REQUERIMENTO PROBATÓRIO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE PROCESSUAL
NULIDADE DA SENTENÇA
Sumário

I - Diferentemente da nulidade processual, correspondendo a «acto perspectivado como trâmite», que se considera «não só a pertença do acto a uma certa tramitação processual, como o momento em que o acto deve ou pode ser praticado nesta tramitação, no acto perspectivado como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte, o que se considera é o conteúdo que o acto tem de ter ou não pode ter».
II - A omissão do conhecimento e decisão de requerimento probatório reflete-se na sentença como uma nulidade derivada da omissão de pronúncia – art. 615.º, nº1, al. d) do CPC.

(Da responsabilidade do Relator)

Texto Integral

Proc. 3013/17.0T8OAZ-A.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

Por apenso aos autos principais de execução, para prestação de facto, instaurada por AA e BB, contra CC e DD, vieram estes deduzir oposição à execução, mediante embargos de executado.

Os executados embargantes pedem que se considere que a estrutura por eles construída para cumprir no que foram condenados é suficiente para evitar o desmoronamento de terras[1].

Para tanto alegam:

- de acordo com a sentença[2] os embargantes foram condenados “a escorarem as terras da barreira que forma o desnível vertical da confrontação[3], de modo a suportá-las, escoramento com a estrutura suficiente para garantir a inexistência de novas derrocadas”,

- e conclui “escoramento esse a construir a suas expensas, sendo absolvidos do pedido de construção específica de um muro.

- No seu pedido na acção, entre outros, os AA. pediram que os RR. fossem:

“d)- Condenados a construir, ao longo da confrontação do seu prédio com o dos AA. um muro de suporte de terras com a estrutura suficiente para prevenir novas derrocadas, muro esse a construir a suas expensas”.

- Porém, muito embora a douta sentença tenha reconhecido que os RR. terão escavado o terreno dos AA. e que em dois momentos aconteceram desmoronamentos de terras, não condenou os RR. a construir o muro,

- e os exequentes continuam a querer que os embargantes construam o muro.

- os embargantes já cumpriram a obrigação em que foram condenados com a construção de uma estrutura feita com vigas de cimento distantes entre si cerca de 1,50m, chumbadas em cimento, e enterradas cerca de 70 cm, unidas entre elas com chapa e rede de protecção.

Os exequentes embargados apresentaram contestação, alegando em suma que:

- se é verdade que, nos termos do pedido na acção pediam a condenação dos embargantes na construção de um muro de suporte de terras com a altura suficiente para prevenir novas derrocadas do terreno dos embargados, o certo é que, face à condenação dos ora embargantes, os embargados se limitaram no requerimento de execução a pedir que os executados “procedessem ao escoramento ao longo da confrontação (que corre a nascente ) do seu prédio (….), das terras da barreira que formam o desnível vertical da confrontação de modo a suportá-las, escoramento esse com a estrutura suficiente para garantir a inexistência de novas derrocadas, escoramento esse a construir a suas expensas»;

- o que interessa é que não caia terra do prédio dos embargados e, conforme os embargantes o reconhecem… já caiu, por força das escavações levadas a cabo pelos embargantes.

- Os embargantes construíram uma estrutura feita com vigas de cimento chumbadas no solo, desconhecendo-se a que profundidade e qual a distância que as separa, com rede e uma chapa que não se revela suficiente para impedir os desmoronamento, nomeadamente na parte mais alto do respectivo terreno onde não se vê qualquer protecção, a rede, que nem sequer tem a altura das colunas, não serve de escora ou impede o desmoronamento, até as terras desmoronam passando pelos seus interstícios;

- os embargantes não cumpriram a condenação pois as obras feitas não impedem novos desmoronamentos.

Concluem pela improcedência dos embargos.


*

Foi realizada a audiência prévia em dois momentos, no âmbito do primeiro se ordenando a realização de perícia[4], no segundo tendo-se proferido despacho saneador com definição do objecto do litígio e dos temas da prova.[5]


*

Agendada e realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, decidindo-se a final:

«Por todo o exposto, decide-se julgar os presentes embargos parcialmente procedentes, por parcialmente provados, e, por conseguinte:

- indeferir o pedido dos executados embargantes, não se considerando «que a estrutura construída pelos Embargantes é suficiente para evitar o desmoronamento de terras», antes se considerando incumprida a sentença exequenda;

- determinar o prosseguimento da execução para cumprimento da sentença exequenda, devendo os executados proceder ao «escoramento, para evitar deslizamentos de terras, evitando que o prédio dos AA. fique sem o apoio necessário», optando por solução que se adapte à factualidade vertida no ponto 15 dos factos provados; e,

- absolver os executados do pedido de condenação em «sanção pecuniária compulsória no valor de €100,00 por dia de atraso no cumprimento da obrigação».


*

Do assim decidido, interpuseram os embargantes recurso de apelação oferecendo alegações e formulando as seguintes CONCLUSÕES:


