I - O prazo de caducidade previsto no artigo 1085.º, n.º 1, do C. C. inicia-se quando se toma conhecimento que as obras, já findas, foram realizadas.
II - O senhorio pode pedir a reposição de obras que constituam deteriorações ilícitas/imprudentes no imóvel mesmo durante a pendência do contrato.
II.1 - É permitida a realização de pequenas deteriorações que visem o conforto do arrendatário conforme artigo 1073.º, n.º 1, do C. C..
João Venade.
Maria Manuela Machado.
Isabel Silva.
AA, residente na Rua ..., ..., ..., Maia,
propôs contra
BB, residente na Rua ..., ..., Maia,
Ação declarativa sob a forma de processo comum, pedindo que:
a) se decrete a resolução do contrato de arrendamento e, consequentemente, se condene a Ré na restituição do locado, no estado em que o recebeu, ou subsidiariamente, pelo menos,
b) se condene a Ré no pagamento das obras para reposição de como o imóvel se apresentava à data da entrada no arrendado no valor global de 11.131,50 EUR para as obras exteriores, acrescido do valor das obras interiores cujo valor se desconhece e deverá ser apurado em execução de sentença.
O sustento de tais pedidos radica, em síntese, em:
. ter celebrado contrato de arrendamento destinado a habitação do r/c, sito na Rua ..., Maia, ao marido da Ré, em 1998/09/01;
. integrava-se igualmente o uso privativo de uma garagem e anexos;
. o prazo do contrato foi de cinco anos, com início em 1998/09/01 prorrogável, por igual período de tempo, no caso de não ser denunciado no seu termo, mediante a renda anual de 4.189,90 EUR;
. o contrato transmitiu-se à mulher do arrendatário por falecimento deste em 23/12/2013;
. recentemente teve conhecimento que os inquilinos realizaram obras no arrendado sem o seu conhecimento, obras essas que não se podem considerar de mera conservação, obras não autorizadas que são assim fundamento dos pedidos.
. as obras foram executadas há mais de 20 anos e foram autorizadas pelos pais da Autora, que sempre a representaram em todas as questões relacionadas com o arrendamento e o locado, e do conhecimento da Autora há mais de 15 anos;
. caducou assim direito de ação, mesmo tendo em atenção a data em que a Autora alega que teve conhecimento;
A Autora atua em abuso de direito no exercício da resolução do contrato com fundamento em obras que são do seu conhecimento;
. litiga igualmente de má-fé;
Sofre danos não patrimoniais com a pendência da ação.
Pede assim a improcedência da ação, e, em reconvenção, a condenação da reconvinda no pagamento de 10.000 EUR a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Pede igualmente a condenação da Autora em multa e indemnização, não inferior a 11.131,50 EUR, a título de litigância de má-fé.
Elaborou-se despacho saneador, fixando-se como:
. objeto de litígio:
1). Da resolução do contrato de arrendamento celebrado pela Autora com a Ré por realização de obras no arrendado sem consentimento da Autora em violação de estipulação contratual, e consequente restituição do locado pela Ré no estado em que o recebeu ou subsidiariamente, a condenação da Ré no pagamento do custo da reposição do arrendado ao estado anterior ao da sua entrada no arrendado em valor que indica.
2. Do direito da Ré quer a indemnização igual ao custo indicado pela Autora como de reposição do arrendado ao estado anterior ao arrendamento em indemnização por danos não patrimoniais em consequência da atuação da Autora como litigante de má fé e atuação em retaliação.
3. Da caducidade do direito da Autora a resolver o contrato de arrendamento identificado em 1º da petição inicial.
4. Do abuso de direito pela Autora.
5. Do direito da Ré a ser indemnizada pela Autora por danos patrimoniais que sofreu em consequência da atuação em litigante de má fé e abuso de direito da Autora.».
E como temas de prova:
«1. Do teor e validade das clausulas 7ª e 8ª do contrato de arrendamento identificado em 1º da petição inicial e da vinculação da Ré a este contrato na sequência da transmissão de arrendamento operada por óbito do marido da Ré, primitivo arrendatário.
2. Da realização ou não de obras no imóvel objeto do contrato de arrendamento identificado em 1º da petição inicial na pendencia do arrendamento e caso estas tenha sido realizada:
a) que obras foram realizadas e de que tipo e se são designadamente as pela Autora descriminadas no artigo 36º da petição inicial;
b) por quem foram realizadas, porque foram realizadas e para que fins;
c) qual a data da sua realização;
d) se foi pedido consentimento ou dado conhecimento verbal ou escrito à Autora, na qualidade de senhoria ou aos pais da Autora, que representavam a Autora informalmente perante a Ré e com quem a Ré sempre tratou as situações relativas ao arrendamento, designadamente:
a) a assinatura do contrato identificado em 1ª da petição inicial foi feito na presença destes;
b) é a estes que a Ré paga a renda;
c) são estes que emitem os recibos;
d) destes é recebido os recibos de renda;
e) Era o pai da Ré que visitava o imóvel da Ré e da irmã da Autora, verificando o estado dos mesmos;
f) Realizavam pequenas intervenções no imóvel sempre fazendo crer à Ré que o faziam com conhecimento e permissão da Autora e sempre comunicaram ao marido da Ré que fizesse as obras porque não as fariam, em razão de qual efetuaram as obras que descreve terem sido feitas nos artigos 42º, 43º da contestação.
g) data em que a Autora teve conhecimento dessas obras e como teve conhecimento da realização de obras.
3. Se a realização das obras identificadas e descriminadas em 36º da petição inicial causaram danos no imóvel da Autora ou da vizinha: que tipo de danos causaram; - se as obras desvirtuam a estética do imóvel; - se o valorizam ou desvalorizam o imóvel;
4. Se ocorreu denuncia de infiltrações por parte da vizinha na sequência de obras realizadas no arrendado, e de que obras;
5. Da notificação da Ré pela Autora para a reposição do arrendado ao estado em que se encontrava no início do contrato e reparação dos danos causados com as obras; datas destas notificações, tipo de notificações e teor das mesmas;
6. Do custo das obras de reposição e reparação do arrendado e se estas são ou não imputáveis realizar pela Ré.
7. Da realização de obras de restauro no arrendado pela Autora em data anterior ao contrato de arrendamento e designadamente entrada da Ré no imóvel objeto do contrato de arrendamento identificado em 1º da petição inicial; que obras foram realizadas, que locais da casa foram intervencionados e data desse restauro/intervenção;
8. Se as notificações referidas em i) do ponto 2. foram ou não posteriores ao(s) envio(s) da(s) carta(s) da Ré à Autora a pedir por escrito a realização de obras no imóvel objeto do contrato de arrendamento em referencia e se a Ré interpelou por escrito a Autora depois de a ter interpelado verbalmente por diversas vezes e esta se ter negado a fazê-las; datas de envio e teor das mesmas e das respostas remetidas pela Autora á Ré.
9. Da data de interposição de ação judicial pela Ré contra a Autora a pedir a condenação desta a realizar obras no imóvel arrendado e da interposição pela Autora da presente ação judicial em consequência
10. Dos danos não patrimoniais da Ré em consequência da atuação de litigante de má fé e em abuso de direito da Autora e da presente ação.».
«1. Por sentença datada de 2024/09/25, o douto Tribunal “a quo” julgou totalmente improcedente a presente ação quanto à pretensão da Autora de ser “decretada a resolução do contrato de arrendamento e a condenação da Ré na restituição do locado no estado em que o recebeu, ou, subsidiariamente, a sua condenação no pagamento das obras para reposição de como o imóvel se apresentava à data da entrada no arrendado no valor de 11.131,50 € par as obras exteriores, acrescido do valor das obras interiores cujo valor se desconhece e deverá ser apurado em execução de sentença.”
2. As questões a decidir nos presentes autos (objeto do litígio) com relevância para o presente recurso, era assim a “resolução do contrato de arrendamento celebrado pela Autora com a Ré por realização de obras no arrendado sem consentimento da Autora em violação de estipulação contratual, e consequente restituição do locado pela Ré no estado em que o recebeu ou subsidiariamente, a condenação da Ré no pagamento do custo da reposição do arrendado ao estado anterior ao da sua entrada no arrendado em valor que indica.”
3. Pretende-se com o presente recurso, além do mais, ver reapreciada a prova, impugnando-se, assim, a decisão proferida sobre a matéria de facto, no tocante aos factos provados sob os números 16; 38; 39; 40; 41; 42; 45; 46; 47; 48; 50, bem como a fundamentação de facto relativamente a estes artigos.
4. Relativamente ao facto 16, o douto Tribunal “a quo” não identificou quem realizou as obras discriminadas e dadas como provadas e realizadas no locado, sendo que foi a própria Ré quem confessou ter realizado as mesmas, conforme resulta das suas declarações de parte a partir dos minutos 9:29 e seguintes que passamos a reproduzir em resposta às perguntas da Mmª Juiz de Direito ao minuto (9:24 e seguintes) “Ora, a Senhora durante o arrendamento fez obras?” (9:29) “Durante o arrendamento? Aquelas obras, já estão feitas há mais de 20 anos. O que é que as obras são (9:39) Ora bem” (…) “A primeira coisa que eu fiz foi a cozinha… Na cozinha, meti os armários todos novos (…) Ora bem, fiz a cozinha (…) Meti a tijoleira (…) Meti exaustor, armários altos (…) Meti, tem a janela, na cozinha está tapada (…) Porque os armários tapam as janelas” (10:43) (…) (à pergunta “Substituiu o taco?” respondeu “Sim, meti tudo a tijoleira” (e a instância da Mmª Juiz de Direito se “Substituiu o taco por tijoleira e mais? Respondeu: “O meu quarto (11:15) (Tem parquet?) (11:16) Foi também o meu marido que meteu. Porque não tinha”.
5. E ao minuto 11:37 e seguintes a Ré continuou “Eu fiz obras na casa. Eu meti janelas. Tinha janelas. Porque tinha janelas no quarto de trás. De madeira”.
6. E em conclusão da Mmª Juiz de Direito aos minutos 11:48 e seguintes “Substituiu os armários da cozinha. Substituiu a tijoleira, substituiu os azulejos. Colocou o exaustor. Com estes móveis, parte da janela da cozinha ficou tapada. A senhora substituiu o taco que existia na casa, por tijoleira. Pintou a casa?” A Ré respondeu ao minuto 12:05 “Pintei”. E ao minuto 13:42 e seguintes quando questionada se “Aí o senhor também colocou uma marquise, foi isso? A Ré respondeu ao minuto 13:45, “Não coloquei, o meu marido fez” e ao minuto 13:47 e seguintes a Ré respondeu às questões da Mmª Juiz de Direito “(Colocou uma marquise?) Coloquei, mas é de sair. (E a marquise colocou onde?) Em frente à porta da cozinha. (E cobre uma janela às traseiras?) (13;57) Às traseiras. (Olhe, e na garagem, colocou alguma coisa?) (14:04) Não. (Uma antena parabólica?) (14:06) Ah, isso, isso. Não foi na garagem, foi é por cima do anexo. Foi o meu marido que a pôs. Mas, e ele era vivo e ainda continuou. E a antena estava lá. Sem fazer efeito. (Essas obras foram todas feitas durante a vida do seu marido?) Sim senhor.”
7. Assim, resultou provado das próprias declarações de parte da Ré que foi a própria e o marido quem realizaram as obras discriminadas no facto 16, prova que resulta igualmente reforçada pelos factos 17, 18 e 21 também provados, pelo que se pretende aditar um facto provado em que se conclua que as obras identificadas nos factos 16, 18 e 20 foram realizadas pela Ré e marido.
8. Quanto à fundamentação do facto 38 dado como provado de que “A Autora tem conhecimento das obras há mais de 10 anos.”, o douto Tribunal “a quo” confessa que “Quanto ao conhecimento das obras por parte da Autora resultou das declarações de parte da Ré que o pai da Autora sempre viu as obras a serem executadas “Eu não faço, nem pago. Você pode fazer”.
9. Resulta assim do exposto que o douto Tribunal “a quo” se baseou nas próprias declarações da parte interessada no resultado e objeto da ação (a própria Ré) que, de forma livre, pôde tecer imputações ao pai da Autora, já falecido, e que por isso, não poderá repor a verdade dos factos que lhe foram imputados!
10. No nosso modesto entendimento, as declarações de parte, enquanto parte interessada, por si só, não poderiam ser consideradas prova suficiente para formar a convicção do Tribunal “do conhecimento da Autora quanto à realização das obras”, nem tão pouco formam a convicção que o pai da Autora tenha afirmado alguma vez “Eu não faço nem pago. Você pode fazer”, porquanto nenhuma outra testemunha confirmou tais declarações.
11. Antes pelo contrário, dos articulados apresentados pela própria Ré resulta uma versão diferente da por si apresentada em declarações de parte.
12. Na contestação imputa-se o conhecimento aos pais da Autora (plural) e não ao pai da Autora (enquanto pessoa singular já falecida).
13. Acontece que, a mãe da Autora foi arrolada como testemunha (a Exmª Senhora CC, viúva), e a Ré em declarações de parte alterou a versão da contestação passando a imputar o alegado conhecimento das obras apenas ao pai da Autora (não obstante em toda a contestação imputar o mesmo conhecimento quer ao pai, quer à mãe, sendo que a mãe iria ser inquirida e relatar a realidade dos factos).
14. E mesmo perante tal contradição (declarações de parte versus contestação), o douto Tribunal “a quo” considerou credibilizar as declarações da própria parte interessada (a Ré) em detrimento das declarações da própria Autora que negou ter tal conhecimento das obras até se deslocar ao locado após a receção da carta em abril de 2021 (cfr. Factos 16 e 26 provados).
