ACIDENTE DE VIAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
MONTANTES INDEMNIZATÓRIOS
Sumário

I. No âmbito de uma ação declarativa de condenação em que figuram três autores, se no dispositivo da sentença o Tribunal a quo incorre em manifesto lapso de escrita no que respeita à identificação de um dos autores, atribuindo-lhe por lapso uma parcela indemnizatória que, nos termos expressamente consignados na fundamentação da mesma sentença era devida a outra autora, pode o Tribunal da Relação mandar baixar o processo, a fim de o Tribunal a quo ponderar a possibilidade de proceder à retificação da sentença apelada;
II. Nas circunstâncias descritas em I., e ainda que nem o autor “beneficiado”, nem a ré tenham recorrido da sentença não se forma caso julgado no que respeita à parcela indemnizatória que lhe foi erradamente atribuída, na medida em que da fundamentação da sentença decorre claramente que a mesma foi atribuída a outra autora.
III. Não pode admitir-se impugnação da decisão sobre matéria de facto relativamente a um ponto de facto em que na motivação do recurso, o apelante não indica os concretos meios de prova que, no seu entender, justificam decisão probatória diversa.
IV. No domínio da responsabilidade civil extracontratual o dano corporal, enquanto violação do direito à integridade física e psíquica do lesado pode compreender duas dimensões distintas:
a. dano biológico, que pode integrar não só uma vertente patrimonial, decorrente da perda efetiva de rendimentos causada pela perda de capacidade para o para o trabalho, mas também uma vertente não patrimonial decorrente do esforço acrescido que a incapacidade funcional de que o/a lesado/a ficou afetado/a, e o/a acompanhará ao longo da vida causa com reflexos quer na sua atividade profissional, quer em atividades de lazer, quer ainda nas tarefas da vida comum, e ainda uma componente consubstanciada no dano estético;
b. dano não patrimonial stricto sensu, emergente de padecimentos físicos e/ou psíquicos;
V. Tendo o Tribunal a quo atribuído a uma das autoras indemnizações distintas a título de ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais, considerando em ambas as “categorias” componentes inerentes ao dano biológico, e interpondo essa autora recurso apenas no tocante ao montante da indemnização por danos não patrimoniais, a reapreciação do montante desta indemnização deverá considerar apenas a vertente não patrimonial do dano biológico e os danos não patrimoniais s.s.
VI. Considerando que à data de acidente de viação que sofreu a autora tinha 45 anos de idade e que, em consequência do mesmo acidente e das lesões e sequelas dele emergentes:
• Sofreu fratura de dois arcos costais, com desalinhamento de um deles e consequente laceração intra-torácica, bem como fratura de uma tíbia;
• Foi submetida a intervenção cirúrgica;
• Em consequência de tais lesões e do tratamento das mesmas resultaram:
– Défice Funcional Temporário Total de 9 dias;
– Défice Funcional Temporário Parcial, de 241 dias;
– Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 161 dias;
– Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial de 89 dias;
– Sofrimento físico e psíquico, de grau quatro, em sete de gravidade crescente:
– Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 7%;
– Repercussão Permanente na Atividade Formativa/Profissional compatível com o exercício da atividade habitual atual, com esforços suplementares;
– Dano Estético Permanente, fixável no grau 4 (quatro), numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente, tendo em conta as cicatrizes advenientes das cirurgias, que lhe causam vergonha;
… deve fixar-se em € 15.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais (englobando quer a vertente não patrimonial do dano biológico, quer os danos não patrimoniais ss.) decorrentes do mencionado acidente.
(Da responsabilidade do relator - art.º 663º nº 7 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26-06, e adiante designado pela sigla “CPC”.)

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
AA1, intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra GNB – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.2, pedindo a condenação da ré a:

A. Indemnizar a A. pela ITA a determinar no mínimo, de que sofre mercê do acidente, que se estima em 70.000.00 €.
B. Pagar ao sinistrado 30,00€ por dia de ITA, em sede de danos morais (160 x 30€ = 4.800,00€)
C. Pagar ao sinistrado 60.000,00€ de indemnização por danos morais pelas dores físicas, angústia e perca de dignidade, passadas presentes e futuras
D. Pagar ao A. todo e qualquer dano futuro, tais como consultas, operações, tratamentos adequados de assistência médica, ajudas medicamentosas e ajudas técnicas para fazer face a dores e incómodos para repor a situação anterior e tratar lesões do A.
E. Condenação da R. a suportar todos os danos patrimoniais futuros decorrentes do mesmo,
F. Acrescidos dos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento do devido,
G. Bem como digna procuradoria
H. E custas de parte nas quais o A. venha a incorrer.”
Mais requereu a intervenção principal provocada do Hospital de Santa Maria e do Hospital Fernando da Fonseca para ressarcimento dos montantes relativos a tratamentos das lesões decorrentes do acidente de viação em causa nos presentes autos.
*
2. BB3 intentou igualmente ação declarativa de condenação com processo comum (atualmente apenso A), contra GNB – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., formulando os seguintes pedidos:

A. Indemnizar a A. pela ITA no mínimo, de que sofre mercê do acidente, que se estima em 10.000.00 €.
B. Pagar à sinistrada 30,00€ por dia de ITA, em sede de danos morais (30 x 30€ = 900,00€)
C. Pagar a sinistrada 20.000,00€ de indemnização por danos morais pelas dores físicas, angústia e perca de dignidade, passadas presentes e futuras
D. Pagar à A. chamadas, deslocações, refeições os danos materiais decorrentes no valor de 700,00 €.
E. Pagar à A todo e qualquer dano futuro, tais como consultas, operações, tratamentos adequados de assistência médica, ajudas medicamentosas e ajudas técnicas para fazer face a dores e incómodos para repor a situação anterior e tratar lesões da A.
F. Condenação da R. a suportar todos os danos patrimoniais futuros decorrentes do mesmo,
G. Acrescidos dos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento do devido,
H. Bem como digna procuradoria
I. E custas de parte nas quais a A. venha a incorrer”.
*
3. CC4 também instaurou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum (atualmente apenso B), contra GNB – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. pedindo a condenação desta a:

A. Indemnizar a A. pela ITA no mínimo, de que sofre mercê do acidente, que se estima em 10.000.00 €.
B. Pagar ao sinistrado 30,00€ por dia de ITA, em sede de danos morais (87 x 30€ = 2.610,00€)
C. Pagar ao sinistrado 20.000,00€ de indemnização por danos morais pelas dores físicas, angústia e perca de dignidade, passadas presentes e futuras
D. Pagar o A. chamadas, deslocações, refeições os danos materiais decorrentes no valor de 900,00 €.
E. Pagar ao A. todo e qualquer dano futuro, tais como consultas, operações, tratamentos adequados de assistência médica, ajudas medicamentosas e ajudas técnicas para fazer face a dores e incómodos para repor a situação anterior e tratar lesões do A.
F. Condenação da R. a suportar todos os danos patrimoniais futuros decorrentes do mesmo,
G. Acrescidos dos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento do devido,
H. Bem como digna procuradoria
I. E custas de parte nas quais o A. venha a incorrer”
*
Para tanto alegaram os autores que foram intervenientes em acidente de viação quando se faziam transportar no veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-RQ, segurado na ré, conduzido por DD, o qual ocorreu por conduta culposa deste, visto que o mesmo circulava na Estrada Nacional nº 375, em Sintra, sentido Sintra/Mem-Martins, imprimindo ao veículo velocidade que não lhe permitiu controlá-lo de modo a evitar o embate numa árvore ali existente, provocando o capotamento do veículo, em consequência do qual eles autores sofreram lesões físicas, que demandaram os tratamentos que enumeram tendo ficado com as sequelas que indicam, e sofrido os danos cujo ressarcimento peticionam.
*
Citada, a ré contestou:
• Requerendo a apensação dos três processos suprarreferidos, por se reportaram todos ao mesmo sinistro;
• Admitindo a celebração do contrato de seguro titulado pela apólice com o número 2000657318, conforme apólice que juntou, e a sua vigência à data do sinistro e a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na produção do acidente;
• Impugnando a natureza, alcance e a extensão dos danos invocados e o montante das indemnizações peticionadas.
Concluiu pedindo seja a ação julgada de acordo com a prova a produzir em julgamento.
*
No desenvolvimento da causa, o Tribunal a quo ordenou a apensação das três ações, passando as ações apensadas a ser tramitadas nos presentes autos.
*
Realizada a audiência final, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e, em conformidade:
A. Condeno a R. GNB – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagar à A. AA:
a. A quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa aplicável às operações civis, fixada actualmente em 4% ao ano, desde a data da citação da R. para a presente acção até pagamento;
b. A quantia de 7.000,00€ (sete mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa aplicável às operações civis, fixada actualmente em 4% ao ano, desde a data da presente decisão até pagamento.
B. Condeno a R. GNB – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagar à A. CC a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa aplicável às operações civis, fixada actualmente em 4% ao ano, desde a data da presente decisão até pagamento.
C. Condeno a R. GNB – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagar à A. CC:
a. A quantia de 1.000,00€ (mil euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa aplicável às operações civis, fixada actualmente em 4% ao ano, desde a data da citação da R. para a presente acção até pagamento;
b. A quantia de 3.000,00€ (três mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa aplicável às operações civis, fixada actualmente em 4% ao ano, desde a data da presente decisão até pagamento.
D. Do mais vai a R. GNB – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. absolvida.
*
Custas em proporção do decaimento, que fixo definitivamente na proporção de 75% para os AA. e de 25% para a R., sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.”
Inconformadas, as autoras AA e BB interpuseram recurso de apelação cujos fundamentos sintetizaram nas seguintes conclusões:
1. O âmbito da obrigação de indemnizar decorrente de um acidente de viação, se baseada na culpa, abrange todos os danos decorrentes do acidente, (pessoais / materiais, patrimoniais / morais), sendo obviamente abrangida a obrigação de indemnizar as retribuições não auferidas em virtude da incapacidade para o trabalho, bem como o transporte para as sessões de fisioterapia.
2. Se optarmos pela indemnização pelo risco, a obrigação de indemnizar abrange somente os danos pessoais.
3. No acidente em causa há culpa do segurado.
4. No entanto e sem conceder, mesmo se somente imputável a título de risco, a obrigação de indemnizar os danos pessoais compreende todos os danos decorrentes de lesão corporal da vítima.
5. A jurisprudência entende, que a lesão corporal contrapõe-se à lesão material. Ou seja, a indemnização das lesões em coisas pode estar excluída na responsabilidade pelo risco, mas a indemnização das lesões corporais está sempre garantida.
6. As lesões corporais desdobram-se por sua vez em aspectos patrimoniais e não patrimoniais (danos patrimoniais e morais).
7. Assim, a obrigação de indemnizar, mesmo pelo risco, abrange os danos, quer morais, quer patrimoniais decorrentes de uma lesão corporal.
8. Ou seja, quer com base em culpa, quer com base no risco, o artigo 504º do Código Civil e o artigo 14º do DL 291/07, estatuem a obrigação de indemnizar os danos ora peticionados.
9. Violou assim o Tribunal os artigos 504º do CC e 14º do DL 291/2007.
10. A A ficou com uma IPP de 7 pontos.
11. Ora, se assim é há lesões permanentes.
12. Tais lesões são uma instabilidade da articulação com limitações e dores.
13. Citamos a descrição:
Mf1309 Artrose pós-traumática (segundo as limitações funcionais e dor) …….. 1 a 8
14. Por isso entendemos que o valor do dano moral, esforços acrescidos e deficit permanente deve ser substancialmente superior.
15. Devia ser atribuído um valor autónomo no que diz respeito à repercussão nas actividades de lazer e desportivas, considerando os factos que foram demonstrados, consideramos equitativa a quantia atribuída pela 1º Instância a título de indemnização.
16. Não foi considerado provado quanto à A AA
Artigo 32 PI
Na presente data Jan de 2017, a A tem uma placa com parafusos de osteossíntese na região superior da tíbia e inferior da mesma.
a. AA ficou afectada psiquicamente, não conseguindo dormir bem, acordando em pânico e chorando com medo, sentindo-se insegura.
A A vai continuar a necessitar de consultas, operações, tratamentos adequados de assistência médica, ajudas medicamentosas e ajudas técnicas para fazer face a dores e incómodos para repor a situação anterior e tratar lesões do A.
17. Não foi considerado provado quanto à A BB
A A. BB ficou afectada psiquicamente, não dorme bem, tem medo de andar de carro e sente-se diminuída relativamente ao que era antes do acidente.
18. Na nossa opinião é evidente que as 2 AA ficaram afectadas psicologicamente.
19. Basta atender ao facto de existir um acidente com um capotamento para ser evidente que há traumas.
20. Se ouvirmos os depoimentos das AA tal é evidente.
21. Ouça-se os ficheiros juntos:
AA:
Juíza: diga-me uma coisa. a senhora por causa dessa sua fratura que teve na perna ferros. A senhora foi operada para tirar os ferros?
Testemunha: Não, não tira
Juíza: Então ficaram lá?
