DIREITO AO BOM NOME DE PESSOA COLECTIVA
PROCEDIMENTO CAUTELAR
Sumário

I - Os procedimentos cautelares são um instrumento processual destinado a proteger de forma eficaz os direitos subjetivos ou outros interesses juridicamente relevantes, representando uma antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao desfecho do processo principal e assentam numa análise sumária da situação de facto que permita afirmar a provável existência do direito, bem como o receio justificado de que o mesmo seja seriamente afectado ou inutilizado se não for decretada a medida cautelar.
II - A procedência do procedimento cautelar comum depende essencialmente de dois requisitos, a saber: a) a verificação da aparência de um direito; b) a demonstração do perigo de insatisfação desse direito aparente.
III - O direito ao bom nome, reputação e imagem de uma sociedade comercial é tutelável, nomeadamente em sede de providência cautelar, por equiparação como as pessoas singulares, nos termos dos artigos 26.º, n.º 1, ex vi do artigo 12.º, n.º 2, da Constituição e do artigo 70.º do CC.

Texto Integral

Processo nº 523/24.6T8VFR.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo Local Cível de ... - Juiz 1

Relatora: Ana Vieira

1º Adjunto Juiz Desembargador Dr. Isabel Silva

2º Adjunto Juiz Desembargador Dr. Paulo Dias da Silva


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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO

A..., S.A. intentou o presente procedimento cautelar não especificado contra AA e BB.

Para o efeito, alegou, em síntese, que é uma sociedade comercial, que se dedica à atividade de inspeção técnica de veículos automóveis. Por sua vez, refere, o 1.º Requerido é proprietário da viatura de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-ZJ, e o 2.º Requerido é engenheiro mecânico, gravando e publicando vídeos para as páginas do Facebook, Instagram, TikTok, Reddit e YouTube, designadas como “...”, onde manifesta a sua opinião sobre várias questões relacionadas com automóveis.

Assim, o direito à imagem, ao crédito, bom nome e reputação da Requerente vêm sendo violados por publicações realizadas pelo 2.º Requerido em redes sociais e plataformas digitais, nas quais tem intervenção o 1.º Requerido e onde ambos tecem comentários ofensivos e rudes dirigidos à Requerente, incentivando terceiros a tomarem a mesma postura perante esta, bem sabendo do impacto dos mesmos para o negócio, imagem, crédito, bom nome e reputação da Requerente.

A estas publicações está inerente o entendimento, pelos Requeridos, de que um veículo automóvel, propriedade do 1.º Requerido, deveria ter sido aprovado numa inspeção realizada nas instalações da Requerente em ..., para o que não dispõem de fundamento válido. Ora, tais comentários são “republicados” por outras entidades, o que agrava a ofensa já praticada pelos Requeridos.

Concretiza, por isso, que, na tarde do dia 18 de Janeiro de 2024, o 1.º Requerido deslocou-se ao Centro de Inspeções da Requerente em ..., onde foi realizada a inspeção da viatura supra aludida, para verificar se as situações pelas quais o seu veículo se encontrava apreendido pelas entidades policiais se mostrava corrigido, para o que a Requerente tem competência ao abrigo da deliberação n.º 789/2023, do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P..

Nesse seguimento, tal veículo automóvel foi considerado desconforme, já que o motivo determinante da sua apreensão pela GNR, não havia sido regularizado: esse motivo residia na circunstância das características do mesmo terem sido alteradas.

Destarte, na sequência da aludida apreensão, antes da entrada em vigor da deliberação supra referida, o 1.º Requerido, em Janeiro de 2023, já se havia deslocado a outro centro de inspeções, para proceder à inspecção necessária ao levantamento da apreensão.

Esta foi realizada por um técnico do IMT, o qual determinou que esse levantamento implicaria que o 1.º Requerido equipasse o veículo, nomeadamente com amortecedores originais, e enviasse fotografias elucidativas, ou, colocasse processo de transformação individual para averbar as alterações verificadas.

Neste conspecto, a Requerente invoca que, pese embora o inspetor ao seu serviço, não tenha identificado qualquer anomalia técnica ou mecânica, que pudesse dar origem à reprovação do veículo, na inspeção realizada no dia 18 de Janeiro de 2024 (o que transmitiu ao 1.º Requerido), a verdade é que tanto não era suficiente para determinar o cancelamento da apreensão: exigia-se que já não se verificassem os motivos que deram causa à mesma.

Mais a mais, contactado o Diretor de Operações da Requerente, este identificou que não estavam reunidos todos os pressupostos necessários à aprovação do veículo, porquanto os amortecedores não haviam sido substituídos ou averbados no certificado de matrícula, mantendo-se a causa que deu lugar à apreensão da viatura, como consta do Comprovativo de Não Conformidade, emitido pela Requerente e como foi comunicado ao 1.º Requerido, o qual apresentou reclamação no Livro Eletrónico de Reclamações da Requerente.

Assim, a 27 de Janeiro de 2023, o 2.º Requerido publicou um vídeo, no canal de YouTube intitulado como ..., através do qual, a par do 2.º Requerido, tece várias declarações que se podem considerar difamatórias, vexatórias, ofensivas da honra e bom nome da Requerente, para além de incentivarem outros a difamarem e deixaram de se deslocar aos Centros de Inspeções da Requerente para realização das suas inspeções periódicas.

Menciona, por isso, que tal vídeo era intitulado de “Uma história de CORRUPÇÃO ao mais alto nível!!...”, podendo ver-se excertos desse vídeo no Instagram e tendo os vídeos sido publicados na rede social TikTok e Reddit.

Esses vídeos são descritos da seguinte forma: “a novela continua... hoje as 19h no nosso canal de YouTube vamos libertar o vídeo completo que conta a história desta inspecção fraudulenta no centro de inspecções da A... em ....” e “este é sem dúvida o ... mais conhecido de Portugal!! o AA luta contra a corrupção e interesses instalados no IMT e centros de inspecção em Portugal. #corruptos #corrupcao #imt #imtt #A... #...”.

Sucede que a Requerente seguiu todos os procedimentos legais e regulamentares a que se encontra obrigada, no que implicou não ir de encontro à vontade e expetativa do 1.º Requerido. Outrossim, desconhece qual a intenção do 2.º Requerido que não seja a de lhe causar dano significativo, já que tomou conhecimento de comentários críticos e ofensivos da sua imagem e bom nome, publicados no Canal do YouTube deste último.

Assim, o vídeo aí publicado, a que se reporta, apresenta as seguintes características:

“a) Título do Vídeo: “Uma história de CORRUPÇÃO ao mais alto nível !!!”;

b) Capa do vídeo: frame retirado do vídeo em frente ao estabelecimento da Requerente em ... e com letras garrafais e em vermelho onde se lê CORRUPÇÃO;

c) Comentário do 2.º Requerido entre o minuto 3:08 e o minuto 3:23 do vídeo: “E depois chegamos ali e o telefonema, o bendito do telefonema de alguém da A... que alegadamente recebeu ordens do IMT para bloquear o carro.”;

d) Comentário dos Requeridos entre os minutos 4:28 e 5:23 do vídeo: “BB: Eu não vou falar mal do inspetor desta vez. E porque? Porque eu já estive lá dentro a tentar falar com os senhores e aquilo é quase como ir à Rússia no tempo da cortina de ferro. Não podemos falar. Não podemos dar opinião. E eu já fiz uns telefonemas ontem à noite, já falei com alguns amigos inspetores, já falei com algumas pessoas que conhecem as pessoas que inspecionaram o carro e que me confidenciaram que alegadamente existe uma pressão muito grande para que este carro continue chumbado. E então aqui era para se apagar. Agora a questão é: O Senhor que assinou esta ficha escreveu aqui que viu molas vermelhas no carro, porque é o que está escrito…

AA: é o que está escrito aqui na multa…

BB: na multa. Portanto o carro foi apreendido não é porque tinha amortecedores ... o carro foi apreendido.

AA: porque tinha a alteração na suspensão com molas vermelhas.

BB: Pronto, ou seja, o que este senhor aqui escreveu foi que o carro tem molas vermelhas. E o carro não tem molas vermelhas.”;

e) Comentário do 2.º Requerido entres os minutos 5:23 e 6:03 do vídeo: “E portanto isto é corrupção alegadamente ao mais alto nível e aqui eu gostava de deixar aqui um repto a quem faz inspeções nos centros da A...: Meus amigos, não vão fazer inspeções à A...! Porque se fores fazer inspeções à A... e se tiveres amortecedores ... chumbas.

Portanto não vás fazer, não vás fazer, pá evitem. Não vão à A.... Porque isto não pode ser!

Agora a vontade que dá é percorrer o país de centro de inspeção em centro de inspeção a ver se todos os inspetores vão escrever a mesma coisa.”;

f) Comentário do 2.º Requerido entre os minutos 9:33 a 9:53 do vídeo: “Precisamos aqui de verbas para ir para Tribunal, recrutar advogados, meter aqui processos. Queremos punir criminalmente as pessoas que fazem isto. Queremos chegar a esta senhora do IMT. Queremos obviamente apurar responsabilidades junto dos inspetores que estão a passar estes autos porque obrigados ou não, eles têm que ser obrigados a denunciar estas pressões que têm.”;

g) Comentário do 2.º Requerido entre os minutos 10:49 e 11:00 do vídeo: “É necessário criar aqui jurisprudência para que no futuro não sejas tu com o teu carro que estejas aqui num centro de inspeções a ser esmagado pelo peso do sistema, tá bem?”;

h) Comentário do 2.º Requerido entre os minutos 14:01 e 14:16 do vídeo: “Mas eu agora não vou falar mal das pessoas que aqui trabalham, dos inspetores que aqui trabalham, foram super simpáticas connosco, e…, mas vou falar mal e vou-vos pedir que aquele nome que ali está – A... – seja tão penalizado quanto está a ser o AA e quanto está a ser a ....”; e

i) Comentário do 2.º Requerido entre os minutos 14:35 a 15:33 do vídeo: “Então, tu estás desse lado e tens um carro também não faças a inspeção na A... porque eles aqui não cumprem a lei. Eles não cumpriram a lei ao escrever uma coisa que aqui está que não corresponde à verdade e não vou dizer alegadamente porque é verdade. O carro não tem molas vermelhas, mas quem fez a inspeção escreveu aqui que o carro e vou voltar a ler: “A situação pela qual o veículo foi apreendido. Auto da polícia n.º ...93 não se encontra regularizada.” Ora, esse auto diz que esse carro tem molas vermelhas! O carro não tem molas vermelhas, porra!

Vamos fazer com que a A... sinta o peso de não ter Clientes.

Se vieres fazer a inspeção em todo o país, não vás à A.... Vai a outro centro de inspeções.

Pode ser que desta forma a A... perceba que tem que fazer força para ter os casos clarificados. Tá bem?”.

Logo que tomou conhecimento deste vídeo, a Requerente apresentou denúncia do vídeo e o mesmo foi retirado do canal do 2.º Requerido. Por sua vez, este retorquiu que o vídeo ia voltar a ser postado, ameaçou com manifestações à porta das instalações da Requerente e reiterou que a Requerente não cumpre a Lei, servindo-se da página de Facebook, Instagram e TikTok para partilhar os vídeos com o mesmo conteúdo difamatório, as quais contam com milhares de subscritores.

