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ARRENDAMENTO
CEDÊNCIA A TERCEIROS DO LOCADO
RESOLUÇÃO
CADUCIDADE
FACTO CONTINUADO OU DURADOURO
ABUSO DO DIREITO
Sumário
I – Quando está em causa a resolução do contrato de arrendamento com fundamento num facto continuado ou duradouro, como é o caso da cedência não autorizada do locado a terceiros, o prazo de um ano mencionado no n.º 1 do artigo 1085º do Código Civil não se inicia antes da cessação do facto ilícito, ou seja, conta-se a partir da data da sua cessação. II - Qualquer incumprimento, ainda que não expressamente referido nas alíneas do n.º 2 do artigo 1083.º do Código Civil, pode ser fundamento de resolução do contrato de arrendamento, contanto que “pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”. III – Contendo o contrato de arrendamento expressa proibição de sublocação ou hospedagem no locado, sem autorização do senhorio, a sua cedência a terceiros, mediante o pagamento de uma contrapartida monetária, constitui um incumprimento típico previsto na alínea e) do n.º 2 do artigo 1083º do Código Civil, que envolve gravidade suficiente para justificar a resolução, pois viola a destinação do bem pelo proprietário e revela um uso imprudente do locado. (Elaborado pela relatora e da sua inteira responsabilidade – cf. art.º 663º, n.º 7 do Código de Processo Civil)
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO A, B e Cintentaram contra D a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, formulando o seguinte pedido:
a) A declaração de resolução do contrato de arrendamento e, consequentemente, o despejo, condenando-se o réu a restituir, de imediato, aos autores, livre, desocupada, em bom estado de conservação e limpa a fracção autónoma designada pela letra A, que corresponde ao rés-do-chão 9-Esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal situado em Lisboa, na Rua …, números …., descrito na ficha n.º … da freguesia de São Jorge de Arroios da Conservatória do Registo Predial de Lisboa, inscrita sob o artigo … na matriz predial urbana da freguesia de Arroios.
Alegaram, para tanto, muito em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 34164638):
- Os autores são proprietários da fracção autónoma identificada que, por contrato de 11 de Novembro de 2013, deram de arrendamento ao réu, pelo prazo de um ano, renovável, mediante o pagamento de renda mensal no valor actual de 669,00 €, sendo o locado destinado exclusivamente a habitação do arrendatário, não podendo este dar-lhe outro uso ou sublocá-lo, sem prévia autorização do senhorio, sendo proibida a hospedagem;
- O réu sublocou o locado a terceiras pessoas que nele vivem, permanecem, comem e dormem;
- Tais pessoas estragam o prédio, fazem lixo e provocam desacatos;
- O réu construiu no logradouro do edifício um barracão para alojar pessoas, não estando autorizado para o efeito.
O réu deduziu contestação em que excepcionou a caducidade do direito a obter a resolução do contrato de arrendamento com fundamento no facto de já os anteriores arrendatários da fracção autónoma arrendarem quartos, com conhecimento da senhoria, sendo o réu um deles e quando passou a arrendatário pelo menos três dos quartos já estavam sublocados; invocou ainda o exercício abusivo do direito, por a senhoria ter conhecimento da existência de sublocação e impugnou o alegado na petição inicial referindo (cf. Ref. Elect. 34495508):
» Quem realizou as obras foi o anterior arrendatário, criando sete quartos no apartamento, que já existiam aquando da celebração do contrato de arrendamento;
» O imóvel foi arrendado num elevado estado de degradação e o réu efectuou, por diversas vezes, obras urgentes, sendo que em Janeiro de 2019 teve lugar uma vistoria camarária que avaliou o estado de conservação das onze fracções, à excepção do rés-do-chão direito e do 1.º esquerdo, atribuindo o nível “mau”;
²» O estado da entrada deve-se à existência de um hostel no 1º andar.
O réu deduziu ainda reconvenção pedindo a condenação dos autores/reconvindos no pagamento de quantia não inferior a 30.000,00 €, que despendeu com a realização das obras urgentes e necessárias, de que a senhoria teve conhecimento e autorizou.
Os autores apresentaram réplica em que aceitaram expressamente a confissão do réu quanto à existência de sublocação, refutaram o seu conhecimento ou autorização quanto a esta e impugnaram os factos aduzidos em sede de reconvenção, pugnando pela sua improcedência e, bem assim, das excepções deduzidas (cf. Ref. Elect. 34805558).
Por despacho proferido em 23 de Março de 2023 o valor da causa foi fixado em 50 070,00 € e os autos remetidos ao Juízo Central Cível (cf. Ref. Elect. 424406892).
Em 7 de Fevereiro de 2024 foi proferido despacho saneador, tendo sido aferidos positivamente os pressupostos processuais relevantes e julgada improcedente a excepção de caducidade (cf. Ref. Elect. 430783617).
Admitido liminarmente o pedido reconvencional este foi julgado manifestamente improcedente, com a consequente absolvição dos autores/reconvindos.
Foi ainda fixado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.
O réu interpôs recurso quanto à decisão que julgou improcedente a reconvenção, que foi admitido com subida imediata, em separado, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão, em 10 de Outubro de 2024, que julgou a apelação improcedente e confirmou aquela decisão (cf. Ref. Elect. 38752150 e 434297214 dos autos principais e Ref. Elect. 22115297 do apenso A).
Realizada a audiência de julgamento, em 16 de Julho de 2024 foi proferida sentença que julgou a acção procedente, com o seguinte dispositivo (cf. Ref. Elect. 435181182): “[…] declara resolvido o contrato de arrendamento e decreta o despejo, condenando-se o réu a restituir, de imediato, aos autores, livre, desocupado, em bom estado de conservação e limpa a fracção autónoma designada pela letra A, que corresponde ao Rés-do-Chão 9/Esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal situado em Lisboa, na Rua …, números …... Condena ainda o R como litigante de má fé na multa correspondente a 3 UC’s. Custas pelo R.”
Inconformado com esta decisão, o réu veio interpor o presente recurso de apelação, cuja motivação concluiu do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 40808539):
1. O direito que a Recorrida pretende fazer valer já caducou, nos termos do n.º 1, do artigo 1085.º do Código Civil, porquanto o contrato de arrendamento foi celebrado em 1 de dezembro de 2013, e já nessa data o apartamento em apreço tinha divisórias que componham os seis quartos do rés do chão esquerdo.
2. Entendemos, nessa medida, que existiam condições para habitarem o apartamento outras pessoas além do Recorrente.
3. Aliás, nem sequer a Recorrida veio alegar que só teve conhecimento da presente situação há menos de um ano, motivo pelo qual deverá ser considerada procedente a exceção peremptória da caducidade extinguindo o efeito jurídico que a Recorrida pretende com os factos alegados.
4. Dos factos dados como provados consideramos, salvo melhor opinião, que as alíneas G), F) e K) estão incorretamente julgados porquanto considerou o tribunal “a quo” que tais factos como assentes, uma vez que o réu não impugnou os referidos factos, o que não corresponde à verdade.
5. O Recorrente impugnou a matéria vertida nas alíneas G), F) e K que correspondem aos factos constantes dos artigos 6.º a 12.º da petição, nos artigos 20.º, 21.º e 22.º da Contestação.
6. Deste modo, não deverá ser considerado provado o facto constante da alínea G) “O locado está transformado numa espécie de pensão com grande aglomerado de pessoas, mais de 10, que pagam ao réu uma renda para nele permanecerem.” Nem da alínea F) “O réu sublocou o locado a terceiras pessoas (...)”; porquanto:
a) Facto impugnado no artigo 22.º da Contestação do ora Recorrente;
b) Testemunha FP aos minutos 32:29 […][1]
c) Testemunha ET aos minutos 05:50 […]
d) Aos minutos 29:35 […]
e) A Recorrida não logrou provar nem que eram 10 pessoas nem que essas pessoas pagavam renda;
7. Efetivamente, “(...)quando o contrato de arrendamento foi celebrado com o Recorrente a casa já estava dividida em seis quartos (...)”, facto que deverá ser considerado provado atento o depoimento da testemunha ET aos minutos 21:42 […] Testemunha(...)” aos minutos 22:36. Também corroborado pela testemunha FP aos minutos 32:29.
8. Acresce que, o Recorrente juntou uma fatura de eletricidade de Novembro 2022, no valor de €60,00 (Documento 3 junto com a contestação), para contraprova de que um aglomerado de pessoas num apartamento no mês de inverno gastará muito mais do que esse valor.
9. Deverá ser igualmente dado como facto provado que o Recorrente “(...) vive com o seu filho EE de 4 (quatro) anos de idade(...)”, para tanto foi junto o cartão de cidadão e a declaração da escola do menor.
10. Era à ora recorrida que incumbia o ónus da prova quanto aos factos que consubstanciam o incumprimento do contrato, o que, com o devido respeito, não sucedeu, sendo que na própria sentença ora posta em crise se admite, no 3.º parágrafo, a propósito do Direito (...) No caso dos autos e de acordo com o que foi acordado, a fração arrendada destinava-se a habitação do arrendatário, sendo que nos termos do disposto no artigo 1093.º al. a), com este poderiam viver todas as pessoas que vivam em economia comum (...)”;
11. Outrossim, há um erro notório na apreciação da prova em sede de audiência de discussão e julgamento e contradição insanável porquanto foi junto aos autos a vistoria efetuada, em Abril de 2019, pela Câmara Municipal de Lisboa (documento n.º 2 com a contestação) e não foi impugnado, o qual atribuiu o nível de conservação à fração do rés do chão esquerdo - MAU.