Testemunha: Fica está lá. Penso que se calhar é melhor ter o ferro. Eu já li muitas coisas sobre isto e muitas histórias iguais. As pessoas e a gente dizem que depois é pior eu tenho medo de tirar.
BB:
Juíza: Conseguiu tirar a carta portuguesa?
Testemunha: Sim não me lembro há quanto tempo.
Eu ainda não posso não consigo conduzir levar a filha à escola não sei o quê. O meu marido trabalha. Tem dois carros, mas eu não consigo basta sentar no carro não posso Não sei porque na minha cabeça.
Na minha cabeça penso agora vou bater-me agora vai virar e não consigo.
Juíza: Está sempre com medo que acidente acontece a outra vez?
Testemunha: Sim é isso alguém vai bater-me. ou eu vou bater e posso morrer.
Juíza: Tem estes pensamentos.
22. A A AA necessita de assistência médica e medicamentosa futura.
23. Oiça-se a senhora perita a minutos 6 a 6.50. Transcrevemos:
Advogado: É certo e seguro que esta senhora vai necessitar de acompanhamento médico e medicamentos?
Testemunha: Sim, mas não de forma regular.
Advogado: muito bem. Segunda pergunta foi dito por esta senhora tinha dificuldades de correr e de andar e que tinha dificuldades recorrentes. Isto é compatível com o seu relatório?
Testemunha: Sim ela terá mais dificuldade em correr. Não são impeditivas de correr, mas admitindo queixas álgicas irão limitar a velocidade etc. com que faz.
Remataram as suas conclusões nos seguintes termos:
“Em suma, requer-se seja alterada a decisão e a R condenada a:
• Sejam revistos para valor justo a indemnização a título de danos não patrimoniais da AA para € 100.000, na vertente de dano biológico e dano moral, de forma que indemnize os padecimentos passados, presentes e futuros da A AA de forma equitativa e justa.
• Seja a seguradora condenada a suportar as consultas e assistência médica e medicamentosa futura da AA.
• Seja a A BB indemnizada, pois os danos corporais beneficiam da cobertura do seguro, mesmo sendo mulher ou esposa do condutor.”
A ré apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Os Recorrentes apresentaram recurso da douta sentença proferida 04.09.2023, com a ref. 145318962, que condenou a MUDUM no pagamento aos Autores da quantia global €31.000,00 (trinta e um mil euros), acrescido de juros de mora, com custas processuais na proporção do decaimento;
2. A douta decisão recorrida não merece qualquer reparo, tendo sido ponderadas e decididas de forma correcta as questões, de facto e de direito, submetidas à apreciação deste douto Tribunal, pelo que a douta sentença deve ser mantida, nos seus precisos termos;
3. O recurso interposto pelos Recorrentes é delimitado pelas respectivas conclusões, estando em causa nos autos resolver as questões que se enumeram: a) reapreciação da matéria de facto; e b) a interpretação e aplicação do direito, nomeadamente quanto ao montante indemnizatório (danos corporais e danos não patrimoniais, na vertente do dano biológico e dano moral);
4. A decisão recorrida efectuou um juízo correcto e acertado quanto à matéria de facto provada, sendo improcedente a reapreciação de facto (e de direito) requerida pelos Recorrentes;
5. Quanto à apreciação da prova testemunhal produzida em sede de julgamento, bem como nas declarações de parte prestadas pelos Autores, estamos no puro domínio da convicção probatória, sendo certo que o artigo 396.º CC consagra a liberdade de apreciação da força probatória dos depoimentos das testemunhas;
6. No caso em apreço, não se vislumbra que essa convicção haja sido abalada pelo teor das alegações dos Recorrentes, que não forneceram qualquer elemento pertinente (ou inovador) nesse sentido, pelo que deverão manter-se inalterados todos os factos dados como provados e não provados, pois foi feita uma correcta apreciação da prova produzida em juízo;
7. De facto, o Tribunal fez uma análise ponderada e crítica das provas e especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, conforme é exigido pelo disposto no artigo 607.º do CPC, efectuando um juízo adequado, realista e concreto da prova produzida, ou seja, procedeu a uma correcta avaliação da prova que lhe foi submetida e posterior interpretação e aplicação do direito ao caso concreto;
8. Assim, a decisão recorrida não merece qualquer reparo do ponto de vista da aplicação do direito, designadamente quanto ao montante indemnizatório (danos patrimoniais e não patrimoniais), devendo por isso manter-se;
9. Não foram alinhavadas, em sede de recurso, nem se divisam, sólidas razões que ponham em causa o entendimento perfilhado pelo Tribunal e aconselhem a opção por uma decisão distinta da que foi doutamente proferida, pelo que a sentença ser confirmada pelo Tribunal ad quem.
O Tribunal a quo rejeitou o recurso, por extemporâneo; contudo desta decisão reclamaram as autoras, tendo este Tribunal julgado a reclamação procedente e determinado a subida do recurso5.
Recebidos os autos neste Tribunal, o relator proferiu despacho, nos termos do qual determinou que os autos voltassem ao Tribunal a quo, a fim de este se pronunciar sobre eventual lapso de escrita no dispositivo da sentença apelada.
Não tendo esta decisão sido objeto de reclamação para a conferência (art.º 652º do CPC), baixaram os autos ao Tribunal recorrido, tendo a Mmª Juíza a quo proferido despacho com o seguinte dispositivo:
“Termos em que rectifico a referida parte do dispositivo da sentença do qual passa a constar:
“Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a presente ação e, em conformidade:
A. Condeno a R. GNB – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagar à A. AA:
a. A quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa aplicável às operações civis, fixada actualmente em 4% ao ano, desde a data da citação da R. para a presente acção até pagamento;
b. A quantia de 7.000,00€ (sete mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa aplicável às operações civis, fixada actualmente em 4% ao ano, desde a data da presente decisão até pagamento.
B. Condeno a R. GNB – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagar à A. BB a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa aplicável às operações civis, fixada actualmente em 4% ao ano, desde a data da presente decisão até pagamento.
C. Condeno a R. GNB – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagar ao A. CC:
a. A quantia de 1.000,00€ (mil euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa aplicável às operações civis, fixada actualmente em 4% ao ano, desde a data da citação da R. para a presente acção até pagamento;
b. A quantia de 3.000,00€ (três mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa aplicável às operações civis, fixada actualmente em 4% ao ano, desde a data da presente decisão até pagamento.
c. Do mais vai a R. GNB – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. absolvida.”
Notificadas as partes, os autores CC e BB interpuseram novo recurso, cuja motivação resumiram nas seguintes conclusões:
1. As AA BB e AA recorreram.
2. O A CC e a R Seguradora conformaram-se com a Sentença. De facto, a R Seguradora louva a Sentença pela sua clareza e ninguém impugnou o valor de indemnização atribuído ao A CC. Assim, o valor da indemnização deste A é de 9.000.00 €.
3. Salvo melhor opinião, quanto ao A CC a Sentença transitou em julgado com o acordo de A e R.
4. Outra solução, seria ofensiva da certeza e segurança jurídica de um caso julgado.
5. Por outro lado, não nos parece ser possível atento o nº 2 do artigo 614 reenviar os autos para a primeira instância.
6. Com o maior respeito, o Tribunal da Relação não pode mandar alterar uma sentença transitada um julgado referente ao CC, com a qual a R aliás se conformou, nem o Tribunal de 1º Instância o pode fazer.
7. Não foi considerado provado quanto à A BB:
A A. BB ficou afectada psiquicamente, não dorme bem, tem medo de andar de carro e sente-se diminuída relativamente ao que era antes do acidente.
8. Na nossa opinião é evidente que os 2 AA ficaram afectados psicologicamente.
9. Basta atender ao facto de existir um acidente com um capotamento para ser evidente que há traumas.
10. Se ouvirmos os depoimentos das AA tal é evidente.
11. Ouça-se os ficheiros juntos:
BB:
Juíza: Conseguiu tirar a carta portuguesa?
Testemunha: Sim não me lembro há quanto tempo.
Eu ainda não posso não consigo conduzir levar a filha à escola não sei o quê. O meu marido trabalha. Tem dois carros, mas eu não consigo basta sentar no carro não posso Não sei porque na minha cabeça.
Na minha cabeça penso agora vou bater-me agora vai virar e não consigo.
Juíza: Está sempre com medo que acidente acontece a outra vez?
Testemunha: Sim é isso alguém vai bater-me. ou eu vou bater e posso morrer.
Juíza: Tem estes pensamentos.
CC a minutos 3.20 a 4.30
Testemunha: bati na perna, fiquei a andar coxo
Eu estive 3 meses de baixa, não conseguia fazer nada e patrão mandou para a Rua porque precisava de trabalhadores. E depois fui a mudança e não podia trabalhar por causa de joelhos e costeletas ainda durante algum tempo.
Remataram as suas conclusões nos seguintes termos:
“(…) requer-se seja alterada a decisão e a R condenada a pagar os seguintes valores:
• Sejam revistos para valor justo a indemnização a título de danos da A BB em 8.000.00 € de forma equitativa e justa.
• Sejam revistos para valor justo a indemnização a título de danos do A CC em 8.000.00 de forma equitativa e justa.”
A apelada não apresentou contra-alegações.
Objeto do recurso
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam6. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art.º 5º n.º 3 do CPC).
Não obstante, excetuadas as questões de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas7.
No caso vertente é ainda de considerar que muito embora a autora AA não tenha interposto recurso da decisão que determinou a retificação da sentença apelada, subsiste o recurso anteriormente interposto.
Já no que toca à autora BB, entendemos que a segunda apelação como que “consome” a primeira.
Finalmente, e no que diz respeito ao autor CC, haverá que considerar as questões colocadas na mais recente das apelações.
Assim sendo, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
• A impugnação da decisão sobre matéria de facto.
• O invocado trânsito em julgado da sentença apelada relativamente ao autor CC;
• O mérito das pretensões indemnizatórias deduzidas pelos três autores, no tocante ao ressarcimento dos seguintes danos:
a. Danos não patrimoniais sofridos pela apelante AA;
b. Danos futuros decorrentes de consultas e assistência médica relativos à autora AA;
c. Danos sofridos pela autora BB;
d. Danos não patrimoniais sofridos pelo autor CC
Fundamentação
3.1. Os factos
Factos provados
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. No dia 23-10-2014, cerca das 02h30, em Sintra, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros com matrícula ..-..-RQ, seguro na BES-Seguros, apólice nº 2000657318 e os passageiros do veículo AA, BB e CC.
2. O veículo com matrícula ..-..-RQ circulava na N375 em Sintra, sentido Sintra-Mem-Martins na via direita.
3. O acidente ocorreu cerca 200 metros a frente da bomba de BP.
4. O condutor do veículo ..-..-RQ DD deixou de conseguir dominar o mesmo, descontrolou-se e o veículo embateu com a sua parte direita numa árvore existente na berma da via.
5. Após o que capotou, ficando com as rodas viradas para cima.
6. O condutor não logrou evitar o embate por circular a velocidade não concretamente apurada, mas superior a 40 km/hora.
7. O condutor não reduziu a velocidade de modo a poder parar para evitar o embate.
8. Na altura do acidente o tempo estava bom, o piso encontrava-se limpo e seco.
9. No local existe sinal de proibição de circular a mais de 40 km/hora.
10. Na sequência do acidente AA foi transportada em plano duro e com colar cervical, admitida no SU do HSM pelas 03h48 do mesmo dia, apresentando TCE com perda de conhecimento, traumatismo cervical, toracoabdominal e do membro inferior esquerdo, hemodinamicamente estável, em GCS II e com anisocoria. Apresentava ainda da perna esquerda com ferida.
11. Foi submetida a ecografia e TAC abdomino-pélvica urgente que revelaram: “laceração esplénica longitudinal que atinge o hilo esplénico e condiciona hematoma subcapsular com uma espessura de 15 mm. Fina lâmina de líquido peri-hepática. Moderada quantidade de líquido livre na cavidade pélvica (hemoperitoneu). Fracturas alinhadas no 8º e 9º arcos costais que à esquerda se encontram alinhadas. À direita apresentam desalinhamento, sendo que um dos topos ósseos do 8º arco costal se encontra em intra-torácica, condicionando área de laceração pulmonar e ligeiro pneumotórax”.
12. Foi também submetida a TC-CE que não revelou alterações.
13. Foi submetida a intervenção cirúrgica – laparotomia exploradora + toilette peritoneal + esplenectomia.
14. Foi posteriormente observada por Ortopedia, que documentou «membros sup e inf dto sem edema, hematoma nem deformidade, sem défices vasculares. MID: penso no terço médio da perna, massas musculares sem evidencia de aumento da tensão intra compartimental, solução de continuidade face anterior da perna. Foi submetida a TC da coluna cervical e lombo sagrada, que se revelaram "sem evidência de fratura nem luxação agudas" e a radiografia da perna esquerda que revelou "fractura diáfise tíbia transversa 42A3”, tendo sido dada indicação de tratamento cirúrgico.»
15. Foi submetida a Intervenção cirurgia ortopédica de encalhamento tibial (tíbia esquerda) com instrumental ETN e foi internada no Serviço de medicina intensiva.