1. Na sentença recorrida existe matéria de facto que, salvo o devido respeito, encontra-se erradamente julgada pelo Tribunal “a quo”.
2. O Tribunal “a quo” não fez correcta interpretação, enquadramento, concatenação e subsunção jurídica da prova, máxime pericial e documental, e ao que dela resultou face à letra e à ratio da obrigação exequenda tal qual a esta se encontra fixada e foi conformada/modelada na sentença exequenda, com força de caso julgado, face aos elementos carreados aos autos resultantes, à luz das regras da experiência e critérios da lógica.
3. Encontram-se incorretamente julgados os seguintes factos dados como provados na douta sentença, ora em crise, em sede de “Fundamentação de Facto, os quais, no ver dos recorrentes, deveriam, ao invés, não ter sido dados como provados:
“14. A estrutura construída pelos embargantes não é suficiente para evitar o desmoronamento de terras.
15. A solução definitiva que elimina o risco de desmoronamento de terras passa pela execução de um muro de suporte de terras em toda a extensão, que é de aproximadamente 50.0 metros.”
4. Impunha-se que Tribunal “a quo” tivesse mandado apurar o tipo de solo/características geológicas do talude, pela sua importância na definição do tipo de solução a implementar, para que de forma fundamentada pudesse ter dado como provado o ponto 14 dos factos provados, nos termos em que o fez.
5. Não o tendo feito, não podia o Tribunal “a quo” ter decidido como decidiu dando como provado o ponto 14 dos factos provados nos termos em que o faz, porque decide de forma não fundamentada ou seja apoiada em juízo técnico/cientifico (decorrente do estudo/análise das características das terras da barreira do prédio do recorridos) atenta a inexistência de qualquer estudo/análise que lhe permitisse chegar a uma tal conclusão ter dado como provado aquele de forma devidamente fundamentada, carecendo o Tribunal “a quo” da necessária fundamentação para dar como provado esse facto nos termos em que o fez.
6. Aquilo que resulta do ponto 15 dos factos provados da sentença recorrida não é (sequer) uma solução apta a dar cumprimento à obrigação exequenda, tal qual como esta foi e se encontra definida, concebida e modelada na sentença exequenda;
7. Por outro lado, aquilo que dela resulta (tal como aliás do 2º segmento decisório final da sentença recorrida, a págs. 32) queda-se numa flagrante violação da força e autoridade de caso julgado de que se reveste a sentença exequenda.
8. Dada a concreta composição da barreira/talude do prédio dos recorridos, é certo e seguro, sem qualquer possibilidade de assim não o ser de acordo com as regras da natureza mais elementares, que ainda que se construa o dito “muro de suporte de terras” ou até que fosse mesmo construída uma “muralha de betão armado”, a(s) derrocada(s) irão ocorrer de igual modo, como se não existisse ali qualquer muro.
9. Quedando-se por ineficaz e inútil essa solução preconizada na sentença em crise.
10. O único “préstimo” que no limite tal muro teria é a de fazer com que essa(s) derrocada(s) uma vez ocorrida(s) e tendo as terras desmoronado e deslizado pela barreira abaixo por acção da gravidade, vão de encontro e embatam no muro e não avancem para o prédio dos recorrentes.
11. Da letra e da ratio da sentença exequenda, resulta a obrigação dos recorrentes escorarem as terras da barreira com estrutura suficiente em ordem a garantir que não ocorra(m) nova(s) derrocada(s) de terras do talude do prédio dos recorrentes.
12. Com força de caso julgado, mandou e manda a sentença exequenda - ipsis verbis - que os recorrentes façam o seguinte: escorem as terras, ao longo da confrontação do seu prédio com o dos AA., escoramento, com a estrutura suficiente para prevenir novas derrocadas, escoramento esse a suas expensas.
13. Basta ler o que aí se diz e a ratio que daí resulta, aliás de forma vítrea, e não procurar nessas palavras e ratio sentidos ou interpretações, efabulações ou infundadas extrapolações, para concluir que da sentença exequenda resulta a obrigação dos recorrentes escorarem as terras, com a estrutura suficiente para prevenir novas derrocadas.
14. Sendo verdade que a sentença exequenda não definiu qual a solução técnica a adoptar (por razões óbvias), não é menos verdade que a mesma explicita, quer na letra quer no seu espírito, qual a concreta modelação da obrigação em que foram condenados os recorrentes ao estabelecer, muito claramente, a obrigação destes escorarem as terras da barreira com a estrutura suficiente para prevenir novas derrocadas.
15. Impõe-se, por força dos efeitos decorrentes da autoridade do caso julgado, que a obrigação exequenda não possa sofrer modificação, como efectivamente sofre com a sentença recorrida ao ter esta decidir como decidiu no 2º segmento da parte decisória e no ponto 15 dos factos provados, devendo manter-se inalterada essa modelação definida na sentença exequenda por respeito a essa autoridade.
16. A letra e a ratio que resulta da sentença exequenda estabelece a obrigação dos recorrentes terem de escorarem as terras da barreira (com estrutura suficiente em ordem a garantir que não ocorra(m) nova(s) derrocada(s) de terras do talude do prédio dos recorrentes).
17. Com força de caso julgado, mandou a sentença exequenda - ispsis verbis - que os recorrentes façam o seguinte: escorem as terras, ao longo da confrontação do seu prédio com o dos AA., escoramento, com a estrutura suficiente para prevenir novas derrocadas, escoramento esse a suas expensas.
18. Da letra e da ratio da sentença exequenda e da obrigação que dela resulta para os recorrentes de acordo com a especifica modelação que, naquela, lhe foi conferida, decorre que o cumprimento dessa obrigação passa pela implementação de soluções técnicas a executar/aplicar sobre as próprias terras da barreira/talude do prédio dos recorridos para então assim (dessa forma e não de outra) conseguir-se obter o (verdadeiro e real) desiderato pretendido pela sentença exequenda, ou seja, mais uma vez a obrigação dos recorrentes escorarem as terras da barreira, ao longo da confrontação do seu prédio com o dos AA., escoramento, com a estrutura suficiente para prevenir novas derrocadas.
19. Se é verdade que a sentença exequenda não definiu qual a solução técnica a adoptar (por razões óbvias), não é menos certo que a mesma explicou, quer na sua letra quer no seu espírito, qual a concreta modelação da obrigação em que foram condenados os recorrentes ao estabelecer a obrigação destes escorarem as terras da barreira com a estrutura suficiente para prevenir novas derrocadas.
20. A sentença recorrida ao decidir como decidiu no 2º segmento da parte decisória e no ponto 15 dos factos provados viola a força e autoridade do caso julgado de que se reveste a sentença exequenda, impondo-se a sua declaração de nulidade e revogação.
21. Em sede executiva não pode, por respeito à autoridade de caso julgado da sentença exequenda, o Tribunal “a quo” conferir nova roupagem (modelação), modificando-a, à obrigação exequenda, antes lhe cabia tão só a tarefa de a complementar na estrita medida do necessário, leia-se, daquilo que foi deixado “em aberto” na sentença exequenda: a saber a identificação da melhor solução técnica apta a conseguir-se o desiderato já fixado na sentença e obrigação exequendas.
22. Ao decidir como decidiu o Tribunal “a quo” foi mais além e, ilegitimamente, transmutou a obrigação exequenda numa outra/diferente obrigação ao decidir como decidiu.
23. Por força da sentença recorrida a obrigação dos recorrentes escorarem as terras da barreira com a estrutura suficiente para prevenir novas derrocadas (fixada na sentença exequenda) transmutou-se numa outra obrigação, de conteúdo diverso.
24. O centro nevrálgico ou epicentro da obrigação de agir através do escoramento das terras da barreira, da obrigação exequenda, que resultou imposto pela sentença exequenda, altera-se, agora, por via da sentença recorrida, para uma obrigação de agir sobre ponto ou local diverso e externo a esse, através do estabelecimento de diversa e nesse sentido nova obrigação de construção de muro de suporte de terras em toda a extensão de aproximadamente 50 metros.
25. Impõe-se, por força dos efeitos da autoridade do caso julgado da sentença exequenda, que a obrigação exequenda nela, previamente, estabelecida e conformada não possa ser objecto de alteração ou sofrer modificação, tal como sofre com a sentença recorrida, ao ter decidido como decidiu no 2º segmento da parte decisória e no ponto 15 dos factos provados, devendo manter-se inalterada a obrigação exequenda tal como foi e se encontra definida na sentença exequenda, por respeito a essa autoridade de caso julgado.
26. Era, como é, de todo relevante que o Tribunal “a quo” tivesse ordenado que se apurassem o tipo de solo/características geológicas desse talude.
27. Esse tipo de estudo/análise/verificação afigurava-se, como se afigura, da maior relevância pois a definição da solução técnica mais adequada e eficaz para dar cumprimento à obrigação exequenda que dela também depende, e aliás depende em larga medida, pois que se trata de “escorar as terras da barreira” sendo mister analisar e conhecer previamente quais as suas caraterísticas geológicas em ordem a poder, depois, desenhar/definir a solução necessária e (mais) adequada, “de acordo com critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade”.
28. A douta sentença, em crise, é omissa quanto à apreciação e julgamento dessa matéria, da qual devia ter conhecido e sobre a qual devia ter-se pronunciado e decidido, mas que o não fez, sendo por causa disso nula, conforme dispõe a al. c), do nº 1, do artº 615º do CPC, nulidade que aqui expressamente se argui para todos os efeitos e consequências legais.