12. Nessa medida, não poderá ser dado como provado que o imóvel em apreço não foi arrendado com elevado grau de degradação.
13. Por outro lado, conforme consta da motivação da decisão de facto, no quinto parágrafo, aquando da referência ao estado da entrada do prédio, esclarece a douta sentença recorrida: “(...) verificando-se que também no 1.º andar existe um alojamento que é cedido a várias pessoas diferentes (sejam ou não amigos do dono da casa, mas que não pode ser qualificado como um hostel em face do que foi referido) e que também elas entram e saem com frequência (...)”
14. Ora, discordamos totalmente de tal apreciação porquanto foi produzida prova suficiente e com descrições pormenorizadas que consubstanciam a existência de um hostel no 1.º direito e esquerdo, designadamente a prova testemunhal.
15. Por último, não poderá ser dado como provado o facto constante da alínea K), uma vez que as testemunhas foram unânimes em afirmar que tal construção já existia à data do contrato de arrendamento celebrado com o Recorrente;
16. A Recorrida incorreu em abuso de direito na medida em que veio pedir a resolução do contrato de arrendamento, com fundamento na sublocação a terceiros, quando ao ter celebrado o contrato com o Recorrente bem sabia que o apartamento estava dividido em 6 (seis) quartos, portanto, apto para ser coabitado por mais pessoas além do arrendatário, situação que agora tenta utilizar em seu benefício, violando manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, traduzindo um verdadeiro venire contra factum proprium.
17. Igualmente, pelo facto de a Recorrida ter sido intimada a fazer obras coercivas pela Câmara Municipal de Lisboa, é manifestamente abusivo vir exercer o direito de resolução do contrato de arrendamento celebrado com o ora Recorrente, invocando que o Recorrente transformou o locado numa pensão, quando ficou demonstrado que no 1.º direito e no 1.º esquerdo está instalado um hostel, bem sabendo que o Recorrente nunca recebeu rendas.
18. No que concerne à condenação em multa a título de litigância de má fé há que afirmar que o réu não agiu com intenção dolosa ou gravemente negligente, não existindo por isso qualquer abuso processual, mas sim o exercício conforme dos direitos processuais facultados pelo regime de processo civil.
19. O Recorrente, portanto, agiu de boa fé. O facto é que a ausência de apresentação de algumas provas não decorreu de nenhuma estratégia protelatória, mas sim de uma dificuldade objetiva enfrentada pelo Réu. Por isso, afirma-se com convicção que o Recorrente apenas exerceu legitimamente o seu direito constitucional à ampla defesa e ao contraditório, os quais não podem ser limitados sob a acusação de litigância de má-fé.
20. Atendendo ao supra expendido a douta sentença violou para, além do mais, os artigos 576.º, n.º 3, 668.º, n.º 1, alínea b) e c) do CPC, o art.º 64.º, alínea f) do Regime do Arrendamento Urbano, uma vez que por força do art.º 334.º do C.C. tornou a sua invocação ilegítima, 1038.º alínea f), 1093.º, alínea a), ambos do Código Civil.
Termina pedindo a procedência do recurso e consequente revogação da sentença recorrida.
Os autores contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida (cf. Ref. Elect. 41331071).
* II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[2], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, pág. 135.
Assim, perante as conclusões das alegações do réu/apelante há que apreciar as seguintes questões:
a) A impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
b) A caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento;
c) A verificação dos pressupostos da resolução do contrato de arrendamento;
d) O abuso de direito;
e) A condenação por litigância de má-fé.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos:
a) Os Autores são legítimos proprietários da fracção autónoma designada pela letra A, que corresponde ao Rés-do-Chão 9/Esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal situado em Lisboa, na Rua …, números ……, descrito na ficha n.º … da freguesia de São Jorge de Arroios da Conservatória do Registo Predial de Lisboa, inscrita sob o artigo … na matriz predial urbana da freguesia de Arroios, conforme se alcança da certidão da conservatória do registo predial e caderneta predial, que se juntam sob o número 1 que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
b) Por contrato escrito do dia 11 de Novembro de 2013, e pela renda mensal de 650,00 € (seiscentos e cinquenta euros), entretanto actualizada para 669,00 € (seiscentos e sessenta e nove euros), a primeira autora, deu de arrendamento ao réu, pelo prazo de um ano, renovável por períodos de um ano, para sua habitação, o Rés-do-Chão Esquerdo, com entrada pelo número 9 do prédio urbano descrito no artigo anterior, com início no dia 01/12/2013 e términus no dia 30/11/2014, conforme se alcança do contrato de arrendamento que consta de fls. 5 dos autos e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
c) Os autores são os actuais proprietários por serem os únicos herdeiros de MR.
d) A segunda e terceiro autores ratificaram o contrato de arrendamento.
e) A cláusula 8.ª do contrato de arrendamento prevê o seguinte: “O local arrendado destina-se exclusivamente a habitação do ARRENDATÁRIO, reconhecendo este que o mesmo realiza cabalmente o fim a que é destinado e não podendo dar-lhe outro uso, nem sublocá-lo no todo ou em parte, sem prévia autorização por escrito da SENHORIA. § único – Fica proibida a hospedagem, salvo autorização dada pela senhoria por escrito.”
e)1[3] O réu sublocou o locado a terceiras pessoas que nele vivem, permanecem, comem e dormem.
f) O locado está transformado numa espécie de pensão com um grande aglomerado de pessoas, mais de 10, que pagam ao réu uma renda para nele permanecerem.
g) As funcionárias que fazem a limpeza ao prédio dizem que é impossível ter o prédio limpo.
h) A fechadura da porta é constantemente rebentada e estragada.
i) Os restantes arrendatários têm receio de irem para as suas próprias casas.
j) Há barulho dentro do locado e fora dele, nomeadamente no hall de entrada, o que perturba o sossego dos restantes residentes.
k) O réu construiu no logradouro do edifício um barracão para alojar pessoas, não estando autorizado para o efeito.
*
O tribunal a quo deu como não provado o seguinte:
1)[4] - As pessoas que vivem com o réu estão a degradar o locado que foi arrendado num excelente estado de degradação.
2) - As pessoas que vivem no locado fazem bastante lixo nas partes comuns, ou seja, vão para o hall de entrada do prédio fumar e deitam para o chão as beatas de cigarros e papéis, transformando o hall de entrada numa lixeira.
3)- Os residentes do prédio têm vergonham de nele viver.
4) - Por outro lado, devido à grande quantidade de pessoas que permanecem no locado e porque não devem ter chave da porta do prédio rebentam com todas as fechaduras da porta da entrada do prédio.
5) - As pessoas que vivem no locado fazem desacatos e por diversas vezes tornou-se necessário a intervenção policial a ponto deste locado estar referenciado nas autoridades policiais.
6) - Os anteriores arrendatários do rés-do-chão esquerdo, correspondente à fracção autónoma, designada pela letra “A”, dos números ……… – A, do prédio urbano sito na Rua …, já arrendavam quartos com conhecimento da senhoria.
7) - Tendo o apartamento em causa alguns quartos que se destinavam precisamente a serem sublocados, sendo o réu uma das pessoas que tinha arrendado um desses quartos.
8) - O anterior arrendatário tinha efectuado obras no apartamento em apreço sentido de ser possível arrendar quartos, com o conhecimento da senhoria A.
9) - Quando o anterior arrendatário decidiu sair do país, a mandatária da autora, como tinham confiança no ora réu e o mesmo já residia num dos quartos do apartamento, acordaram celebrar um contrato de arrendamento.
10) - E, assim, sucedeu em 1 de Dezembro de 2013, quando o réu celebrou o contrato de arrendamento com a Autora, pelo menos, três dos quartos já estavam sublocados.
11) - O imóvel foi arrendado ao réu num elevado estado de degradação.
12) - No 1.º esquerdo e no 1.º direito do prédio em causa, existe um hostel a funcionar, sendo que os quartos são arrendados apenas por 2 ou 3 dias, pelo que a entrada e saída de hóspedes no prédio é elevada em virtude de tal actividade comercial.
13) - O aglomerado de pessoas no prédio a “espécie” de pensão que os AA. se referem apenas poderá ser a do 1.º andar.
14) - Em virtude de não existir chave na porta da rua do prédio, alguns indigentes aproveitam-se e entram para o hall onde, às vezes, colocam um colchão e até pernoitam.
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1. Da Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Estabelece o art.º 662º n.º 1 do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Ao assim dispor, pretendeu o legislador que a Relação fizesse novo julgamento da matéria de facto, fosse à procura da sua própria convicção e, assim, se assegurasse o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-12-2016, 437/11.0TBBGC.G1.S1[5].
Dispõe o art.º 640º, n.º 1 do CPC: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
À luz do normativo transcrito afere-se que, em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
Fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados (existem três tipos de meios de prova: os que constam do próprio processo – documentos ou confissões reduzidas a escrito -; os que nele ficaram registados por escrito – depoimentos antecipadamente prestados ou prestados por carta, mas que não foi possível gravar -; os que foram oralmente produzidos perante o tribunal ou por carta e que ficaram gravados em sistema áudio ou vídeo), o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
O recorrente deve consignar, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, o que se exige no contexto do ónus de alegação, de modo a evitar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.