16. A data de consolidação médico legal das lesões sofridas pela A. AA na sequência do acidente é fixável em 29-06-2015, tendo esta sofrido de:
1. Um período de Défice Funcional Temporário Total fixável em 9 dias, correspondente a internamento entre 23-10-2014 e 31-10-2014;
2. Um período de Défice Funcional Temporário Parcial, fixável em 241;
3. Um período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 161 dias;
4. Um período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial de 89 dias;
5. De sofrimento físico e psíquico, de grau quatro, em sete de gravidade crescente.
17. A A. AA ficou a padecer, em consequência do acidente e lesões sofridas com o mesmo:
1. De um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 7 (sete) pontos de 100 (cem).
2. De Repercussão Permanente na Atividade Formativa/Profissional compatível com o exercício da atividade habitual atual, com esforços suplementares.
3. De Dano Estético Permanente, fixável no grau 4 (quatro), numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente, tendo em conta as cicatrizes advenientes das cirurgias, que causam vergonha à A.
18. A A. AA nasceu em 08-04-1969.
19. A A. AA trabalha como empregada de limpeza.
20. Na sequência do acidente BB sofreu traumatismo torácico e da face.
21. Recorreu ao SU do HPDFF pelas 18h55 do dia, 25-10-2014, queixando-se de toracalgia à inspiração profunda, dor à mastigação e limitação na abertura da boca.
22. Foi medicada com analgésicos.
23. A data de consolidação médico legal das lesões sofridas pela A. BB na sequência do acidente é fixável em 25-11-2014, tendo esta sofrido de:
1. Um período de Défice Funcional Temporário Parcial, fixável em 34 dias;
2. Um período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 30 dias;
3. Um período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial de 4 dias;
4. De sofrimento físico e psíquico, de grau três, em sete de gravidade crescente.
24. A A. BB nasceu em 03-06-1981.
25. À data do acidente a A. BB trabalhava como empregada de limpeza.
26. Actualmente a A. BB está desempregada.
27. A A. BB é casada com condutor do veículo sinistrado DD.
28. CC foi admitido no SU do HSFX pelas 21h38 do mesmo dia, queixando-se de “náuseas e cefaleias (...) dor na grelha costal direita e joelho esquerdo”.
29. Examinado em ortopedia revelou gonalgia esquerda, sem limitação de mobilidade e sem deformidade. Radiografia sem lesões traumáticas agudas dos tecidos ósseos. Recomendado gelo local e analgesia. Alta.
30. Foi submetido a exames neurológicos que não revelaram qualquer alteração.
31. A data de consolidação médico legal das lesões sofridas pelo A. CC na sequência do acidente é fixável em 20-01-2015, tendo este sofrido de:
32. Um período de Défice Funcional Temporário Parcial, fixável em 91;
33. Um período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 55 dias;
34. Um período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial de 36 dias;
35. De sofrimento físico e psíquico, de grau dois, em sete de gravidade crescente.
36. O A. ficou curado, não apresentando quaisquer sequelas.
37. O A. CC nasceu em 01-01-1980.
38. À data do sinistro o A. CC trabalhava numa empresa de mudanças.
39. Actualmente o A. CC trabalha por conta própria prestando serviços de jardinagem.
40. À data do sinistro a responsabilidade infortunística adveniente da circulação do veículo sinistrado estava transferida para a R. através da Apólice nº 2000657318.
3.1.2. Factos não provados
O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
a. AA ficou afetada psiquicamente, não conseguindo dormir bem, acordando em pânico e chorando com medo, sentindo-se insegura.
b. A A. não pode trabalhar.
c. A A. BB fez tratamentos diários, fisioterapia e tomou outra medicação para além da referida em 22.
d. A A. BB ficou afetada psiquicamente, não dorme bem, tem medo de andar de carro e sente-se diminuída relativamente ao que era antes do acidente.
e. O A. CC ficou afetado psiquicamente, não conseguindo dormir bem.
f. O A. gastou em chamadas, deslocações, refeições e outras despesas, o valor de 900,00€.
g. O A. teve dano estético, dores físicas, sentiu angústia, frustração e depressão, e teve sentimentos de inutilidade e impotência.
3.2. Os factos e o direito
3.2.1. Da impugnação da decisão sobre matéria de facto
3.2.1.1. Considerações gerais
Dispõe o art.º 662º n.º 1 do CPC2013 que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou documento/s superveniente/s, impuserem decisão diversa.
Nos termos do art.º 640º n.º 1 do mesmo código, quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O n.º 2 do mesmo preceito concretiza que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso, podendo transcrever os excertos tidos por relevantes.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida.
Mais concretamente, no que respeita à indicação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art.º 640.º, n.º 1, al. a) do CPC), cremos que tal indicação deve ser clara, inequívoca, e individualizada, de forma a não deixar quaisquer dúvidas quanto à identificação dos referidos pontos. Assim, sendo habitual que as decisões judiciais atribuam números aos diversos pontos da decisão de facto, a forma expectável de o fazer será mediante a indicação dos números correspondentes aos pontos da decisão de facto que o recorrente pretende ver reapreciados.
Como esclarece ABRANTES GERALDES8, “o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação nas alegações do recurso e síntese nas conclusões” e – acrescenta o Ilustre Conselheiro - “a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões”.9
Importa ainda clarificar a extensão e alcance do ónus de indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que no entender do recorrente imponham decisão diversa da proferida pelo Tribunal recorrido, aflorado no art.º 640º, nº 1, 1l. b) do CPC, e concretizado na al. a) do nº 2 do mesmo preceito. Trata-se, no fundo, de interpretar a expressão identificar com exatidão as concretas passagens da gravação em que se funda o (…) recurso, constante do último preceito invocado.
Assim, em primeira linha, no tocante a depoimentos gravados, a observância desse ónus implica a indicação do início e fim das passagens dos depoimentos tidas por relevantes, podendo o recorrente, se assim o entender, proceder à transcrição dessas passagens. Tal indicação não deve constar das conclusões, mas sim das alegações de recurso. No sentido exposto cfr., entre muitos outros, os acs. RC 25-10-2016 (Jorge Loureiro), p. 12/14.7TBLRA.C1; RC de 17-12-2017 (Isaías Pádua), p. 320/15.0T8MGR.C1; STJ 02-06-2016 (Lopes do Rego), p. 725/12.8TBCHV.G1.S1; STJ 06-12-2016 (Garcia Calejo), p. 437/11.0TBBGC.G1.S1; e STJ 23-05-2018 (Ribeiro Cardoso), p. 27/14.5T8CSC.L1.S1.
Não obstante, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sublinhado que na falta de indicação das horas, minutos e segundos em que se iniciam e terminam os excertos dos depoimentos que o apelante entende relevantes, o ónus de indicação precisa das mesmas passagens da gravação poderá considerar-se satisfeito se o apelante transcrever essas passagens, mas já não quando se limitar a resumir o sentido geral que atribuiu aos mesmos excertos – vd. acs. STJ 19-01-2016 (Sebastião Póvoas), p. 3316/10.4TBLRA.C1.S1; STJ 23-05-2018 (Ribeiro Cardoso), p. 27/14.5T8CSC.L1.S1; STJ 21-03-2019 (Rosa Tching), p. 3683/16.6T8CBR.C1.S2 e STJ 18-06-2019 (José Raínho), p. 152/18.3T8GRD.C1.S1.
Depois, há que sublinhar igualmente que este ónus de identificação precisa das passagens dos depoimentos invocados se aplica quer nas situações em que a impugnação da decisão sobre matéria de facto se funda exclusivamente no teor desses depoimentos, quer quando esses depoimentos constituem um dos meios de prova que sustentam entendimento diverso do expresso pelo Tribunal recorrido, a conjugar com outros meios de prova igualmente invocados pelo recorrente, nomeadamente documentais ou periciais. Nas palavras de ABRANTES GERALDES, tal ónus aplica-se “relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas10 (sublinhado nosso).
Finalmente, e no que respeita ao ónus de especificar a decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, cumpre sublinhar que o mesmo pressupõe a enunciação, de forma clara, das proposições de facto que devem substituir as proposições impugnadas. Neste particular, há que enfatizar que a circunstância de o recorrente impugnar um determinado ponto do elenco de factos provados não legitima a inferência de que pretende necessariamente que tal ponto de facto seja considerado não provado.
Com efeito, e em abstrato, admitem-se outras possibilidades, nomeadamente:
• Considerar provada apenas uma parte do ponto de facto impugnado, e não provada a restante;
• Aditar uma proposição fáctica que constitua uma ressalva, ou de qualquer modo restrinja o alcance da proposição de facto impugnada.
Estas considerações valem por inteiro11 para a impugnação de factos não provados.
Assim, a impugnação de qualquer ponto de facto, desacompanhada da enunciação clara da proposição que deve substituir o ponto de facto impugnado não satisfaz este ónus.
Concluindo, diremos que não satisfaz o ónus em apreço o recorrente que se limita a manifestar discordância no tocante a determinado ponto de facto, sem enunciar, de forma clara qual ou quais as proposições de facto que devem substituir a proposição impugnada.12
Sumariando todos os ónus impostos pelo citado preceito, ensina ABRANTES GERALDES13:
“(…) podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso, e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente aos pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação14, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;
f) (…).”
Nos termos do disposto no art.º 640.º, n.º 2, al. b) do CPC, a inobservância deste ónus tem como consequência “a imediata rejeição do recurso na respetiva parte”.
Esta respetiva parte será a parte do recurso referente à impugnação da matéria de facto afetada pela inobservância daquele(s) ónus.
Assim, se o recorrente impugna a decisão sobre matéria de facto relativamente a cinco factos provados, e em todos eles funda a sua discordância em depoimentos gravados, não observando aquele ónus, fácil é concluir que a consequência de tal inobservância será a rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, no seu todo.
Se o mesmo recorrente impugna a decisão sobre matéria de facto relativamente aos mesmos cinco factos provados, mas só quanto a um deles funda a sua discordância no teor da mesma prova testemunhal, motivando o seu entendimento relativamente aos demais na força probatória de documentos juntos ao processo, admitimos que a consequência da inobservância do mesmo ónus já não será a rejeição da impugnação da matéria de facto no seu todo, mas apenas quanto ao facto relativamente ao qual foi invocada a prova testemunhal. Neste caso, a rejeição do recurso cingir-se-ia a uma parte da impugnação da decisão sobre matéria de facto.
Finalmente, descortina-se ainda outra possibilidade, que consiste na circunstância de o recorrente impugnar a decisão sobre matéria de facto, invocando em abono do juízo probatório que sustenta relativamente a todos os pontos de facto impugnados quer o teor de prova gravada que não identifica com precisão, quer outros meios de prova, nomeadamente prova documental e/ou pericial.
Em casos como estes coloca-se, pois, a questão de saber se a consequência da inobservância daquele ónus será a rejeição do recurso no que tange à impugnação da decisão sobre matéria de facto no seu todo, ou apenas na parte relativa à prova testemunhal, caso em que o Tribunal da Relação teria que reapreciar a decisão sobre matéria de facto apenas em função dos meios de prova invocados pelo recorrente que não se reconduzam a depoimentos gravados.
Cremos que numa tal situação, e sem prejuízo dos poderes de averiguação oficiosa de que a Relação dispõe, a solução correta será a rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão sobre matéria de facto no seu todo, e não a mera desconsideração da prova gravada. Com efeito, resulta do disposto no art.º 662.º do CPC que na reapreciação da decisão sobre matéria de facto, a Relação deverá decidir com base no mesmo acervo probatório em que se fundou a decisão recorrida. Donde, não faria sentido interpretar a cominação processual em análise como suscetível de, relativamente a um mesmo facto, conduzir à rejeição do recurso apenas quanto a um de entre vários meios de prova.
3.2.1.2. O caso dos autos
No caso vertente, os autores discordam da decisão do Tribunal a quo por não ter considerado provados os seguintes factos:
Relativos à autora AA:
• Os factos alegados no art.º 32º da petição inicial desta autora, a qual tem o seguinte teor: “Na presente data Jan de 2017, a A tem uma placa com parafusos de osteossíntese na região superior da tíbia e inferior da mesma”;
• Os factos constantes da al. a. dos factos não provados;
• Os factos alegados no art.º 78º da petição inicial desta autora, a saber que “A A vai continuar a necessitar de consultas, operações, tratamentos adequados de assistência médica, ajudas medicamentosas e ajudas técnicas para fazer face a dores e incómodos para repor a situação anterior e tratar lesões do A”;
Relativamente à autora BB, os autores discordam da decisão sobre matéria de facto relativamente à al. d. dos factos não provados.
Finalmente, e no que respeita ao autor CC, os autores impugnam a decisão vertidas nas als. e. e f. dos factos provados.
No que respeita à observância dos ónus impugnatórios consagrados no art.º 640º do CPC diremos que de uma forma geral, e com exceção do que se refere à al. f. dos factos não provados, é de considerar que os apelantes observaram os ónus impugnatórios supramencionados.
Assim sendo, nada obsta à apreciação da decisão sobre matéria de facto, exceto no tocante à al. f. dos factos não provados, pelas razões que adiante exporemos.
