I - A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, conforme previsto no artigo 236º, nº 1 do Código Civil.
II - A regra estabelecida neste preceito é a de que o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante, exceptuando-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido, ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante.
III - Em síntese, consagrou-se uma doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo é temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista tendo em vista a protecção das legitimas expectativas do declaratário e a não perturbação da segurança do tráfico, conferindo-se à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis, efectivamente, atribuir, sendo que a normalidade que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.
IV - No caso vertente, com a redacção dada ao ponto 5 do “Anexo 1 - Opção de Compra”, do contrato de arrendamento junto como doc. 2 com a petição inicial, não parece verosímil que a interpretação pretendida, ao escrever “ todo o tempo” seja compatível com a possibilidade de exercício da opção de compra possa ser durante todo o tempo vindouro, no sentido de a opção de compra perdurar durante os primitivos 33 meses de duração do contrato (1/10/19 a 30/06/2022) e (re)nascer nos 33 meses seguintes, e nos seguintes e por aí adiante, e enquanto o contrato de arrendamento durar entre as partes.
V - De facto, não é crível que para as partes, não fosse indiferente que a opção de compra venda fosse sempre pelo mesmo valor de € 50.000,00, independentemente do momento temporal em que viesse a acontecer, tanto mais que o negócio imobiliário regista um grande dinamismo, com valorizações e incrementos de valor comummente conhecidos e que se vêm registando.
VI - De resto, a merecer acolhimento o entendimento da Apelante, seria manifesto que o ponto 5 era manifestamente contraditório quando comparado com os pontos 2, 3 e 4 do “Anexo 1 - Opção de Compra”, do contrato de arrendamento junto como doc. 2 com a petição inicial.”
ECLI:PT:TRP:2024:3380/22.3T8VFR.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
A..., Ld.ª, com sede na Rua ..., ..., ..., ..., instaurou acção declarativa sob a forma de processo comum contra AA e BB, residentes na Rua ..., Urbanização ..., ..., ... ..., onde concluiu pedindo que o Tribunal profira sentença que substitua a vontade negocial dos RR. e que, por via disso, declare que os RR. vendem à A., pelo preço de € 48.127,79, o prédio urbano destinado a comércio (bloco ...) inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...85, fracção “D”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira na freguesia ... sob o nº ...36/19950816 - “D”, concelho de Santa Maria da Feira, bem como o Tribunal notifique a A. para proceder ao depósito do preço, o que sucedeu, tendo a A. procedido ao referido depósito, à ordem dos autos.
Alegam, em síntese, que na sequência de negociações com os Réus, celebraram com estes um contrato de arrendamento comercial, com uma cláusula de opção de compra.
Mais alegam que, com base no acordado, os Réus incorreram em mora no cumprimento da obrigação de venda do imóvel locado à A., uma vez que accionou, tempestivamente, a cláusula de opção de compra.
Alegam, em síntese, que a obrigação de venda do bem imóvel locado à A. não existia à data em que a A. interpelou os RR. ao seu cumprimento.
Em sede reconvencional concluem pedindo que:
a) nos termos dos artigos 236º a 239º e subsidiariamente do artigo 249º todos do Código Civil, interprete e integre ou, subsidiariamente, rectifique a literalidade do ponto 5 do Anexo I do contrato de arrendamento, passando a conferir-lhe o seguinte texto: “5. Sem prejuízo do número dois, a opção de compra por parte da segunda outorgante poderá ser exercida desde o primeiro dia de vigência do presente contrato até 180 dias do seu termo ou renovação, mediante o envio de carta, por correio registado com aviso de recepção, ao primeiro outorgante.”
b) declare a validade do arrendamento até 31-03-2025, por inexistência de disposição contratual que acarrete o fim do arrendamento provocado pelo exercício do direito de opção de compra.
c) absolva os RR. do pedido.
Subsidiariamente, pediram que:
d) a sentença a proferir declare a existência de erro na transmissão da declaração exposta naquele ponto 5 do Anexo pela literalidade que lhe foi atribuída, anulando-a nos termos do artigo 247º do Código Civil.
e) declare a validade do arrendamento até 31-03-2025, por inexistência de disposição contratual que acarrete o fim do arrendamento provocado pelo exercício do direito de opção de compra.
f) absolva os RR. do pedido.
Subsidiariamente e caso assim não se entenda, na eventualidade de se julgar a interpretação do ponto 5 do Anexo I feita pela Autora como correcta, o que nem por hipótese académica se concebe:
g) absolva os RR. do pedido por inexistência de qualquer mora, uma vez que foi a A. quem não cumpriu com o aviso prévio e com a antecedência estipulada no ponto 6 daquele anexo.
Julgou, ainda, a reconvenção procedente e declarou a validade do contrato de arrendamento até 31/3/2025, por inexistência de disposição contratual que acarrete o fim do arrendamento provocado pelo exercício do direito de opção de compra.
I.Cumpria ao Tribunal apreciar a vontade real do contrato redigido, aceitando-se como formalmente designado de arrendamento, mas cumprindo operar a verdadeira interpretação da real vontade das partes, na designada opção de compra;
II. Da prova testemunhal produzida resulta que havia vontade de vender pelos Recorridos, e vontade de compra pela Recorrente;
III. Da abundante, concisa, clara e imparcial prova testemunhal produzida, redunda à evidência, que se pretendeu outorgar um contrato de compra e venda (ou promessa), designado de arrendamento para fins comerciais, visando evitar mais valias do casal vendedor;
IV. O que se consubstancia e concatena com a prova documental existente, e até, face ao valor insólito da renda de 624,07 euros, que é 1/33 avos de 20 000,00 euros, e o acréscimo de 18,00 euros a título de condomínio;
V. Não há actualização de rendas, a compradora assumiu o pagamento do condomínio e obras de que o prédio e a fracção entretanto careceram;
VI. É manifesto que se trata dum verdadeiro contrato de compra e venda, que por vantagens fiscais e interesses dos Recorridos, quiseram fosse redigido como se de um arrendamento comercial se tratasse;
VII. É manifesto que houve acordo em contrário, como previsto na cláusula 4ª do anexo de opção de compra, face a tudo quanto se encontra transcrito, pois os Recorridos queriam vender, e a Recorrente queria comprar;
VIII. E assim deve ser dado provimento ao recurso, sendo dado como provado que houve acordo em contrário, como previsto no aludido nº 4 do anexo da opção de compra;
IX. A cláusula prevista no nº 5 do anexo de opção de compra é uma cláusula excepcional, especialíssima, que visa contratos típicos de arrendamento com opção de compra, visando que os compradores, não fiquem prejudicados nas suas expectativas, permitindo-se o exercício a todo o tempo da vigência do contrato, da mesma;
X. No caso dos autos, antagónico, cujos pagamentos são disfarçados de rendas, visasse contudo, e na mesma salvaguarda e expectativas do comprador, pois pagou o que não são rendas, pois não há contrato de arrendamento, pelo que se impõe a vigência dessa cláusula, de forma ainda mais pertinente, pois não há interesses dos vendedores a salvaguardar, face ao integral cumprimento da Recorrente;
XI. Essa cláusula é excepcional e especialíssima no âmbito dos contratos tipo, visando a salvaguarda dos cumpridores;
XII. E pela situação concreta dos autos, ante o pagamento e não imputação no custo de aquisição, maior salvaguarda deve ser prestada, pelo clausulado no nº 5 da opção de compra;
XIII. Sob pena de se salvaguardar mais quem não cumpre o contrato, que quem o cumpre;
XIV. A literalidade da cláusula 5ª é inequívoca, do poder de exercer a opção de compra em todo o tempo e vigência do contrato, e contrato ainda estava e está em vigor, e à data, na sua primeira vigência;
XV. Pelo que se impõe dar como reconhecido o direito ao exercício da opção de compra;
XVI. A não ser assim viola-se o princípio da literalidade e os princípios da interpretação da Lei, dos contratos e da vontade real das partes;
XVII. Porque o contrato foi redigido pelos Recorridos, e sob as suas vontades e ensejos, e a Recorrente a tudo acedeu, pois só queria poder comprar a final, como ficou expressamente dito, há que aplicar a Doutrina da impressão do destinatário, e inexiste dúvidas que o legal representante só se preocupou com a possibilidade de poder comprar a final, tal como consta do contrato;
XVIII. E por esta teoria é manifesto que a Recorrente tem válida e em vigor a exercício do direito de opção de compra, a todo o tempo de vigência do contrato:
XXIX. Por questões de explicitação e coerência da prova dada como provada, e ante o antagonismo ou possibilidade dele, na interpretação dos factos, entende a Recorrente que deve ser dado como provado o seguinte facto:
“Sem prejuízo do contrato outorgado ser designado como arrendamento para fins comerciais, o que as partes quiseram, e por vontade dos Recorridos, foi outorgar um contrato de compra e venda, visando reduzir a componente do pagamento do preço a título de sinal, deduzindo-o como rendas, o que era meio de pagamento do preço, assim reduzindo as mais valias que se imporiam aos vendedores”
XX. A Recorrente pretendeu exercer o direito e não o pôde, razão da presente lide;
XXI. Ante uma análise cuidada do redigido, e porque excluída a cláusula 2ª do contrato original, resultam várias incongruências, mas sempre fica salvaguardado o exercício do direito de opção de compra, que é um desvio, uma válvula de segurança do previsto no nº 2 do contrato sub judice;
XXII. Explicitando o clausulado num contrato tipo, cláusula 2, defere uma vantagem patrimonial ao arrendatário, que vê os valores de renda imputados, no valor da compra e venda; A cláusula 3ª, mantém a vigência do contrato e não refere nem afecta a possibilidade de poder ser exercida a opção de compra; A cláusula 4ª, e ressalvado, salvo acordo das partes em contrário, parece afastar a possibilidade do exercício da opção, após o decurso dos últimos 180 dias do contrato de arrendamento; A cláusula quinta, que surge como excepção, noutros contratos, à cláusula 3ª, que refere o prazo para o exercício da opção, tem sempre uma excepção à excepção, ou seja, desde que vigore o contrato de arrendamento, há possibilidade do exercício da opção, pois nos contratos “normais”, o que se visa é um prolongar no tempo do pagamento do preço.