15. Efetivamente, a instâncias da Mmª Juiz de Direito do Tribunal “a quo” a Autora em declarações de parte confessou ao minuto 4:25 e seguintes (até ao minuto 8:49).
16. À questão da Mmª Juiz de Direito, “E isto aconteceu quando?” (4:25) “Não faço ideia. Eu tive conhecimento em 2021, quando a Dona BB se queixou que tinha humidade no anexo.” E quando questionada ao minuto 4:33, “E ela queixou-se disso quando?” a Autora respondeu ao minuto 4:35, “Queixou-se disso em março de 2021, primeiro verbalmente e passado uns dias recebi uma carta. Penso que foi em março de 2021, exatamente. Nunca se tinha queixado da casa e eu nunca lá tinha ido. Quando se queixou, eu fui lá pela primeira vez e deparei-me com essas alterações na casa.” à pergunta “A senhora não ia à casa, não passava por lá?” respondeu ao minuto 5:07, “As traseiras da casa não são visíveis e o interior da casa muito menos. Quando ela se queixou, eu o dirigi-me lá para ver e vi que o quintal não existia já, não tinha as árvores.” A Mmª Juiz de Direito perguntou “Nunca tinha reparado nisso?” e a Autora respondeu ao minuto 5:23, “Não, nunca vi. Não se vê do exterior. Só entrando na casa é que se vê essas alterações. Eu dirigi-me lá, vi essas alterações todas e fiquei estupefacta. A primeira vez que o dirigi-me lá, a dona BB não estava em casa, pelo menos toquei à campainha e ela não estava. Para ver a tal queixa da humidade, fui pela casa ao lado, pedi à vizinha ao lado e entrei lá. E depois regressei lá, passado um dia ou dois, e falei com a dona BB.”
17. E ao minuto 6:00 e seguintes a Autora continuou “Para além de ver o que ela estava a queixar, que era a humidade no anexo, vi que as alterações todas foram feitas e questionei-a. Disse à D. BB, quem é que lhe deu a autorização para ter feito estas alterações? Eliminou o quintal, deitou as árvores de fruto abaixo, fez estas construções todas? E a senhora só me respondeu o que está está. Depois vi que tinha um portão em madeira, um segundo portão, porque a casa tem um portão de acesso à garagem, não é? Tinha colocado um outro portão em madeira a chegar à garagem, que o fixou na casa e no muro. E para fixar, tinha uma série de buracos adicionais. E eu disse à senhora, para colocar este portão, tem aqui mais sete ou oito buracos na parede da casa. E ela disse, não se preocupe, que um dia que saia, tapo-lhe esses buracos.”
18. E ao minuto 7:00 e seguintes continuou “E eu não tive mais nada para dizer, quer dizer, eu vim-me embora, solicitei depois uma consulta com a minha advogada, que é a Doutora DD, e pedi para lhe ser enviada uma carta para ela me repor a casa. E, portanto, fiquei a aguardar que repusesse. Ela não repôs, e daí estamos aqui, infelizmente. (…) Isto foi, portanto, eu recebi a carta da Dona BB no final de março, penso eu. Fui lá a ver, a dizer que tinha humidade na garagem e no anexo, e dizia qualquer coisa também sobre a casa, que tinha humidade num quarto. E por isso é que eu lá fui. Portanto, eu fui lá, depois de receber a carta, no final de março, início de abril, fui lá, passado uns dias, foi nessa altura. E depois, a partir daí, foi quando solicitei para lhe ser dado um prazo para a Senhora me repor a casa.”
19. Ao minuto 8:19 continuou “E solicitei, falei com a Doutora DD para que, no prazo de três meses, a senhora que tomasse providências para me restaurar aquilo que tinha alterado. E pensei eu, sinceramente, que isso iria ser feito, uma vez que a Dona BB teria facilidade para fazer isso, porque tem o genro que é construtor. Portanto, eu pensei, vamos resolver a situação dessa forma. Não foi resolvido.”
20. E ao minuto 25:42 e seguintes a Autora declarou “E eu em 2021, quando vi as alterações que a casa tinha nas traseiras, como eu disse, o quintal foi eliminado e as construções que lá estavam, a primeira coisa que eu fiz foi telefonar à minha irmã. E telefonei à minha irmã a perguntar se ela tinha conhecimento que a minha casa que estava toda alterada, que não tinha quintal agora, não tinha árvores de fruto, não tinha lá muitas construções. E ela disse que não tinha conhecimento, mas que ia telefonar à inquilina dela para tentar saber quando é que aquilo foi construído.”
21. Resulta, assim, das declarações da própria parte a sua falta de conhecimento das obras até abril de 2021, sendo que nenhuma testemunha arrolada, nem nenhum documento evidenciou tal conhecimento em data anterior, nem podia porquanto tais obras não eram do conhecimento da Autora até então!
22. Não obstante tal falta de conhecimento, o douto Tribunal “a quo” considerou como motivação da prova do facto 38 que, tal como confessado pela Autora, “que tudo o que se relacionava com o arrendamento era tratado com o pai da Autora. Foi com este que negociou o contrato, era em casa deste que pagava a renda e recebia o recibo. Aditou que as obras foram sendo feitas ao longo do tempo e que já estavam concluída quando a casa contígua à sua, pertença da irmã da Autora, foi remodelada sob a supervisão do pai de ambas”.
23. Ou seja, o douto Tribunal “a quo” ficou com a convicção que as obras eram do conhecimento do pai da Autora e por isso considerou provado o facto 38, o que não corresponde à verdade.
24. Efetivamente, atentas as declarações de parte da Autora, não é verdade que a mesma tenha confessado que “tudo o que se relacionava com o arrendamento era tratado o pai”, porquanto a mesma apenas confessou que tudo o que se relacionava com obras era tratado pelo pai conforme resulta das próprias declarações que passamos a transcrever: A instâncias da Mmª Juiz de Direito do Tribunal “a quo”: “Quem é que fez o contacto com os inquilinos?, ao minuto 12:21 “Foi a senhora pessoalmente ou foi o seu pai?” 25. Ao minuto 12:24 a Autora respondeu: “Eu. Claro. O meu pai não tratava dos meus assuntos. Fui eu que tratei.” E ao minuto 12:32 respondeu, “O contrato de arrendamento foi acordado entre mim e o Senhor EE. E foi enviado para ser realizado numa agência de contabilidade, aqui na Maia. E o contrato, depois de realizado, foi entregue ao Senhor EE. O meu pai não teve qualquer intervenção.”
26. E a instâncias da Mmª Juiz de Direito do Tribunal “a quo” (Quem é o senhor EE?) Minuto 12:51: “É o marido da dona BB. Que era o inquilino.”
27. E ao minuto 13:08 e seguintes a Autora continuou “O senhor EE e a esposa, melhor, a irmã do Senhor EE e a mãe do Senhor EE eram vizinhos dos meus pais. Mostraram a intenção que o irmão que andava à procura de uma casa se podia ir ver a minha casa. Quem lhe mostrou a casa foi o meu pai e a minha mãe, porque eu estava a trabalhar e eles queriam ir naquele dia.
28. Passado uns dias, o meu pai apresentou-me o Senhor EE e disse-me, foi este Senhor que foi ver a tua casa e pretende arrendá-la. Agora acorda com ele os termos do contrato. E eu acordei.”
29. E a instâncias da Mmª Juiz de Direito ao minuto 13:54 e seguintes: “E depois, quem é que entregava os recibos? Quem é que pagava as rendas? Quem é que recebia o dinheiro das rendas?” A Autora respondeu ao minuto 14:00 e seguintes “Até 2013, que foi a data da morte do Senhor EE, foi sempre o Senhor EE que pretendia pagar em dinheiro, em numerário, e se dirigia a minha casa para pagar. (A sua casa?) Sim, a minha casa que eu vivia com os meus pais. Eu vivia na casa dos meus pais.” Minuto 14:26 e seguintes “Normalmente, ele vinha durante a semana, quando eu estava a trabalhar, e era à minha mãe que ele entregava o dinheiro. E a minha mãe entregava-lhe o recibo que eu deixava feito. (…) Porque o Senhor EE sempre pagou durante o dia de semana. E pagava em numerário. Não tinha dia certo, então pagava ao dia 10, 11, 13, 14. E quando vinha pagar, a minha mãe fazia-lhe o favor de lhe aceitar o dinheiro e entregava-lhe o recibo. E à noite, quando eu chegava, ela comunicava-me. (Veio cá o teu inquilino... (E entre 1998 e 2021, nunca ninguém foi à casa, é isso?) À minha casa não. Eu nunca lá fui. (À casa da dona BB?) Não, não, não. Nem eu, nem o meu pai, nem a minha mãe.”
30. Ao minuto 16:55 e seguinte a Autora esclareceu quanto à celebração do contrato: “O Senhor EE trouxe os documentos dele, porque ele era o único inquilino, e da irmã, a Dona FF, que era a vizinha dos meus pais, que ficou como fiadora. Trouxe a documentação, foi a minha irmã que levou à agência, aqui à Dona GG, aqui à Maia. O contrato foi feito, eu entreguei à minha irmã os termos que acordei com o Senhor EE, num papel, entreguei-lhe o papel e a documentação, a fotocópia da documentação dele e da fiadora. Foi feito o contrato aqui na agência de contabilidade e depois veio, quando estavam prontas as quatro cópias, vieram para serem assinadas.”
31. Quanto questionada pela Ilustre mandatária da Ré “A senhora sabe se o seu pai foi a esta casa, a da sua irmã e a da Senhora, em alguma vez fazer obras, ou ver como é que estavam os telhados, se andam em cima dos telhados, a Senhora recorda-se alguma coisa sobre isso?” a Autora respondeu ao minuto 27:24 “O meu pai nunca se dirigiu à minha casa e nunca iria à minha casa sem eu lhe pedir. O meu pai era um homem de princípios e quando doou a casa, porque estas casas pertenceram-lhe a ele, e ele doou-as uns anos mais tarde, a partir desse momento, se eu não lhe pedisse nada, o meu pai não fazia nada.”
32. E ao minuto 27:58 e seguintes continuou “Os dois restauros, que era da minha casa e da casa da minha irmã, o meu pai era construtor civil, portanto o meu pai foi que arranjou as empresas que lá andaram a fazer os restauros, numa casa e na outra casa. A partir desse momento, o meu pai nunca mais lá foi. (Então foi nessa altura? Nessa altura é possível que tenha lá ido, porque... Então em 2005 terá ido à casa da sua irmã?) Sim, possivelmente terá ido, porque quem supervisionou, ou pelo menos arranjou as empresas, porque as empresas que fizeram o restauro das duas casas foram arranjadas pelo meu pai.”
33. Também as testemunhas HH (irmã da Autora) e a sua mãe CC, não confirmaram que tudo quanto se relacionava com o arrendamento era tratado com os pais, apenas se referindo às obras, quer na casa da irmã, quer na sua casa, como demostraremos através da transcrição dos depoimentos.
34. Acresce que o Tribunal “a quo” refere que a testemunha HH “Negou, contudo, que nesta data existissem quaisquer alterações ao exterior do locado afirmando que só em 2021 é que a Autora teve conhecimento das referidas obras. Não obstante, referiu que a sua tia vive naquela rua, mas quando se desloca a casa da mesma não vai ao quintal e por isso nunca viu as obras executadas pela Ré situadas nas traseiras da casa. A mesma posição assumiu a testemunha CC, mãe da Autora.”, sendo que salvo o devido respeito não foram também essas as declarações que resultaram das duas testemunhas, tudo conforme depoimentos que a seguir passamos a reproduzir.
35. Aos minutos 1.33 e seguintes a testemunha II declarou “E, portanto, foi assim o contrato. A minha irmã deu-me a cópia dos documentos dela enquanto senhoria. Deu-me as cópias dos documentos do Senhor EE enquanto inquilino. Deu-me a cópia dos documentos da Dona BB enquanto mulher do inquilino. E deu-me as cópias dos documentos da Dona FF enquanto fiadora. Deu-me também uma folha com os bens que ela queria que discriminasse no contrato que estavam, portanto, em bom estado. Como, por exemplo, a placa do fogão, os armários da cozinha, as louças sanitárias, as paredes. E também me deu-me, portanto, numa folha, as três condições que tinha acordado com o Senhor EE quando combinou as condições com ele. Que foi, não poderia pintar as paredes no interior da casa que não fosse de cor branca. Toda a manutenção e reparação da casa ficava sempre por conta dele, enquanto ele lá estivesse. E, por isso, foi por essa razão que a minha irmã tinha isto em conta e durante 20 anos não lhe aumentou a renda. E a terceira condição é que o Senhor não podia fazer alterações à casa sem a minha irmã consentir por escrito e devidamente autenticado. Portanto, levei esses documentos à agência de contabilidade. Aí a minha irmã também me disse uma outra coisa, que queria que o contrato fosse igual ao contrato que a minha irmã tinha celebrado um ano e meio antes com outro inquilino, com o Senhor JJ, que tinha ido para a casa dela. Queria que as condições fossem as mesmas. E, portanto, foi isso que eu acordei lá na agência de contabilidade com a filha da Dona GG, que era ela que fazia os contratos de arrendamento. Aí fizemos o contrato, ela deu-me quatro cópias do contrato e eu entreguei-as à minha irmã.”
Questionada se foi a própria que foi mostrar a casa? ao minuto 3:27 respondeu “Não, quem foi mostrar a casa foram os meus pais.”
