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PRESTAÇÃO DE BENS E SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES
CONTRATO
CLÁUSULA PENAL
DESPROPORCIONALIDADE
NULIDADE
CONHECIMENTO OFICIOSO
Sumário
(art.º 663º nº 7 do CPC) – Da responsabilidade exclusiva do relator) 1. A cláusula que confere à empresa prestadora de serviços de telecomunicações, em caso de resolução do contrato por incumprimento do cliente (“não consumidor”) durante o período de fidelização (no caso fixado em 36 meses), o direito a receber antecipadamente, e na íntegra, o valor das prestações contratuais mensais devidas até ao termo desse prazo, sem que, do contexto do contrato, resulte a entrega de equipamento devidamente quantificada, a compensar com o pagamento das prestações vincendas, nem que tivesse sido atribuído qualquer outro benefício, relevante e quantificado, a compensar nos mesmos termos, é nula nos termos do Art.º 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, por consagrar cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir. 2. Essa nulidade é de conhecimento oficioso, como resulta da remissão implícita do Art.º 12.º do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10 para o Art.º 286.º do C.C.. 3. A proibição de cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir, consoante o quadro negocial padronizado, estabelecida no Art.º 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, deve ser interpretada, em coerência interna de todo o sistema, de acordo com os critérios de cálculo da indemnização penal entretanto aprovados pela Lei n.º 16/2022 de 16/8, decorrente da remissão do seu Art.º 128.º n.º 9 para o Art.º 136.º n.º 4, al.s a) e b), subalínea i), de modo a que os encargos com a fidelização não possam exceder uma percentagem de 50% do valor das mensalidades vincendas.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I- RELATÓRIO
A Nos Comunicações, S.A. intentou a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra Importantdimension - Unipessoal, Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €5.851,04, acrescida de juros de mora atá efetivo e integral pagamento.
Alega, para tanto, que as partes celebraram um contrato de prestação de bens e serviços de telecomunicações, tendo a A., no âmbito de tal contrato, prestado à R. os serviços contratados, emitindo e remetendo as respetivas faturas, que a R. não liquidou.
Acresce que a R. vinculou-se a manter o contrato por um determinado período de tempo, o que não cumpriu. Pelo que está obrigada a indemnizar a A..
Por fim alega ter tido despesas com as tentativas de cobrança da divida.
Citada, a R. não contestou.
Por despacho foram julgados por confessados os factos alegados pela A., nos termos do Art.º 567.º n.º 1 do C.P.C., ordenando-se, de seguida o cumprimento do n.º 2 do mesmo preceito.
A A. alegou no sentido da procedência da ação e, de seguida, veio a ser proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente por provada, condenando a R. a pagar à A. a quantia de €1.228,88, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data de vencimento de cada uma das faturas até efetivo e integral cumprimento, contabilizados à taxa comercial sucessivamente em vigor, absolvendo a R. do demais peticionado.
É dessa sentença que a A. vem agora recorrer, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
1. A decisão recorrida, que absolveu do pedido no montante relativo à cláusula penal por incumprimento do período de manutenção do contrato, é nula, por erro de julgamento e por violação dos deveres de gestão processual, do contraditório e da igualdade das partes, e carece de fundamento, devendo ser revogada.
2. A sentença recorrida errou no julgamento, distorcendo a realidade factual, uma vez que, não obstante o alegado na PI e demonstrado por documento, não considerou, no enquadramento jurídico e na decisão, a totalidade das obrigações que resultaram do contrato para a Recorrida, desde logo, a obrigação de manter o contrato pelo período acordado e a obrigação de pagar a cláusula penal em caso de incumprimento.
3. A sentença recorrida errou no julgamento, apreciando a questão em desconformidade com a lei, uma vez que considerou como pressuposto um segmento da legislação relativo à figura do consumidor, quando a Recorrida é uma pessoa coletiva,
4. O pedido formulado nos autos não foi contestado, nem foi solicitado pelo Tribunal recorrido qualquer esclarecimento ou ordenado o aperfeiçoamento da PI. Pelo que, caso existissem insuficiências sobre factos essenciais à causa não poderia o Tribunal a quo deixar de usar do dever de gestão processual previsto na lei, convidando ao seu suprimento. Não o tendo feito, o que constitui uma violação do que a Lei consagra.
5. Ademais e tendo o Tribunal a quo considerado confessados os factos articulados na PI e convidado a Recorrente a apresentar alegações nos termos do art.º 567º do CPC, declarou que poderia conhecer, imediatamente, do mérito da causa, sem necessidade de mais esclarecimentos ou provas. De outro modo e caso considerasse que a Recorrente teria de fazer prova sobre matéria de facto essencial à causa, não poderia deixar:
- de notificar a Recorrente sobre a possibilidade de conhecer do mérito da causa e para se pronunciar sobre a eventual improcedência da cláusula penal, por falta de alegação e/ou prova;
- de marcar audiência final, para que a Recorrente tivesse oportunidade de nela fazer toda a prova dos fundamentos da ação.
6. Não o tendo feito, o Tribunal recorrido violou o princípio do contraditório, tendo proferido uma decisão surpresa, e o princípio da igualdade das partes, já que decidiu em momento processual anterior ao julgamento e em claro benefício do Recorrido.
7. O tribunal recorrido decidiu sem fundamento e errou na determinação da norma aplicável e na qualificação jurídica dos factos, porquanto:
- a Recorrente alegou e peticionou uma cláusula penal por incumprimento do período de manutenção do contrato, concretizando o seu montante;
- a cláusula penal e respetivo montante não foram questionados pela Recorrida;
- nem o Tribunal a quo solicitou qualquer esclarecimento ou aperfeiçoamento;
- e não preenchendo a Recorrida o conceito de consumidor, também não está em causa nos autos a cessação do contrato por sua iniciativa, tendo em vista a mudança de prestador de serviços;
- não estando em causa nos autos, contrariamente ao decidido, a disciplina do art.º 48 da Lei 5/2004;
- sendo certo que, tratando-se a Recorrida de uma empresa, com objetivo de lucro, na eventualidade das condições contratuais não lhe serem favoráveis, não celebraria um contrato com a Recorrente com obrigação de permanência, nem assumiria o seu cumprimento.
De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão recorrida
- é nula, por erro de julgamento (art.º 608º do CPC) e por violação dos deveres de gestão processual (art.º 6º do CPC), do contraditório (art.º 3º do CPC) e da igualdade das partes (art.º 4º do CPC);
- carece de fundamento e deverá ser reformada, por erro na determinação da norma aplicável e na qualificação jurídica dos factos.
Pede assim que seja declarada nula a sentença e substituída por decisão que condene na totalidade do pedido.
Não houve resposta ao recurso assim interposto.
O Mmo. Juiz a quo, ao admitir o recurso, em observância do Art.º 617.º n.º 1 do C.P.C., deixou consignado o seguinte: «A autora interpôs recurso de apelação e invoca que a sentença é nula, por erro de julgamento e por violação dos deveres de gestão processual, do contraditório e da igualdade das partes, e carece de fundamento, devendo ser revogada. «Pois bem, entende-se que as nulidades invocadas não se verificam, sendo os fundamentos invocados mera discordância do teor da decisão. «Posto isto, de acordo com o disposto no artigo 641º, n.º 1 do Código de Processo Civil entende-se não se verificar qualquer das nulidades invocadas nem aquelas previstas no artigo 615º, n.º 1, do mesmo Código, remetendo-se para os fundamentos que constam da decisão recorrida. «Assim sendo, mantenho a decisão recorrida». *
II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, em termos sucintos, as questões a decidir são as seguintes:
a) A nulidade da sentença; e
b) A dívida pela indemnização contratual penal relativa ao período de fidelização convencionado no contrato de prestação de serviços de telecomunicações.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso não discriminou a factualidade que julgou por provada, mas consignou que julgou por provados os factos alegados na petição inicial.
Importa assim ter em consideração que a A. alegou na petição inicial o seguinte:
1. Entre A. e R. foi celebrado, em 28.12.2021, um contrato para prestação de bens e serviços de telecomunicações a que foi atribuído o número de conta cliente / contrato 1.67256334. - (cfr. artigo 1.º da petição inicial).
2. No âmbito do referido contrato solicitou o R. à A. a prestação dos serviços NOS Central Pro (Fila de Espera + Grupo Atendimento)
- Morada: Rua ...Alcochete – 1x telefone fixo (1.000Min Redes Nacionais) + 2x PlanoMobilidade 4GB 6000min/SMS + 1x PlanoMobilidade 6GB 8000min/SMS + NOS Wi Fi Pro (1 access point) + TV UMA 4K + SPT
- Morada: Avenida ...Amora – 1x telefone fixo (1.000Min Redes Nacionais) + internet fixa 200Mbps/100Mbps, nos demais termos constantes da proposta contratual, cuja cópia se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos. - cfr. doc. 1. - (cfr. artigo 2.º da petição inicial).
3. Como contrapartida do fornecimento dos serviços e das demais ofertas contratuais, assumiu a R. a obrigação de proceder ao pagamento tempestivo das faturas, a devolver, no termo do contrato, os equipamentos da A. instalados na sua morada para receção dos serviços e a manter o contrato pelo período nele acordado (vg. período de permanência). - (cfr. artigo 3.º da petição inicial).
4. Mais, convencionaram as partes que, em caso de incumprimento do período de permanência, seria devido pela R. um valor indemnizatório, a título de cláusula penal. - (cfr. artigo 4.º da petição inicial).
5. Após a celebração do contrato a A. iniciou a prestação dos serviços, emitindo, mensalmente, as faturas correspondentes, todas enviadas à R. e sem que nenhuma tivesse sido devolvida- (cfr. artigo 5.º da petição inicial).
6. Pelo facto de a R. não ter pago as faturas, apesar de interpelado para o efeito, a A. suspendeu os serviços e rescindiu o contrato, por perda de interesse na sua manutenção, tendo reclamado da R. o valor da cláusula penal contratual - (cfr. artigo 6.º da petição inicial).
7. Das faturas emitidas e vencidas permanece em dívida as seguintes, que totalizam €5.144,10:
- Fatura n.º FT 202312/125488, no valor de €326,32, emitida em 07.03.2023 e vencida em 27.03.2023, fatura relativa à mensalidade e serviços de Fevereiro de 2023 - doc. 2;
- Fatura n.º FT 202312/171965, no valor de €393,95, emitida em 07.04.2023 e vencida em 27.04.2023, fatura relativa à mensalidade e serviços de Março de 2023 - doc. 3;
- Fatura n.º FT 202312/217562, no valor de €352,27, emitida em 08.05.2023 e vencida em 28.05.2023, fatura relativa à mensalidade e serviços de Abril de 2023 - doc. 4;
- Fatura n.º FT 202312/263242, no valor de €4.068,56, emitida em 07.06.2023 e vencida em 27.06.2023, fatura relativa à mensalidade e serviços de Maio de 2023 e que inclui o valor da cláusula penal contratual, de €3.180,66 + IVA - doc. 5;
- Fatura n.º FT 202312/308320, no valor de €3,00, emitida em 07.07.2023 e vencida em 27.07.2023, fatura relativa a encargos contratuais decorrentes do atraso no pagamento - doc. 6. - (cfr. artigo 7.º da petição inicial).
8. Não tendo a R. pago as faturas em dívida - (cfr. artigo 8.º da petição inicial – parte factual).
9. A A. teve de suportar encargos com as tentativas de cobrança da dívida em fase prévia à entrada da ação e na instrução da ação, que contabilizou em €594,00 - (cfr. artigo 9.º da petição inicial – parte factual).
Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Delimitadas as questões a apreciar no presente recurso, iremos então delas tomar conhecimento pela sua ordem de precedência lógica, começando pela questão prévia da nulidade da sentença.
