I – De harmonia com o disposto no artigo 498.º do CPC, o início da contagem do prazo de prescrição aí previsto não depende do conhecimento da pessoa do responsável nem da extensão integral dos danos.
II – Mas nada impede que se considere suspenso o prazo de prescrição durante o tempo em que o lesado esteve impedido de fazer valer o seu direito contra o verdadeiro responsável, no decurso dos últimos três meses do prazo, nos termos previstos no artigo 321.º do CC, por desconhecer, sem culpa, a identidade deste.
III – Cabe ao lesado a prova deste desconhecimento sem culpa da identidade do responsável.
I. Relatório[1]
AA, residente na Rua ..., ..., ..., intentou a presente acção declarativa comum contra A... International SL, com sede na ... ...25, ..., ..., Espanha, pedindo a condenação desta a pagar-lhe:
- A quantia de 8.495,64 euros a título de diferenças salariais entre 08/11/2011 e 21/08/2012;
- A quantia de 1.309,74 euros a título de diferenças salariais entre 22/08/2012 e 11/12/2012;
- A quantia de 75.000,00 euros a título de dano biológico;
- A quantia de 100.000,00 euros a título de compensação por danos não patrimoniais;
- A indemnização a liquidar em execução de sentença por todas as despesas com consultas, tratamentos, intervenções cirúrgicas, a realizar no futuro em consequência das sequelas do acidente.
- Juros de mora calculados sobre as quantias líquidas peticionadas, desde a citação da ré.
A ré foi citada, não tendo apresentado contestação.
Após o decurso do prazo de contestação, veio arguir a sua ilegitimidade, alegando que o contrato de seguro não foi celebrado consigo, identificando a companhia de seguros que interveio nessa celebração.
Perante esta alegação, a autora requereu a intervenção principal provocada da B... – Companhia de Seguros y Reseguros, S.A., a qual foi admitida à luz do disposto no artigo 39.º do Código de Processo Civil (existência de dúvida fundada sobre o titular da relação material controvertida).
A referida B... – Companhia de Seguros y Reseguros, S.A. foi incorporada, por fusão, na companhia de seguros C... Compañía Suiza de Seguros y Reaseguros S.A., com efeitos em 16.03.2016.
Esta interveniente apresentou contestação, arguindo a prescrição do direito da autora e impugnando, quanto ao mais, as circunstâncias do alegado acidente e dos danos sofridos.
Foi proferido despacho saneador em 19.01.2018, julgando-se improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade invocada pela ré A... International SL e procedente a excepção de prescrição invocada pela interveniente, absolvendo-se a mesma do pedido formulado pela autora.
De seguida, foram julgados confessados os factos alegados pela autora, por falta de impugnação por parte da ré primitiva.
Posteriormente, em 05.03.2018, foi a ação julgada parcialmente procedente, tendo sido proferida sentença que condenou a ré primitiva no pagamento de determinadas quantias à autora.
Foram admitidos os recursos interpostos da decisão da exceção de ilegitimidade e da sentença, tendo sido rejeitado o recurso da decisão da exceção de prescrição, por se entender que o mesmo não era tempestivo.
O Tribunal da Relação do Porto, ao apreciar o recurso interposto quanto à exceção dilatória de ilegitimidade, entendeu que o Tribunal a quo não podia afirmar a legitimidade da ré A... sem que tivesse averiguado e apurado da existência de um contrato de seguro válido e da qualidade da intervenção da ré no mesmo, o que, estando dependente de prova face à factualidade controvertida, impunha a produção dessa prova.
Mais determinou a anulação da decisão relativa à exceção da legitimidade e dos ulteriores termos processuais.
Em cumprimento desta decisão, foi produzida prova e proferida decisão em 11.05.2020, que apreciou da legitimidade substantiva da ré A..., absolvendo-a do pedido, em virtude de não ter sido celebrado consigo o contrato de seguro.
Foi ainda proferida nova decisão sobre as questões que subsistiam em face desta absolvição do pedido da ré primitiva, que se reportavam apenas à interveniente C..., tendo então sido julgada procedente a exceção de prescrição invocada pela referida interveniente, absolvendo-se a mesma do pedido formulado pela autora.
Transitada em julgado a decisão proferida relativamente à ré A..., os autos prosseguiram os seus termos apenas contra a ré C..., tendo sido proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova por despacho de 09.3.2022.
Realizada perícia pelo INML, veio a realizar-se audiência de julgamento, na sequência da qual foi proferida sentença, que termina com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, o Tribunal julga a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:
A - condena a R. “C... Compañía Suiza de Seguros y Reaseguros S.A.”, a pagar à A. AA as seguintes quantias:
I – 50.000,00 euros (cinquenta mil euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais;
II – 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de indemnização pelo dano biológico;
III – 7.281,93 euros (sete mil, duzentos e oitenta e um euros e noventa e três cêntimos) a título de danos patrimoniais;
IV – que se vier a liquidar em incidente ulterior relativamente a cirurgias que venham a ser necessárias por causa das lesões sofridas por via do acidente dos autos, incluindo consultas e tratamentos;
V - juros de mora, sobre as quantias referidas, desde a data desta decisão relativamente às quantias referidas em I e II e desde a data da citação relativamente às demais, à taxa de 4%, até integral pagamento, aplicando-se qualquer alteração que venha a ser introduzida a esta taxa de juro até àquela data.
B - absolve a R. do restante pedido formulado.
Custas por autora e ré na proporção quantitativa do respetivo decaimento (art.º 527º, nº1 e nº2 do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a autora.
Registe e notifique».
«I – A decisão recorrida não deve manter-se, pois consubstancia uma solução que não consagra a justa aplicação das normas e princípios jurídicos competentes.
II – A Recorrente requer que o recurso interposto da decisão que pôs termo ao processo – sentença – suba diretamente ao Supremo Tribunal de Justiça, na medida em que estão verificados os requisitos previstos no artigo 678º. do CPC, na medida em que:
a) O valor da causa (184.805,38€) é superior à alçada da Relação;
b) O valor da sucumbência (82.281,93€) é superior a metade da alçada da Relação;
c) A Recorrente, nas suas alegações, suscita apenas questões de direito;
d) A Recorrente não impugna, no presente recurso, quaisquer decisões interlocutórias.
III – Carece de total e absoluto fundamento a decisão recorrida, a qual decorre de erro na interpretação e aplicação das normas constantes dos artigos 323º. nº.s 1, 2 e 4 e 498º. nº. 1 do Código Civil.
IV – Foi proferido, pelo Supremo Tribunal Administrativo, Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, no âmbito desta matéria: «O efeito interruptivo da prescrição do direito de indemnização operado pela citação de um Ministério absolvido da instância numa acção intentada para efectivação de responsabilidade civil extracontratual não beneficia o mesmo autor que posteriormente proponha acção idêntica contra o Estado» - Acórdão nº. 9/2023 de 19-04-2023, no Processo n.º 565/16.5BEPRT - Pleno da 1.ª Secção.
V – A norma prevista no nº. 1 do art. 498º. do Cód. Civil consagra o sistema subjectivo, pois o prazo da prescrição começa a correr quando o credor tenha conhecimento do direito que lhe compete.
VI – Os pressupostos da responsabilidade civil em que a lesada, aqui Recorrida, funda o seu pedido de indemnização tornaram-se do seu conhecimento na data do sinistro, ou seja, no dia 7/11/2011, pelo que o prazo prescricional aplicável ao caso vertente começou a correr no dia 7 de Novembro de 2011.
VII – O artigo 498º. nº. 1 do Cód. Civil consagra uma presunção legal, mas ilidível, de culpa do lesado no desconhecimento da pessoa do responsável.
VIII – É por demais evidente que a Recorrida jamais conseguirá afastar a presunção de culpa que sobre si impende, pois é a própria que confessa estar na posse de documentos que identificam cabalmente a seguradora, como sendo a C..., desde 1/07/2015,
IX - Ou seja, os recibos de pagamento do prémio do seguro, documentos juntos pela Recorrida, sob os nº.s 3 e 4, com a petição inicial, a fls. dos autos, nos quais se constata o nº. da apólice de seguro, o prazo de vigência da mesma, a identificação da companhia de seguros (B...), a identificação da mediadora, a matrícula da empilhadora.
X - Ora, se a citação da Recorrente C... não sucedeu em data anterior, tal deve-se apenas à culpa exclusiva da Recorrida, a qual teve, desde pelo menos, 1/07/2015, conhecimento da identidade da companhia de seguros que havia celebrado contrato de seguro com a proprietária da empilhadora!
XI - Estando a lesada devidamente representada por advogada, a quem foram remetidos os recibos do seguro, recaíam sobre esta especiais deveres de indagação.
XII - Na realidade, bastaria uma simples consulta online à congénere espanhola da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, denominada Dirección General de Seguros y Fondos de Pensiones, na sua página de internet - https://dgsfp.mineco.gob.es - para confirmar que a A... não era uma companhia de seguros, mas antes a C....
XIII - Isto, caso ainda não se tivesse apercebido pela evidência decorrente da firma da A..., na qual consta expressamente a designação corretora - A... Internacional Curredoria de Seguros y Reaseguros, S.L.”, cujo nome a lesada, representada por Advogada, preencheu na íntegra, aquando da elaboração e apresentação da petição inicial que deu origem a estes autos.