36. E referindo-se à irmã continuou aos minutos 14:57 e seguintes “Ela foi lá e a Dona BB não estava. E ela pediu à minha inquilina para entrar pela casa. Subiu aos meus anexos e deparou-se com aquele cenário. O fenômeno. E disse se eu sabia que existiam lá aquelas estruturas e aqueles ferros espetados na garagem dos anexos. Olhe, é assim, aquilo era uma pergunta e ao mesmo tempo era um desabafo, não é? Porque a minha irmã sabia perfeitamente que eu não sabia nada daquilo. Eu disse, ah não, não sei nada. Disse. Entretanto, no dia a seguir a minha irmã foi lá e falou com a Dona BB. Disse. Eu fui lá com a minha irmã então ver aquele cenário. Mas eu não imaginava que era aquilo que lá estava. (Como é que foi e como é que a sua irmã reagiu?) A minha irmã ficou chocadíssima. O que a minha irmã me disse a mim foi. Deu-me cabo da casa toda. Só vão-me sobrar as paredes de pedra.”
37. E continuou aos minutos 25:31 e seguintes, a instâncias da Mandatária da Autora, “Mas é que na casa da minha tia nós não conseguimos ver nada para a casa da minha irmã, porque a casa da minha tia... (A senhora disse que era possível. Nas traseiras consegue-se ver.) Mas é que nós não íamos às traseiras da casa da minha tia.”
38. “Mas por quê?” questionou a Mmª Juiz de Direito, respondendo a testemunha, “Porque a casa da minha tia, eu tenho aqui a fotografia, se quiser ver a casa da minha tia, tanto a cozinha como a sala é virada para a rua. Nós, ao entrarmos na casa da minha tia, nós não conseguíamos ver nada para a casa da minha irmã.”
39. Ao minuto 26:03 e seguintes continuou “A cozinha, exatamente. E a zona social era para a frente. Exatamente, a zona social. Nós ficávamos normalmente na cozinha e é virada para a frente. Sim, sim, sim.”
40. Referindo-se às obras realizadas pela Ré, a testemunha CC disse aos minutos 15:42 e seguintes “A minha filha, que deve saber, e que foi lá... É que ficou aterrorizada com a casa, que estava tudo em mau estado. (…) Não, eu não vi, porque eu não fui lá. Mas a minha filha ficou doente quando lá foi. Ficou doente, da maneira que a casa está. Por fora e por dentro. (…) A minha filha foi que me disse. Chegou a casa doente, por causa da casa. (…) Minha filha disse-me que a casa estava em mísero estado, por fora e por dentro.” E à pergunta “Agora, diga-me uma coisa. A senhora, alguma vez, ou o seu marido, autorizou alguma obra que fosse?”. ao minuto 16:38 a testemunha respondeu “Nunca. (…) Nunca, Senhora Doutora, nunca. (…) Nunca. Meu marido nunca deu ordens nenhumas para fazer nada naquela casa.”
41. Questionada ao minuto 27:44 “Quando a sua filha lhe falou das obras, como é que ela estava? Das obras que a Dona BB fez na casa.” a testemunha respondeu ao minuto 27:59 e seguintes “A minha filha ficou doente. Chegou à casa doente. Doente mesmo. Doente mesmo. Porque a gente não sabia o que ela andava a fazer na casa. Ninguém sabia. A minha filha não sabia o que ela andava a fazer na casa.”
42. E referindo-se aos recibos da renda, ao pagamento da renda e do contrato a testemunha referiu “Quando ela se esquecesse. Se ela se esquecesse, eu para provar, como ao Senhor EE me dava o dinheiro, eu assinava o recibo para lhe dar o recebo direto.”
43. E quando questionada “E quando o senhor EE ia lá, ele pedia para falar com o seu marido?” Ao minuto 20:31 respondeu “Nunca. Nunca, nem eu, nunca lá fui.”
44. E questionada se “Alguma vez se apresentou como procuradora ou como proprietária da casa?” Ao minuto 24:05 a testemunha respondeu “Nunca, nunca. A proprietária é a minha filha.”
45. Face a tudo quanto supra alegado, consideramos, com o devido respeito, que o facto 38 deveria dar-se como não provado, uma vez que o momento do conhecimento das obras por parte da Autora resulta provado nos factos 12, 16 e 26 (após a receção da carta de 25 de março de 2021 pela Autora, e 20 dias antes do requerimento da notificação judicial avulsa de 2021/04/30).
46. Quanto aos factos vertidos nos pontos 39, 40 e 42 também não são verdadeiros conforme supra referido porquanto, só a mãe da Autora é que recebia a renda pelos motivos que a própria Autora, mãe e irmã confessaram nas suas declarações audiência de julgamento.
47. E neste sentido apenas apareceram dois recibos assinados, um pela mãe da Autora e outro pela irmã e nenhum pelo pai da Autora, pelo que não é verdade que tenha ficado provado em sessão de julgamento, nem em documento que o pai da Autora tenha assinado alguma vez qualquer recibo, nem ficou provado que tivesse recebido alguma vez qualquer renda e nunca se deslocava ao locado.
48. Aliás, é a própria Ré quem alega na douta contestação que a Autora nunca realizou obras de conservação, recuperação ou reabilitação do imóvel até esta data (cfr. ponto 39 da douta contestação). E se era a Ré que se deslocava a casa da Autora para pagar a renda, desconhecemos a que se refere o douto Tribunal “a quo” quando alega que os pais da Autora, alegadamente, recebiam a renda e assinavam os recibos, “eram quem se deslocavam ao locado, quando era necessário” (negrito nosso). Assim, questionamos: Quando é que era necessário tal deslocação, se nunca fizeram obras de conservação, recuperação e reabilitação?
49. Nesta conformidade, com o devido respeito, consideramos que tanto o facto 39, tal como os factos 40 e 42 deviam ser considerados como não provados, com exceção da parte em que era a mãe da Autora que recebia a renda, e pontualmente, assinava o recibo.
50. Quanto ao facto 41, não é verdade que “Os termos do contrato foram acordados com os pais da Autora e quando a Ré e o marido o assinaram a Autora já o tinha previamente assinado.” Conforme resulta do contrato junto aos autos (cfr. doc. 2 junto à PI não impugnado). O contrato de arrendamento junto à PI como doc. 2 e que não foi impugnado só foi assumido pelo marido da Ré e não pela Ré.
51. E a testemunha HH que participou e a sua mãe referiram expressamente como decorreu a assinatura do contrato.
52. E conforme resulta das declarações das testemunhas HH e sua mãe CC, que acompanharam a assinatura do contrato celebrado com o marido da Ré e não com a Ré, o mesmo foi assinado e negociado com a Autora e não com o pai. O que contraria o alegado nos factos 39 e 41 dos factos provados, pelo que se pretende que se dê tais factos 39 e 41 como não provados.
53. Quanto ao facto 45, não é verdade que a Ré tenha tratado da transmissão do arrendamento após o óbito do marido com o pai da Autora porquanto este faleceu em 2017/07/30 (cfr. doc. 1 junto ao requerimento com a referência 34125048 de 2022/12/12).
54. A transmissão do arrendamento foi tratada com a mãe da Autora conforme declarações de parte da Autora ao minuto 23:01 e seguintes “O Senhor EE nunca falou com o meu pai. Desde o dia do arrendamento em que ele foi-lhe mostrar a casa, ele nunca mais falou com o meu pai até à data da morte dele. A Dona BB, a Dona BB, nunca, nos 20 e tal anos, só se dirigiu à minha casa duas vezes, duas vezes. (…) As duas vezes foi uma primeira vez, foi para pedirem, para lhe passarem o contrato para o nome dela. (…) Deu o recado à minha mãe, disse à minha mãe se era possível eu passar o contrato para o nome dela, porque seria-lhe mais vantajoso em termos de, a contabilista que disse que era mais vantajoso. E eu quando cheguei à casa à noite, a minha mãe deu-me o recado. Disse-me, a Dona BB passou cá, pediu se lhe passavas o contrato para o nome dela. E eu disse, pronto, tudo bem, não tenho problema nenhum. Passado uns dias fui à internet e alterei. Alterei o nome do, alterei o contrato de arrendamento.”
55. Quanto ao facto 47, relativamente à cobertura colocada na parte de trás da habitação em plástico, com porta e janelas, foi considerada pelo douto Tribunal que a mesma se encontra colada à parede podendo ser retirada. Esta conclusão baseou-se na inspeção judicial ao local em 2024/06/05 e no teor do relatório pericial junto aos autos em 2023/11/30.
56. Acontece que consta do relatório pericial que as estruturas não estão coladas mas sim fixadas de forma mecânica (cfr. quesito 44 e resposta ao quesito 44, pag. 65 do relatório; quesitos 24, 25 e 26 e respetivas respostas e fotografias, pag. 51, 52 e 53 do relatório; quesitos 49, 50 e 51 e respetivas respostas e fotografias de folhas 68, 69 e 70).
57. Resultou, assim, provado pelo relatório pericial junto aos autos em 2023/11/30, enquanto meio de prova documental atendível pelo Tribunal, que a cobertura colocada na parte de trás em plástico, não é colada à parede, mas sim fixada por estruturas metálicas de forma mecânica (com parafusos cravados conforme supra referido e resultante do próprio meio de prova) para o qual o próprio Tribunal remete para fundamentar a sua convicção.
58. Face ao exposto, somos de entender que o facto 47 terá de ser considerado não provado.
59. Quanto ao quesito 46, apenas a zona de acesso à garagem é visível da frente da habitação, na passagem da Rua (cfr. relatório pericial junto aos autos em 2023/11/30 – pag. 61, quesito 37 e resposta ao quesito 37 e fotografia do alçado e da garagem), pelo que resulta da prova produzida e elegível qual a parte das referidas obras que é considerada visível.
60. Nesta conformidade, consideramos que o Tribunal “a quo” poderá dar como provado no facto 46 que “apenas a cobertura de acesso à garagem é visível da frente da habitação na passagem na Rua”, o que se requer.
61. Quanto ao facto 48, o chão exterior do imóvel à frente da cozinha não era em terra batida, mas tinha um quintal, com um passeio à volta para circular, igual ao da casa vizinha (cfr. doc. 6 da PI).
62. Finalmente, no nosso modesto entendimento não poderá considerar-se o facto 50 como provado porquanto, a Ré não fez obras, não há qualquer facto provado, nem qualquer evidência ou prova, ou mesmo alegação que refira que a Ré tenha realizado obras, nem que tenha pago € 11.131,50.
63. Aliás, este facto é contraditado pelo teor do facto 34 que refere que o valor das obras de reposição do prédio no estado inicial no exterior da casa ascende a € 11.131,50, facto este invocado e provado pela Autora que solicitou um orçamento para o efeito e arrolou a testemunha Engenheiro KK que veio confirmar os custos previsíveis com tal obra.
64. Este facto não pode ser considerado provado, resultando de provável confusão do douto Tribunal “a quo”.
65. Não há qualquer alegação por parte da Ré que tenha referido que realizou obras no valor de € 11.131,50, pelo que se requer que o facto 50 seja considerado não provado.
66. Em suma, o Tribunal “a quo”, salvo melhor opinião, e com todo o respeito que nos merece a Mma Juiz “a quo” que subscreveu a douta sentença, não fez uma correta apreciação e julgamento da prova que lhe foi oferecida durante a audiência de discussão e julgamento, nem da prova documental.
67. No nosso modesto entendimento, o Tribunal “a quo” considerou provada matéria que assim não deveria ter sido, e, por outro lado, não relevou, nem considerou provada, factualidade importante que, a nosso ver, é fundamental para a boa decisão da causa, designadamente, para a aplicação da justiça material.
68. Com efeito, atendo os fundamentos supra aduzidos no nosso modesto entendimento e com o devido respeito, os factos 38, 39, 41, 42, 45, 47 e 50 deveriam ser dados como não provados.
69. Quanto ao facto 40 consideramos que não ficou provado com a exceção de que era a mãe da Autora que recebia a renda.
70. Quanto ao facto 46 devia ficar provado que “apenas a cobertura de acesso à garagem é visível da frente da habitação na passagem na Rua.”
71. Quanto ao facto 48 ficou provado que o chão exterior do imóvel em frente à cozinha não era em terra batida, mas tinha um quintal, com um passeio à volta para circular, igual ao da casa vizinha.
72. E no nosso modesto entendimento e com o devido respeito, devia ser aditado o facto provado com o número 52. As obras identificadas nos factos 16, 18 e 20 foram realizadas pela Ré e pelo marido.
73. Foram realizadas obras estruturais não autorizadas no locado pertença da aqui Recorrente, incumprimento tão grave que é razoável libertar a senhoria do ónus de manter o contrato de arrendamento.
74. Tais obras não podem ser removidas sem deixar marcas, pelo que a integridade do locado foi atingida, existindo um prejuízo estético porquanto alteraram substancialmente a estrutura do imóvel provocando perda total de confiança na manutenção do contrato de arrendamento por parte da Autora em relação à inquilina.
75. A resolução no âmbito do arrendamento urbano pode demitir-se com a manifestação de vontade de um dos contraentes perante o outro, destinada a pôr termo imediato ao contrato, em virtude de determinado incumprimento da contraparte que, pela sua gravidade ou consequência, lhe torne inexigível a manutenção do arrendamento.
76. A Autora propôs a presente ação declarativa peticionando o decretar de resolução do contrato de arrendamento com fundamento na realização das obras de benfeitoria realizadas pela inquilina sem a sua autorização e conhecimento.