1. Da nulidade da sentença.
Sustenta a Recorrente que a sentença recorrida é nula, sem especificar que concreta alínea do Art.º 615.º n.º 1 do C.P.C. foi violada, defendendo ao longo das suas alegações de recurso que houve erro de julgamento, porque se considerou que apenas havia sido acordada a prestação de serviços contra a entrega do correspetivo preço, quando também havia sido acordada a cláusula penal em caso de violação do período de fidelização, sendo que a R. é uma sociedade comercial que não preenche o conceito de consumidor e, por isso, não pode beneficiar do disposto no Art.º 48.º da Lei n.º 5/2004 como decidido na sentença recorrida. Por outro aldo, defendeu que houve violação dos deveres de gestão processual, do contraditório e da igualdade das partes, pois o Tribunal não solicitou à Recorrente qualquer esclarecimento, nem ordenou o aperfeiçoamento da petição inicial, nomeadamente quando considerou que a A. nem sequer alegou a existência de um período de fidelização, acabando por negar a aplicação do efeito cominatório estabelecido no Art.º 567.º n.º 1 do C.P.C. para a falta de contestação do R.. Finalmente, sustentou que havia falta de fundamento para a decisão que veio a ser proferida, quando na sentença se refere que a validade da cláusula penal estaria dependente duma contrapartida concedida ao consumidor, não tendo sequer sido alegado que custos a A. teria tido com a instalação dos equipamentos, nem que os valores peticionados são proporcionais a uma eventual vantagem que tenha sido conferida à R., o que foi feito sem ter em consideração que o contrato, junto ao autos como documento n.º 1, tinha efetivamente um período de fidelização, sendo que o Tribunal também não solicitou qualquer esclarecimento ou aperfeiçoamento à petição.
Feito este resumo das razões expedidas nas alegações de recurso, facilmente se compreende o motivo pelo qual não foi indicada nenhuma das alíneas do Art.º 615.º do C.P.C. como fundamento legal da nulidade da sentença recorrida. É que, na verdade, o presente recurso mais não é que um exercício da expressão do inconformismo da Recorrente relativamente ao sentido final da decisão recorrida, suportado na consideração de que houve um erro de julgamento e não, propriamente, que se verificou qualquer nulidade da sentença propriamente dita.
Para se compreender o verdadeiro sentido dos vícios previstos no Art.º 615.º do C.P.C., importa recordar o que a seu propósito escrevia Alberto dos Reis. Dizia esse insigne jurista (in “Código de Processo Civil A Anotado”, Vol. V, pág. 122) que: «Temos (…) dois tipos de sentença viciada: a sentença injusta e a sentença nula. A primeira enferma de erro de julgamento; a segunda de erro de atividade (erro de construção ou formação)». Ora, como realçava Antunes Varela, a este mesmo respeito (in “Manual de Processo Civil”, 2.ª Ed., revista e atualizada, pág. 686): «não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, ou o erro na construção do silogismo judiciário». Ocorre que é isso mesmo que a Recorrente pretende evidenciar nas suas alegações de recurso: que a sentença é injusta, porque houve erro de julgamento e a decisão não é conforme com o direito aplicável. O que é um vício completamente distinto daqueles que são previstos nas várias alíneas do Art.º 615.º do C.P.C.. Cum grano salis poderia, ainda assim, apelar-se à aplicação ao caso do disposto no Art.º 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C., na parte em que se estabelece que a sentença é nula quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, pois é sustentado que foi violado o princípio do contraditório e da igualdade das partes, sendo devidas diligências prévias, alegadamente omitidas, relativamente à tomada de decisão de conhecer o mérito da causa.
Esse vício que está relacionado com o disposto no Art.º 608.º n.º 2 do C.P.C. no segmento em que determina que: «O juiz (…) não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras». Mas temos de realçar que o que a lei processual aí prevê é um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença. Nesse contexto, há excesso de pronúncia, que é o vício previsto na 2.ª parte da al. d) do n.º 1 do Art.º 615.º do C.P.C., quando o juiz se ocupa de questões que as partes não tenham suscitado, porque não se suportem nos factos ou no direito relativo à causa de pedir e ao pedido em que se centra o objeto do litígio.
Importa ter em consideração que é verdade que o concreto período de fidelização não foi alegado na petição inicial, tal como é referido na sentença, mas ainda assim foi junto aos autos o contrato celebrado entre as partes, o qual foi dado por provado no artigo 1.º da petição inicial e dado por integralmente reproduzido no artigo 2.º do mesmo articulado. Tal como foi alegado que foi convencionado que, em caso de incumprimento do período de permanência, seria devido pela R. um valor indemnizatório, a título de cláusula penal, conforme consta do artigo 4.º da petição inicial. Ao que acresce que foi alegado que o contrato foi rescindido por incumprimento da R., no artigo 6.º da petição inicial, tendo também sido especificado qual o valor devido, através da fatura n.º FT 202312/263242, junta como documento n.º 5, emitida em 07.06.2023 e vencida em 27.06.2023, que inclui o valor da cláusula penal contratual de €3.180,66 + IVA (cfr. artigo 7.º da petição inicial).
Portanto, os autos forneciam todos os elementos de facto que permitiram o conhecimento do mérito da causa relativamente à cláusula penal, não se justificando qualquer esclarecimento ou convite ao aperfeiçoamento da petição inicial.
Por isso mesmo, a questão, tal como suscitada, será apenas configurável como erro de julgamento e não como uma situação de alegada nulidade por excesso de pronúncia, pois não pode ser negado que fazia parte da causa de pedir a existência duma cláusula penal indemnizatória em caso de “incumprimento do período de permanência”. O que não quer dizer que, só por esse facto, a ação teria de proceder necessariamente nessa parte.
Ou seja, uma coisa é o conhecimento do mérito da ação, no que em concreto se refere à pretensão relacionada com a existência duma cláusula penal, e outra é a nulidade formal da sentença.
A nosso ver, é claro que a sentença poderia, e deveria conhecer sobre o mérito dessa questão, sem que se pudesse dizer que haveria excesso de pronúncia por ter dela conhecido em sentido desfavorável ao A., apesar da ação não ter sido contestada.
Claro que se se concluir que decidiu essa questão incorretamente, a consequência jurídica daí decorrente não é a nulidade, mas sim a revogação da sentença e substituição da decisão final por outra que seja conforme ao direito aplicável.
A não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença (cfr. Ac. do TRL de 17 de maio de 2012 – Proc. n.º 91/09.9T2MFR.L1-6 – Relator: Gilberto Jorge, disponível em www.dgsi.pt).
Em face de todo o exposto, improcedem as conclusões que sustentam a nulidade da sentença recorrida.
2. Daindemnização contratual penal relativa ao período de fidelização convencionado no contrato de prestação de serviços de telecomunicações.
A Recorrente visa pelo presente recurso pôr em causa a parte da sentença recorrida que absolveu a R. do pedido de indemnização por referência a cláusula contratual penal.
A sentença também absolveu a R. da parte do pedido relativa ao reembolso das despesas de cobrança do crédito, que considerou apenas serem devidas em regra de custas, mas sobre essa matéria não foram apresentadas quaisquer conclusões, sendo a motivação do recurso completamente omissa a seu respeito, pelo que se pressupõe que não faz parte do objeto do recurso.
Visto isto, a sentença recorrida absolveu a R. do pedido de indemnização contratual penal, considerando que o contrato celebrado entre as partes é regidos pela Lei n.º 23/96, de 26/07, denominada “Lei dos Serviços Públicos” e, simultaneamente, por se mostrar abrangida pela tutela específica da Lei das Comunicações Eletrónicas (Lei n.º 5/2004, de 10/02), que estabelece normas de proteção dos utentes de serviços relativos a comunicações eletrónicas.
No que concretamente se refere à pretensão fundada na cláusula penal, consignou o seguinte: «(…) a autora alega que a ré se vinculou a manter o contrato por um período que a autora, porém, não logrou alegar, o que lhe incumbia. «Não tendo a autora alegado o período de fidelização contratado entre as partes, o que constitui matéria de facto essencial à causa de pedir, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, terá que improceder o pedido a este respeito. «Acresce que a validade da cláusula penal invocada está dependente da mesma ter como contrapartida um benefício concedido ao consumidor, tal como expressamente previsto no artigo 48.º da Lei n.º 5/2004. «No caso dos autos, a autora, porém, também não logrou alegar nem demonstrar quais os custos que teve com a instalação nem que os valores peticionados são proporcionais a uma eventual vantagem que tenha sido conferida à ré. «Tais factos são essenciais para a procedência da pretensão da autora nesta parte e não foram alegados pela autora, ónus que lhe incumbia nos termos do artigo 5º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Não tendo a autora alegado quais os custos que suportou com a instalação nem quantificado as vantagens que foram conferidas à ré pela celebração do contrato com período de fidelização, não pode exigir da ré uma indemnização pela cessação antecipada do contrato com base na cláusula penal constante do contrato. «Assim, não tem a autora direito a exigir da ré qualquer indemnização por incumprimento contratual. «Deverá, posto isto, a ré ser absolvida do pagamento à autora dos valores peticionados a título de cláusula penal indemnizatória».
Ocorre que, como já vimos no ponto anterior, a A. alegou a celebração do contrato entre as partes, juntando o respetivo documento, que até é dado integralmente reproduzido no artigo 2.º da petição inicial, sendo que nos artigos 4.º, 6.º e 7.º, do mesmo articulado, não só se refere à cláusula penal e ao que a mesma se reporta, como alega pressupostos de facto do seu funcionamento, acabando por quantificar a correspondente responsabilidade. Pelo que, não poderia o Tribunal a quo partir do entendimento de que, por falta de alegação do concreto período de fidelização, não poderia proceder essa pretensão.
É que, veja-se, que no documento n.º 1, junto com a petição inicial, está explicitado que o “período de permanência” era de “36 meses” – ou seja, 3 anos –, sendo que o contrato foi assinado a 28/12/2021 (cfr. facto provado 1, que emerge do artigo 1.º da petição inicial - confessado nos termos do Art.º 567.º n.º 1 do C.P.C., mesmo sendo certo que a data de celebração do contrato não seja concretamente indicada nesse documento junto aos autos).
Acresce que, na cláusula 4 das condições gerais desse contrato consta que: «4.1 O contrato ficará sujeito a um prazo mínimo de duração inicial coincidente com o período de fidelização indicado nas condições específicas ou no Formulário e cuja existência, no caso do Cliente consumidor, depende da atribuição de qualquer vantagem, identificada e quantificada associada à substituição de equipamentos terminais, à instalação, ativação do serviço, ofertas, descontos ou a outras condições promocionais (…)» «4.2 Na falta de indicação de qualquer período de fidelização ou no caso de se verificar qualquer irregularidade na sua indicação, o Contrato fica sujeito a um prazo mínimo de duração inicial de 1 (um) mês, sendo automaticamente renovável nos termos da cláusula 4.1. «4.3 Durante a vigência do período de fidelização, o Cliente está obrigado a manter ativo o plano tarifário que subscreveu e, sempre que esse plano exija recarregamentos mínimos obrigatórios, a realizá-los nos termos e pelo período previamente definidos».
Na cláusula 14 é ainda estabelecido que: «Em caso de resolução do contrato pela NOS no decurso do prazo fixado nos termos da cláusula 4.1. com fundamento no incumprimento do Cliente, bem como no caso de cessação antecipada do Contrato durante o período de fidelização, por iniciativa do Cliente, este ficará obrigado a pagar à NOS uma compensação calculada nos termos indicados no Formulário ou nas Condições Específicas, sem prejuízo do direito a eventuais valores vencidos e juros moratórios».
Sendo ainda que, das “Condições específicas para a prestação de serviços de comunicações eletrónicas e serviços conexo”, na cláusula 3.2., consta ainda: «3.2. No caso de o cliente não cumprir pontualmente o contrato, a NOS poderá (…) suspender o serviço e exigir o pagamento antecipado das mensalidades vincendas que seriam devidas até ao fim do prazo contratado (…)».
Na cláusula 3.3. ainda se permite o restabelecimento do serviço se o cliente efetuar o pagamento dos montantes em atraso. Mas, se o não fizer em tempo, o incumprimento considera-se definitivo e o contrato extinguir-se-á (cfr. cláusula 3.4), estabelecendo-se depois, na cláusula 3.5, que: «3.5. A extinção do contrato não terá efeitos retroativos, pelo que o disposto nos números anteriores não prejudica o direito da NOS ao pagamento das quantias devidas pela prestação dos serviços até ao momento dessa extinção, e aos montantes de que o cliente beneficiou no pressuposto do cumprimento do prazo contratado (como sejam, taxas de ativação do serviço, portabilidade da numeração, créditos e ofertas concedidos, cedência de equipamentos ou outros), a título de contrapartida pelas condições especiais concedidas associadas ao Serviço e/ou à cedência de equipamento, nem os direitos do cliente sobre o equipamento cedido. (…)».
Veja-se ainda que estão assinadas duas declarações de aceitação do serviço pelo cliente, nos termos das quais se diz: «Confirmo que a intervenção técnica ficou concluída e que o serviço contratado está a funcionar com normalidade. (…) A oferta do serviço de instalação técnica, quando prevista nas condições contratadas, pressupõe o cumprimento do período mínimo de fidelização (…)».