3.2.1.2.1. Factos constantes do art.º 32 da petição inicial da autora AA
No art.º 32 da petição inicial apresentada pela autora AA, alegou esta que “Na presente data Jan de 2017, a A tem uma placa com parafusos de osteossíntese na região superior da tíbia e inferior da mesma”.
Na decisão sobre matéria de facto o Tribunal a quo não se pronunciou sobre esta questão fáctica, seja no sentido de a considerar provada, seja para a considerar não provada.
As apelantes consideram que esta proposição de facto deve considerar-se provada.
Para tanto invocam as declarações de parte prestadas pela autora AA, transcrevendo o seguinte trecho:
“Juíza: diga-me uma coisa. a senhora por causa dessa sua fratura que teve na perna ferros. A senhora foi operada para tirar os ferros?
Testemunha: Não, não tira
Juíza: Então ficaram lá?
Testemunha: Fica está lá. Penso que se calhar é melhor ter o ferro. Eu já li muitas coisas sobre isto e muitas histórias iguais. As pessoas e a gente diz que depois é pior eu tenho medo de tirar.”
Não invocaram as apelantes qualquer outro meio de prova que em seu entender justifique a demonstração deste ponto de facto.
Tratando-se de um facto relativo ao estado de saúde da autora AA, entende este Tribunal que o mesmo não pode ser considerado provado apenas com base neste trecho do seu depoimento, antes carece de demonstração científica, ou seja, teria de encontrar eco na prova pericial, na documentação clínica junta aos autos, ou nos esclarecimentos prestados pelos peritos, ou por pessoal médico que porventura tivesse prestado depoimento na qualidade de testemunhas.
Não tendo as apelantes invocado nenhum meio de prova de tal natureza, cumpre apenas concluir que, desacompanhado de outros meios de prova, as declarações prestadas pela autoria AA são insuficientes para considerar provados os factos em apreço.
Assim sendo, improcede a impugnação da decisão sobre matéria de facto quanto a este ponto.
Não obstante, porque se trata de factos alegados com interesse para a decisão da causa, determina-se o aditamento de uma nova alínea ao elenco de factos não provados com o teor da proposição fáctica vertida no art.º 32º da petição inicial da autora e apelante AA.
3.2.1.2.2. Als. a., d., e e. dos factos não provados
As als. a., d., e e. dos factos não provados têm o seguinte teor:

a. AA ficou afetada psiquicamente, não conseguindo dormir bem, acordando em pânico e chorando com medo, sentindo-se insegura.
a. A A. BB ficou afetada psiquicamente, não dorme bem, tem medo de andar de carro e sente-se diminuída relativamente ao que era antes do acidente”.
b. O A. CC ficou afetado psiquicamente, não conseguindo dormir bem.”
O Tribunal a quo justificou a sua decisão no sentido de considerar estes pontos de facto não provados nos seguintes termos:
“Quanto aos factos não provados, o tribunal fundou-se na inexistência de prova produzida quanto aos mesmos, posto que inexiste documentação que os comprove, não foram referidos por qualquer das testemunhas inquiridas ou sequer referidos pelos AA. em sede de depoimento de parte.”
Os apelantes consideram que os factos em apreço devem considerar-se provados, sustentando que “basta atender ao facto de existir um acidente com um capotamento para ser evidente que há traumas”.
Por outro lado, invocam o trecho das declarações de parte da autora AA transcrito no ponto anterior, bem como os seguintes trechos das declarações de parte prestadas pelos autores BB e CC:
Autora BB
“Juíza: Conseguiu tirar a carta portuguesa?
Testemunha: Sim não me lembro há quanto tempo. Eu ainda não posso não consigo conduzir levar a filha à escola não sei o quê. O meu marido trabalha. Tem dois carros, mas eu não consigo basta sentar no carro não posso Não sei porque na minha cabeça. Na minha cabeça penso agora vou bater-me agora vai virar e não consigo.
Juíza: Está sempre com medo que acidente acontece a outra vez?
Testemunha: Sim é isso alguém vai bater-me. ou eu vou bater e posso morrer.
Juíza: Tem estes pensamentos.”
Autor CC
“Testemunha: bati na perna, fiquei a andar coxo. Eu estive 3 meses de baixa, não conseguia fazer nada e patrão mandou para a Rua porque precisava de trabalhadores. E depois fui a mudança e não podia trabalhar por causa de joelhos e costeletas ainda durante algum tempo.”
Apreciando, diremos que da simples circunstância de o acidente dos autos ter consistido num capotamento não pode retirar-se a conclusão de que daí resultaram traumas psicológicos para os autores.
Por outro lado, verificamos que nenhuma das autoras referiu que tem dificuldade em dormir, acorde em pânico, ou chore com medo. E relativamente a inseguranças, a autora AA apenas referiu ter medo de “tirar os ferros” que tem na perna. Donde, os meios de prova invocados não constituem sequer indícios da verificação dos factos vertidos nos factos vertidos na al. a. dos factos não provados.
No que respeita à autora BB, apenas resulta que ela própria declarou que não consegue conduzir, por ter medo de sofrer acidentes de viação.
Finalmente, e no tocante ao autor CC, dos trechos invocados retira-se com clareza que nenhum dos autores referiu o que quer que fosse relativamente a eventuais perturbações no sono que o mesmo tenha sofrido, ou que o mesmo tenha ficado afetado do ponto de vista psicológico.
Acresce ainda que os apelantes não invocaram quaisquer outros meios de prova no sentido da demonstração destes factos.
Finalmente, cumpre sublinhar que demonstração do alegado impacto negativo do acidente dos autos na saúde e bem-estar psíquico dos autores carecia de comprovação científica, através de prova clínica ou de depoimentos testemunhais que comprovassem o alegado, não podendo de forma alguma considerar-se que as declarações prestadas pelas autoras, desacompanhadas de outros meios de prova, são suficientes para formar convicção segura relativamente à demonstração dos factos em apreço.
Termos em que também nesta parte improcede a impugnação da decisão sobre matéria de facto.
3.2.1.2.3. Al f. dos factos não provados
A al. f. dos factos não provados tem o seguinte teor:
“f. O autor gastou em chamadas, deslocações, refeições e outras despesas, o valor de 900,00€”.
Relativamente a este ponto de facto, os apelantes não indicam um único meio de prova que em seu entender, imponha decisão probatória diversa da impugnada, desrespeitando assim, de modo evidente, o ónus impugnatório consagrado no art.º 640º, nº 1, al. b) do CPC.
Termos em que, nos termos previstos na parte final do corpo do mencionado preceito, e no tocante a este ponto, se rejeita a impugnação da decisão sobre matéria de facto.
3.2.1.2.4. Factos alegados no art.º 78º da petição inicial da autora AA
Pretende a apelante AA que se adite ao elenco de factos provados um novo ponto de facto com o seguinte teor:
“A A vai continuar a necessitar de consultas, operações, tratamentos adequados de assistência médica, ajudas medicamentosas e ajudas técnicas para fazer face a dores e incómodos para repor a situação anterior e tratar lesões do A.”
Trata-se de matéria alegada no art.º 78º da petição inicial apresentada por esta autora, que tem o seguinte teor:
“Atenta a lesão corporal sofrida pelo A e será lógico e até natural, concluir que, no futuro, a A careça e necessite de assistência médica e de ajudas medicamentosas e ajudas técnicas.”
As apelantes sustentaram que a demonstração do ponto de facto cujo aditamento propugnam se justifica em função dos esclarecimentos prestados pela Sr.ª perita médica, e em face do relatório pericial junto aos autos.
Relativamente aos mencionados esclarecimentos, transcreveram o seguinte trecho:
“Advogado: É certo e seguro que esta senhora vai necessitar de acompanhamento médico e medicamentos?
Testemunha: Sim mas não de forma regular.
Advogado: muito bem. Segunda pergunta foi dito por esta senhora tinha dificuldades de correr e de andar e que tinha dificuldades recorrentes. Isto é compatível com o seu relatório?
Testemunha: Sim ela terá mais dificuldade em correr. Não são impeditivas de correr, mas admitindo queixas álgicas irão limitar a velocidade etc. com que faz.”
Por outro lado, destacam o seguinte trecho do relatório pericial:
“ao status pós fratura da tíbia, com tratamento cirúrgico, com incipiente gonartrose em exame de imagem, com queixas álgicas que surgem aos esforços e que exigem medicação antálgica ocasional, sem limitação da mobilidade do membro inferior esquerdo, enquadrável no artigo Mf1309”.
Apreciando, diremos que nenhum dos meios de prova invocados, considerado de forma isolada ou de forma conjugada permite concluir que a autora vai necessitar de intervenções cirúrgicas, ou acompanhamento médico regular.
O que resulta dos relatórios periciais juntos aos autos15 é que a autora AA manifestou ter dores, e que para debelar tais dores toma medicamentos, embora não decorra do mesmo relatório que se tratará de uma necessidade permanente, que se prolongará no futuro.
Por outro lado, embora a Sr.ª perita médica tenha confirmado a necessidade de a autora ter “acompanhamento médico e medicamentos”, referiu-se a tal questão de forma vaga e imprecisa, e nem sequer esclareceu de que medicamentos e de que tipo de “acompanhamento” a autora necessita. Assim, face à vaguidade e imprecisão destes elementos probatórios, não pode este Tribunal formar convicção segura no sentido da demonstração dos factos em apreço.
Assim sendo, conclui-se que também nesta parte improcede a impugnação da decisão sobre matéria de facto.
3.2.1.2.5. Recapitulação
Face ao já exposto, decide este Tribunal:
a. Rejeitar a impugnação da decisão sobre matéria de facto no que respeita à al. f. dos factos não provados.
b. Aditar ao elenco de factos não provados um novo ponto de facto com o seguinte teor:
“Em Jan de 2017, a A tinha (ainda tem) uma placa com parafusos de osteossíntese na região superior da tíbia e inferior da mesma.”
c. No mais, jugar a impugnação da decisão sobre matéria de facto improcedente.

3.2.2. Do alegado trânsito em julgado da sentença apelada no que diz respeito ao autor CC
Sustentou o autor CC que não tendo recorrido da sentença apelada, na redação que a mesma tinha quando foi proferida, nem o tendo feito a ré, tal sentença transitou em julgado no que lhe diz respeito, razão pela qual não podia ter ocorrido a alteração do seu dispositivo, nos termos determinados pelo Tribunal a quo.
Vejamos então.
Dispõe o art.º 619º, nº 1 do CPC que “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele (…).”
No caso vertente, é certo que na sua redação inicial, o dispositivo da sentença apelada continha uma alínea - a al. B) - Nos termos da qual a ré era condenada a pagar ao autor CC a quantia de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Contudo, importa ter presente que os limites do caso julgado devem ser apreciados considerando não apenas o dispositivo da sentença, mas também a sua fundamentação.
E, como o relator do presente acórdão expôs no despacho com a refª 21323748, de 14-03-2024, da leitura da fundamentação da sentença decorria, de forma evidente, que a referida alínea B) do dispositivo mesma padecia de um evidente lapso de escrita, e que esta alínea se reportava à autora BB, e não ao autor CC.
Como ali se escreveu:
«Analisado o processo com vista à elaboração do projeto de acórdão, verifica-se que o dispositivo da sentença apelada parece enfermar de um lapso de escrita cuja correção se impõe, porquanto interfere com o conhecimento do objeto da presente apelação.
Com efeito, o dispositivo da sentença apelada tem o seguinte teor:
“Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e, em conformidade:
A. Condeno a R. GNB – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagar à A. AA:
a. A quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa aplicável às operações civis, fixada actualmente em 4% ao ano, desde a data da citação da R. para a presente acção até pagamento;
b. A quantia de 7.000,00€ (sete mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa aplicável às operações civis, fixada actualmente em 4% ao ano, desde a data da presente decisão até pagamento.
B. Condeno a R. GNB – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagar à A. CC a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros), a
título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa aplicável às operações civis, fixada actualmente em 4% ao ano, desde a data da presente decisão até pagamento.
C. Condeno a R. GNB – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagar à A. CC:
a. A quantia de 1.000,00€ (mil euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa aplicável às operações civis, fixada actualmente em 4% ao ano, desde a data da citação da R. para a presente acção até pagamento;
b. A quantia de 3.000,00€ (três mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa aplicável às operações civis, fixada actualmente em 4% ao ano, desde a data da presente decisão até pagamento.
D. Do mais vai a R. GNB – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.
absolvida.
*
Custas em proporção do decaimento, que fixo definitivamente na proporção de 75% para os AA. e de 25% para a R., sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.”
Porém, da fundamentação da sentença apelada parece resultar que a quantia a que se reporta a al. B) do dispositivo é devida não ao autor CC, mas sim à autora BB. Tal é o que se afigura decorre do ponto 2. da mesma fundamentação16, no qual o Tribunal a quo se pronuncia sobre a responsabilidade da ré pelos danos sofridos pela autora BB. Ali, mais precisamente no ponto 2.2. escreveu o Tribunal a quo:
“2.2. DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Inexiste preceito que exclua os danos não materiais sofridos pela mulher do condutor culpado.