XXIII. Atenta a inexistência neste contrato da cláusula 2ª, a cláusula 5ª, refere sem prejuízo (ou seja, independentemente doutras cláusulas ou regras), a opção de compra por parte da segunda outorgante, poderá ser exercida a todo o tempo de vigência do presente contrato;
XXIV. Se tal cláusula faz todo o sentido num contrato de arrendamento, em “que se aproveitam as rendas”, como meio de pagamento desta regra excepcional, muito mais sentido fará num contrato que não é um arrendamento, e que os montantes pagos durante um período para perfazer 20 000,00 excluídos de tributação, terá de vigorar, sob pena de verdadeiro venire contra factum proprium e até, de abuso de direito.
XXV. Se se pretendesse uma redacção sem dúvidas e que ficasse completa, podendo manter a exclusão da opção de compra, bastaria não existir a cláusula 5ª, e já não existiria quaisquer dúvidas interpretativas, afastando tal excepção especialíssima.
XXVI. Ante o contrato de compra e venda realizado com adiantamento de pagamentos, e face à cláusula 5ª, resulta inequívoco querer garantir as garantias de segurança e expectativa dos outorgantes;
XXVII. Ante o provimento do recurso, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria interpretativa de Direito e do Direito, ter-se-á de ver revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue a acção provada e procedente, como é de Direito.
XXVIII. A douta sentença violou o disposto nos artºs 405º, 334º, 473º e seguintes, todos do Código Civil, e os artºs 607º, nº 5 e 608º, nº 2 do Código de Processo Civil.
2.1 Factos Provados
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. A A. é uma sociedade por quotas, que tem como actividade fiscalmente declarada o CAE 47293-R3 da exploração de minimercado, compreendendo a importação, exportação, representação e comercialização de produtos alimentares congelados e não congelados, nomeadamente carne, peixe, mercearia, frutas, produtos hortícolas, artigos de padaria, pastelaria, gelataria e confeitaria, incluindo bebidas (alcoólicas e não alcoólicas), tabaco, têxteis, vestuário, calçado, artigos em couro, jornais, revistas e artigos de papelaria.
2. Antes da exploração pela A., eram os RR., quem explorava o negócio, sito na Rua ..., ..., no lugar de ..., ..., e designado ..., cuja fracção é inscrita na matriz predial urbana sob o Artº ...85, designada “D”, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, na referida freguesia ..., sob o nº ...36/19950816-D.
3. Entre A. e RR. fora outorgado um contrato de arrendamento com opção de compra.
4. Antes da outorga do contrato de arrendamento, todas as máquinas e equipamentos que construíam o minimercado foram alienadas à sociedade A..
5. Do referido contrato junto como Doc. 2 com a petição, denominado “Contrato de arrendamento para fins comerciais”, no anexo I, designado OPÇÃO DE COMPRA, do mesmo consta:
6. “(1) O senhorio e a arrendatária acordam que o preço de venda do imóvel objecto do presente contrato é de 50 000,00.
7. (2) O segundo outorgante poderá exercer o seu direito de opção de compra, nos termos referidos nos números anteriores, até 180 dias antes da data do termo do contrato.
8. (3) Caso o segundo outorgante não exerça o direito referido no número anterior, o contrato de arrendamento renova-se por igual período, sem prejuízo do direito de as partes se oporem à sua renovação, nos termos do disposto na lei.
9. (4) Salvo acordo em contrário entre as partes, o não exercício do direito de opção de compra por parte da segunda outorgante, nos termos e condições referidos nos números anteriores, faz cessar o mesmo e, em consequência, fica sem efeito o dísposto nos números um e dois deste anexo.
10. (5) Sem prejuízo do disposto no número três, a opção de compra por parte da segunda outorgante poderá ser exercida a todo o tempo da vigência do presente contrato, mediante o envio de carta, por correio registado com aviso de recepção, ao primeiro outorgante.
11. A marcação do contrato de compra e venda ficará a cargo da segunda outorgante, que deverá comunicar por escrito, em correio registado com aviso de recepção, ao primeiro outorgante, o local, a data e a hora do referido contrato, com a antecedência mínima de oito dias da data agendada.”
12. Em 27 de Setembro de 2019, foi vendido à A. todo o imobilizado do negócio até então exercido pelos RR..
13. Aquando da fase negocial os RR., confessavam-se cansados e com vontade de “mudar de vida”, pois era “uma prisão” aquele negócio.
14. Junto da Deco Proteste, existe minuta em tudo similar à redigida, com alterações de numeração e algum conteúdo, que revelam que o contrato foi adaptado às concretas condições (razão do nº 4 referir clausulas anteriores, quando face ao redigido é apenas uma).
15. Por missiva enviada pela A. em 13 de Abril de 2022, esta, por carta registada notificou os RR. Para a outorga do contrato definitivo, a realizar no Cartório Notarial da Dra. CC, sito na Rua ..., ..., a 26 de Abril de 2022, pelas 11:00 horas, sendo que os RR. não compareceram.
16. Veio a ser comunicada à A. por Ilustre Advogado dos RR., que os seus constituintes não lavrariam a prometida venda.
17. No dia 26 de Abril de 2022, pelas 11:00 horas compareceu a legal representante da A., sendo que nenhum documento foi enviado ou estavam presentes os RR., pelo que foi lavrado o competente certificado de não comparência dos aqui RR., que para todos os legais efeitos se junta. (cfr. doc. nº 11 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por reproduzido na íntegra).
18. No dia e hora agendados para a escritura pública de compra e venda, designada pela A., os RR. não compareceram, nem se fizeram representar, pelo que, como se reitera, não foi lavrada a mesma.
19. Até ao momento os RR não agendaram a escritura de compra e venda, nem se mostraram disponíveis para outorgar a mesma.
20. A A. continua a pagar aos RR. o montante de 624,07 euros mensais.
21. Na fase pré contratual, A. e RR. outorgaram a compra e venda de bens móveis e um arrendamento para fins comerciais com opção de compra.
22. A compra e venda de bens móveis, ocorreu em 27-09-2019, pelo preço de € 11.500 (onze mil e quinhentos euros), acrescido de IVA à taxa em vigor, ascendendo, por isso, ao valor global de € 14.145,00.
23. O contrato de arrendamento para fins comerciais (com opção de compra) foi outorgado em 01-10-2019.
24. Posteriormente à outorga daquele contrato inexistiu qualquer acordo que dispusesse de forma diversa do ali clausulado.
25. Conforme Doc. 9 junto pela A. com a Petição Inicial, a A. remeteu aos RR. uma missiva datada de 13-04-2022, juntando para o efeito o “Talão de Aceitação” dos CTT, com o código RH...1 5 PT.
26. Consultado o site1 dos CTT para o efeito, (conforme Doc. 1 junto com a contestação, para o qual se remete e aqui se dá por reproduzido na íntegra), verifica-se que a referida missiva foi entregue a 18-04-2022.
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção quanto aos factos nos seguintes meios de prova:
“Consigna-se que a convicção do tribunal foi alicerçada no conjunto da prova produzida em audiência, nomeadamente no exame dos documentos juntos aos autos para os quais se fez oportuna remissão, e na análise crítica do depoimento das testemunhas e declarações de parte, concatenadas com as regras da experiência comum, da lógica e do senso comum.
Foram tidos em consideração os factos admitidos por acordo das partes (nomeadamente os arts. 1º, 2º, 4º, 23º, 24º, 26º, 28º e 29º da petição), não sendo impugnada a existência do contrato celebrado entre as partes, conduzindo à prova dos factos subjacentes a estas alegações.
Mais se consigna que por decisão já transitada em julgado, proferida em 11/7/2023, foi julgado integralmente provado o teor do contrato escrito que constitui o documento 2 da petição e foi julgado o mesmo contrato de arrendamento válido e em vigor quanto às obrigações dele decorrentes e relativas ao arrendamento do imóvel identificado na sua primeira cláusula.
Também foram valorados os documentos juntos aos autos para os quais se fez oportuna menção, nomeadamente o conteúdo do denominado contrato de arrendamento para fins comerciais celebrado entre as partes, Certidão Permanente da A., de cuja observação e análise resultam os factos provados respectivos.
Ponderou-se também o teor dos documentos juntos para onde se remeteu, mormente documentos que encerram emails trocados e que se encontram junto ao processo.
A demais factualidade dada como provada, para além de ancorada nos elementos documentais já assinalados, resulta de uma análise crítica e global de toda a prova no seu conjunto, a qual autoriza a efectuar o seu enquadramento fáctico.
Valorando-se todos aqueles elementos documentais, foram igualmente ponderados os depoimentos das testemunhas, as declarações de parte do Legal Representante da A., a fim de aferir da veracidade dos factos.
Concretamente em relação à interpretação a dar ao Anexo 1 do contrato, os depoimentos ouvidos, por si só, não se revelaram aptos a esclarecer o total das dúvidas, lacunas e incongruências sobre a interpretação do clausulado, pelo que teremos que fazer oportuno apelo às regras coadjuvantes para obter a interpretação que melhor se coaduna ao circunstancialismo fáctico apurado.