De notar que a exigência de síntese final exerce a função de confrontar o recorrido com o ónus de contra-alegação, no exercício do contraditório, evitando a formação de dúvidas sobre o que realmente pretende o recorrente – cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 201, nota 345.
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-05-2016, 1393/08.7YXLSB.L1-7 refere-se:
“É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum.”
O recorrente convoca para reapreciação os factos vertidos nas alíneas g)[6], f) e k), que foram impugnados na contestação e que não deveriam ter sido dados como provados, baseando-se nos depoimentos das testemunhas FP, ET e PB para demonstrar que a sublocação existiu no ano de 2018, mas já não se verificava à data da interposição da acção, pois que no locado viviam o réu e o seu filho, acolhendo, por vezes, amigos, o que deve figurar nos factos provados; impugna também o facto não provado sob o ponto 12); pretende ainda o aditamento ao elenco factual apurado de um ponto que afirme que ao locado foi atribuído o nível de conservação “Mau”. Factos provados sob as alíneas e)1 e a)
O Tribunal recorrido deu como provado o seguinte:
e)1 O réu sublocou o locado a terceiras pessoas que nele vivem, permanecem, comem e dormem.
f) O locado está transformado numa espécie de pensão com um grande aglomerado de pessoas, mais de 10, que pagam ao réu uma renda para nele permanecerem.
E justificou a sua convicção nos seguintes termos:
“No que concerne ao facto de o réu receber hóspedes e ao seu número, o tribunal teve em consideração a não impugnação por parte do réu, pelo que se trata de factualidade assente. O mesmo acontece com construção do barracão no logradouro que não foi impugnada.”
Sustenta o recorrente que, contrariamente ao referido pela 1ª instância, tais factos foram impugnados, como resulta dos artigos 20º, 21º e 22º da contestação, onde impugnou especificadamente o vertido nos artigos 6º a 12º da petição inicial.
Nas suas contra-alegações os autores argumentam que o réu admitiu na contestação a existência da sublocação (artigos 4º e 9º), o que foi expressamente aceite na réplica e que agora pretende afastar invocando a existência de uma economia comum com os seus inquilinos; além disso, a testemunha arrolada pelo recorrente admitiu que este recebe dinheiro pelo alojamento que dá às pessoas.
Nos artigos 7º e 8º os autores alegaram o seguinte:
“7.º
O réu sublocou o locado a terceiras pessoas que nele vivem, permanecem, comem e dormem.
8.º
O locado está transformado numa espécie de pensão com um grande aglomerado de pessoas, mais de 10, que pagam ao réu uma renda para nele permanecerem. E, todas estas pessoas estão a degradar o locado que foi arrendado num excelente estado de degradação. Acresce que,”
Nos artigos 20º a 22º da contestação o réu alegou o seguinte:
“20.º
Assim, impugna-se toda a matéria de facto constante nos artigos 6.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º da petição inicial por não serem factos pessoais ou de que a Requerida tenha obrigação de conhecer ou ainda por serem inexatos ou não corresponderem integralmente à verdade dos factos
21.º
Não corresponde à verdade o alegado no artigo 7.º da petição inicial, porquanto não foi o Réu que teve a iniciativa de sublocar os quartos, uma vez que quando celebrou o contrato de arrendamento em 2013 já existiam quartos sublocados, tal como no Rés do chão direito e no 1.º andar do prédio.
22.º
Não corresponde igualmente à verdade o facto alegado no artigo 8.º da P.I., na medida em que o anterior arrendatário é que realizou obras no imóvel tendo feito sete quartos no apartamento, pelo que estes já existiam quando o contrato de arrendamento foi celebrado com o ora Réu.”
Nos termos do art.º 574º, n.º 2 do CPC, se o réu não tomar posição definida sobre os factos alegados pelo autor, entende-se que os admite como exactos (confissão tácita ou ficta).
Nessa situação, a lei ficciona uma confissão que, em rigor, não existiu, equiparando os efeitos do silêncio do réu aos da confissão.
No entanto, o regime desta prova, ou deste meio de prova, não é inteiramente coincidente com o aplicável à confissão, enquanto declaração expressa de reconhecimento da realidade dum facto desfavorável ao declarante (cf. art.º 352º do Código Civil).
Ainda que a propósito da falta de contestação, Lebre de Freitas, na constatação da diversidade de regimes aplicável a cada uma dessas situações, reserva para a consequência da falta de apresentação de contestação, o termo admissão, enquanto figura autónoma face à confissão, posto que aquela desta se distingue por consistir numa pura omissão (enquanto omissão, a admissão não constitui uma afirmação sobre a realidade e se exerce a função de prova da realidade de um facto, não implica um acordo de afirmações), enquanto a segunda se manifesta mediante declaração expressa – cf. A Confissão no Direito Probatório (Um estudo Direito Positivo), 1991, pág. 473.
O ónus de impugnação especificada previsto no art.º 574º, n.º 1 do CPC incide sobre os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor, sendo que a consequente admissão decorrente da falta de impugnação não abrangerá os factos que estiverem em oposição com a defesa apresentada no seu conjunto, aqueles relativamente aos quais não for admissível confissão ou se só puderem ser provados por documento escrito.
Além disso, a parte final do n.º 2 do art.º 574º do CPC permite ainda que a admissão de factos instrumentais seja afastada por prova posterior.
Assim, o réu não tem de tomar posição sobre todos os factos alegados pelo autor na petição inicial, mas tão-só sobre os factos que constituem a causa de pedir, ou seja, em conjugação com o disposto nos art.ºs 5º, n.º 1 e 552º, n.º 1, d) do CPC, o ónus de alegação do autor na petição inicial apenas é absolutamente exigido quanto aos factos essenciais que constituem a causa de pedir, não havendo ónus de alegação nem, por sua vez, de preclusão, quanto a factos instrumentais (cf. art.º 5º, n.ºs 1 e 2, a) do CPC).
Ora, como os recorridos afirmam, certo é que o réu reconheceu que o locado estava sublocado. Quanto a esse segmento não há dúvida que existiu admissão por parte do demandado quanto à permanência de terceiras pessoas na fracção, que ali vivem, permanecem, comem e dormem e que em contrapartida dessa fruição lhe pagam uma determinada quantia. Aquilo que o réu refutou não foi a existência da sublocação, mas sim a iniciativa quanto ao desenvolvimento dessa actividade, pois que impugnou o alegado no artigo 7º da petição inicial referindo apenas que à data da celebração do contrato de arrendamento, em 2013, alguns dos quartos da fracção já estavam subarrendados a outras pessoas.
De todo o modo, não obstante a impugnação quanto a ter sido o réu a promover a sublocação e quanto ao número de pessoas que vivem na fracção, tal não significa que os factos descritos em e)1 e f) devam ser dados como não provados na sua totalidade.
Com efeito, tendo-se procedido à audição integral da prova gravada e, consequentemente, dos depoimentos das testemunhas FP, arquitecto, que tem residência na fracção do 1º andar esquerdo desde há cerca de cinco a seis anos e ET, amiga do réu, que viveu no rés-do-chão esquerdo desde cerca do ano 2016 até ao final do ano de 2023, convocados pelo apelante para demonstrar que não existem, actualmente, quartos da fracção arrendada que se encontrem sublocados, verifica-se que não é possível confirmar a análise da prova como é efectuada pelo recorrente.
Na verdade, do depoimento da testemunha FP, que se revelou seguro, consistente e credível – embora este não resida permanentemente no prédio, pois passa alguns meses no estrangeiro, conforme referido pelas demais testemunhas, incluindo a testemunha CM, que para ele trabalha ali no prédio e dá assistência à avó daquele, residente no 6º andar -, emerge confirmada a situação de sublocação nos quartos existentes na fracção do rés-do-chão esquerdo, que subsiste, não sendo uma situação ultrapassada, mantendo-se actualmente. No que diz respeito à porta de entrada principal do edifício resultou claro, deste depoimento e dos demais, que habitualmente estava sempre aberta, permitindo a entrada de estranhos que permaneciam no hall de entrada, incluindo ali pernoitando, mas, entretanto, foi colocada uma porta de segurança há algum tempo atrás, resolvendo o problema dos recorrentes arrombamentos, mas continuam a entrar e sair pessoas para a fracção do rés-do-chão esquerdo, tendo a testemunha dito poder asseverar não serem pessoas da família do réu, nem viverem com este em economia comum, pois que possuem diversas nacionalidades e não são sempre, durante todo o tempo, as mesmas pessoas - cf. minuto 6.00 e seguintes do seu depoimento.
Por outro lado, referiu ainda que uma anterior empregada que teve, de nome Lúcia, vivia num dos apartamentos, numa situação com sistema similar ao que se verifica no rés-do-chão esquerdo, estando a fracção toda dividida em vários quartos, tendo chegado a constatar que nesse apartamento viviam cerca de vinte pessoas, sendo que essa empregada lhe relatava que o mesmo se passava no rés-do-chão – cf. minuto 32.25 e seguintes do depoimento.