Assim, quanto a BB cumpre considerar, que, na sequência do acidente sofreu traumatismo torácico e da face. Recorreu ao SU do HPDFF pelas 18h55 do dia, 25-10-2014, queixando-se de toracalgia à inspiração profunda, dor à mastigação e limitação na abertura da boca. Foi medicada com analgésicos. Sofreu um período de Défice Funcional Temporário Parcial, fixável em 34 dias; de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 30 dias; de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial de 4 dias; e de sofrimento físico e psíquico, de grau três, em sete de gravidade crescente.
Face a estes elementos que resultaram provados, tendo presente a pouca gravidade dos danos sofridos pela A. e os valores fixados pela jurisprudência em situações similares e a equidade, afigura-se-nos equilibrado arbitrar a título de dano não patrimonial o valor de 5.000,00€ (cinco mil euros), devido a partir da data da decisão, como acima referido.”2
Esta impressão é também reforçada pela circunstância de no ponto 3. da mesma fundamentação17, no qual o Tribunal a quo analisa a responsabilidade da ré pelos danos sofridos pelo autor CC, o Tribunal a quo concluir que o mesmo tem direito a haver da ré uma indemnização por danos patrimoniais, no valor de € 1.000,00; e uma indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 3.000,00, ou seja, as quantias a que se reportam a al. C) do dispositivo da sentença apelada.
Finalmente, verifica-se que em passo algum da fundamentação da sentença apelada o Tribunal a quo conclui ser devida ao autor CC uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00, a acrescer aos montantes indemnizatórios de € 1.000,00 e € 3.000,00 atrás referidos.
Daqui resulta a forte impressão de que o dispositivo da sentença apelada padece de lapso de escrita.
Por se tratar de lapso aparentemente manifesto, o mesmo pode e deve ser retificado, por iniciativa do Tribunal, nos termos previstos no art.º 614º, nº 1.»
O presente coletivo sufraga inteiramente este entendimento, razão pela qual considera que a sentença apelada podia e devia ser corrigida, como foi, porquanto padecia de evidente lapso de escrita.
Termos em que relativamente à al. B) do dispositivo de tal sentença, na sua redação inicial, não se verifica o efeito de caso julgado, podendo por isso ser retificada, como foi.
3.2.3. Das pretensões indemnizatórias dos autores
Como resulta do já referido no relatório do presente aresto e da sentença apelada, na presente ação vieram os autores invocar a ocorrência de um acidente de viação e reclamar da ré o pagamento de indemnizações pelos danos decorrentes do mesmo acidente.
O litígio foi pacificamente enquadrado no âmbito da responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito e culposo, atribuindo-se a responsabilidade pela ocorrência do acidente dos autos ao condutor do veículo em que os autores seguiam, na qualidade de passageiros, relativamente ao qual havia sido contratado seguro de responsabilidade civil automóvel celebrado com a ré.
Os factos relativos à dinâmica do acidente, à atuação ilícita e culposa do condutor do veículo, e à responsabilidade da ré pelo ressarcimento dos danos sofridos pelos autores, não suscitam divergências entre os apelantes e a apelada.
O dissenso cinge-se à delimitação dos danos sofridos por cada um dos autores e aos montantes das indemnizações a que têm direito.
3.2.3.1. Indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela autora AA
No caso vertente, o Tribunal a quo considerou adequado atribuir à autora AA uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 7.000,00.
As apelantes sustentam que o montante de tal indemnização não deve ser inferior a € 100.000,00, “na vertente de dano biológico e dano moral”.
Para tanto alegam, por um lado, que o Tribunal a quo desconsiderou indevidamente os danos mencionados a propósito da impugnação da decisão sobre matéria de facto, quanto aos factos vertidos nos arts. 32º e 78º da petição inicial apresentada pela referida autora, e bem assim dos factos vertidos na al. a. dos factos não provados, e, por outro lado, que os danos apurados justificam a atribuição de indemnização no valor propugnado.
Vejamos então.
Quanto ao primeiro argumento, face ao decidido no âmbito da impugnação da decisão sobre matéria de facto, soçobrando a pretendida alteração da mesma decisão, fica prejudicada a apreciação do impacto de tais danos no cômputo do quantum indemnizatório.
Assim sendo, cumpre apenas apreciar se, em face dos factos provados, se justifica a atribuição de indemnização de montante superior ao arbitrado.
A problemática da avaliação e reparação do dano corporal em Direito Civil, mais precisamente no domínio da responsabilidade civil extracontratual (art.º 483º ss. do CC) assume especial relevância, por suscitar inúmeras questões de interpretação e aplicação da lei.
Com efeito, nem sempre é fácil integrar o dano corporal nas dicotomias danos patrimoniais / danos não patrimoniais (art.º 496º, nº 1 do CC); danos emergentes / lucros ou ganhos cessantes (art.º 564º, nº 1 do CC), ou enquadrá-lo na categoria dos danos futuros previsíveis (nº 2 do mesmo preceito).
Como refere SOUSA DINIS18, “o dano corporal deve ser visto: 1) como dano não patrimonial, na sua vertente de dano moral e estético ou enquanto gerador de esforços acrescidos para manutenção do mesmo rendimento; 2) ou como dano patrimonial futuro, sempre que seja gerador de rebate profissional concreto, ocasionando perda dos rendimentos do trabalho; 3) ou como dano a se, biológico, enquanto violação do direito ou ofensa à integridade físico-psíquica.”
No mesmo sentido vd. ac. RE 23-02-2017 (Mª João Faro), p. 3088/12.8TBLLE.E1.
Porém, esta posição não pode considerar-se consensual.
Com efeito, no entendimento de Mª DA GRAÇA TRIGO19 “O dano biológico, sendo um dano real ou dano-evento, não deve, em princípio, ser qualificado como dano patrimonial ou não patrimonial, mas antes como tendo consequências de um e/ou outro tipo; e também por isso (…) não deve ser tido como um dano autónomo em relação à dicotomia danos patrimoniais/danos não patrimoniais”. Mas ainda assim a mesma autora reconhece que “o tratamento do conceito de dano biológico teve, todavia, a vantagem de permitir percepcionar a existência de componentes do dano real habitualmente esquecidas para efeitos indemnizatórios” embora sublinhe que “apenas danos de consequências não patrimoniais se podem presumir como sendo comuns a todas as pessoas que sofram o mesmo tipo de lesão psico-somatica”.
Não obstante, a autora reporta-se a um conceito de dano biológico em sentido amplo, correspondente, grosso modo, ao conceito de dano corporal invocado por SOUSA DINIS.
No caso dos autos, verifica-se que o Tribunal a quo condenou a ré a pagar à autora AA:
• Uma indemnização para ressarcimento do dano biológico, na sua vertente patrimonial, no valor de € 15.000,00;
• Uma indemnização para ressarcimento de danos não patrimoniais (compreendendo o dano biológico, na sua vertente não patrimonial e os danos não patrimoniais ss.) no valor de € 7.000,00
Nenhuma das partes recorreu da sentença proferida pelo Tribunal a quo, no tocante à indemnização que se reporta ao dano biológico na sua vertente patrimonial, razão pela qual, nesta parte, aquela sentença transitou em julgado.
O dissenso diz respeito à indemnização para ressarcimento dos danos não patrimoniais consideram as apelantes que o quantitativo de tal indemnização deve ser fixado em € 100.000,00.
Adiante-se, desde já que em caso algum poderia este Tribunal, em sede de recurso, condenar a ré a pagar à autora AA a quantia de € 100.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, pela simples razão de que na petição inicial a mencionada autora pediu a condenação da ré a pagar-lhe, a esse título, a quantia global de € 64.800,0020. Donde, se se atendesse à pretensão da apelante, o presente acórdão estaria a condenar em quantidade superior ao pedido, violando o disposto no art.º 609º, nº 1, aplicável ex vi do art.º 663º, nº 2 do mesmo diploma, pelo que seria nulo, nos termos previstos no art.º 615º, nº 1, al. e), aplicável ex vi do art.º 666º, nº 1, todos do CPC.
Seja como for, as apelantes pugnam pela fixação de uma indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela apelante AA de montante superior à arbitrada pelo Tribunal a quo, cumprindo por isso apreciar tal pretensão, tendo como limite da condenação o apontado montante global de € 64.800,00.
Os factos relevantes quanto a esta questão são os seguintes:
10. Na sequência do acidente AA foi transportada em plano duro e com colar cervical, admitida no SU do HSM pelas 03h48 do mesmo dia, apresentando TCE com perda de conhecimento, traumatismo cervical, toracoabdominal e do membro inferior esquerdo, hemodinamicamente estável, em GCS II e com anisocoria. Apresentava ainda da perna esquerda com ferida.
11. Foi submetida a ecografia e TAC abdomino-pélvica urgente que revelaram: “laceração esplénica longitudinal que atinge o hilo esplénico e condiciona hematoma subcapsular com uma espessura de 15 mm. Fina lâmina de líquido peri-hepática. Moderada quantidade de líquido livre na cavidade pélvica (hemoperitoneu). Fracturas alinhadas no 8º e 9º arcos costais que à esquerda se encontram alinhadas. À direita apresentam desalinhamento, sendo que um dos topos ósseos do 8º arco costal se encontra em intra-torácica, condicionando área de laceração pulmonar e ligeiro pneumotórax”.
12. Foi também submetida a TC-CE que não revelou alterações.
13. Foi submetida a intervenção cirúrgica – laparotomia exploradora + toilette peritoneal + esplenectomia.
14. Foi posteriormente observada por Ortopedia, que documentou «“membros sup e inf dto sem edema, hematoma nem deformidade, sem défices vasculares. MID: penso no terço médio da perna, massas musculares sem evidencia de aumento da tensão intra compartimental, solução de continuidade face anterior da perna. Foi submetida a TC da coluna cervical e lombo sagrada, que se revelaram "sem evidência de fratura nem luxação agudas" e a radiografia da perna esquerda que revelou "fractura diáfise tíbia transversa 42A3”, tendo sido dada indicação de tratamento cirúrgico.»
15. Foi submetida a Intervenção cirurgia ortopédica de encalhamento tibial (tíbia esquerda) com instrumental ETN e foi internada no Serviço de medicina intensiva.
16. A data de consolidação médico legal das lesões sofridas pela A. AA na sequência do acidente é fixável em 29-06-2015, tendo esta sofrido de:
1. Um período de Défice Funcional Temporário Total fixável em 9 dias, correspondente a internamento entre 23-10-2014 e 31-10-2014;
2. Um período de Défice Funcional Temporário Parcial, fixável em 241;
3. Um período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 161 dias;
4. Um período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial de 89 dias;
5. De sofrimento físico e psíquico, de grau quatro, em sete de gravidade crescente.
17. A A. AA ficou a padecer, em consequência do acidente e lesões sofridas com o mesmo:
1. De um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 7 (sete) pontos de 100 (cem).
2. De Repercussão Permanente na Atividade Formativa/Profissional compatível com o exercício da atividade habitual atual, com esforços suplementares.
3. De Dano Estético Permanente, fixável no grau 4 (quatro), numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente, tendo em conta as cicatrizes advenientes das cirurgias, que causam vergonha à A..
18. A A. AA nasceu em 08-04-1969.
19. A A. AA trabalha como empregada de limpeza.
Apurou-se que em consequência do acidente a apelante AA sofreu lesões e sequelas e que em função de umas e outras ficou afetada de incapacidade temporária total por 4 dias, e de incapacidade temporária parcial durante 1248 dias. Mais se apurou que as lesões sofridas se consolidaram em 11-07-2015, e que a apelante ficou afetada de um Défice Funcional Permanente de integridade físico-psíquica de seis pontos.21
Analisando os danos sofridos pela autora AA, e ponderando os factos supratranscritos, o Tribunal a quo considerou adequado atribuir-lhe uma indemnização no valor global de € 7.000,00.
Cremos que ao fazê-lo considerou ambas as vertentes do dano não patrimonial, ou seja, quer os danos pessoais psicológicos, estéticos, e decorrentes de esforços físicos acrescidos, em decorrência das lesões e sequelas emergentes do acidente, quer o dano biológico em sentido estrito, ou seja, na sua componente não patrimonial, entendido este último enquanto violação do direito à integridade física e psíquica.
Seja como for, importa ainda assim aferir se o montante da indemnização atribuída pelo Tribunal a quo a título de danos não patrimoniais é adequado à integral reparação das duas referidas dimensões se deve ser majorada.
Em nosso entender, é inequívoco que no caso vertente, que no tocante aos danos não patrimoniais, incluindo os respeitantes ao dano biológico stricto senso, o cálculo da indemnização em apreço se deve fazer de acordo com critérios de equidade – arts. 496º, nº 4, 1ª parte, e 566º, nº 3, do CC.
Tal significa que nada obsta a que a reponderação da situação dos autos passe pela consideração de um montante indemnizatório global que abranja todas as dimensões não patrimoniais do dano pessoal22.