Pedindo-se:


Nestes termos, nos melhores de Direito e do douto suprimento de V. Ex.ªs, deve ser concedido provimento à presente apelação, revogando-se a sentença recorrida em conformidade com o supra alegado e substituindo-a por outra que, contemplando e deferindo ao acima aduzido em sede de motivação e conclusões recursivas, julgue totalmente procedentes os embargos de executado, com todas as legais consequências.


* *

Os embargados/exequentes contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.

Também estes recorreram da decisão oferecendo alegações e formulando as seguintes CONCLUSÕES:

1. A douta sentença, ora posta em crise, está ferida de nulidade uma vez que não contém os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e ainda porque a decisão está em oposição com os seus fundamentos, violando o disposto no artº 615º, al. b) e c) do Cod. Proc. Civ.;

2. Ao decidir o prosseguimento dos autos para cumprimento da sentença exequenda nos termos em que o fez-determinar o prosseguimento daexecuçãopara cumprimento da sentença exequenda, devendo os executados proceder ao «escoramento, para evitar deslizamentos de terras, evitando que o prédio dos AA. fique sem o apoio necessário», optando por solução que se adapte à factualidade vertida no ponto 15 dos factos provados- e face à matéria já apurada- A solução definitiva que elimina o risco de desmoronamento de terras passa pela execução de um muro de suporte de terras em toda a extensão, que é de aproximadamente 50.0 metro-, a M. Juíz está a decidir a realização de actos inúteis, violando o disposto no artigo 130º do Código de Processo Civil.

E ainda,

3. O processo, dada a matéria de facto apurada, contém em si todos os elementos necessários à condenação dos Embargantes ao cumprimento da sentença nos termos propostos pelos Srs. Peritos, quer nos seus relatórios, nomeadamente o subscrito por unanimidade datado de 23 de Janeiro de 2019, constante de fls. 31 a 45, quer nos esclarecimentos exaustivos prestados em sucessivas audiências de julgamento,

4. Fazendo, como diz, “uma cuidadosa análise dos autos, globalmente considerados, composto pelos autos principais de execução e dos presentes autos a M. Juiz violou o disposto no artº 615º do Cod.Proc. Civ.

5. Sendo o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assente no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual, deveria o Tribunal ter fixado a responsabilidade das custas na proporção de 2/3 pelos Embargantes / Executados e 1/3 para o Embargado s/ Exequentes.

6. A douta sentença proferida violou, entre outros, o disposto nos artsº 615º, nº 1, al. b) e c), bem como o disposto no artº 130º ambos do Código de Processo Civil e ainda os artigos 607º, nº 5 e 527º, nº 2 do mesmo diploma legal.