77. Considerou também a Mmª Juiz de Direito do Tribunal “a quo” que a Autora (tendo-se referido, por lapso, à Ré) teve conhecimento das obras exteriores no locado em abril de 2021 “Ora, nos termos do artigo 331º, nº 1, do Código Civil, só impede a caducidade a prática dentro do prazo legal do acto a que a lei atribua efeito impeditivo, no caso a propositura da acção de despejo. Com efeito, conforme resulta do artigo 328º, do mesmo diploma, a notificação judicial avulsa não tem a virtualidade de suspender ou interromper o prazo de caducidade ao contrário do que sucede com a prescrição (artigo 323º, nº 1, do mesmo diploma).
Verifica-se, em face do exposto, que o direito de peticionar a resolução do contrato com base nas obras executadas no locado caducou.”
78. Isto porque considerou que tendo a ação sito proposta em 2022/05/09, decorreu mais de um ano.
79. Com o devido respeito, não acompanhamos tal entendimento porquanto com a Notificação Judicial Avulsa identificada no facto provado 30, a Autora notificou a Ré para até 2021/07/10 “”33. (…) até 2021/07/10, e conforme Notificação Judicial Avulsa realizada no dia 2021/05/11: a) Retirar todos os anexos e coberturas que implantou nas traseiras do prédio locado sito na Rua ..., ..., Maia, e que, impedem o arejamento do interior da casa, visto que taparam a janela do quarto e porta da cozinha da casa;
b) Retirar o cimento e repor o terreiro original no logradouro traseiro do locado;
c) Verificar se a antena parabólica danificou a tela do anexo e, em caso de existir rutura da tela, proceder à respetiva reparação;
d) Tapar os buracos e furos que realizou nas paredes exteriores, onde fixou as divisórias dos anexos e coberturas ilicitamente implantados, bem como rebocar e pintar essas paredes;
e) Plantar uma árvore igual à que cortou sem a autorização da Requerente.
80. “(…) E, no mesmo prazo (até 2021/07/10), colocar o soalho e as tijoleiras originais no interior da casa, bem como repor a tijoleira e os móveis originais da cozinha e que se encontravam colocados no locado à data da celebração do contrato de arrendamento.
35. Mas, aceitando não ser possível colocar os mesmos (porque dita a experiência que provavelmente terão sido partidos e quebrados), então colocar cerâmica e soalho novos iguais aos que lá se encontravam, assim como os móveis.
36. Caso tais reparações não sejam total e integralmente realizadas no prazo estipulado, considerarei incumprido o contrato de arrendamento sobre o imóvel supra identificado, concretamente a cláusula oitava do mesmo, considerando-se, consequentemente, o mesmo resolvido ao abrigo do Artigo 1083º do Código Civil.”
81. “31. Mais informou a Autora que, caso tais reparações não fossem realizadas, consideraria incumprido o contrato de arrendamento em causa.
32. Concedeu, também, a Autora à Ré o mesmo prazo para “proceder à reparação dos danos provocados na casa vizinha/confinante, nomeadamente das infiltrações que provocou no quarto, ao implantar ilicitamente o compartimento nas traseiras do prédio locado, sob pena de, se não o fizer, (a própria Autora) realizar tais obras na casa vizinha, exigindo-lhe o reembolso dos custos/despesas que vier a suportar com tais obras, no âmbito do direito de regresso”.”
82. E em 2021/06/12 a Autora enviou carta à Ré a informar que caso tais obras não forem efetuadas, no prazo de 60 dias, consideraria o contrato de arrendamento resolvido (facto 29).
83. Sendo que a Ré não realizou tais obras de reposição e reparação (cfr. facto 33 provado).
84. O Artigo 1085º, nº 3 do CC refere expressamente que, quando se trate de facto continuado ou duradouro, o prazo não se completa antes de decorrido um ano da sua cessação.
85. Nesta conformidade, tendo a Autora concedido um prazo de 60 dias para a Ré repor o prédio no estado em que o recebeu e proceder às reparações supra identificadas, o prazo do incumprimento só se iniciou decorrido que fosse esse prazo, porquanto só nessa data se considerou incumprido o contrato, tal como resulta da NJA.
86. Face a tudo quanto supra alegado, no nosso modesto entendimento, o prazo de caducidade para interposição da presente ação não ocorreu, tendo-se iniciado somente a partir de um ano após os sessenta dias de incumprimento.
87. Já quanto ao abuso de direito que a Ré invocou por parte da Autora, decidiu a Mmª Juiz de Direito do Tribunal “a quo”, “Dispõe o artigo 334º, do Código Civil, que “é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. O abuso de direito constitui uma fórmula tradicional para exprimir a ideia do exercício disfuncional de posições jurídicas, isto é: do exercício concreto de posições jurídicas que, embora correcto em si, acabe por contundir com o sistema jurídico na sua globalidade. No caso, a realização de obras não autorizadas, não foi de molde a impedir o interesse da Autora na manutenção do contrato de arrendamento que perdura há 23 anos pelo que, objectivamente, se nos afigura ilegítimo o exercício do direito face ao conhecimento das obras e á tolerância manifestada perante as mesmas criando na Ré a legitima expectativa ou confiança de que tal facto não seria invocado como causa de resolução do contrato.”
88. “Em face destas circunstâncias parece-nos, igualmente, injustificada a exigência de pagamento das obras de reposição do locado na vigência do contrato. Com efeito, não podendo resolver o contrato com base nas obras realizadas parece-nos, igualmente, inexigível o pagamento das obras de reposição do locado ao seu estado anterior porquanto esta obrigação verificar-se-á, apenas, no momento da restituição do locado quando o contrato cessar por qualquer causa.”
89. Acontece que a Autora não tinha conhecimento das obras, não existindo a tal tolerância manifestada perante as obras, nem a legítima expectativa ou confiança da aceitação de tais obras.
90. Foram realizadas obras estruturais, não autorizadas, não só fora como também dentro do locado, incumprimento tão grave que é razoável libertar a senhoria, aqui Recorrente do ónus de manter o contrato.
91. Em nenhum momento dos autos o Tribunal concluiu ou criou a convicção que a Autora alguma vez teve conhecimento das obras antes de abril de 2021.
92. Acontece que mesmo que fosse do conhecimento do pai da Autora a realização das obras o que se concebe, mas não se concede, o contrato de arrendamento foi firmado com a Autora e com o marido da Ré, resultando do mesmo que o marido da Ré se comprometeu e obrigou a não fazer obras ou benfeitorias sem autorização da senhoria por escrito e devidamente autenticada (cfr. facto provado 10).
93. Por outro lado, em momento algum o Tribunal “a quo” considerou provado que os pais da Autora eram seus procuradores, não tendo tido o cuidado de esclarecer a que se refere “trataram de tudo” no facto 39 e “se deslocavam ao locado quando necessário” no facto 40, facto provado esse que foram aqui impugnados.
94. E se era certo que a Autora é solteira e sempre residiu com os pais (facto provado 44), não ficou provado que a mesma não fosse autónoma, ou não fosse capaz, para tratar dos seus assuntos pessoais.
95. O Tribunal “a quo” não logrou demonstrar o conhecimento da Autora tendo provado a sua convicção através do alegado conhecimento do seu pai. Tendo concluído se o pai sabia, a Autora também saberia, conclusão que não nos parece verosímil, nem razoável, sob o princípio da confiança dos cidadãos no direito e na prova.
96. Não ficou evidenciado, nem por documentos, nem por prova testemunhal, nem o próprio Tribunal “a quo” formou a convicção, nem alegou que o pai da Autora de alguma forma lhe tivesse transmitido se tais obras de benfeitorias tinham sido realizadas!
97. Nem a própria Ré, nem as testemunhas arroladas pela Ré confessaram que alguma vez viram a Autora no locado durante os 23 anos de duração do arrendamento!
98. Assim, o facto de tais obras serem alegadamente do conhecimento do pai da Autora, não significa que foram do conhecimento da Autora!
99. Pelo que, no nosso modesto entendimento, o exercício do direito à resolução do contrato de arrendamento por parte da Autora foi tempestivo, tendo a mesma direito à restituição do locado no estado em que o entregou à Ré, ou, caso assim não se entenda, o que se concebe, mas não se concede, pelo menos a Autora teria direito ao ressarcimento/pagamento por parte da Ré das obras exteriores de reposição do imóvel no estado em que o mesmo se apresentava à data da entrada desta última no arrendado, no valor de 11.131,50 €, acrescido do custo das obras interiores cujo valor se desconhece e deverá ser apurado em sede de execução de sentença.».
Termina pedindo a revogação da decisão na parte em que não decretou a resolução do contrato de arrendamento, nem condenou a Ré na restituição do locado no estado em que o recebeu, ou, subsidiariamente não condenou a Ré no pagamento das obras exteriores para reposição de como o imóvel se apresentava à data da entrada no arrendado no valor de 11 131,50 EUR, acrescido do custo das obras interiores cujo valor se desconhece e deverá ser apurado em execução de sentença.
. alteração da matéria de facto, essencialmente sobre o conhecimento da Autora da realização das obras;
. caducidade do direito da Autora em pedir a resolução do contrato por realização de obras;
. direito da Autora em ser indemnizada de obras realizadas pela Ré que possam constituir danos ao locado.
2.1). De facto.
Foram julgados provados os seguintes factos:
«1. A Autora é dona do prédio urbano de rés-do-chão, destinado à habitação, sito na Rua ..., da freguesia ..., do concelho da Maia, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ....
2. A Autora, por contrato escrito, deu de arrendamento ao marido da Ré, LL, em 1998/09/01, o referido prédio urbano integrando-se no arrendado e para uso privativo uma garagem e uns anexos.
3. O contrato foi celebrado pelo prazo de 5 anos, com início em 1998/09/01 e termo em 2003/08/31, sendo prorrogável, por igual período de tempo, no caso de não ser denunciado no seu termo, mediante a renda mensal de 840.000$00 (oitocentos e quarenta mil escudos), equivalente a 4.189,90 €.
4. Por óbito do identificado arrendatário, em 2013/12/23, o contrato de arrendamento transmitiu-se à sua mulher, consigo residente, a aqui Ré, BB.
5. A Ré manteve-se a ocupar o referido prédio, sendo a renda, atualmente, paga pela Ré.
6. O locado foi restaurado dois anos antes da celebração do contrato de arrendamento, mais concretamente, em finais do ano de 1995.
7. À data, o referido restauro tinha por objetivo ser a habitação da aqui Autora, sendo que todo o restauro da casa foi realizado de acordo com o gosto pessoal da mesma ao nível da qualidade de materiais, do conforto, da funcionalidade e da estética.
8. As obras de restauro efetuadas na referida habitação/locado antes da entrada da Ré na casa foram as seguintes:
Canalização totalmente nova em toda a habitação interna e externa;
Rede elétrica totalmente nova em toda a habitação;
Cozinha: paredes e pavimento com cerâmicas novas, mobiliário novo;
Casa de banho: cerâmica nova nas paredes e chão, louças novas, torneiras novas;
Portas interiores da sala novas (com vidros);
Restantes portas interiores restauradas, tratadas e envernizadas;
O chão dos quartos e sala, em madeira (taco), estava em bom estado tendo sido raspados e envernizados;
Foi colocada uma porta exterior nova na sala;
A porta traseira e as janelas em madeira existentes foram raspadas, tratadas e envernizadas;
Anexos ligados à garagem: construídos novos, com placa de teto nova;
Toda a casa, garagem, anexos, foram pintados;
Foi construído um coberto/telhado lateral, em placa de tijolo/cimento e cobertura de telha, no acesso;
Passeio lateral de acesso à garagem em cimento, foi colocado cerâmica no pavimento;
Garagem e anexos: cerâmica nova nos pisos e nas paredes até meia altura;
9. Nos termos da cláusula sétima do próprio contrato, o inquilino, marido da aqui Ré, à data da entrega do imóvel, atestou o estado em que se encontrava o arrendado, declarando expressamente que os tetos, pavimentos, paredes, portas e janelas, canalizações de água e esgotos, instalações e acessórios elétricos, móveis e equipamentos de cozinha, louças e acessórios sanitários, placa do fogão, exaustor e cilindro se encontravam em “Bom estado”.
10. Tendo-se comprometido e obrigado a não fazer obras ou benfeitorias sem autorização da senhoria, por escrito e devidamente autenticada, a não ser as de conservação e limpezas necessárias que ficaram a seu cargo.
11. A Ré enviou à Autora a carta que ao diante junta como doc. 3, sem data, através da qual lhe solicitou a realização de obras no imóvel sito na Rua ..., do qual é arrendatária, anexando fotografias diversas, sem identificar nem discriminar as divisões e os problemas que pretende intervencionar.
12. A referida carta foi enviada à Autora em 22 de Março de 2021, que a recebeu em 25 de Março de 2021.
13. Nesta mesma carta a Ré solicitou à Autora que no prazo de 30 dias após a receção da carta, se dirigisse ao imóvel de modo a acordar uma solução para aquele problema ou solicitasse a algum profissional em reabilitação de imóveis para se dirigir ao mesmo e redigir um orçamento que pudesse ser elevado a cabo pela Autora.
14. Para que a Autora tomasse conhecimento do estado do imóvel, a Ré anexou à carta 9 fotos comprovativas do estado de degradação do locado.
15. O imóvel necessita de obras de impermeabilização do telhado, da tela do anexo e garagem, da substituição do portão da garagem, entre outras.