DD, sócio da A. desde 2019, ouvido em declarações de parte: Esclareceu que a A. adquiriu o negócio dos RR., disse que o negócio da aquisição foi delineado entre si e o Dr. EE que tratava da parte mais técnica, que ele declarante esteve presente em todas as reuniões, existiram algumas reuniões onde estiveram presentes o declarante, os RR., o Dr. EE e familiares dos RR.. Mais disse que os RR. queriam vender o negócio, que inicialmente o 1º R. pediu €30.000,00 pelo negócio, tendo chegado ao valor de €100.000,00 como valor total. Acrescentou que à data os RR. não queriam pagar mais valias e para tanto, como o R. deu €45.000,00 pela loja, surgiu a ideia de arrendamento, com opção de compra, sendo €20.000,00 para as rendas e o sobrante para a compra. Acharam bem pois assim nem tinham que pagar tudo duma vez e os RR. quiseram o negócio desta forma para não pagarem mais impostos. Mais referiu que a cláusula de opção de compra foi sugerida pelos RR., ficando assim salvaguardada a situação no caso de a A. “roer a corda”, a cláusula era só como salvaguarda, caso a A. não quisesse manter o combinado, para que os RR. pudessem procurar outras pessoas. Explicou que está convencido que a A. pode efectuar a compra a qualquer momento, face ao acordado. Referiu que em finais de Março/princípios de Abril de 2022, para tratar das coisas com tempo, telefonou ao R. para lhe dizer que queria comprar a loja, manifestou-lhe a sua vontade de comprar a loja, tendo o R. respondido que estava a conduzir, que tinham que falar. Cerca de hora e meia depois recebeu um telefonema da sua mãe a dizer que a R. mulher lhe tinha telefonado a dizer que não queria vender a loja, que tinha passado o prazo, que se queriam comprar tinham que ter dito até 31/12/2021, mas que queriam que se mantivesse o arrendamento. Nessa sequência voltou a telefonar ao R. marido e este disse-lhe que o A. não respeitou os 180 dias da cláusula de opção. Perguntou-lhe se já não queria vender ao que o R. respondeu que se calhar queria vender, mas já não por aquele valor, nunca por menos de €100.000,00, acrescentando o R. “ eu sei bem quanto estais agora a ganhar, portanto agora é mais.”. Confirmou que o combinado era dar os €20.000,00 em rendas, e disse que enviou o Doc. 9, declarando que se mantém a pagar €624,07 até hoje. Questionado qual a razão do preciosismo de “,07”, dos 7 cêntimos, explicou que era porque os RR. queriam o total de €50.000,00 pelo negócio, sendo €20.000,00 a título de rendas e o restante pelo negócio e que os RR. disseram que, como a loja era para a A., então a A, tinha que suportar o condomínio e A. aceitou pagar o condomínio.
Explicou que o único problema que houve com os RR. por causa do condomínio foram o custo de umas obras, que não aceitou porque os RR. nunca lhe tinham falado nesse custo e tal já vinha de há 8/9 meses, soube pelos vizinhos. A. não pagou o custo com tais obras. Mais disse que posteriormente existiram inundações e foi a A. que custeou e tratou de tudo.
Esclareceu que a carta junta como Doc. 9 era para outorgar a compra, enviaram a carta, foram para lá, mas os RR. não apareceram.
Sobre o negócio explicitou que os RR. venderam o negócio todo, pormenorizando que a A. pagou €100.000,00 pelo negócio global (que englobava recheio, carrinha, arcas, estantes), aduzindo que a A. se sentiu prejudicada porque nos últimos dias os RR. venderam muita coisa ao desbarato, com promoções “malucas”. O negócio, para as partes, resumia-se à compra e venda com arrendamento de €20.000,00 mais o trespasse de €30.000,00.
Questionado pela factura de cerca de €14.000 junta como Doc. 3 respondeu que a factura espelhava os €20.000,00 disfarçados de rendas e €50.000,00 pela loja.
Instado a esclarecer como chegaram ao valor de €624,07 disse que aquele valor se reportava ao valor da renda acrescido do valor do condomínio, acrescentando que o condomínio era pago pela A., mas quem entregava o valor à empresa de condomínio eram os RR., que a A. aceitou logo de início, suportar o condomínio, apesar de ficar sem os recibos de € 18 mensais referentes ao pagamento do condomínio; portanto, disse, falaram em 2 valores para a renda: €606,07 antes do valor do condomínio e € 624,07 já com o valor do condomínio. Exibido o email de 2/09/2029 afirmou que foi aquilo o estipulado.
Disse ainda que sempre falaram em “Trespasse”, mencionou que a Drª FF foi a Advogada que redigiu o contrato, que ela esteve presente nas reuniões.
Perguntado sobre o email de 3/09/2019, às 18.27H: disse que “€ 30.000” era o valor do trespasse, não tem quaisquer dúvidas.
Quanto ao email de 23/09: fala-se em cláusula de condomínio, na minuta anterior falava-se do condomínio. Mais disse que a A. foi para o imóvel no final de Setembro, que o contrato datará de 29/09. No que concerne ao Ponto 6 deste email, explicou que pretendiam que por ex., se a A. no final de 7/8 meses fosse embora, por não querer a loja nem o negócio, então os RR. queriam 5 rendas, acrescentando que para a A. esta cláusula era indiferente, porque a A. queria mesmo a loja; já os RR. queriam 33 meses de renda e vender a loja.
Pensa que à data em que foi redigido o contrato, a Drª FF era Advogada estagiária e usou uma minuta, usou um contrato pró-forma retirado da Deco e junto aos autos. A A. podia e queria adquirir o imóvel a qualquer altura, não adquirir nunca foi pretensão da A., nunca foi opção da A. não adquirir o imóvel.
Sobre a Cl. 7ª do Doc. 2 (que foi o contrato outorgado ente as partes): disse que tudo o que eram obras eram da responsabilidade da A. porque a loja era para a A., explicando que as únicas obras que os RR. pagaram foram umas obras prévias ao contrato celebrado entre as partes, inscritas em acta há muito tempo, pelo que disse aos RR. que não ia suportar esse custo com as tais obras prévias.
Explicou também que a A. alterou muitas coisas: gastou cerca de € 10.000,00 a remodelar a loja, montras, grades, acrescentando que a A. só fez aquelas obras porque a loja era sua, não queria que aquelas mais valias/benfeitorias fossem para os RR..
No que toca ao Anexo I Ponto 3: na interpretação pretendida, se nada se fizesse, renovava-se, era o que queria dizer.
Em relação ao Anexo I Ponto 5: pretendia dizer-se a qualquer momento, desde que o contrato não fosse revogado exerceriam a opção de compra a qualquer momento.
A sua preocupação foi não exercer a opção de compra no último dia; se fizessem a opção de compra depois dos 33 meses, ia ficar tudo mais caro, pois iam pagar mais uns quantos meses de renda.
Tem conhecimento de que é possível fazer trespasse sem adquirir o imóvel.
Presenciou a assinatura do contrato, esteve presente, a Drª FF também esteve presente aquando da assinatura e confirmou quem assinou o contrato, acrescentando que o contrato foi lido e explicado, sendo sua convicção que no dia da assinatura inexistiam dúvidas sobre o conteúdo do contrato.
Existiram cerca de 3 reuniões em casa dos RR. por causa do contrato.
Na suposição de que durante os 33 meses a A. não tinha exercido o direito de opção de compra, renovava-se todo o contrato, também o de arrendamento.
Perguntado pelo Ponto 2 e 1 do Anexo I, Doc. 1 disse que até 180 dias antes pode exercer o direito de compra.
O recibo de renda tem o valor igual ao que paga, inicialmente o valor da renda falado foi de €606,07 que depois passou para €624,07 porque passaram a pagar o condomínio. Mais revelou que na minuta anterior o condomínio estava imputado à A., sendo que depois integraram o condomínio na renda, aumentaram o valor da renda, .
Como a A. não podia pagar o condomínio directamente à Administração do Condomínio, porque a loja ainda não estava no nome da A., decidiram fazer daquela maneira, e como contabilisticamente não podia ser justificado como pagamento de condomínio, vai espelhado como sendo renda (e não na rubrica que devia ser que era de condomínio), em termos fiscais devia estar reflectido como pagamento de condomínio.
Quanto à Cl. 9º A, disse que a A. desvalorizou esta cláusula porque a vontade da A. foi sempre comprar.
Que se recorde, as obras feitas pelo condomínio foram as tais obras inscritas em acta e pagas pelos RR; as demais obras foram feitas por si cerca de ano e meio depois de estar no espaço, fez as obras dentro do espaço e porque entendiam que aquelo era da A., era para ser da A.
Confirmou que existiram alterações no clausulado, o Doc. 4-email de 24/09, são € 50.000,00 e não € 70.000,00.
Também assistiu a reuniões com os RR., por 2 vezes, que tinham a ver com a aquisição do negócio pela A.
Nessas reuniões: disse que o negócio tinha um edifício afecto e um dos objectivos era adquirir esse edifício; como os RR. não queriam pagar muitos impostos, fizeram contrato de arrendamento sendo que essas rendas seriam para descontar ao valor do prédio. A A. não pretendia um contrato de arrendamento, as rendas eram sim pagamentos por conta para aquisição do negócio em si e do prédio também. Sabe que na ocasião faziam parte do negócio o recheio, máquinas, equipamentos, uma viatura. A A. adquiriu tudo, há facturas de transmissão desses bens, mas esta fase já não acompanhou, por isso desconhece os valores. O objectivo das partes era o “trespasse”, os RR. queriam desfazer-se do negócio e do imóvel, a vontade não era de arrendar, nunca houve vontade real de fazer um contrato de arrendamento, a A. sempre quis comprar desde o início. O arrendar foi a forma encontrada pelas partes, é como que faziam pagamentos por conta, as rendas é como que eram um pagamento faseado. Acompanhou as negociações, não chegou a ver o contrato de arrendamento redigido. Nas reuniões, logo na 1ª reunião, verificou que os RR. queriam desvincular-se de tudo, tinham dívidas fiscais relacionadas com o negócio e queriam ver-se livres de tudo. Na segunda reunião até esteve um Advogado familiar do R. marido, tendo-se na segunda reunião consolidado o que foi falado na primeira reunião.