Pedindo-se:

Assim, deverá conceder-se provimento ao recurso, anulando-se/ revogando-se a sentença por Acórdão que condene os Embargantes a construírem o muro de suporte de terras em toda a extensão do terreno que é, aproximadamente de 50 metros ao longo da extrema que divide os terrenos dos Embargantes e dos Embargados, para suporte das terras dos Embargados com as condições de estrutura suficiente para evitar novas derrocadas, nos termos e condições preconizadas pelos Srs. Peritos no relatório pericial datado de 23 de janeiro de 2019, subscrito por unanimidade, conforme supra se escreve,

Mais deve alterar-se a sentença quanto à distribuição da responsabilidade nas custas, fixando-se as mesmas na proporção de 2/3 pelos Embargantes/Executados e 1/3 para os Embargados/Exequentes (…).


*

Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

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Pelo tribunal a quo foi proferido o seguinte despacho que conheceu das nulidades invocadas nas conclusões de recurso:

Examinados os recursos interpostos da sentença proferida, entende-se que a mesma, pelas razões de facto e fundamentação jurídica nela expostas, não padece das apontadas nulidades.

Venerandos Desembargadores, decidindo, farão certamente justiça.


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Foram colhidos os vistos legais.

II.- Das questões a decidir

O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos arts.s 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente[6].

Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos arts. 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).

Neste pressuposto, as questões que, neste recurso, importa apreciar e decidir são as seguintes, de acordo com a sua precedência lógica:

1. Da arguição de nulidades da decisão recorrida invocadas nas conclusões:

- 28ª do recurso dos embargantes – art. 615.º, n.º 1, al. d)[7], do CPC);

- 1ª e 6ª do recurso dos embargados – art. 615.º, n.º 1, al. b) e c) do CPC;

2. Da impugnação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida, sob os artigos 14 e 15 dos factos provados (recurso dos embargantes);

3. Do cumprimento pelos embargantes, com a construção da estrutura que construíram, da obrigação exequenda (recurso dos embargantes);

4. Da violação da autoridade do caso julgado ao decidir-se pelo prosseguimento da execução para cumprimento da sentença exequenda, devendo os executados proceder ao «escoramento, para evitar deslizamentos de terras, evitando que o prédio dos AA. fique sem o apoio necessário, optando por solução que se adapte à factualidade vertida no ponto 15 dos factos provados», ou seja, «execução de um muro de suporte de terras em toda a extensão, que é de aproximadamente 50.0 metros.» (recurso dos embargantes);

Conexa com a questão anterior e a tratar com ela:

5. Do sentido a retirar do dispositivo da sentença dada à execução, nomeadamente se impõe a obrigação dos executados construírem um muro de suporte de terras em toda a extensão do terreno (aproximadamente 50 m) ao longo da extrema que divide os prédios das partes (do recurso dos embargados);

6. Da repartição das custas – (recurso dos embargados).


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III. Da fundamentação

III.I. FACTUALIDADE JULGADA

O tribunal a quo julgou provada a seguinte factualidade:

1. Nos autos principais de execução são exequentes AA e BB, sendo executados CC e DD.

2. Os exequentes indicaram, no campo relativo à finalidade da execução «Prestação de facto», e no campo respeitante ao título executivo «Decisão judicial condenatória», identificando o processo a que se reporta como sendo o nº …/15.8T8OAZ, do Juízo Local Cível de Oliveira de Azeméis.

3. No requerimento executivo, na parte relativa aos «Factos», os exequentes verteram o seguinte:

«1- Por douta sentença datada de 12 de Dezembro de 2016, devidamente notificada e transitada em julgado, foram os ora Executados condenados, entre outros pedidos, a:

a) reconhecerem que com as escavações que efetuaram, retiraram o apoio que existia necessário para evitar desmoronamentos e quedas de terra do terreno dos ora exequentes;
b) a reconhecerem que, por duas vezes, tal desmoronamento se verificou, uma na parte sul, perto da entrada e outro na confrontação poente-norte do prédio dos ora exequentes, ali AA., com o dos RR., ora executados;
c) a escorarem ao longo da confrontação (que ocorre a nascente) do seu prédio-descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o nº ...35/19910109- com o prédio dos AA., ora exequentes (melhor identificado em a) deste dispositivo) as terras da barreira que forma o desnível vertical da confrontação de modo a suportá-las, escoramento esse com a estrutura suficiente para garantir a inexistência de novas derrocadas, escoramento esse a construir a suas expensas

2- Na mesma douta sentença não foi estabelecido prazo para o cumprimento da obrigação.

3- Os executados ainda não procederem à feitura das obras em que foram condenados.

4- Os exequentes reputam suficiente o prazo de 30 dias para a realização dos trabalhos ainda não realizados.

5- Requer-se que, nos termos da parte final do nº1 do artigo 874º do CPC, conjugado com a parte do 1 do artigo 868º do CPC, que seja fixada uma sanção pecuniária compulsória no valor de €100,00 por dia de atraso no cumprimento da obrigação a que os executados, RR. Na acção, foram condenados».

4. No requerimento executivo, os exequentes indicaram no campo reservado à «Liquidação da obrigação» o valor de 8.000€.

5. Teor da sentença junta aos autos com o requerimento executivo, aqui dado por integralmente reproduzido.

6. Na sentença reportada no ponto 5, é o seguinte o teor do dispositivo:

«Face ao exposto, por considerar a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e a exceção perentória de prescrição como não provada, o Tribunal decide:

a) Julgar a exceção perentória de prescrição, invocada pelos RR. CC e mulher, DD não procedente, por não provada;
b) Condenar os RR. CC e mulher, DD a reconhecerem os AA. AA e mulher BB como donos do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o nº ...08/271197;
c) Condenar os RR. CC e mulher, DD a reconhecerem que, com as escavações que efetuaram retiraram o apoio que existia, necessário para evitar desmoronamentos e quedas de terra do terreno dos AA. AA e mulher BB;
d) Condenar os RR. CC e mulher, DD a reconhecerem que, por duas vezes, tal desmoronamento se verificou, um na parte sul, perto da entrada e outro na confrontação poente-norte do prédio dos AA. com o dos RR.;
e) Condenados RR. CC e mulher, DD a escorarem, ao longo da confrontação (que ocorre a nascente) do seu prédio (prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o nº ...35/19910109) com o prédio dos AA. (melhor identificado em –a)- deste dispositivo) as terras da barreira que forma o desnível vertical da confrontação, de modo a suportá-las, escoramento com a estrutura suficiente para garantir a inexistência de novas derrocadas, escoramento esse a construir a suas expensas, sendo absolvidos do pedido de construção específica de um muro;

d) São os AA. e os RR. condenados em custas, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 10% para os AA. e 90% para os RR».