Também a testemunha PB, que reside no prédio há cerca de 14 anos, com a mulher e os filhos e disse dar-se bem com o réu, com quem até efectua alguns trabalhos, não tendo confirmado se as pessoas que vê entrar e sair do edifício a toda a hora têm que ver com o rés-do-chão esquerdo e saber quantas pessoas ali residem, não deixou de afirmar que nessa fracção não residem apenas o réu e o seu filho, dizendo “não, de certeza que não; são [mais pessoas] do que o D e o filho”; e mais adiante: “Não sei quais as pessoas que moram no D, sei que sozinho não está”– cf. minutos 11.20 e 28.30 e seguintes do seu depoimento.
Também a testemunha CM confirmou que as pessoas que residem na fracção arrendada não são apenas o réu e o seu filho, o que afirma pelo que vê de pessoas a entrar e a sair, quer quando entra e sai do prédio, quer quando está na varanda a estender roupa ou a dobrá-la, referindo poder afirmar serem mais de dez pessoas que ali residem; além disso, a determinada altura foi chamada para verificar um problema no tecto da casa de banho dessa fracção e, não a tendo visitado toda, referiu que lhe pareceram existir vários quartos, quando, na realidade, a tipologia da fracção é de 3 ou 4 assoalhadas – cf. minutos 4.20 e seguintes e 22.30 e seguintes do respectivo depoimento.
Finalmente, a própria testemunha arrolada pelo réu, ET, que viveu na fracção até o final do ano de 2023, embora descrevendo o réu, de quem é amiga, como pessoa muito solidária, que gosta de ajudar os outros, como a ajudou a si quando foi despejada e não tinha casa, sem cobrar nada, não deixou de, no contexto de um depoimento claramente orientado para justificar a existência de diversas pessoas na fracção como sendo uma obra de caridade do réu, acabou por ir mencionando dados que permitem aferir a realidade do que ali se passa, quer dizendo que a própria aconselhou o réu a cobrar 100,00 € a cada pessoa que ali vive, que quando as contas da água e da luz são elevadas dividem por todos os que lá vivem, que conheceu o réu através da Lúcia, pessoa doente e que vivia na fracção, que ela não pagava nada porque não tinha como pagar e que a própria, a certa altura, lhe disse que assim não podia ser e que teria de sair e, mais do que isso, afirmando de modo expresso e claro que na fracção residem seis pessoas para além do próprio recorrente, existindo seis quartos, um para cada um (resta saber em que quarto ficam o réu e o seu filho!), embora realçando, num depoimento confuso e sem sentido, que as divisões dos quartos foram efectuadas por um pedreiro com quem falou mas não a mando do réu – cf. minutos 19.30 e seguintes; 21.35 e seguintes e 22.43 e seguintes do seu depoimento.
Para além da admissão de que os quartos da fracção estão sublocados, é evidente que essa sublocação ainda se mantém, que ali residem pelo menos seis outras pessoas para além do réu e do seu filho, que o réu recebe uma determinada quantia pela cedência dos quartos, embora não se possa afirmar que o sistema se assemelha ao de uma pensão, pois nada se apurou quanto à duração da permanência das pessoas que lá vivem.
Assim, deve manter-se inalterado o facto vertido na alínea e)1, por demonstrado pela prova testemunhal produzida e a alínea f) dos factos provados deve passar a ter a seguinte redacção:
f) No locado vivem pelo menos seis pessoas para além do réu e do seu filho, que pagam uma quantia mensal àquele para nele permanecerem. Alínea k) dos factos provados
O tribunal recorrido deu como provado o seguinte:
k) O réu construiu no logradouro do edifício um barracão para alojar pessoas, não estando autorizado para o efeito.
O Tribunal recorrido fundamentou a prova deste facto na circunstância de não ter sido impugnado pelo réu, como resulta da transcrição acima efectuada.
A alegação efectuada pelos autores consta do artigo 14º da petição inicial, que não foi expressamente impugnada pelo réu nos artigos 20º a 22º da contestação e sobre o qual este não se pronunciou especificadamente, pelo que se tem de concluir, diversamente do que propugna e em conformidade com o acima exposto, que o admitiu, para além do que o aproveitamento que o réu efectua do barracão resulta claramente da prova testemunhal produzida – cf. depoimentos testemunhas FP, minuto 31.25 e seguintes e CM, minuto 16.28 e seguintes.
Mantém-se, assim, inalterado o facto vertido na alínea k) dos factos provados. Ponto 12) dos Factos Não Provados
O Tribunal recorrido considerou não provado o seguinte:
12) - No 1.º esquerdo e no 1.º direito do prédio em causa, existe um hostel a funcionar, sendo que os quartos são arrendados apenas por 2 ou 3 dias, pelo que a entrada e saída de hóspedes no prédio é elevada em virtude de tal actividade comercial.
A este propósito consignou-se na decisão recorrida:
“No entanto, verificando-se que também no 1º andar existe um alojamento que é cedido a várias pessoas diferentes (sejam ou não amigos do dono da casa, mas que não pode ser qualificado como um hostel em face do que foi referido) e que também elas entram e saem com frequência, não se pode imputar apenas às pessoas do r/c a frequência destas entradas e saídas. […]
A testemunha ET apenas veio reafirmar que efectivamente o réu recebe dinheiro pelo alojamento que dá a várias pessoas, mencionou seis quartos e que agora vive no locado seis pessoas, sendo que quando lá estavam eram sete. No que concerne à alegada autorização por parte dos senhorios, de nada sabia, bem como da restante factualidade alegada pelo réu e que, por isso, foi dada como não provada por total ausência de prova. No que respeita ao estado do locado, a prova que foi produzida não foi suficiente para o tribunal dar como provado os que foi alegado tanto pelos AA como pelo R..”
O réu/recorrente insurge-se contra o decidido invocando o depoimento da testemunha ET, que mencionou que FP. era dono do hostel existente no 1º andar, pelo que esse facto deveria ser dado como provado.
A testemunha FP, a quem foi imputada a titularidade do hostel, negou essa realidade referindo que reside na sua fracção com outras três pessoas, amigos e pessoas que com ele trabalham, mantendo um atelier de arquitectura no 1º andar direito, onde trabalha o próprio e um colega; a testemunha PB nada adiantou a esse propósito, pois apenas mencionou que, por vezes, o andar do 1º esquerdo tem pessoas a viver, outras vezes não, mas não sabia concretizar se seriam ou não sempre as mesmas, para além do que o barulho de que se queixa vem, segundo ele, do rés-do-chão e não do 1º andar; a testemunha CM relatou que, quando está em Portugal, FP vive no prédio, mas geralmente passa seis a sete meses no estrangeiro, sendo que, por vezes, na sua casa, existe entrada e saída de pessoas, visitantes daquele e, bem assim, a presença do colega de trabalho e visitantes deste, mas não confirmou hospedagem ou existência de uma actividade de hostel referindo desconhecer se o FP recebe dinheiro desses visitantes.
Apenas a testemunha ET. afirmou a existência dessa actividade no 1º andar, mas fê-lo de modo confuso e justificando o seu conhecimento pelo facto de indagar as pessoas que via acederem ao 1º andar e que estas confirmavam que pagavam para lá ficar, o que não se afigura credível, por não ser consentâneo com as regras normais de convivência em sociedade a abordagem de terceiros desconhecidos a perguntar se pagam ou não para ficarem numa fracção e menos ainda que estes se aprestem a responder. Como tal, este depoimento apresenta-se insuficiente, tal como considerou a 1ª instância, para dar como provado que é desenvolvida a actividade de hostel no 1º andar do prédio, pelo que se mantém o facto em apreço como não provado, improcedendo, assim, também nesta parte, a impugnação dirigida contra a decisão sobre a matéria de facto.
O apelante, em sede de motivação das suas alegações, aludiu ainda ao documento n.º 2 que juntou com a sua petição inicial, que entende bastante para dar como provado que ao imóvel foi atribuído pela Câmara Municipal de Lisboa o nível de conservação “Mau”, na sequência de uma vistoria efectuada em Abril de 2019.
No entanto, nas suas conclusões, o recorrente, ao invés de pretender introduzir esse facto no elenco factual provado, consignou que, com base nesse documento, não poderia ser dado como não provado o vertido no ponto 11) dos factos não provados.
Perante a falta de coincidência entre aquilo que foi referido no corpo das alegações e o referido nas conclusões não é possível identificar, em concreto, qual a decisão que o recorrente pretende alcançar a propósito desta matéria, tanto mais que se limitou a referir no ponto 12. das conclusões, que o facto vertido em 11) dos factos não provados não poderia ser dado como não provado, mas não indicou qual a decisão que deveria ter sido proferida, pelo que, nesta parte, não se mostra cumprido o ónus impugnatório decorrente do n.º 1 do art.º 640º do CPC, pelo que não se apreciará a impugnação incidente sobre a matéria em causa, que, neste ponto, se rejeita.
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3.2.2. Da caducidade
Aquando da prolação do despacho saneador, em 7 de Fevereiro de 2024, o Tribunal recorrido conheceu da excepção de caducidade deduzida pelo réu nos seguintes termos[7]: “No que diz respeito à caducidade, considerando o disposto no n.º 3 do art.º 1085º do CC e tratando-se de um facto continuado, o qual é expressamente confessado pelo réu e que não cessou, não se completou manifestamente o prazo de um ao aí previsto, pelo que improcede a excepção.”