A ideia era as rendas serem deduzidas ao valor da compra do imóvel, acha que o valor total do negócio iriam ser €60.000,00, isto era para evitar para os vendedores encargos maiores com as mais valias.
Mais referiu que na 1ª reunião estava o DD, a testemunha, a D. HH, os RR. e filho destes, na 2ª reunião estavam aqueles mais a Advogada.
Asseverou que a vontade da A. era comprar o negócio e o imóvel, o imóvel seria comprado numa fase posterior e uma parte da compra seria paga em rendas; o que ficou efectivamente escrito não sabe.
Recorda-se que durante as negociações os RR. se queixavam de ter IRS alto para pagar.
Pensa que o negócio abriu a meio de Setembro de 2019 ou princípio de Outubro. Recorda-se que houve um pagamento inicial de €30.000,00, tinha a ver com a compra do stock, reconhecimento que o que foi vendido em termos de stock foi o reflectido no Doc. 3 com a petição, explicando que, tanto quanto se recorda, ali não estão espelhados os €30.000,00 porque dava jeito aos RR., para não pagarem impostos. O valor total do negócio foi de €100.000,00, foi um negócio de compra e venda com arrendamento. Por isso entregaram aqueles €30.000,00, mais € 50.000, 00 do negócio e os restantes €20.000,00 eram pagos em rendas em trinta e tal meses de renda sendo a renda mensal de seiscentos e tal euros. O Doc. 2 espelha o arrendamento, mas era para comprar, arrendamento com opção de compra, assinou aquele contrato. Lembra-se que o valor da renda acabava em cêntimos, ao valor da renda acrescia o valor do condomínio por conta da A., o R. marido disse que a A. tinha que pagar o condomínio, valor que foi somado ao da renda que a A. pagava..
Pensa que a A. tinha que exercer a opção de compra até 180 dias antes do término do contrato de arrendamento.
Quando abriram a loja verificaram que parte do stock tinha desaparecido, entre assinarem e entrarem para a loja passaram 3 dias e naqueles 3 dias os RR. venderam muito a preços muito mais baratos.
Explicou que os RR. tinham advogada, a Dr.ª FF. Acrescentou que o prazo de 180 dias seria para proteger quem vende, até porque a A. poderia não querer comprar, não era garantido que fosse haver uma escritura de compra e venda.
Quanto ao Ponto 6 do Anexo 1 disse que a A. poderia enviar a carta em qualquer dos outros dias, mas sempre até 180 dias antes do fim do contrato, a A., podia exercer a opção a qualquer altura, desde que até 180 dias antes dos 33 meses, desde que até 180 dias do fim do contrato. A sua ideia é que, mesmo que a A., no segundo mês do arrendamento já quisesse comprar e transmitisse tal vontade aos RR., o contrato de compra e venda só seria feito no fim dos 33 meses.
Por outro lado, se a A. nunca exercesse a opção de compra até aos 180 dias antes dos 33 meses, o contrato de arrendamento renovava-se mas a opção de compra “caía”, a opção de compra não se renovava na renovação do contrato de arrendamento. Nas reuniões de que falou estiveram presentes os RR., o seu irmão EE, a Advogada FF, o contabilista, a HH, a II e o DD. Nas reuniões em casa dos RR., nas reuniões em que a testemunha esteve o contabilista também esteve sempre presente.
Perguntada se os RR. podiam não ter permitido a renovação do arrendamento respondeu que sim, mas explicou que os pais nunca impediram a renovação do arrendamento, arrendamento estava em vigor.
Questionada sobre a Cl. 6ª do Anexo, disse que o valor da venda do imóvel era de € 50.000,00. Reiterou que o pressuposto do negócio era garantir 33 meses de renda mais € 50.000,00 ao fim dos 33 meses. Sabe que os RR. venderam o recheio.
Exibida factura sob Doc. 3 disse que não a conhece, mas se refere ao negócio dos pais/RR. Disse que nunca foi opção a venda imediata do imóvel, imediata no sentido de contemporânea ao contrato de arrendamento. Os RR., o que pretendiam mesmo era 33 meses de renda mais € 50.000,00, apesar de ser possível a A. não querer comprar e RR. não querem a renovação do contrato.
Conhece os contratos celebrados entre as partes, o contrato de arrendamento com opção de compra. Confirmou que a A. adquiriu o recheio da loja. Conversou bastante com o Sr. DD, existiram várias reuniões em casa dos RR., onde estiveram presentes, HH, II, a sua irmã JJ, um contabilista (Sr. GG) a acompanhar HH, a própria testemunha. Acha que a testemunha, os RR., HH e II terão estado sempre em todas as reuniões. O Sr. DD esteve presente nalgumas reuniões, bem como a sua irmã JJ. As reuniões eram geralmente à noite, em casa dos RR.
Inquirido porque razão foi feito contrato de arrendamento com opção de compra respondeu que foram faladas várias hipóteses, tendo achado aquela a melhor solução, a ideia era, no fim, ver se o negócio era ou não viável, se era interessante. O contrato de arrendamento previa a renovação automática. O contrato era de 33 meses. Opção de compra: o preço fixado era de € 50.000,00. Relativamente à manifestação da vontade da opção de compra pela A., havia um prazo: 180 dias antes dos 33 meses, até 31 de Dezembro, sendo que como a A. não fez nenhuma comunicação naquele prazo, os RR. entenderam que havia uma renovação do contrato por mais 33 meses uma vez que a A. não exercitou o seu direito de opção de compra, disse.
A compra e venda era uma possibilidade, não era uma certeza e por isso é que foi celebrado o contrato de arrendamento com opção de compra.
Quanto ao Doc. 2, Anexo I, Ponto 5, onde está escrito: “(…) poderá ser exercida a todo o tempo de vigência (…)” disse que interpretaram que podia ser nos 33 meses, mas como diz “sem prejuízo” tinha que ser nos 180 dias, seria a todo o tempo dos 33 meses iniciais, o valor caducava nos 180 dias. Se não exercessem opção de compra nos 33 meses iniciais, renovava-se automaticamente e se se renovasse desaparecia a opção de compra, a opção de compra só existia nos 33 meses iniciais, depois, renovando-se o contrato, desaparecia a opção de compra.
Do mesmo modo, disse esta testemunha, se os RR. não fizessem a denúncia, o contrato de arrendamento renovava-se, concluindo a testemunha que o contrato de arrendamento renovava-se, mas a opção de compra não se renovava. Se A. tivesse feito opção de compra os RR. tinham que vender. Por aquele valor tinha que ser até àquele prazo.
Sabe que o montante das rendas era de seiscentos e tal euros.
Disse que o Doc. 2 foi o 1º contrato.
Perguntado se sabia a razão do valor da renda ser aproximado aos cêntimos disse que teria que ver com possíveis descontos que podiam afectar o IRS dos RR. Quanto aos 33 meses era para dar até 31 de Dezembro., 33 meses para trás contados de 31 de Dezembro.
Disse que eram os seus pais que pagavam o condomínio, que foi o combinado.. No negócio entrou a venda da carrinha, do stock (recheio: arroz, massa), estantes, arcas frigoríficas.
Não se recorda do valor total do negócio, foi o que foi facturado. Tem ideia que o valor da operação era € 50.000,00. Antes dos € 50.000,00 falou-se em € 70.000,00.
Pensa que neste momento está em vigor o contrato de arrendamento.
Exibido o Doc. 4 manteve que são os RR. seus pais que pagam o valor do condomínio. Não sabe o valor do condomínio. Mais disse que foram os pais que pagaram todas as obras no imóvel.
Confirmou que enviou o email de 23/09 e de 02/09.
Instada a esclarecer o que se pretende com a Cl. 5 Anexo I “a todo o tempo” explicou que no seu entender podia ser no 1º, 2º e 3º mês, não precisavam de chegar mesmo aos 180 dias, acha que significava desde o primeiro dia até 180 dias antes. Aduziu que se por ex. a A. exercesse a cláusula de compra no 10º mês ou mesmo logo no 1º mês podia fazê-lo, mas só se iria concretizar no fim dos 33 meses, porque A. tinha que respeitar o contrato de arrendamento até ao fim. Quando os RR. receberam a carta da A. só já estava a vigorar o contrato de arrendamento. Já não queriam a compra porque não mandaram a carta a tempo.
Retomando a questão do valor do negócio esclareceu que primeiro chegaram ao valor de € 100.000,00, depois é que o subdividiram: um tanto para o recheio e prateleiras, mais € 50.000,00 pela loja, mais a renda toda, mais qualquer coisa perfazia € 100.000,00, mas não sabe valores concretos, isso foi com o seu filho.
Assegurou que as partes quiseram que o contrato se renovasse, senão qualquer das partes podia ter denunciado o contrato de arrendamento.
Antes dos 180 dias, como a A. não mandou a carta a exercer opção pensou: “ainda bem”, pois já nem queriam vender, os RR. perderam a ideia de vender.