XIV - Apelamos, por isso, ao facto de um dos fundamentos que subjazem à prescrição, se destinar a punir a inércia do titular do direito.
XV - Assim, a decisão proferida pelo Tribunal a quo esbarra contra este entendimento, ao não interpretar a norma do nº. 1 do art. 498º. do CC como contemplando uma presunção de culpa da lesada.
XVI - Ao abrigo do disposto no nº. 1, do artigo 323º. do Código Civil, a “prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (…)”, exigindo-se, por conseguinte que:
a) o credor exerça o seu direito ou exprima a intenção de o fazer;
b) tenha o devedor conhecimento daquele exercício ou desta intenção.
XVII - Não houve da parte da Autora, Recorrida, qualquer acto que determinasse a interrupção da prescrição em relação à Recorrente C....
XVIII - Salienta-se que a Recorrida requereu apenas a citação urgente da Ré “A...”, sendo que o acto interruptivo da prescrição é de natureza pessoal, só afectando a pessoa a quem se reporta, no caso a “A...”, por virtude da citação para a acção que lhe foi dirigida - vd. artigo 323º. nº.1 do Código Civil.
XIX - In casu, coloca-se a questão de saber se os efeitos da interrupção da prescrição podem aproveitar a outra pessoa que não o próprio citado.
XX - A divergência da Recorrente em relação à decisão recorrida situa-se, precisamente, na ideia que o acto de citação da corretora A... permite afirmar a interrupção da prescrição relativamente à seguradora, Interveniente, apesar de esta não ter sido indicada como Ré, nem ter sido citada.
XXI - Como já referido, a circunstância de a Recorrente C... só ter sido citada decorridos cinco anos e seis meses do evento danoso é um facto totalmente imputável à Autora, uma vez que tal decorre da errada determinação da seguradora, que deveria ter sido a única e primitiva Ré na presente acção, tendo em conta a pretensão da Autora.
XXII - Desse modo, a sentença proferida pelo Tribunal a quo viola o disposto no nº. 2 do artigo 323º. do Cód. Civil.
XXIII - Não pode valer o argumento constante da decisão recorrida no sentido de estender os efeitos da interrupção da prescrição em virtude do acordo celebrado entre a mediadora e a seguradora.
XXIV - Isto é, na senda do citado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, os efeitos da interrupção da prescrição operados pela citação de uma pessoa que não é responsável pelo pagamento de indemnização e que, por tal motivo, acaba absolvida da instância por ilegitimidade, não podem estender-se ao efetivo responsável.
XXV - Em suma, tendo o acidente ocorrido em 07/11/2011, data em que se iniciou o prazo de cinco anos de prescrição; tendo a intervenção da B..., hoje C... Companhia Suiza de Seguro e Reaseguros SA sido requerida em 09/05/2017 e a mesma citada em 30/05/2017, quando já tinham decorrido cinco anos e seis meses do início do curso da prescrição, mostra-se prescrito o direito que a Recorrida invoca na presente acção contra a Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 498º. do Código Civil.
XXVI - A decisão recorrida violou as normas e princípios jurídicos constantes dos artigos 323º. nº.s 1, 2 e 4 e 498º. nº. 1 do Código Civil, porquanto os mesmos não foram interpretados e aplicados com o sentido versado nas considerações anteriores.
Termos em que o presente recurso deve merecer provimento e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, julgando-se improcedente a presente acção e absolvendo-se a Recorrente do pedido, com todas as consequências legais».
Subsidiariamente, para o caso de proceder a apelação, requereu a ampliação do objecto do recurso ao abrigo do disposto no artigo 632.º, n.º 2, do CPC, impugnando a decisão proferida sobre o ponto 1 dos factos não provados.
Terminou formulando as seguintes conclusões:
«1. Preceitua o art. 636.º, n.º 2 do CPC que pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.
2. A autora juntou aos autos como documento n.º 5 a carta endereçada à ré A..., datada de 08/07/2015, colocada no correio e com registo dos ctts datado de 14/07/2015 e pela qual lhe comunica a ocorrência do sinistro e as suas causas à Ré A..., questionando-a da assunção da responsabilidade pelo ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.
3. Carta esta que foi enviada por correio registado internacional conforme se infere do talão dos CTTS devidamente assinado e carimbado no campo destinado a esse fim e junto aos autos com a referida carta.
4. Ora não resulta dos autos que a referida carta não haja sido recebida pela ré A...; aliás a ré A... e a C... no seu articulado não excecionam o não recebimento de tal carta, a qual tendo sido expedida por correio registado internacional e não havendo notícia nos autos da sua devolução deverá ter-se por recebida por aquela.
5. Assim, deverá proceder-se à alteração da matéria de facto decidida pelo tribunal a quo no sentido de excluir-se dos factos não provados fazendo-se incluso nos Factos Provados que “por carta datada de 8 de julho de 2015, a A. Comunicou a ocorrência do sinistro e as suas causas à R. A..., questionando-a da assunção da responsabilidade pelo ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofrido.”
6. Com efeito, tal facto aliado aos demais dados como provados (Ponto 83 dos Factos Provados) evidencia os poderes de representação que a Ré A... tinha relativamente à Ré C..., recebendo as cartas de participação de sinistro, sendo portanto um facto pertinente e essencial à boa decisão da causa, além de que previne a hipótese de procedência das questões suscitadas pela ré C... respeitantes à falta de poderes de representação da ré A... e não extensibilidade dos efeitos de interrupção do direito de prescrição relativamente à C... por força da citação efetuada à A....
7. Em face da ampliação da matéria de facto requerida deverá o recurso interposto pela recorrente ser havido como Recurso de Apelação e já não como Recurso de revista Per Saltum, por se suscitaram questões de facto. Crr. Art. 678.º, n.º 1, al. c) do CPC.
8. Da leitura das alegações de recurso deduzidas pela recorrente C... decorre que a mesma apenas sindica matéria de direito e já não de facto; e no que à matéria de direito respeita sindica concretamente a questão de saber-se se ocorre ou não prescrição do crédito da autora relativamente à interveniente C..., tendo por referência o prazo de 5 anos (que aceita como sendo o prazo da prescrição do direito da autora, como resto decidido pelo tribunal a quo e não sindicado em sede de recurso).
9. Em 31/10/2016, a autora intentou a presente ação requerendo a citação urgente da ré A..., e alegando ter sido para esta Companhia de Seguros que a D... SL transferira a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pela atividade da máquina aqui em causa.
10. Sendo certo que não tendo a citação sido efetuada nos cinco dias após a entrada da ação tem-se por interrompido o prazo de prescrição, portanto a 05/11/2016.
11. Embora tenha sido devidamente citada, a ré A... não deduziu contestação, sendo que muito posteriormente – em 04/04/2017, volvidos cerca de 5 meses da respetiva citação – apresentou articulado nos autos, pela mesma mandatária que representa a R C..., com procuração outorgada a 24/03/2017, alegando que era apenas mediadora do contrato de seguro em causa nos autos e que o contrato de seguro havia sido celebrado com a B... Compãnia de seguros Y Reaseguros SA, juntando as condições do contrato de seguro.
12. Em face do exposto, foi requerida a intervenção principal provocada da ré B... Compania de Seguros Y Reaseguros SA, que foi citada nessa qualidade em 30/05/2017, tendo a sociedade incorporante, a C... Compañia Suiza de Seguros y Raseguros SA intervindo como sua sucessora, aceitando como válida a citação feita em nome da sociedade por si incorporada, contestando a ação em 14/09/2017 e outorgado procuração em 13/09/2017 à mesma mandatária que representa a A....
13. Não obstante o ato de citação formal da ré C... ter ocorrido em 30/05/2017 (por meio da citação feita em nome da B...), a verdade é que, atento os concretos circunstancialismos aqui em causa, terá de considerar interrompido o prazo prescricional relativamente à ré “C...” desde 05/11/2016, à semelhança do que sucedeu com a ré A....
14. Foi dado como provado (Facto 80 dos Factos Provados) que a Ré A... interveio no contrato de seguro aqui em causa enquanto mediadora de seguros, e não apenas enquanto corretora, como a própria reconheceu no seu articulado e resulta das condições especificas da apólice juntas aos autos.
15. Mais foi dado como provado que a A... poderia receber em nome da C... as comunicações de sinistros que lhe sejam dirigidos, assistindo e assegurando nesse caso os segurados, asseguradores e beneficiários das apólices intermediadas pela mesma, garantindo a veracidade das referidas comunicações e o correto preenchimento de todos os requisitos estabelecidos para o efeito pela C..., devendo enviar os mesmos sem qualquer atraso; que a A... estava autorizada a liquidar e pagar os sinistros por conta da C... sempre que o seu valor fosse aprovado previamente e escrito pela C.... Cfr. facto 83 dos Factos Provados e Acordo de fls. 825 a 830 dos autos.
16. Note-se que na fundamentação da sentença recorrida, a propósito do depoimento da testemunha BB, pessoa que trabalhou para a empresa D..., a mesma referiu que em caso de acidente com os empilhadores, como o dos presentes autos, falavam com as corretoras e já não com a seguradora.