O réu/apelante insurge-se contra esta decisão sustentando que se verifica a caducidade do exercício do direito pelos senhorios à resolução do contrato de arrendamento, com a seguinte ordem de fundamentos:
i.A sublocação data de 1 de Dezembro de 2013, pois os anteriores arrendatários já arrendavam quartos com o conhecimento da senhoria e quando arrendou a fracção três dos quartos estavam sublocados;
ii.Decorreu mais de um ano sobre a data do conhecimento da sublocação e a interposição da presente acção.
A acção de despejo tem de ser instaurada no prazo de um ano, a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade – cf. art.º 1085º, n.º 1 do Código Civil.
A intenção do legislador é a de proteger a estabilidade contratual.
Com efeito, a existência de um fundamento de resolução, por utilizar, num contrato de execução continuada como é o arrendamento, gera uma situação de incerteza, daí que não deva perdurar indefinidamente. A admitir-se o exercício desse direito sem limitação levaria a que o outro contraente confiasse na subsistência do contrato, de boa-fé e sem culpa grave, pelo que se impõe ao titular do direito de resolução o ónus de o exercer num prazo certo e breve, sob pena de mais tarde não o poder invocar – cf. Jorge Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 4ª edição, revista e atualizada, pág. 568.
O n.º 3 do art.º 1085º do Código Civil ressalva, porém, que, no caso de facto continuado ou duradouro, o prazo “não se completa antes de decorrido um ano da sua cessação”. Apesar da enviesada redacção da norma, o que dela se retira é que o prazo de caducidade de um ano não se inicia antes da cessação do facto ilícito, ou seja, conta-se a partir da data da sua cessação – cf. Jorge Pinto Furtado, op. cit., pág. 570; António Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, III – Dos Contratos em Especial, CIDP, 2024, pág. 526; Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 9ª Edição, pág. 150; José Alberto González, Código Civil Anotado, Volume III – Contratos em Especial, 2014, pág. 269; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6-05-1999, 2161/99, CJ Ano XXIV, Tomo III, pág. 93.
O recorrente assenta a sua discordância quanto ao decidido em factos que alegou na sua contestação, mas que não foram dados como provados.
Está demonstrado que o contrato de arrendamento em discussão nos autos foi celebrado em 1 de Novembro de 2013, com produção de efeitos a 1 de Dezembro de 2013; que o local arrendado se destinava a habitação do arrendatário, não podendo ser dado uso distinto nem ser sublocado, sem prévia autorização da senhoria; que estava proibida a hospedagem e que o réu sublocou o locado a terceiras pessoas, que ali vivem e pagam uma contrapartida monetária ao réu – cf. pontos b) a f) dos factos provados.
Tendo em conta que a causa de pedir da resolução assenta na sublocação do locado não autorizada pelos senhorios, que o próprio réu admitiu existir e que subsiste, está em causa, como se referiu na decisão recorrida, um facto continuado/duradouro.
Na verdade, a cedência do uso do locado a terceiros não pode deixar de ser considerada um facto duradouro – cf. Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2017, 3ª edição, pág. 325; Elsa Sequeira Santos, Código Civil Anotado, 2ª Edição Revista e Atualizada, Ana Prata (Coord.)
Assim, o prazo de um ano apenas teria início a contar da data da cessação da cedência do locado pelo réu a terceiros, facto que este não provou.
Por conseguinte, não se vê como divergir do entendimento lavrado na decisão da 1ª instância, devendo concluir-se pela não verificação da caducidade do direito de exercício da resolução pelos senhorios.
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3.2.3. Dos pressupostos da resolução do contrato de arrendamento
A 1ª instância apreciou a questão da resolução do contrato por incumprimento do arrendatário nos seguintes termos:
“No caso dos autos, e de acordo com o que foi acordado, a fracção arrendada destinava-se a habitação do arrendatário, sendo que nos termos do disposto no art.1093º, al. a), com este poderiam viver todas as pessoas que vivam em economia comum. Mas, no que diz respeito às pessoas que podem residir no local arrendado, existindo cláusula em contrário que é absolutamente clara (“Fica proibida a hospedagem, salvo autorização dada pela senhoria por escrito”), apenas aquelas, definidas nos termos do nº 2 do mesmo artigo, é que podem ali viver – al. b).
Não há, assim, qualquer dúvida de que o contrato não permite que o réu receba qualquer hóspede, nos termos em que o define o nº3 do art.1093º, como também não há dúvida de que a senhoria não deu qualquer autorização escrita para o réu os receber. Nem o Réu impugna que receba hóspedes – antes, o reconhece – como não alega que essa autorização escrita exista. Manifestamente quem teria de demonstrar que existiu autorização escrita para serem alojados hóspedes seria o réu. E não o fez.
Existe, assim, um incumprimento por parte do R, pelo que há que apreciar se esse incumprimento permite aos AA resolver o contrato.
Em vez de uma enumeração taxativa dos fundamentos da resolução, a lei prevê um conceito genérico e indeterminado de incumprimento (tanto por parte do senhorio como do arrendatário), fazendo uma enumeração meramente exemplificativa nos nº2 e 3 de fundamentos de resolução pelo senhorio e no nº4 uma enunciação, também exemplificativa, de uma situação que fundamenta a resolução por parte do arrendatário.
Dispõe o art.º 1083º do CC: […]
Cabe, assim, ao julgador determinar – perante o caso concreto – se a situação de incumprimento contratual torna, pela sua gravidade ou consequências, inexigível à outra parte da manutenção do contrato.
O que interessa, na perspectiva do senhorio, é acautelar o risco de depreciação do imóvel por força da sua não utilização, da sua utilização imprudente ou da sua utilização abusiva. O raciocínio a fazer, em nosso entender, é o de saber se a utilização que o R faz do locado está a ser nociva aos interesses do senhorio no sentido este deixar, pela forma como procede à sua utilização, degradar a habitação para além do desgaste que seria previsível através de uma utilização normal e prudente.
Considerando a factualidade que foi provada, o número de hóspedes que o réu aloja no locado quando nem sequer, de acordo com o contrato, poderia receber um que fosse, parece-nos que a gravidade da violação justifica que se permita ao senhorio libertar-se da relação contratual e as consequências de uma sobrelotação de uma habitação são sofridas naturalmente na sua estrutura, acelerando o estado de degradação de uma forma totalmente diferente daquela em que apenas um agregado familiar provocaria numa habitação da mesma tipologia.
Acresce que à violação prevista na al. e), acresce ainda o facto de o grande aglomerado de pessoas fazer naturalmente muito mais barulho, sujar mais e de alguma forma impedir um convívio pacífico para os restantes habitantes do edifício. Por fim, a construção de um barracão sem qualquer autorização, sendo que não ficou demonstrado se o mesmo é removível ou não, pelo que apenas a conduta pode acrescentar à censurabilidade da sua actuação.
Concluímos, assim, que assiste, sem dúvida, aos AA o direito a resolver o contrato.”
Da análise das alegações apresentadas pelo recorrente e das respectivas conclusões decorre que todos os fundamentos invocados no presente recurso e que se reportam à discussão do mérito da causa tinham como pressuposto a impugnação da decisão sobre matéria de facto.
Com efeito, tal dependência entre o fundamento do recurso atinente ao mérito da causa e a pretendida alteração da decisão sobre a matéria de facto emerge de forma clara das conclusões 1. a 15., porquanto o recorrente efectua uma apreciação jurídica da causa diversa da vertida na decisão recorrida apenas com base no resultado da prova, que defende dever ser o inverso daquele que foi o retirado pelo tribunal de 1ª instância, considerando que não teria, por um lado, tido a iniciativa da sublocação, que já existia à data da celebração do contrato de arrendamento e era do conhecimento dos senhorios, nem teria construído o barracão no pátio, factos que não resultaram demonstrados.
Face à rejeição, em grande medida, da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que se mantém inalterada, com excepção do segmento atinente ao número de pessoas que residem no locado e que, não sendo dez, serão, pelo menos, seis, sem relação familiar demonstrada ou de parentesco com o réu, não se descortinam razões para divergir da apreciação jurídica efectuada pelo tribunal recorrido.
O direito de resolução é um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento – ou seja, um direito potestativo vinculado (cf. art.º 432º do Código Civil) -, que será o facto de incumprimento ou situação de inadimplência.
Qualquer desvio entre a execução do contrato e o programa contratual constitui um inadimplemento, mas para que este possa sustentar um direito de resolução terá de assumir suficiente gravidade.
O art.º 1083º, n.º 1 do Código Civil faculta a qualquer das partes a possibilidade de resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento da outra parte, que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível a manutenção do arrendamento. Assim, ambos os contraentes podem resolver o contrato de arrendamento apenas com base no incumprimento culposo da outra parte, nos termos previstos nos artigos 432.º e ss. e 801.º, n.º 2, do Código Civil – cf. Albertina Gomes Pedroso, A Resolução do Contrato de Arrendamento no Novo e Novíssimo Regime do Arrendamento Urbano, pp. 43-44[8].
A importância da obrigação violada deve ser fixada por referência ao interesse do credor, sendo que o relevo do interesse afectado pelo incumprimento, ainda que determinado em função do sujeito, deve ser avaliado objectivamente, com base em elementos susceptíveis de serem valorados por qualquer outra pessoa.