Por outro lado, há que sublinhar que no que respeita à quantificação da indemnização por danos não patrimoniais, a jurisprudência tem enfatizado a importância da análise comparativa de decisões de casos análogos, em obediência ao disposto no art.º 8º, nº 3 do Código Civil, que estabelece que “nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniforme do direito”, preceito este que no fundo constitui uma concretização do princípio constitucional da igualdade, consagrado no art.º 13º da Constituição da República.
Como lapidarmente enunciou o STJ, no ac. 31-01-2012 (Nuno Cameira), p. 875/05.7TBILH.C1.S1, “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição”.
Por outro lado, haverá ainda que considerar que assentando o processo decisório na equidade, a sua concretização envolve uma certa margem de discricionariedade técnica, pelo que a reapreciação da decisão pelo Tribunal de recurso visa essencialmente apurar se os montantes fixados pelo Tribunal recorrido se mostram assentes em critérios de razoabilidade, e proporcionalidade, e não divergem injustificadamente dos padrões evidenciados pela análise de situações análogas.
Na síntese feliz do ac. STJ 21-01-2016 (Lopes do Rego), p. 1021/11.3TBABT.E1.S1, “a quantificação de tal tipo de danos implica o apelo decisivo a critérios ou juízos de equidade.
Ora – como temos entendido reiteradamente (..) – não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade.” – No mesmo sentido cfr. acs. STJ 17-05-2018 (Távora Víctor), p. 952/12.8TVPRT.P1.S1, STJ 24-01-2019 (Rosa Ribeiro Coelho), p. 948/14.5TVLSB.L1.S1, e STJ 24-11-2019 (Oliveira Abreu), p. 1585/12.4TBGDM.P1.S1.
Vejamos então.
A autora AA nasceu em 08-04-196923, e o acidente dos autos ocorreu em 23-10-201424, o que significa que à data do acidente tinha 45 anos de idade.
Na quantificação dos danos emergentes de acidente de viação alguma jurisprudência tem recorrido às tabelas anexas à Portaria nº 679/2009, de 25-06.
No caso havia que considerar a tabela I, relativa a danos não patrimoniais ss. e a tabela IV, relativa ao dano biológico.
Assim, nos termos previstos na tabela I, haveria que ter em conta os seguintes parâmetros25:
• Pelo dano estético de grau 4: € 4.104,00;
• Pelo quantum doloris de grau 4: € 820,80;
Nos termos previstos na tabela IV, a compensação devida pela violação do direito à integridade física e psíquica de um acidentado com uma idade entre 41 e 45 anos de idade à data do acidente e que se considera afetado entre 6 e 10 pontos deve computar-se entre € 800,28 e € 990,09 por cada ponto.
Esta tabela, como tem sido salientado, não tem qualquer força vinculativa, embora possa servir como critério auxiliar de ponderação – vd. acs. STJ 21-02-2013 (Mª dos Prazeres Beleza), p. 2044/06.0TJVNF.P1.S1 e STJ 15-09-2006 (António Piçarra), p. 492/10.0TBBAO.P1.S1.
Tendo sido atribuído à apelante uma desvalorização de 7 pontos26, tal significa que nos termos e para os efeitos previstos nesta portaria, o valor da indemnização a que teria direito a este título seria, no máximo, de € 6.930,6327.
Por outro lado, no tocante ao dano estético de 4 pontos28, e de acordo com o anexo I da mesma portaria, a autora teria direito a uma compensação no valor de € 4.104,00.
Finalmente, e em função do quantum doloris de grau 429, nos termos do mesmo anexo teria direito a uma compensação de € 820,80.
Perfazem tais montantes a quantia global máxima de € 16.780,00 (€ 11.855,43 + 4.924,80).
A jurisprudência mais recente dos Tribunais superiores evidencia os seguintes casos, que poderemos tomar como termos de comparação:
1. STJ de 18-09-2012 (Azevedo Ramos), p. 289/06.1TBPTB.G1.S130
a. Montante indemnizatório atribuído: € 8.000,00
b. Idade do lesado à data do acidente: 41 anos
c. Lesões, tratamentos, sequelas:
i. perda de consciência, cefaleia frontal, dor no joelho esquerdo e estiramento cervical, assistido em serviço de urgência hospitalar, usou colar cervical e sofreu dores de grau 3 numa escala de 1 a 7;
ii. incapacidade temporária profissional total durante 33 dias
iii. Incapacidade permanente parcial de 2%, compatível com o exercício da sua atividade, mas implicando algum esforço suplementar,
iv. continua a sofrer de cervicalgias residuais, o que lhe causa desgosto.
2. STJ 17-01-2013 (João Trindade), p. 2395/06.3TJVNF.P1.S1
a. Montante indemnizatório atribuído: € 10.000,00
b. Idade do lesado à data do acidente: 29 anos
c. Lesões, sequelas, tratamentos:
i. Politraumatizado, escoriações, traumatismo crânio - encefálico com amnésia pré e pós acidente, traumatismo torácico direito, luxação acromio-clavicular direita de grau II, cefaleias, algia escapular direita, e traumatismo dos joelhos.
ii. Submetido a exames e tratamentos, hospitalizado desde as 13h32 até às 18h.
iii. Ficou com incapacidade temporária de 7 dias.
iv. Sequelas: crânio-ansiedade, dores do membro inferior direito, dores à palpação do ombro, ligeira limitação da mobilidade do ombro (dificuldade em chegar com a mão à região dorsal), IPG de 2%. Deixou de participar em encontros motards, não pode praticar qualquer atividade desportiva. Necessita de descansar durante o período normal de trabalho de motorista, visto que não consegue manter-se durante muito tempo sentado e a conduzir. Antes e à data do acidente de viação era uma pessoa saudável, amante da vida, robusta e sadia, expedita, diligente, dinâmica e trabalhadora, tornando-se pessoa triste, introvertida, abalada psiquicamente, deprimida, angustiada, sofredora, insegura. Múltiplas, frequentes e intensas dores durante todo o tempo que mediou entre o acidente, os vários internamentos hospitalares, os vários tratamentos, as várias sessões de fisioterapia todos eles também bastante dolorosos, o período de convalescença, o período de incapacidade temporária absoluta e a sua recuperação ainda que parcial. Na altura do acidente, sofreu angústia de poder vir a falecer. Em consequência das lesões e sequelas suprarreferidas, padece de alterações de humor, do sono e alterações afetivas, sentindo-se infeliz, inibido e diminuído, física e esteticamente.
3. STJ 02-06-2016 (Tomé Gomes), p. 2603/10.6TVLSB.L1.S1
a. Montante indemnizatório atribuído: € 35.000,00
b. Idade do lesado à data do acidente: 47 anos
c. Lesões, tratamentos, sequelas:
i. Rigidez articular dolorosa nos membros superior e inferior esquerdos, com tendência para se agravar com a idade
ii. Quantum doloris: grau 5
iii. Dano estético: grau 2
iv. Angústia pela perda da sua atividade profissional
v. Perda de autoestima e da alegria de viver, e desgosto.
4. STJ 22-02-2017 (Lopes do Rego), p. 5808/12.1TBALM.L1.S1
a. Montante indemnizatório atribuído: € 25.000,00
b. Idade do lesado à data do acidente: 27 anos
c. Lesões, tratamentos, sequelas:
i. Fratura de uma perna
ii. Sujeita a cirurgia
iii. Material de osteossíntese, ficando a lesada com uma placa e parafusos na perna esquerda e envolvendo internamento e tratamentos médicos continuados
iv. Incapacidade temporária de 8 meses
v. Fortes dores.
5. STJ 06-12-2017 (Mª da Graça Trigo), p. 559/10.4TBVCT.G1.S1
a. Montante indemnizatório atribuído: € 15.000,00
b. Idade do lesado à data do acidente: 31 anos
c. Lesões, tratamentos, sequelas:
i. Período de Défice Funcional Temporário Total de 5 dias;
ii. Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 106 dias;
iii. Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 111 dias;
iv. Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 2 pontos
v. Cervicalgias
vi. Quantum doloris de grau 4
6. STJ 30-05-2019 (Bernardo Domingos), p. 3710/12.6TJVNF.G1.S1
a. Montante indemnizatório atribuído: € 25.000,00
b. Idade do lesado à data do acidente: 17 anos
c. Lesões, tratamentos, sequelas:
i. Encarcerada no veículo, com perda de consciência;
ii. Foi transportada para o serviço de urgência do Hospital, no qual ficou internada, tendo sido submetida a tratamentos e a operação ao fémur e ao punho;
iii. Recebeu acompanhamento das especialidades de ortopedia, odontologia e psicologia, foi submetida a fisioterapia e a novas cirurgias
iv. Devido às lesões e aos tratamentos, sofreu dores de grau 5 numa escala de 1 a 7;
v. Ficou a padecer de edema de ambos os calcanhares necessitando de usar calçado com um número acima;
vi. Apresenta cicatrizes que determinam dano estético de grau 3 numa escala de 1 a 7;
vii. Perdeu o ano letivo 2009/2010, mudando para o curso de técnica de receção no ano letivo seguinte, sem que tenha ingressado no ensino superior como idealizara antes do sinistro;
viii. Deixou de praticar futsal, o que lhe traz desgosto, valorizado como repercussão permanente as atividades desportivas e de lazer de grau 1 numa escala de 1 a 7;
ix. Dependeu de terceiros na realização das suas tarefas diárias, passou a isolar-se, deixou de ter vontade de conviver com os amigos, tornou-se facilmente irritável, de trato difícil, ansiosa e sente medo de andar de automóvel quando circula a velocidade superior a 90km/hora;
x. Devido a cansaço, deixou de poder correr e fazer caminhadas como anteriormente e ganhou peso por não poder praticar desporto, tendo de fazer dieta para o manter controlado;
7. STJ 03-03-2020 (Fernando Samões), p. 3936/17.6T8PRT.P1.S1
a. Montante indemnizatório atribuído: € 13.000,00
b. Idade do lesado à data do acidente: não referida
c. Lesões, tratamentos, sequelas:
i. Fratura da perna esquerda
ii. Cirurgia com osteossíntese
iii. 8 dias de internamento hospitalar
iv. Cicatrizes na perna
v. Período de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 2 pontos
vi. Dano estético permanente de 2 pontos
vii. Quantum doloris de grau 4
8. RG 11-05-2010 (Henrique Andrade), p. 8181/08.9TBBRG.G1
a. Montante indemnizatório atribuído: € 7.500,00
b. Idade do lesado à data do acidente: 61 anos
c. Lesões, tratamentos, sequelas:
i. vários ferimentos na cabeça, fratura da bacia, traumatismo da anca direita e fratura dos ramos isqui-ileopúbicos direitos;
ii. passou a sofrer dores, passando a tomar medicamentos para lhe atenuar essas dores;
iii. internado no Hospital durante 9 dias; regressou então a casa onde ficou acamado, praticamente imóvel, por causa das dores intensas na bacia;
iv. teve que andar de muletas durante dois meses;
v. desde a data do acidente que jamais deixou de ter dores na bacia, que o incomodam e obrigam a tomar medicação;
vi. Mantém dificuldades em arranjar posição para dormir; o que lhe afeta negativamente o sono, o descanso e o lazer;
vii. No momento do acidente sofreu enorme pânico e teve medo de morrer;
viii. Nos meses que se lhe seguiram, sofreu dores intensas, angústias, temores e medos, a que acrescem dores por que passa e só consegue atenuar com medicação;
ix. IPG. de 2% e quantum doloris de grau 4, na escala de 0 a 7.
9. RP 26-09-2016 (Ana Paula Amorim), p. 595/14.1TBAMT.P1
a. Montante indemnizatório atribuído: € 10.000,00
b. Idade do lesado à data do acidente: 34 anos
c. Lesões, tratamentos, sequelas:
i. Levado de urgência para o hospital, onde lhe foram prestados os primeiros socorros e efetuados exames radiológicos tendo ainda o A. sido sujeito a intervenção cirúrgica ortopédica, patelectomia parcial supero-medial, e reinserção medial do tendão quadricipital com 2 âncoras 5.0mm;
ii. Tratamentos diversos, incluindo 53 sessões de consultas e tratamentos de fisioterapia;
iii. Cicatriz transversal pré-patelar na perna direita, normocrómica, com discreta reação queloide, 17cmx1cm de dimensão, avaliável no grau 1 de uma escala de 7 de gravidade crescente;
iv. Discreta limitação nos últimos graus de flexão (0º-120º) da mesma perna, sem dor à palpação, sem derrame articular e sem instabilidade ligamentar e sem atrofia muscular, com gonalgia residual;
v. Desvalorização para todas as atividades em geral de 2 pontos em 100, compatível com o exercício da atividade habitual, mas implicando esforços suplementares;
vi. Deixou de jogar futebol com os amigos por força das sequelas sofridas;
vii. Dores, com as lesões, os tratamentos que foi submetido e as sequelas, fixáveis no grau 5 numa escala de 7 de gravidade crescente;
viii. Aborrecimentos emergentes das sessões fisiátricas e internamentos hospitalares.