17. Pelo que atento o concreto acordo existente entre a Ré A... e a Interveniente C... é licito concluir que a A..., enquanto mediadora e/ou corretora de seguros ao serviço da C..., gozava de verdadeiros poderes de representação, competindo-lhe nomeadamente receber em nome da C..., as comunicações dos sinistros que lhe fossem dirigidas, cabendo-lhe assistir e assegurar os segurados, ou seja, tem a corretora/mediadora A... autorização para processar sinistros, como o que está em causa nos autos, assim como poderes para cobrança de prémios (neste sentido ver clausula 5 e clausula 6 do Acordo junto aos autos a fls 825 a 83.0. Em sentido semelhante veja-se Acórdão do TRP de 10/02/2016, disponível em www.dgsi.pt.
18.Por outro lado, na sua atividade de mediadora/corretora a A... está onerada com estritos deveres para com a empresa de seguros sua representada, designadamente os de prestar contas, agir com lealdade e «informar sobre todos os factos de que tenha conhecimento e que possam influir na regularização de sinistros» (art. 30.º, als. c), d) e e), do Dec.-Lei n.º 144/2006, de 31 de julho), deveres, esses, que decorrem também do Acordo escrito estabelecido entre as partes (Cfr. clausula 6.ª do Acordo junto a fls. 825 a 830 dos autos).
19. Por conseguinte, a A... não é uma entidade completamente estranha à B... (agora C...), mas uma empresa que gere um certo n.º de apólices e clientes, representando a empresa de seguros em todos os aspetos da relação estabelecida com o tomador de seguro, desde a celebração do contrato, a gestão de sinistros, até ao pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro, passando pelo recebimento dos prémios de cada apólice. Cfr. clausulas 2.1ª; 5.ª, 6.ª do Acordo junto a fls. 825 a 830 dos autos).
20. Pelo que não pode deixar de considerar-se que a citação da mediadora de seguros exprime, relativamente à seguradora sua representada, a intenção da autora exercer o seu direito indemnizatório (veja-se ainda, com uma argumentação semelhante, num caso em que ocorreu erro na identificação do réu o Acórdão do TRL de 14/06/2017, já citado).
21. A ideia que preside à interrupção da prescrição prevista no art. 323.º do CC é dupla:
c) por um lado, o credor exerce o seu direito ou exprime a intenção de o fazer;
d) por outro lado, tem o devedor conhecimento daquele exercício ou desta intenção.
22. A autora ao instaurar a presente ação pretendeu exercer o seu direito indemnizatório (de ser indemnizada com fundamento na responsabilidade civil) ainda que tenha dirigido a sua pretensão contra a A... (mediadora e corretora com poderes de representação da C...), pelo que se tem de concluir que está preenchido a primeira ideia subjacente à interrupção do prazo prescricional: o credor exerce o seu direito ou exprime a intenção de o fazer.
23. Por outro lado, atento os supra identificados poderes de representação da ré A... relativamente à C..., decorrentes nomeadamente do acordo que vinculava ambas as empresas donde decorre que tinha poderes para atuar genericamente em nome da ré seguradora C..., bem como para celebrar contratos de seguro em nome desta, receber participações de sinistro, liquidar indemnizações, cobrar prêmios, ou seja para a representar, não poderá deixar de os ter também relativamente para efeitos de interrupção da prescrição do exercício de direito de um sinistrado (Cfr. clausula 2.1; 5 e 6 do Acordo celebrado entre as rés),
24. Necessariamente terá de concluir-se também estar preenchido a segunda ideia subjacente à interrupção do prazo de prescrição: isto é, de que a devedora C..., através da ré A..., teve conhecimento do exercício do direito pela autora, atenta a especial relação existente entre tais empresas.
25. Como se deixou escrito na sentença recorrida (sic): Demonstrada que está a existência de um contrato de colaboração entre as duas empresas, e a especial relação existente entre as mesmas, ré primitiva e ré atual, conforme afirmado, por via de tal acordo de colaboração que vincula ambas, a citação da ré primitiva A... e o efeito interruptivo da prescrição que dela resulta estende-se necessariamente à ré C.... Facto que aquela não poderia desconhecer, pois não era uma mera mediadora.”
26. No caso em apreço, não pode imputar-se a negligência da autora o facto de não ter sido capaz de identificar corretamente a Seguradora para a qual havia sido transferida a responsabilidade civil decorrente dos danos ocasionados pela circulação do empilhador e, consequentemente, o atraso na sua citação para a presente demanda.
27. Desde logo, a autora é totalmente estranha à relação contratual estabelecida entre o proprietário do empilhador atropelante e a seguradora para a qual foi transferida a responsabilidade civil, sendo certo que desconhecia, até 01/07/2015, que os empilhadores não pertenciam à sua entidade patronal e estavam abrangidos por contrato de seguro.
28. A esse propósito consta da fundamentação da sentença recorrida que a autora “no que concerne às questões do seguro do empilhador, referiu nada saber, e a A... nada lhe ter comunicado, aliás, referiu nem saber que empresa é essa, esclareceu não ter recebido em casa nenhuma comunicação de ninguém, que nunca ninguém entrou diretamente em contacto com ela ou com a filha”.
29. Foi precisamente a informação escrita dada pela entidade patronal, que, por sua vez, retransmitiu a informação recebida da sua cliente D... que induziu a autora em erro, porque dela consta expressamente que a Companhia de Seguros é a A... Internacional SL, sendo a identificação desta empresa a que figura no documento (comprovativo do pagamento do prémio de seguro) remetido em anexo ao e-mail, na verdade questionada entidade patronal da autora, na pessoa do seu funcionário CC sobre a identidade da seguradora, foi-lhe respondido por este que a seguradora era a A..., tendo essa sido de resto a resposta que o mesmo deu em audiência de discussão e julgamento ! Cf. documento n.º 2 da petição inicial e fundamentação da sentença recorrida onde a propósito do depoimento de CC se escreve que o mesmo declarou ter informado que a seguradora era a A... e já não a C....
30. Ademais, a ré A... interveio na apólice como mediadora do contrato de seguros subjacente – com os inerentes poderes de representação – E cabia-lhe ainda, em obediência ao princípio geral da boa-fé, e dos deveres que decorrem do Acordo escrito estabelecido entre as partes (Cfr. clausula 6.ª do Acordo junto a fls. 825 a 830 dos autos) informar a C... da presente ação, assim como para o caso de entender não ter poderes de representação informar a autora/sinistrada da sua falta de poderes para receber tal comunicação e/ou vincular a ré C... (!)
31. Portanto, o que se constata é que a identificação errada da seguradora em causa foi induzida por entraves linguísticos, pela errada informação prestada pela sua entidade patronal ― pois não se olvide que a autora não é parte no contrato de seguro ― e pela conduta omissiva da ré A... que tinha conhecimento direto e pessoal acerca da apólice aqui em causa e poderes de representação.
32. Não se verificou, portanto, a tal inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo que justifica o regime e os efeitos da prescrição (veja-se ainda, com uma argumentação semelhante, o Acórdão do TRC de 12/01/2016, já citado).
33. Não se podendo de forma alguma consentir que, in casu, a A... e a C... se prevaleçam da confusão para a qual contribuíram acerca da identidade da seguradora que contratou a apólice aqui em causa, para a final atingir um desiderato que serve os concretos interesses de ambas, concretamente o de se furtarem ao ressarcimento dos danos que lhes competia indemnizar na sequência do acidente ocorrido nos presentes autos.
34. A não ser assim, estar-se-ia a consentir na violação dos princípios da boa-fé e da confiança, que são princípios ético-jurídicos fundamentalíssimos e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem.
35. Ora, deles decorre que «toda a conduta, todo o agir ou interagir comunicativo, além de carrear uma pretensão de verdade ou de autenticidade (de fidelidade à própria identidade pessoal) desperta nos outras expectativas quanto à futura conduta do agente» e «todo o agir comunicativo implica uma auto vinculação (uma exigência de fidelidade à pretensão que lhe é inerente), na medida em que desperta nos outros determinadas expectativas quanto a uma conduta futura» (cfr. Ac. TRL de 09/02/2012, disponível em www.dgsi.pt, citando um estudo de Baptista Machado publicado na RLJ n.º 117, 233)
36. Pelo que, em nome da transparência, confiança e segurança que deve imperar no comércio jurídico, bem como em nome da justiça material, atento a atuação das rés, e em face de tudo o mais alegado supra, deverá considerar-se que a interrupção da prescrição ocorrida nos presentes autos nos termos do artigo 232.º, n.º 2, do CC, abrangeu não só a ré A... como também a ré C....
37. Ademais, atento o especial relacionamento entre as rés ― e note-se que a ré A... tinha poderes de representação da ré B... (agora C...), pelo contrato existente entre elas, ―, necessariamente terá de conclui-se que com a citação da primeira a outra teve conhecimento, ainda que indireto, da pretensão indemnizatória da autora (cfr., com argumentação paralela, o Acórdão do TRL de 30/05/2012, disponível em www.dgsi.pt).
38. E tanto assim é que ambas as rés são patrocinadas pelo mesmo escritório de advogados, tendo as peças processuais remetidas aos autos por ambas as rés sido elaboradas e assinadas pela mesma ilustre mandatária.
39. Tudo isto a evidenciar a existência de uma relação de proximidade e comunhão de interesses entre ambas as sociedades e, consequentemente, um relacionamento muito estreito entre ambas as rés que permite concluir que com a citação de uma delas, a outra teve conhecimento, ainda que indireto da pretensão indemnizatória da credora.