7. Na sentença reportada no ponto 5, consta, imediatamente antes do dispositivo, o seguinte:

«É quanto basta para impor aos RR. a obrigação de escoramento de toda a linha de confrontação com o prédio dos AA., linha descrita no número 14. dos factos provados.

Teriam os RR., portanto, de escorar as terras do prédio dos AA.., para se evitar os desmoronamentos.

Mas os AA. pretendem a construção de um muro.

O artº 1348º, 1, do Cód. Civil não impõe a construção de um muro (de alvenaria, de pedra, etc.).

Poderá ser simplesmente a colocação de terras, em rampa, como constava anteriormente, poderá ser a colocação de uma barreira de pedras ou de umas tábuas.

Ou poderá ser mesmo um muro ou até mesmo uma muralha de betão armado.

Aquilo que os RR. têm de garantir é o escoramento, para evitar deslizamentos de terras, evitando que o prédio dos AA. fique sem o apoio necessário.

E portanto, condenam-se os RR.:

- a reconhecerem que, com as escavações que efetuaram retiraram o apoio que existia, necessário para evitar desmoronamentos e quedas de terra do terreno dos AA.;

- a reconhecerem que, por duas vezes, tal desmoronamento se verificou, um na parte sul, perto da entrada e outro na confrontação poente-norte do prédio dos AA. com o dos RR.;

- a escorarem as terras, ao longo da confrontação do seu prédio com o dos AA., escoramento, com a estrutura suficiente para prevenir novas derrocadas, escoramento esse a suas expensas.

São os RR. absolvidos do pedido de, especificamente, escorarem com um muro (de alvenaria, pedra ou betão armado).

A ação é, por isso, parcialmente procedente».

8. Teor do relatório pericial junto aos presentes autos na data de 28.01.2019, aqui dado por integralmente reproduzido.

9. Teor dos esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos juntos aos presentes autos nos dias de 26 e 29.04.2019, aqui dado por integralmente reproduzido.

10. Teor do relatório pericial complementar de 15.11.2019, subscrito por dois dos Srs. Peritos, aqui dado por integralmente reproduzido.

11. Teor do relatório pericial complementar de 12.03.2020, da responsabilidade do terceiro Perito, aqui dado por integralmente reproduzido.

12. Teor dos esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos, juntos aos presentes autos nos dias de 19 e 27.10.2020, aqui dado por integralmente reproduzido.

13. Teor dos esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos, juntos aos presentes autos nos dias de 14.12.2020 e 24.02.2021, aqui dado por integralmente reproduzido.

14. A estrutura construída pelos embargantes não é suficiente para evitar o desmoronamento de terras.

15. A solução definitiva que elimina o risco de desmoronamento de terras passa pela execução de um muro de suporte de terras em toda a extensão, que é de aproximadamente 50.0 metros.


*

E julgou não provada a seguinte factualidade:

a) a estrutura construída pelos embargantes é suficiente para evitar o desmoronamento de terras.

III.II.- Do objecto do recurso.

1.- Da nulidade da sentença recorrida.

1.1. Por ausência de pronúncia.

Invocam os apelantes embargantes que o tribunal a quo deixou de apreciar questão que lhe foi suscitada, sendo a decisão final omissa quanto à sua apreciação e julgamento, da qual devia ter conhecido e sobre a qual devia ter-se pronunciado, concluindo-se pela nulidade da decisão nos termos do art. 615.º n.º1. al.d) do CPC – conclusões 26ª, 27ª e 28ª.

Vejamos.

Prevê a lei a nulidade[8] da sentença quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Tal vício está previsto na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.

A nulidade em apreço está conexionada, além do mais, com o disposto no n.º 2 do art. 608.º do CPC, o qual, no que ao caso importa, impõe ao juiz que, na sentença, se ocupe de todas das questões suscitadas pelas partes[9]/[10].

Vejamos.


Entendem os embargantes que seria de todo relevante que o Tribunal a quo tivesse ordenado que se apurasse o tipo de solo/características geológicas do talude[11], nomeadamente para apurar do que se decidiu no facto 14º (concl.26ª).[12]

Referem (concl.27º) que «[e]sse tipo de estudo/análise/verificação afigurava-se, como se afigura, da maior relevância pois a definição da solução técnica mais adequada e eficaz para dar cumprimento à obrigação exequenda que dela também depende, e aliás depende em larga medida, pois que se trata de “escorar as terras da barreira” sendo mister analisar e conhecer previamente quais as suas caraterísticas geológicas em ordem a poder, depois, desenhar/definir a solução necessária e (mais) adequada, “de acordo com critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade”.

Vem isto na sequência de ter o Sr. Perito EE, no dia 19.10.20, solicitado ao tribunal que se pudessem fazer testes às características geológicas do talude e por forma a aferir das características do solo dessas terras da barreira do prédio dos exequentes, pedido este secundado pelos embargantes por requerimento de 7.11.20, pedindo a notificação dos embargados para, ao abrigo do princípio da cooperação, autorizarem a realização dos pretendidos testes, pedido este renovado no dia 14.4.21, pedindo-se pronúncia sobre o requerimento de 14.2.20.

