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VALOR DA CAUSA
DETERMINAÇÃO DO VALOR
INTERESSE IMATERIAL
DECLARAÇÃO DE NULIDADE
ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
Sumário
I – Acções sobre interesses imateriais são aquelas cujo objeto não tem expressão pecuniária, isto é, cujo benefício não pode traduzir-se em dinheiro, visando antes a declaração ou efetivação de direito ou direitos de natureza extrapatrimonial. II – As acções de declaração judicial da nulidade e de anulação de deliberações sociais têm por objecto a validade de um acto jurídico, pelo que a fixação do seu valor deve obedecer aos critérios previstos no artigo 301.º do CPC. III – O primeiro critério previsto nesta disposição legal corresponde ao valor do acto determinado pelo preço ou estipulado pelas partes. O valor a considerar à luz deste critério é, portanto, o do acto jurídico cuja anulação se pretende, aquilo que ele representa, em si mesmo, para a vida da sociedade, e não o valor que esse acto deveria ter se não fosse nulo ou anulável, nem o valor do prejuízo que o mesmo acarreta para a parte que pretende a sua anulação ou, de uma forma mais genérica, o valor correspondente ao interesse patrimonial que o autor possa ter na anulação. IV – O segundo critério consagrado na mesma disposição legal remete-nos para as regras gerais de determinação do valor causa, maxime para o critério geral previsto no artigo 297.º, n.º 1, do CPC, que se desdobra em duas regras: sendo pedida uma quantia certa, o valor da causa é necessariamente igual ao montante do pedido; não sendo pedido uma quantia em dinheiro, o valor da causa, ou seja, a utilidade económica imediata do pedido, deve corresponder à expressão monetária do benefício que o autor pretende obter, o que há-de descortinar-se na relação entre o pedido e a causa de pedir, pela análise do fim ou do objectivo da acção.
Texto Integral
Proc. n.º 1671/23.5T8OAZ-A.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
AA, casado, residente na Rua ..., ... ..., ..., intentou a presente acção de anulação de deliberações sociais contra A..., S.A., com sede na Rua ..., ... ..., pedindo se declarem inválidas, nulas ou anuladas as deliberações sociais tomadas na assembleia geral da ré de 29.o3.2023, ordenando-se o cancelamento dos registos que com base nelas tiverem sido efetuados.
Atribuiu à acção o valor de 30.001,00 €.
A ré apresentou contestação, pugnando pela improcedência da acção, não se pronunciando sobre o respectivo valor.
Por despacho proferido em 21.02.2024, o tribunal a quo fixou o valor da acção em 1.600.000,00 € e ordenou a notificação das partes «para liquidarem a taxa de justiça remanescente (correspondente a um valor de acção de € 275.000,00, atento o disposto no art. 6º n.º 7 do RCP)».
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Inconformada, a ré apelou desta decisão, apresentando a respectiva alegação, que conclui da seguinte forma:
«I – Pelo presente recurso pretende impugnar-se a douta decisão que alterou o valor da causa de €30.001 para €1.605.000 e também determinou o pagamento da inerente taxa de justiça remanescente.
II – Porém, no nosso entendimento, em primeiro lugar, tal decisão tem por base fundamentos que nenhuma relação têm com a presente ação.
III – Mais importante, no entanto, é que, pela presente ação o autor pretende ver anulada deliberação de: Ponto Um:- Ratificação da cooptação para o Conselho de Administração em funções, realizada em 20-06-2022, nos termos do artigo 15ª dos estatutos e do artigo 393º, nº4, C.S.C.; Ponto Dois: - Eleição dos membros dos órgãos sociais para o quadriénio de 2023-2026
IV – Tal deliberação não versa, pois, sobre as remunerações dos membros do conselho de administração da ré.
V – Logo, uma vez que se trata de uma deliberação sobre um interesse imaterial – a validade de deliberação societária, o valor da ação deverá ser fixado em 30.001€, conforme foi, aliás, a nosso ver corretamente, proposto pelo autor, por força do definido no artigo 303º, 1, do CPC, o qual foi, assim, salvo o maior respeito, erradamente interpretado e aplicado pelo Tribunal recorrido».