40. E a tal conclusão não obsta a existência e o entendimento sufragado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de uniformização de Jurisprudência proferido em 19/04/2023, desde logo porquanto tal acórdão ter sido proferido no âmbito da jurisdição administrativa e já não no âmbito da jurisdição judicial; em Portugal existem 2 grandes categorias de tribunais: (1) o Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais judiciais de primeira e segunda instância; (2) e o Supremo Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos e fiscais. Cfr. art. 209 da CRP
41. Portanto estamos perante 2 jurisdições distintas com regras e especificidades próprias inexistindo entre elas qualquer obrigação e/ou princípio que imponha a força obrigatória geral e/ou vinculativa dos acórdãos de uniformização de jurisprudência proferidos em cada uma delas, por forma a ser “transferido” e/ou extensível à outra jurisdição.
42. Aliás, nem no âmbito da mesma jurisdição um acórdão uniformizador de jurisprudência tem efeito vinculativo extra-processual, na medida que não lhes foi atribuído força obrigatória geral, nem sequer vinculativa para a respetiva organização (judiciária e/ou administrativa), não obstante o respetivo valor persuasivo. Neste sentido ver Ac. STJ de 25/05/2002 proferido no processo 1562/17.9T8PVZ.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
43. Ademais a relação material controvertida subjacente ao acórdão do STA citado no recurso da recorrente é distinta da que está em causa nos presentes autos pois não se está perante qualquer situação em que a entidade primeiramente demandada tenha, entre outros, poderes de representação, da que é demandada posteriormente, como sucede in casu.
44. Em face do exposto, muito bem andou o tribunal a quo ao ter julgado improcedente a prescrição invocada pela interveniente C... pelo que se impõe a prolação de acórdão que mantenha o decidido pelo tribunal a quo.
NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, deverá o recurso de Revista Per Saltum intentado pela recorrente ser convolado e tramitado como Recurso de Apelação, e em qualquer caso julgado totalmente improcedente e, consequentemente, procedendo-se à ampliação requerida e no mais mantida a decisão proferida pelo Juiz 1 do Juízo Central Cível da Póvoa de varzim proferida a 19/06/2024».
A. Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, são as seguintes:
- A prescrição do direito da autora;
- O erro no julgamento do ponto dos factos não provados e a sua relevância na apreciação da primeira das questões enunciadas.
1. Factos provados
O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:
1. A 1 de Fevereiro de 1982, a A. foi admitida ao serviço da sociedade E... Lda, através de contrato de trabalho por tempo indeterminado, para sob as ordens, direção e instruções desta exercer as funções de preparadora de conservas de peixe.
2. Por contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º ...38, a entidade empregadora da A., E... Lda, transferiu para a Companhia de Seguros F... S.A., a responsabilidade infortunística pelos encargos provenientes de acidentes de trabalho, pelo salário anual de € 10.767,04.
3. No dia 7 de Novembro de 2011, cerca das 08h00m, a A., enquanto trabalhava sob as ordens, direção e instruções da E... Lda., nas instalações sitas em ..., foi embatida e colhida pelo empilhador com o n.º de série ...98, manobrado por um seu colega de trabalho, que saía em marcha atrás do frigorífico / câmara de refrigeração onde tinha estado a arrumar material nos espaços a tal destinados.
4. No momento em que foi colhida, a A. atravessava um corredor de circulação em que os trabalhadores têm forçosamente que circular quando pretendem deslocar-se entre as diversas zonas do armazém.
5. Nesse preciso instante, o condutor da mencionada máquina, distraído, iniciou repentinamente uma manobra de marcha atrás, saindo da referida câmara de refrigeração, sem se certificar de que o podia fazer em segurança, apesar de saber que invadia um local de passagem por onde circulam, apeados, outros colegas de trabalho.
6. O condutor do empilhador manobrava-o em marcha atrás numa zona de passagem do armazém habitualmente atravessada a pé outros colegas de trabalho, sem se certificar, na execução das suas manobras, que nenhum se encontrava no seu raio de ação.
7. A A. atravessava, a pé, a referida zona de passagem, como ela e os demais colegas tinham que fazer e faziam habitualmente no exercício das suas tarefas normais, nada tendo podido fazer para evitar a colisão, uma vez que foi surpreendida, quando se encontrava de costas, pela manobra repentina do empilhador saído da mencionada câmara de refrigeração.
8. A saída em marcha atrás para uma zona onde circulam habitualmente a pé os demais trabalhadores impunha ao condutor do empilhador que tomasse os cuidados adequados de modo a não colher essas pessoas.
9. A colisão referida foi qualificada como acidente de trabalho, tendo dado origem ao processo n.º 941/12.2TTMTS, que correu termos na Secção do Ministério Público do (extinto) Tribunal de Trabalho de Matosinhos, contra a F..., S.A, como entidade seguradora responsável.
10. Por não ter havido conciliação entre as partes no que concerne à questão das incapacidades e à data da alta clínica, a aqui A. intentou ação declarativa de condenação contra a seguradora responsável F..., S.A., a qual correu termos com o n.º941/12.2TTMTS, pela 3.ª Secção de Trabalho – J1, da Instância Central da Comarca do Porto.
11. No âmbito do referido processo a F..., S.A., foi condenada a pagar à A uma pensão anual e vitalícia no valor de €2.811,27, com vencimento em 12.12.2012, dia seguinte ao da alta, atualizável nos termos da lei, cifrando-se no valor de €2.892,80 a partir de 1.01.2013, o valor de €2.904,37 a partir de 1.01.2014, e no valor de €2.915,99 a partir de 1.1.2016, crescidos de juros, à taxa legal, desde aquelas datas e até integral pagamento, conforme sentença, cujo teor se dá por reproduzido.
12. Em cumprimento do dever de indemnizar que resulta da apólice referida em 2., a F..., pagou à A. diversas quantias, a título de ITA e ITP.
13. À data do acidente, o empilhador supra identificado pertencia à empresa D... S.L., encontrando-se cedido pela respetiva proprietária, através da empresa G..., à então entidade patronal da A., E..., Lda.
14. Por contrato de seguro titulado pela apólice de seguro n.º ...70, D... S.L. transferiu para B...- Companhia de seguros Y Reseguros SA, a qual foi incorporada, com efeitos em 16.3.2016, na Ré “C... Compañía Suiza de Seguros y Reaseguros S.A.”, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pela atividade da referida máquina.
15. No momento em que efetuava a referida manobra de marcha atrás, o empilhador embateu contra o corpo da A.com grande impacto, tendo esta perdido de imediato a consciência e sofrido uma queda desamparada com embate violento da cabeça no solo.
16. Em consequência direta e necessária do embate e da queda ao solo, a A. sofreu um TCE grave com perda de consciência e fratura de F2 do Hallux e da base de F1 de D2 e a base de F1 de D3.
17. Para tratamento das lesões sofridas, a A. teve de ser imediatamente transportada em ambulância para o Serviço de Urgência do Hospital 1....
18. À data de admissão no serviço de urgência, a A. apresentava EC Glasgow de 13.
19. Em virtude da gravidade da condição em que se encontrava e da natureza das lesões que apresentava, a A. teve de ser imediatamente transferida para o Hospital 2..., tendo dado entrada na unidade intermédia de neurocríticos a 7.11, tendo sido transferida a 8.11, para a UCI, onde esteve internada, entre 07/11/2011 e 21/11/2011, e no Serviço de Neurocirurgia, entre 22/11/2011 e 15/01/2012.
20. À data da admissão no serviço de Urgência do Hospital 2..., a A. apresentava:
- EC Glasgow de 12, sem lateralização motora; e
- TAC cerebral evidenciando hemorragia subdural (HSD) agudo frontal-temporal esquerdo com focos contusionais associados, sem desvios da linha média mas com apagamento dos sulcos da convexidade e das cisternas da base em provável contexto de edema cerebral.
21. A A. foi, conforme referido, inicialmente transferida para a UCIN – Intermédios da referida Unidade Hospitalar, onde foi internada.
22. Uma vez que se verificou deterioração do estado de consciência de 13 para 10, foi a A. sujeita a nova TAC cerebral, tendo-se constatado, comparativamente à primeira TAC, um aumento das contusões hemorrágicas frontais/fronto-basais esquerdas, com edema circundante.
23. Mais se constatou que, por causa do acidente, se formava no cérebro “corpo caloso que condicionava o efeito da massa sobre o parênquima adjacente e sobre o ventrículo lateral esquerdo com desvio das estruturas medianas para a direita de cerca de 9 mm, apagamento de sulcos corticais de predomínio esquerdo”.
24. Em 08/11/2011, a A. teve que ser submetida a intervenção cirúrgica (craniotomia frontal) com carácter de urgência para a remoção de contusão frontal esquerda expansiva e drenagem da hemorragia sub-dural agudo e FT esquerdo.
25. Nas semanas seguintes, permaneceu internada na Unidade de Cuidados Intensivos, com entubação orotraquial (ITO) e ventilação mecânica invasiva, tendo-lhe sido induzido o coma, situação que se manteve até 21/11/2011.
26. À data de 21/11/2011, a A. foi submetida a EEG onde se constatou marcada disfunção corticosubcortical em especial frontal esquerdo sem atividadeepileptiforme.