Doutro tanto, a Requerente vem sendo abordada por várias pessoas que a questionam sobre o teor do vídeo e enviam mensagens de caráter ameaçador e vexatório, sendo que, com o vídeo publicado a 06 de Fevereiro de 2023, o 2.º Requerido deixou claro que pretende manter a sua atuação até que a Requerente reconheça que atuou contra a Lei e emita o Comprovativo de Certificação de inspeção da viatura do 1.º Requerido, usando o comportamento difamatório como verdadeira arma de chantagem, o que se revela inaceitável.

Destarte, a divulgação de acusações injustas e infundadas comportam e vêm comportando impactos negativos, para a imagem e para o negócio da Requerente, cuja atuação se pauta pelo cumprimento estrito da lei e regulamentos.

Com efeito, as afirmações de que a Requerente age contra a Lei e que se encontra incluída num esquema de corrupção – o que os Requeridos bem sabem não ser verdade – colocam em causa o direito ao crédito e ao bom nome desta (como expressões da sua honra) e geram uma imagem falsa e negativa da Requerente junto de atuais e potenciais colaboradores, parceiros e clientes, podendo revelar-se difícil para a Requerente (senão quase irreversível) voltar a recuperar a imagem de seriedade e de preocupação com os seus clientes.

Acresce que os Requeridos não têm intenção de parar de denegrir a imagem da Requerente e pretendem fazê-lo em todos os meios que tenham ao seu dispor, pelo que se impõe a tomada de medidas cautelares.

Termina, peticionando o seguinte: “Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis que V. Exa. doutamente suprirá, deverá a providência cautelar presentemente requerida ser decretada, por provados os seus pressupostos e, em consequência, ser determinado, sem audição prévia dos Requeridos, que estes se encontram impossibilitado de fazer declarações públicas, designadamente nas redes sociais Facebook, Instagram, TikTok, YouTube, WhatsApp, Twitter, Reddit e Linkedin, sobre a Requerente.

Mais se requer a V. Exa. se digne condenar os Requeridos no pagamento diário da quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) por toda e qualquer publicação, nos media, nas plataformas, redes sociais e afins, bem como € 50,00 (cinquenta euros) por cada comentário difamatório, insultuoso e/ou por cada republicação, a título de sanção pecuniária compulsória.”.


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Admitido liminarmente o presente procedimento cautelar, indeferiu-se o pedido de dispensa de audição prévia dos Requeridos e, em consequência, ordenou-se a sua citação para deduzirem oposição.

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Citados, os requeridos deduziram oposição, alegando, em súmula, que, no dia 30.11.2022, pelas 08h45, o veículo de que o 1.º Requerido é proprietário desde 07.10.2022, foi apreendido, constando do auto da apreensão o seguinte: “Trânsito de veículo na via pública com alteração das características com que foi aprovado, tendo sido instalados amortecedores com molas de rebaixamento (não de origem) com cor vermelha, destinados a alterar o comportamento do veículo em curva e travagem, nomeadamente, através da redução da altura ao solo do veículo e concomitantemente a sua dureza, alterando o comportamento do mesmo em circulação.”.

Na decorrência dessa apreensão, o 1.º Requerido solicitou esclarecimento ao IMT, pelo que o automóvel em causa foi inspecionado pelo mesmo, sendo remetido, via email, o resultado da inspeção em causa, com o seguinte teor: “Na sequência da inspecção técnica efetuada ao veículo com matrícula em epígrafe, tal como foi o requerente informado presencialmente, o processo encontra-se pendente pelo seguinte:

No ato da inspecção, com auxilio do Diretor Técnico Inspetor ... do Centro de inspecções B..., foi verificada as caixas de roda dianteiras e traseiras e a parte de baixo do veículo através da fossa do Centro de Inpeções, momento em que foi possível verificar que se mantinha a alteração que motivou à apreensão do veículo por parte dos elementos da Guarda Nacional Republicana do Posto Territorial ..., alteração da suspensão original ....

O veículo encontra-se equipado com amortecedores da Marca ...” não averbados no Certificado de Matrícula. Amortecedores que, por serem mais curtos dos que os originais fazem comprimir as molas de amortecimento, alterando a estabilidade e conforto do veículo podendo estar comprometidas as condições de segurança.”.

Ora, o 1.º Requerido já tinha solicitado esclarecimentos à entidade distribuidora dos amortecedores instalados na sua viatura, que concluiu que os mesmos não apresentavam qualquer problema, não necessitando de qualquer averbamento no livrete da referida viatura, por se tratarem de peças de substituição.

Assim, o 1.º Requerido entrou em contacto com o 2.º Requerido que, gerindo um canal de YouTube, denominado “...”, assumiu os esforços necessários para repor a verdade material da aludida alteração de características e criou aí uma minissérie, para retratar com o máximo de transparência o procedimento a que o 1.º Requerido tem sido sujeito. Esta minissérie consiste em três episódios, correspondendo o vídeo bloqueado – no qual, alegadamente, os Requeridos difamam a Requerente-, ao 4.º vídeo dessa série.

Nesta medida, os Requeridos asseveram que o 1.º Requerido se dirigiu ao centro de inspeções da Requerente para agendar a inspeção B, a que alude a deliberação n.º 789/2023, para realizar a mesma, no dia 18.01.2024, tendo-lhe sido dito que, se o carro estivesse e cumprisse com todas as estipulações legais, seria aprovado sem qualquer problema ou entrave.

Realizada a inspeção no dia agendado, o Inspetor responsável pela mesma efetuou um reporte fotográfico (a cores) do estado atual da suspensão da viatura, o qual atesta que a viatura não padecia de qualquer vício.

Sucede que, aquando da entrega da ficha de inspeção, o 1.º Requerido ouviu o Inspetor em causa a referir ao telefone, de forma insistente, o seguinte: “mas o carro não tem nada, mas o carro não tem nada, não posso inventar defeitos no carro”, posto o que aquele solicitou esclarecimentos a este último, o qual lhe transmitiu que não podia ter efetuado a inspeção do seu veículo, e que nessa decorrência, iria proceder à devolução do dinheiro e anular a ficha de inspeção, visto que tinha “ORDENS DIRETAS” para reprovar o veículo, sob pena de ter o seu emprego em risco.

Assim, o 1.º Requerido entrou em contacto com o 2.º Requerido, informando-o e pedindo-lhe apoio, de tal modo que este pôde ouvir parte das referidas “ORDENS DIRETAS”.

Destarte, o 2.º Requerido informou o Inspetor, bem como o Centro de Inspeções em causa, que, se não alterassem a situação, iria presencialmente às referidas instalações com o objetivo de documentar toda a caricata situação.

Nessa sequência, o Inspetor telefonou novamente à pessoa que lhe teria dado as “ORDENS DIRETAS”, afirmando que “o senhor não aceita que lhe seja devolvido o dinheiro, eu não posso chumbar o carro não encontrei nada, ele disse que se chumbarmos o carro ele deixa o carro aqui e vai escrever no livro de reclamações, isto vai queimar-nos” e que “disse que amanhã vem aqui um youtuber filmar o centro e o carro e colocar o vídeo na internet para expor a situação, eu não quero problemas, sou eu que estou a dar a cara”.

Após desligar o telefone, o Inspetor disse ao 1.º Requerido “desculpe-me, mas vou chumbar-lhe o carro, tenho ordens diretas do meu superior da A... para o fazer e se contrariar posso sofrer represálias.”, tendo entregue ao 1.º Requerido uma folha de inspeção.

Por seu turno, este parqueou a viatura em questão no parque de estacionamento do centro de inspeções da Requerente, e informou que no dia seguinte se deslocaria ali por forma a noticiar e documentar o sucedido com o 2.º Requerido, carregando um vídeo nas plataformas do 2.º Requerido.

Assim, no dia 19 de Janeiro de 2024, os Requeridos deslocaram-se às instalações da Requerente, onde o responsável do Centro comunicou aos Requeridos que, depois de falar com a sua chefia, não iriam querer prestar qualquer declaração sobre o sucedido, confidenciando ainda “sabe como são estas coisas, somos apenas peões neste jogo, não temos nada a ver com estas guerras, fazemos apenas o que nos mandam.”.

Consequentemente, os Requeridos realizaram o vídeo em causa, que se encontra bloqueado. Aduz que este corresponde à reprodução integral dos acontecimentos vividos pelos Requeridos e não visa difamar, denegrir ou prejudicar a Requerente, mas, sim, defender os interesses do consumidor e relatar todo o circunstancialismo ocorrido, tanto mais que o IMT já procedeu ao levantamento administrativo da apreensão do veículo em causa, porque os amortecedores e suspensão estão conforme o legalmente exigido.

Acresce que o conteúdo do vídeo em causa é facilmente defensável, já que os acontecimentos relatados são contrários à lei, havendo corrupção porquanto alguém, num “anormal” uso dos poderes hierárquicos, decide que uma dada viatura não passa na inspeção, estando os centros de inspeção mandatados e no uso de poderes públicos, no que cabe não descurar as notícias que dão conta da corrupção instalada nos centros de inspeção por todo o território nacional, de que é prova irrefutável o levantamento da apreensão que recaía sobre o veículo do 1.º Requerido.

Mais a mais, a Requerente ignorou que o carro não possuía qualquer característica que justificasse manter a referida apreensão, tanto mais que, atento o relatório da inspeção, não existem molas vermelhas: aliás, a anotação técnica emitida consigna que o veículo inspecionado mantém as mesmas características/alterações pelo qual foi apreendido, nem sequer concretizando, quais as deficiências encontradas e não corrigidas.

Por outro lado, não se percebe qual a necessidade de os inspetores terem de “confirmar” telefonicamente o Diretor de Operações, de forma a garantir que todos os procedimentos foram cumpridos, tendo esse procedimento sido criado para ocultar a verdade e, assim, criar uma história justificativa dos acontecimentos.

Consequentemente, os Requeridos não praticaram o ilícito que a Requerente pretende imputar aos Requeridos, que expuseram factos com elevada notoriedade e publicidade ou se limitaram a emitir a sua opinião, com suporte documental. Outrossim, o 2.º Requerido só publicou excertos compartimentados das situações que vai descrevendo no YouTube, na plataforma TikTok, não possuindo conta ativa no Reddit.

De igual forma, os comentários publicados nas redes sociais não são da autoria dos Requeridos, mas de pessoas (cidadãos comuns) que decidem dar a sua opinião em face daquilo que foi noticiado, havendo um cuidado, do 2.º Requerido, em tratar com o máximo de transparência possível todos os aspetos do vídeo, nomeadamente, utilizando a expressão “alegadamente”.

Ademais, os emails e mensagens juntos pela Requerente não são da autoria dos Requeridos, que não pedem que o público dirija missivas à Requerente.


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O tribunal designou dia para inquirição das testemunhas e procedeu-se à produção dos meios de prova com observância do legal formalismo, conforme consta das respetivas atas.

O tribunal proferiu a seguinte decisão recorrida: « … VII – DISPOSITIVO

Pelo exposto e com os fundamentos supra exposto, julga-se o presente procedimento cautelar comum totalmente improcedente e, em consequência, decide-se absolver os Requeridos dos pedidos formulados.

Valor: o já fixado.