Terminou pedindo se revogue a decisão recorrida, fixando-se o valor da ação em €30.001 e desonerando-se a ré do pagamento da taxa remanescente.
Não foi apresentada resposta à alegação da recorrente.
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II. Fundamentação
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
A única questão a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, consiste em saber qual o valor que deve ser fixado a esta acção.
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De harmonia com o disposto no artigo 296.º do CPC, a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido e ao qual se atende para determinar, para além do mais, a competência do tribunal e as custas judiciais (cfr. artigo 11.º do Regulamento das Custas Judiciais).
Os critérios gerais de determinação do valor da causa estão consagrados no artigo 297.º do CPC, nos seguintes termos:
«1 – Se pela acção se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício.
2 - Cumulando-se na mesma ação vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos.
3 - No caso de pedidos alternativos, atende-se unicamente ao pedido de maior valor e, no caso de pedidos subsidiários, ao pedido formulado em primeiro lugar.»
Por sua vez, os artigos 298.º e 300.º a 304.º do CPC fornecem critérios especiais para determinação do valor da causa nas situações específicas neles definidas, mas sem afastar o princípio orientador da utilidade económica do pedido, consagrado no já referido artigo 296.º, antes concretizando esse princípio naquelas situações.
Os casos em que o valor da acção é determinado pelo valor do acto jurídico estão regulados no artigo 301.º, nos seguintes termos:
«1 - Quando a ação tiver por objeto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um ato jurídico, atende-se ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes.
2 - Se não houver preço nem valor estipulado, o valor do ato determina-se em harmonia com as regras gerais.
3 - Se a ação tiver por objeto a anulação do contrato fundada na simulação do preço, o valor da causa é o maior dos dois valores em discussão entre as partes».
Por sua vez, o artigo 303.º regula o valor das ações sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais ou difusos, preceituando que as ações sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais, bem como as acções para atribuição da casa de morada de família, constituição ou transmissão do direito de arrendamento, se consideram sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais um cêntimo (ou seja, 30.000,01 €), acrescentando que nos processos para tutela de interesses difusos o valor da ação corresponde ao do dano invocado, com o limite máximo do dobro da alçada do Tribunal da Relação.
No presente caso, a decisão recorrida fixou o valor da acção com base no critério previsto no artigo 301.º, n.º 1. A recorrente discorda, por considerar que esta acção versa sobre interesses imateriais, pelo que o seu valor é o determinado no artigo 303.º, n.º 1.
Como vem sendo afirmado de forma unânime pelos tribunais superiores, acções sobre interesses imateriais são aquelas cujo objeto não tem expressão pecuniária, isto é, cujo benefício não pode traduzir-se em dinheiro, visando antes a declaração ou efetivação de direito ou direitos de natureza extrapatrimonial. Vide, a título de exemplo, o ac. do STJ, de 19.04.2023 (proc. n.º 29343/21.8T8LSB.L1-A.S1, rel. Mário Belo Morgado), e os acórdãos do TRL, de 21.02.2013 (proc. n.º 161/12.6YHLSB-B.L1-6, rel. Tomé Almeida Ramião), de 12.03.2013 (proc. n.º 82/12.2YHLSB-A.L1-7, rel. Roque Nogueira) e de 28.04.2016 (proc. n.º 8014/15.0T8LSB-A.L1-2, rel. Ezagüy Martins). Neste sentido, afirma-se o seguinte no citado ac. do TRL de 21.02.2013: «Por “interesses imateriais”, para efeitos do disposto no art.º 312.º do C. P. Civil [correspondente ao actual artigo 303.º, n.º 1], terá de entender-se os que sejam insuscetíveis de serem reduzidos a mera expressão económica, ou seja, as ações em que estejam em causa relações jurídicas sem expressão pecuniária, sem conteúdo económico, ou em que este é meramente fictícia, nelas se incluindo as que têm por objeto direitos indisponíveis».
Este é, igualmente, o entendimento da doutrina. Salvador da Costa (Os Incidentes da Instância, Almedina, Coimbra, 1999, 2.ª ed., p. 45) escreve que «[v]ersam especificamente sobre interesses imateriais as ações cujo objeto não tem valor pecuniário e que visam realizar um interesse não patrimonial, ou seja, cuja vantagem é insuscetível de se expressar em uma quantia monetária». No mesmo sentido, vide Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, 1982, 3.ª ed., p. 414.