27. Em 22.11.2011 foi transferida para o Serviço de Neurocirurgia, com o estado melhorado.
28. Ainda durante o internamento, o estado da A sofreu complicações, nomeadamente a A. sofreu uma infeção nosocomial com focos na ferida cirúrgica da craniectomia e SNC (sistema nervoso central), com bacteriemia a Enterobacter Cloacae +ITU (infeção do trato urinário) e enterococcus faecalis.
29. Por esse motivo, em 02/12/2011, a A. foi submetida a cirurgia de limpeza da ferida cirúrgica, tendo-se decidido, no decurso dessa cirurgia, rejeitar retalho ósseo por apresentar sinais de osteomielite.
30. Em 05/12/2011, foi realizada nova TAC cerebral contrastado do qual resultou que a A. padecia de áreas hipodensas em planos cortico-subcorticais fronto-basais esquerdos, com esboços de “cápsulas” após administração de contraste endovenoso, sugestivas de colecções abecedadas.
31. No decurso do internamento, a A. foi submetida a ressonâncias magnéticas em 09/12/2011, 22.12.2011 e 10/01/2012, não se evidenciando áreas de restrição na difusão que indiquem a presença de material purulento residual; redução da captação paquimeníngea frontal anterior esquerda nos planos de intervenção cirúrgica, a traduzir componente inflamatório sem coleções abecedadas.
32. Foi ainda observada por ortopedia, com referência a fratura de F2 do hallux e base de F1 de D2 e base de F1 de D3.
33. Para tratamento das lesões ortopédicas diagnosticadas foi-lhe colocada tala gessada, a 10.11.2011, que manteve durante quatro semanas e foi retirada após ter sido efetuado rx de controlo.
34. Mais se refere, no relatório pericial, que aí evoluiu para ECGlasgow15, sem focalidade neurológica e para marcha autónoma.
35. Em 15/01/2012, a A. recebeu alta hospitalar, tendo passado a ser acompanhada pelos serviços clínicos da F... S.A., nomeadamente nas áreas de ortopedia e neurocirurgia, tendo sido submetida a diversas consultas, tratamentos, operações cirúrgicas e outros tratamentos médicos e medicamentosos.
36. Existe registo de consulta de Neurocirurgia a 30.01.2015, refere “sem intercorrências ou queixas do foro neurológico”, passando a ser acompanhada no Hospital 3... pelo seguro.
37. Nesse período, a A. foi sujeita a novo internamento hospitalar, desta feita no Hospital 3..., no Porto, apresentando solução de continuidade do crânio após TCE, tendo sido submetida, em 14/05/2012, a uma terceira intervenção cirúrgica ― cranioplastia ―,destinada a colocar uma prótese de platina no local do crânio de onde fora retirado o osso infetado -“abertura do retalho, desinserção, identificação da continuidade óssea e posterior cranioplastia, com implantação de placa e parafusos bioplate”, tendo tido alta a 16.05.2012.
38. A A foi admitida novamente no serviço de urgência do Hospital 2... a 19.03.2016, em contexto de “ TCE há 1 mês com ferida do couro cabeludo, hoje constatada pequena deiscência após avivamento dos bordos”, com alta hospitalar no próprio dia, mas indicação para reavaliação em consulta hospitalar de neurocirurgia.
39. Admitida novamente no serviço de urgência do Hospital 2... a 07.04.2016, em contexto de “deiscência da cicatriz cirúrgica pós-craniotomia, não tendo sido objetivada drenagem de conteúdo purulento”, tendo tido alta no próprio dia.
40. A A teve consulta de cirurgia plástica e reconstrutiva a 20.04.2016, onde está registado “novo TCE há 2 semanas com pequena ferida com exposição da rede”.
41. A A esteve internada no serviço de cirurgia plástica e reconstrutiva do Hospital 2... a 02.05.2016 com referência a “há 4 semanas teve novo TCE, há 2 semanas com ferida com exposição da rede, na região temporal esquerda”, sendo internada para plastia com retalho da área de perda de substância – cirurgia conjunta com neurocirurgia, tendo tido alta a 04.05.2016.
42. A A teve consulta de cirurgia plástica e reconstrutiva a 18.05.2016, onde se refere “boa evolução” e a 01/06/2016 em que se refere cicatrizado.
43. A A teve nova consulta de cirurgia plástica e reconstrutiva a 21.03.2018, onde se refere “cicatriz instável. Para plastia”.
44. A A foi sujeita a novo internamento no serviço de cirurgia plástica e reconstrutiva do Hospital 2... a 28.01.2019 com referência a “ferida instável em área de intervenção prévia”; submetida a desbridamento de área de cicatrização instável e plastia com retalho de rotação temporal no dia 28.01.2019, com alta hospitalar a 05.02.2019.
45. A A teve novas consultas de cirurgia plástica e reconstrutiva a 13.02.2019, onde se refere “remove quase a totalidade dos agrafos, mantém pontos e agrafos na área mais instável, a 20.02.2019 em que remove os restantes pontos; depois a 06.3.2019 onde se refere que apresenta defeito mais pequeno mas com cicatriz instável e a 20.3.2019 onde s refere “sobreponível. Aguarda extração da placa”.
46. Em 15.04.2019 a A é novamente consultada em Neurocirurgia, onde se deteta “nova deiscência de ferida, em agravamento” e é proposta cirurgia para remoção da placa de titânio, cranioplastia com PEEK e correção de deiscência”.
47. A A foi sujeita a novo internamento no serviço de Neurocirurgia do Hospital 2... a 12.11.2019, com referência a admissão para “remoção de placa de titânio, cranioplastia com PEEK e correção de deiscência realizada a 13.11.2019, tendo tido alta hospitalar a 18.11.2019 com indicação para reavaliação em consulta hospitalar de neurocirurgia.
48. Foi admitida no serviço de urgência do Hospital 2... a 04.12.2019 em contexto de “deiscência de ferida cirúrgica, drenagem purulenta e exposição de barra de titânio, tendo tido alta hospitalar no próprio dia.
49. Novamente admitida no serviço de urgência do Hospital 2... a 16.12.2019 em contexto de “área de descontinuidade com deiscência pericentimétrica circular na região anterior da incisão”, com alta hospitalar no próprio dia e agendamento de admissão hospitalar para o dia seguinte.
50. A A foi sujeita a novo internamento no serviço de Neurocirurgia do Hospital 2... a 17.12.2019, com referência a “ desde há duas semanas com área de deiscência na porção anterior da ferida com drenagem purulenta; encaminhada ao SU onde realizou TC cerebral, que mostra coleção liquida hiperdensa subjacente a área de craniotomia – 6 mm de maior diâmetro; à observação, área de descintinuidade com deiscência pericentimétrica circular na região anterior da incisão”, sendo internada para RM e ponderação de revisão da ferida, sendo a RM não sugestiva de conteúdo infecioso intracraniano, tendo se optado por penso de pressão negativa e zaragatoa da ferida com isolamento de Enterobacter sensível a Cotrimoxazol, com indicação para voltar a 26.12 para retirada do penso de pressão negativa e reavaliação de ferida operatória, tendo tido alta hospitalar a 23.12.2019.
51. Foi a A novamente sujeita a novo internamento no serviço de Neurocirurgia do Hospital 2... a 18.02.2020 para cirurgia “para remoção de prótese de cranioplastia e correção de ferida deiscente”, realizada a 19.2.2020, com alta a 21.02.2020 com indicação para reavaliação em consulta hospitalar de neurocirurgia e realização de tratamento com penso de pressão negativa posterior com duração de 5 semanas.
52. Em 12.10.2020 a A é consultada em Neurocirurgia, encontrando-se nessa data assintomática, é submetida a EGG e não apresenta défices, fica de decidir se quer recolocar a prótese PEEK que se encontrará esterilizada.
53. Em 07.12.2020 e 08.11.2011 a A é novamente consultada em Neurocirurgia, e, em ambas as consultas a A refere que não quer fazer a cirurgia para colocar a prótese, tendo alta na última consulta.
54. Em consequência do acidente, a A. atualmente apresenta:
- dificuldade a lembrar-se de certos termos – afasia motora;
- hiposmia;
- na região frontal esquerda do crânio, acima da implantação capilar, apresenta área de depressão óssea, de forma arredondada, com 5 por 8 cm de maiores dimensões e com profundidade de 0.5cm, associada no seu bordo supero-posterior a área de alopecia cicatricial com 4 por 2 cm de maiores dimensões e associada a cicatriz cirúrgica nacarada e hipotrófica com 10 cm de comprimento e orientação sagital, com origem na região frontal, à esquerda da linha média, 2 cm abaixo da linha de implantação capilar e progressão até à região fronto-parietal (achados compatíveis com intervenção médico-cirúrgica realizada- craniectomia);
55. A consolidação médico-legal das lesões sofridas pela A. ocorreu no dia 06/11/2012.
56. Em consequência do sinistro a A sofreu um défice funcional temporário total de 73 dias, entre 07.11.2011 e 15.01.2021 e entre 14.05.2012 e 16.05.2021.
57. E um défice funcional temporário parcial de 293 dias, entre 16.01.2012 e 13.05.2012, entre 17.05.2012 e 06.11.2012.
58. A A teve assim uma repercussão temporária na atividade profissional total de 366 dias, entre 07.11.2011 e 06.11.2012, tendo deixado de auferir a sua remuneração.