É neste contexto, do assim documentado, que se deve entender o que foi alegado no artigo 4º da petição inicial, no sentido de que foi convencionado que, em caso de incumprimento do período de permanência, seria devido pela R. um valor indemnizatório, a título de cláusula penal.
A tudo acresce que está assente que o contrato foi resolvido, por iniciativa da A., por incumprimento da R. (cfr. artigo 6.º da petição inicial – confessado nos termos do Art.º 567.º n.º 1 do C.P.C.), sendo também facto provado que o valor devido por referência à cláusula penal é de €3.180,66, mais IVA (cfr. artigo 7.º da petição inicial e por referência ao documento n.º 5).
Em todo o caso, entendeu a sentença recorrida que a validade da cláusula penal, pela violação do período de fidelização, estaria dependente de a mesma ter como contrapartida um benefício concedido ao consumidor, tal como é expressamente previsto no Art.º 48.º da Lei n.º 5/2004. Ora, como também entendeu que a A. não alegou, nem demonstrou, quais os custos que teve com a instalação, nem que os valores peticionados são proporcionais a uma eventual vantagem que tenha sido conferida à R., sustentou o entendimento de que não poderia a A. exigir da R. uma indemnização pela cessação antecipada do contrato com base na cláusula penal constante do contrato.
A recorrente não concorda com esta apreciação jurídica, porque a sentença teria partido de um pressuposto, que não demonstra, que é o facto de a R. ser um “consumidor”. Por outro lado, sustenta que também não lhe foi dada oportunidade de alegar e concretizar os benefícios que concedeu à R. por força deste contrato.
Apreciando, temos de referir que o relator já se debruçou sobre estas questões no acórdão de 18 de abril de 2023, proferido no âmbito do processo n.º 10312/22.7T8LSB.L1, do qual resulta o seguinte sumário:
«1. A cláusula que confere à empresa prestadora de serviços de telecomunicações, em caso de resolução do contrato por incumprimento do cliente (“não consumidor”) durante o período de fidelização fixado em 24 meses, o direito a receber antecipadamente e na íntegra o valor das prestações contratuais mensais devidas até ao termo do prazo estipulado, mesmo que a resolução tenha ocorrido logo no princípio do contrato, sem que haja entrega de equipamento a compensar com o pagamento das prestações vincendas, nem que tivesse sido atribuído qualquer outro benefício, relevante e quantificado, a compensar nos mesmos termos, é nula nos termos do Art.º 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, por consagrar cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir. 2. Essa nulidade é de conhecimento oficioso, como resulta da remissão implícita do Art.º 12.º do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10 para o Art.º 286.º do C.C.. 3. Mesmo não sendo aplicável no caso a Lei n.º 16/2022 de 16/8, a proibição de cláusulas contratuais gerais, consoante o quadro negocial padronizado, que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir, estabelecida no Art.º 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, deve ser interpretada atualisticamente, e em coerência interna de todo o sistema, por forma a ser conjugada com os critérios de cálculo da indemnização penal entretanto aprovados pela Lei n.º 16/2022 de 16/8, decorrente da remissão do seu Art.º 128.º n.º 9 para o Art.º 136.º n.º 4, al.s a) e b), subalínea i), de modo a que os encargos com a fidelização não possam exceder, ou o valor das vantagens conferidas ao cliente assinante, ou uma percentagem de 50% do valor das mensalidades vincendas, quando a cessação do contrato ocorrer no primeiro ano de vigência do contrato».
Inevitavelmente iremos seguir a mesma linha de raciocínio no caso concreto.
Assim, devemos partir do pressuposto, já demonstrado, de que estava efetivamente convencionado entre as partes que, em caso de resolução do contrato por iniciativa da A., por incumprimento definitivo da R., sem prejuízo do mais, esta ficava obrigada a pagar àquela as mensalidades vincendas até ao termo do prazo de vigência do contrato.
Cumpre ainda referir que não resulta claro dos documentos juntos à petição inicial se foi entregue “equipamento” à R. na sequência da subscrição destes contratos de adesão.
Foi aposta uma cruz no quadrado onde se pretende identificar “equipamentos”, aí se referindo a “telefone sem fios”, mas não se consegue perceber se esse equipamento foi fornecido pela A. no quadro dos benefícios da fidelização.
Depois, os únicos documentos que se referem a “equipamentos” são os “Relatórios de Intervenção”, aí se fazendo menção a vários equipamentos de “TV”, “Net” e “voz”, descrevendo-se a sua marca, modelo e número de série, reportando-se como única “ação” a respetiva “instalação”, mencionando-se, noutros casos, que estavam sujeitos a “recolha” ou que não estavam sujeitos a recolha.
É nesses documentos que aparece a declaração pré-impressa com os seguintes dizeres: «Confirmo que a intervenção técnica ficou concluída e que o serviço contratado está a funcionar com normalidade. Como tal, não se aplica o direito de livre resolução. A oferta do serviço de instalação técnica, quando prevista nas condições contratadas, pressupõe o cumprimento do período mínimo de fidelização. Autorizo que me sejam cobrados os materiais, equipamentos e/ou serviços adicionais identificados na secção "Custos adicionais" deste documento, caso existam. Fui informado, que tenho de devolver os equipamentos completos (equipamentos e transformadores) que me foram fornecidos, no prazo máximo de 30 dias após a desativação, para evitar custos desnecessários. Pretendo que a NOS recolha os equipamentos de que sou proprietário e que não estão em utilização, podendo a NOS dar-lhes o destino que entender. Pretendo que seja realizada a intervenção técnica que solicitei. Fui informado e aceito que os serviços serão prestados de acordo com as condições gerais e específicas de serviços disponíveis em www.nos.pt e em todos os pontos de venda NOS. Fui informado que, para o bom funcionamento dos serviços NOS, a intervenção técnica nesta morada requer perfurações na parede e/ou remoção de cabos e/ou fixação da antena no local indicado pelo técnico e autorizo o técnico a efetuá-las. Ao dar esta autorização, assumo a responsabilidade por eventuais danos associados a esta intervenção» (cfr. cit. doc. 1 – com sublinhados e negritos nossos).
Acrescente-se ainda que não aparece qualquer fatura relativa ao valor dos equipamentos ou ao valor da instalação técnica, que nos relatórios técnicos seguem sempre com a menção ao custo de “€0,00”, o mesmo se dizendo sobre o valor dos “equipamentos”.
É certo que também se faz menção à oferta de um voucher para equipamento e à oferta duma mensalidade pela adesão ao débito direto e à fatura eletrónica, mas desconhece-se se foi feito uso do voucher, sendo que a oferta da mensalidade é uma cortesia comercial que não está ligada ao fornecimento de equipamentos, mas sim, como resulta dos seus próprios termos, da adesão ao débito direto e à fatura eletrónica.
Não perdendo de vista estes factos documentados, temos de partir da consideração de que, nos termos do Art.º 810.º n.º 1 do C.C., as partes podem efetivamente fixar, por acordo prévio, o montante da indemnização exigível. É o que se chama de “cláusula penal”. A qual está sujeita às regras de forma da obrigação principal, encontrando-se a validade daquela dependente da validade desta última (cfr. Art.º 810.º n.º 2 do C.C.).
O estabelecimento de clausulas penais é assim permitida no quadro da autonomia privada e do exercício da liberdade contratual (cfr. Art.º 405.º n.º 1 do C.C.).
No entanto, o Art.º 811.º n.º 1 do C.C. estabelece a proibição de cumulação da exigência contratual do cumprimento da obrigação principal em conjunto com o pagamento da cláusula penal, ressalvando o caso desta última estar estabelecida para penalizar o atraso da prestação.
Esta ressalva compreende as denominadas “cláusulas penais moratórias” que, nos termos deste preceito, são legalmente exigíveis em conjunto com a obrigação de cumprimento do contrato, na estrita medida em que visam apenas sancionar o atraso no cumprimento da prestação devida. Portanto, o que se proíbe é a cumulação da sanção penal indemnizatória ressarcitória pelo dano contratual positivo com a exigência simultânea do cumprimento do contrato, por tal constituir uma repetição indevida de duas prestações com a mesma finalidade. Neste caso, o credor tem de optar: ou pede a sanção penal convencionada, ou exige o cumprimento do contrato (Vide: Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, Vol. II, 4.ª Ed. Revista e Ampliada, págs. 77 a 78).
A particularidade da cláusula penal aqui convencionada entre as partes é que a sanção indemnizatória coincide precisamente com o dano contratual positivo, sendo certo que o credor (a aqui Recorrente) pede apenas a sanção convencionada, não havendo, por isso, violação do disposto no n.º 1 do Art.º 811.º do C.C..
Do assim já exposto decorre que a estipulação do montante pecuniário devido pela aplicação da cláusula penal pode, em abstrato, destinar-se a determinar as consequências do incumprimento ou da mora no cumprimento de determinada obrigação. Se a quantia pecuniária for estipulada para o caso de não cumprimento, fala-se então em “cláusula penal compensatória”. Já se for estipulada para o atraso no cumprimento, chama-se então em “cláusula penal moratória” (Vide: Calvão da Silva in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 1997, pág. 248).
Quanto à finalidade última das cláusulas penais, Calvão da Silva identifica nelas uma dupla função que lhes está ínsita. Conforme escreve: «Dada a sua simplicidade e comodidade, a cláusula penal é um instrumento de fixação antecipada, em princípio ne varietur, da indemnização a prestar pelo devedor no caso de incumprimento ou mora, e pode ser um eficaz meio de pressão ao próprio cumprimento da obrigação. Queremos com isto dizer que, na prática, a cláusula penal desempenha uma dupla função: a função ressarcidora e a função coercitiva» (Ob. Loc. Cit., pág. 248).
No mesmo sentido, Antunes Varela (in “Das Obrigações Em Geral”, Vol. II, 7.ª Ed., pág. 139 a 140) fala na “função de reforço” ou agravamento da indemnização devida pelo obrigado faltoso, constituindo a cláusula penal uma pena convencional calculadamente superior à que resultaria da lei para estimular de modo especial o devedor ao cumprimento, e ao mesmo tempo pode funcionar como facilitadora do cálculo da indemnização exigível.
Mas, para além deste aspeto funcional de caráter genérico, a doutrina não deixa de identificar também de forma autónoma dois tipos de cláusulas penais distintos: as que se destinam a estabelecer uma penalização por incumprimento, visando incentivar o devedor a cumprir (penalty clause), e as que visam liquidar antecipadamente os danos exigíveis em caso de incumprimento (liquidated damages). A diferença está no facto das primeiras penalizarem o comportamento faltoso do devedor, podendo não ter qualquer relação com os danos sofridos, enquanto as segundas visam, por razões de facilitação da prova, determinar previamente o montante desses danos ou o seu limite mínimo (Vide: Menezes Leitão in “Direito das Obrigações”, Vol. II, 3.ª Ed., pág. 278).
Na verdade, as cláusulas penais podem servir uma infinidade de funções práticas, relembrando que estamos no domínio da liberdade contratual (Art.º 405.º do C.C.) - (vide, a propósito: Almeida Costa in “Direito das Obrigações”, 9.ª Ed., pág.728). Pelo que importará sempre apurar o que concretamente foi convencionado pelas partes e qual a finalidade efetivamente visada prosseguir ao estabelecer determinada penalização contratual.
Uma cláusula penal pode ser convencionada como mera forma de penalização do incumprimento, pode estabelecer apenas um critério indemnizatório pelos danos dele decorrentes, ou servir apenas de forma de compelir o devedor ao cumprimento e, eventualmente, pode também ter todas essas finalidades, em simultâneo, mesmo que com densidades diversas.
Como refere Almeida Costa (Ob. Cit., pág. 737): «Pode convencionar-se a cláusula penal tendo em vista a completa e definitiva inexecução do contrato, nomeadamente da obrigação principal, ou tão-só a infração de uma das suas cláusulas, a simples mora ou atraso no cumprimento e ainda o cumprimento defeituoso (art.º 811.º, n.º 1). Em qualquer dos casos, a cláusula penal, no sistema da nossa lei, avulta como fixação antecipada da indemnização – compensatória ou apenas moratória –, isto é, dirige-se apenas à reparação de danos. Mas nada impede que, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, desempenhe a função coercitiva, destinada a pressionar o devedor ao cumprimento, na medida em que a sua falta autoriza o credor à exigência alternativa de uma prestação mais gravosa. Cabe ainda mencionar, ao lado desses dois tipos de cláusulas penais, um outro com natureza meramente compulsória, que se verifica quando as partes pretendem que a pena acresça à execução específica ou à indemnização calculada nos termos gerais».