- Email de 2/09 de EE para FF diz arrendamento com opção de compra e diz que queria que no contrato ficasse “… explícito que o valor do condomínio no período dos 33 meses é de total responsabilidade deles”
- Emails de 3/09, de FF para EE e outro de EE para FF falam em trespasse;
- Email de 23/09, de EE para FF refere: “Opção de compra” e “Valor da renda passa para 624.07€, pois está incluído o condomínio, pelo que a cláusula do condomínio pode ser retirada”
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do presente recurso são as seguintes:
- Impugnação da matéria de facto;
- Do mérito da decisão.
4.1. Da impugnação da Matéria de facto
A Apelante preconiza uma alteração da matéria de facto dada como provada quanto aos factos vertidos nos nºs. 9 e 10.
Consta dos referidos pontos 9 e 10 da matéria de facto que:
“9.4. Salvo acordo em contrário entre as partes, o não exercício do direito de opção de compra por parte da segunda outorgante, nos termos e condições referidos nos números anteriores, faz cessar o mesmo e, em consequência, fica sem efeito o disposto nos números um e dois deste anexo.
10.5. Sem prejuízo do disposto no número três, a opção de compra por parte da segunda outorgante poderá ser exercida a todo o tempo da vigência do presente contrato, mediante o envio de carta, por correio registado com aviso de recepção, ao primeiro outorgante.”
Pugna, ainda, que se considere provado o seguinte facto: “Sem prejuízo do contrato outorgado ser designado como arrendamento para fins comerciais, o que as partes quiseram, e por vontade dos Recorridos, foi outorgar um contrato de compra e venda, visando reduzir a componente do pagamento do preço a título de sinal, deduzindo-o como rendas, o que era meio de pagamento do preço, assim reduzindo as mais valias que se imporiam aos vendedores.”
Vejamos, então.
Como condição específica de admissibilidade do recurso na impugnação da decisão relativa à matéria de facto, a lei processual impõe ao recorrente os ónus processuais de alegação recursiva previstos no artigo 640º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, que determina:
«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.».
Tal como se fez dogmática na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, “é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação (…); e um ónus secundário - tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.”
Estes ónus assumem-se verdadeiramente como “garantia de um julgamento equitativo das questões de facto e da legitimidade da decisão que sobre elas venha a recair, com observância dos princípios do contraditório e do tratamento igual das partes. Por outro lado, o legislador terá sido cauteloso em não permitir a utilização abusiva ou facilitação do mecanismo-remédio de impugnação da decisão de facto. Aliás, mal se perceberia que o impugnante atacasse a decisão de facto sem ter bem presente cada um dos enunciados probatórios e os meios de prova utilizados ou a utilizar na sua fundamentação cirúrgica. Daí a cominação severa da sua imediata rejeição.”
Assim, o recorrente que pretenda impugnar, com sucesso, a decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, tem de cumprir “sob pena de rejeição” vários ónus de especificação que podem ser assim enunciados:
- especificação dos concretos pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados pelo tribunal recorrido, obrigação que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida;
- indicação das concretas provas (constantes do processo ou que nele tenham sido registadas) que impõem decisão diversa da recorrida, ónus que se cumpre com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe outra decisão;
- indicação da decisão (diversa da recorrida) que, no seu juízo, se impõe quanto a cada um dos pontos de facto que considera mal julgados.
E decorrente da imposição de tais ónus, tende hoje a consolidar-se e a tornar-se pacífico o entendimento de que a rejeição do recurso que impugna a decisão sobre matéria de facto só se justifica verificada alguma destas situações:
- falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
- falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, pela importante função delimitadora do objecto do recurso que essa especificação desempenha;
- falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados;
- falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
- falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
É verdade que o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa, todavia a mesma deve resultar, de forma inequívoca, das alegações.
Com efeito, a respeito desta temática e dada a divergência existente na Jurisprudência sobre se a indicação do resultado pretendido relativamente a cada segmento da decisão no corpo das alegações era suficiente ou não, quando tal ónus não tinha sido cumprido nas conclusões, foi proferido o acórdão uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2023, com a seguinte jurisprudência: “Nos termos do art. 640º/1/c, do CPCivil, o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões do recurso a decisão alternativa pretendida, desde que essa indicação seja feita nas respetivas alegações”.
No caso vertente, porém, a referida omissão ocorre não só nas conclusões, como também no corpo das alegações de recurso quanto aos pontos 9 e 10 alvo de impugnação.
Com efeito, do corpo alegatório, também, tal decisão alternativa se não extrai, aliás, as conclusões nada mais são do que a reprodução, com alterações pontuais, da motivação do recurso.
Daí que, nestas circunstâncias e em conformidade com o entendimento acima perfilhado se considere que o recorrente incumpriu o referido ónus, impondo-se, assim, a rejeição da impugnação da matéria de facto quanto aos pontos 9 e 10.
De resto, o ponto 9 dos factos considerados como provados limita-se à transcrição do ponto 4 do “Anexo 1 - Opção de Compra” do contrato de arrendamento junto como doc. 2 com a petição inicial e resulta na sequência do ponto 5 da matéria de facto considerada como provada.
E o ponto 10 dos factos considerados como provados limita-se, igualmente, à transcrição do ponto 5 do “Anexo 1 - Opção de Compra”, do contrato de arrendamento junto como doc. 2 com a petição inicial.
Em face do que vem de ser exposto, rejeita-se parcialmente a alteração da matéria de facto quanto aos pontos 9 e 10.
É certo que a Apelante pugna, ainda, que se considere provado o seguinte facto: “Sem prejuízo do contrato outorgado ser designado como arrendamento para fins comerciais, o que as partes quiseram, e por vontade dos Recorridos, foi outorgar um contrato de compra e venda, visando reduzir a componente do pagamento do preço a título de sinal, deduzindo-o como rendas, o que era meio de pagamento do preço, assim reduzindo as mais valias que se imporiam aos vendedores.”, pelo que entendemos que a precedente rejeição parcial da matéria de facto não contende com a tempestividade do recurso e sua apreciação.
Ora, o referido facto não consta dos factos provados, nem dos factos não provados.
Ademais, analisados os autos constata-se que, por decisão transitada em julgado e constante do despacho saneador proferido em audiência prévia realizada em 11-07-2023, ficou assente tratar-se de um contrato de arrendamento com opção de compra, renovável automaticamente.
Porém, em sede de alegações de recurso a Apelante pretende, embora, sem razão, que seja declarado como sendo um contrato de compra e venda.
Assim, a referida postura processual da Recorrente contradiz a sua posição anteriormente assumida, sem que, por si só, possamos concluir pela sua integração no instituto da litigância de má fé.
Além disso, também resulta expresso do despacho saneador que a Apelante, por via do seu Ilustre Mandatário expressou que “é entendimento da mesma que o contrato de arrendamento objeto dos autos se mantém válido e eficaz até decisão definitiva do presente litígio e, no caso de improcedência do pedido, para além deste, ou seja, sem prejuízo do peticionado, não tendo a Autora qualquer pretensão de discutir a validade e eficácia.”.
De resto, se estivéssemos perante um contrato promessa de compra e venda, como pretende a Apelante, tendo como objecto um bem imóvel, sempre teria de ser reduzido a escrito, o que não sucedeu, nem tão pouco se determinou o valor do sinal, nem a devolução em dobro ou a perda do mesmo em caso de incumprimento, bem como o prazo para a outorga do contrato prometido ou a sua sujeição ao regime da execução específica,
Além disso, também, não foi cumprida a norma de natureza imperativa constante do artigo 410º, nº 3 do Código Civil, que obriga ao reconhecimento presencial de assinaturas (devidamente autenticado) no texto que formaliza o contrato promessa como forma de sensibilização e consciencialização, pela sua solenidade, para a importância do acto e para o dever do subscritor de atentar em todo o clausulado a que se está a vincular.
Por outro lado, se estivéssemos perante um trespasse, tal contrato sempre seria ineficaz, por não respeitar, nomeadamente a imposição de forma escrita para este contrato, com dizeres específicos e, nalguns casos, ser firmado por escritura pública – artigos 1112º, n.º 3 e 1118º, n.º 3 do Código Civil e artigo 115º, n.º 3 do Regime de Arrendamento Urbano.
Além disso, importa, também, realçar que nos termos do despacho saneador, foi fixado o seguinte objecto de litígio: “Apurar se os réus incorreram em mora no cumprimento de obrigação de venda do imóvel locado à autora e aferir se essa obrigação existia à data em que a autora interpelou os réus ao seu cumprimento.”, extravasando o referido facto a aditar do mesmo.
Ou seja, resulta da prova oferecida e produzida, que o que as partes quiseram a final e outorgaram foi um contrato de arrendamento com opção de compra, até porque, nunca cumpriram os formalismos legais e formais para que se possa, sequer, admitir que queriam celebrar um contrato promessa ou de trespasse.
Além disso, a Apelante não explicita, nem refere quando é que o pretenso acordo foi outorgado, de que modo foi formalizado, quais os seus termos ou condições.
Ademais, por referência expressa do contrato que outorgou e reconheceu na audiência prévia, qualquer alteração ou modificação de um contrato deverá obedecer à mesma forma do contrato inicial, isto é, se o contrato outorgado foi reduzido a escrito, qualquer acordo em contrário para ser válido e eficaz teria sempre que ser reduzido a escrito.
Com efeito, resulta do n.º 3 da cláusula 12ª do contrato outorgado e junto com a petição inicial como doc. 2, que: “3. Qualquer alteração, modificação ou aditamento ao presente contrato deverá ser efetuada por meio de documento escrito e assinado pelo Senhoria e arrendatária.”
Assim, não tendo sido junto qualquer documento, contrato ou aditamento celebrado pelas partes em momento ulterior à outorga daquele contrato, fica assim prejudicada, a todos os níveis, a alegada existência do putativo acordo das partes que a Recorrente pretende estar assente mas não demonstra.