59. Sendo que aos períodos referidos de défice funcional temporário total e repercussão temporária na atividade profissional total, acrescem os seguintes períodos de internamento posteriores à data de consolidação médico-legal, relacionados com evento em causa, situados entre 02.05.2016 e 04.05.2016, entre 28.01.2019 e 05.02.2019, entre 2.11.2019 e 18.11.2019 e entre 7.12.2019 e 23.12.2019 e 18.02.2020 e 21.02.2020m num período total de 30 dias.
60. À A, tendo em conta as lesões sofridas, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efetuados, foi fixado o quantum doloris no grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente.
61. A A, em consequência do sinistro em causa nos autos, ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 19 pontos.
62. A A, em consequência do sinistro em causa nos autos, ficou a padecer de um dano estético permanente fixável no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as cicatrizes e as alterações morfológicas a nível do crânio.
63. Por não ser capaz de realizar, com autonomia, os gestos da sua vida quotidiana, a A. teve, nos três meses que se seguiram à alta hospitalar, a residir com uma irmã que cozinhava para si e cuidava da higiene da casa e da roupa, auxiliando ainda a A. nos seus cuidados de higiene pessoal.
64. À data do acidente, a A. desempenhava as funções de encarregada de armazém, competindo-lhe a programação de máquinas, a orientação, controlo e emanação de ordens ao pessoal daquele sector, a programação da atividade no seu sector de trabalho (armazém), o controle de stocks, a saída de embarques, a supervisão do funcionamento das máquinas, dando ordens para a sua ligação ou desligamento.
65. Por causa das lesões decorrentes do acidente e sequelas que lhes estão associadas, a A. não mais pôde retomar autonomamente a categoria profissional de encarregada de armazém que desempenhava anteriormente, tendo sido relegada para a execução de tarefas menos qualificadas, que em nada contendem com a atividade para a qual estava habilitada e que desempenhava habitualmente.
66. Até ao encerramento da empresa onde trabalhava, após o acidente, a A. limitava-se a colar etiquetas nos produtos que saem do armazém, a fazer e colar caixas de cartão, não executando qualquer trabalho que implique a realização de registos numéricos ou de quantidades ou quaisquer outros que exijam cálculos.
67. No regresso à sua atividade profissional, a A. sentiu grande desgosto por não mais poder exercer as funções de chefe de armazém a que estava habituada e desempenhava com todo o zelo e competência.
68. Atualmente a A é cozinheira.
69. A A. nasceu em ../../1963.
70. Era, à data do acidente, uma profissional competente e reputada, sendo considerada por todos os colegas de trabalho, subordinados e superiores hierárquicos.
71. E tinha gosto e prazer nas tarefas que desempenhava, por se sentir uma profissional bem preparada e saber que as exercia com competência e brio profissional.
72. No exercício dessas funções, a A. auferia, à data do acidente, uma retribuição médio mensal de € 769,07 (setecentos e sessenta e nove euros e sete cêntimos), assim repartidos:
a) a quantia de € 489,00 (quatrocentos e oitenta e nove euros), a título de retribuição base;
b) a quantia de € 70,40 (setenta euros e quarenta cêntimos) a título de subsidio de alimentação;
c) a quantia de € 15,00 (quinze euros) a título de prémio de assiduidade;
d) a quantia de € 50,00 (cinquenta euros) a título de prémio fixo;
e) a quantia de € 25,00 (vinte e cinco euros) a título de prémio de produção; e
f) a quantia de € 119,67 (cento e dezanove euros e sessenta e sete cêntimos) a título de trabalho extraordinário.
73. Por causa do acidente e das lesões sofridas, a A. esteve em perigo de vida.
74. A A. vivência diariamente sentimentos de inferioridade por estar consciente de que padece de alterações ao nível do cheiro, alterações ao nível da verbalização, recusando-se várias vezes a sair e a confraternizar com outras pessoas, amigos, e familiares.
75. Em consequência, a A. manifesta crescente desinteresse e incapacidade para interações sociais, irritabilidade, falta de autoestima e de confiança.
76. Antes do acidente, a A. era uma mulher saudável, ativa, alegre, vivendo com alegria e prazer, não padecendo de qualquer limitação física ou psíquica.
77. Por causa do acidente e das lesões sofridas, a autora irrita-se facilmente por não conseguir dizer o que dizer, tendo-se tornado uma pessoa mais impaciente, triste e envergonhada.
78. As cicatrizes com que ficou provocam-lhe constrangimento no relacionamento interpessoal.
79. A presente ação deu entrada em juízo a 31.10.2016, com pedido de citação urgente.
80. A Ré A... foi citada em 24.11.2016, tendo apresentado um articulado nos autos em 04.04.2017, pela mesma Mandatária que representa a R C..., com procuração outorgada em 24.03.2017, alegando que era apenas mediadora do contrato de seguro em causa nos autos e que o contrato de seguro havia sido celebrado com a B... Compañia de Seguros Y Reaseguros, SA, juntando as condições do contrato de seguro.
81. A B... Compañia de Seguros Y Reaseguros, SA, foi citada em 30/05/2017, tendo contestado em 14.09.2017 e outorgado procuração em 13.09.2017.
82. A Ré A... Internacional Correduria de seguros Y Reaseguros, tem por objeto social a realização de atividades de corretagem de seguros e resseguros.
83. De acordo com a clausula 6ª do acordo de colaboração da C... com a corretora de seguros, A..., com efeitos desde 25.06.2014, “a corretora (A...) poderá receber em nome da EA (C...) as comunicações de sinistros dirigidas à corretora, assistindo e assegurando nesse caso os segurados, asseguradores e beneficiários das apólices intermediadas pela mesma, garantindo a veracidade das referidas comunicações e o correto preenchimento de todos os requisitos estabelecidos para o efeito pela EA, devendo enviar as mesmas sem qualquer atraso (6.1); A EA autoriza à corretora a liquidação e pagamento de sinistros por conta da EA sempre que o seu valor seja aprovado previamente e escrito pela EA (6.2)” – cfr. Acordo de fls. 825 a 830 que se dá por reproduzido.
O Tribunal a quo julgou não provados os seguintes factos:
1 - Em 8 de Julho de 2015, a A. comunicou a ocorrência do sinistro e as suas causas à R. A..., questionando-a da assunção da responsabilidade pelo ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos;
2 - A consolidação médico-legal das lesões sofridas pela A. ocorreu no dia 11/12/2012.
3 – Que, após a sua citação, a R primitiva A... entrou em contato com a A, tendo em vista assumir responsabilidades pela reparação dos danos da A.
1. O tempo é um facto jurídico não negocial, susceptível de influir nas mais diversas relações jurídicas e em diferentes domínios do direito civil. Entre os mais relevantes efeitos jurídicos do decurso do tempo destacam-se a prescrição e a caducidade.
No que concerne à prescrição extintiva (assim denominada por oposição à prescrição aquisitiva), desde logo porque, quando invocada (ela não opera ipso jure – cfr. artigo 303.º do CC), pode legitimar a recusa do cumprimento da obrigação, se o correspondente direito não tiver sido exercido durante certo lapso de tempo estabelecido na lei (cfr. artigo 298.º, n.º 1, do CC), assim o transformando numa obrigação natural, nos termos do artigo 304.º, n.º 2, do CC.
Embora não lhe sejam totalmente estranhas razões de justiça, a prescrição extintiva é um instituto endereçado, fundamentalmente, à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade, partindo a sua fundamentação legal da ponderação da inércia do titular do direito, que faz presumir a renúncia ao mesmo ou, pelo menos, o torna indigno de tutela jurídica, em harmonia com o velho aforismo dormientibus non succurrit jus (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, p. 446).
Visando a prescrição satisfazer a necessidade social de segurança jurídica, de certeza dos direitos, e assim proteger o interesse do sujeito passivo, tem como efeito dispensar a protecção do sujeito activo, atendendo ao seu desinteresse ou inércia em exercitar o seu direito. Compreende-se que razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas imponham que a inércia prolongada do credor envolva consequências desfavoráveis para o exercício tardio do direito, em defesa da expectativa do devedor de se considerar dispensado de cumprir, tendo inclusivamente em conta a dificuldade que este poderia ter de, passado muito tempo, fazer prova do cumprimento que, porventura, tivesse feito (Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, p. 554). O instituto em causa tem, assim, subjacente a inércia do titular do direito, conjugada com o interesse objectivo numa adaptação da situação de direito à situação de facto (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 637). Parece, assim, dever situar-se o fundamento último da prescrição na negligência do credor em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado.
Assim, decorrido o prazo da prescrição, o devedor pode, se quiser, opor-se à pretensão do titular do direito e recusar-se a cumprir, sem ter de usar de outro meio de defesa para além da simples invocação do decurso do tempo.
2. De harmonia com o disposto no artigo 498.º, n.º 1, do CC, o direito de indemnização baseado na responsabilidade civil por factos ilícitos prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos.
Todavia, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
No presente caso, é consensual entre as partes que o prazo de prescrição aplicável ao direito de indemnização reclamado pela autora é de 5 anos. E é assim por força do disposto no citado artigo 498.º, n.º 3, do CC, conjugado com os artigos 148.º, n.º 3, e 118.º, n.º 1, al. c), ambos do Código Penal (CP).