O cumprimento da obrigação supõe que a prestação do devedor é realizada nos seus precisos termos, pois, de contrário, haverá mora ou incumprimento definitivo do devedor, por exemplo se a prestação se tornou impossível ou inviável.
O incumprimento é imputável ao devedor se puder atribuir-se a uma sua conduta voluntária, caso em que será responsável pelos prejuízos que causar ao credor – cf. art.ºs 798º e 801º, n.º 1 do Código Civil.
Na vigência do Regime do Arrendamento Urbano[9] introduzido pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, o respectivo art.º 64.º, n.º 1 elencava de modo taxativo as infracções contratuais praticadas pelo locatário que podiam constituir fundamento de resolução do contrato de arrendamento por parte do senhorio.
Eram, pois, enumeradas taxativamente as causas de resolução, identificando-se os vários tipos de incumprimento considerados suficientemente graves para justificar a cessação do contrato.
Diversamente, no Novo Regime do Arrendamento Urbano[10], aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, estabeleceu-se uma cláusula geral resolutiva, que consta do n.º 2 do art.º 1083º do Código Civil, com a seguinte redacção: “2 - É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio: a) A violação de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio; b) A utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública; c) O uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina, ainda que a alteração do uso não implique maior desgaste ou desvalorização para o prédio; d) O não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no nº 2 do artigo 1072º; e) A cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, do gozo do prédio, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio.”
Existe alguma correspondência entre as situações previstas neste n.º 2 do art.º 1083º e as preteritamente enunciadas no n.º 1 do art.º 64º do RAU, sendo que, em substância, constitui causa de resolução do contrato de arrendamento por parte do senhorio a violação das obrigações do locatário indicadas no art.º 1038º do Código Civil.
Todavia, o legislador de 2006 optou pelo uso de cláusulas gerais, direccionadas genericamente para o incumprimento grave das obrigações emergentes do contrato, como justa causa de resolução, limitando-se a indicar, exemplificativamente, alguns casos de incumprimento do locatário que podem dar lugar à resolução do contrato pelo senhorio.
A gravidade do incumprimento que dará origem ao direito à resolução do contrato terá, assim, de ser aferida em função da própria natureza da infracção, enquanto actuação/omissão substancialmente grave, das consequências ou efeitos que provoca – que tornam tal incumprimento grave –, e ainda pela reiteração da conduta violadora das obrigações assumidas, de tal modo que não seja razoavelmente exigível à outra parte a manutenção do arrendamento – cf. Albertina Pedroso, op. cit., pág. 45.
Esta nova opção pela previsão de uma cláusula geral a ser integrada por recurso a exemplos-padrão tem suscitado divergência na doutrina e na jurisprudência quanto à interpretação da enumeração exemplificativa prevista no n.º 2 do art.º 1083.º do Código Civil, no sentido de saber se os casos seleccionados pelo legislador como hipóteses de incumprimento pelo arrendatário preenchem ou não, por si só, a cláusula geral ínsita na 1.ª parte da norma, isto é, saber se as alíneas do n.º 2 do citado normativo são de funcionamento autónomo ou se têm de ser conjugadas com a referida cláusula geral (“de justa causa subjectiva”) constante do proémio do n.º 2.
No sentido do funcionamento autónomo parece pronunciar-se Luís Menezes Leitão quando refere, após mencionar que não é todo e qualquer incumprimento das obrigações do arrendatário que determina a resolução, sendo necessário que esse incumprimento, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento, que “a lei procede à tipificação de algumas situações de resolução do contrato, havendo outras que poderão igualmente enquadrar-se na cláusula geral a que se refere o proémio do art.º 1083º, n.º 2. É utilizada a conhecida técnica legislativa dos exemplos-padrão que consiste em preencher uma cláusula geral através de uma enumeração de situações que o legislador considera integrarem-se no respectivo núcleo conceptual”, aduzindo, já em nota de rodapé, não concordar com a posição de Maria Olinda Garcia, que sustenta que os fundamentos tipificados nas diferentes alíneas do n.º 2 do art.º 1083º têm ainda que preencher a cláusula geral prevista no n.º 1, pois que, segundo o autor, nesse caso, a enumeração seria inútil – cf. Arrendamento Urbano, 9ª Edição, pp. 137-138, e nota 131; cf. Maria Olinda Garcia, Arrendamento Urbano Anotado – Regime Substantivo e Processual (Alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012), 3ª Edição, pág. 34 – “A nosso ver, o propósito legislativo não foi o de tornar mais fácil nem mais difícil a resolução do contrato nessas hipóteses, pois em todas elas o relevo resolutivo do incumprimento previsto terá de continuar a ser aferido pelo preenchimento da cláusula geral constante do n.º 2 do artigo 1083º”.
Para além desta autora, pronuncia-se no sentido da necessidade de preenchimento também da cláusula geral, em qualquer das situações previstas nas cinco alíneas do nº 2 do art.º 1083º do Código Civil, tendo o comportamento do locatário de atingir um grau de gravidade e gerar consequências tais que não seja razoavelmente exigível ao senhorio (de um ponto de vista objectivo) a manutenção do contrato com o locatário infractor, Fernando de Gravato Morais, in Novo Regime do Arrendamento Comercial, 2011, 3ª Edição, pág. 241:
“[…] o inadimplemento do contrato é a base em que assenta o direito de resolução (art.º 1083º, n.º 1 CC, NRAU).
No entanto, há que apreciar, atentas as particularidades consagradas, os caracteres dos fundamentos resolutivos (legais) do contrato a invocar pelo locador.
[…] nos casos em apreço, não se mostra suficiente o incumprimento de não escassa importância, previsto no art.º 801º CC. Impõe-se algo mais. […]
Por um lado, especifica-se que é necessário que o incumprimento seja de per si grave ou que se afira pelas consequências que faz operar.
Porém, é ainda imprescindível que qualquer dos elementos assinalados seja complementado com o conceito indeterminado de “inexigibilidade” da manutenção do arrendamento (cfr. art.º 1083º, n.º 2, parte final CC, NRAU).”
Para afastar a inutilidade da exemplificação do n.º 2 do art.º 1083º do Código Civil que poderia resultar do entendimento de que, mesmo na verificação de tais situações, é necessário que o incumprimento seja grave e torne inexigível a manutenção do contrato[11], José Alberto González[12], referindo que é através da cláusula geral (incumprimento que pela sua gravidade ou consequências torne inexigível à outra parte a manutenção do contrato) que se há-de ajuizar sobre a procedência do pedido de resolução, aduz que em algumas dessas situações o modelo típico pode não ser motivo suficientemente sério para tornar imediatamente inexigível ao senhorio a manutenção do contrato, pelo que sugere uma interpretação que concilie a previsão daquela cláusula geral com a enunciação efectuada propondo:
“Para evitar a inutilização prática da exemplificação encerrada nas diversas alíneas do n.º 2, o ajustamento entre a concretização da cláusula geral e o preenchimento do modelo típico passa por entendê-lo como presunção de inexigibilidade, com a consequente inversão do ónus da prova: ao senhorio caberá demonstrar a ocorrência do standard; ao arrendatário, por seu turno, que, apesar disso, inexiste razão relevante para provocar a desvinculação.”
Por sua vez, a jurisprudência tendencialmente maioritária aponta para a necessidade de o comportamento do locatário atingir um grau de gravidade e gerar consequências tais que não seja razoavelmente exigível ao senhorio (de um ponto de vista objectivo) a manutenção do contrato, de que são exemplo os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9-12-2021, 3069/19.0T8LSB.L1.S1; de 13-02-2014, 43/09.9TCFUN.L1.S1; do Tribunal da Relação de Guimarães de 7-05-2020, 129/18.9T8PRG.G1 e de 27-06-2019, 408/17.2T8VRL.G2; do Tribunal da Relação de Coimbra de 3-12-2019, 1047/15.8T8LMG.C1, de 8-05-2018, 593/11.7TBNZR.C1 e de 5-02-2013, 382/08.6TBLRA.C1; do Tribunal da Relação do Porto de 14-07-2010, 1451/09.0TJPRT.P1; acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 1-03-2012, 18056/09.9T2SNT.L1-6 e de 9-12-2008, 8726/2008-6 – “Aparentemente, o legislador pretendeu erigir estes factos típicos em verdadeiros fundamentos de resolução, tanto mais que as situações elencadas revestem normalmente particular gravidade em termos de violação contratual (neste sentido, Pinto Furtado, op. cit., pgs. 1001-2). No entanto, existindo uma cláusula geral, afigura-se mais curial entender estas situações como meras presunções ilidíveis, sempre sujeitas ao juízo valorativo da inexigibilidade, sob pena de o legislador ter consagrado uma solução híbrida. Fosse essa a sua intenção, e melhor seria ter dito que as situações elencadas no nº 2 do artigo 1083º CC constituem fundamento de resolução (numa formulação semelhante à do artigo 64º RAU), e acrescentar que constitui ainda fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do contrato de arrendamento.”
São, pois, requisitos gerais da resolução do contrato:
1) O incumprimento da outra parte, que se presume culposo – cf. art.º 799.º do Código Civil);
2) Que o incumprimento seja grave e altere o equilíbrio da relação locatícia;
3) E que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento.