Por despacho de 28.6.21, foi pelo tribunal a quo decidido que, ponderado todo o exposto pelos Srs. Peritos e o requerido pelas partes, «se afigurava como mais proveitoso para o andamento do processo e a boa decisão da causa agendar a continuação da audiência de discussão e julgamento da causa, com vista, antes de mais e desde logo, a ouvir os Srs. Peritos sobre as soluções propostas e os respectivos custos.»

Não houve, no entanto, despacho sobre a pretensão assinalada.

Da acta da audiência de julgamento, datada de 30.5.22, resulta o seguinte:

«Após, questionados os presentes se entendiam pertinentes outras diligências ou se os autos se encontravam em condições de prosseguir para alegações finais, pelo Exmo. Mandatário dos Embargantes foi dito não prescindir da audição das suas testemunhas, por entender que as declarações das mesmas serão importantes para se perceber as qualidades do solo e determinar qual a melhor solução.


*

De seguida, pela Mmª Juiz de Direito foi proferido o seguinte:

DESPACHO

Considerando que os executados embargantes não prescindem das testemunhas por si indicadas, uma a folhas 5 (cinco) do processo físico e a outra, em aditamento, a folhas 107 (cento e sete) do mesmo processo, as quais devem prestar declarações sobre as qualidades do solo, designa-se, após audição dos Ilustre Mandatário presentes, para continuação da presente Audiência de Julgamento, o dia 06-07-2022, pelas 13h45.

Notifique a primeira testemunha, sendo a segunda a apresentar, conforme o preceituado no artigo 598º, nº 3, do CPC.»

Também se omitiu, a propósito da diligência requerida, qualquer pronúncia.

Da sentença também não consta qualquer pronúncia a propósito.

Estamos, pois, perante uma omissão.

Sendo uma omissão importa saber se corresponde a nulidade secundária a que alude o art. 195º, nº1 do CPC[13], ou nulidade da própria decisão por omissão de pronúncia – art. 615.º, nº1, al.d) do CPC.

O que é uma nulidade processual?

1. Tem-se vindo a observar que o conceito de nulidade processual tem originado algumas confusões. Importa procurar desfazer estas confusões (o que, aliás, nem sequer é difícil).

2. Todo o processo comporta um procedimento, ou seja, um conjunto de actos do tribunal e das partes. Cada um destes actos pode ser visto por duas ópticas distintas:

- Como trâmite, isto é, como acto pertencente a uma tramitação processual;

- Como acto do tribunal ou da parte, ou seja, como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte.

No acto perspectivado como trâmite, considera-se não só a pertença do acto a uma certa tramitação processual, como o momento em que o acto deve ou pode ser praticado nesta tramitação. Em contrapartida, no acto perspectivado como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte, o que se considera é o conteúdo que o acto tem de ter ou não pode ter.

3. Do disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC decorre que se verifica uma nulidade processual quando seja praticado um acto não previsto na tramitação legal ou judicialmente definida ou quando seja omitido um acto que é imposto por essa tramitação.

Isto demonstra que a nulidade processual se refere ao acto como trâmite, e não ao acto como expressão da decisão do tribunal ou da posição da parte. O acto até pode ter um conteúdo totalmente legal, mas se for praticado pelo tribunal ou pela parte numa tramitação que o não comporta ou fora do momento fixado nesta tramitação, o tribunal ou a parte comete uma nulidade processual.

Em suma: a nulidade processual tem a ver com o acto como trâmite de uma tramitação processual, não com o conteúdo do acto praticado pelo tribunal ou pela parte.

É, aliás, fácil comprovar, em função do direito positivo, o que acaba de se afirmar:

- A única nulidade processual nominada que decorre do conteúdo do acto é a ineptidão da petição inicial (cf. art. 186.º); …;

- As nulidades da sentença e dos acórdãos decorrem do conteúdo destes actos do tribunal, dado que estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podem ter (cf. art. 615.º, 666.º, n.º 1, e 685.º CPC); também não é por acaso que estas nulidades não são reconduzidas às nulidades processuais reguladas nos art. 186.º a 202.º CPC.

4. Em conclusão:

- Só há nulidade processual quando o vício respeita ao acto como trâmite, não ao acto como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte;

- Em especial, não é correcto reconduzir qualquer vício relativo ao conteúdo de um acto processual do tribunal ou da parte ao disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC.”[14]

«No sentido de a omissão de conhecimento de um requerimento probatório não constituir uma nulidade processual secundária, no dia 21 de Setembro de 2020, no referido blogue do IPPC foi publicado um “post”, com comentário desfavorável de Teixeira de Sousa:

“Omissão de pronúncia; nulidade da sentença, ao Ac. da R. Guimarães de 19.3.2020, Proc.305/15.6T8MNC-E, disponível em www.dgsi.pt, sobre situação semelhante à dos autos, no qual o dito comentador conclui tratar-se de um típico caso de omissão de pronúncia da decisão recorrida.

(….) dimana que o nosso caso não cai, obviamente, na categoria de nulidade processual, podendo, sim, cair na de nulidade da decisão, por omissão de pronúncia do tribunal, relativamente ao requerimento probatório apresentado pelo A./recorrente (com oposição à sua junção pela R./recorrida).

Portanto, o que o A. devia ter feito era arguir nulidade da decisão, por omissão de pronúncia, e não nulidade processual, esta apenas de conhecimento do tribunal recorrido, segundo o velho brocardo “das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se»[15].

Em face do exposto, é evidente a nulidade em causa: o tribunal omitiu de todo, incluindo na decisão atacada, a pronúncia quanto à oportunidade da diligência probatória pretendida pelos embargantes.

Em face da regra da substituição prevista no art. 665.º do CPC[16] impunha-se, a entender-se da desnecessidade da diligência requerida pelos embargantes, o prosseguimento para conhecimento do objecto do recurso (depois de conhecida a nulidade suscitada pelos embargados).

Ocorre que, no entanto, se considera essencial cuidar de conhecer da natureza do solo /características geológicas do talude, nomeadamente com vista à definição do tipo de solução a implementar e no cumprimento da decisão executada.