Custas pela Requerente. Registe e notifique. …(sic).


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Inconformada com a predita decisão, veio a requerente interpor o presente recurso, o qual foi admitido como de apelação a subir de imediato, nos autos e com efeito suspensivo.

A requerente com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: «…

CONCLUSÕES:

A) A aqui Recorrente intentou o procedimento cautelar que deu lugar à sentença de que agora se recorre peticionando que os Recorridos fossem condenados em se absterem de fazer declarações públicas, designadamente nas redes sociais Facebook, Instagram, TikTok, YouTube, WhatsApp, Twitter (X), Reddit e Linkedin sobre a Requerente, bem como fossem condenados no pagamento diário da quantia de € 1.500,00 por toda e qualquer publicação nos media, plataformas, redes sociais e afins, bem como em € 50,00 por cada comentário difamatório, insultuoso e/ou por cada republicação a título de sanção pecuniária compulsória, porquanto haviam procedido à publicação de um vídeo no YouTube, com a respetiva publicitação nas restantes redes sociais, que ofendia a honra e bom nome da Requerente.

B) Citados os Recorridos, estes apresentaram oposição, tendo alegado que não haviam tecido comentários injuriosos, difamatórios ou atentatórios do bem nome e honra da Recorrente, tendo-se limitado a fazer uso da sua liberdade de expressão.

C) Realizada a diligência de Inquirição de testemunhas foi proferida decisão que determinou a improcedência do procedimento cautelar, porquanto entendeu o Tribunal que não se verificava a existência do requisito do periculum in mora.

D) E é com esta decisão que não se pode de todo concordar.

E) Resulta da sentença em análise que a maioria dos factos alegados pela Recorrente se encontram provados, bem como que se verifica o prejuízo e dano para a própria Recorrente e que tal deriva da atuação dos Recorridos.

F) Sendo que, das 56 páginas da sentença em análise resulta que a Recorrente demonstrou que os Recorridos agiram de acordo com o trazido aos autos, que o seu direito à liberdade de expressão no caso em concreto não pode prevalecer sobre o direito ao crédito e bom nome da Recorrente e, surpreendentemente, apenas nas últimas duas páginas da referida sentença, termina por determinar que não se verifica o periculum in mora, na medida em que a Recorrente terá sempre na sua disponibilidade o recurso à denúncia nas redes sociais, bem como aos Tribunais.

G) A conclusão retirada pelo Tribunal a quo quanto à verificação do referido requisito está em total contradição com os vários fundamentos de facto e de direito da decisão invocados ao longo da mesma sentença, levando a que a conclusão constitua uma verdadeira surpresa, nomeadamente no que se refere aos meios ao dispor para a Recorrente atuar,

H) Quando, na verdade, a apresentação do procedimento cautelar se prendeu, precisamente, com o evitar de recorrer sucessivamente aos canais de denúncia das redes sociais em causa, bem como aos Tribunais.

I) Tendo em conta o referido e que se encontra plasmado na respetiva fundamentação de facto e de direito, é totalmente incongruente que o Tribunal a quo venha depois indeferir o procedimento cautelar, considerando que dispõe de meios para pôr termo à difusão dos vídeos e afirmações, não dispondo, contudo, de meios que impeçam, antecipadamente e como se pretendia, a publicação de inverdades e que se mostram atentatórias do crédito e nome da Recorrente,

J) Causando-lhe, consequentemente, danos e prejuízos.

K) Dúvidas não podem restar de que os fundamentos de facto e de direito se encontram em clara contradição com a decisão proferida, pelo que deverá ser considerada nula, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea

c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

Caso assim não se entenda, o que só por mera cautela de patrocínio se admite, sempre se dirá o seguinte:

L) Da matéria de facto dada como provada, há, na verdade, 3 (três) factos que como tal não deveriam ter sido considerados face aos depoimentos prestados em sede de inquirição de testemunhas.

M) Tais factos são os que constam dos pontos 32 e 57 da referida matéria, na medida em que ou não se poderão considerar provados ou não poderão ser considerados como provados como o foram.

N) Resulta da sentença, no facto 32, que se considera provado que “Aquando de 31., o 2.º Requerido perguntou a CC e DD se pretendiam falar com ele sobre o vertido de 9. a 23.”.

O) Resulta claro dos depoimentos prestados pelos próprios CC e DD que não lhe foi questionado pelo 2.º Recorrido se pretendiam prestar declarações sobre o assunto.

P) Resultando, aliás provado, daqueles depoimentos que, na verdade, foi o próprio DD quem o abordou e informou que ali não se poderia encontrar,

Q) Sendo que, também a testemunha CC não foi abordada pelo 2.º Recorrido com essa intenção, nem foi diretamente questionado sobre os factos.

R) Atentem-nos no depoimento da testemunha CC, na sessão do dia 10 de julho de 2024, entre os minutos 14:23 e 14:53, na passagem entre o minuto 8:57 e o minuto 10:20.

S) Bem como no depoimento da testemunha DD, na sessão do dia 10 de julho de 2024, entre os minutos 14:58 e 15:42, na passagem entre os minutos 18:48 e 19:56.

T) É patente da análise dos depoimentos em causa que nada lhes foi questionado sobre a situação concreta, nem quaisquer factos com esta relacionados, tendo sido genericamente abordada a realização de uma inspeção com a testemunha CC.

U) Assim, deverá o facto 32 ver a sua redação alterada para: “Aquando de 31., 2 2.º Requerido foi abordado por DD que o questionou sobre as suas atividades naquele local e questionou CC quanto a ter realizado uma inspeção.“.

V) Mais se considerou, no ponto 57 da matéria de facto provada, que “A Requerente, através dos seus colaboradores, CC, DD e EE, recusou-se a falar sobre o sucedido em 9. A 23., com o 2.º Requerido.”.

W) O Tribunal a quo baseou a sua convicção no depoimento prestado pelo 2.º Recorrido, na medida em que se tivesse baseado a sua convicção em todos os depoimentos nunca poderia ter dado como provado o facto da forma como o fez.

X) Aliás, tal já foi referido e demonstrado quanto ao facto 32 no que se refere a CC e DD e que aqui se dá por integralmente reproduzido, devendo aqui ser retirada a referência a esses colaboradores, na medida em que se encontra repetido parcialmente o facto.

Y) Já no que respeita à testemunha FF, desde já se refira que nunca os Recorridos tentaram falar com o mesmo.

Z) Aliás, tal resulta cristalino do seu depoimento prestado na sessão de 02 de outubro de 2024, entre as 15h03 e as 15h12, em que entre os minutos 4:54 e 5:20, refere que apenas respondeu a um email, nunca tendo falado com o 2.º Recorrido.

AA) Pelo que, não se pode dar como provado o facto 57, devendo o mesmo apresentar a seguinte redação: “A Requerente, através do seu colaborador EE, informou, via email, o 2.º Requerido que todos os esclarecimentos haviam sido prestados diretamente ao 1.º Requerido.”.

BB) Foi dado como não provado “Os segmentos do vídeo de 35. são acompanhados do seguinte texto: “a novela continua… hoje as 19h no nosso canal de YouTube vamos libertar o vídeo completo que conta a história desta inspecção fraudulenta no centro de inspeções da A... em ... (…) este é sem dúvida o ... mais conhecido de Portugal!! O AA luta contra a corrupção e interesses instalados no IMT e centros de inspecção em Portugal. #corruptos #corrupção #imt #imtt #A... #...” – alínea c) dos factos não provados

CC) Quanto a este facto, na verdade, não se compreende como pode ter sido considerado como não provado, quando, na verdade, é integralmente reproduzido na imagem constante do facto 36 dos factos provados.

DD) A legenda da fotografia é clara refere os termos e hashtags constantes daquele facto.

EE) Assim, deverá o facto c) ser dado como provado, devendo apresentar a seguinte formulação: “Os segmentos do vídeo de 35. são acompanhados do seguinte texto: “hoje as 19h no nosso canal de YouTube toda a história desta inspecção fraudulenta realizada num centro de inspeções em .... Não percas !! #farude #vw #... #... #...do AA #A... #imt (…) Pode um homem sozinho lutar contra a corrupção e os interesses instalados no IMT e nos centros de inspecção em Portugal?? Conheçam a história do AA e do sei ... ● . #corrupção #imt #A... #B...”.

FF) Também o facto f) deveria ter sido dado como provado, na medida em que tal se encontra vertido no vídeo junto aos autos e que foi considerado para efeitos de prova.

GG) Ao minuto 14:01 e 14:16 do vídeo em causa é feito esse apelo expresso pelo 2.º Recorrido quando refere: (…) mas vou falar mal e vou-vos pedir que aquele nome que ali está – A... – seja tão penalizado quanto está a ser o AA e quanto está a ser a ....”.

HH) Ora, se tal não é um apelo a comentar e de forma acintosa e difamatória, não consegue perceber a Recorrente do que se trata.

II) Devendo, consequentemente, ser dado como provado o ponto f) dos factos dados como não provados, mantendo exatamente a mesma redação.

JJ) Face ao exposto, deve ser considerado procedente por provado o recurso no que à matéria de facto respeita, procedendo-se à competente alteração, conforme requerido.

KK) Procedendo-se à alteração da matéria de facto conforme aqui requerido, naturalmente que, se terá que adaptar a sentença proferida pelo Tribunal a quo no que à análise dos factos e aplicação da lei diz respeito.

LL) Entendeu o Tribunal a quo que não se verificava o requisito do periculum in mora, o que determinou que o procedimento cautelar não tenha sido decretado.

MM) Conforme referido na própria sentença a produção dos efeitos da denúncia de eventual vídeo no YouTube tem efeitos mediatos e não imediatos como se pretende quando se lança mão de um procedimento cautelar,

NN) E, conforme é do conhecimento geral e público, a decisão a ser proferida em processo principal não assegura os direitos pretendidos acautelar com o procedimento cautelar.

OO) Na verdade, a demora na obtenção de uma decisão definitiva em processo comum, não permite que qualquer eventual retratação ou pedido de desculpas produza os efeitos pretendidos, face ao distanciamento temporal existente entre a prática dos factos e a referida publicação.

PP) Para além do referido, há que ter em consideração que um pedido de desculpas ou uma retratação não tem os mesmos efeitos que tem uma publicação que atinja o bom nome e crédito da Recorrente.

QQ) O certo é que as publicações e comentários a que os Recorridos se vêm insistentemente dedicado ameaçam inequivocamente o direito à imagem, bom nome e reputação que se demonstraram ser titulados pela Recorrente, gerando uma imagem falsa e negativa da Recorrente num meio francamente alargado de atuais e potenciais colaboradores, parceiros e clientes.

RR) Saliente-se, igualmente, que, como alegado supra, os próprios Recorridos reconhecem o impacto prejudicial e potencialmente lesivo que os seus comentários e ofensas têm no mercado em que a Recorrente intervém demonstrando à saciedade a sua não intenção de parar de denegrir a imagem da Recorrente e a sua manifesta intenção de o fazer em todos os meios que tenha ao seu dispor.

SS) Tudo levando a crer que manterão ou retomarão igualmente a conduta que já tem demonstrado no Facebook, no Instagram, no TikTok e no YouTube e se necessário noutras plataformas digitais de semelhante acessibilidade, operacionalidade e alcance, ameaçando ainda a realização de manifestações junto dos estabelecimentos da Recorrente.