Em conclusão, importaria antes de mais interpretar os contratos e determinar qual o sentido das penalizações aí estabelecidas, fazendo uso da “teoria da impressão do declaratário” consagrada no Art.º 236.º do C.C., ponderando os interesses em jogo e o equilíbrio interno das prestações (Art.º 237.º do C.C.) e respeitando fundamentalmente o sentido literal do texto do documento que formalizou a vontade dos contraentes (Art.º 239.º do C.C.), uma vez que não dispomos doutros elementos de facto que nos revelem a vontade real das partes.
Neste contexto, já foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Acórdão de 12/01/2021 - Proc. n.º 1939/15.4T8CSC.L1.S1 – Relator: José Rainho) que: «I - Por cláusula penal entende-se a estipulação em que alguma das partes se obriga perante a outra, antecipadamente a realizar certa prestação para o caso de vir a não cumprir (ou cumprir retardadamente, ou cumprir de forma imperfeita) a prestação principal a que se vinculou. II - Pese embora os arts. 810.º a 812.º do CC conotarem a cláusula penal com uma função puramente ressarcitória (compensatória ou moratória), nada se encontra definitivamente na lei que impeça as partes, no exercício da sua liberdade contratual, de criarem uma cláusula com uma outra função, como seja (i) a de compelir ao cumprimento através da fixação de uma pena ou sanção (cláusula penal compulsória) e que acresce à execução específica da prestação ou à indemnização pelo não cumprimento, ou (ii) a de compelir ao cumprimento através da fixação de uma obrigação de substituição da execução específica da prestação ou da indemnização pelo não cumprimento, valendo essa obrigação de substituição como a forma de satisfação do interesse do credor. III - Para efeitos da interpretação da declaração negocial releva o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia. IV - (i) se a letra da cláusula é expressa ao qualificar como quantia indemnizatória a prestação pecuniária devida em caso de incumprimento do contrato; (ii) se o escopo subjacente à vontade de contratar se logra alcançar através dessa quantia; (iii) se a quantia determinada na estipulação coincide normalmente com o valor do dano expectável, (iv) então é de interpretar a declaração negocial no sentido de se estar perante uma cláusula penal com função meramente indemnizatória (fixação do montante da indemnização exigível), e não perante uma pena destinada a pressionar ao cumprimento».
Ora, no caso concreto, só poderemos relevar que, na parte que aqui nos interessa, as cláusulas 14 e 4.1. das “condições gerais da prestação de serviços e comunicações eletrónicas” visam regular os efeitos da cessação do contrato por “incumprimento do cliente”. Sendo que a remissão dessa cláusula para o ponto 3 das “condições específicas” visa regular a situação concreta do incumprimento do contrato pelo cliente, durante o “período de fidelização”, escalonando as sanções de forma gradativa, começando pela suspensão da prestação dos serviços (cláusula 3.2.), permitindo a retoma dos serviços pelo pagamento das prestações em atraso (cláusula 3.3.), mas culminando na conversão da mora em incumprimento em definitivo (cláusula 3.4) e a consequente extinção do contrato (cláusula 3.5 – supra transcritas).
Existe assim, claramente, uma preocupação de compelir o cliente ao cumprimento do contrato durante o período de fidelização, mediante a ameaça da aplicação da sanção pré-definida, que se converte em definitiva se não houver iniciativa de, tempestivamente, por termo à mora. Portanto, a sanção penal tem uma função coercitiva, mas não deixa também de ter uma função de fixação prévia do valor da reparação devida, ou seja, uma função ressarcitória, tendo por referência o dano contratual positivo.
Como atrás já se foi adiantando, a fixação do valor da indemnização, no quadro duma clausula contratual penal, convencionada pelas partes ao abrigo do Art.º 810.º do C.C., pode não ter uma correspondência exata com o dano visado ressarcir. O que resulta claro, desde logo, do disposto no Art.º 811.º n.º 2 do C.C., quando aí se estabelece que: «O estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se for outra a convenção das partes».
Ainda assim, o mais comum, é que a cláusula penal fixe uma indemnização de valor superior ao dano. O que, como vimos, é perfeitamente lícito. Por um lado, porque o propósito do estabelecimento dessas cláusulas visa evitar a discussão entre as partes sobre o valor exato dos danos verificados. Por outro, porque as funções coercitiva e penalizante da cláusula penal, podem justificar esse efeito na prática.
O único limite legal, previsto no Código Civil, é que o credor não pode exigir uma indemnização que exceda o valor dos prejuízos decorrentes do cumprimento da obrigação principal (cfr. Art.º 811.º n.º 3 do C.C.). O que no caso não se verifica, porque o valor da indemnização será no máximo igual ao dano contratual positivo e, portanto, corresponde economicamente ao valor do cumprimento da obrigação principal, caso o contrato fosse cumprido até ao seu termo.
No entanto, o Art.º 812.º n.º 1 do C.C. permite que a cláusula penal possa ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, sendo nula a cláusula que afaste essa possibilidade. Por outro lado, o Art.º 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10 também estabelece, mesmo no âmbito das “relações entre empresários ou entidades equiparadas”, que: «São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: (…) c) Consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir».
Destas normas não resulta a proibição de que o valor da sanção penal convencionada seja superior ao dano que visa reparar. O que permite é corrigir situações em que a liberdade contratual levou a consequências práticas visivelmente inaceitáveis do ponto de vista do equilíbrio económico das prestações imputadas a cada parte, possibilitando-se a redução do valor fixado, quando ele for manifestamente excessivo (v.g. Art.º 812.º n.º 1 do C.C.), ou considerando nulas as cláusulas que fixem valor de indemnização desproporcionado aos danos visados reparar (v.g. Art.º 12.º, 15.º e 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10).
Por isso, o Supremo Tribunal de Justiça já decidiu em acórdão de 19/06/2018 (Proc. n.º 2042/13.7TVLSB.L1.S2 – Relator: Fonseca Ramos) que: «I. A recorrente pretende que a cláusula penal, malgrado o seu carácter sancionatório, se situe nos parâmetros do dano efetivo, esquecendo que o fim da cláusula é não só a indemnização pelo incumprimento, fixada a forfait, mas também compelir o devedor a cumprir, não sendo, por isso, aferida pelo valor matemático do incumprimento, desde logo por ser fixada ex ante. II. A cláusula penal, tendo um fim punitivo só será ilegítima se houver uma chocante desproporção, entre os danos que previsivelmente o devedor causar com a sua conduta, e a indemnização prevista na cláusula para os ressarcir. III. A cláusula penal prevista no contrato no valor de €126.000,00 foi reduzida em 40%, com base na equidade, para o valor de €76.000,00, pelo que a redução agora pretendida para o valor máximo de €15.000,00, esvaziaria o fim da cláusula, como pena que visa sancionar o incumprimento e que para cumprir o seu fim deve ser superior ao valor do incumprimento puro e simples. IV. A não ser assim, não teria qualquer função coercitiva ou compulsória uma cláusula penal que equivalesse ao valor real dos danos: não seria dissuasora do incumprimento. V. A redução da cláusula penal, ao abrigo do art.º 812º, nº1, do Código Civil, pressupõe que esta seja manifestamente excessiva».
Na mesma linha, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/03/2017 (Proc. n.º 2041/13.9TVLSB.L1.S1 – Relator: Roque Nogueira) decidiu-se que: «I– A cláusula penal tanto desempenha uma função ressarcidora como coercitiva. II– Aquelas duas funções são essenciais à caracterização da cláusula penal, tal como ela é legalmente disciplinada. III– São características essenciais do conceito de cláusula contratual geral a pré-formulação, generalidade e imodificabilidade. IV– No caso dos autos, está assente que a cláusula em causa é uma cláusula penal e uma cláusula contratual geral, a implicar a sujeição da mesma à disciplina instituída pelo DL nº 446/85, de 25/10. V- O objetivo da al. c), do art.º 19º, do citado DL, é o de restringir a liberdade de conformação do predisponente, estabelecendo um limite de conteúdo para as cláusulas penais, que tem como critério a relação entre a pena e o montante dos danos a reparar. VI- Nos contratos de fornecimento em massa de bens ou serviços, esses danos corresponderão, grosso modo, aos ganhos médios que o predisponente normalmente obtém com aquele tipo de transações, cifrados numa certa percentagem do preço do objeto da prestação. VII– Na fixação da indemnização deverão ser contabilizados os gastos que o predisponente poupou, o que a cláusula penal em causa não prevê, verificando-se uma desproporção notória e flagrante entre o montante da pena e o montante dos danos previsíveis a reparar, dentro do «quadro negocial padronizado». VIII- Haverá, deste modo, que concluir que a cláusula nº4.5 do contrato em causa é uma cláusula relativamente proibida, nos termos do art.19º, al. c), do DL nº446/85, de 25/10, e, como tal, nula (art.12º, do mesmo DL)».
De igual modo, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/03/2017 (Proc. n.º 2042/13.7TVLSB.L1.S1 – Relator: Nunes Ribeiro) foi decidido que: «I - Na avaliação do carácter abusivo das cláusulas “relativamente proibidas” ao abrigo do art.º 19.º da LCCG, deverá ter-se em atenção não só o “quadro negocial padronizado” – segundo o tipo ou modelo geral do contrato em que aquela se insere tendo em conta a atividade do utilizador – mas também todas as demais circunstâncias que acompanharam e condicionaram a feitura do contrato, nomeadamente, as especialmente atinentes ao destinatário das cláusulas. II - Num contrato individualizado de fornecimento de bebidas para revenda ao público, do qual consta que o fornecedor/fabricante pode exigir, a título de indemnização, do comerciante/comprador seu cliente, que incumpra definitivamente o negócio, o pagamento de quantia nunca inferior ao valor total que arrecadaria com o negócio, caso o contrato tivesse sido honrado pelo comprador, vista isoladamente tal cláusula poderia, a priori, apresentar uma certa desproporcionalidade relativamente ao eventual prejuízo a ressarcir. III - Contudo, encontrando-se essa cláusula intimamente relacionada com outras livremente negociadas pelas partes contraentes (v.g. cláusulas que preveem contrapartidas monetárias e descontos em favor do comprador), com as quais se interligam na economia do contrato e que, de certo modo, funcionam como contrapeso daquela, inexistindo elementos suficientes que permitam afirmar a desproporcionalidade da dita cláusula penal em face dos previsíveis danos a ressarcir, não se pode afirmar a sua inadequação ao tipo de atividade negocial da autora e, consequentemente, concluir pela sua nulidade nos termos do art.º 19.º, al. c), da LCCG. IV - O juízo de valor sobre a desproporção deve ser reportado ao momento em que a cláusula é concebida (aos danos típica e previsivelmente a ressarcir, dentro do quadro negocial padronizado) sendo inexato relacioná-lo com as vicissitudes que o contrato em que se integra sofreu. V - Tal não significa que a aludida cláusula não possa ou não deva ser considerada manifestamente excessiva, nos termos do n.º 1 do art.º 812.º do CC, e passível de redução equitativa, como no caso da mesma proporcionar ao fornecedor/fabricante um proveito francamente superior ao cumprimento do contrato, porquanto lhe permite receber o correspondente ao preço total dos produtos objeto do contrato, sem incorrer nos correspondentes custos, designadamente, de produção e de transporte, para além de ficar com a possibilidade de vender a terceiros a totalidade dos litros das bebidas negociados e não adquiridos».
É, portanto, com este enquadramento legal que tem sido apreciada a questão da validade das cláusulas penais indemnizatórias, que obrigam os clientes de serviços de telecomunicações ao pagamento das prestações vincendas até ao termo do prazo de fidelização, em caso de cessação do contrato antes dessa data.
No entanto, não podemos deixar de realçar desde já que existe uma clamorosa diferença de regime entre a mera possibilidade de redução do valor fixado na cláusula penal quando ele for manifesta excessivo, tal como estabelecido no Art.º 812.º n.º 1 do C.C., e a possibilidade de serem julgadas nulas as cláusulas que fixem valor de indemnização desproporcionado aos danos visados reparar, nos termos do Art.º 12.º, 15.º e 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10.
Existem dois pontos práticos, nos regimes jurídicos dessas disposições legais, que refletem essa diferença e que são da maior relevância para o caso concreto.
É que a situação prevista no Art.º 812.º do C.C. está estabelecida no interesse privado do devedor da indemnização e, por isso, não pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal.