Diremos com os embargantes que «[e]sse tipo de estudo/análise/verificação afigurava-se, como se afigura, da maior relevância pois a definição da solução técnica mais adequada e eficaz para dar cumprimento à obrigação exequenda que dela também depende, e aliás depende em larga medida, pois que se trata de “escorar as terras da barreira” sendo mister analisar e conhecer previamente quais as suas caraterísticas geológicas em ordem a poder, depois, desenhar/definir a solução necessária e (mais) adequada, “de acordo com critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade”.

Na verdade, do resultado da diligência, dependerá a ulterior definição[17] da estrutura, do escoramento do talude do terreno dos embargados na confrontação com o terreno dos embargantes, escoramento esse que, de acordo com o teor da sentença condenatória, faça-se a exegese que se fizer da sentença, por ser um acto jurídico formal, deve respeitar o seu texto, deve ter um mínimo de correspondência no seu texto como decorre do art.238.º, n.º1, ex vi art. 295.º, ambos do CC.

Com isso, mantendo-se ou a manter-se assente o facto 14º no juízo que o tribunal a quo fará novamente, ficará claro qual a construção que, realizada pelos executados, cumpre a sentença exequenda.[18]

Dessa decisão resulta que a obra corresponderá ao necessário escoramento das terras, ao longo da confrontação do prédio dos embargantes com o dos embargados, escoramento, com a estrutura suficiente para prevenir novas derrocadas, tendo ficado literal e expressamente referido de que não será, por disso terem os embargantes sido absolvidos, um muro, note-se[19], de alvenaria, pedra ou betão armado[20].

De resto, nem se alcança com rigor a perspectiva dos embargados em «teimar» pela construção de um muro[21] quando na contestação aos embargos referem «[e], ou lemos mal ou então não se entende o alegado no artº 6º da petição, quando os embargantes afirmam que “os exequentes continuam a querer que os Embargantes construam o muro. Nada mais falso, bastará ler!», senão no sentido que referem na pág. 3 do respectivo recurso quando referem que não querem, primacialmente, um muro.

Não obstante logo a seguir afirmam: «[o] que os Embargados/Exequentes pedem, aliás no respeito pelo teor de sentença exequenda é que os Executados “procedam ao escoramento das terras da barreira que forma o desnível vertical da confrontação, de modo a suportá-las, escoramento com a estrutura suficiente para garantir a inexistência de novas derrocadas”.


*

Em face do exposto, impõe-se a anulação da sentença, devendo os autos baixar à primeira instância para que o tribunal a quo:

(1) - se pronuncie expressamente sobre a diligência requerida pelos embargantes e, deferindo-a, após a realização do estudo que é seu objecto;

(2) - determinando a realização de nova perícia em vista à definição da estrutura imposta pela sentença dada à execução;

(3) - disso tirando as devidas consequências na nova sentença que, após alegações complementares, se proferirá ante a estrutura já construída, relevando para o efeito toda a demais prova já produzida.

Em face do exposto, fica prejudicado o conhecimento de todas as demais questões suscitadas pelas partes nos seus doutos recursos e atrás elencadas como questões a decidir.


*


IV – Decisão

Pelo exposto, acorda este Tribunal da Relação do Porto

- anular a sentença recorrida;

- determinar-se o conhecimento do requerimento produzido pelos embargantes no dia 7.11.20, tudo conforme e em respeito ao que se definiu na parte final da motivação desta decisão.


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Custas a fixar a final.

Notifique.


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Sumário:

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Porto, 6/2/2025.


Relator - Carlos A. da Cunha Rodrigues de Carvalho

1º Adjunto – Álvaro Monteiro

2º Adjunto – Ana Luísa Loureiro – [Concordo com a decisão, embora divergindo, na fundamentação, quanto ao enquadramento da omissão de apreciação do requerimento probatório na nulidade da sentença por omissão de pronúncia prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do Cód. Proc. Civil, antes acompanhando a posição defendida por Paulo Ramos de Faria e Nuno Lemos Jorge, As outras nulidades da sentença cível, Julgar Online, setembro 2024.].

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[1] Para assim se considerando cumprida a obrigação exequenda.
[2] Dada à execução.
[3] Do prédio de ambas as partes.
[4] «Frustrada a conciliação das partes, afigura-se, tendo em consideração, por um lado, o teor da decisão exequenda e, por outro lado, o alegado nos artigos 10º a 15º do requerimento inicial de embargos, dever enviar ao local um técnico capaz de esclarecer o tribunal, se se mostra cumprida a obrigação exequenda.
Recorrendo aos critérios de interpretação de sentença, afigura-se que a essência daquela que se pretende executar nos autos principais assenta no reconhecimento da ocorrência de desmoronamento de terras e a existência de perigo de voltar a ocorrer deslizamento de terras, tendo a decisão exequenda determinado, a cargo dos réus CC e DD, a obrigação de escorarem as terras, ao longo da confrontação nascente do seu prédio, com o prédio dos autores AA e BB, de modo adequado a suportá-las.
A decisão, alicerçada no entendimento de que o art. 1348º, nº 1 do Código Civil não impõe a construção de um muro seja de que natureza for, não fixando limites na concretização do que visa com a alínea e) do dispositivo – o que se pretende com tal condenação é assegurar de modo adequado e definitivo que não
ocorram novos deslizamentos»
[5]«Objecto do litígio:
A presente acção tem em vista verificar o preciso objecto da sentença apresentada à execução, se a mesma foi cumprida ao menos parcialmente e qual o prazo necessário ao total cumprimento da mesma – 596º, nº 1 do Código de Processo Civil.
(…)
Dos temas de prova:
- objecto da sentença exequenda;
- (in)cumprimento da sentença exequenda;
- solução mais adequada ao cumprimento da sentença e prazo para o cumprimento; e,
- admissibilidade e valor da sanção pecuniária compulsória.»