TT) Assim, a eficaz tutela do direito à imagem e ao bom nome da Recorrente reclama que sejam tomadas medidas cautelares imediatas que, até ao trânsito em julgado da sentença a proferir sobre o mérito da ação principal a propor (ação de indemnização por responsabilidade por facto ilícito), acautelem o direito da Recorrente.

UU) Sob pena de se negar, efetivamente e em termos práticos, esse direito da Recorrente, e de com isso a mesma sofrer elevados prejuízos, revelando-se imprescindível manter uma imagem que obste a um desvio de clientela – sustentado, de resto, em pura difamação e objetiva falsidade – para diretos concorrentes, com o claro impacto económico negativo (por danos emergentes e lucros cessantes) daí decorrente.

VV) Tanto mais que, como resulta da factualidade provada, os Recorridos procederam a dezenas de publicações atentatórias da imagem, do crédito e do bom nome e da reputação da Recorrente de forma contínua, não se tratando de atos isolados praticados pelos Recorridos ou de atos face aos quais os Recorridos desconheçam o seu impacto nefasto para a Recorrente;

WW) O que é – diga-se outra vez – confirmado pelos próprios Recorridos, que ameaçam a Recorrente em que continuarão a proceder às publicações de carácter vexatório contra a Recorrente salvo se esta reconhecer que agiu contra a Lei.

XX) Pode, pois, concluir-se que os Recorridos voltarão a praticar atos ofensivos da imagem, do crédito e do bom nome e da reputação da Recorrente caso o presente recurso não obtenha provimento.

YY) Não basta, para assegurar o direito a uma tutela efetiva dos seus direitos de personalidade, ao contrário do que refere o Tribunal a quo, que a Recorrente possa lançar mão de denúncia nas redes sociais ou de um pedido de desculpa no âmbito de eventual ação principal a propor.

ZZ) Se a Recorrente se bastasse com tal não tinha, como o fez, recorrido ao expediente do procedimento cautelar, e quando o vídeo foi bloqueado pelo YouTube, não teria prosseguido com o mesmo.

AAA) A Recorrente mantém o fundado receio de que, transitada em julgado a sentença e mantendo-se o sentido da mesma, os Recorridos voltem à sua atividade pouco ponderada e difamatória do crédito e bom nome da Recorrente que, também ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, não é passível de reparação imediata, nem se compadece com uma retratação ou pedido de desculpas no termo de uma ação de processo comum, desconhecendo-se, presentemente, quais os efeitos que essa espera teria na imagem da Recorrente.

BBB) Assim, revogando-se a sentença proferida e substituindo-a por outra que condene os Recorridos no pedido, será reposta a justiça no presente procedimento cautelar.

Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo condenando-se a Recorrida nos termos peticionados.

Assim decidindo, V. Exªs. farão, como sempre, inteira J U S T I Ç A !..».

Não foram apresentadas contra-alegações.


*

Após os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir.


***

II- DO MÉRITO DO RECURSO

1. Definição do objecto do recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].

Porque assim, atendendo á estrutura das conclusões das alegações apresentadas pela apelante, resulta que em resumo o recorrente indica os seguintes pontos a analisar:


A- Nulidade da sentença
B- Alteração da matéria de facto;
C- Existência de erro na aplicação do direito

A questão a decidir, in casu, é essencialmente de determinar se estão preenchidos os pressupostos do decretamento da providência cautelar requerida.

***

III- FUNDAMENTOS DE FACTO

Visando analisar o objecto do recurso, cumpre enunciar os factos provados e não provados pelo tribunal a quo (os quais face á impugnação terão caracter provisório).

Nesse contexto, cumpre referir que a sentença recorrida consignou a seguinte matéria de facto e motivação: «… V – OS FACTOS Expurgados os factos conclusivos e irrelevantes, consideram-se sumariamente provados, com relevância para a decisão de mérito da causa, os seguintes:

1. A Requerente é uma sociedade comercial, cujo objeto consiste na “prestação de serviços relativos à gestão de frotas e à peritagem automóvel; na prestação de quaisquer serviços administrativos, técnicos, logísticos, de marketing, de consultoria e gestão de clientes, para o sector automóvel e segurador, incluindo, sem limitação, a avaliação de danos em veículos automóveis, realização de relatórios e avaliações técnicas automóveis, reconstituição e relatórios de acidentes automóveis, a averiguação e investigação de acidentes automóveis e a valorização de todos os tipos de veículos a motor; no licenciamento de software específico para o sector automóvel e segurador; na prestação de serviços de metrologia industrial, legal e científica, recorrendo às actividades de ensaio, calibração, análise e inspecção; na prestação de serviços de certificação, auditoria, inspeção e formação; na regularização de sinistros; auditoria a processos de sinistros; contact center; para seguradoras e outros operadores; consultoria à gestão de sinistros; serviços direta e/ou indiretamente relacionados com a prestação de serviços administrativos e comerciais de âmbito nacional e internacional; serviços direta e/ou indiretamente relacionados com peritagens e perícias médicas para avaliação e quantificação de danos corporais e patrimoniais; análises de mercado do sector segurador e representação de seguradoras estrangeiras que operem em Portugal em regime de livre prestação de serviços.”.

2. O veículo automóvel da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-ZJ, encontra-se registado a favor do 1.º Requerido.

3. Em documento intitulado “Auto de Contraordenação – Guarda Nacional Republicana”, elaborado no dia 30.11.2022, pelas 8 horas e 45 minutos, lê-se o seguinte: “trânsito de veículo em via pública com alteração das características com que foi aprovada a sua circulação, tendo sido instalados amortecedores com molas de rebaixamento (não de origem) com cor vermelha, destinados a alterar o comportamento do veículo em curva e travagem, nomeadamente, através da redução da altura ao solo do veículo e concomitantemente a sua dureza, alterando o comportamento do mesmo em circulação”.

4. Após o supra sucedido, mediante pedido do 1.º Requerido, o veículo de 2. foi alvo de uma inspeção técnica, pelo IMT.

5. Na sequência da inspeção de 4., foi remetido, a 10.01.2023, o seguinte email ao 1.º Requerido, pelo inspetor do IMT, GG: “Na sequência da inspecção técnica efetuada ao veículo com matrícula em epígrafe, tal como foi o requerente informado presencialmente, o processo encontra-se pendente pelo seguinte: No ato da inspecção, com auxilio do Diretor Técnico Inspetor ... do Centro de inspecções B..., foi verificada as caixas de roda dianteiras e traseiras e a parte de baixo do veículo através da fossa do Centro de Inpeções, momento em que foi possível verificar que se mantinha a alteração que motivou à apreensão do veículo por parte dos elementos da Guarda Nacional Republicana do Posto Territorial ..., alteração da suspensão original ....

O veículo encontra-se equipado com amortecedores da Marca ...” não averbados no Certificado de Matrícula. Amortecedores que, por serem mais curtos dos que os originais fazem comprimir as molas de amortecimento, alterando a estabilidade e conforto do veículo podendo estar comprometidas as condições de segurança.

(…) Pelo exposto, para que seja levantada a apreensão informaticamente, e emitido novo Certificado de Matrícula, deverá o requerente equipar o veículo com equipamento original e enviar fotografias elucidativas do mesmo aposto no veículo. (…)”.

6. A 11.01.2023, foi remetido email, ao 1.º Requerido, por HH, colaborador da ..., com o seguinte teor: “Para os devidos efeitos, na qualidade de importadores e distribuidores dos amortecedores ... para Portugal Continental e Ilhas, declaro que os amortecedores montados na viatura ... com a matricula ..-..-ZJ, com as referências 8750 1002, frente e 8050 1001, trás, são os indicados pela marca como material de susbstituição dos originais, sendo fabricados de acordo com as dimensões do equipamento original. Quando montados com as molas originais a altura da viatura ao solo é exatamente a mesma. Para que fique claro não é o amortecedor que altera a altura da viatura mas sim as molas.”.

7. Em data não concretamente apurada, mas depois de 10 de Janeiro de 2023 e antes de 18 de Janeiro de 2024, no Centro de Inspeções da Requerente, em ..., o 1.º Requerido entregou documento intitulado “auto de apreensão” do veículo de 2., o documento de 3. e o email de 5. a CC.

8. CC exerce as funções de inspetor e diretor técnico, no Centro de Inspeções da Requerente, em ....

9. No dia 18 de Janeiro de 2024, o 1.º Requerido deslocou-se ao Centro de Inspeções da Requerente, em ..., para realizar uma inspeção do veículo de 2.

10. Essa inspeção visava, designadamente, verificar se, no veículo, se mantinha o vertido em 3.

11. A Requerente realiza as inspeções de 10. ao abrigo da Deliberação n.º 789/2023, de 16/08, do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.

12. No dia 25.10.2023, a Requerente transmitiu aos seus colaboradores que, na primeira inspeção de 11. realizada em cada Centro de Inspeções, que visasse o referido em 10., o inspetor que efetuasse a mesma devia contactar o seu Diretor de Operações.

13. II é Diretor de Operações da Requerente.

14. Na sequência da inspeção de 9. a 11., foi emitido comprovativo de não certificação, com o seguinte teor: “Certificado de matrícula sem anotação de sistemas, componentes, equipamentos ou outros, de registo obrigatório nos termos regulamentares. A situação pela qual o veículo foi apreendido auto n.º ...31 não se encontra regularizada.”

15. Mais consta aí a seguinte menção: “RESULTADO: Não Conforme”.

16. Essa inspeção foi realizada por CC.

17. No decurso da mesma, inexistiu a verificação de qualquer anomalia técnica ou mecânica das componentes do veículo automóvel de 2, que pudesse determinar a reprovação do veículo.

18. O vertido em 17. foi transmitido, por CC, ao 1.º Requerido.

19. Aquando de 9. a 11., o veículo automóvel de 2. apresentava amortecedores de cor laranja, de Marca ..., e molas de cor preta.

20. No decurso da inspeção de 9. a 11., CC foi recordado, por DD, de que deveria contactar telefonicamente II, antes de emitir documento donde constasse o resultado da referida inspeção, por se tratar da primeira deste tipo realizada pelo Centro de Inspeções da Requerente em ....

21. Nesse seguimento, CC enviou os documentos de 7. a II e entrou em contacto telefónico com este.

22. Nesse telefonema, II transmitiu a CC que devia emitir o documento de 14., com a menção de 15., pois, em face do email de 5., remetido pelo IMT ao 1.º Requerido, o vertido em 3. mantinha-se e não tinha sido iniciado o processo de averbamento da alteração das características do veículo, junto do IMT.

23. A emissão do documento de 14., com a menção de 15., ocorreu por força do que II transmitiu a CC, em 22.

24. Na sequência das inspeções de 10. e 11., é emitido documento com a menção de “Resultado: Conforme”, quando inexista, no veículo, aquilo que determinou a sua apreensão.

25. O 2.º Requerido é engenheiro mecânico.

26. O 2.º Requerido grava e publica vídeos para as páginas do Facebook, Instagram, TikTok e YouTube designadas como “...”, onde exprime opiniões sobre automóveis, suas componentes e funcionamento.