E o mesmo se diga quanto ao alegado pela Apelante relativamente à negociação da obrigação de pagamento do condomínio, do valor da renda, do valor do negócio, se era um trespasse (com ou sem transmissão do imóvel), se era um contrato de compra e venda dissimulado ou se era, como, efectivamente, foi, um arrendamento com opção de compra.
Com efeito, a este título, além da confissão e acordo das partes em sede de audiência prévia relativamente ao facto de o contrato se tratar de um contrato de arrendamento, temos ainda, o reforço do disposto no n.º 1 da Cláusula 12ª do mencionado contrato, atrás citada.
Infere-se, por isso, que na fase pré contratual, terão existido várias comunicações e várias reuniões, mas que, o corolário final do negócio querido e celebrado pelas partes é o que resulta do documento escrito e assinado por ambas e que por ambas foi reconhecido em sede de audiência prévia.
Assim, não se vislumbra fundamento para o aditamento da matéria de facto.
No caso vertente, a questão nuclear em análise centra-se no ponto 5 do anexo do contrato outorgado, junto com a petição inicial como doc. 2 e respeita à interpretação da sua redacção, designadamente da expressão “a todo o tempo da vigência do contrato”.
Argumenta a Apelante que a referida expressão significa que o exercício da opção de compra poderia ocorrer a qualquer tempo, pois, entende que para o efeito bastaria que estivesse o contrato de arrendamento a produzir efeitos.
Entendem, porém, os Apelados que a referida expressão, de harmonia com o negociado entre as partes em momento prévio à outorga do contrato, significaria que a Apelante poderia exercer aquele direito de opção a qualquer tempo desde a assinatura até 180 dias antes do termo do arrendamento, ou seja, até 31-12-2021.
Vejamos, então, qual é a interpretação adequada do clausulado.
Como é sabido, a interpretação do contrato é uma operação jurídica de apreensão do conteúdo do contrato, isto é, do binómio direitos-vinculações das partes, cristalizado nas diferentes cláusulas[1].
Já o contrato traduz um acordo de vontades, concluído entre dois ou mais sujeitos, num determinado momento temporal, e titulado num enunciado (reduzido ou não a escrito).
O Código Civil vigente (“C.C.”)[2] - de modo distinto do Código Civil de Seabra - não consagra um regime jurídico sobre a interpretação do contrato. A opção assumida foi regular a interpretação da declaração negocial.[3]
A este respeito, os artigos 236.º a 238.º do Código Civil constituem, assim, o que se pode considerar o regime comum da interpretação do negócio jurídico[4].
Os referidos preceitos constituem, efectivamente, o que se pode considerar o regime comum da interpretação do negócio jurídico, ou seja, é este o regime a aplicar - no silêncio do contrato e na ausência de regra especial - à generalidade dos contratos, independentemente da sua natureza.
Como refere António Menezes Cordeiro[5], “a interpretação dos negócios jurídicos deve ser assumida como uma tarefa científica, tendente a determinar o regime aplicável aos problemas que se ponham no seu âmbito”.
Isto porque, como se assinala no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/10/1997[6] “toda a interpretação jurídica tem uma função constitutiva da juridicidade e uma índole normativa incompatíveis com a sua caracterização como uma pura hermenêutica”.
Conforme referimos, a hermenêutica negocial (a actividade destinada a fixar o sentido e alcance decisivo dos negócios jurídicos, segundo as respectivas declarações negociais integradoras) é presidida pela teoria da impressão do destinatário, estabelecida no artigo 236º, nº 1 do Código Civil, segundo a qual a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Importa ter presente que nesta actividade hermenêutica tem o tribunal de considerar que, conforme impõe a lei, quer nos preliminares, quer momento da celebração do contrato (artigo 227º do Código Civil), quer no seu cumprimento (artigo 762º do Código Civil), devem as partes proceder de boa fé, ou seja, que actuam “conforme os critérios gerais objectivos decorrentes do dever de leal cooperação das partes, na realização cabal do interesse do credor com o menor sacrifício possível dos interesses do devedor”[7].
Assim, a interpretação negocial não deve pura e simplesmente ater-se à secura das declarações negociais emitidas pelas partes, já que estas não representam mais do que um elemento a ter em conta na actividade a que nos propomos - e que consiste precisamente em determinar-lhe o exacto e preciso sentido.
Na verdade, e pese embora o artigo 238º, nº 1 do Código Civil prescrever que «nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso», o certo é que enuncia o n.º 2, do mesmo artigo, que «esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade».
Pode-se, pois, concluir que o elemento determinante para interpretação da declaração emitida é a vontade real das partes, e é a partir dela que deve começar por estruturar-se a respectiva interpretação.
A segunda conclusão é a de que a interpretação dessa declaração, nos negócios formais, sofre de uma limitação geral importante, que é a de ter um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
A terceira conclusão é a da possibilidade de existência de uma excepção à segunda conclusão, que consiste em poder até nem haver esse mínimo de correspondência no texto, se a vontade real das partes assim o determinar e se, cumulativamente, as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem à validade de tal interpretação.
Assim, nessa busca do sentido e alcance decisivo da declaração deve atender-se a todos os coeficientes ou elementos que um declaratário normalmente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário, teria tomado em conta, devendo ainda ser considerados os interesses em jogo, a finalidade prosseguida pelo declarante, as negociações prévias, as precedentes relações negociais entre as partes, os hábitos dos declarantes, sendo mesmo de considerar também os modos de conduta por que durante ou posteriormente se prestou observância e deu execução ao declarado[8].
O aludido preceito que consagrou a teoria expressa por Larenz segundo a qual as declarações de vontade, em princípio, valem com o sentido que as partes lhe quiseram atribuir (vontade real das partes), encontra o seu campo privilegiado de aplicação em todos aqueles casos em que essa vontade não for conhecida ou se declarante e declaratário entenderem a declaração em sentidos diversos, valendo, nestas situações, o sentido que o declaratário normal poderia julgar conforme às reais intenções do declarante, excepto se este não tinha o dever de considerá-lo acessível à compreensão da outra parte[9].
No entanto, ao interpretar uma declaração negocial, o tribunal deve socorrer-se de toda as circunstâncias susceptíveis de esclarecer o sentido da declaração, sendo que, a interpretação da declaração negocial constituirá matéria de direito quando tenha de ser feita segundo critérios legais - como é o caso da interpretação normativa nos termos do nº1, do artigo 236º, do Código Civil, ou da interpretação de negócios formais, prevista nos artigo 238º, do mesmo diploma -, e matéria de facto quando efectuada de harmonia com a vontade real do declarante.
Assim, e concluindo, se o declaratário entendeu a declaração no sentido querido pelo declarante, nesse sentido é de interpretar a declaração (nº 2, do artigo 236, do Código Civil). Se o declaratário entendeu e podia entender a declaração diferentemente do que o declarante queria significar com ela, ou se ao menos, estava em dúvida sobre o sentido querido pelo declarante, a interpretação é de fazer nos termos do nº 1, do mesmo artigo.
Para que se aplique a interpretação a que se refere o nº 1, do artigo 236, é necessário:
a) Que não seja conhecida a vontade real do declarante e do declaratário;
b) Que este não pudesse, servindo-se das circunstâncias que conhecia ou podiam ser conhecidas por um declaratário normal colocado na sua posição concreta, determinar a vontade do declarante.
A teoria da impressão do destinatário afirma o primado da vontade real do declarante, sempre que for conhecida do declaratário: “Do disposto no n.º 2 (do artigo 236º) resulta que, conhecendo o declaratário o sentido que o declarante pretendeu exprimir através da declaração, é de acordo com a vontade comum das partes que o negócio vale, quer a declaração seja ambígua, quer o seu sentido (objectivo) seja inequivocamente contrário ao sentido que as partes lhe atribuíram[10]”.
Nos casos em que o declaratário não conhece a vontade real do declarante, o citado artigo 236º consagra uma teoria objectivista da interpretação, mitigada por restrições de índole subjectivista: “o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º 1), ou de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n.º 2)[11]”.
No que se refere aos negócios formais, rege o artigo 238º, nos termos do qual, “não há sentido possível que não tenha no texto do preceito um mínimo de correspondência, a não ser que se trate de matéria relativamente à qual se não exija a forma prescrita na lei (n.º 2)[12], ou seja, pode prevalecer um sentido que não tenha aquele mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso, se esse sentido, corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma se não opuserem a essa validade.
“(…) O nº 1 do art. 236º do C.C. consagrou uma interpretação objectivista (denominada teoria da impressão do destinatário), o seu nº 2 consagrou uma interpretação subjectivista, relativamente à qual deixa de se justificar a protecção das legítimas expectativas do declaratário e da segurança do tráfico.
(…)
Compreende-se, por isso, que a jurisprudência venha maioritariamente defendendo que a decisão judicial deve ser interpretada de acordo com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário - a parte ou outro tribunal - possa deduzir do seu contexto[13].
Entende-se por «declaratário normal» o que seja «medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante», a não ser que este, razoavelmente, não pudesse contar com tal sentido[14].
Já o «comportamento do declarante» (a que se refere o nº 1 do artigo 236º do Código Civil) terá aqui que ser desvalorizado ou habilmente concretizado, importando antes de mais ter presente que qualquer decisão judicial é a necessária conclusão de um pré-ordenado procedimento; e que o seu autor «se situa “numa específica área técnico jurídica”, investido na função de aplicador da lei, que, por sua vez, está obrigado a interpretar, em conformidade com as regras estabelecidas no artigo 9º do Código Civil, dirigindo-se a outros técnicos de direito»[15].