[6] Cfr. a citação da doutrina a propósito no Ac. do STJ de 6.6.2018 proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1: (a) António Santos Abrantes Geraldes - «[a]s conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do artigo 635º, n.º 3, do CPC. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo.» - in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª edição, Almedina, página 147. / (b) Fenando Amâncio Ferreira - «[n]o momento de elaborar as conclusões da alegação pode o recorrente confrontar-se com a impossibilidade de atacar algumas das decisões desfavoráveis. Tal verificar-se-á em dois casos; por preclusão ocorrida aquando da apresentação do requerimento de interposição do recurso, ou por preclusão derivada da omissão de referência no corpo da alegação. Se o recorrente, ao explanar os fundamentos da sua alegação, defender que determinada decisão deve ser revogada ou alterada, mas nas conclusões omitir a referência a essa decisão, o objeto do recurso deve considerar-se restringido ao que estiver incluído nas conclusões.» - in Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2000, página 108 / (c) José Augusto Pais do Amaral - «[o] recorrente que tenha restringido o âmbito do recurso no requerimento de interposição, pode ainda fazer maior restrição nas conclusões da alegação. Basta que não inclua nas conclusões da alegação do recurso alguma ou algumas questões, visto que o Tribunal ad quem só conhecerá das que constem dessas conclusões.» - Direito Processual Civil, 2013, 11ª edição, Almedina, páginas 417/41.
[7] Resulta da motivação que a nulidade invocada reconduz-se a al.d) e não  a al.c). Diz a páginas tantas e donde se retira isso mesmo: 
«Prescreve o nº 1 al. d) do artº 615º do CPC que a sentença é nula quando: «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Este segmento normativo conexiona-se com o estatuído nos arts. 154º e 608º do mesmo diploma, ou seja, com o dever do Juiz administrar a Justiça proferindo despachos ou sentenças sobre as matérias pendentes – artº 152º - e com a necessidade de o Juiz dever conhecer das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica. E, bem assim, de resolver todas as questões – e apenas estas questões, que não outras, salvo se de conhecimento oficioso - que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – artº 608º.
(…)
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia só acontece quando a sentença deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra.
(….)
Compulsada a douta sentença, ora em crise, constata-se que a mesma é omissa quanto à apreciação e julgamento dessa matéria, da qual também devia ter conhecido e sobre a qual devia ter-se pronunciado e decidido, mas que também o não fez.»
[8] Em rigor se tratando de anulabilidade – Cfr. Lebre Freitas, Acção Declarativa Comum, 4ª ed., p.380.
[9] Como impõe que se ocupe apenas das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
[10] «A falta (ou omissão) de pronúncia está prevista na primeira parte da referida al. d) e decorre da violação das normas que impõem ao tribunal o dever de tomar posição sobre certa questão, o que ocorre tanto para as questões de conhecimento oficioso (cf., por ex., os artigos 578.º e 579.º), como para as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (cf. a primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º). Trata-se, pois, de uma omissão de julgamento de forma ou mérito, a qual não se confunde com uma decisão efetiva de não conhecimento da questão, por inadmissibilidade ou falta de pressupostos processuais.
(….)
As questões a resolver são as questões de direito correspondentes aos pedidos, causa de pedir e excepções, tantos peremptórias como dilatórias.» – Rui Pinto.  Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º do CPC), p.21 - in Revista Julgar Online, maio de 2020. 
[11] Do terreno dos embargados na confrontação com o dos embargantes.
[12] Conclusão 4ª:  Impunha-se que Tribunal “a quo” tivesse mandado apurar o tipo de solo/características geológicas do talude, pela sua importância na definição do tipo de solução a implementar, para que de forma fundamentada pudesse ter dado como provado o ponto 14 dos factos provados, nos termos em que o fez.
[13] Sendo uma nulidade nos termos do art.195 n.º1 do CPC, o prazo de arguição há muito se teria exaurido – art.199.º nº1,  e 149.º nº1, ambos do CPC
[14] «Post» inserido por Teixeira de Sousa no dia 17 de Abril de 2018, no blogue do IPPC, e citado no Ac.da RC de 8.7.21, proc.5281/19.3T8VIS.C1.
[15] Vide decisão citada.
[16] «1 - Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.
2 - Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
3 - O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias.»
[17] Naturalmente com recurso a nova perícia que o defina.
[18] Se for decidida outra que não a já concretizada, se não a fizerem, a mesma por terceiro será realizada a suas expensas – art.870.º do CPC.
[19] Haverá outros tipos de alvenaria mais ligeira que não de perda ou betão armado.[20] «e) Condenados RR. CC e mulher, DD a escorarem, ao longo da confrontação (que ocorre a nascente) do seu prédio (prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o nº ...35/19910109) com o prédio dos AA. (melhor identificado em –a)- deste dispositivo) as terras da barreira que forma o desnível vertical da confrontação, de modo a suportá-las, escoramento com a estrutura suficiente para garantir a inexistência de novas derrocadas, escoramento esse a construir a suas expensas, sendo absolvidos do pedido de construção específica de um muro.»
[21] É por isso pelo que se batem no respectivo recurso, concluindo-se com o seguinte pedido: «Assim, deverá conceder-se provimento ao recurso, anulando-se/ revogando-se a sentença por Acórdão que condene os Embargantes a construírem o muro de suporte de terras em toda a extensão do terreno que é, aproximadamente de 50 metros ao longo da extrema que divide os terrenos dos Embargantes e dos Embargados, para suporte das terras dos Embargados com as condições de estrutura suficiente para evitar novas derrocadas, nos termos e condições preconizadas pelos Srs. Peritos no relatório pericial datado de 23 de janeiro de 2019, subscrito por unanimidade, conforme supra se escreve (…)»