27. O 2.º Requerido foi contactado pelo 1.º Requerido, via email, o qual lhe expôs a situação de 3., remetendo-lhe o respetivo documento.

28. Após, em data não concretamente apurada, o 2.º Requerido encontrou-se pessoalmente com o 1.º Requerido, tendo visto o carro de 2.

29. Aquando da inspeção de 9. a 11., o 1.º Requerido contactou telefonicamente o 2.º Requerido a informar que CC lhe havia sugerido a anulação da inspeção realizada e que tinha sido emitido o documento de 14. e 15.

30. O 1.º Requerido disse ainda ao 2.º Requerido que tal sucedeu após CC ter realizado um telefonema, onde lhe foram dadas indicações para emitir o documento de 14. e 15., porque se mantinha o vertido em 3.

31. No dia 19.01.2024, o 2.º Requerido deslocou-se ao Centro de Inspeções da Requerente, em ....

32. Aquando de 31., o 2.º Requerido perguntou a CC e DD se pretendiam falar com ele sobre o vertido de 9. a 23.

33. O 2.º Requerido considera que o telefonema de 22. e a emissão do documento de 14. e 15. jamais deviam ter ocorrido, uma vez que, no carro de 2., inexistiam molas de cor vermelha.

34. O 2.º Requerido publicou quatro vídeos, no canal de Youtube intitulado “...”, desde Janeiro de 2023 até à data de 18.01.2024, sobre o veículo de 2. e a situação de 3.

35. Um desses vídeos apresentava a seguinte imagem e legenda: 35. Um desses vídeos apresentava a seguinte imagem e legenda:

(…)

36. A conta de Instagram designada “...” publicou as seguintes fotografias, extraídas do vídeo de 35., com as seguintes legendas:

Procedimento Cautelar (CPC2013)


(…)

37. Entre o minuto 3:08 e o minuto 3:23 do vídeo de 35., o 2.º Requerido diz: “E depois chegamos ali e o telefonema, o bendito do telefonema, de alguém da A... que alegadamente recebeu ordens do IMT para bloquear o carro.”.

38. Entre os minutos 4:28 e 5:23 do vídeo de 35., os Requeridos mantêm o seguinte diálogo:

“2.º Requerido: Eu não vou falar mal do inspetor desta vez. E porquê? Porque eu já estive lá dentro a tentar falar com os senhores e aquilo é quase como ir à Rússia no tempo da cortina de ferro. Não podemos falar. Não podemos dar opinião. E eu já fiz uns telefonemas ontem à noite, já falei com alguns amigos inspetores, já falei com algumas pessoas que conhecem as pessoas que inspecionaram o carro e que me confidenciaram que alegadamente existe uma pressão muito grande para que este carro continue chumbado. E então aqui era para se apagar. Agora a questão é: O Senhor que assinou esta ficha escreveu aqui que viu molas vermelhas no carro, porque é o que está escrito…

1. º Requerido: é o que está escrito aqui na multa…

2. º Requerido: na multa. Portanto o carro foi apreendido não é porque tinha amortecedores ... o carro foi apreendido.

1. º Requerido: o carro foi apreendido porque tinha a alteração na suspensão com molas vermelhas.

2. º Requerido: Pronto, ou seja, o que este senhor aqui escreveu foi que o carro tem molas vermelhas. E o carro não tem molas vermelhas. Ele tá ali.”.

39. Entre o minuto 5:23 e o minuto 6:03 do vídeo de 35., o 2.º Requerido diz: “E, portanto, isto é corrupção alegadamente ao mais alto nível e aqui eu gostava de deixar aqui um repto a quem faz inspeções nos centros da A...: Meus amigos, não vás fazer inspeções à A...! Porque se fores fazer inspeções à A... e se tiveres amortecedores ... chumbas. Portanto não vás fazer, não vás fazer, pá evitem. Não vão à A.... Porque isto não pode ser! Agora a vontade que me dá é percorrer o país de centro de inspeção em centro de inspeção a ver se todos os inspetores vão escrever a mesma coisa”.

40. Entre o minuto 9:33 e o minuto 9:53 do vídeo de 35., o 2.º Requerido diz: “Precisamos aqui de verba para ir para Tribunal, recrutar advogados, meter aqui processos. Queremos punir criminalmente as pessoas que fazem isto. Queremos chegar a esta senhora do IMT. Queremos obviamente apurar responsabilidades junto dos inspetores que estão a passar estes autos porque obrigados ou não, eles têm que ser obrigados a denunciar estas pressões que têm”.

41. Entre o minuto 10:49 e o minuto 11:00 do vídeo de 35., o 2.º Requerido diz: “É necessário criar aqui jurisprudência para que no futuro não sejas tu com o teu carro que estejas aqui num centro de inspeções a ser esmagado pelo peso do sistema, tá bem?”.

42. Entre o minuto 14:01 e o minuto 14:16 do vídeo de 35., o 2.º Requerido diz: “Mas eu aqui não vou falar mal dos inspetores que aqui trabalham, das pessoas que aqui trabalham, que foram super simpáticas connosco, e…, mas vou falar mal e vou-vos pedir que aquele nome que ali está – A... – seja tão penalizado quanto está a ser o AA e quanto está a ser a ...”.

43. Entre o minuto 14:35 e o minuto 15:33 do vídeo de 35., o 2.º Requerido diz: “Então, tu estás desse lado e tens um carro também não faças a inspeção na A... porque eles aqui não cumprem a lei. Eles não cumpriram a lei ao escrever uma coisa que aqui está que não corresponde à verdade e não vou dizer alegadamente porque é verdade. O carro não tem molas vermelhas, mas quem fez a inspeção escreveu aqui que o carro e vou voltar a ler: ‘A situação pela qual o veículo foi apreendido. Auto da polícia n.º ...93 não se encontra regularizada.’ Ora, esse auto diz que esse carro tem molas vermelhas! O carro não tem molas vermelhas, porra! Vamos fazer com que a A... sinta o peso de não ter Clientes. Se vieres fazer a inspeção em todo o país, não vás à A.... Vai a outro centro de inspeções. Pode ser que desta forma a A... perceba que tem que fazer força para ter os casos clarificados. Tá bem?”.

44. O 2.º Requerido, em data não concretamente apurada, realizou publicação cujo conteúdo não se logrou apurar, na página do Tik Tok intitulada “...”.

45. A 5 de Fevereiro de 2024, o vídeo de 35. foi removido do canal do 2.ºRequerido, na plataforma YouTube, após denúncia realizada, na mesma, pela Requerente.

46. A 28.01.2024, foi efetuada uma reclamação à Requerente, com o seguinte teor: “A A... recusa-se a seguir as leis relativas as inspeções de automóveis, estabelecidas pelo IMTT e pelo Govemo Português ao recusar a aprovação de um automóvel ... 25 anos edition) que de origens de fabrica (CEM) trazia averbado/legal amortecimento do trem de rodagem dianteiro e traseiro amortecedores, visto que os amortecedores originais estão descontinuados e segundo as leis e normativas do IMTT deve-se mudar para uns amortecedores compatíveis para o automóvel em questão (Neste caso amortecedores ... da cor laranja): CIVA Atestou a legalidade a 100% do automóvel em questão, a ... também atestou a compatibilidade e legalidade dos seus amortecedores para o automóvel em questão. O automóvel em questão não está registado a minha pessoa mas sim a outra, esta reclamação serve para registar o incumprimento das leis e normas estabelecidas.”.

47. A 28.01.2024, a Requerente recebeu um email, remetido por quem se intitulava de JJ, com o seguinte teor: “Bom dia, tenho um .... Questiono se posso fazer ipo nas vossas instalações visto que tem uns tapetes côr de rosa! Cumprimentos.”.

48. A 28.01.2024, a Requerente recebeu um email, remetido por quem se intitulava de KK, referindo ao vídeo de 35., com o seguinte teor: “Bom dia, Sra. Gostaria de saber se realmente este vídeo tem veracidade. Se realmente é verdade. Ou é uma insinuação contra vocês. Obrigado. Aguardo vossa resposta.”.

49. A 28.01.2024, a Requerente recebeu um email, remetido por quem se intitulava de LL, com o seguinte teor: “Bom dia, tenho as molas do meu carro com ferrugem, posso pintar de vermelho? Ou ao pintar de vermelho já não passa na inspeção? Obrigado.”.

50. A 28.01.2024, a Requerente recebeu um email, remetido por quem se intitulava de MM, com o seguinte teor: “Bom dia. A A... perdeu a credibilidade ao alegadamente recusar a inspecção de um veículo por ordem do IMT. Enquanto não esclarecerem a recusa da inspecção do ... do Sr AA, a imagem da marca continuará fortemente afectada. Trabalhando eu na área automóvel, não posso deixar de referir a má posição da vossa empresa aos meus clientes, fornecedores, amigos e conhecidos. Cumprimentos.”

51. A 06.02.2024, a Requerente recebeu um email, remetido por quem se intitulava de NN, com o seguinte teor: “Estou a acompanhar de perto o que se anda a passar no youtube sobre as v/ práticas, ou melhor, não práticas da lei em vigor e insistem em continuar a lesar não só o AA como milhares de portugueses trabalhadores!!! VERGONHA!!!! Podem ter a certeza que milhares de pessoas estão neste preciso momento a fazer doações para que o ... tenha uma enorme equipa de advogados para apurar a verdade e o mais importante apurar todos os responsáveis. Já agora, boa tentativa em mandarem para o youtube um recurso em que vocês alegam que o vídeo contem conteúdo difamatório, ainda bem que a equipa de advogados que estamos a financiar já tratou do assunto e o youtube tirou-vos a razão. Outra vez, boa tentativa! Tic Tac Tic Tac”.

52. No seu canal de Youtube, o 2.º Requerido pode desativar a possibilidade de os utilizadores desta plataforma publicarem comentários nos seus vídeos.