10. RG 18-01-2018 (António Barroca Penha), p. 1170/14.6T8VCT.G1
a. Montante indemnizatório atribuído: € 5.000,00
b. Idade do lesado à data do acidente: 57 anos
c. Lesões, tratamentos, sequelas:
i. Entorse cervical
ii. Dores ao nível da coluna cervical,
iii. Agravamento das dores cervicais resultantes da artrose da coluna cervical de que já padecia,
iv. Défice funcional temporário total de 2 dias;
v. Défice funcional temporário parcial de 92 dias;
vi. Repercussão temporária na atividade profissional total de 94 dias;
vii. Quantum doloris de grau 3 na escala 0 a 7.
viii. Défice permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, compatíveis com o exercício da atividade habitual, implicando esforços suplementares, decorrentes do agravamento das dores cervicais com os esforços.
11. RG 13-02-2020 (Paulo Reis), p. 3646/18.7T8VCT.G1
a. Montante indemnizatório atribuído: € 2.500,00
b. Idade da lesada à data do acidente: 47 anos
c. Lesões, tratamentos, sequelas:
i. Dores, contusões
ii. Défice Funcional Temporário Total de 1 dia;
iii. Défice Funcional Temporária Parcial de 41 dias;
iv. Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de trinta 42 dias;
v. Quantum Doloris de grau 4, numa escala de 0 a 7(1).
12. STJ 27-04-2022 (Mª Olinda Garcia), p. 820/20.0T8PDL.L1.S1:
a. Montante indemnizatório atribuído: € 15.000,00
b. Idade do lesado à data do acidente: 59 anos
c. Lesões, tratamentos, sequelas:
i. Traumatismo do ombro esquerdo; síndrome do ombro doloroso, rotura da coifa à esquerda;
ii. Submetido a intervenção cirúrgica e múltiplos tratamentos de fisioterapia;
iii. Redução de mobilidade do ombro e braço esquerdos;
iv. Défice Funcional Temporário Total de 6 dias;
v. Défice Funcional Temporária Parcial de 427 dias;
vi. Défice funcional permanente da integridade físico psíquica: 8%
vii. Quantum Doloris de grau 4, numa escala de 0 a 7.
13. STJ 29-11-2022 (António Magalhães), p. 9957/19.7T8VNG.P1.S1
a. Montante indemnizatório atribuído: € 21.500,00
b. Idade da lesada à data do acidente: 44 anos
c. Lesões, tratamentos, sequelas:
i. Luxação lombar;
ii. Repercussão permanente na atividade física e psíquica com repercussão nas atividades da vida diária incluindo familiares e sociais de grau 8, numa escala até 100;
iii. Quantum Doloris de grau 3, numa escala de 0 a 7.
14. STJ 16-11-2023 (Manuel Capelo), p. 1019/21.3T8PTL.G1.S1:
a. Montante indemnizatório: € 10.000,00;
b. Idade do lesado à data do acidente: 49 anos;
c. Lesões, tratamentos, sequelas:
i. Fratura de L1
ii. Défice de Integridade Físico psíquica – 4 pontos, compatível com atividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares;
iii. Repercussão permanente em atividades desportivas e de lazer: Grau 2 (numa escala de 0 a 5)
iv. Quantum doloris: grau 4 numa escala de 1 a 7.
Aqui chegados, cumpre aferir se no caso dos autos o montante arbitrado pelo Tribunal a quo se afigura adequado, tendo em conta os danos não patrimoniais, incluindo o dano biológico stricto sensu sofridos pela apelante AA, se mostra coerente com a situação concreta analisada nos presentes autos e em linha com os valores arbitrados pelos Tribunais Superiores em situações semelhantes, aliás em obediência ao comando que emana do art.º 8º, nº 3 do CC.
Parafraseando o ac. STJ 12-11-2020 (Nuno Pinto Oliveira), p. 14697/16.6T8LSB.L1.S1 trata-se de saber se tal montante indemnizatório se deve considerar adequado, “dentro da margem de discricionariedade consentida pelo art.º 496.º do Código Civil” e – acrescentamos nós - também pelo art.º 566º, nº 3 do mesmo código, “não divergindo ou, em qualquer caso, não divergindo de modo substancial dos critérios admitidos e reconhecidos pela jurisprudência”. Em sentido idêntico vd. ac. STJ de 21-01-2016 (Lopes do Rego) p. 1021/11.3TBABT.E1.S1.
Neste conspecto, cabe desde logo recordar o já sustentado relativamente à necessidade de respeitar, também quanto a esta vertente indemnizatória, o princípio da proibição da reformatio in peius. Na verdade, a questão que se coloca a este Tribunal é, tão somente, a de saber se a quantia arbitrada peca por escassa.
Para tanto importa ponderar dois fatores distintos.
Assim, e por um lado, há que considerar que os valores indicativos constantes das tabelas anexas à Portaria nº 679/2009, de 25-06 se devem ter por manifestamente desatualizados.
Com efeito, a publicação desta Portaria corresponde ao comando emergente do art.º 13º da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, que estipulava que os critérios e valores de referência para cálculo de indemnizações de acidente de viação a que se reportava tal portaria deveriam ser revistos anualmente, sendo certo que tal só sucedeu uma vez, em 2009, com a publicação da Portaria nº 679/2009.
Donde, estes valores sempre teriam de ser objeto de uma correção no sentido de os majorar.
No entanto, no que e refere ao dano biológico, haverá que reconhecer que nesta sede apenas está em causa a sua vertente não patrimonial, sendo certo que o anexo IV à Portaria nº 679/2009 não distingue entre a componente patrimonial e a não patrimonial do dano biológico.
Ponderando todo o exposto, consideramos dever atribuir-se à autora AA uma indemnização por danos não patrimoniais (considerando a vertente não patrimonial do dano biológico e os danos não patrimoniais ss.) de valor superior à atribuída pelo Tribunal a quo, afigurando-se adequado e equitativo fixar tal montante indemnizatório em € 15.000,00.
3.2.3.2. Indemnização por danos futuros sofridos pela autora AA
Discordam também as apelantes do Tribunal a quo, por considerarem que para além das quantias que foi condenada a pagar à autora AA, a ré deveria também ser condenada a “suportar as consultas e assistências médica e medicamentosa futura”.
Como decorre do já exposto, esta pretensão dependia absolutamente do êxito da impugnação da decisão sobre matéria de facto quanto ao aditamento de um novo ponto de facto ao elenco de factos provados, consagrando o alegado no art.º 78º da petição inicial apresentada pela mesma autora.
Contudo, como vimos, tal pretensão não foi atendida.
Fica por isso por demonstrar um pressuposto da responsabilidade civil, a saber, o dano.
Tanto basta para, nesta parte concluir pela improcedência da apelação, quanto a esta questão.
3.2.3.3. Indemnização atribuída à autora BB
Os apelantes insurgem-se igualmente no que respeita às pretensões indemnizatórias formuladas pela autora e ora apelante BB, sustentando que “sejam revistos para valor justo a indemnização a título de danos da autora (…) em 8.000,00€”.
Vejamos então.
A autora BB formulou os seguintes pedidos:
A. Indemnizar a A. pela ITA no mínimo, de que sofre mercê do acidente, que se estima em 10.000.00 €.
B. Pagar a sinistrada 30,00€ por dia de ITA, em sede de danos morais (30 x 30€ = 900,00€)
C. Pagar a sinistrada 20.000,00€ de indemnização por danos morais pelas dores físicas, angústia e perca de dignidade, passadas presentes e futuras
D. Pagar a A. chamadas, deslocações, refeições os danos materiais decorrentes no valor de 700,00 €.
E. Pagar a A todo e qualquer dano futuro, tais como consultas, operações, tratamentos adequados de assistência médica, ajudas medicamentosas e ajudas técnicas para fazer face a dores e incómodos para repor a situação anterior e tratar lesões da A.
F. Condenação da R. a suportar todos os danos patrimoniais futuros decorrentes do mesmo
Analisando o dispositivo da sentença apelada, verifica-se que o Tribunal a quo condenou a ré a pagar à autora BB a quantia de € 5.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais (al. B) mas absolveu a ré dos demais pedidos indemnizatórios deduzidos pela mesma autora.
Em sede de recurso, a mencionada autora e ora apelante sustenta que o montante de tal indemnização deve ser fixado em € 8.000,00.
Se bem entendemos a argumentação que expendeu a tal propósito, a razão de ser dessa discordância prende-se com a circunstância de não terem ficado demonstrados factos que, em seu entender, deveriam ser considerados provados.
Ou seja, a autora BB apenas impugnou a sentença apelada no tocante à indemnização por danos não patrimoniais.
Contudo, como já referimos, a impugnação da decisão sobre matéria de facto foi totalmente desatendida.
Ora, a jurisprudência tem entendido que nos casos em que a reapreciação do mérito da causa em recurso dependa da alteração da decisão sobre matéria de facto, a rejeição ou improcedência da impugnação da decisão sobre matéria de facto determina a improcedência do recurso quanto ao mérito da causa, sem necessidade de reapreciação do mesmo, por constituir questão cuja apreciação resultou prejudicada (art.º 608.º, n.º 2, 2ª proposição, do CPC, ex vi do art.º 663º, nº 2, do mesmo código), ficando, por isso a Relação desvinculada de tal reapreciação. Neste mesmo sentido cfr., por todos, os acs.:
RG 11-07-2017 (Maria João Matos), p. 5527/16.0T8GMR.G1;
RG 02-11-2017 (Maria João Matos), p. 501/12.8TBCBC.G1;
RE 28-06-2018 (Florbela Lança), p. 170/16.6T8MMN.E1;
RL 28-05-2019 (Ana Rodrigues da Silva), p. 97280/18.4YIPRT.L1-7;
RL 10-09-2020 (Carlos Castelo Branco), p. 518/18.9T8AGH.L1-2;
RL 05-11-2020 (Carlos Castelo Branco), p. 1812/19.7T8LSB.L1-2;
RP 08-11-2021 (Eugénia Cunha), p. 1398/18.0T8MTS.P1.;
STJ 01-06-2022 (Mário Belo Morgado), p. 1104/18.9T8LMG.C1.S1;
O mesmo princípio se aplicará em situações nas quais a parcial procedência da decisão sobre matéria de facto conduz à alteração desta quanto a aspetos secundários que em nada alteram os pressupostos da decisão de mérito proferida pelo Tribunal a quo.
Seja como for, ainda que assim não fosse, sempre diríamos que quanto ao mérito da causa subscrevemos inteiramente a decisão proferida pelo Tribunal a quo, por concordarmos com a fundamentação vertida na sentença recorrida a qual, apesar de sucinta, aborda e decide de forma clara, correta, e adequada o litígio dos presentes autos (art.º 663º, nº 5 do CPC).
A este propósito, importa sublinhar que não tendo a ré apelado da sentença, e vigorando em processo civil o princípio da proibição da reformatio in peius, não cumpre apreciar se a autora tem ou não direito a uma indemnização por danos não patrimoniais, nem se o montante desta deve ascender a € 5.000,00, mas apenas aferir se deve fixar-se um valor indemnizatório superior, sempre com o limite de € 8.000,00, balizado nas alegações de recurso.
Com efeito, no Direito Processual Civil Português vigoram os princípios da proibição da reformatio in peius31 e da reformatio in melius, dos quais decorre que os Tribunais da Relação e o Supremo Tribunal de Justiça não podem, em sede de recurso, conceder ao recorrente mais do que este pede, nem menos do que lhe foi concedido na decisão recorrida.
Este princípio acha-se consagrado no art.º 635º, nº 5 do CPC, que estipula que “os efeitos do caso julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo”.
Na síntese feliz de RUI PINTO32, o princípio da proibição da reformatio in peius pode traduzir-se da seguinte forma: “os efeitos da decisão, transitada em julgado, do recurso não podem ser piores para o recorrente que os efeitos que se produziriam no caso de não ter recorrido”. Quanto à reformatio in melius refere o mesmo autor que “Em consequência desta vinculação do tribunal ad quem ao pedido do recorrente, o tribunal de recurso não pode dar ao recorrente mais do que ele pediu ou, o mesmo é dizer, uma vantagem que ele não requereu (…) É o requerente que determina a vantagem que quer, mesmo que outra maior ou melhor pudesse ser decidida oficiosamente pelo tribunal de recurso”33.
Como referem LUÍS CORREIA DE MENDONÇA E HENRIQUE ANTUNES34, “A proibição da reformatio in peius impede uma decisão do tribunal ad quem em prejuízo do recorrente; a proibição da reformatio in melius obsta à atribuição ao impugnante por aquele tribunal de um benefício quantitativa ou qualitativamente maior do que aquele que ele pede no recurso”.
Este entendimento tem sido acolhido, de forma pacífica, na jurisprudência – vd., por todos, acs. STJ 18-12-2013 (Abrantes Geraldes), p. 1801/10.7TBOER.L1.S1, STJ 03-03-2021 (Manuel Capelo), p. 1310/11.7TBALQ.L2.S1, e STJ 21-03-2023 (Nuno Pinto de Oliveira), p. 1069/09.8TVLSB.S1.
Voltando à pretensão indemnizatória em análise, verificamos que sobre a mesma sustentou o Tribunal a quo:
“Inexiste preceito que exclua os danos não materiais sofridos pela mulher do condutor culpado.