16. Após a receção da carta, a Autora deslocou-se a casa da irmã, confinante ao imóvel por si arrendado, e viu as diversas obras no locado, nomeadamente: Por cima do anexo, no seu exterior, foi cravada diretamente na placa, uma parabólica e uns ferros de cor clara, que furaram a tela impermeabilizante e a placa ao serem fixados; O quintal do locado foi cimentado e cortadas as árvores que lá existiam; Colocou uma marquise fixada à casa, tapando toda a traseira da casa (incluindo a janela do quarto e a porta da cozinha) e com uma caleira fixada à casa a todo o comprimento (que tem como objetivo proteger a marquise, mas que alterou o original escoamento normal das águas pluviais);
Colocou várias estruturas metálicas fixadas na casa, garagem, anexos, a suportar coberturas de chapa plásticas; Colocou um portão de madeira fixado na casa.
17. Ao fixar os ferros e antena parabólica diretamente na placa superior dos anexos a Ré danificou a tela.
18. Ao cravar a antena e os ferros diretamente na parte superior do anexo não evitou a perfuração directa do solo e da tela (colocada na parte superior do anexo como última camada do piso).
19. A Autora tinha colocado no locado por cima do anexo uma tela de impermeabilização totalmente nova, igual às telas que se colocam nos telhados planos dos prédios.
20. As coberturas e a marquise tapam a janela e a porta traseiras.
21. A Ré fez vários furos na casa junto à fixação do portão de madeira que resolveu fixar nas traseiras.
22. A irmã da aqui Autora recebeu uma queixa da sua inquilina a denunciar infiltrações de humidade no quarto, alegando que a causa dessas infiltrações eram as obras realizadas na casa locada à Ré e exigindo-lhe a respectiva reparação.
23. Quando foi informada desta reclamação, a Autora deslocou-se a casa da irmã para verificar, in loco, qual a origem das infiltrações denunciadas e constatou que, para além das obras realizadas pela Ré, supra referidas, a mesma colocou caleiras no telhado, que o prédio não possuía e alteram a estética do prédio.
24. A Ré instaurou contra a Autora, em 30.03.2021, por falta de realização de obras no locado, a ação declarativa que corre termos por este juízo local sob o nº 1809/22.0T8MAI e para a qual a mesma foi citada em 5.04.2021.
25. A Ré recebeu em 11.05.2021 uma notificação judicial avulsa na qual a Autora comunicou que deveria, no prazo de 60 dias:
a) “retirar todos os anexos e coberturas que implantou nas traseiras do prédio locado sito na Rua ..., ..., Maia, e que, impedem o arejamento do interior da casa, visto que taparam a janela do quarto e a porta da cozinha da casa;
b) Retirar o cimento e repor o terreiro original no logradouro traseiro desse prédio;
c) Verificar se a antena parabólica danificou a tela do anexo e, em caso de existir rutura na tela, proceder à respetiva reparação;
d) Tapar os buracos e furos que realizou nas paredes exteriores, onde fixou as divisórias dos anexos e coberturas ilicitamente implantados, bem como rebocar e pintar essas paredes;
e) Plantar uma árvore igual à que cortou sem a autorização da Requerente”.
26. A referida notificação judicial avulsa foi requerida em 30.04.2021 e na mesma a Autora alega, no artigo 4º, que “há cerca de 20 dias atrás, a Requerente deslocou-se a casa da irmã, confinante com o imóvel por si arrendado, e verificou que a Requerida realizou, sem o seu conhecimento e consentimento, diversas obras no locado, nomeadamente: eliminou o terreiro que existia no logradouro do prédio; cortou a árvore lá existente; cimentou o mesmo; implantou um compartimento com materiais resistentes nesse logradouro ligando a parte de trás da casa aos anexos e colocou coberturas, também em material resistente, em várias zonas das traseiras do prédio (…)”.
27. Em 2021/05/19, a Ré respondeu à Autora dando-lhe conta que a árvore do quintal tinha sido cortada há mais de 20 anos, assim como a colocação de cimento em frente á porta da cozinha que foi o que justificou o corte das arvores, porque o chão era em terra batida e com a chuva ficava em lama, e tais obras foram autorizadas pelos pais da Autora, nos termos que melhor constam do documento nº 11, junto com a petição inicial, cujo conteúdo se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
28. Através da referida carta a Autora ficou a saber que, no interior do locado, foram realizadas obras, tais como, “colocação de soalho novo e tijoleiras novas no interior, colocação de tijoleira em toda a cozinha e móveis novos; colocação de tijoleira nova em todo o espaço exterior”.
29. A Autora, através da carta datada de 2021/06/12 e dirigindo-se à Ré, respondeu o seguinte:
“1. Como é do seu conhecimento (cfr. cláusula 8ª do contrato de arrendamento) e resulta da lei (cfr. Artigo 1074º, nº 2 do Código Civil) está-lhe vedada a realização de obras no prédio arrendado salvo se tiver autorização escrita da senhoria;
2. Não sendo verdade que tenha solicitado autorização aos meus pais para cimentar a zona em frente à cozinha, ou seja, o terreiro (= espaço de terra contíguo à casa); nem para cortar as duas árvores, aliás uma das quais (a macieira) tinha um valor sentimental para o meu pai pois tinha-lhe sido oferecida por um amigo especial e, por isso, ofereceu-me a mesma (razão pela qual a plantei no m/ quintal).
3. Também, não é verdade que os meus pais se tenham apresentado como senhorios, nem como meus representantes, pois apenas se limitaram a receber a renda (na medida em que eu me encontrava a trabalhar) e entregava os recibos que eram emitidos e assinados por mim, sendo que, entretanto, V. Exª passou a efetuar os pagamentos por transferência bancária para a minha conta.
4. Alega V. Exª que estas situações (referindo-se às alterações que introduziu no arrendado sem a minha autorização) são do meu conhecimento há muitos anos, o que não é verdade. Fiquei completamente chocada quando vi as intervenções que introduziu na casa! Não me revejo, nem aceito, porque não gosto mesmo das “obras”/”alterações” que V. Exª apelida de benfeitorias! Considero que as mesmas desvalorizam o meu prédio.
5. Respeito o seu gosto, mas a casa é minha. Sendo que V. Exª é apenas mera detentora da mesma, pois apenas lhe entreguei a posse do imóvel por contrato de arrendamento, não podendo V.Exª realizar as intervenções que lhe apetece, como se o prédio fosse sua propriedade!
6. Através da sua carta, fiquei também a saber que, no interior do locado, realizou outras obras, tais como, “colocação de soalho novo e tijoleiras novas no interior, colocação de tijoleira em toda a cozinha e móveis novos; colocação de tijoleira nova em todo o espaço exterior”, alegando que as mesmas são do meu conhecimento ou, pelo menos do conhecimento dos meus pais, o que não é verdade.
7. Aliás, no seguimento da sua carta, contactei a minha mãe que ainda é viva e a mesma informou-me que não é verdade que lhe tivesse dado conhecimento, nem o meu pai sabia.
8. Quanto a mim, a sua pretensão de realização de obras no locado nunca me foi comunicada, e como sabe, não tendo acesso ao interior da casa, nem às traseiras, não podia tomar conhecimento das obras realizadas!
9. Assim, quanto às alterações e obras do interior da casa (tal como as do exterior), não as aceito porquanto não dei autorização para a respetiva realização. Na verdade antes da sua entrada na casa, remodelei-a toda: coloquei canalizações e parte elétrica novas; raspei e envernizei o chão de madeira (taco); renovei e remodelei a casa de banho toda (com azulejos, tijoleiras e louças sanitárias novas), bem como a cozinha (onde coloquei azulejos, móveis e placa novos); coloquei portas interiores da sala novas com vidros pequenos; e apesar de ter aproveitado as janelas exteriores em madeira, tratei-as e envernizei-as; e ainda substitui a porta da sala exterior em madeira trabalhada. Coloquei também tijoleira nova no pavimento de acesso à garagem e um coberto lateral, e coloquei no telhado do anexo uma tela de isolamento totalmente nova.
10. Assim, não tendo autorizado a modificar a “MINHA” casa, à minha revelia e sem o m/ conhecimento, exijo a imediata reposição dos móveis, soalho e cerâmicos iguais aos que eu tinha colocado e que se encontravam na casa quando lá entrou.
11. V. Exª insiste, ao longo de toda a carta, que os meus pais eram as pessoas que sempre trataram consigo todas as questões que se relacionaram com o arrendamento, o que também não é verdade. Fui eu que assinei o contrato de arrendamento; foi perante mim que V. Exª assumiu o compromisso de não realizar obras, nem benfeitorias, a não ser as que obtivessem a minha autorização escrita; fui sempre eu que emiti os recibos; foi para a m/ conta que V. Exª transferiu o valor das rendas, sendo que, só por uma questão prática é que a minha mãe recebia o pagamento da renda e entregava os recibos, mas apenas isso. Nunca os mandatei como meus representantes!
12. Quanto à colocação de coberturas com materiais resistentes, e acreditando que as mesmas são amovíveis, não deixam de ser desproporcionadas, alterando negativamente a estética do imóvel, conferindo-lhe um aspeto ignóbil e feio.
13. Nesta conformidade, pretendo a imediata retirada desses materiais que considero lesarem a estética do prédio e, se são de fácil remoção, então V. Exª poderá fazê-lo de imediato, não tendo de aguardar pela cessação do contrato de arrendamento.
14. Aliás, quando V. Exª arrendou a casa, tinha perfeito conhecimento do estado da mesma (ou seja, sem as coberturas, estruturas e que, entretanto, colocou) e aceitou entrar no imóvel nessas condições.
15. Acontece também que, ao fechar as traseiras da casa com a colocação de várias estruturas em plástico, uma delas de caixa fechada, impede a entrada de ar, luz e sol, quer na cozinha, quer pela janela do quarto, não me convencendo os seus argumentos de que, quer a porta, quer a janela se estavam a danificar pelo decurso do tempo, até porque as restantes portas e janelas exteriores da casa também estão expostas (tal como qualquer casa) à chuva e calor.
16. Assim, não aceito a justificação de que colocou esse material (que considero totalmente desproporcionado à estética do locado) para prevenir que o imóvel fique danificado.
17. Sendo que, também, desconheço o momento em que colocou tais materiais.
18. E se considera que a cobertura de plástico foi colocada segundo a “legis artis e não destrua a estética do prédio”, respeito a sua opinião, mas relembro o prédio é meu, e não concordo consigo!
19. Ao tapar a casa, e colocar uma caleira sem saída na ponta, com a intensidade das chuvas a água trespassa para o prédio vizinho, sendo que o facto de as estruturas serem coladas não impede essa infiltração.
20. Quanto ao telhado, o mesmo está em perfeito estado, pois, quer eu, quer a vizinha, já enviamos um técnico ao local que nos assegurou que o telhado está em bom estado de conservação.
21. Acontece que a parede do quarto da casa vizinha está rachada, conforme registo fotográfico obtido, e tal deve-se às intervenções realizadas por V. Exª com a colocação das estruturas de plástico e caleiras colocadas.
22. Acresce que, o facto de V. Exª retirar a antena cravada no telhado dos anexos não elimina o dano causado, pois V.Exª cravou-a diretamente na parte superior do anexo, sem ter preparado o local para o efeito (alteando-o com cimento para não perfurar a tela) e evitar a perfuração direta do solo e da tela.
23. Aliás, até aconselho a não retirar a mesma a fim de podermos, in loco, avaliar e examinar, os danos provocados por essa colocação.
24. Alega V. Exª que a “tela existente nos anexos do imóvel está completamente rachada e com fendas”, porém, a tela não estava visível, pois a mesma foi colocada por cima do teto desses anexos.
25. Assim, pergunto como é possível visionar tais danos?
26. Aliás, através das fotografias que me enviou, verifiquei, atonitamente, que abriu um grande buraco retangular no teto dos anexos, desconhecendo o motivo dessa obra, e que terá danificado o teto (conforme aliás se constata nas fotos que enviou).
27. V. Exª alega também que parte do teto dos anexos caiu, mas o facto é que resulta das fotos que o teto foi partido, o buraco em forma de quadrado foi feito por si, antes de me enviar a primeira carta.
28. Quanto à tela, relembro-a que coloquei antes da sua entrada no locado, tendo sido danificada com a colocação da antena parabólica.
29. Coloquei uma tela de impermeabilização totalmente nova, igual às telas que se colocam nos telhados planos dos prédios, e que superam os 30 a 35 anos de vida útil (se não forem violadas)!
30. Assim, e porque as reparações dos danos que reclama no teto da garagem e nos anexos localizados nas traseiras da casa são derivados do mau uso dos mesmos, ao longo da duração do contrato de arrendamento, resultante das obras por si realizadas, informo que realizarei as mesmas após a reposição e reparação dos danos por si causados com as obras conforme supra alegado.
31. Por outro lado, uma vez que assumiu que não ia proceder às obras ilicitamente realizadas no locado, e na medida em que lhe fixei o prazo de 60 dias para o efeito que ainda não decorreu, concedo-lhe a possibilidade de reconsiderar a sua posição.
32. Na verdade, considero que as intervenções/obras realizadas por V. Exª identificadas na Notificação Judicial Avulsa realizada no passado e nesta carta, quer individual, quer globalmente consideradas são de tal modo graves, inestéticas e abusivas que colocam em causa a manutenção do contrato de arrendamento, não prescindindo do direito a exigir a V. Exª a reposição do prédio no estado em que o recebeu.”