Neste sentido decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/03/2021 (Proc. n.º 4248/19.6T8GMR.G1 – Relatora: Ana Cristina Duarte), de cujo sumário se destaca: «I- A redução equitativa da cláusula penal, prevista no artigo 812.º do Código Civil, não é oficiosa, dependendo do pedido do interessado, a quem caberá alegar e provar os factos de onde seja possível extrair a excessividade da estipulação, fora dos limites comportáveis pela liberdade contratual. II- Se o embargante, não só não alegou, na petição de embargos, nenhum facto concreto visando demonstrar a manifesta desproporção entre a cláusula penal convencionada e os danos sofridos pela exequente, como também nenhum pedido apresentou ao tribunal, sequer implicitamente, no sentido de decretar a redução equitativa da cláusula penal, e apenas nas alegações da apelação levantou pela primeira vez o problema, esta pretensão não pode obter vencimento».
Por outro lado, a possibilidade de redução da cláusula penal prevista no Art.º 812.º do C.C., implica uma análise “a posteriori” de comparação entre o valor efetivamente verificado dos danos e o valor da indemnização previamente fixado em cláusula penal.
Como escreve, a propósito Sousa Ribeiro (in “A boa fé como norma de validade” in Estudos dos Contratos. Estudos, Coimbra, 2007, págs. 218 e 219): «Está (…) em causa, não só (ou não exclusivamente) a convenção em si, mas numa valoração ex post, os seus efeitos na concreta situação a que vai aplicar-se. Trata-se, numa palavra de um controlo do exercício de um direito (o direito resultante da pena aplicada), não de um controlo diretamente limitativo da autonomia privada na sua estipulação».
Nessa estrita medida, competirá ao devedor não só pedir a redução da cláusula, como alegar e provar os factos donde concretamente resultam o manifesto excesso da cláusula penal em face dos concretos danos efetivamente verificados (Art.º 342.º n.º 2 do C.C.). O que, no caso, não foi feito, porque a R. não contestou a ação.
No entanto, o regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais parte de pressupostos completamente diversos.
O que está em causa no Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10 é a tutela de interesses de ordem pública, que restringem significativamente a autonomia privada e a liberdade contratual.
A lei proíbe expressamente, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir (cfr. Art.º 19. Al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10), dizendo explicitamente que estas serão nulas (cfr. Art.º 12.º do mesmo diploma). Consequentemente, o Art.º 12.º do Dec.Lei 446/85 de 25/10 remete diretamente para o regime das nulidades estabelecido no Art.º 286.º do C.C., o que determina como consequência necessária a possibilidade de conhecimento oficioso pelo tribunal da natureza abusiva e proibida das cláusulas contratuais gerais que estabeleçam penas desproporcionadas aos danos (neste sentido: Ana Prata in “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais”, 2010, págs. 309 a 313; José Manuel de Araújo Barros in “Cláusulas Contratuais Gerais”, pág. 161 e Acórdão do STJ de 10/7/2008 (Proc. n.º 08B1846 – Relator: Camilo João, disponível em www.dgsi.pt).
Por outro lado, enquanto o Art.º 812.º n.º 1 do C.C. pressupõe uma análise “ex post” dos danos verificados, o Art.º 19.º al. c) do Dec.Lei 446/85 de 25/10 propõe-se fazer uma verificação da legalidade da cláusula “ex ante” independentemente dos concretos danos verificados, porque em causa está uma limitação à autonomia privada logo na fase da formação do contrato.
Por força do agora exposto, restrita fica a apreciação do caso concreto às limitações estabelecidas pelo Regime jurídico do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, uma vez que a R. não contestou a ação e, portanto, não alegou factos donde resultasse a demonstração sobre a “manifesta excessividade” da cláusula penal.
Dito isto, temos de reconhecer que a questão da validade das cláusulas penais indemnizatórias que obrigam os clientes de serviços de telecomunicações ao pagamento das prestações vincendas até ao termo do prazo de fidelização, em caso de cessação do contrato antes dessa data, não tem sido tratada de forma uniforme na jurisprudência dos tribunais superiores.
Assim, a título exemplificativo, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6/12/2011 (Proc. n.º 2881/08.0YXLSB.L1-7 – Relator: Luís Espírito Santo – disponível em www.dgsi.pt), é dito explicitamente no respetivo sumário: «I - A comummente denominada “cláusula de fidelização” - que prevê que, em caso de cessação do contrato pelo cliente (ou por motivo que lhe seja imputável) antes de decorrido o período inicial de vigência, há lugar ao pagamento à proponente da uma indemnização correspondente ao período de vigência contrato (descontando o número de meses em que os serviços estiveram ativos) calculada através do valor das respetivas mensalidades -, não é desproporcionada aos danos a ressarcir, nem contrária à boa fé, não devendo ser declarada nula à luz do art.º 19º, alínea c), do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro».
Na mesma linha de raciocínio, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8/3/2012 (Proc. n.º 497/10.0TCFUN.L1-8 – Relator: Ferreira de Almeida) é dito: «I- Não traduzem cláusulas penais desproporcionadas aquelas que conferem ao fornecedor de serviços de distribuição de televisão, Internet e telefone a possibilidade de, no caso de acesso indevido, exigir ao cliente o pagamento, a título de penalidade, de um valor correspondente à sua utilização por um período de seis meses ou, no período de dois anos a contar da data de desativação, a correspondente ao valor devido pela utilização, por um período de doze meses. II - Não ocorre desproporção entre a penalidade fixada e os prejuízos suportados, em cláusula na qual se impõe ao cliente mantenha o contrato durante um período mínimo de doze meses, sob pena de, em caso de denúncia antecipada, ter de pagar indemnização correspondente ao preço do serviço por cada mês em falta até perfazê-los».
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/11/2012 (Proc. n.º 3058/08.0YXLSB.L1-8 – Relator: Rui da Ponte), defendeu-se também que: «4. Não é nula a cláusula inserida nesse contrato que preveja, salvaguardando a expectativa de ganho da prestadora do serviço, um período inicial de duração do contrato de doze meses (período de fidelização)».
Ou ainda, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6/12/2007 (Proc. n.º 8963/2007-2 – Relator: Jorge Leal), quando no sumário se diz: «I– É válida a cláusula, inserida num contrato de prestação de serviço de telecomunicações móveis, em que o utilizador do serviço se obriga a manter o vínculo contratual pelo período de 30 meses sob pena de pagar à operadora a quantia equivalente ao valor das taxas relativas a 30 meses de utilização dos telemóveis, deduzido das taxas já pagas. II – Se o cliente não efetuar o pagamento das faturas emitidas pela prestação do serviço, a operadora só poderá resolver o contrato e reclamar o pagamento da cláusula penal referida em I após interpelação admonitória. III – Aliás, tal era imposto, à data dos factos (Fevereiro de 2002), pelo disposto no artigo 5º da Lei nº 23/96, de 26 de Julho (Lei de proteção do utente dos serviços públicos essenciais) e no artigo 6º do Decreto-Lei nº 290-B/99, de 30 de Julho (Regulamento de exploração dos serviços de telecomunicações de uso público)».
Também no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 4/02/2010 (Proc. n.º 234/09.2TBVCT.G1 – Relatora: Isabel Rocha) se vai nesse sentido quando aí se decidiu que: «I - No art.º 19º al c) do DL 446/85 de 25 de Outubro, estabelece-se uma proibição relativa de cláusulas contratuais gerais que consagrem cláusulas penais desproporcionadas;
II - O juízo valorativo sobre a existência desta nulidade, não se realiza tomando como referência os vários contratos uti singuli, mas a partir das cláusulas – em si próprias e encaradas no respetivo conjunto – para eles abstratamente predispostas; III - Para aferir da desproporção a que alude o citado art.º 19º, será necessário proceder a uma comparação entre o montante de indemnização que resulta da cláusula em análise e a ordem e grandeza dos prejuízos que o proponente sofreria com o incumprimento. IV - Tal desproporção tem de ser sensível quando está em causa uma cláusula penal compulsória que, por si só, já exige um certo grau de desproporção, tendo em conta os seus fins compulsórios; V - Não se afigura desproporcionada a cláusula contratual geral constante de contrato de “adesão” que tem por objeto a prestação de serviços, em que se estabelece, como cláusula penal para o incumprimento definitivo e culposo da parte a quem são prestados tais serviços, o pagamento de uma tarifa pela desativação do serviço, e o pagamento das tarifas mensais mínimas correspondentes ao tempo de duração do contrato, já que: apenas se aplica aos casos em que o contratante optou pela “fidelização”, ou seja, pela manutenção do contrato pelo período máximo de 12 meses e não apenas de um mês; tal opção teve como contrapartida o não pagamento da taxa de ativação dos serviços em causa; a desativação dos serviços importa normalmente custos de desmontagem e recolha de equipamento; o período de fidelização não é excessivo por nunca poder ser superior a 12 meses; estando em causa um contrato de execução continuada, é de admitir que o credor, para além do direito de resolução, possa ser ressarcido pelo dano contratual positivo.
E ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/11/2015 (Proc. n.º 170314/13.5YIPRT.P1 – Relator: José Igreja Matos), de cujo sumário resulta que: «I – Num contrato de prestação de serviços de comunicações eletrónicas, a fidelização existe para compensar a operadora da despesa acrescida implícita na promoção que lhe está associada. II – Neste sentido, é admissível o estabelecimento de cláusulas penais em caso de incumprimento dos períodos contratuais mínimos, conquanto que tais condições não sejam, em concreto, desproporcionadas ou excessivamente onerosas. III – Tendo um dado consumidor estado vinculado durante 24 meses a uma dada operadora, com o consequente retorno do investimento associado, não se afigura proporcional ou adequada a imposição de uma nova cláusula penal associada a um novo período de fidelização o qual teve como único pressuposto apurado a venda por um preço abaixo do valor de mercado de um dispositivo eletrónico em formato “tablet”; tal cláusula, imposta sem negociação prévia, enferma do vício de nulidade por força do disposto nos arts.12.º e 19.º, al. c) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro».
Ou ainda no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/09/2014 (Proc. n.º 27076/13.8YIPRT.P1 – Relator: Henrique Araújo): «No contrato de prestação de serviços de telecomunicações, se não tiver existido fornecimento de equipamentos, a indemnização pela resolução antecipada do contrato pode ser livremente fixada pelas partes desde que não se ultrapassem as barreiras impostas por um juízo de proporcionalidade».
Em sentido diametralmente oposto vai, no entanto, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20/12/2018 (Proc. n.º 109927/15.8YIPRT.E1 – Relator: Mário Coelho), de cujo sumário resulta que: «A cláusula que confere à empresa prestadora do serviço conexo de comunicações eletrónicas, em caso de incumprimento do período de fidelização, o direito a receber antecipadamente e na íntegra o valor das prestações contratuais devidas até ao termo do prazo estipulado, sem ter de efetuar a contrapartida desse preço, excede, objetivamente, o montante dos prejuízos decorrentes da antecipação do prazo de cessação do contrato».
Num caso de contrato de manutenção de elevadores o Tribunal da Relação do Coimbra, no acórdão de 28/10/2014 (Proc. n.º 3516/13.5TJCBR.C1 – Relatora: Maria Inês Moura), também decidiu que: «3. É nula, por desproporcionada e injustificada a cláusula penal que dá à A. o direito a haver o pagamento de todas as prestações vincendas, em valor idêntico àquele que seria cobrado caso o contrato se mantivesse em vigor e o serviço a ser prestado, sem que haja essa efetiva prestação de serviço com todos os custos a tal associados, já que a A. fica desonerada da sua prestação».
No acórdão do Tribunal da Relação de Porto de 28/4/2015 (Proc. n.º 95926/13.0YIPRT.P1 – Relator: Vieira e Cunha) a solução é a mesma: «I – Conjugando o disposto no citado D-L nº 56/2010 com a Lei das Comunicações Eletrónicas (LCE), na versão que resultou da Lei nº 51/2011, verifica-se que, na lei de 2010, prevêem-se as contrapartidas para os operadores ou prestadores de serviços, apenas no caso do necessário desbloqueamento dos equipamentos fornecidos, com incidência no valor dos descontos ou da subsidiação do equipamento – porém, já na LCE, alterada em 2011, prevê-se a possibilidade de existência de outros encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato (v.g. para direta recuperação de custos de subsidiação de equipamentos terminais, mas também em função da oferta anterior de condições promocionais ou do pagamento de encargos decorrentes da portabilidade de números e outros identificadores), com o limite genérico da proibição do excesso. II – É hoje jurisprudencialmente aceite, por maioria, com base na exegese das normas legais aplicáveis, que o diploma de 2010 estabelece uma contrapartida para a resolução do contrato durante o período de fidelização na estrita medida de uma entrega de equipamentos. III – A fidelização existe para compensar a operadora da despesa acrescida implícita na promoção que lhe está associada e a cláusula penal permite, por um lado, contrabalançar, através da fixação acordada de um indemnização, o custo associado ao desrespeito pelo utente do compromisso assumido, e, por outro, impede um ganho injustificado do utente, concedido pela operadora em função de uma permanência».