Assim, quanto a BB cumpre considerar, que, na sequência do acidente sofreu traumatismo torácico e da face. Recorreu ao SU do HPDFF pelas 18h55 do dia, 25-10-2014, queixando-se de toracalgia à inspiração profunda, dor à mastigação e limitação na abertura da boca. Foi medicada com analgésicos. Sofreu um período de Défice Funcional Temporário Parcial, fixável em 34 dias; de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 30 dias; de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial de 4 dias; e de sofrimento físico e psíquico, de grau três, em sete de gravidade crescente.
Face a estes elementos que resultaram provados, tendo presente a pouca gravidade dos danos sofridos pela A. e os valores fixados pela jurisprudência em situações similares e a equidade, afigura-se-nos equilibrado arbitrar a título de dano não patrimonial o valor de 5.000,00€ (cinco mil euros), devido a partir da data da decisão, como acima referido.”
Concluindo, diremos que ponderando as circunstâncias do acidente dos autos, descritas na factualidade provada e evidenciadas no trecho supratranscrito, e ponderados os elementos comparativos acima mencionados no ponto 3.2.2.1., não descortinamos motivos para considerar desadequado o montante indemnizatório arbitrado à autora BB pelo Tribunal a quo.
Assim sendo, e também quanto a este ponto concluímos pela improcedência da presente apelação.
3.2.3.4. Indemnização atribuída ao autor CC
Como se afere pela leitura da al. C) do dispositivo da sentença apelada, na sua versão retificada, a ré foi condenada a pagar ao autor CC a quantia de e 1.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais, e a quantia de € 3.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Nas considerações finais que culminam as conclusões de recurso, os apelantes sustentam que o valor da indemnização a atribuir ao autor CC deve ser fixada em € 8.000,00.
Neste particular, temos alguma dificuldade em interpretar o que pretende o apelante CC, na medida em que no corpo da alegação e nas conclusões, o mesmo havia sustentado que deveria subsistir a versão inicial do dispositivo da sentença, sendo certo que caso assim se entendesse teria direito a um valor indemnizatório global de … € 9.000,00, correspondente à soma dos montantes de € 5.000,0035, € 3.000,00, e € 1.000,0036. O que aliás os apelantes CC e BB afirmam na conclusão 2. do “segundo” recurso de apelação.
Seja como for, considerando que a argumentação vertida neste recurso aponta no sentido da pretendida alteração da factualidade provada no tocante às als. e. e f. dos factos provados, e que a primeira se reporta a danos não patrimoniais e a segunda a danos patrimoniais, poderá interpretar-se o recurso no sentido de questionar pelo menos os montantes arbitrados na versão retificada da sentença apelada.
Simplesmente, também aqui valem inteiramente as considerações vertidas no ponto anterior, na medida em que a impugnação da al. e. dos factos não provados foi julgada improcedente, e a da al. f. foi rejeitada.
De qualquer modo também nesta sede entendemos adequada a decisão do Tribunal a quo, a qual se estribou nas seguintes considerações:
“3. Peticiona o A. CC seja a R. condenada a:
A. Indemnizar a A. pela ITA no mínimo, de que sofre mercê do acidente, que se estima em 10.000.00 €.
B. Pagar ao sinistrado 30,00€ por dia de ITA, em sede de danos morais (87 x 30€ = 2.610,00€)
C. Pagar ao sinistrado 20.000,00€ de indemnização por danos morais pelas dores físicas, angústia e perca de dignidade, passadas presentes e futuras
D. Pagar o A. chamadas, deslocações, refeições os danos materiais decorrentes no valor de 900,00 €.
E. Pagar ao A. todo e qualquer dano futuro, tais como consultas, operações, tratamentos adequados de assistência médica, ajudas medicamentosas e ajudas técnicas para fazer face a dores e incómodos para repor a situação anterior e tratar lesões do A.
F. Condenação da R. a suportar todos os danos patrimoniais futuros decorrentes do mesmo,
G. Acrescidos dos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento do devido,
H. Bem como digna procuradoria
I. E custas de parte nas quais o A. venha a incorrer
3.1. DANOS PATRIMONIAIS
Na fixação do dano biológico objectivo sofrido por CC, cumpre ponderar que:
­ Não resultaram provados, nem tampouco foram alegados, factos que permitam concluir pela diminuição do rendimento da A., da sua capacidade de ganho, na sequência do sinistro em causa nos autos. Apenas se apurou que à data do sinistro trabalhava numa empresa de mudanças e que actualmente trabalha por conta própria prestando serviços de jardinagem.
­ O A. nasceu em 01-01-1980, pelo que, à data do sinistro tinha 34 anos.
­ A esperança média de vida para um indivíduo do sexo masculino à data do nascimento do A. em 1980 era de 67,8 anos.
­ A idade do A. à data do sinistro é de molde a afectar a sua potencialidade de ganho futuro, sendo que terá à sua frente cerca de 32 anos de vida activa a partir da data do acidente, ponderando a idade da reforma aos 66 anos e 4 meses.
­- No ano do sinistro o salário médio era de 909,50€ mensais.
­- O A. não ficou a padecer de qualquer défice funcional permanente da integridade físico-psíquica;
­- O A. não apresenta sequelas;
­- Teve alta curado em 20-01-2015.
Como assim, sopesando o quadro factual apurado, parece-nos justo e equilibrado, quer na vertente da justiça do caso, quer na óptica da justiça comparativa, fixar em 1.000,00€ (mil euros) o valor do dano biológico na sua vertente patrimonial.
*
2.2. DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Quanto a CC cumpre considerar, que foi admitido no SU do HSFX pelas 21h38 do mesmo dia, queixando-se de “náuseas e cefaleias (...) dor na grelha costal direita e joelho esquerdo”. Examinado em ortopedia revelou gonalgia esquerda, sem limitação de mobilidade e sem deformidade. Radiografia sem lesões traumáticas agudas dos tecidos ósseos. Recomendado gelo local e analgesia. Alta. Foi submetido a exames neurológicos que não revelaram qualquer alteração. Sofreu de um período de Défice Funcional Temporário Parcial, fixável em 91; de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 55 dias; de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial de 36 dias; e de sofrimento físico e psíquico, de grau dois, em sete de gravidade crescente.
Face a estes elementos que resultaram provados, tendo presente a pouca gravidade dos danos sofridos pela A. e os valores fixados pela jurisprudência em situações similares e a equidade, afigura-se-nos equilibrado arbitrar a título de dano não patrimonial o valor de 3.000,00€ (três mil euros) devido a partir da data da decisão, como acima referido.”
Como já referimos, não pode este Tribunal questionar a obrigação de indemnizar nos termos em que o Tribunal a quo a delimitou, nem alterar os montantes indemnizatórios atribuídos, no sentido de os reduzir, cabendo apenas apreciar se devem ser atribuídos valores superiores, de montante global não superior a € 8.000,00.
Fazendo apelo aos critérios decisórios já enunciados, não descortinamos qualquer fundamento fáctico ou jurídico que justifique alterar os montantes definidos pelo Tribunal a quo.
Termos em que também nesta parte improcede a presente apelação.
3.2.3.5 Síntese conclusiva
Face às conclusões enunciadas em todos os pontos anteriores forçoso é concluir pela parcial procedência do recurso, na parte em que se reporta à indemnização por danos patrimoniais sofridos pela autora AA.
3.2.4. Das custas
Nos termos do disposto no art.º 527º, nº 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”
A interpretação desta disposição legal, no contexto dos recursos, deve atender ao elemento sistemático da interpretação.
Com efeito, o conceito de custas comporta um sentido amplo e um sentido restrito.
No sentido amplo, tal conceito inclui a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cf. arts. 529º, nº 1, do CPC e 3º, nº 1, do RCP).
Já em sentido restrito, as custas são sinónimo de taxa de justiça, sendo esta devida pelo impulso do processo, seja em que instância for (arts. 529º, nº 2 e 642º, do CPC e 1º, nº 1, e 6º, nºs 2, 5 e 6 do RCP).
O pagamento da taxa de justiça não se correlaciona com o decaimento da parte, mas sim com o impulso do processo (vd. arts. 529º, nº 2, e 530º, nº 1, do CPC). Por isso é devido quer na 1ª instância, quer na Relação, quer no STJ.
Assim sendo, a condenação em custas a que se reportam os arts. 527º, 607º, nº 6, e 663º, nº 2, do CPC, só respeita aos encargos, quando devidos (arts. 532º do CPC e 16º, 20º e 24º, nº 2, do RCP), e às custas de parte (arts. 533º do CPC e 25º e 26º do RCP).
Tecidas estas considerações, resta aplicar o preceito supracitado.
No caso dos autos, face à parcial procedência da presente apelação, as custas deverão ser suportadas por apelantes e apelada, na proporção dos respetivos decaimentos.
Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a. Alterar a decisão sobre matéria de facto nos termos expostos no ponto 3.2.1. do presente acórdão;
b. Julgar o recurso parcialmente procedente,
a. Alterando o montante da indemnização por danos não patrimoniais a pagar pela ré à autora AA a que se reporta o ponto A) b. do dispositivo da sentença apelada, que vai fixada em € 15.000,00;
b. No mais, julgando a apelação improcedente.
Custas por apelantes e apelada, na proporção dos respetivos decaimentos, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido aos primeiros (na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo).

Lisboa, 04 de fevereiro de 2025
Diogo Ravara
Edgar Taborda Lopes
Paulo Ramos de Faria
_______________________________________________________
1. De nacionalidade portuguesa, contribuinte fiscal nº … e beneficiária da Segurança Social com o nº …
2. Pessoa coletiva nº ….
3. Contribuinte fiscal nº 269..., beneficiária da Segurança Social com o nº 120....
4. Contribuinte fiscal nº 239..., beneficiário da Segurança Social com o nº 113....
5. Cfr. apenso C.
6. Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117
7. Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 119
8. Ob. cit., p. 165, e nota de rodapé n.º 267.
9. Sublinhado da nossa responsabilidade.
10. ob. cit., p. 165.
11. Se bem que na inversa.
12. Note-se que mesmo quando se entenda que determinado facto provado deve ser considerado integralmente não provado, ou vice-versa, há sempre uma proposição de facto alternativa: neste caso, não está apenas em causa a supressão de um ponto do elenco de factos provados, mas também o aditamento de um ponto, de teor idêntico ao impugnado, ao elenco de factos não provados.
13. “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Edição, Almedina, 2018, pp. 165-166.
14. Confirmando este entendimento, vd. ac. STJ nº 12/2023, que uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: “Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa.”
15. Refªs 14055417, de 04-02-2019, e 15273309, de 21-08-2019, em especial a resposta ao quesito 9, constante deste último.
16. Pp. 27-29 da sentença. 2 P. 29 da sentença.
17. Pp. 30-32 da sentença.
18. “Avaliação e reparação do dano patrimonial e não patrimonial (No domínio do Direito civil)”, Julgar, nº 9, 2009, pp. 29-42, em especial p. 32. O artigo em questão encontra-se disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/11/029-042-Avalia%C3%A7%C3%A3o-e-repara%C3%A7%C3%A3o-do-dano-p-e-n-p.pdf.
19. “Adopção do conceito «dano biológico» pelo Direito português”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 72, jan-mar 2012, pp. 147-178; e disponível em https://www.oa.pt/upl/%7B5b5e9c22-e6ac-4484-a018-4b6d10200921%7D.pdf. Vd. tb., da mesma autora “O conceito de dano biológico como concretização jurisprudencial do princípio da reparação integral dos danos – breve contributo”, Julgar 46, jan-abr 2022, pp. 257-270 (ainda não disponível online).
20. Vd. als. B. e C do pedido constante da petição inicial apresentada pela autora AA. Note-se que a al. A. do pedido se reporta a indemnização por incapacidade temporária absoluta na vertente patrimonial, como claramente resulta dos arts. 62 a 69 da petição inicial e do título que antecede este segmento da petição inicial (“Danos Patrimoniais”).
21. Pontos 34. e 35. dos factos provados
22. Ou seja, o dano não patrimonial na integridade pessoal, considerando as componentes corporal-física, e intelectual-psicológica-espiritual.
23. Ponto 18 dos factos provados.
24. Ponto 1 dos factos provados.
25. Não se tendo apurado períodos de internamento hospitalar, e não tendo sido apurada repercussão efetiva na vida laboral, não se afigura possível considerar quaisquer outros fatores previstos nesta tabela.
26. Ponto 17.1 dos factos provados.
27. 7 x 990,09 = 6930,63
28. Ponto 17.3 dos factos provados.
29. Ponto 16.5 dos factos provados.
30. Cujo sumário consta do e-book “Os danos futuros na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça”, disponível em  https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2017/10/cadernodanosfuturos2002-2012.pdf
31. Escrevemos a expressão com a ortografia clássica (no alfabeto latino inexistia a letra j).
32. “Manual do recurso civil”, vol. I, AAFDL Editora, 2020, p. 367.
33. Ob. cit., p. 363.
34. “Dos recursos”, Quid Juris, 2009, pp. 136-137.
35. Al. B) do dispositivo, na sua redação originária.
36. Al. C) do dispositivo.