30. Através da referida carta a Autora notificou a Ré para:
“33. (…) até 2021/07/10, e conforme Notificação Judicial Avulsa realizada no dia 2021/05/11:
a) Retirar todos os anexos e coberturas que implantou nas traseiras do prédio locado sito na Rua ..., ..., Maia, e que, impedem o arejamento do interior da casa, visto que taparam a janela do quarto e porta da cozinha da casa;
b) Retirar o cimento e repor o terreiro original no logradouro traseiro do locado;
c) Verificar se a antena parabólica danificou a tela do anexo e, em caso de existir rutura da tela, proceder à respetiva reparação;
d) Tapar os buracos e furos que realizou nas paredes exteriores, onde fixou as divisórias dos anexos e coberturas ilicitamente implantados, bem como rebocar e pintar essas paredes;
e) Plantar uma árvore igual à que cortou sem a autorização da Requerente.
34. E, no mesmo prazo (até 2021/07/10), colocar o soalho e as tijoleiras originais no interior da casa, bem como repor a tijoleira e os móveis originais da cozinha e que se encontravam colocados no locado à data da celebração do contrato de arrendamento.
35. Mas, aceitando não ser possível colocar os mesmos (porque dita a experiência que provavelmente terão sido partidos e quebrados), então colocar cerâmica e soalho novos iguais aos que lá se encontravam, assim como os móveis.
36. Caso tais reparações não sejam total e integralmente realizadas no prazo estipulado, considerarei incumprido o contrato de arrendamento sobre o imóvel supra identificado, concretamente a cláusula oitava do mesmo, considerando-se, consequentemente, o mesmo resolvido ao abrigo do Artigo 1083º do Código Civil.”
31. Mais informou a Autora que, caso tais reparações não fossem realizadas, consideraria incumprido o contrato de arrendamento em causa.
32. Concedeu, também, a Autora à Ré o mesmo prazo para “proceder à reparação dos danos provocados na casa vizinha/confinante, nomeadamente das infiltrações que provocou no quarto, ao implantar ilicitamente o compartimento nas traseiras do prédio locado, sob pena de, se não o fizer, (a própria Autora) realizar tais obras na casa vizinha, exigindo-lhe o reembolso dos custos/despesas que vier a suportar com tais obras, no âmbito do direito de regresso”.
33. A Ré não realizou as obras de reposição e de reparação.
34. O valor das obras, de reposição do prédio no estado inicial, no exterior da casa, ascende a 11.131,50 €.
35. As obras executadas pela Ré foram sem prévio conhecimento e consentimento da Autora.
36. A pretensão de realização de obras no locado nunca foi comunicada pela Ré à Autora.
37. As obras realizadas no locado foram todas realizadas em vida do marido da Ré o qual faleceu em 21.12.2013.
38. A Autora tem conhecimento das obras há mais de 10 anos.
39. As obras realizadas no locado foram do conhecimento do pai da Autora com quem a Ré e o marido sempre trataram de tudo quanto se relacionasse com o arrendamento.
40. Eram os pais da Autora que recebiam a renda e assinavam os recibos, eram estes que se deslocavam ao locado quando necessário.
41. Os termos do contrato foram acordados com os pais da Autora e quando a Ré e o marido o assinaram a Autora já o tinha previamente assinado.
42. Era o pai da Autora que visitava os imóveis, quer o da Autora quer o da irmã, contiguo ao seu.
43. Há cerca de 10 anos o pai da Autora vistoriou o telhado do prédio, comum as duas moradias das filhas, após queixas de infiltrações por parte das inquilinas.
44. A Autora é solteira e sempre residiu com os pais.
45. Foi com o pai da Autora que a Ré tratou da transmissão do arrendamento após o óbito do marido.
46. Parte das referidas obras são visíveis da frente da habitação na passagem na rua.
47. A cobertura colocada na parte de trás da habitação é feita em plástico, com portas e janelas, colada á parede, podendo ser retirada.
48. O chão exterior do imóvel, atrás da cozinha era em terra e no inverno ficava com lama que sujava a casa, pátio e acesso à garagem.
49. O abate da árvore foi necessário para pavimentação do chão e circulação dos veículos da Ré designadamente a carrinha de venda do peixe e o carro do marido.
50. O valor das obras realizadas pela Ré ascende a 11.131,50 €.
51. A presente ação causou tristeza, preocupação e ansiedade à Ré.».
1. As obras de restauro efetuadas na referida habitação/locado antes da entrada da Ré na casa foram as seguintes:
Cozinha: exaustor, banca, placa de fogão, novos;
O portão da garagem foi tratado e pintado;
Foi colocado um portão novo de acesso à casa.
2. Já antes a Ré havia solicitado verbalmente e por diversas vezes a realização dessas mesmas obras, negando-se a Autora a fazê-las.
3. A tela colocada pela Autora por cima do anexo supera os 30 a 35 anos de vida útil (se não forem violadas).
4. As coberturas e a marquise impedem o arejamento e respiro das divisões da casa.
5. Por consequência dessas obras, as paredes da casa foram furadas e esburacadas, infiltrando-se humidade no quarto da casa vizinha que confina com a parede onde foram realizados os furos para fixar o compartimento que implantou no logradouro.
6. A parede do quarto da casa vizinha está rachada, e tal deve-se às intervenções realizadas pela Ré com a colocação das estruturas de plástico e caleiras.
7. A colocação da cobertura teve em vista proteger a janela do quarto traseiro, junto à porta da cozinha, que era de madeira e estava a apodrecer por exposição ao sol e à chuva.
8. A Autora não tem acesso ao interior da casa, nem às traseiras, não podendo tomar conhecimento das obras realizadas.
9. A Ré tem 73 anos de idade.».
A). Impugnação da matéria de facto.
Facto provado 16.
Após a receção da carta, a Autora deslocou-se a casa da irmã, confinante ao imóvel por si arrendado, e viu as diversas obras no locado, nomeadamente… .
A recorrente pretende que se acrescente que foi a Ré que realizou tais obras.
Sobre este facto, o tribunal mencionou que: «quanto às obras realizadas pela Ré teve-se em consideração a inspeção judicial ao local, realizada em 5.06.2024, cujo auto foi vertido na ata com a mesma data, o teor do relatório pericial, junto aos autos em 30.11.2023 e as fotos juntas com a petição inicial sob documento nº 4 a 9. Daqui os factos provados sob 16 a 21 e 46 a 49.
Pensamos que não há necessidade de recorrer a depoimentos prestados em julgamento para se poder acrescentar que as obras aqui referidas foram efetuadas pela Ré: assim resulta da própria motivação do tribunal recorrido e assim foi alegado pela Autora (artigos 17.º, 18.º, 20.º a 22.º, da petição inicial), sendo que a Ré não questiona que as tenha realizado (com exceção de uma que não é mencionada – colocação de portão de madeira -); antes refere que as fez mas com autorização (direta ou indireta da Autora – artigos 43.º, 60.º a 63.º, da contestação).
Aliás, dos factos 17 a 21 pensamos que já resultaria que foi a Ré que realizou as obras aí mencionadas, incluindo a colocação do portão.
Mas, de modo a que não resultem dúvidas que foi a Ré quem realizou as obras mencionadas no facto 16, acrescenta-se o seguinte:
«Após a receção da carta, a Autora deslocou-se a casa da irmã, confinante ao imóvel por si arrendado, e viu as diversas obras no locado realizadas pela Ré, nomeadamente…».
A Autora tem conhecimento das obras há mais de 10 anos.
A recorrente pretende que o facto resulte não provado, essencialmente, por não ter sido quem presenciou as obras, não podendo provar-se o conhecimento pelo que o pai sabia.
O tribunal, sobre esta matéria, menciona, na parte em que se condensam outras ponderações, que:
. Quanto ao conhecimento das obras por parte da Autora resultou das declarações de parte da Ré que o pai da Autora sempre viu as obras a serem executadas “Eu não faço nem pago. Você pode fazer”;
. Se é certo que a Autora não se deslocava ao locado e a Ré nem sequer a conhecia não menos certo é que se nos afigura inverosímil que o pai da Autora, conhecedor de tais obras, nunca as tenha comentado com a filha. Igualmente se nos afigura improvável que frequentando a Autora a casa da tia, sita na mesma rua, nunca tenha visto as obras executadas nas traseiras da sua casa. Note-se, ademais, que da frente da rua é possível perceber que existe uma cobertura lateral até à garagem e não é crível que, mesmo não sendo o trajeto habitual da Autora, a mesma não tenha ali passado uma só vez a longo de mais de 10 anos e não tenha reparado numa obra que não passa despercebida, tanto mais que frequenta a casa da tia sita na mesma rua. Estamos, por isso, convencidos, de que, ainda que não tenha pessoalmente autorizado tais obras, não deduziu oposição às mesmas através do seu representante em matéria de arrendamento, ou seja, o seu pai, e tinha conhecimento das mesmas, há mais de 10 anos, considerando a data em que foram executadas.
Concordamos, na essência, com esta ponderação. Se a Autora permitisse que fossem os seus pais a zelar pelo contrato de arrendamento em questão, pais com quem vivia (como consta na ata da audiência de 12/03/2024), algum conhecimento do que se passava no locado teria de ter. Não sabemos a sua idade mas conhecemos que, aquando da celebração do contrato de arrendamento, era maior (até pelo que ali se refere, conforme documento n.º 2 junto com a petição inicial, sendo que a sua idade rondará os 62 anos tendo por base o depoimento de HH, sua irmã, que mencionou que em 1981 ela tinha 6 anos e a Autora 19), pelo que tinha capacidade para entender o que a rodeava em termos de alcance jurídico dos atos que praticava.
Daí que, sabendo que celebrou um contrato de arrendamento enquanto senhoria, das duas uma: ou agia diretamente para zelar pelos seus interesses (e dos interesses da parte contrária, se assim solicitada) ou permitia que alguém o fizesse por si; e ao fazê-lo, mesmo sem o retratar através de um documento/contrato – procuração ou mandato -, naturalmente que tinha de assumir que sendo a matéria tratada por alguém tão próximo de si (familiar e fisicamente, atenta a habitação conjunta), teria de se demonstrar alguma factualidade fora da normalidade para que se pudesse concluir que a Autora era uma estranha na sua própria condição de senhoria.
Na verdade, ou se demonstrava que não era efetivamente a Autora a senhoria mas os seus pais, não sendo mais do que uma testa de ferro, ou então que não havia qualquer tipo de relação profissional com os pais sobre este assunto, fosse em reuniões mais formais (em conjunto com a arrendatária, por exemplo) fossem num cenário mais informal – em casa ou noutro local, em conversas naturais sobre uma das suas fontes de rendimento -.
Por isso, é correto mencionar-se que, se os pais tivessem autorizado a realização de obras no locado, também a Autora deveria sabê-lo e, não reagindo, também se poderia concluir que tinha aceite a realização das obras.
Porém, com o devido respeito pela análise do tribunal recorrido, pensamos que não se produziu prova suficiente e em grau de credibilidade mínima para nos podermos convencer que a Autora conhecia a realização das obras há mais de 10 anos nem que
39. As obras realizadas no locado foram do conhecimento do pai da Autora (como também é impugnado pela Autora).
O pai da Autora já terá falecido, não tendo assim havido oportunidade de ouvir a sua própria versão dos factos. E vir então sustentar em julgamento que o falecido pai da Autora consentiu na realização de todas as obras em causa, sem o poder confrontar com essa alegação, exigiria que existissem outros tipos de prova mais fiáveis e isentos do que depoimentos prestados pela Ré ou seus familiares que nem sequer residiam com a mesma ou conheciam o senhorio, como por exemplo:
. MM, filha da Ré, que alegadamente, quando o viu na casa da mãe, perguntou-lhe quem seria, sendo que nem se pode ter a convicção segura que alguma vez o tenha visto nem que essa afirmação não possa ter servido unicamente para criar a convicção no tribunal que o pai da Autora conhecia as obras e aceitava-as;
. NN, irmão da Ré, que acaba por concretizar somente a ideia de que o pai da Autora sabia da realização das obras, focando-se mais nas realizadas na cozinha.
Não se podendo buscar a confrontação do pai da senhoria com tais afirmações, elas próprias vagas e focadas em fazer crer a existência daquele conhecimento e autorização das obras, teriam de existir meios de prova mais convincentes (na nossa perspetiva) para que se pudesse dar como provado que o pai (e/ou mãe) da Autora tinham dado autorização para a realização das obras e daí poder partir-se para a análise do conhecimento e autorização da Autora através dos seus pais.
Teria de existir um documento escrito a autorizar as obras (como consta do contrato de arrendamento, na cláusula 8.ª, a – documento n.º 2 junto com a petição inicial) ou alguma testemunha que não estivesse diretamente relacionada com a Ré que afirmasse factos de onde se pudesse concluir que seguramente teria existido tal autorização e conhecimento.
Como tal prova não se produziu (não houve qualquer testemunha, como vizinhos, que afirmasse que sabia que o pai da Autora tinha prestado tal consentimento), tendo sido negada tal autorização pela mãe da Autora, de modo bastante categórica, não vemos que a matéria do facto 39 possa ser dada como provada.
Deste modo, não se prova o conhecimento da realização das obras em questão pelo pai da Autora, passando o facto 39 a ser dado como não provado.
Não se apurando tal factualidade, o conhecimento da Autora por intermédio do seu pai também não se apura pelo que o conhecimento das obras pela Autora, na nossa opinião, só pode resultar do que a mesma admitiu/confessou já que se trata de uma matéria que lhe é desfavorável.
Não é por determinadas obras serem visíveis do exterior que se pode dar como provado que a Autora as conhecia; teria que se demonstrar que a Autora, passando por aquele local em determinadas datas, tinha olhado para aquele local e então não as podia ter ignorado. Essa prova inexistiu de todo pois nenhuma testemunha pôde afiançar, com segurança, que viu a Autora a olhar para o local onde estavam as obras.