No caco concreto, não pode afirmar-se que o objecto da acção é meramente imaterial, ou seja, que nela se discutam relações jurídicas sem conteúdo económico e, por isso, sem expressão pecuniária. Pelo contrário, o objecto desta acção traduz um claro interesse material do autor, susceptível de expressão pecuniária, como veremos melhor infra.
Não estamos, portanto, perante uma acção sobre interesses imateriais cujo valor deva ser fixado nos termos previstos no artigo 303.º do CPC., pelo que não podemos secundar o entendimento preconizado pelo recorrente.
Atento o pedido deduzido pelo autor – se declarem inválidas, nulas ou anuladas as deliberações sociais tomadas na assembleia geral da ré de 29.o3.2023, mais concretamente a ratificação da cooptação para o Conselho de Administração em funções, realizada em 20.06.2022, nos termos do artigo 15.º dos estatutos e do artigo 393.º, n.º 4, do CSC, a eleição dos membros dos órgãos sociais para o quadriénio de 2023-2026 e a dispensa destes de prestarem qualquer caução – e a respectiva causa de pedir, não restam dúvidas de que a presente causa se enquadra nas acções de declaração judicial da nulidade e de anulação de deliberações sociais previstas nos artigos 57.º, 59.º e 60.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
É, assim, inquestionável que a presente acção tem por objecto a validade de um acto jurídico – as referidas deliberações sociais – pelo que a fixação do seu valor deve obedecer aos critérios previstos no artigo 301.º do CPC, como bem ajuizou o Tribunal a quo.
Como ensinam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019, pp. 349-350) em anotação a esta disposição legal, «1. Este preceito cobre todos os casos em que a decisão se deva pronunciar sobre existência, a validade, o cumprimento, a modificação ou a resolução de um negócio jurídico, sendo o valor da ação determinado por referência ao valor do ato. 2. Reportando-se a lei aos casos em que está em causa um "ato jurídico", abarcará naturalmente os contratos e outros atos jurídicos, tais como as deliberações sociais ou a confissão de dívida. Uma tal amplitude objetiva corresponde à amplitude dos fundamentos que levam à sua discussão em ação judicial, abarcando toda e qualquer ação, maxime as de natureza constitutiva ou de simples apreciação que, sob iniciativa do autor, tenha por objeto a apreciação da existência, da validade, do cumprimento, da modificação ou da resolução do acto jurídico».
O primeiro critério previsto na referida disposição legal corresponde ao valor do acto determinado pelo preço ou estipulado pelas partes. Nas palavras dos autores antes citados, «3. O valor do ato (e, assim, o valor da ação) apura-se por uma de duas vias: pelo preço fixado ou pelo próprio valor que as partes deram aos bens sobre que versa o negócio (RC 3-2-04, 3696/03). Quanto ao preço, este não deve ser tomado nos estritos termos referidos na lei substantiva para a compra e venda (art. 874º do CC) e para a empreitada (art. 1207º do CC), mas no sentido abrangente de contrapartida devida no âmbito do concreto negócio submetido à consideração do tribunal. Quanto ao valor estipulado, mais restritamente, respeita a casos em que, importando embora a disposição de bens, não há uma contrapartida (doação) ou a contrapartida é igualmente em bens (permuta), pelo que o valor do negócio (e, assim, da ação) decorre do valor atribuído pelas partes aos bens envolvidos. 4. Nos casos em que ao ato jurídico corresponder um valor certo e determinado (v.g. o preço no contrato de compra e venda, o valor do crédito assumido na confissão de dívida), torna-se fácil determinar o valor processual. Quando as partes não tenham estipulado um valor, importará recorrer às normas substantivas, tais como o art. 883º (determinação do preço na compra e venda), o art. 1158º, nº 2 (valor da remuneração no mandato) ou o art. 1211º (determinação do preço na empreitada), todos do CC».