Assim, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, conforme previsto no artigo 236º, nº 1 do Código Civil.
A regra estabelecida neste preceito é a de que o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante, exceptuando-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido, ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante[16].
Em síntese, consagrou-se uma doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo é temperado por uma salutar restrição de inspiração subjetivista” tendo em vista a protecção das legitimas expectativas do declaratário e a não perturbação da segurança do tráfico, conferindo-se à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir, sendo que a normalidade que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.
No caso vertente, conforme atrás referimos é, essencialmente, em redor do ponto 5 do Anexo do contrato aqui em causa, que reside o ponto de divergência das partes quanto à interpretação da redacção que lhe atribuíram, designadamente à expressão "a todo o tempo da vigência do contrato”.
Assim, consta do referido ponto que: “5. Sem prejuízo do disposto no número três, a opção de compra por parte da segunda outorgante poderá ser exercida a todo o tempo da vigência do presente contrato, mediante o envio de carta, por correio registado com aviso de recepção, ao primeiro outorgante.”
Visando a perfeita interpretação do mencionado ponto 5 do anexo de opção de compra, é primordial proceder à análise e à interpretação dos pontos que lhe antecedem, subsumindo-os naquilo que foi a vontade das partes aquando da negociação do contrato de arrendamento que quiseram e que efectivamente outorgaram, o que infra se fará.
É pacifico nos autos que a literalidade conferida aos diversos pontos do anexo não foi a mais feliz.
Porém, se merecesse acolhimento o entendimento da Apelante, seria manifesto que o ponto 5 era manifestamente contraditório quando comparado com os pontos 2, 3 e 4 do anexo.
Assim, no ponto 1 do anexo, as partes quiseram e concretizaram o valor para o exercício da eventual opção de compra pelo preço de €50.000,00, não restando assim qualquer dúvida ou discrepância quanto a este ponto.
No ponto 2 do anexo, as partes estabeleceram o termo do prazo para o exercício daquele direito de opção - 180 (cento e oitenta) dias até ao termo do contrato, ou seja, tendo o contrato tido o seu início a 01-10-2019 e a sua duração de 33 (trinta e três) meses, o contrato tinha o seu termo a 30-06-2022, pelo que, tal direito de opção só poderia ter sido exercido até ao dia 31-12-2021.
No ponto 3 do anexo, as partes quiseram e estabeleceram que o não exercício da opção de compra não invalidava a renovação do contrato de arrendamento (tal como veio a suceder), o que, além de confessado em audiência prévia, é a demonstração que as partes pretenderam um arrendamento e não um contrato promessa de compra e venda, pois, se assim não fosse, não faria sentido o contrato renovar-se automaticamente.
No ponto 4 do anexo, as partes quiseram estabelecer que, salvo existência de acordo em contrário, o direito à opção de compra cessaria se não fosse exercido até 180 dias do termo do arrendamento, ficando sem efeito o disposto nos números 1 e 2.
De resto, tal como resulta do ponto 24 dos factos considerados provados e não impugnado pela Apelante, posteriormente à outorga daquele contrato inexistiu qualquer acordo que dispusesse de forma diversa do ali clausulado.
Pelo que, e de acordo com o disposto no n.º 1, da cláusula 12ª do contrato, esta versão outorgada pelas Partes é a definitiva e que “revoga quaisquer negócios, declarações ou acordos entre as partes, escritos ou verbais, anteriores à data de celebração deste contrato”.
Assim, afigura-se-nos que relativamente ao ponto 5 do anexo em questão, a interpretação adequada é a de que as partes quiseram estabelecer que o direito de opção poderia ser exercido desde o primeiro dia (01-10-2019) de vigência daquele contrato até 180 (cento e oitenta) dias do seu termo.
No entanto, a expressão “tempo da vigência do presente contrato” que está na origem da discordância entre as partes, abriu a porta a que a Apelante pretenda após o prazo estabelecido para o efeito (180 dias antes do termo – 31/12/2021) exercer tal direito de opção, exercício este que, in casu, só ocorreu já depois da renovação automática do contrato de arrendamento - cfr. Doc. 9 junto com a Petição Inicial - ou seja, muito além do dia 31-12-2021.
Porém, se essa fosse a real vontade das partes, os pontos 2, 3 e 4 do referido anexo eram inúteis, bastando apenas o ponto 1, 5 e 6 do referido anexo para regular os termos das vontades das partes, o que nos leva a inferir que não foi isso que as partes pretenderam.
Afigura-se-nos, a esta luz, que, com aquele ponto 5 do anexo, as partes quiseram estabelecer que tal opção poderia ter sido exercida desde o primeiro dia do contrato, sem necessidade de estar cumprida determinada duração do contrato, isto é, quiseram dispor diferente daquilo que dispuseram no n.º 2 da cláusula 9ª do contrato de arrendamento, onde se estabeleceu um prazo mínimo de cumprimento para a denúncia pela A. do arrendamento, porém, a redacção daquele ponto 5 do anexo não foi suficientemente clara.
Além disso, não se pode deixar de salientar a literalidade do ponto 4 do anexo, que refere expressamente que o direito de opção ao não ser exercido até 180 dias do termo do contrato fica sem efeito o disposto no ponto 1, ou seja, fica sem efeito o preço acordado, pelo que, ao ficar sem efeito o preço acordado, fica este direito de opção inquinado e indefinido por não ter ficado estipulado um preço para o caso de tal direito ser exercido para lá dos 180 dias do termo (31-12-2021), ou seja, seria ineficaz, tanto que, o referido ponto 5 do anexo, logo no seu início, apenas se reporta ao ponto 3 do anexo (ponto que refere a possibilidade de renovação do arrendamento no caso da opção de compra não ser exercida), jamais se reportando ao ponto 4, pelo que, este ponto 4 sempre teria de produzir os seus efeitos.
Ademais, se partíssemos da interpretação dada pela Apelante, poderíamos estar perante uma situação em que existindo renovações sucessivas, tal direito de opção poderia ser exercido em tempo indeterminável, o que não é concebível.
De facto, a interpretação defendida pela Apelante não se encontra em sintonia com as regras de experiência comum dado que tal não sucede em negócios similares e revela-se extremamente prejudicial para os Apelados fruto da oscilação do mercado imobiliário, além de configurar uma cláusula de objecto indeterminável.
Afigura-se-nos, assim, que bem andou o Tribunal a quo ao considerar que com a expressão “a todo o tempo de vigência do contrato” as partes quiseram estabelecer que o direito de opção poderia ser exercido desde o primeiro dia (01-10-2019) de vigência daquele contrato até 180 (cento e oitenta) dias do seu termo.
Ademais, dado que a situação em apreço atenta em negócio formal, bem andou o Tribunal a quo ao chamar à colação o disposto no artigo 238º do Código Civil, referindo que por estar em causa um negócio formal, o sentido correspondente à impressão do destinatário não poderá valer se não tiver um mínimo de correspondência ainda que imperfeita, no texto do contrato.
Em consequência do atrás exposto e do atestado pela jurisprudência maioritária, já citada, o intérprete deve, relativamente a ambos os contraentes, tentar definir a posição em que se encontram perante a declaração da contraparte, e colocar um declaratário ideal (normal) na posição do declaratário real.
Ainda assim, no caso de, ainda, subsistirem dúvidas sobre a interpretação a efectuar, deverá lançar-se mão do disposto no artigo 237º do Código Civil, sendo que, a interpretação a realizar terá que ter um mínimo de correspondência com o texto obtido por consenso das partes, só assim se assegurando a objectividade e homogeneidade.
Destarte, bem andou o Tribunal a quo ao realizar o referido enquadramento prévio, bem ainda, na análise que fez sobre o contrato querido (e confessado em audiência prévia) pelas partes.
De facto, a análise e interpretação dada, pelo Tribunal a quo, encontra a sua correspondência no contrato subscrito pelas partes, extracto da sentença que segue e se reproduz pela sua especial acutilância e pertinência:
“Revisitando o acima afirmado, estamos perante um contrato de arrendamento para fins comerciais, com cláusula de opção de compra celebrado entre as partes, que redundou na obrigação de a A., querendo exercer tal opção de compra, conforme Ponto 2 do Anexo 1, ter que o fazer até 180 dias antes do termo da data do contrato, isto é, como o termo do contrato ocorre em 30 de Junho de 2022, a A. teria que comunicar aos RR. a sua vontade de exercer a opção de compra até ao dia 31/12/2021.
As partes colocaram o mesmo prazo de 180 dias, quer para renovação ou não do arrendamento, quer para exercer a opção de compra. Isto permitia às partes com antecedência de 180 dias antes do termos dos primeiros 33 meses do contrato, ter a certeza se se renovava o contrato de arrendamento e se era exercida pela A. a opção de compra, e que se A. não exercesse a opção de compra, sabia que tinha, na mesma, garantida a renovação do arrendamento.
Tendo a A. exercido esta vontade de exercer a opção do direito de compra em 13/04/2022, veio exercer essa opção após o prazo a que ela própria A. se vinculou, pela cláusula e ponto mencionados, pelo que resulta incontornável que em 13/04/2022, o prazo firmado entre as partes para a A. exercer a opção de compra estava precludido, estava mais que ultrapassado, tendo a A. perdido o direito a lançar mão da opção de compra.
Esta mesma conclusão mantém-se após análise dos Pontos 3, 4 e 5 do mesmo Anexo 1.
Conforme Ponto 3 do mesmo Anexo, não obstante o não exercício pela A. da opção de compra em prazo, manteve-se o contrato de arrendamento entre as partes.
Face ao Ponto 4, decorre que o não exercício da opção de compra nos moldes firmados no Ponto 2 por parte da A. (que foi o que aconteceu no caso), faz cessar esse direito de opção de compra.