Prosseguindo, temos que na notificação judicial avulsa, datada de 30/04/2021 (documento n.º 1 junto com a contestação, onde consta tal data, o que não constava da parte do mesmo documento junto pela Autora com a petição inicial como documento n.º 11), a mesma Autora refere que há cerca de 20 dias ficou a saber que tinham sido realizadas determinadas obras no locado (através de deslocação à casa confinante com a habitação da Ré), podendo precisar que se tratavam das realizadas no exterior, a saber:
. anexos e coberturas implantadas nas traseiras;
. colocação de caleiras;
. cimento colocado no jardim;
. eventuais danos causados pela colocação de antena parabólica;
. buracos/furos causados pela colocação de anexos e coberturas acima referidas;
. corte de árvore.
A Autora assume esta alegação no artigo 23.º, da petição inicial, ou seja, que se deslocou à casa da sua irmã e que ficou a conhecer tais obras e que assim o disse na notificação judicial avulsa.
Temos assim que a Autora admite que, por volta de 10/04/2021 (os referidos 20 dias antes da data de entrada da notificação judicial avulsa) teve conhecimento daquelas obras realizadas no exterior.
Em relação a outras obras realizadas no interior, a Autora não admite qualquer data em que as possa ter conhecido, antes pelo contrário, alega que ficou a saber que a Ré realizou obras mas não as reconhece pois não descortina que divisões estão em causa (mesma notificação judicial avulsa, artigo 2); igual alegação é efetuada no artigo 13.º, da réplica, aqui valendo como articulado de pronúncia a exceção («Aliás, ainda hoje, não sabe se houve e qual a respetiva dimensão das alterações, realizadas pela Ré, no interior do locado»).
Por isso, pode dar-se como provado que a Autora ficou a conhecer aquelas obras realizadas pela Ré no exterior em 10/04/2021, não se apurando a data do conhecimento das restantes obras.
Deste modo, o facto provado 38) passa a ter seguinte redação:
A Autora tomou conhecimento da realização pela Ré das seguintes obras em 10/04/2021:
. implantação de anexos e coberturas nas traseiras;
. colocação de caleiras;
. colocação de cimento no jardim;
. eventuais danos causados pela colocação de antena parabólica;
. buracos/furos causados pela colocação de anexos e coberturas acima referidas;
. corte de árvore.
40. Eram os pais da Autora que recebiam a renda e assinavam os recibos, eram estes que se deslocavam ao locado quando necessário.
41. Os termos do contrato foram acordados com os pais da Autora e quando a Ré e o marido o assinaram a Autora já o tinha previamente assinado.
42. Era o pai da Autora que visitava os imóveis, quer o da Autora quer o da irmã, contiguo ao seu.
45. Foi com o pai da Autora que a Ré tratou da transmissão do arrendamento após o óbito do marido.
46. Parte das referidas obras são visíveis da frente da habitação na passagem na rua.
Com o devido respeito e eventualmente devido à nossa anterior apreciação, parte destes factos tornaram-se inócuos e assim irrelevantes. Os factos 40 a 42 e 45), hipoteticamente, serviriam para demonstrar que a Autora atuava através dos seus pais pelo que, o conhecimento destes, transmitia-se à mesma Autora. Não estão em causa nem os termos do contrato nem se houve ou não pagamentos de renda nem sequer a transmissão do contrato de arrendamento após falecimento do arrendatário, pelo que só essa perspetiva poderia trazer algum interesse a tal factualidade a qual seria instrumental e, por isso, só excecionalmente deveria ser elencada nos factos.
No caso, pela conclusão que já retiramos de que não é possível a prova do conhecimento pelos pais da Autora das obras em questão nem o possível contágio desse conhecimento á Autora, os factos são ainda mais irrelevantes.
Quanto ao facto 46, o mesmo seria instrumental para se dar como provado o conhecimento de obras pela Autora; no entanto, como já referimos, não será pelo facto de uma obra ser visível do exterior que se pode dar como provado o seu conhecimento por parte de um senhorio. Assim, a instrumentalidade, para nós, duvidosa ab initio, deste facto em relação a um conhecimento da Autora, comprova-se agora ser irrelevante pois tal conhecimento não pode ser dado como provado, para além dos termos constantes do facto 38.
Por isso, eliminam-se os factos provados 40 a 42, 45 e 46.
47. A cobertura colocada na parte de trás da habitação é feita em plástico, com portas e janelas, colada à parede, podendo ser retirada.
48. O chão exterior do imóvel, atrás da cozinha era em terra e no inverno ficava com lama que sujava a casa, pátio e acesso à garagem.
No que respeita ao primeiro, a recorrente sustenta que no relatório pericial junto aos autos consta que tal estrutura está fixada à parede de forma mecânica.
Tal perícia, elaborada noutro processo judicial em que as partes são as mesmas, sendo Autora a aqui Ré e vice-versa, pode ser aqui valorado nos termos do artigo 421.º, do C. P. C., o que aliás não foi questionado por qualquer das partes.
Ora, nesse relatório, a fls. 65, junto 30/11/2023 consta expressamente que a estrutura não está colada mas fixada mecanicamente; e no auto de inspeção também não consta que a estrutura esteja colada: - IV - Encontra-se implantada ao logo da traseira da casa um compartimento, vulgo marquise, em material plástico, sem janelas e com uma porta de acesso ao interior, cuja estrutura se encontra fixada à parede, com parafusos, incluindo no limite da parede que confina com a casa vizinha.
Assim, tem razão a recorrente ao pretender que se altere a redação deste facto, não só se apurando a colocação daquele compartimento mas concretizando que está fixada mecanicamente, com parafusos e sem janelas, apenas com uma porta.
Assim, o facto provado 47 passa a ter a seguinte redação:
A cobertura colocada na parte de trás da habitação é feita em plástico, sem janelas, com uma porta e janelas, fixada à parede, mecanicamente, com parafusos.
Ora, com o devido respeito, a Autora, na réplica que apresentou em 01/07/2022, menciona que «o imóvel da irmã da Autora, confinante com o imóvel locado, ainda se mantém com o chão em terra e sem quaisquer estruturas plásticas e tem salubridade!», ou seja, admite que o imóvel arrendado à Ré, igual ao da sua irmã, era em terra. Assim, sendo essa a única parte que a recorrente pretende que seja alterada (ou seja, que o terreno não era em terra), não vemos motivo para que a pretensão proceda.
Improcede assim este pedido.
O valor das obras realizadas pela Ré ascende a 11.131,50 €.
A recorrente entende que não poderá considerar-se o facto 50 como provado porquanto, a Ré não fez obras, não há qualquer facto provado, nem qualquer evidência ou prova, ou mesmo alegação que refira que a Ré tenha realizado obras, nem que tenha pago € 11.131,50. Aliás, este facto é contraditado pelo teor do facto 34 que refere que o valor das obras de reposição do prédio no estado inicial no exterior da casa ascende a € 11.131,50, facto este invocado e provado pela Autora que solicitou um orçamento para o efeito e arrolou a testemunha Engenheiro KK que veio confirmar os custos previsíveis com tal obra. Entende que se tratará de uma confusão do tribunal recorrido.
Este não mencionou em concreto uma análise sobre como atingiu este valor; mas pensamos que a recorrente tem razão ao mencionar que pode ter havido confusão do tribunal pois:
. este valor é aquele que foi alegado pela Autora como sendo o necessário para repor o imóvel no estado em que se encontrava antes da Ré realizar determinadas obras – artigo 30.º, da petição inicial e documento n.º 16 junto com a mesma;
. a Ré não alegou o valor das obras que realizou, sendo o seu pedido reconvencional feito a título de indemnização por danos não patrimoniais;
. aquele valor de 11 131,50 EUR serve de base ao seu (da Ré) pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé;
. não houve qualquer perícia ou sequer testemunho sobre o valor das obras realizadas pela Ré.
Deste modo, entende-se que não há qualquer prova sobre o valor das obras realizadas pela Ré nem sequer esta alegou tal factualidade; assim, elimina-se este facto 50.
B1). Da caducidade do direito da Autora.
A Autora pede, em primeira linha, como pedido principal, que se decrete a resolução do contrato de arrendamento e, consequentemente, se condene a Ré na restituição do locado.
O sustento desse pedido é a realização, pelo arrendatário, de obras não autorizadas por si, obras essas consistentes nas que foram realizadas no exterior do locado, a saber:
. implantação de anexos e coberturas nas traseiras;
. colocação de caleiras;
. colocação de cimento no jardim;
. eventuais danos causados pela colocação de antena parabólica;
. buracos/furos causados pela colocação de anexos e coberturas acima referidas;
. corte de árvore.
Na verdade, são estas as obras que são mencionadas na notificação judicial avulsa referida nos factos 25 e 26 e são igualmente as que sustentam o pedido de resolução do contrato – artigos 36.º a 43.º, da petição inicial (a questão do portão referido em 44.º será infra analisado). A resolução não tem por base qualquer obra realizada no interior até porque, em rigor, e como (bem) assumido pela Autora, não as conhece na sua amplitude, pelo que não seria uma pretensão com qualquer hipótese de sucesso pedir a resolução do contrato de arrendamento com base em obras que se desconhece o concreto alcance.
De qualquer modo, também se analisará se dos factos resulta alguma possibilidade de se concluir pela resolução do contrato com base na realização de obras no interior do locado.
Ora, aquelas referidas obras no exterior foram conhecidas da Autora em 10/04/2021 – facto provado 38 -.
A ação dá entrada em juízo em 09/05/2022, conforme análise do processo no citius; importa assim aferir se não terá caducado o direito da Autora.
O contrato foi celebrado em 01/09/1998 e ainda permanece em vigor; daí que o regime do contrato de arrendamento instituído pela Lei n.º 6/2006, de 27/02 (NRAU), conforme artigo 59.º, n.º 1, do mesmo diploma, se aplica a este contrato: O NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias.
Nas normas transitórias (no caso, artigo 26.º, do NRAU já que o contrato foi celebrado na vigência do RAU – Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15/10) inexiste qualquer menção a causas de resolução e, em concreto, prazos de caducidade do mesmo direito.
O contrato mantém-se em vigor, passando a vigorar um novo regime que se aplica, no caso, à resolução do mesmo (no fundo, é a solução que resultaria da aplicação do disposto no artigo 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do C. C.: Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor – nosso sublinhado -.
Dispondo a lei nova sobre o modo de resolução de um contrato, estando este em vigor, essa regulação abstrai da intenção com que as partes celebraram um contrato – unicamente proporcionar o gozo de imóvel a outra pessoa -, pelo que abrange essa mesma relação contratual antiga mas vigente à data da alteração da lei.
Temos então que, tal como sucedia no RAU, também pode o senhorio resolver o contrato de arrendamento se forem realizadas obras não consentidas que provoquem uma alteração relevante no locado. A diferença, relevante, é que, enquanto no RAU se explicitava em concreto essa possibilidade (artigo 64.º, n.º 1, d) - Fizer no prédio, sem consentimento escrito do senhorio, obras que alterem substancialmente a sua estrutura externa ou a disposição interna das suas divisões, ou praticar atos que nele causem deteriorações consideráveis, igualmente não consentidas e que não possam justificar-se nos termos dos artigos 1043.º do Código Civil ou 4.º do presente diploma - atualmente essa possibilidade enquadra-se numa cláusula geral de resolução, conforme artigo 1083.º, nº. 1 e 2, do C. C.:
«1 - Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.
2 - É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio:».
Uma vez que a realização de obras não é exemplificada nas alíneas deste n.º 2, há que aferir se a realização de obras pelo arrendatário assumem gravidade ou consequências que tornam inexigível a manutenção do contrato pelo senhorio.
Ora, este direito de resolução caduca no prazo de um ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento – artigo 1085.º, n.º 1, do C. C. -.
A realização de obras não é um facto continuado (como alega a recorrente) mas um facto instantâneo, que se esgota quando estão findas; daí que o prazo de um ano se inicia efetivamente quando se toma conhecimento que as mesmas já foram realizadas (Ac. S. T. J. de 29/01/2014, processo n.º 45/06.7TBBRMZ.E2.S1, www.dgsi.pt: II - A realização de obras suscetíveis de constituir fundamento de resolução do contrato constitui um facto instantâneo – temporalmente localizado, embora os efeitos possam perduram no tempo –, razão pela qual o prazo de um ano, de que dispõe o senhorio para propor a correspondente ação (art. 65.º, n.º 2, do RAU), conta-se a partir do momento em que delas tomou conhecimento… ou Ac. R. P. de 10/09/2024, processo n.º 18995/22.1T8PRT.P1: I - As obras não consentidas por escrito pelo senhorio constitui uma violação instantânea do contrato, sujeitas ao prazo de caducidade de um ano a contar do seu conhecimento pelo senhorio.
E a caducidade só pode ser interrompida pela propositura da ação ou então pelo reconhecimento do direito por parte, no caso, da arrendatária (artigo 331.º, do C. C.). Ora a Ré não reconheceu à Autora, expressa ou tacitamente, o direito à resolução do contrato, antes pelo contrário, nega-o seja arguindo a caducidade seja arguindo que não há motivo para se decretar a resolução (nomeadamente nas cartas que enviou à senhoria).