O valor a considerar à luz deste critério é, portanto, o do acto jurídico cuja anulação se pretende, aquilo que ele representa, em si mesmo, para a vida da sociedade, e não o valor que esse acto deveria ter se não fosse nulo ou anulável, nem o valor do prejuízo que o mesmo acarreta para a parte que pretende a sua anulação ou, de uma forma mais genérica, o valor correspondente ao interesse patrimonial que o autor possa ter na anulação – cfr. ac. do TRE, de 27.05.2021 (proc. n.º 1245/20.2T8STR.E1, rel. Emília Ramos Costa), e ac. do STJ, de 23.11.2000 (proc. n.º 01B664, rel. Araújo de Barros), ambos citando Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3, Coimbra Editora, Coimbra, 1946, p. 622).
Em coerência com este primeiro critério, a jurisprudência dos tribunais superiores entende que, na acção de anulação de deliberação social em que se pede a anulação do balanço, o valor da causa é o valor desse balanço, e não o valor correspondente à quantia em dinheiro em que se traduz o benefício que o autor pretende obter, visto que é aquele que traduz o interesse económico imediato dessa acção, pois o que está em causa é a subsistência ou insubsistência do balanço – cfr. o já citado ac. do STJ, de 23.11.2000.
Voltando ao caso dos autos, vimos que são três as deliberações visadas no pedido deduzido pelo autor.
Quanto à última dessas deliberações – a dispensa dos membros dos órgãos sociais eleitos de prestarem caução –, a aplicação do critério do valor estipulado pelas partes, previsto no artigo 301.º, n.º 1, impõe que se fixe o valor dessa parte do pedido em montante equivalente ao das cauções dispensadas, pois é esse o valor implicitamente determinada na deliberação impugnada. Deste modo, bem andou o tribunal a quo ao considerar este montante no cálculo do valor da causa, sendo certo que o mesmo nunca poderia ser inferior a 50.000,00 € por cada administrador, como também se refere na decisão recorria, num total de 150.000,00 €.
Quanto às demais deliberações impugnadas – a ratificação da cooptação para o Conselho de Administração em funções, realizada em 20.06.2022, nos termos do artigo 15.º dos estatutos e do artigo 393.º, n.º 4, do CSC, e a eleição dos membros dos órgãos sociais para o quadriénio de 2023-2026 – é manifesto que o valor dos actos em causa não pode ser determinado pelo preço, mesmo no sentido amplo antes referido e ainda que mediante recurso às normas de direito substantivo, pois aquele acto não diz respeito a qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços pelas quais fosse devido um preço ou outra contrapartida. Mas também não se afigura possível recorrer ao valor estipulado pelas partes, pois das deliberações em causa não se extrai qualquer indicação sobre o seu valor, como sucede na anteriormente analisada ou no exemplo da anulação da uma deliberação que tenha aprovado o balanço.
Pese embora ou louvável esforço do tribunal a quo no sentido de encontrar esse valor, não cremos que o valor das deliberações agora em análise corresponda ao valor dos vencimentos e privilégios atribuídos aos membros dos órgãos sociais nomeados (ou cuja nomeação foi ratificada) por aquela via, até porque tais vencimentos não foram ali fixados ou ratificados.
Assim sendo, resta-nos o recurso ao segundo critério consagrado na mesma disposição legal, mais concretamente no seu n.º 2, em cujos termos, se não houver preço nem valor estipulado, o valor do ato determina-se em harmonia com as regras gerais. Esta menção às regras gerais mais não é do que uma remissão para as regras gerais relativas à determinação do valor causa, como já ensinava Alberto dos Reis em anotação à norma do artigo 315.º do CPC de 1961, correspondente aos n.ºs 1 e 2, do actual artigo 301.º (cit., p. 413), ou seja, para os critérios gerais previstos no artigo 297.º do actual CPC, maxime o consagrado no seu n.º 1, acima transcrito.
Atendendo à sua clareza e actualidade, vale a pena recordar aqui a forma como Alberto dos Reis define este critério geral (cit., p. 409):
«Este critério desdobra-se em duas regras, uma aplicável às acções em que se pede uma soma de dinheiro, outra às acções em que se pede coisa diversa de quantia certa.
1.ª regra: quando se pede quantia certa, o valor da acção é necessàriamente igual ao montante do pedido. Em tal caso o tribunal não pode atribuir à causa valor diverso, nem por sua iniciativa, nem por vontade das partes.