53. O 2.º Requerido apenas pode eliminar comentários dos vídeos que publica quando estes violam as regras da plataforma.

54. O 2.º Requerido publicou cortes do vídeo de 35., no canal intitulado “...”, na plataforma Facebook.

55. Sobre a Requerente, foram publicados os seguintes comentários da página de Youtube do canal intitulado “...”, onde era apresentado o vídeo de 35.:

a. “a A... da quinta do ... também tem umas histórias engraçadas”;

b. “Bom dia OO, esse estado no geral é o IMT são realmente uns mete nojo, reflexo do sistema estado corrupt que o Socialismo amordaçou. Esse causa tem de ir mesmo ao constitucional e responsabilizar DDT”;

c. “Levem isto a cmtv… vai haver muita gente certamente com o mesmo problema”;

d. “Sou de ... e esses inspetores são estupidos, mal educados e arrogantes! Principalmente a mulher que la está”;

e. “E quem nos diz que a A... irá andar infiltrada noutros centros de nomes de centros diferentes? Fica a questão, mas claro barulho para cima, anda a brincar com quem tem pouco poder economico e consegue ter o mínimo de segurança, e ser sério nos dias de hoje são poucos ou nenhuns, que triste este país”;

f. “Adeus A..., nunca mais lá vou! Mais um apoiantes para este processo, muita força.”;

g. “Primeiramente chamar o agente,depois a tal senhora dona disto tudo. Uma vergonha este caso”;

h. “Dia 10 de março são as eleições, CHEGA desta corrupção”;

i. “Portugal é um país cada vez mais corrupto”;

j. “Nos meus carros,nem A...,nem ...”;

k. “Vergonhoso”;

l. “opá já vi 65 paus a serem mais mal gastos, experimentem mudar o carro de nome e levar o carro a inspeção noutro sítio, de preferência fora de ... (claramente o carro deve estar na lista da ... e esquecem-se que quem tem culpa não é o carro), provávelmente resolveria o problema e o gajo da suposta “corrupção” nem sabe o que aconteceu, isto porque podem mudar de nome e fazer inspeção quase seguido e sem dar tempo desse “chico esperto” se conseguir meter…”;

m. “Triste Portugal já soube de carros completamente alterados a passar nesse centro de opo e carros que não conseguiam passar nunca se fosse uma ipo a sério e agora não passam um ... original? Por amor de Deus triste mesmo mas se tivesse 5 paus no cinzeiro tal vez passava mas se tivesses 50 paus para dar todo tipo de A... passa seja o que for e quem precebe das coisas vai me dar razão pois não é nenhuma mentira já vi bem pior a passar até no centro do imtt no Porto já vi carros que apanharam B e só meteram a linha originala o sítio e o carro passou mesmo com tubagens de ic inox tudo por isso não percebo o porquê de estarem a implicar tanto com esse senhor quando o carro dele está 99% original ou melhor 100%”;

n. “Mais 3 carros que nao vão mais à A...”;

o. “já passei o meu contributo… espero que sejam punidos isto é 1 bandalheira, e que o Sr. AA seja compensado por esta chatice. nem vou a A... como compro ..., mando lacar a preto!”;

p. “isto é uma vergonha é só escumalha no imt e nos centros de inspeção”;

q. “Se: O inspector escreveu no relatório que visualizou amortecedores de cor vermelha que, efetivamente, não se encontravam instalados no veículo, cometeu (não importa por ordem de quem) intencionalmente falsas declarações e adulterou um documento oficial. Deveriam ter chamado de imediato a entidade policial local para constatação “in loco” da ilicitude e levantamento do auto, a fim de que no futuro não seja a palavra de um contra a palavra do outro… Desejo sinceramente que tudo vos corra bem e com sanções adequadas a quem abusa impunemente dos seus pequenos poderes, para bem de todos nós”;

r. “#diznaoaA…”;

s. “Já não gostava do atendimento que ia tendo na A..., a partir de agora nunca mais lá vou”;

t. “Não me admira nada, aqui em ... perto do estadio do ... ate levam dinheiro por fora a enventar avarias e se nao der algum dinheiro fica reprovado”;

u. “Tenho uma empresa de transportes e os meus carros já não vão mãos a A... !!!”;

v. “Fui sempre a A..., masparir de agora não vou mais! Pensam que são os maiores”;

w. “Paízeco de bosta!!! Tudo é ilegal mas se pagares já é permitido, e polícia muitas vezes nem assim (…)”;

x. “É uma VERGONHA, não vou mais à A...! (...);

y. “Não vou à A.... Força AA”;

z. “Vou desaconselhar a A... a todos os que conheço e os meus carros não vão lá mais…vergonhoso!”;

aa. “Voltar ao centro e pedir livro de reclamações, chamar a e identificar o inspector para apresentar queixa por falsas declarações, meter tudo no tribunal e pra melhorar a situação era ir a qualquer outro centro na dependência de outra imt e ser aprovado”;

bb. “O mesmo centro que uma nota no cinzeiro passa tudo, isso não é contra o IMT”;

cc. “Donativo feito e espero que mais o façam. De corrupção estamos cheios, tem de acabar”;

dd. “Está história já se tornou uma palhaçada valente. Se o homem tivesse conhecimentos no Ministério o assunto já estava resolvido”;

ee. “O pior centro de inspeções da zona”;

ff. “Não volto com nenhum carro à A...”;

gg. “corrupção autentica!!!”;

hh. “Desculpa lá mas este inspetor também come gelados com a testa… Então o homem passa o carro, recebe o telefonema da chefona PP e ainda se enterra mais ao escrever que segundo o auto X não foi corrigida a alteração? Mas o gajo leu o auto???? O CARRO NÃO TEM MOLAS VERMELHAS CAMBADA!!! era ir de reboque a mais 1 ou 2 centros ver se escreviam a mesma incompetência… O que tem que acabar em. Portugal é os tachos!!!...”;

ii. “Têm número de amulogaçao EU deveria ser legal. Eu chamo a isso corrupção. Temos mesmo que sair á rua i fazer barulho..”;

jj. “A... nunca mais!!!!!!!!!!!!! contem com o meu apoio. Já perderam + 5 carros!!!”;

kk. “Corrupção ou birra dos centros de inspeção? VERGONHA…”; e

ll. “Isto já é abuso é levar a comunicação social é só corrupção neste pais”.

56. O IMT, I.P. remeteu uma missiva ao 1.º Requerido, datada de 29.02.2024, onde se lê o seguinte: “Na sequência da análise da apreensão dos documentos do veiculo com matricula ..-..-ZJ, remetidos à Delegação Distrital ... pelo Posto Territorial ..., informa-se que, com base nos elementos que constituem o processo em referencia, o Instituto da Mobilidade e Transportes concluiu que a substituição dos amortecedores originais pelos amortecedores que atualmente equipam o veiculo não corresponde a um processo de alteração de caraterísticas do veículo, uma vez que se tratará da substituição de equipamento original do fabricante por equipamento de substituição equivalente. Assim, face ao exposto, procede-se à devolução dos documentos do veículo e consequente levantamento da apreensão registada na base de dados de veículos deste instituto.”.

57. A Requerente, através dos seus colaboradores, CC, DD e FF, recusou-se a falar sobre o sucedido em 9. a 23.., com o 2.º Requerido.

58. O 2.º Requerido desconhece com quem CC estabeleceu o contacto telefónico de 21. e 22..

59. Após o bloqueio do vídeo de 35, o 2.º Requerido partilhou story no Instagram, onde se lia “@A....Portugal. Só estão a piorar a vossa situação!! Se calhar vamos avançar com manifestações a vossa porta”.

60. Atualmente, quando a Requerente reprova um veículo na inspeção, alguns clientes aludem à situação do vídeo de 35.


*

Com relevância para a causa, não resultou indiciariamente provado que:

a) Aquando de 3., o veículo de 2. apresentava uma altura em relação ao solo igual à do veículo comercializado pela marca e molas vermelhas.

b) O 2.º Requerido realizou publicações, sobre a Requerente e a situação de 9. a 23., na plataforma Reddit.

c) Os segmentos do vídeo de 35. são acompanhados do seguinte texto: “a novela continua…hoje as 19h no nosso canal de YouTube vamos libertar o vídeo completo que conta a história desta inspecção fraudulenta no centro de inspecções da A... em ... (…) este é sem dúvida o ... mais conhecido de Portugal!! o AA luta contra a corrupção e interesses instalados no IMT e centros de inspecção em Portugal. #corruptos #corrupcao #imt #imtt #A... #...”.

d) O canal de YouTube ... apresenta 89.300 (oitenta e nove mil) subscritores, tendo o vídeo em causa obtido 75.000 (setenta e cinco) mil visualizações.

e) A página do Facebook, do TikTok e do Instagram intitulada “...” apresenta 9.500, 18.500 e 28.900 seguidores, respetivamente.

f) Os Requeridos incentivaram terceiros a realizar comentários sobre a Requerente, em redes sociais.

g) O telefonema de 21. foi realizado entre CC e um colaborador do IMT.

h) Na sequência de 21., o 1.º Requerido ouviu CC a referir ao telefone o seguinte: “mas o carro não tem nada, mas o carro não tem nada, não posso inventar defeitos no carro”.

i) CC transmitiu ao 1.º Requerido que tinha ordens diretas para reprovar o veículo, sob pena de ser despedido.

j) Aquando de 29. e 30., o 1.º Requerido telefonou ao 2.º Requerido, que ouviu o vertido em i).


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Não se consigna como provada ou não provada qualquer outra facticidade, por ser meramente conclusiva, reiterada ou irrelevante para a decisão da causa, ou respeitar a matéria jurídica.

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Indicação e Análise Crítica dos Meios de Prova

As provas visam a demonstração da realidade dos factos (artigo 341.º do CC), recaindo sobre aqueles que se pretendem fazer valer de um direito cujo facto constitutivo assenta nos mesmos ou de um facto extintivo, impeditivo ou modificativo do direito que contra si é invocado, lograr a respectiva prova (artigo 342.º, n.ºs 1 e 2, do CC), sendo que, em todo o caso, “a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita” – v. artigo 414.º do CPC.

Assim, os factos têm de ser provados, exigindo-se um certo nível para a prova do facto, o chamado standard de prova, que não impõe o gerar, no espírito do juiz, de uma certeza absoluta e invergável acerca da ocorrência dos factos: basta a criação da convicção da possibilidade dessa ocorrência do facto, num grau de probabilidade suficiente, para as necessidades da vida – v. Ac. do TRC de 08-05-2019, Proc. n.º 62/17.1GBCNF.C1, disponível in www.dgsi.pt.; probabilidade esta que, no âmbito dos procedimentos cautelares, se anuncia como sendo meramente sumária.

Trata-se, pois, de uma probabilidade lógica ou indutiva: o resultado probatório expressa uma ratio entre elementos de prova e tese factual, relação que consiste numa confirmação que os primeiros fornecem ao segundo, de modo que se alcança a “verdade judiciária”, que, conquanto que não seja absoluta, nem sequer ôntica, é legítima, obtida de acordo com os ditames legais e demonstrada a partir dos meios de prova que foram carreados para o processo, analisados criticamente, de forma racional e objetiva, na sua globalidade, muitas vezes, com auxílio às regras da experiência.

Estas, ilustrando o normal do acontecer, permitem extrair a verificação de factos, passados ou futuros daqueles cuja demonstração direta se logrou, fruto da regularidade com que uns (factos) sucedem a outros, não cabendo somente valor o número de vezes que os factos são confirmados pelas várias testemunhas ou outros dados probatórios, naquilo que se pareceria com uma operação matemática, mas na consistência dos mesmos e na sua conformidade com o normal do acontecer, atendendo ao contexto que molda os acontecimentos.

Neste conspecto, afigura-se ser de salientar que, no caso sub judice, os factos objeto de discussão não se mostraram patentemente controvertidos, considerando o Tribunal, na análise meramente perfunctória por que enveredou, que, na situação que deu origem aos presentes autos, estará em causa meramente uma questão de perspetivas, quiçá mal compreendidas de parte a parte, sobretudo quando analisada a prova documental junta e valorada a prova por declarações de parte e por testemunha, a qual não divergiu, entre si, de forma manifesta.

Assim, a facticidade de 1. encontra-se demonstrada pela certidão permanente junta com o requerimento inicial, enquanto os pontos 2. e 3. resultam, respetivamente, da certidão de registo automóvel e do auto de contraordenação que acompanham a oposição.

Já o facto 4. resulta do documento supervenientemente junto a 10.07.2024, tendo sido ainda confirmado pela testemunha GG, inspetor do IMT, que procedeu à dita inspeção (no que constitui a sua razão de ciência), numa parte do depoimento que se revelou escorreita, pouco comprometida e, por isso, credível.