Neste contexto, qualquer incumprimento, ainda que não expressamente referido nas alíneas do n.º 2 do art.º 1083.º do Código Civil, pode ser fundamento de resolução do contrato de arrendamento, contanto que “pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”; por outro lado, aderindo à segunda tese supra mencionada, todos os comportamentos descritos nessas alíneas têm de preencher os requisitos da cláusula geral, isto é, têm de atingir um grau de gravidade e gerar consequências tais que não seja razoavelmente exigível ao senhorio (de um ponto de vista objectivo) a manutenção do contrato com o locatário infractor, embora naqueles casos se deva presumir a inexigibilidade, cabendo ao senhorio demonstrar que não há razão bastante para determinar a resolução do contrato.
Dado que a enumeração dos fundamentos de resolução no n.º 2 do art.º 1083º do Código Civil é meramente exemplificativa, relevarão ainda para a determinação sobre se existe ou não incumprimento grave que torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, as estipulações contratuais acordadas livremente entre as partes aquando da celebração do contrato, ou posteriormente, se observada a exigência de forma escrita.
Como refere Albertina Pedroso, “no NRAU nada obsta a que se estabeleçam cláusulas contratuais das quais resultem obrigações ou proibições que, não sendo contrárias à lei, aos bons costumes ou à ordem pública, permitam melhor concretizar a cláusula geral do n.º 2, do artigo 1083.º levando a concluir — por via da necessária alegação e prova de factos — que do respectivo incumprimento, consequências ou reiteração decorre a inexigibilidade da manutenção do arrendamento, mormente por resultar do teor do contrato a importância da sua estipulação na formação da vontade das partes para celebração do mesmo” – cf. op. cit., pág. 49.
Ora, sabendo-se que as partes previram, expressamente, no contrato de arrendamento que o locado se destinava exclusivamente a habitação do arrendatário, ficando este proibido de sublocá-lo, no todo ou em parte, sem autorização dos senhorios e sendo expressa a proibição de hospedagem, tendo resultado provado que nele vivem outras pessoas, pelo menos seis, que pagam uma renda ao réu para ali permanecerem, resulta clara a violação das mencionadas cláusulas contratuais e, bem assim, o incumprimento típico descrito previsto na alínea e) do n.º 2 do art.º 1083º do Código Civil, sendo que a hospedagem ilícita envolve gravidade suficiente para justificar a resolução, pois viola o desígnio do proprietário e revela um uso imprudente do locado, ao facultar cessões do seu uso não permitidas pelo contrato.
Por outro lado, não colhe, como é evidente, a pretensão do recorrente de ver reconhecia a existência de uma economia comum entre ele e o seu filho e os demais residentes no locado, porquanto não alegou ou provou que estes tenham para consigo qualquer relação de parentesco ou afinidade ou a existência de uma obrigação de convivência ou de alimentos com tais pessoas – cf. art.º 1093º, n.º 2 do Código Civil.
Ademais, a economia comum verifica-se “relativamente às pessoas que compartilhem a mesma casa, no sentido sócio-cultural do termo: refeições em conjunto, serviços domésticos partilhados, convívio regular e suportação conjunta dos custos, seja pela repartição das despesas, seja pela divisão de funções”, de que é exemplo o modelo básico da família nuclear – cônjuges e filhos – mas pode ser alargado a parentes, amigos e pessoal doméstico – cf. António Menezes Cordeiro, op. cit., pág. 558.
O recorrente nada provou que demonstrasse a existência de tais laços com as pessoas que residem no locado.
Como tal, não se vislumbram fundamentos para divergir da conclusão formulada pela 1ª instância no sentido de se ocorrer um incumprimento suficientemente grave para justificar a resolução do contrato de arrendamento, corroborado pela construção ilícita de um barracão no pátio.
Com efeito, na tipificação taxativa do art.º 64º do RAU figurava, na alínea d), como causa de resolução, a circunstância de o arrendatário fazer “no prédio, sem consentimento escrito do senhorio, obras que alterem substancialmente a sua estrutura externa ou a disposição interna das suas divisões, ou praticar actos que nele causem deteriorações consideráveis, igualmente não consentidas e que não possam justificar-se nos termos dos artigos 1043.º do Código Civil ou 4.º do presente diploma.”
No âmbito do NRAU, e atenta a redacção do art.º 1083.º, n.º 2 do Código Civil, deixou de constar aquela situação típica, mas a doutrina e a jurisprudência têm entendido que tal não significa que deixasse de relevar, como fundamento de resolução, a realização de obras ilícitas no arrendado, passando agora tais casos a ser aferíveis, de forma casuística, à luz da cláusula geral consagrada no proémio do artigo, tendo em conta as obrigações contratuais do arrendatário.
Deste modo, a virtualidade de a realização de obras no locado sem consentimento do senhorio permitir a resolução do contrato por iniciativa deste depende da sua integração na cláusula geral do n.º 2 do art.º 1083º do Código Civil, o que passará pela ponderação do incumprimento dos deveres que resultam para o arrendatário do disposto nos art.ºs 1043º, 1073º e 1074º, n.º 2 do referido diploma legal.
Pedro Romano Martinez refere que, atendendo à cláusula geral do corpo do n.º 2 do art.º 1083º, as deteriorações que excedam o paradigma do n.º 1 do art.º 1073º do Código Civil e as obras ilícitas que pela sua gravidade afectem a estrutura do edifício ou ponham em causa a divisão interna facultam ao senhorio o exercício do direito de resolução do contrato, convocando para tanto a solução do RAU, em cuja vigência se entendia que as obras, sendo no exterior, haveriam de alterar a estrutura do prédio e, sendo internas, poriam em causa a divisão existente, atendendo também as deteriorações consideráveis no locado que extravasassem o desgaste de uma prudente utilização – cf. op. cit., pág. 321.
Já Luís Menezes Leitão afasta essa exigência considerando que o fundamento da resolução consistente na realização de obras e deteriorações no prédio se alargou, abrangendo todas aquelas que não sejam permitidas pelas disposições legais, independentemente das suas características, o que justifica com o facto de o arrendatário só limitadamente ter poderes de transformação da coisa locada, sendo este “um acto absolutamente reservado ao proprietário”, daí que a sua realização constitua uma infracção contratual que determina a resolução do contrato, por nesses casos ser manifestamente inexigível ao senhorio a sua manutenção – cf. op. cit., pág. 146.
A sanção – resolução do contrato – para a realização de obras não autorizadas ou ilícitas tem que ver com a obrigação, que recai sobre o arrendatário, de fazer do prédio uma utilização prudente, como decorre do consignado nos art.ºs 1038º, d) e 1043º, n.º 1 do Código Civil – cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 3ª Edição Revista e Actualizada, pág. 393.
Justifica-se tal sanção pela circunstância de tais obras consubstanciarem um direito de disposição e de transformação que é próprio do direito de propriedade, o que sempre se teria de considerar ocorrer com a criação de uma estrutura ex novo no pátio/logradouro pertencente à fracção arrendada, que descaracteriza, como é evidente a natureza daquele espaço, a que acresce a finalidade nele desenvolvida, consistindo, claramente, num uso não autorizado do locado e numa sua utilização imprudente.
Improcede, assim, a argumentação recursória do recorrente, devendo manter-se inalterada a decisão recorrida no que concerne à resolução do contrato de arrendamento.
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3.2.4. Do abuso de direito
Quer na sua contestação, quer agora em sede de alegações, o recorrente pretende ver reconhecido o exercício abusivo pelos autores do direito à resolução do contrato de arrendamento por terem conhecimento da sublocação a terceiros, que já se encontrava dividido em quartos à data da sua celebração, para além de saberem que aquele vivia em economia comum com outras pessoas.
A decisão recorrida apreciou a questão nos seguintes termos:
“O que o Réu invoca é que os AA agem em abuso de direito, pois apesar do contrato o proibir e apesar de este exigir autorização escrita, os AA desde o início sabiam que o réu recebia hóspedes, consentiram e autorizaram, agindo de forma contrária à boa fé invocando a cláusula contratual em questão.
Acontece que o Réu nada provou a este respeito.
O abuso de direito funciona como uma válvula de escape do sistema, no sentido de impedir um resultado injusto, ofensivo à boa fé, que choque o sentimento de justiça de uma comunidade: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.” – art.º 334º do CC.
O abuso do direito visa para sancionar condutas antijurídicas e só intervém quando por outro modo não é possível reprovar tais condutas ou quando, por outro lado, a censura de certa actuação como abusiva importa um manifesto ou inequívoco excesso, ou seja, que esse exercício ofenda ostensivamente o sentimento jurídico prevalecente na colectividade ou o sentimento jurídico socialmente dominante, e não apenas que do exercício de um direito subjectivo possam resultar prejuízos para outrem.
O direito é exercido abusivamente quando visa finalidade diversa do fim da sua atribuição pelo direito objectivo, de modo que apenas formalmente com este se conforma. É que os direitos subjectivos são atribuídos com determinada finalidade, como meios ou instrumentos de satisfação de interesses ou necessidades pessoais. Se não é essa a finalidade que preside ao seu exercício, significa que o titular não está a exercê-lo de acordo com a lei e, havendo prejuízo para terceiro, nessa situação, pode ser sancionada a sua actuação, nomeadamente ver recusado o objectivo visado com esse concreto exercício.