Ou seja, neste caso, já se ponderaram razões de proporcionalidade da indemnização fixada em função dos investimentos e custos associados aos compromissos com a fidelização.
Nesta linha de raciocínio existe uma vasta jurisprudência, que reclama a ponderação necessária da proporcionalidade desse tipo de cláusulas em função de benefícios concedidos ao cliente ou assinante dos serviços de telecomunicações.
Assim, por exemplo, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/6/2016 (Proc. n.º 338/14.0TVLSB.L1-2 – Relatora: Maria José Mouro, disponível em www.dgsi.pt) é dito no respetivo sumário: «VIII–No tipo de contratos como o dos autos são inevitáveis as chamadas “cláusulas de fidelização”, impondo uma duração mínima aos mesmos; o período mínimo de duração inicial do contrato de 24 meses – “salvo acordo em contrário” - está em consonância com o previsto na Lei nº 5/2004, de 10-2, não se afigurando, neste contexto, tratar-se de um prazo excessivo para a vigência do contrato, pelo que não ocorre o enquadramento no nº 1-a) do art.º 22 do RCCG. IX–Considerando a relação entre o montante dos danos a reparar com a cessação antecipada do contrato e a indemnização contratualmente fixada não se evidencia uma pena desproporcionadas aos danos a ressarcir, não correspondendo a uma cláusula proibida nos termos do art.º 19-c) do RCCG a constante do nº 2 da cláusula 10ª das Condições Gerais». No entanto, neste caso, defendeu-se, na esteira do acórdão do STJ de 14-11-2013 (122/09.2TJLSB.L1.S1), que as cláusulas de fidelização, tal a cláusula penal, não têm apenas uma função indemnizatória de ressarcir os prejuízos que, pelo incumprimento, uma das partes tenha causado à outra. Ela funciona também como um meio de pressão do credor ao cumprimento, desde que o montante da pena seja fixado numa verba elevada relativamente ao dano efetivo, com vista a constranger, embora de forma indireta, o devedor a cumprir as suas obrigações, na medida em que a respetiva satisfação é mais onerosa que a realização da prestação originária a que se encontra obrigado. Por outro lado, para aferir da adequação do conteúdo da concreta cláusula penal com o disposto no Art.º 19 al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, seguindo o acórdão do STJ de 12-07-2007 (Revista 1701/07, Relator João Camilo), haveria que estabelecer a uma relação entre o montante dos danos a reparar e a pena fixada contratualmente, de modo a que se possa dizer que há uma equivalência entre os dois valores: aferição que num quadro negocial padronizado se deve pautar por critérios objetivos, guiados por cálculo de probabilidade e valores médios usuais. Como a indemnização prevista nesse processo era calculada através da seguinte fórmula: «[n.º de meses de duração inicial do contrato – n.º de meses em que os Produtos e os Serviços estiveram ativos] x [valor da mensalidade relativa aos serviços em causa], o «período inicial e a indemnização devida pelo seu incumprimento têm por base condições de comercialização e investimento em equipamentos terminais ou condições especiais de preços e descontos acordados e concedidos ao Cliente para serviços prestados», concluiu-se que estava respeitada a proporcionalidade. Portanto, tratava-se dum caso em que o período de fidelização prendia-se diretamente com os custos do investimento realizado pela R. e a sua expectativa de amortização ao longo do dito período e na oferta de vantagens comerciais ao cliente e, nessa medida, não havia desproporcionalidade entre os danos a ressarcir e o montante dos danos a reparar com a cessação antecipada do contrato e a indemnização contratualmente fixada.
Na mesma esteira, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/11/2013 (Proc. n.º 122/09.2TJLSB.L1.S1 – Relator: João Trindade, sempre igualmente disponível em www.dgsi.pt) decidiu-se que: «V- Alegando a predisponente (ré) que a fixação da cláusula de permanência mínima (cláusula penal de fidelização) é justificada pelos custos incorridos com as infraestruturas para prestação do serviço e com os equipamentos entregues ao cliente, é a mesma desproporcionada se abarca, não apenas o período de fidelização inicial, em que tais custos foram recuperados, mas também o período de renovação automática subsequente».
Já no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20 de dezembro de 2018 (Proc. n.º 109927/15.8YIPRT.E1 – Relator: Mário Coelho, este disponível para consulta no sítio “jurisprudência.pt/acordao/186415”), defendeu-se que: «A cláusula que confere à empresa prestadora do serviço conexo de comunicações eletrónicas, em caso de incumprimento do período de fidelização, o direito a receber antecipadamente e na íntegra o valor das prestações contratuais devidas até ao termo do prazo estipulado, sem ter de efetuar a contrapartida desse preço, excede, objetivamente, o montante dos prejuízos decorrentes da antecipação do prazo de cessação do contrato». Considerou-se aí que, não só seria aplicável ao caso o Art.º 48.º n.º 5 da LCE e o Art.º 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, como o facto de, nos termos do Dec.Lei n.º 56/2010 de 1/6, ser proibido ao operador de serviços de telecomunicações eletrónicas cobrar ao utente uma indemnização de valor superior ao preço correspondente aos equipamentos fornecidos, deduzido o valor já pago pelo cliente, minorado pelo decurso do tempo (Art.º 2.º n.º 2).
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/10/2010 (Proc. n.º4529/07.1TVLSB.L1-8 – Relator: Carlos Marinho) é dito: «I- A fixação por acordo do montante da indemnização exigível, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 810.º do Código Civil tem a finalidade primária de estimular o devedor ao cumprimento do contrato e a secundária de garantir ao credor uma indemnização pelos danos, liquidada antecipadamente. Responde, também, a um interesse público na prevenção da litigiosidade, ou seja, uma função que extravasa os estritos contornos egoístas do contrato. Tal cláusula tem, ainda, a importância complementar de permitir ao credor saber o montante da indemnização que lhe caberá e, ao devedor, prever com rigor os custos associados ao incumprimento deixando ambos, em caso de litígio, menos sujeitos à incerteza associada à lide, particularmente nos domínios instrutório e de subsunção fáctica. Gera, ainda, ao fazê-lo, uniformização e justiça relativa, já que permite tratar todos os devedores da mesma forma, no quadro de contratos idênticos; II. Preenchem-se, as previsões dos art.s 12.º e 19.º, al. c), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro quando, tendo-se colhido, apenas, em sede de instrução, que uma empresa de telecomunicações procedeu à atribuição de dois equipamentos telefónicos, se verifique pretender a mesma cobrar €19.068,17 a título de cláusula penal por existir, de forma flagrante, vantagem exagerada e desproporção, sendo que, quanto à compensação dos danos emergentes da falta de pagamento das faturas e dos custos associados ao recurso aos tribunais, estes não relevam quando não correspondentes a uma dimensão claramente superior à coberta pelos encargos e custas de parte e aqueles não assumem relevo se ressarcíveis a títulos de juros moratórios. Assim, sendo os prejuízos gerados pela resolução do contrato não superiores aos valores correspondentes aos custos de gestão administrativa do contrato e cobrança, é exagerada e desproporcionada a intenção de obtenção daquela quantia. III. Em sede de cláusulas contratuais gerais, a primeira norma comina com a nulidade a violação da proibição do art.º 19.º. Não, há lugar, pois, à redução com recurso à equidade nos termos do disposto no art.º 812.º do Código Civil».
Dito isto, tem sido com geometria variável que se tem ponderado a validade ou invalidade da cláusula penal que, conjugada com a fixação de um período de fidelização, estabelece a possibilidade do prestador de serviços de telecomunicações, resolvendo o contrato por incumprimento do cliente, poder pedir uma indemnização, constante de cláusula contratual penal, no valor das rendas vincendas até ao final do termo do contrato.
Importa, ainda equacionar, o que a propósito veio a ser estabelecido no Art.º 48.º da Lei n.º 5/2004 de 18/2, que ainda estava em vigor à data da celebração dos contratos dos autos (28/12/2021 – cfr. facto provado 1) e que foi mencionado na sentença recorrida, mesmo sendo certo que esse diploma veio a ser entretanto revogado pela Lei n.º 16/2022 de 16/8.
Estabelecia esse Art.º 48.º que: «1. Sem prejuízo da legislação aplicável à defesa do consumidor, a oferta de redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público é objeto de contrato, do qual devem obrigatoriamente constar, de forma clara, exaustiva e facilmente acessível, os seguintes elementos: «a) (…) «g) A duração do contrato, as condições de renovação, de suspensão e de cessação dos serviços e do contrato; «h) Os sistemas de indemnização ou de reembolso dos assinantes, aplicáveis em caso de incumprimento dos níveis de qualidade de serviço previstos no contrato; (…) «2 - A informação relativa à duração dos contratos, incluindo as condições da sua renovação e cessação, deve ser clara, percetível, disponibilizada em suporte duradouro e incluir as seguintes indicações: «a) Eventual período de fidelização, cuja existência depende da atribuição de qualquer vantagem ao consumidor, identificada e quantificada, associada à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e ativação do serviço ou a outras condições promocionais; (…) «c) Eventuais encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato durante o período de fidelização, por iniciativa do assinante, nomeadamente em consequência da recuperação de custos associados à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e ativação do serviço ou a outras condições promocionais. «3 - Quando o contrato a que se refere o n.º 1 for celebrado por telefone ou através de outro meio de comunicação à distância, o prestador do serviço, ou seu representante, deve facultar ao consumidor, antes da celebração do contrato, sob pena de nulidade deste, todas as informações referidas nos n.os 1 e 2, ficando o consumidor vinculado apenas depois de assinar proposta contratual ou enviar o seu consentimento escrito ao fornecedor de bens ou prestador de serviços, exceto nos casos em que o primeiro contacto telefónico seja efetuado pelo próprio consumidor. «4 - É interdito às empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações eletrónicas opor-se à denúncia dos contratos por iniciativa dos assinantes, com fundamento na existência de um período de fidelização, ou exigirem quaisquer encargos por incumprimento de um período de fidelização, se não possuírem prova da manifestação de vontade do consumidor referida no número anterior. «5 - A duração total do período de fidelização nos contratos de prestação de serviços de comunicações eletrónicas celebrados com consumidores não pode ser superior a 24 meses, sem prejuízo do disposto no número seguinte. (…) 10 - Sem prejuízo da existência de períodos de fidelização, iniciais ou posteriores, nos termos da presente lei, as empresas não devem estabelecer condições contratuais desproporcionadas ou procedimentos de resolução dos contratos excessivamente onerosos e desincentivadores da mudança de prestador de serviço por parte do assinante, cabendo a fiscalização das mesmas à ARN. «11 - Durante o período de fidelização, os encargos para o assinante, decorrentes da resolução do contrato por sua iniciativa, não podem ultrapassar os custos que o fornecedor teve com a instalação da operação, sendo proibida a cobrança de qualquer contrapartida a título indemnizatório ou compensatório. «12 - Os encargos pela cessação antecipada do contrato com período de fidelização, por iniciativa do assinante, devem ser proporcionais à vantagem que lhe foi conferida e como tal identificada e quantificada no contrato celebrado, não podendo em consequência corresponder automaticamente à soma do valor das prestações vincendas à data da cessação. «13 - Para efeitos do disposto no número anterior, no caso de subsidiação de equipamentos terminais, os encargos devem ser calculados nos termos da legislação aplicável e, nas demais situações, não podem ser superiores ao valor da vantagem conferida que, na proporção do período da duração do contrato fixada, ainda esteja por recuperar pela empresa que presta o serviço, na data em que produz efeitos a sua cessação antecipada. «14 - Findo o período de fidelização e na ausência de acordo relativamente ao estabelecimento de um novo período de fidelização nos termos do número seguinte, o valor a fixar como contrapartida pela prestação dos serviços não pode ser superior aos preços normais que pelo mesmo são devidos àquela data, abrangendo, apenas, os encargos relativos ao acesso, utilização e manutenção. «15 - No decurso do período de fidelização ou no seu termo não pode ser estabelecido novo período de fidelização, exceto se, por vontade do assinante validamente expressa nos termos do n.º 3, for contratada a disponibilização subsidiada de novos equipamentos terminais ou a oferta de condições promocionais devidamente identificadas e quantificadas e que, em caso algum, podem abranger vantagens cujos custos já foram recuperados em período de fidelização anterior. (…)»
Diga-se, desde já, que, ao contrário do sustentado pela Recorrente, estes dispositivos legais não estão todos dependentes do facto de o cliente ser um “consumidor”. Isso decorre do Art.º 48.º n.º 1, quando aí se diz “sem prejuízo da legislação aplicável à defesa do consumidor”, e do facto de, quando a lei pretende referir-se às situações de tutela específica do consumidor, fazer menção exata a esse pressuposto, como acontece, por exemplo, nos n.ºs 3 e 5 do Art.º 48.º da Lei nº 5/2004 de 18/2. Portanto, esta norma confere uma tutela genérica igual para todos os utentes ou beneficiários de serviços de telecomunicações eletrónicas, sendo que, pontualmente, estabelece restrições específicas em função na natureza de consumidor daquele.