Mais a mais, também o 2.º Requerido, em sede de declarações de parte, aludiu à existência de uma prévia inspeção do veículo de 2., no centro de inspeções da B... (como aduzido por aquela testemunha), o que emerge igualmente do email (documento n.º6), junto com o requerimento inicial e com a oposição (onde se refere “na sequência da inspecção técnica”). Assim, a factualidade de 5. assenta neste email, agora referido.

Por sua vez, o vertido em 6. emerge do corresponde email, junto com a oposição, resultando a facticidade de 7., 8. e 21. a 24. dos depoimentos das testemunhas CC e de II, que se adivinharam, nesta parte, escorreitos, coerentes, coincidentes, espontâneos, contextualizados e situados no tempo e no espaço, nele se movimentando devidamente, sendo, por isso, valorados.

Com efeito, o primeiro, inspetor e diretor técnico do Centro de Inspeções da Requerente, em ..., que realizou a inspeção do automóvel do 1.º Requerido, no aludido centro de inspeções, sendo essa a sua razão de ciência, asseverou essas suas funções e que, num primeiro momento, o 1.º Requerido se deslocou ao centro em questão, para agendar a referida inspeção, tendo-lhe entregue a referida documentação, que, posteriormente, enviou a II, diretor de operações da Requerente, no contacto destinado a aferir da conformidade dos procedimentos inspetivos, no que foi confirmado por este último, o qual, como CC, asseverou o sucedido em 21. a 24.

Destarte, os pontos 9., 14. a 18., 25., 26. e 34. encontram-se assentes, porquanto concernem a factualidade admitida por acordo, na medida em que não foi impugnada por qualquer uma das partes. Mais a mais, os pontos 17. e 18. foram confirmados pela testemunha CC, na parte do seu depoimento que foi aqui valorada, pelos motivos de supra.

Outrossim, o vertido em 10. e 11. decorre da Deliberação n.º 789/2023, do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P., publicada em Diário da República (in DR 158/2023, Série II de 16.08.2023), coincidindo com os depoimentos de CC e de DD (responsável administrativo do Centro de Inspeções da Requerente em ...), os quais mereceram valoração, já que suportados por tal instrumento normativo, coincidindo com a alegação da própria Requerente no seu articulado (v. artigos 11.º e 12.º do Requerimento Inicial).

Doutro tanto, também nas suas declarações de parte, que se revelaram espontâneas, coerentes e isentas (não obstante essa sua qualidade), o 2.º Requerido cogitou que o objetivo da inspeção realizada pela Requerente, no veículo automóvel do 1.º Requerido, seria o de verificar se as características determinantes da apreensão de um veículo (por alteração das características originais) ainda se mantinham.

Já a factualidade de 12. e 13. emerge dos depoimentos das testemunhas CC, DD e II. Com efeito, exercendo estes as supra ditas funções na Requerente, estiveram presentes e tomaram conhecimento da reunião em causa, valorando-se os seus depoimentos, porquanto nesta parte se mostraram coincidentes e devidamente situados no tempo e no espaço.

Acresce ainda ter sido exposta a razão de ser da adoção de tal procedimento, que visava dissipar dúvidas existentes em face de inspeções realizadas ao abrigo da Deliberação n.º 789/2023, já que esta permitia a realização de inspeções que, até então, não estavam acometidas aos centros de inspeções, por serem apenas realizadas pelo IMT, tanto mais que, como referiu II, a Requerente sentiu a necessidade de solicitar esclarecimentos a esta entidade pública.

Assim sendo, tal procedimento não contradirá as regras da experiência e do normal do acontecer, porque foi adotado em face de algo inovador, nunca antes praticado pelos Centros de Inspeções, os quais se viram, desde logo, confrontados com questões burocráticas, como se retira do depoimento de II.

Ademais, o facto 19. resulta das fotografias acompanhantes do relatório de inspeção realizada a 18.01.2024, juntas com o requerimento inicial e com a oposição, sendo que, no que tange aos amortecedores laranja, também CC confirmou a sua existência, enquanto BB asseverou a existência de molas da cor preta.

Por seu turno, a facticidade de 20. estribou-se nos depoimentos dos próprios CC e DD, que se mostraram coincidentes e coerentes, entre si e ainda com o de II e de FF (diretor de qualidade da A..., o qual recordou a DD, no dia, ter de adotar o procedimento em causa), não se descortinando qualquer razão para, por ora, na apreciação sumária subjacente à valoração da prova no âmbito dos procedimentos cautelares, colocar os mesmos em crise.

Mais a mais, os factos 27. a 33., 44., 52. a 54., 57. e 58. emergem das declarações da parte do 2.º Requerido, que se evidenciaram escorreitas, espontâneas, descomprometidas, localizadas no tempo e no espaço, tendo este neles se movimentado devidamente, cingindo-se, nesta parte, à mera descrição dos factos, pelo que se valoraram as mesmas.

De facto, pese embora tenha sobressaído a sua discordância quanto à versão da Requerente e quanto ao que lhe imputa ser uma conduta ilegal, o 2.º Requerido mais não aduziu, do que aquilo que viu, designadamente quando salientou que desconhecia com quem havia sido realizado o telefonema.

Destarte, quanto a este, o 2.º Requerido salientou que apenas teve a perceção daquilo que se verteu nos factos provados, transmitida pelo 1.º Requerido, não procurando asseverar algo que efetivamente não ouviu, nem que não lhe foi transmitido (como que esse contacto tivesse sido com alguém no IMT), no que lhe confere credibilidade, dado que não transmite qualquer intenção de fabulação ou de extrapolar o sucedido, pese embora a circunstância de daí poder advir algo, para si, prejudicial.

Note-se ainda que o vertido em 31., 32. e 57. estriba-se ainda nos depoimentos das testemunhas CC e DD, os quais confirmaram, neutra e pacificamente, a aludida factualidade, tendo sido ainda ponderado o documento n.º 8 junto com a oposição.

Doutro tanto, a facticidade de 35., pese embora impugnada, resulta da própria imagem, correspondente ao observado no vídeo em causa, sendo certo que o teor da descrição em causa coincide com o conteúdo e as afirmações proferidas no vídeo em causa pelo 2.º Requerido, enquanto a de 36. emerge das fotografias constantes do requerimento inicial, conjugada com o facto de o 2.º Requerido ter confirmado a publicação de cortes do vídeo de 35., na rede social Instagram.

Destarte, os pontos 37. a 43. resultam do vídeo em causa, junto aos autos pela Requerente e que não foi infirmado por qualquer outro meio de prova. Por seu turno, o facto 45. resulta dos documentos n.ºs 12 e 13, que acompanham o requerimento inicial, encontrando-se a factualidade de 46., 47., 48., 49., 50., 51. e 59. arrimada, respetivamente, nos documentos n.ºs 14, 15, 18, 19, 20, 16 e 2 do requerimento inicial.

Também assim, o facto 55. se alicerça em prova documental, concretamente no documento n.º 9, junto com o requerimento inicial, na medida em que daí se retira que os mesmos dizem respeito ao vídeo de 35., publicado no Youtube, atentas as palavras que se lêem no referido separador (“Uma história de CORRUP..”), as quais correspondem, pois, ao título do referido vídeo, como se considerou demonstrado em 35..

Prosseguindo a facticidade de 56. resulta do documento n.º7, que acompanha a oposição, e, bem assim, do documento junto aos autos a 10.07.2024, pelos Requeridos.

Por último, o ponto 60. estriba-se no depoimento de II, que, nesta parte, se revelou absolutamente espontâneo e genuíno, em termos que reclamam a sua valoração.

Outrossim, os factos não provados resultam da insuficiência de prova dos mesmos, baseando-se, por isso, na ausência de convencimento do julgador quanto a estes, como impõe o disposto no artigo 414.º do CPC, acima citado.

De facto, no que tange ao facto a), nada permite asseverar que o veículo não se encontrava rebaixado, tendo em conta as características do veículo originalmente comercializado pelo fabricante ou aquelas que se encontram averbadas, sobretudo em face do auto de contraordenação junto.

Com efeito, este faz, precisamente, alusão a “molas de rebaixamento (não de origem), de cor vermelha” e, nos autos, não foi objeto de qualquer impugnação.

De facto, não obstante o afirmado, designadamente pelo 2.º Requerido, que nunca constatou esse rebaixamento no veículo de 2., pese embora, a partir da cor das molas do mesmo, nenhuma ilação se retire, neste sede indiciária, quanto à altura da suspensão (e, portanto, do veículo em relação ao solo), a verdade é que, aquando da inspeção de 9. a 11., o veículo em causa já apresentava molas pretas, o que poderá indiciar a existência de um efetivo prévio rebaixamento, sopesando que o email de 10.01.2023, faz referência à constatação de uma alteração à suspensão, aquando da inspeção realizada pelo IMT.

Por sua vez, quanto à facticidade de b) e c), nenhum elemento no processo indicia a realização de publicações, pelo 2.º Requerido, na plataforma Reddit (sem descurar que este último negou ter aí qualquer conta ou canal), nem a descrição do vídeo de 35., que não foi asseverada por qualquer das testemunhas inquiridas, nem pelo 2.º Requerido.

Destarte, pelas mesmas razões, quedou não provada a factualidade de d) a f), enquanto o ponto g) foi elencado nesta qualidade porquanto o 2.º Requerido não identificou com quem o inspetor CC estabeleceu contacto telefónico. Mais a mais, nenhum meio de prova permitiu asseverar o vertido em h) a j).

Desde já se consigna que, quanto ao depoimento de QQ, inspetor automóvel, cuja razão de ciência quanto à situação vertente, fundada na mera visualização de um vídeo, cujo conteúdo não consegue concretizar, aludindo, sem que nada o justifique, a “amortecedores” e, em específico, às pessoas de CC e II, no que se revelou pouco espontâneo, atento o seu reduzido conhecimento da situação em concreto e a sua imputação de generalidades, donde não se pode extrair qualquer conclusão quanto à facticidade em concreto, pelo que não se valorou o mesmo…»(sic).


***

IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO


A-NULIDADE

A recorrente alega que os fundamentos de facto e de direito se encontram em clara contradição com a decisão proferida, pelo que deverá ser considerada nula, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

Invoca neste segmento que a Recorrente intentou o procedimento cautelar peticionando que os Recorridos fossem condenados em se absterem de fazer declarações públicas, designadamente nas redes sociais Facebook, Instagram, TikTok, YouTube, WhatsApp, Twitter (X), Reddit e Linkedin sobre a Requerente, e fossem condenados no pagamento diário da quantia de € 1.500,00 por toda e qualquer publicação nos media, plataformas, redes sociais e afins, bem como em € 50,00 por cada comentário difamatório, insultuoso e/ou por cada republicação a título de sanção pecuniária compulsória, porquanto haviam procedido à publicação de um vídeo no YouTube, com a respetiva publicitação nas restantes redes sociais, que ofendia a honra e bom nome da Requerente.

