir o seu direito”. Em particular no âmbito da locação, este mesmo Autor (loc. cit., pág. 145/146), depois de chamar a atenção para o facto de a ideia de proporcionalidade ou equilíbrio das prestações aflorar a propósito da redução da renda ou aluguer se o locatário sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa, conclui o seguinte: “O recurso do arrendatário a este instituto, se existe cumprimento defeituoso ou parcial pelo senhorio, apenas o dispensa de pagar a renda correspondente à falta verificada. (…).
III.2.2.1.Em suma, pode afirmar-se que, como se escreve no acórdão deste TRP de 26.01.2023 CARLOS PORTELA, 1344/20.0T8VRL.P2, consultável in dgsi “O funcionamento da exceção de não cumprimento do contrato, invocada pelo arrendatário com vista ao não pagamento da renda por limitação do gozo da coisa locada, tem vindo a ser admitida de forma restrita pela nossa jurisprudência neste sentido e entre outros cf. os acórdãos da Relação de Guimarães de 03.03.2016, no processo 328/14.2T8VCT.G1 e desta Relação do Porto de 14.03.2017, no processo 27468/15.8T8PRT-A.P1, ambos em www.dgsi.pt)”.
III.3.Isto posto, e regressando aos autos verifica-se que o Recorrente fundamenta no recurso o seu direito à suspensão do pagamento das rendas (exceção ao não cumprimento do contrato) na invocação das seguintes causas: (i) não entrega das chaves da garagem, dos arrumos e da caixa do correio (ii) humidades no arrendado causadoras de danos.
Verifica-se ainda que, não obstante, o mesmo recorrente permanece a habitar o arrendado; pelo que, sendo a habitação do locado o fim principal do contrato e como tal, esta a sua prestação essencial, inarredável se torna concluir à luz do exposto, que ao mesmo assistiria em função da parcial privação do objeto do arrendamento, o direito a uma redução parcial da renda, uma redução proporcional e adequada à privação daquele uso na economia contratual, mas já não lhe assiste o direito a uma isenção total do pagamento da renda porquanto esta desobrigação teria como contrapartida a privação total do gozo da coisa ou pelo menos a frustração do seu fim essencial a habitação, que no caso não ocorre.
III.3.1.Milita neste sentido a seguinte afirmação do já citado acórdão deste TRP e Secção: (…)”importa não esquecer que no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem sempre as partes proceder de boa-fé (cf. art.º 762º, nº2 do Código Civil). Deste modo, para que a invocação da “exceptio” não seja julgada contrária à boa-fé, exige-se a verificação de uma tripla relação entre o incumprimento do outro contraente e a recusa de cumprir por parte do excipiente: relação de sucessão, de causalidade e de proporcionalidade entre uma e outra. (neste sentido cf. João José Abrantes, A Exceção de Não Cumprimento do Contrato, Almedina, 3ª ed., págs. 110/112).
Na doutrina, Batista Machado RLJ ano 116/295, reforça esta posição, ao ensinar que: “do artigo 1040, retira-se a contrario, que o locatário não é dispensado de pagar a renda ou o aluguer quando ao adimplemento sofra privação ou redução do gozo da coisa por um desses motivos (…)Haja verdadeira mora do credor ou haja simples impedimento por parte deste de receber e gozar a coisa a partir do dia aprazado”.
III.3.2. Conclui-se, pois, se, como resulta da matéria de facto assente, está provado que o arrendatário/recorrente deixou de satisfazer na totalidade a renda devida quando o máximo a que teria direito seria suspender o respetivo pagamento parcial em medida proporcionada à privação também parcial do gozo, a conclusão a extrair não pode ser outra senão a de que incorreu em mora, com as inerentes consequências (resolução do contrato, entrega do arrendado, e condenação no pagamento das rendas vencidas e vincendas).
Carece consequentemente de razão o recorrente.
SEGUE DELIBERAÇÃO:
NÃO PROVIDO O RECURSO. CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Custas pelo Recorrente sem prejuízo do apoio judiciário.

Porto, 6 de fevereiro, de 2025
Isoleta de Almeida Costa
Isabel Peixoto Pereira
João Venade