No que concerne ao Ponto 5: pretende a A. que ainda pode exercer opção de compra, pois entende que dali resulta que o pode fazer a todo o tempo, pois este Ponto afasta os anteriores.
Adiantamos já que não podemos concordar com esta ilação.
No nosso entendimento, no segmento que ressalva o “ sem prejuízo do disposto no número três”, quer dizer que o contrato de arrendamento sempre se mantém independentemente do não uso pela A. da faculdade de opção de compra, a não ser que as partes se oponham à renovação do arrendamento nos termos legais e moldes acordados. Quanto ao segmento de que a opção de compra “… poderá ser exercida a todo o tempo de vigência do presente contrato” tem que ser entendido como podendo ser exercido o direito de opção de compra em qualquer moimento dos primeiros 33 meses de vigência do contrato, com o limite de 31/12/2021 (até 180 dias antes da data do termo do contrato), se a A. nunca exercesse a opção de compra até aos 180 dias antes dos 33 meses (isto é, até 31/12/21), o contrato de arrendamento renovava-se (caso fosse vontade das partes), mas a opção de compra terminou em 31/12/2021, a opção de compra não se renovava na renovação e com a renovação do contrato de arrendamento.
Com a redacção dada ao ponto 5, que se pode considerar mais ou menos infeliz, dali não parece é que seja verosímil que a interpretação pretendida, ao escrever “ todo o tempo” pudesse ser compatível com a possibilidade de exercício da opção de compra pudesse ser durante todo o tempo vindouro, no sentido de a opção de compra perdurar durante os primitivos 33 meses de duração do contrato (1/10/19 a 30/06/2022) e (re)nascer nos 33 meses seguintes, e nos seguintes e por aí adiante, e enquanto o contrato de arrendamento durar entre as partes. Não é crível que para as partes, não fosse indiferente que a opção de compra venda fosse sempre pelo mesmo valor de € 50.000, independentemente no momento temporal em que viesse a acontecer, tanto mais que o negócio imobiliário regista um grande dinamismo, com valorizações e incrementos de valor comummente conhecidos e que se vêm registando. Para além de este Ponto 5 fazer a cisão com o Ponto 3, ou seja, independentemente da vontade das partes quanto ao direito de arrendamento, a opção de compra pode ser feita a todo o tempo dos primitivos 33 meses de vigência do contrato e sempre com o limite de 31/12/2021 (até 180 dias antes da data do termo do contrato).
As partes definiram o preço para aquele hiato temporal, aquele valor foi combinado entre as partes para aquele arco temporal, durante os primeiros 33 meses de duração do contrato, sempre com o limite de 31/12/2021. Mesmo mantendo-se, como se mantém, o contrato de arrendamento entre as partes, os Pontos 1 e 2 do Anexo 1 cessaram pois a opção de compra funciona autonomamente, a A. tinha o direito potestativo de exercer a opção de compra por aquele preço, mas deixou-a precludir por decurso do tempo, sendo extemporâneo o momento em que tentou comprar (comunicação de 13/04/2022). Tendo a A. deixado passar o prazo para exercer a opção de compra, a A. só terá direito de opção um dia que se mantenha como inquilino e que o senhorio venha a vender, estando nesse momento a A. dependente da vontade dos senhorios quererem vender e pelo preço que entenderem, portanto com as condições “novas” e não primitivas.
Termos em que se conclui que resultando provado quanto antecede e face à interpretação que abraçamos, a presente acção improcede, naufragando também o pedido e ampliação do pedido apresentado pela A., e daquele dependente.
À A. incumbia o ónus da prova das alegadas ocorrências concretas que desembocam no seu pedido, isto é, a concreta prova de que a redacção clausulada no contrato efectuado entre as partes permitia a interpretação por si pretendida, o que não aconteceu.
Assim sendo resulta a improcedência do pedido da A..”
Afigura-se-nos, assim e á luz de tudo o anteriormente exposto, não merecer censura a sentença proferida pelo Tribunal recorrido.
Impõe-se, por isso, o não provimento da apelação.
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5. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar não provido o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.
Porto, 06 de Fevereiro de 2025
Relator: Paulo Dias da Silva
1.º Adjunto: José Manuel Correia
2.º Adjunto: Ana Vieira
(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)
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[1] Cf. Ferreira de Almeida, Contratos. IV, Almedina, Coimbra, 2014, 221-314 (267-ss.); Interpretação do contrato, O Direito, 1992, IV, 629-651; Manuel Carneiro da Frada, Sobre a Interpretação do Contrato, in “Forjar o Direito”, Almedina, Coimbra, 2015, 11-22; Pedro Pais de Vasconcelos, Unidroit – Interpretação do contrato. Comparação entre as regras Unidroit e as regras do Código Civil português, Themis, Ano I, n.º 2 (2000), 235-246; Rui Pinto Duarte, A interpretação dos contratos, Almedina, Coimbra, 2016 e Maria Raquel Raquel Rei, A interpretação do contrato e os limites do método revelado no artigo 236.º do Código Civil, in “Código Civil. Livro do Cinquentenário”, vol. II, Almedina, Coimbra, 2019, 475-494.
[2] Cf. O Anteprojecto do Código Civil, em matéria de interpretação e integração dos negócios jurídicos, foi elaborado por Rui de Alarcão - Interpretação e integração dos negócios jurídicos/Anteprojecto para o novo Código Civil, Sep. BMJ, n.º 84 (1959).
[3] Cf. Os artigos 236.º a 238.º do Código Civil inserem-se sistematicamente na secção I (com a epígrafe “Declaração negocial”), do Capítulo I (“Negócio jurídico”).
[4] Cf. Sobre a interpretação do negócio jurídico, na manualística nacional, v. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 5.ª ed., UCE, Lisboa, 2010, 443-456 – que ensina: “a interpretação do negócio nunca é dispensável” (ob. cit., 443); Ferreira de Almeida, Contratos, IV, 241-ss. (257-267); Heinrich Hörster/Eva Sónia Moreira da Silva, A Parte Geral do Código Civil Português, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, 562-568; Mafalda Miranda Barbosa, Lições de Teoria Geral do Direito civil, 2.º ed., Gestlegal, Coimbra, 2022, 649-670; Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, 5.ª ed. (com a colaboração de A. Barreto Menezes Cordeiro), Almedina Coimbra, 2021, 673-755; Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed. (por António Pinto Monteiro/Paulo Mota Pinto), Coimbra Editora, Coimbra, 2005, 441-454; Oliveira Ascensão, Direito Civil/Teoria Geral, II, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2003, 173-195; Pedro Pais de Vasconcelos/Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, 544-556. Desenvolvidamente, v. Ferrer Correia, Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 1967; Ferreira de Almeida, Texto e enunciado na teoria do negócio jurídico, vol. I, Almedina, Coimbra, 1992, 177-201; Santos Júnior, Sobre a Teoria da Interpretação dos Negócios Jurídicos, AAFDL, Lisboa, 1988; Maria Raquel Rei, Interpretação da declaração negocial no Direito civil português (policopiada), 2010. No plano dos comentários aos artigos da lei, v. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, 222-226; José Alberto Vieira, Negócio Jurídico. Anotação aos artigos 217.º a 295.º do Código Civil (Regime do Código Civil), Coimbra Editora, Coimbra, 2006, 42-47; Evaristo Mendes/Fernando Sá, in José Brandão Proença/Ana Afonso/Armando Triunfante/Elsa Vaz de Sequeira/Fernando Oliveira e Sá (Comissão Editorial), “Comentário ao Código Civil. Parte Geral”, 2.ª ed., UCE, Lisboa, 2023, 642-657; Manuel Pita, in Ana Prata (Coord.), “Código Civil Anotado”, vol. I, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, 289-292; Maria Raquel Rei, in Menezes Cordeiro (Coord.), “Código Civil Comentado. I – Parte Geral”, Almedina-CIDP, Coimbra, 2020, 689-702.
[5] Cf. Tratado de Direito Civil, II, Parte Geral, 4ª Edição, Almedina, pág. 685.
[6] Citado pelo mesmo Autor na obra e local citados.
[7] Cf. Antunes Varela, Código Civil, Anotado, Volume I, 3ª edição, página 223.
[8] Cf. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª edição, págs. 448 e 449, citando Manuel de Andrade e Rui de Alarcão.
[9] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Apontamento Sobre a Decisão de Non Liquet na Interpretação dos Negócios Jurídicos, em O Direito, ano 122, IV, p. 281, e Ferrer Correia, Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico, Coimbra, 1985, ps. 188 e ss..
[10] Cf. Antunes Varela, Código Civil, Anotado, Volume I, 3ª edição, página 223.
[11] Cf. Antunes Varela, obra citada, página 222.
[12] Cf. Antunes Varela, obra citada, página 224.
[13] Cf. neste sentido, entre muitos, Ac. do STJ, de 05.12.2002, Ferreira Girão, Processo nº 02B3349, Ac. do STJ, de 05.11.2009, Oliveira Rocha, Processo nº 4800/05.TBAMD-A.S1, Ac. do STJ, de 03.02.2011, Lopes do Rego, Processo nº 190- A/1999.E1.S1, Ac. do STJ, de 26.04.2012, Maria do Prazeres Beleza, Processo nº 289/10.7TBPTB.G1.S1 e Ac. do STJ, de 20.03.2014, Fernandes do Vale, Processo nº 392/10.3TBBRG.G1.S1.
[14] Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Limitada, 1987, p. 223.
[15] Cf. acórdão do STJ, de 03.02.2011, Lopes do Rego, Processo nº 190-A/1999.E1.S1.
[16] Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, p. 223.