2.ª regra: quando se pede uma prestação que não consista no pagamento de quantia certa, há que coordenar o pedido com a causa de pedir para se verificar qual a utilidade económica imediata que o autor pretende obter, qual o benefício, expresso em dinheiro, que corresponde à pretensão do autor».
No caso dos autos, não sendo pedido uma quantia em dinheiro, o valor da causa, ou seja, a utilidade económica imediata do pedido (cfr. artigo 296.º do CPC), deve corresponder à expressão monetária do benefício que o autor pretende obter, o que há-de descortinar-se na relação entre o pedido e a causa de pedir, pela análise do fim ou do objectivo da acção. Como se escreve no ac. do STJ de 23.11.2000 já antes citado, «a utilidade económica imediata do pedido (…) “é o benefício visado pela acção ou reconvenção e afere-se à luz daquele pedido que, assim, não se limita a enunciar o objecto imediato da demanda, mas também o efeito jurídico que com ela se pretende obter”, que será determinado tendo em conta, em conjunto, o pedido e a causa de pedir».
Apesar da prolixidade que caracteriza a exposição da causa de pedir das pretensões anulatórias do autor, tal exposição assenta na ideia fundamental de que as deliberações em causa visaram obstar à produção dos efeitos da procedência do processo n.º ... – por via do qual o autor impugnou a deliberação social tomada na assembleia geral da ré de 18 de Janeiro de 2022, que declarou eleitos os novos membros dos seus órgãos sociais (ficando a administração afecta ao pai, mãe e irmã do autor, cabendo a presidência do conselho de administração ao primeiro) e em consequência da qual o autor foi afastado da administração da ré e ficou reduzido à condição de mero trabalhador – designadamente a manutenção do autor na administração da ré e a reparação dos elevados prejuízos económicos que para ele advieram do aludido afastamento, traduzidos da redução da sua remuneração de 15.000,00 € mensais para 5.000,00 € ilíquidos, depois reduzidos para 4.200,00 € mensais – cfr., entre ouros, os artigos 14.º a 16.º, 54.º, 74.º, 236.º, 260.º da petição inicial.
Deste modo, o que objectivo visado pelo autor com o pedido de anulação das deliberações sociais agora em análise é assegurar a eficácia da acção de anulação da deliberação social de 18.01.2022. Dito de outro modo, a benefício pretendido pelo autor com os pedidos agra em apreço equivale ao benefício pretendido com a acção n.º ... – a manutenção do autor na administração da ré e a reparação dos elevados prejuízos económicos que para ele advieram do seu afastamento dessa administração. Desconhecendo-se quando foi a sua remuneração reduzida para 4.200,00 € mensais, tais prejuízos ascendem, pelo menos, à diferença entre a remuneração que auferia como administrador da ré (15.000,00 €) e a remuneração que passou a auferir como erro trabalhador da mesma (5.000,00 €), ou seja a 10.000,00 € por mês.
O período a atender no cálculo do valor desta parte do pedido será o compreendido entre a data do afastamento do autor da administração da ré – 18.01.2022 – e a data da propositura da acção – 28.04.2023 –, atento o disposto no artigo 299.º, n.º 1, do CPC, ou seja, 15 meses.
Em suma, o valor a considerar quanto a esta parte do pedido ascende a 150.000,00€. Somado este valor à parcela, igualmente de 150.000,00 €, antes determinada, concluímos que o valor da causa deve ser fixado em 300.000,00 €.
Por conseguinte, deverá manter-se a notificação das partes para liquidarem o valor da taxa de justiça em falta (que não se confunde com a taxa de justiça remanescente, a que alude o artigo 6.º, n.º 7, do RCP), tendo por referência o valor da acção de 275.000,00 €, atento o disposto na referida disposição legal.
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Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
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III. Decisão
Pelo exposto, na procedência parcial da apelação, os Juízes da 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto alteram o valor da causa, fixando-o em 300.000,00 €, e mantêm a notificação das partes para liquidarem o valor da taxa de justiça em falta, tendo por referência o valor da acção de 275.000,00 €, atento o disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP.
Custas pelo recorrente, na proporção do seu decaimento.
Registe e notifique.
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Porto, 28 de Janeiro de 2025
Relator: Artur Dionísio Oliveira
Adjuntos: Alexandra Pelayo
Rodrigues Pires