Como resulta da própria literalidade do preceito do artigo 498.º, n.º 3, do CC, este alongamento do prazo prescricional está directamente relacionado com a natureza do facto em si mesmo, ou seja, com a especial gravidade do facto ilícito danoso praticado pelo agente. É essa especial gravidade que justifica o desencadear do processo criminal e que determina o alargamento do prazo previsto em relação aos casos em que apenas se discute a responsabilidade civil, permitindo, desse modo, que a obrigação de indemnizar decorrente da aplicação normas de direito civil não prescreva em momento anterior àquele em que o lesante pode ser julgado em sede criminal.
Mas porque é o facto em si mesmo que determina o alongamento do prazo, é pacificamente aceite pela jurisprudência que tal alongamento não depende do exercício do direito de queixa e da instauração de processo criminal, pelo que a extinção do direito de queixa, a amnistia do crime, o perdão, etc., não obstam àquele alongamento. São inúmeros os acórdãos sobre esta questão, pelo que, exemplificativamente, remetemos para os acórdãos do STJ, de 20.02.2001 (proc. 00A3621), de 12.11.2009 (proc. 258/04.6TBMRA.E1.S1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt (onde se pode consultar a jurisprudência doravante citada sem indicação da sua proveniência), e de 05.05.2020 (proc. 1414/18.5T8CHV.G1.S1), disponível em https://blook.pt/caselaw/PT/STJ/588924/, bem como o acórdão do TRL, de 16.06.2020 (proc. n.º 1662/19.0T8PDL- L1-7).
No mesmo sentido, na doutrina, Antunes Varela, em anotação ao acórdão do STJ de 30.01.1985, escreveu de forma lapidar: «Não é, pois, necessário que haja ou tenha havido acção crime na qual os factos determinantes da responsabilidade civil tenham de vir à barra do tribunal, ainda que observados sob prisma diferente. Basta que haja, em princípio a possibilidade de instauração do procedimento criminal, ainda que, por qualquer circunstância (v.g., por falta de acusação particular ou de queixa ou por amnistia entretanto decretada) ele não seja ou não possa ser efectivamente instaurado» (RLJ, nº 123, p. 46).
Mas, como se afirma no ac. STJ de 05.05.2020 antes citado, «a este prazo mais longo – cinco anos – de prescrição criminal continua a aplicar-se o regime civil da prescrição, desde logo as causas de interrupção e de suspensão do prazo previstas na lei civil (cf. Lopes do Rego, “Responsabilidade Civil. Acidente de viação – Prescrição”, RMP, ano 8.º, n.º 32,1987, pp. 159-160)».
3. Alicerçado na mesma ideia de que o alargamento do prazo de prescrição previsto no n.º 3 do artigo 498.º do CC assenta na especial gravidade do facto, é igualmente pacífico na jurisprudência que tal alongamento é também aplicável aos responsáveis meramente civis, como o comitente, a seguradora para quem foi transferida a responsabilidade civil emergente de acidente de viação ou o Fundo de Garantia Automóvel quando este intervém na acção. Mais uma vez a título meramente exemplificativo, citam-se os acórdãos do STJ de 06.07.2000 (CJ/STJ, 2000, II, p. 148), de 22.01.2204 (CJ/STJ, 2004, I, p. 37), de 18.05.2004 (proc. 04A4412) e de 06.11.2007 (proc. 07A328). No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do TRL de 16.06.2020 acima citado.
Para fundamentar este entendimento, a jurisprudência tem esgrimido vários argumentos: as razões gerais subjacentes ao instituto da prescrição – certeza e segurança jurídicas e reacção contra a inércia e desinteresse do titular do direito; a unidade do sistema jurídico, que pressupõe a aplicação a todos os responsáveis do mesmo prazo de prescrição (artigo 9.º, n.º 1, do CC); a ideia de que o legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento quando estabeleceu como único pressuposto do alargamento do prazo prescricional a natureza criminal do facto (artigo 9.º, n.º 3, do CC), não devendo o intérprete distinguir onde a lei não o faz; a circunstância de os responsáveis civis apenas terem intervenção processual porque, na verdade, substituem o lesante responsável no dever de indemnizar (cfr. ac. STJ, de 04.03.2004, proc. 04B3530, disponível em www.dgsi.pt).
Os mesmos argumentos militam a favor da aplicação do mesmo prazo prescricional alongado a todos os lesados, ainda que em relação a algum deles não possa ser assacada ao lesante qualquer tipo de responsabilidade criminal. Basta que o facto em si, atenta toda a sua complexidade material e danos provocados possa ser qualificado, à luz das normas criminais, como um ilícito penal, para que todos os lesados sejam abrangidos pelo mesmo prazo prescricional, independentemente de terem ou não qualquer intervenção no processo criminal.
4. Estando, assim, assente que o prazo de prescrição aplicável é de 5 anos, importa determinar o momento em que o mesmo começou a correr e se se verificou alguma causa de suspensão ou interrupção desse prazo.
No que concerne ao início (dies a quo) do prazo de prescrição, a regra geral está prevista no n.º 1, do artigo 306.º, do CC, estabelecendo esta norma que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.
No caso da responsabilidade civil por factos ilícitos, o artigo 498.º, n.º 1 do CC, determina que o prazo de prescrição se inicia na data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos.
Como vem sendo entendido pela jurisprudência e pela doutrina nacionais, o que releva para o início da contagem do prazo não é o conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, mas, tão só, o conhecimento dos factos constitutivos desse direito, isto é, o conhecimento de que o acto foi praticado e que dessa prática resultaram para si danos.
Como se escreve no acórdão do STJ de 23.06.2016 (proc. 54/14.2TBCMN-B.G1.S1), «o legislador consignou que o início de contagem do prazo apenas exige do lesado o conhecimento do direito de indemnização, ou seja a percepção da titularidade do direito de ser indemnizado pelos danos que sofreu (Rev. dos Trib., ano 86º, pág. 159), reportando esse conhecimento não tanto à consciência da possibilidade legal de formulação do pedido de condenação, nem à comprovação da ilicitude da actuação, mas ao conhecimento da generalidade dos pressupostos de facto do direito de indemnização (Acs. do STJ, de 27-11-73, BMJ 231º/162, e de 6-10-83, BMJ 330º/495)». No mesmo sentido vide, entre outros, os acórdãos do STJ de 18.04.2002 (proc. n.º 02B950) e do TRG de 25.05.2017 (proc. n.º 7605/08.0TBBRG-AN.G1).
Aplicando esta regra especial ao caso dos autos, o prazo de prescrição conta-se a partir da data em que o acidente ocorreu – 07.11.2011 –, por corresponder à data em que a autora teve conhecimento do seu direito, nos termos expostos.
Mas, como alerta Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, 1989, pp. 597-598), a previsão do artigo 498.º, n.º 1, do CC, que torna o início da contagem do prazo independente o conhecimento da pessoa do responsável «tem, no entanto, de ser entendida em termos hábeis. Se o lesado só tiver conhecimento da identidade do responsável depois de verificada a lesão, o prazo de três anos para a propositura da acção não se conta desse conhecimento, como anteriormente, mas a partir da data em que o lesado teve conhecimento do seu direito. Da mesma forma, se forem vários os responsáveis e o lesado tiver desde logo conhecimento de um ou vários deles apenas, não lhe será lícito intentar a acção já depois de findo o prazo fixado, a pretexto de só então ter tido conhecimento de outro ou outros dos responsáveis.
Se, porém, no momento em que finda o prazo, ainda não for conhecida a pessoa do responsável, sem culpa do lesado nessa falta de conhecimento, nada impedirá a aplicabilidade ao caso do disposto no artigo 321.º», ou seja, que se considere suspenso o prazo de prescrição durante o tempo em que o lesado esteve impedido de fazer valer o seu direito contra o verdadeiro responsável, no decurso dos últimos três meses do prazo, por desconhecer, sem culpa, a identidade deste. No mesmo sentido vide Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 1987, pp. 503-504.
Considerando que o lesado que desconheça sem culpa a pessoa do responsável está impedido de agir judicialmente contra esta (e de, por essa via, interromper o prazo de prescrição em curso), não vemos como recusar, nessa situação, a aplicação da suspensão do prazo de prescrição prevista no referido artigo 321.º do CC. De resto, a não suspensão desse prazo redundaria uma clara violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
A prova deste desconhecimento sem culpa da identidade do responsável cabe, por força daquele artigo 321.º, ao lesado.
No caso dos autos, os elementos constantes dos autos evidenciam que, quando propôs esta acção e requereu a citação urgente da primitiva ré “A... Internacional, S.L.”, a autora desconhecia a identidade da seguradora do empilhador interveniente no acidente que deu causa aos danos que sofreu.
Nos artigos 14.º e 15 da petição inicial, a autora alega que esse empilhador pertencia à sociedade D... S.L., que o havia cedido à sua entidade patronal e que, por contrato de seguro titulado pelas apólices com os números ...70 e ...68, havia transferido para a ré A... International S.L. a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pela atividade da referida máquina, tudo conforme documentos que junta sob os n.ºs 2, e 4.
Quando foi notificada dos requerimentos apresentados pela ré em 04.04.2021 e 26.04.2017, onde esta alegou ser apenas mediadora da seguradora que celebrou o contrato em causa – denominada B... Compañía de Seguros y Reaseguros, S.A., entretanto incorporada na companhia de seguros C... Compañía Suiza de Seguros y Reaseguros S.A. – e juntou prova documental desse contrato, a autora veio, para além do mais, requerer a intervenção principal provocada da referida seguradora, o que veio a ser deferido por se entender que existia dúvida fundada sobre o titular da relação material controvertida, ao abrigo do disposto no artigo 39.º do CPC.