Assim, por exemplo, se no n.º 5 do Art.º 48.º se estabelece que, nos contratos celebrados com consumidores o período de fidelização não pode ser superior a 24 meses, para os restantes beneficiários, ou utentes “não consumidores”, não se aplica esse limite temporal de forma imperativa, o que legitimaria a conclusão que, no caso, o “prazo de permanência” tivesse sido fixado em 36 meses.
Temos, no entanto, que reconhecer que a Lei n.º 5/2004 deixava algo a desejar sobre o seu âmbito efetivo da sua aplicação.
Veja-se que a sentença recorrida indeferiu a pretensão da A. relativa à cláusula penal indemnizatória apelando a argumentos que poderiam ser retirados dos princípios subjacentes ao disposto os n.ºs 11, 12 e 13 do Art.º 48.º da Lei n.º 5/2004 de 18/2. No entanto, a exigência de proporcionalidade entre as vantagens conferidas pelos contratos e os encargos relativos à sua cessação, foram estabelecidos, de acordo com a letra da lei, apenas para os casos em que o contrato é resolvido ou denunciado, “ad nutum”, por iniciativa do cliente ou assinante, antes do fim do período de fidelização. Ora, nenhuma dessas normas se reportava explicitamente à resolução do contrato por iniciativa do prestador dos serviços de telecomunicação fundada no incumprimento definitivo do contrato por culpa exclusiva do cliente assinante.
Esta constatação pode perfeitamente legitimar a interpretação de que, por omissão patente de regulamentação específica, no caso de incumprimento culposo por parte do cliente dos serviços de telecomunicações, a regra geral seria sempre a de o devedor responder por todos os danos causados ao prestador dos serviços (cfr. Art.º 798.º do C.C.), o que poderia incluir lucros cessantes relativos à faturação de mensalidades futuras (cfr. Art.º 564.º n.º 1 e n.º 2 do C.C.), encontrando-se no âmbito da liberdade contratual (v.g. Art.º 405.º do C.C.) o estabelecimento de cláusulas penais indemnizatórias (cfr. Art.º 810.º do C.C.) com o propósito de fixar antecipadamente o valor da reparação de futuros danos, sem prejuízo da possibilidade de redução do valor fixado, quando ele for manifesta excessivo e isso for pedido pelo devedor (cfr. Art.º 812.º n.º 1 do C.C.), ou da consideração de que a cláusula possa ser nula por fixar valor de indemnização desproporcionado aos danos visados reparar (Art.º 12.º, 15.º e 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10).
Ou seja, sempre se poderia sustentar que do Art.º 48.º da Lei n.º 5/2004 não resulta qualquer limitação legal nova aplicável ao caso de resolução do contrato por incumprimento culposo do cliente, assinante ou beneficiário de serviços de telecomunicações.
O contrário resulta agora da Lei n.º 16/2022 de 16/8, atualmente vigente e que revogou a Lei n.º 5/2004 de 18/2 (cfr. Art.º 11.º al. a) da Lei n.º 16/2022), pois no seu Art.º 128.º n.º 9 estabelece-se que a resolução por falta de pagamento das prestações acordadas que importe a resolução do contrato por iniciativa do prestador dos serviços de telecomunicações, não prejudica a cobrança de encargos com a resolução do contrato durante o período de fidelização, ressalvando-se explicitamente os limites estabelecidos no n.º 4 do Art.º 136.º.
Ora, o Art.º 136.º dessa Lei n.º 16/2022, efetivamente também só regula a denúncia do contrato por iniciativa do consumidor, mas por força do n.º 9 do Art.º 128.º também se aplica igualmente à resolução dos contratos por iniciativa do prestador de serviços por incumprimento do cliente.
Assim, em função do disposto no n.º 4 do Art.º 136.º estabelece-se agora que: «4 - Os encargos pela cessação antecipada do contrato com período de fidelização por iniciativa do consumidor não podem exceder o menor dos seguintes valores: «a) A vantagem conferida ao consumidor, como tal identificada e quantificada no contrato celebrado, de forma proporcional ao remanescente do período de fidelização; «b) Uma percentagem das mensalidades vincendas: «i) Tratando-se de um período de fidelização inicial, 50 /prct. do valor das mensalidades vincendas se a cessação ocorrer durante o primeiro ano de vigência do período contratual e 30 /prct. do valor das mensalidades vincendas se a cessação ocorrer durante o segundo ano de vigência do período contratual; «ii) Tratando-se de um período de fidelização subsequente sem alteração do lacete local instalado, 30 /prct. do valor das mensalidades vincendas; «iii) Tratando-se de um período de fidelização subsequente com alteração do lacete local instalado, aplicam-se os limites estabelecidos na alínea i). «5 - No caso de subsidiação de equipamentos terminais, os encargos devem ser calculados nos termos do disposto no artigo 139.º».
Esclareça-se ainda que o Art.º 139.º, mencionado no referido n.º 5 último, regula a matéria do desbloqueamento de equipamentos terminais, nos seguintes termos: «1 - É proibida a cobrança de qualquer contrapartida pela prestação do serviço de desbloqueamento dos equipamentos referidos no artigo 138.º, findo o período de fidelização contratual. «2 - Durante o período de fidelização, pela resolução do contrato e pelo desbloqueamento do equipamento, é proibida a cobrança de qualquer contrapartida de valor superior a: «a) 100/prct. do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, no decurso dos primeiros seis meses daquele período, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como de eventual crédito do consumidor face ao operador de comunicações móveis; «b) 80/prct. do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, após os primeiros seis meses daquele período, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como de eventual crédito do consumidor face ao operador de comunicações móveis; «c) 50/prct. do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, no último ano do período de fidelização, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como de eventual crédito do consumidor face ao operador de comunicações móveis. «3 - Se o utilizador final optar por reter o equipamento terminal associado no momento da celebração do contrato, qualquer compensação devida não pode exceder o limite do seu valor “pro rata temporis” previsto no número anterior, acordado no momento da celebração do contrato ou a parte remanescente da tarifa de serviço até ao termo do contrato, consoante o montante que for menor. «4 - (…)»
Nenhuma destas normas estava em vigor à data da celebração do contrato, pois a Lei n.º 16/2022 de 16/8 só entrou em vigor 90 dias depois da sua publicação (cfr. Art.º 13.º n.º 1). Ou seja, essa lei entrou em vigor em 17 de novembro de 2022, já depois da data de celebração do contrato dos autos (28/12/2021 – cfr. facto provado 1), mas aquela já estava em vigor à data dos incumprimentos do contrato imputados à R. (fevereiro de 2023 – cfr. facto provado 7 e fatura junta como doc. n.º 2) e, consequentemente, da resolução do mesmo por iniciativa da A. e da data em que foi instaurada a presente ação (25/8/2023).
O Art.º 12.º da Lei n.º 16/2022 regulou alguns aspetos particulares da aplicação dessa lei no tempo, estabelecendo, desde logo, no seu n.º 1 que: «1 - As empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, com exceção dos serviços de comunicações interpessoais independentes de números e dos serviços de transmissão utilizados para a prestação de serviços máquina a máquina, devem assegurar o cumprimento do disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 136.º da Lei das Comunicações Eletrónicas aprovada em anexo à presente lei, no prazo de 60 dias a contar da data da entrada em vigor da presente lei».
Ou seja, onerou-se as empresas prestadoras de serviços de telecomunicações, como é o caso da A., com a obrigação de implementar o cumprimento do Art.º 136.º n.º 4 dessa lei. O que é algo estranho, considerando que a norma em causa estabelece uma regra injuntiva de limites máximos para a reparação de encargos devidos por força da antecipação do termo do contrato relativamente ao prazo de fidelização estabelecido, seja tal facto decorrente da iniciativa do cliente (cfr. literalidade do Art.º 136.º n.º 4), seja ele resultante da iniciativa do prestador de serviços, mas por incumprimento do cliente (cfr. remissão do Art.º 128.º n.º 9).
Só se consegue perceber o disposto no Art.º 12.º da Lei 16/2022, se se entender que se impôs o ónus, à empresa prestadora de serviços de telecomunicações, no sentido de comunicar a alteração das cláusulas contratuais penais que estivessem estabelecidas em termos desconformes com o disposto no Art.º 136.º n.º 4, por forma a conformá-las a esses limites, sob pena de, não o fazendo, essas cláusulas ficarem sujeitas ao crivo da nulidade estabelecido no regime geral dos Art.s 12.º e 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, uma vez que não respeitam os limites impostos por lei.
É que, por nós, continuamos a entender que do Art.º 136.º n.º 4 “ex vi” Art.º 128.º n.º 9, da Lei n.º 16/2022, traduz um esforço do legislador no sentido da concretização de limites legais que traduzem uma valoração explicita sobre quais os critérios objetivos que devem presidir à determinação da proporcionalidade entre a cláusula penal por violação do período de fidelização, tendo por referência a data do incumprimento que determinou a resolução do contrato e os benefícios concretamente concedidos ao utente dos serviços de telecomunicações. Por outras palavras, o legislador teve em linha de conta preocupações já antes vertidas na jurisprudência existente sobre os limites que poderiam decorrer da aplicação do Art.º 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10. Mesmo sendo certo que os Art.º 128.º e 136.º da Lei n.º 16/2022, até pela sua epígrafe, se apliquem essencialmente a contratos celebrados com “consumidores” e o Art.º 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10 tenha um âmbito de aplicação mais alargado (cfr. Art.º 17.º desse diploma), pois esse normativo encontra-se na Secção II, relativa a “Relações entre empresários ou entidade equiparadas” e, portanto, não pressupõe a qualidade de “consumidor” da contraparte em contrato que se limita a aderir a cláusulas predispostas pela outra.
Há ainda a ponderar o disposto no Dec.Lei n.º 56/2010 de 1/6, que estava em vigor à data da celebração dos contratos dos autos e da sua resolução pela A..
Daí resulta ser proibido ao operador de serviços de telecomunicações eletrónicas cobrar ao utente uma indemnização de valor superior ao preço correspondente aos equipamentos fornecidos, deduzido o valor já pago pelo cliente, minorado pelo decurso do tempo (Art.º 2.º n.º 2).
Efetivamente, o Dec.Lei n.º 56/2010 de 1/6 veio estabelecer os limites legais à cobrança de quantias pela prestação de serviços de desbloqueamento de equipamentos destinados ao acesso a serviços de telecomunicações eletrónicas e, muito em particular, «pela rescisão do contrato durante o período de fidelização, garantindo os direitos dos utentes das comunicações eletrónicas e promovendo uma maior concorrência» (cfr. Art.º 1.º).
O Art.º 2.º desse diploma estabelecia o seguinte: «1 - É proibida a cobrança de qualquer contrapartida pela prestação do serviço de desbloqueamento dos equipamentos referidos no artigo anterior, findo o período de fidelização contratual. «2 - Durante o período de fidelização, pela resolução do contrato e pelo desbloqueamento do equipamento, é proibida a cobrança de qualquer contrapartida de valor superior a: «a) 100 % do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, no decurso dos primeiros seis meses daquele período, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como de eventual crédito do consumidor face ao operador de comunicações móveis; «b) 80 % do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, após os primeiros seis meses daquele período, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como de eventual crédito do consumidor face ao operador de comunicações móveis; «c) 50 % do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, no último ano do período de fidelização, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como de eventual crédito do consumidor face ao operador de comunicações móveis. «3 - É proibida a cobrança de qualquer contrapartida, para além das referidas no número anterior, a título indemnizatório ou compensatório pela resolução do contrato durante o período de fidelização (…).
Como se não bastasse o Art.º 8.º do Dec.Lei n.º 56/2010 de 1/6 veio estabelecer o caráter injuntivo dessas disposições legais, explicitando que: «É nula qualquer convenção ou disposição que contrarie ou exclua o disposto no presente decreto-lei».