A notificação judicial avulsa não tem o condão de poder impedir o decurso do prazo de caducidade pois só através da ação se pode alcançar um grau de certeza de que o direito está a ser exercido; daí que, além da propositura da ação, só o reconhecimento do direito é que se equivale a esse ato de interposição de ação, sem prejuízo de as partes poderem ter previsto outra forma de impedir essa caducidade, o que não sucedeu. Não está em causa a negligência do titular do direito mas antes o mero decurso de tempo que, uma vez decorrido, o legislador entendeu que o direito já não deveria ser judicialmente protegido. Por isso, para se definir o direito, o seu titular tem de propor a ação em tempo ou então ver totalmente impedida a caducidade quando a parte contrária reconhece o seu direito.[1]
Deste modo, aquela notificação judicial avulsa, podendo eventualmente interromper um prazo de prescrição em curso, no que respeita à caducidade, não tinha essa potencialidade.
Assim, em 10/04/2022, caducou o direito da Autora em ver resolvido o contrato de arrendamento com base naquelas obras alegadamente ilegais; a ação deu entrada em 09/05/2022, data em que, como dissemos, o direito já estava caducado.
Confirma-se assim a decisão de caducidade declarada pelo tribunal recorrido, no que concerne a estas obras.
A Autora também mencionou, na petição inicial que a Ré teria colocado um portão com realização de furos para a sua colocação, portão esse colocado nas traseiras – factos provados 16 e 21 -.
Mas, a colocação de um portão de madeira, no exterior, ainda que com furação na parede, não reveste aquela gravidade minimamente suficiente para que se possa resolver o contrato de arrendamento. Além de não resultar dos factos qualquer tipo de descaracterização grave do locado ou da grave limitação do seu uso, bastará a sua retirada e que se tapem os buracos resultantes da furação para que não haja qualquer alteração minimamente significativa no locado.
Assim, esta alteração no locado não sustenta o pedido de resolução do contrato.
Como já referimos, a Autora, compreensivelmente (por que não as conhece), não alega que obras foram realizadas no interior nem as mesmas resultam dos factos, pelo que não é possível concluir que tenha ocorrido grave atuação do arrendatário (alterando substancialmente as divisões ou a sua estrutura interna, por exemplo, tal como era referido na anterior legislação) ou que as consequências para o locado sejam igualmente graves.
Mesmo a referência a uma substituição de tijoleira ou de móveis novos na cozinha (que não está provada mas que é mencionada nas cartas trocadas entre Autora e Ré), por si não tem a potencialidade de se considerar que essa alteração possa ser tão prejudicial à caracterização do locado que permita a resolução do contrato (até porque se desconhece que tipo piso foi colocado – cor, textura, desenhos e que tipo de móveis foram colocados, – não permitindo aferir se, até a nível estético, existe alguma desconformidade grave que pudesse motivar a cessação do contrato).
Assim, também por esta análise, não é possível concluir que há motivo para resolver o contrato.
Esta reposição, pretensamente a obter pela Autora/senhoria através de indemnização, tinha de ter como pressuposto que se tratavam de obras ilícitas que provocavam danos no locado e que, por isso, davam azo a que a senhoria, tendo sofrido um dano no seu património, tivesse direito a ser ressarcida, ao abrigo da responsabilidade contratual – artigos 762.º e seguintes, do C. C. -.
Depois teria de se aferir da imputação à arrendatária, a título de negligência ou dolo, o ter causado o dano.
O tribunal recorrido mencionou que este direito não tinha justificação «na vigência do contrato. Com efeito, não podendo resolver o contrato com base nas obras realizadas parece-nos, igualmente, inexigível o pagamento das obras de reposição do locado ao seu estado anterior porquanto esta obrigação verificar-se-á, apenas, no momento da restituição do locado quando o contrato cessar por qualquer causa.».
Não é essa a nossa visão; no decurso do contrato, o arrendatário pode causar deteriorações no locado e não é necessário aguardar pela cessação do arrendamento para se poder pedir uma indemnização pelos danos causados. O artigo 1044.º, do C. C. estatui que o locatário responde pela perda ou deteriorações da coisa, não excetuadas no artigo anterior, salvo se resultarem de causa que lhe não seja imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização dela.
Apesar deste artigo estar incluído na subsecção III – restituição de coisa locada -, tal não significa que o senhorio tenha de aguardar pelo fim do contrato ou que tenha de provocar a cessação do mesmo para poder ver ressarcido o seu património por tal deterioração.
Na vigência do contrato de arrendamento, se se detetar essa deterioração, o senhorio pode desde logo pedir a sua reparação; entender de outro modo, significaria que o proprietário do imóvel teria que ou que ter motivo para poder cessar o contrato (e a deterioração poderia não ter força suficiente para tal) ou ter de aguardar pelo fim do contrato, o que, dependendo do prazo em falta, poderia vir a agravar as consequências do dano (no sentido de que não há ligação obrigatória da reparação à obrigação de restituir, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2.º, anotação ao artigo 1044.º, página 405, ponto 4, que mencionam: a obrigação de reparar perda, ou as deteriorações que a coisa tenha sofrido, existe mesmo durante a vigência do contrato, não estando assim necessariamente associada á obrigação de restituir, findo o contrato; Pereira Coelho, Arrendamento, direito substantivo e processual, lições ao 5.º ano de ciências jurídicas, 1988-1989, página 122, disponível em https://cij.up.pt/client/files/0000000001/pereira-coelho-arrendamento_545.pdf, onde refere: Como é evidente, a responsabilidade do inquilino a que nos termos referido pode ser-lhe exigida mesmo antes da restituição do prédio no termo do contrato, logo que o senhorio tenha sofrido o dano correspondente; e ainda Ac. da R. P. de 28/06/2001, processo n.º 276/99-1S, www.dgsi.pt: II - Realizadas pelo arrendatário obras ilícitas que não constituam fundamento de resolução do contrato de arrendamento, ou se tiver havido caducidade do direito de resolução, pode sempre o senhorio exigir a imediata demolição dessas obras, não tendo de aguardar pelo termo do arrendamento.
O que para nós pode conduzir à improcedência do pedido (subsidiário) em análise é não se ter apurado que a atuação da Ré tenha provocado deteriorações ilícitas no locado (com uma exceção).
Na verdade, se é certo que se apura que a Ré colocou estruturas metálicas e marquise no exterior do locado, uma antena parabólica e um portão (excluindo as obras interiores que não estão provadas quanto ao seu objeto), além de se afigurar que todas essas estruturas ou poderão ser retiradas findo o contrato ou reparadas (a já mencionada tapagem de furos), assim deixando de existir uma deterioração definitiva do imóvel que poderia dar azo àquela indemnização, também não está totalmente demonstrada a existência de danos.
O arrendatário poderá realizar algumas obras, mesmo que não consentidas pelo senhorio, que se revelem como uma prudente utilização em conformidade com os fins do contrato – artigo 1043.º, n.º 1, do C. C. -; e só se assim não for, é que o locatário terá de responder pela deterioração do locado (a perda não está em causa nos autos), conforme citado artigo 1044.º, do C. C..
E, nos termos do artigo 1073.º, do C. C., temos que:
«1 - É lícito ao arrendatário realizar pequenas deteriorações no prédio arrendado quando elas se tornem necessárias para assegurar o seu conforto ou comodidade.
2 - As deteriorações referidas no número anterior devem, no entanto, ser reparadas pelo arrendatário antes da restituição do prédio, salvo estipulação em contrário.».
Não se demonstra que a edificação daquelas estruturas não possa ser revertida sem dano relevante[2], o mesmo se referindo da colocação de cimento no jardim para permitir a melhor circulação de uma viatura ou de pessoas[3] (sendo que se desconhece a área do jardim em causa, o que não permite concluir se é demasiado grande para se aferir que não é uma deterioração prudente).
Por outro lado, o arrendatário, para ter melhor conforto na sua habitação, poderá construir uma marquise ou colocar uma proteção para o vento, chuva ou sol, colocar caleiras para condução mais conveniente da águas da chuva ou até colocar cimento em terra para facilitar a circulação (tudo situações que a Ré efetuou), sabendo que, findo o contrato, poderá ter de retirar essas obras.
Mesmo que exista obrigação de consentimento para realização de obras no locado, tal não significa que, realizando-a, provoque um dano (outra situação é se essa atuação pode fazê-lo incorrer em incumprimento das suas obrigações enquanto arrendatário, podendo conduzir à resolução do contrato por sua responsabilidade).
Mas se, durante a vigência do contrato, não se pode concluir que o dano é irreversível e que, por isso, tem de admitir-se que o arrendatário pode, quando restituir o locado, também restituir o imóvel ao estado anterior, não se pode afirmar que há deterioração imprudente do locado. Por exemplo, se tivesse sido construído um anexo ou uma outra estrutura com caráter de permanência (em tijolos, com vidros, implicando a retirada de elementos estruturais ou até derrubar em parte uma parede meramente divisória), mesmo que para conforto do locatário, poder-se-ia concluir que se tinha ultrapassado a noção de pequena deterioração já que o que se teria efetuado era uma alteração/inovação de um imóvel que não lhe pertencia.
E mesmo que aquela alteração, por qualquer motivo (por exemplo, caducidade do direito) não pudesse servir de fundamento para a resolução do contrato, poderia o senhorio pedir a reparação do dano que era causado por uma deterioração que se deveria considerar ilícita pedindo, por exemplo, a realização das obras necessárias à reconstituição ao status quo ante do locado.
Mas, na nossa visão, não é o que sucede no caso: as obras revelam ou um grau de execução que permite concluir que poderão ser retiradas pela arrendatária findo o contrato sem danificar relevantemente o locado ou não ultrapassam aquele nível de licitude compatível com pequenas obras para melhorar o conforto, ainda que, repete-se, podendo ter de vir a ser retiradas, findo o contrato. Não será só pelo tamanho em concreto da obra que não se pode classificar a alteração como pequena; será também pelo tipo de materiais que foi usado e, no caso, tendo sido usados plásticos e parafusos e o que se afigura o mínimo de estrutura metálico para sustentar o plástico, pensamos que a alteração é ainda pequena.
Acresce que não é possível concluir se houve a diminuição do valor do locado por causa das obras, não se podendo concluir por um dano económico no património da Autora.
A exceção é que a colocação de uma antena parabólica, certamente para se retirar melhor proveito do ato de ver televisão, causou danos na tela – facto provado 17 -, pelo que, aqui sim, houve a prática de uma deterioração que não se revela prudente já que, claramente, a colocação daquela antena teria de ser efetuada de modo a que não causasse danos numa tela que visa impedir infiltrações de água/humidade.
Por isso, nesta situação, a Ré tem efetivamente de reparar essa situação já que não demonstrou que a causa da deterioração não lhe era imputável (citado artigo 1044.º, do C. C., que se entende que fixa uma presunção de culpa do arrendatário – (Pinto Furtado, Comentário ao Regime de Arrendamento Urbano, 4.ª, página 164, com citação de jurisprudência).
A sua condenação poderia ser na reparação da mesma tela, guardando-se o eventual pagamento do valor da mesma à Autora no caso de não o fazer voluntariamente – artigo 868.º, n.º 1, do C. P. C. -, já que se deve dar prevalência à restauração natural, conforme resulta dos artigos 562.º e 566.º, n.º 1, do C. C. que dispõem:
. Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (veja-se Ac. da R. P. de 20/02/2020, processo n.º 358/17.2T8OVR.P2, no mesmo sítio:« Da conjugação dos artigos 562.º e 566.º/1 do C. Civil resulta prevalecer o princípio da reconstituição natural, ou seja, a lei manda reconstituir a situação hipotética não fora o facto determinante da responsabilidade, e só quando se revele impossível, não repare a totalidade dos danos ou for excessivamente onerosa para o devedor, permite a indemnização em dinheiro.).
No entanto, tendo o lesado optado por pedir indemnização em dinheiro, caberia ao lesante/devedor provar a excessiva onerosidade da indemnização, algo que não se demonstrou – Ac. S. T. J. de 14/03/2023, processo n.º 5282/19.1T8GMR.G1.S1, no mesmo sítio: o lesado pelo pedido de indemnização em dinheiro, é ao lesante, que pretende a reconstituição natural, que cabe provar que esta é possível, que repara integralmente os danos e que não lhe é excessivamente onerosa.
No caso, pensamos que este pedido procede parcialmente não só porque procede somente em relação a este dano mas também porque deve a Ré ser condenada a pagar o valor que se apurar em incidente de liquidação já que não está provado qual o valor concreto a despender com esta reparação (artigos 358.º, n.º 2 e 609.º, n.º 2, do C. P. C.).
Não há qualquer questão de abuso de direito (artigo 334.º, do C. C.) já que que este pressupunha o conhecimento, consolidado no tempo, pela Autora da obra em causa, o que não se apurou.
Conclui-se assim pela procedência parcial do recurso.
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, altera-se a decisão recorrida nos seguintes termos:
. condena-se a Ré a pagar à Autora o valor respeitante à reparação da tela furada pela colocação de antena parabólica, a concretizar em ulterior incidente de liquidação, nos termos acima expostos.
Mantém-se a restante parte do decidido.
Custas do recurso a cargo da recorrente e recorrida, na proporção de 5/6 e 1/6, respetivamente.
Registe e notifique.
Porto, 2025/02/06.
João Venade
Manuela Machado
Isabel Silva
_____________
[1] Veja-se Mota Pinto, Teoria Geral de Direito Civil, 3.ª, páginas 375 e 376.
[2] Facto 47. A cobertura colocada na parte de trás da habitação é feita em plástico, sem janelas, com uma porta e janelas, fixada à parede, mecanicamente, com parafusos.
[3] Facto 48. O chão exterior do imóvel, atrás da cozinha era em terra e no inverno ficava com lama que sujava a casa, pátio e acesso à garagem.