Na contestação que apresentou, a interveniente principal afirmou que a autora sempre teve conhecimento da identidade da companhia de seguros que havia celebrado contrato de seguro com a proprietária da empilhadora, baseando-se nos documentos juntos com a petição inicial sob os n.ºs 3 e 4, os mesmos que invoca na alegação deste recurso para fundamentar a conclusão de que a autora jamais logrará ilidir a presunção de que desconhecia com culpa a pessoa do responsável, consagrada no artigo 498.º, n.º 1, do CC.
Analisados esses documentos, não cremos que os mesmos demonstrem que a autora sabia, quando propôs esta acção, que o contrato de seguro que invoca não havia sido celebrado com a primitiva ré, mas sim com a interveniente C....
Pelo contrário, pelas razões melhor desenvolvidas infra, entendemos que o conjunto dos documentos em que a autora se baseou para demandar a ré primitiva confirmam o seu desconhecimento da identidade da seguradora responsável, o que é corroborado pelas regras da experiência comum. Na verdade, é totalmente inverosímil que a autora e a sua mandatária, sabendo que a seguradora era a interveniente principal e não a ré primitiva, optasse ainda assim por demandar apenas esta, tanto mais que o prazo de prescrição do seu direito estava prestes a esgotar-se.
É certo que os factos agora descritos – o desconhecimento da autora quanto à identidade da seguradora que outorgou o contrato de seguro por si invocado na petição inicial e as circunstâncias que determinaram o seu convencimento erróneo quanto à qualidade da ré primitiva – não constam dos fundamentos de facto da decisão recorrida. Mas é igualmente certo que esses factos foram oportunamente alegados pela autora, na sua resposta às excepções alegadas na contestação, designadamente nos seus artigos 37.º a 39.º e 59.º a 61.º, e são agora convocados pela recorrente na alegação deste recurso, pelo que cabe nos poderes de cognição deste tribunal ad quem apreciar esses factos.
Prosseguindo a nossa análise, não cremos, igualmente, que a prova invocada pela recorrente, conjugada com a demais prova documental junta com a petição inicial, revele que só por sua culpa a autora poderia desconhecer a identidade da seguradora que outorgou o contrato em causa. Pelo contrário, tais documentos corroboram que a mesma desconhecia sem culpa, tal identidade, pelas razões que passamos a expor.
Do documento n.º 2 da petição inicial resulta que em 15.06.2015 e 01.07.2015 a mandatária da autora solicitou à entidade patronal desta diversas informações, designadamente a identificação do proprietário do empilhador que interveio no acidente de que a autora foi vítima e «o número da apólice, o nome e endereço (sede) da Companhia de Seguros pelo qual o empilhador estava assegurado»; mais resulta que, nesse mesmo dia 01.07.2015, a referida entidade patronal respondeu, informando que o proprietário do empilhador era D... S.L., que o número da apólice era ...70 e ...68 (POLIZA) e que o nome da companhia de segura era A... Internacional S.L. – Correduria de Seguros.
Perante esta informação a autora apenas podia concluir que a seguradora responsável era a primitiva ré.
Ao contrário do que afirma a recorrente, não cremos que esta conclusão fosse infirmada pelos documentos n.º 3 e 4.
Desde logo porque os mesmos não estão redigidos em língua portuguesa, o que poderá ter impedido ou, pelo menos, dificultado a sua leitura e compreensão por parte da autora. Essa dificuldade acaba por ser evidenciada pelo facto de a autora ter começado por identificar esses documentos, no artigo 15.º da petição inicial, como apólices de seguro, quando os mesmos mais não são do que comprovativos ou recibos de pagamentos efectuados por débito directo (“adeudo por domiciliaciones”).
Em todo o caso, nesses documentos faz-se referência a contratos de seguro (“Seguro: Autos V.E”), a apólices (“Poliza”, uma com o n.º ...70 e outra com o n.º ...68), a matrículas (...98 e ...59, sendo certo que apenas o primeiro número corresponde ao número de série do empilhador referido no ponto 3 dos factos provados) e a prémios líquidos e respectivos impostos (“Prima neta” e “Impuestos”), permitindo concluir que os pagamentos em causa se referiam a prémios de seguro.
Desses documentos consta ainda como titular da conta debitada, ou seja, como entidade pagadora, D..., S.L. e como entidade emissora, ou seja, entidade beneficiária do pagamento, A... International S.L., o que parece corroborar a convicção de que estas seriam as outorgantes daqueles contratos de seguro.
É certo que nos documentos em causa, para além das referências antes analisadas, consta também a seguinte menção: “Compaçia: B..., Compaçòa de”. Mas não cremos que esta referência devesse ser entendida pela autora como uma menção à seguradora com quem foram celebrados os contratos de seguro em aí mencionados, em especial no contexto em que surge, ou seja, depois de a entidade patronal da autora lhe ter comunicado que essa seguradora era A... Internacional S.L., mencionada nos documentos em causa como beneficiária do pagamento dos prémios, como vimos. Note-se que naqueles documentos não é feita qualquer referência que revele tratar-se de uma seguradora, constando apenas os termos Compaçia e Compaçòa, que parecem ser erros de escrita ou de digitalização, desde logo porque a letra “ç” não é usa na ortografia espanhola, podendo admitir-se que se pretendeu aludir ali ao termo compañia (companhia), mas não necessariamente companhia de seguros. Se agora, depois da informação e documentação carreada para os autos pela primitiva ré e pela interveniente principal, pode parecer óbvio que aquela era uma referência à seguradora, na altura essa evidência não existia, não sendo exigível que a autora ou a sua mandatária soubessem que B... era uma companhia de seguros ou, muito menos, que conseguissem compreender e interpretar correctamente um documento bancário redigido em língua espanhola.
Afirma, porém, a recorrente que bastaria uma simples consulta online à congénere espanhola da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, denominada Dirección General de Seguros y Fondos de Pensiones, na sua página de internet – https://dgsfp.mineco.gob.es – para confirmar que a A... não era uma companhia de seguros, mas antes a C.... Mas, pelas razões já expostas, não cremos que a autora tivesse razões objectivas para questionar a informação que lhe foi prestada pela sua entidade patronal e utilizadora do empilhador em causa, nem cremos que lhe fosse exigível conhecer a existência e o sítio electrónico da Dirección General de Seguros y Fondos de Pensiones, por não se tratarem de factos púbicos e notórios ou de conhecimento geral.
Alega ainda a recorrente a evidência decorrente da firma da A..., na qual consta expressamente a designação corretora – A... Internacional Curredoria de Seguros y Reaseguros, S.L.
Mais uma vez, perante a informação e a documentação antes analisada, não cremos que fosse exigível a uma pessoa média, colocada na posição da autora, concluir que a ré primitivamente demandada não podia ser parte no contrato de seguro em causa, por constar da sua denominação social o termo, de natureza técnico-jurídica, “correctora de seguros”, tanto mais que nem sequer é este o termo que integra a referida denominação social, mas sim o termo espanhol “correduria de seguros y reaseguros”, cuja tradução não será do conhecimento da generalidade das pessoas que não têm o espanhol como língua materna.
Não cremos que a solução deva ser outra mesmo quando se tem em consideração que as informações em causa foram solicitadas e analisadas pela mandatária da autora. Para além do que já dissemos quanto ao domínio da língua espanhola e da competência para traduzir os termos técnico-jurídicos redigidos nessa língua, também não será exigível ao advogado médio que exerce a sua actividade em Portugal o conhecimento do significado e alcance desses termos, ou seja, o domínio do direito espanhol, designadamente do objecto social correspondente a uma sociedade com a firma ou denominação “Curredoria de Seguros y Reaseguros, S.L.”.
Em suma, concluímos que, no momento em que findou o prazo de prescrição – 07.11.2016 – a autora desconhecia sem culpa a identidade da seguradora responsável pelo pagamento da indemnização que lhe era devida, pelo que aquele prazo se suspendeu no dia 07.08.2016, tendo essa suspensão cessado apenas em 07.04.2017, data em que se presume notificada do requerimento apresentado pela ré primitiva e respectivos documentos, que lhe permitiam conhecer a identidade da verdadeira seguradora.
Nestes termos, o prazo de prescrição terminaria apenas em 07.07.2017, ou seja, já depois da citação da interveniente principal, ocorrida em 30.05.2017, data em que esse prazo se interrompeu e começou a correr novo prazo, nos termos previstos nos artigos 323.º, n.º 1, e 326.º do CC.
5. Pelo exposto, ainda que com argumentos distintos, concordamos com o tribunal a quo quando conclui pela improcedência da excepção de prescrição, ficando assim prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela recorrente e pela recorrida, maxime a impugnação da decisão sobre o ponto 1 dos factos não provados deduzida em sede de ampliação do objecto do recurso.
Na total improcedência da apelação, as respectivas custas serão suportadas pela recorrente, nos termos do disposto no artigo 527.º do CPC.
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Pelo exposto, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto julgam improcedente a apelação e, consequentemente, mantêm a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
Relator: Artur Dionísio Oliveira
Adjuntos: Alexandra Pelayo
Rodrigues Pires
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[1] Seguimos de perto o relatório da sentença recorrida