Com a censura do exercício abusivo do direito não se visa suprimir o direito, mas impedir que o respectivo titular o exerça numa direcção ilegítima. O que se procura é que o titular do direito o exerça em termos adequados a “um salutar equilíbrio de interesses, requerido pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico do direito”.
Uma das formas mais expressivas do abuso do direito reside na adopção de condutas contraditórias ou no chamado venire contra factum proprium, em que um sujeito de direito, adoptando determinada conduta vinculante quanto ao modo de agir futuro, geradora de legítima confiança na contraparte, e que, por isso e de boa fé, investe nessa confiança, programando a sua vida e tomando decisões, vem, no futuro, a adoptar conduta contrária ou diversa daquela que inspirou essa legítima confiança. Mas a confiança digna de tutela tem de basear-se em “algo de objectivo: numa conduta de alguém que de facto possa ser entendida como tomada de posição vinculante em relação a data situação futura (cfr. Baptista Machado, “Tutela da Confiança e venire contra factum proprium”, na RLJ, 118/171). Daí que se considere que ofende a boa fé a conduta daquele que, adoptando na relação determinada posição vinculante quando ao modo de agir futuro, vem a actuar contrariamente a essa posição, frustrando as legítimas expectativas da outra parte que adquiriu convicção fundada de que aquele não viria a adoptar conduta contraditória.
Ora, foi exactamente aí que o Réu falhou: não demonstrou essa conduta contraditória por parte dos AA e cabia-lhe, sem dúvida, provar os factos que integravam esta excepção.”
A análise efectuada é correcta e bastamente fundamentada, falhando, como ali se dá conta, a verificação dos pressupostos do exercício abusivo do direito que os autores aqui vieram exercer, pelo que improcede, também neste ponto, a pretensão recursória.
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3.2.5. Da litigância de má-fé
O Tribunal recorrido sancionou o réu no pagamento de uma multa equivalente a 3 UCs por litigância de má-fé, o que justificou nos seguintes termos:
“Nos termos do disposto no art.º 542º do CPC, age como litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, deduz oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (nº 2, al. a)), altere a verdade dos factos ou omita factos relevantes para a decisão da causa (al. b)) e ainda quem tenha feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou, protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (al. d)).
No que diz respeito à litigância de má fé, considerando que a conduta processual do R (contestando e reconvindo, o que é seu direito, mas invocando excepções que não provou e deduzindo pedido reconvencional inadmissível), protelando o desfecho da causa, não produzindo qualquer prova dos factos que alegou, considero que se justifica sancionar este tipo de conduta, pelo que se mostra adequado condenar o R na multa correspondente a 3 uc’s a título de litigância de má fé.”
O recorrente pretende alcançar a revogação deste segmento da decisão referindo que não agiu com intenção dolosa ou gravemente negligente, não existindo qualquer abuso processual, mas apenas o exercício dos seus direitos processuais, tendo deduzido a sua defesa acreditando ter fundamento legal e factual para a sustentar e ainda que não o tenha conseguido provar não significa que tenha agido de má-fé.
Os autores/recorridos entendem que o réu deduziu contestação cuja falta de fundamento deveria conhecer e vem agora interpor recurso com vista a protelar o trânsito em julgado da decisão, o que constitui mais uma justificação para a sua condenação.
O art.º 542º, n.º 1 do CPC prevê a possibilidade de a parte ser condenada em multa quando tenha litigado de má-fé.
Litigante de má-fé será aquele que, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão – cf. n.º 2 do art.º 542º do CPC.
A litigância de má-fé exige que se verifique por parte do litigante dolo ou negligência grave, isto é, pressupõe a consciência de que se não tem razão; é necessário que a parte tenha agido com intenção maliciosa, e não apenas com leviandade ou imprudência.
Tal não significa que a parte deva assumir um comportamento processual contrário ao seu interesse, ou seja, que não possa deduzir oposição a pretensão alheia quando entenda que lhe assiste razão.
A tutela jurisdicional está à disposição de todos os titulares de direitos, mas o exercício dos meios processuais deve decorrer de forma sincera, actuando a parte de modo coerente e convencida da sua pretensão.
A norma do art.º 542º, n.º 2 do CPC permite distinguir a má-fé substancial, inerente a uma actuação que se revele pelas condutas descritas nas alíneas a) e b) e a má-fé instrumental, vertida nas alíneas c) e d) do mesmo artigo.
Contudo, em qualquer dessas situações há que estar presente uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, sendo próxima de uma actuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reacção punitiva.
Como se explana no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-11-2020, 279/17.9T8MNC-A.G1.S1:
“A conduta do agente deve apresentar-se como contrária a um padrão de conformidade da ação pessoal do sujeito processual com o dever de agir de acordo com a juridicidade e a lei. “A má fé processual (...) é toda a atividade desonesta, cavilosa, proteladora (para cansar o adversário) unilateral ou bilateral, verificada no exercício do direito de ação, quando desenvolvida com a intenção de prejudicar outrem, quer ela respeite ao mérito da causa (lide caluniosa, fraudulenta, etc.) quer às medidas instrumentais, desde que seja ilícita, isto é violadora das normais gerais e específicas da conduta processual, tendentes a criar as condições favoráveis a uma boa e justa decisão do pleito.”
A condenação como litigante de má-fé assenta, pois, num juízo de censura sobre um comportamento que se revela desconforme com um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de direito.”
É sabido que a matéria atinente à litigância de má-fé assume natureza delicada e de difícil discernimento em face do próprio facto de que a contenda processual acarreta sempre a instauração de um conflito de interesses em que, por norma, cada uma das partes está convicta da sua verdade.
Assim, a censura tem se basear na ofensa de valores éticos que decorra de uma actuação com dolo ou negligência grave aquando da dedução de pretensão cuja falta de fundamento a parte não devia ignorar ou tiver feito do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal.
A condenação por litigância de má-fé exige prudência por parte do Tribunal e cuidada ponderação dos factos patenteados nos autos.
Na situação sub judice os trâmites processuais decorreram de modo normal, sem dedução de requerimentos infundados ou protelamento indevido das intervenções e diligências agendadas, não se detectando, por outra via, qualquer omissão do dever de cooperação por parte do réu ou que este tenha utilizado os meios processuais à sua disposição para alcançar um objectivo ilegal ou impedir a descoberta da verdade, tendo apenas exercido os direitos que a lei lhe concede, designadamente, apresentando a sua contestação, deduzindo as excepções que entendeu que ao caso cabiam e formulando um pedido reconvencional, sucedendo apenas que não logrou obter êxito nas suas pretensões, mas daí não decorre, de modo imediato, a total ausência de fundamento ou uma intenção maliciosa ou gravemente negligente.
Por outro lado, ainda que não tenha logrado demonstrar a totalidade dos factos que alegou e não obstante ter reconhecido a existência de sublocação, não deixou de a enquadrar num contexto factual que, efectivamente, não provou, mas isso não significa que tenha alterado a verdade dos factos ou que a sua defesa fosse destituída de toda e qualquer probabilidade de sucesso, sendo legítimo que a tenha exercido visando obstar ao efeito pretendido pelos autores com a presente acção e, posteriormente, com a interposição do presente recurso, onde se limitou a tentar demonstrar o erro de apreciação da prova pelo tribunal recorrido que, a ter ocorrido, poderia modificar o desfecho da causa.
Não se detecta, assim, seja em face dos factos provados, seja pela tramitação processual ocorrida, qualquer elemento factual que autorize a afirmar que o réu actuou com dolo ou negligência grave, pelo que não se justifica a sua condenação como litigante de má-fé.
Procede, pois, nesta parte, o recurso, devendo ser revogado o segmento da decisão recorrida que condenou o recorrente no pagamento da multa equivalente a 3 UCs como litigante de má-fé.
* Das Custas
De acordo com o disposto no art.º 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art.º 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
O presente recurso procede parcialmente, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a cargo do réu/apelante e dos autores/apelados, na proporção do respectivo decaimento.
* IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
a. revogar a decisão recorrida na parte que condenou o réu B como litigante de má-fé no pagamento de multa correspondente a 3 UCs;
b. manter inalterada, quanto ao mais, a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante e dos apelados, na proporção do respectivo decaimento.
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Lisboa, 4 de Fevereiro de 2025 Micaela Marisa da Silva Sousa Carlos Oliveira Edgar Taborda Lopes
_______________________________________________________ [1] Não se transcrevem as transcrições dos depoimentos convocados para alteração da matéria de facto porquanto apenas devem ser referidos na motivação do recurso e não nas respectivas conclusões – cf. art.º 640º do CPC. [2] Adiante designado pela sigla CPC. [3] Esta alínea estava identificada como sendo a alínea g) em ordem não sequencial, pelo que se alterou a sua denominação para e)1. [4] Introduziu-se a numeração para tornar perceptíveis quais os factos impugnados. [5] Acessível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem. [6] O facto a que o apelante se reporta é aquele que foi redenominado como alínea e)1. [7] Cf. Ref. Elect. 430783617. [8]In Revista Julgar N.º 19, 2013. [9] Adiante designado pelo acrónimo RAU. [10] Adiante designado pela sigla NRAU. [11] Precisamente a crítica apontada por Luís Menezes Leitão a tal posição. [12]In Código Civil Anotado, Volume III – Contratos em Especial, 2014, pág. 262.