Diga-se, a propósito desta lei que tem sido entendimento largamente maioritário que estas normas só se aplicam aos contratos de prestações de serviços de telecomunicações que impliquem a entrega de equipamento pelo prestador de serviços.
Assim, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/04/2015 (Proc. n.º 95926/13.0YIPRT.P1 – Relator: Vieira e Cunha) é dito: «I– Conjugando o disposto no citado D-L nº 56/2010 com a Lei das Comunicações Eletrónicas (LCE), na versão que resultou da Lei nº 51/2011, verifica-se que, na lei de 2010, prevêem-se as contrapartidas para os operadores ou prestadores de serviços, apenas no caso do necessário desbloqueamento dos equipamentos fornecidos, com incidência no valor dos descontos ou da subsidiação do equipamento – porém, já na LCE, alterada em 2011, prevê-se a possibilidade de existência de outros encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato (v.g. para direta recuperação de custos de subsidiação de equipamentos terminais, mas também em função da oferta anterior de condições promocionais ou do pagamento de encargos decorrentes da portabilidade de números e outros identificadores), com o limite genérico da proibição do excesso. II– É hoje jurisprudencialmente aceite, por maioria, com base na exegese das normas legais aplicáveis, que o diploma de 2010 estabelece uma contrapartida para a resolução do contrato durante o período de fidelização na estrita medida de uma entrega de equipamentos. III– A fidelização existe para compensar a operadora da despesa acrescida implícita na promoção que lhe está associada e a cláusula penal permite, por um lado, contrabalançar, através da fixação acordada de um indemnização, o custo associado ao desrespeito pelo utente do compromisso assumido, e, por outro, impede um ganho injustificado do utente, concedido pela operadora em função de uma permanência temporalmente assegurada».
Para os casos em que não há entrega de equipamento, esclareceu-se, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/05/2014 (Proc. n.º 203179/12.2YIPRT.P1 – Relator: Rodrigues Pires) que: «I - O regime do Dec. Lei nº 56/2010, de 1/6 aplica-se apenas aos contratos de prestação de serviços de comunicações eletrónicas em que tenha ocorrido aquisição de equipamentos a preços reduzidos. II - Neste caso, tendo sido resolvido o contrato durante o período de fidelização não pode ser exigida qualquer outra quantia pela resolução para além das que resultam da aplicação das percentagens referidas no art.º 2º, nº 2 do Dec. Lei nº 56/2010, de 1/6, as quais se reportam ao valor do equipamento à data da sua aquisição, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como do eventual crédito do consumidor face ao operador (cfr. art.º 2º, nº 3). III - Todas as demais situações em que a contrapartida pelo período de fidelização não esteja relacionada com a aquisição de equipamentos a preços reduzidos, como seja, por exemplo, o caso da oferta de condições promocionais, ficam fora do âmbito do Dec. Lei nº 56/2010, de 1/6, sendo-lhes aplicável o regime da Lei de Comunicações Eletrónicas (Lei n.º 5/2004, de 10/2, na redação da Lei nº 51/2011, de 13/9) - não são assim abrangidas pela proibição resultante do art.º 2º, nº 3 do Dec. Lei nº 56/2010».
No mesmo sentido, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7/5/2015 (Proc. n.º 34839/12.3YIPRT.P1 – Relator: Leonel Serôdio) é dito que: «I - O legislador na Lei 51/2011, de 13.09, que introduziu alterações à Lei das Comunicações Eletrónicas (LCE – LEI n.º 5/2004) atenuou o regime extremamente protetor para o utente consagrado no DL n.º 56/2010, de 01/06 e voltou a admitir nos contratos relativos a comunicações eletrónicas em que não tenha havido entrega de equipamentos com preços reduzidos, a estipulação de cláusula penal a fixar indemnização pela cessação antecipada do contrato por iniciativa do utente, desde que não sejam desproporcionada ou excessivamente onerosa. II- A cláusula contratual geral inserida num contrato de prestação de serviços de comunicações eletrónicas válido por 2 anos que estabeleça que em caso de denúncia antecipada pelo cliente, a operadora terá direito a uma indemnização no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado, impõe consequências patrimoniais injustificadas e gravosas ao aderente e consequentemente é uma cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir».
Diferentemente, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/04/2014 (Proc. n.º 28496/12.0YIPRT.P1 – Relator: Pedro Lima Costa) é dito que: «1- No caso de rescisão do contrato de acesso a redes públicas de comunicações eletrónicas por parte do utente, ocorrida durante o período de fidelização, o Decreto-Lei 56/2010, de 1/6, proíbe que o operador de serviços de comunicações eletrónicas cobre ao utente indemnização com valor superior ao preço corrente de equipamentos que tal operador tenha fornecido ao utente, preço corrente esse que poderá ser minorado pelo decurso do tempo, em conformidade com indexantes previstos nas três alíneas do nº 2 do art.º 2 daquele diploma legal. 2- Se não tiver ocorrido a oferta de equipamentos, ou se foi praticada venda de equipamentos ao preço corrente de mercado, o utente não terá de indemnizar o operador pela rescisão ocorrida durante o período de fidelização. 3- A disciplina do Decreto-Lei 56/2010 não foi alterada ou derrogada pela entrada em vigor da Lei 51/2011, de 13/9. 4- O Decreto-Lei 56/2010 vigora para todos os assinantes de contratos de comunicações eletrónicas, na aceção de “assinante” do art.º 3 da Lei 5/2004, de 10/2, ou seja, “a pessoa singular ou coletiva que é parte num contrato com um prestador de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público para o fornecimento desses serviços”».
No caso do contrato dos autos, como logo evidenciámos no início, não é claro que tenha havido qualquer entrega definitiva de equipamentos pela operadora cujo pagamento fosse refletido nas mensalidades vincendas durante o período de fidelização.
Nos documentos juntos aos autos são efetivamente identificados equipamentos, mas parece que a “ação” da A. consistiu apenas na sua “instalação”, havendo até uma obrigação de restituição após desativação do serviço, conforme declarações assinadas pelo cliente.
Em suma, existe apenas prova de que houve uma intervenção técnica da A., mas desconhece-se o seu valor.
Aliás, esses factos relacionados com a entrega de equipamentos e do seu valor, devem ser tidos como integradores da causa de pedir da indemnização peticionada. Pelo que, deveriam ter sido alegados desde o início, logo na petição inicial (cfr. Art.º 552.º n.º 1 al. d) do C.P.C.). Nessa estrita medida, não tendo sido alegados, como devido, no momento próprio, relativamente aos mesmos não poderia haver despacho de aperfeiçoamento (cfr. Art.º 590.º n.º 2 al. b), n.º 3 e n.º 4 do C.P.C.).
Em todo o caso, esses benefícios e entregas, de equipamento deveriam ser quantificados nos termos do próprio contrato escrito, o que não sucedeu no caso dos autos, como já evidenciámos.
Em suma, existe uma oferta de voucher para equipamento, que não se sabe se foi usado pelo cliente. Existe uma oferta de uma mensalidade, mas que assume apenas natureza comercial de benefício pela adesão ao débito direto e à fatura eletrónica. E fazem-se menções a equipamentos, mas para se dizer que foram instalados a custo zero pela A.. Pelo que, tudo nos leva a crer que estamos efetivamente fora do âmbito de aplicação do Dec.Lei n.º 56/2010 de 1/6.
Posto isto, para aferir da desproporcionalidade da cláusula contratual penal haveria ainda que ter em conta que o contrato esteve vigente pelo menos 1 ano, pois o contrato foi celebrado em dezembro de 2021 (cfr. facto provado 1) e o primeiro incumprimento refere-se ao mês de fevereiro de 2023 (cfr. doc. n.º 2 e facto provado 7).
Por outro lado, o único benefício efetivamente documentado no contrato e obtido pelo assinante, para além dos serviços que lhe foram sendo prestados, os últimos dos quais não pagou, foi a “instalação técnica”, cujo valor económico se desconhece.
Por tudo isto, considera a A. ser credora da indemnização contratual penal no valor total de €3.180,66, acrescida de IVA (cfr. artigo 7.º da petição inicial, por referência ao doc. 5).
Ora, não há como escapar à consideração de que a indemnização penal, calculada por referência às prestações vincendas até ao final do período de fidelização, será tanto mais desproporcionada quanto mais cedo se verificar o incumprimento e resolução do contrato.
Nesse pressuposto, pode efetivamente existir uma situação de enriquecimento manifesto, e sem causa justificativa, se se ponderar que o prestador de serviço de telecomunicações poderia, por força dessa cláusula, receber o valor de todas as mensalidades, em bruto, desde o início da vigência do contrato até ao final do tempo de fidelização, sem ficar onerado com o custo de qualquer prestação de serviços.
Portanto, este critério de cálculo da indemnização, mesmo que ponderando a vertente coercitiva e penalizante, pode exceder, e em muito, a razão de ser duma indemnização pelo dano por “lucros cessantes”, se tivermos em conta a cláusula em si mesma considerada, analisada “ex ante”, por referência à data da celebração do contrato.
É neste contexto que se revela de toda a utilidade a ponderação dos critérios legais que entretanto vieram a ser consagrados na Lei n.º 16/2022 de 16/8, que permitem a concretização do que possa ser entendido, no conceito do legislador, como “cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir”, estabelecidas como cláusulas proibidas nos termos do Art.º 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10.
Deve, portanto, fazer-se uma interpretação atualizada do disposto no Art.º 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, e em coerência interna com todo o sistema, de forma a conjugar essa disposição com os critérios de cálculo da indemnização penal entretanto aprovados pela Lei n.º 16/2022 de 16/8, decorrente da remissão do seu Art.º 128.º n.º 9 para o Art.º 136.º n.º 4, al.s a) e b), subalínea i), de modo a que os encargos com a fidelização não possam exceder, ou o valor das vantagens conferidas (se estas forem explicitamente quantificadas nos termos do contrato), ou uma percentagem de 50% do valor das mensalidades vincendas (caso não sejam quantificadas essas vantagens a compensar com as mensalidades vincendas). Sendo claro que a Recorrente, A. na ação, por força do convencionado no contrato, pretendia uma indemnização igual a 100% do valor das mensalidades vincendas.
Já o dissemos, não podemos aplicar diretamente os limites que resultam da Lei n.º 16/2022 de 16/8, até porque esta claramente se aplica ao caso dos assinantes com a qualidade de “consumidores”. Mas esses normativos podem ser utilizados como critério base genéricos para aferir, de forma atualista e mais concretiza, o que possa ser entendido como uma “cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir”, para efeitos do Art.º 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/12. Recordando que este último preceito não se aplica apenas aos “consumidores”, mas aos contratos em que se faça uso de cláusulas contratuais gerais, resultantes de “relações entre empresários ou entidades equiparadas”, como é o caso.
Dito isto, entendemos que, na pior das hipóteses, em caso de resolução de um contrato de prestação de serviços de telecomunicações, por incumprimento culposo da obrigação de pagamento das mensalidades acordadas suportar pelo assinante – independentemente de essa resolução ter ocorrido no primeiro ou no segundo ano de vigência do contrato –, e quando exista uma cláusula de fidelização (que, no caso, era de 3 anos), sem que esteja estabelecido o fornecimento de qualquer equipamento ou qualquer vantagem económica relevante, identificável e quantificável nos termos do próprio contrato, deveria ter-se por objetivamente desproporcional a indemnização resultante de cláusula penal que pudesse legitimar a exigência do pagamento de mensalidades vincendas em valor que excedesse a percentagem de 50% dessas prestações.
A exigência integral da totalidade das prestações vincendas até ao termo previsto de 3 anos de fidelização, em contratos que podem findar passados escassos meses do início da sua vigência e em que o prestador de serviços cessa de imediato a sua prestação, traduz-se uma exigência draconiana a que não corresponde a qualquer dano efetivo quantificável que possa justificar semelhante penalização.
Em suma, haviam fundadas razões para se entender que a cláusula penal em menção, constante do contrato dos autos, era efetivamente nula, por violação do Art.º 19.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, o que, como vimos, era de conhecimento oficioso e deveria determinar a absolvição da R. nessa parte do pedido, como efetivamente ocorreu.
Em conformidade, deverá a sentença recorrida ser integralmente confirmada, improcedendo todas as conclusões apresentadas em sentido diverso do exposto.
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V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, por não provada, julgando manter a sentença recorrida nos seus precisos termos.
- Custas pela apelante (Art.º 527º n.º 1 do C.P.C.).
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Lisboa, 4 de fevereiro de 2025 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator
Carlos Oliveira
Rute Sabino Lopes
Cristina Silva Maximiano