Refere que a decisão determinou a improcedência do procedimento cautelar, porquanto entendeu o Tribunal que não se verificava a existência do requisito do periculum in mora e que considerou que se verifica o prejuízo e dano para a própria Recorrente e que tal deriva da atuação dos Recorridos. Alega que na quase totalidade da sentença resulta que a Recorrente demonstrou que os Recorridos agiram de acordo com o trazido aos autos, que o seu direito à liberdade de expressão no caso em concreto não pode prevalecer sobre o direito ao crédito e bom nome da Recorrente e, nas últimas duas páginas da sentença, termina por determinar que não se verifica o periculum in mora, na medida em que a Recorrente terá sempre na sua disponibilidade o recurso à denúncia nas redes sociais, bem como aos Tribunais.

Considera que esta a conclusão retirada pelo Tribunal a quo quanto à verificação do referido requisito está em total contradição com os vários fundamentos de facto e de direito da decisão invocados ao longo da mesma sentença, traduzindo-se numa verdadeira surpresa, nomeadamente no que se refere aos meios ao dispor para a Recorrente atuar (com a apresentação do procedimento cautelar a recorrente pretendeu recorrer sucessivamente aos canis de denúncia das redes sociais em causa, bem como aos Tribunais).

E conclui que atenta a fundamentação de facto e de direito, é totalmente incongruente que o Tribunal a quo venha depois indeferir o procedimento cautelar, considerando que dispõe de meios para pôr termo à difusão dos vídeos e afirmações, não dispondo, contudo, de meios que impeçam, antecipadamente e como se pretendia, a publicação de inverdades e que se mostram atentatórias do crédito e nome da Recorrente, causando-lhe prejuízos.

Conclui, que existe nulidade da sentença nos termos do artigo 615º, n º1, al) c) do CPC, decorrente da contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, sendo que a linha argumentativa percorrida pelo tribunal (de facto e/ou de direito) conduziria, em termos logicamente inequívocos, a uma conclusão oposta.

Nos termos do artigo 615 do CPcivil, a sentença é nula, quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Para outros desenvolvimentos, vide o Ac da RC de 06-11-2012, disponível ma base de dados da DGSI:« Sumário: I – Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença a provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia)..”.

Neste caso foi invocada a nulidade decorrente da alegada oposição entre os fundamentos e a decisão.

Consideramos que não existe nenhuma nulidade na decisão dado que apesar de a mesma considerar verificados certos pressupostos exigidos pela providência cautelar, não impede que considere não existir um desses pressupostos e julgar a acção improcedente, uma vez que se exige a ocorrência cumulativa dos mesmos.

O facto de a sentença considerar existir o prejuízo e o dano para a recorrente e que tal decorre da actuação dos recorridos, não impede o tribunal de considerar a acçaõ improcedente porque entende não existir o requisito do periculum in mora, não ocorrendo nenhuma oposição ou contradição.

Pelo exposto, é manifesto que a sentença não padece de nenhuma nulidade dado que o alegado erro de julgamento não se enquadra em nenhuma nulidade (contendendo com a decisão de mérito a decidir a final).

Assim, julga-se improcedente a invocada nulidade.


*

B- DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Nas alegações de recurso veio a apelantes, requerer a reapreciação da decisão de facto, com fundamento em erro na apreciação da prova.

A recorrente considera incorretamente julgados vários pontos que enuncia.

Neste segmento a apelante refere que há, 3 (três) factos que como tal não deveriam ter sido considerados face aos depoimentos prestados em sede de inquirição de testemunhas.

Tais factos são os que constam dos pontos 32 e 57 da referida matéria, na medida em que ou não se poderão considerar provados ou não poderão ser considerados como provados como o foram.

Do facto 32 da matéria de facto dada como provada:

Resulta da sentença que se considera provado que “Aquando de 31., o 2.º Requerido perguntou a CC e DD se pretendiam falar com ele sobre o vertido de 9. a 23.”.

Alega a recorrente que resulta claro dos depoimentos prestados pelos próprios CC e DD que não lhe foi questionado pelo 2.º Recorrido se pretendiam prestar declarações sobre o assunto e que resultou desses depoimentos que, foi o próprio DD quem o abordou e informou que ali não se poderia encontrar, E considera que que também a testemunha CC não foi abordada pelo 2.º Recorrido com essa intenção, nem foi diretamente questionado sobre os factos.

Invoca que do depoimento da testemunha CC, resultou em resumo que conhece o Sr. BB de ter ido lá falar, e que queria falar do assunto com o inspetor que tinha feito, mas eu disse-lhe que não ia falar nada sobre o assunto. Só, mais nada. E ele tentou insistir e eu disse “Olhe, desculpe, não falo no assunto.

Invoca ainda que resultou do depoimento da testemunha DD, que o Sr. BB foi a Centro no dia após a inspecção e que a testemunha lhe pediu para não fazer registos fotográficos ou de vídeo dentro das instalações do centro, que o podia fazer no exterior.

Conclui, assim que desses depoimentos resultou que nada foi questionado sobre a situação concreta, nem quaisquer factos com esta relacionados, tendo sido genericamente abordada a realização de uma inspeção com a testemunha CC.

E como tal, deverá o facto 32 ver a sua redação alterada para: “Aquando de 31., 2 2.º Requerido foi abordado por DD que o questionou sobre as suas atividades naquele local e questionou CC quanto a ter realizado uma inspeção.“.

Outro lado, Do facto 57 da matéria de facto dada como provada:

Considerou-se provado que “A Requerente, através dos seus colaboradores, CC, DD e EE, recusou-se a falar sobre o sucedido em 9. A 23., com o 2.º Requerido.”.

Neste ponto alega que o Tribunal a quo baseou a sua convicção no depoimento prestado pelo 2.º Recorrido, sendo que se tivesse baseado a sua convicção em todos os depoimentos nunca poderia ter dado como provado o facto da forma como o fez (reproduzindo a argumentação quanto ás testemunhas CC e DD).

Alega que no que respeita à testemunha FF, que nunca os Recorridos tentaram falar com o mesmo e isso resulta cristalino do seu depoimento, quando refere expressamente que respondeu a um email de acordo com as instruções da sua Administração.

Conclui, assim que não se pode dar como provado o facto 57, devendo o mesmo apresentar a seguinte redação: “A Requerente, através do seu colaborador EE, informou, via email, o 2.º Requerido que todos os esclarecimentos haviam sido prestados diretamente ao 1.º Requerido.”.

Resulta que este segmento da impugnação da matéria de facto terá de se julgar improcedente porque a factualidade do ponto 32 e 57 da matéria de facto resultou do teor dos depoimentos das testemunhas CC e DD, que confirmaram integralmente essa factualidade de forma unanime e objetiva.

Por outro lado, a apelante impugna a factualidade dada como não provada sob os pontos c) e f).

Refere que foi dado como não provado “Os segmentos do vídeo de 35. são acompanhados do seguinte texto: “a novela continua… hoje as 19h no nosso canal de YouTube vamos libertar o vídeo completo que conta a história desta inspecção fraudulenta no centro de inspeções da A... em ... (…) este é sem dúvida o ... mais conhecido de Portugal!! O AA luta contra a corrupção e interesses instalados no IMT e centros de inspecção em Portugal. #corruptos #corrupção #imt #imtt #A... #...”.

Alega que não se compreende como pode ter sido considerado como não provado, quando, na verdade, é integralmente reproduzido na imagem constante do facto 36 dos factos provados, sendo que a legenda da fotografia é clara refere os termos e hashtags constantes daquele facto e é coincidente com os dizeres referidos.

Conclui que o facto c) ser dado como provado, devendo apresentar a seguinte formulação: “Os segmentos do vídeo de 35. são acompanhados do seguinte texto: “hoje as 19h no nosso canal de YouTube toda a história desta inspecção fraudulenta realizada num centro de inspeções em .... Não percas !! #farude #vw #... #... #...do AA #A... #imt (…) Pode um homem sozinho lutar sontra a corrupção e os interesses instalados no IMT e nos centros de inspecção em Portugal?? Conheçam a história do AA e do sei ... ● . #corrupção #imt #A... #B...”.

Invoca ainda que também o facto f) deveria ter sido dado como provado, na medida em que tal se encontra vertido no vídeo junto aos autos e que foi considerado para efeitos de prova. Alega que ao minuto 14:01 e 14:16 do vídeo em causa é feito esse apelo expresso pelo 2.º Recorrido quando refere: (…) mas vou falar mal e vou-vos pedir que aquele nome que ali está – A... – seja tão penalizado quanto está a ser o AA e quanto está a ser a ....”.

Conclui, que se deve dar como provado o ponto f) dos factos dados como não provados, mantendo exatamente a mesma redação.

No que diz respeito ao ponto c) o mesmo não se poderá considerar como provado essa descrição não resultou demonstrada por nenhuma testemunha nem outro meio de prova (e o ponto 35 da matéria provada tem outra redação que não a referida no ponto c).

No que diz respeito ao ponto f) igualmente o mesmo não poderá ser tido coo provado dado que nenhuma testemunha ou declarações demonstraram tal factualidade.
Pelo exposto, e considerando os meios de prova que foram produzidos relativamente á factualidade objecto da impugnação versada nas alegações, não existe razão para se realizar alteração á matéria de facto fixada na sentença recorrida.

*

C- impugnação da decisão de mérito

Neste segmento a apelante alega que a sentença recorrida entendeu que não se verificava o requisito do periculum in mora, o que determinou que o procedimento cautelar não tenha sido decretado. Tendo-se considerado que “Mais a mais, o vídeo de 35., com conteúdo difamatório, encontra-se bloqueado pela plataforma YouTube, sendo certo que, libertado o mesmo ou publicado novo vídeo, a Requerente goza da mesma possibilidade de denúncia deste e, mediatamente, do seu bloqueio.”. E referido que, “Acresce ainda que, não obstante a rápida partilha de vídeos deste teor, a Requerente pode lançar mão, em sede de ação principal, de pedidos destinados a publicitar ou publicar uma sentença que lhe der razão, nos mais variados meios de comunicação ou até em redes sociais, inclusivamente pelos Requeridos, e, bem assim, exigir o retratamento destes nas redes sociais em que efetuaram os referidos posts, os quais terão a mesma amplitude de divulgação que os anteriores, que denegriram a sua imagem, assim se reparando os danos eventualmente causados à mesma.”.

A apelante impugna este entendimento porque a produção dos efeitos da denúncia de eventual vídeo no YouTube tem efeitos mediatos e não imediatos como se pretende quando se lança mão de um procedimento cautelar, e que a demora na obtenção de uma decisão definitiva em processo comum, não permite que qualquer eventual retratação ou pedido de desculpas produza os efeitos pretendidos, face ao distanciamento temporal existente entre a prática dos factos e a referida publicação.

Conclui que as publicações e comentários a que os Recorridos se vêm insistentemente dedicado ameaçam inequivocamente o direito à imagem, bom nome e reputação que se demonstraram ser titulados pela Recorrente, e os requeridos não tem intenção de parar de denegrir a imagem da Recorrente e a sua manifesta intenção de o fazer em todos os meios que tenha ao seu dispor.

Conclui que o procedimento cautelar não pode deixar de ser decretado, revogando-se a sentença proferida e substituindo-a por outra que condene os Recorridos no pedido.

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão de mérito, apenas se referindo a parte atinente ao objecto do recurso: «… Invocando a Requerente a violação do seu direito à imagem, ao crédito, bom nome e reputação pelos Requeridos, estes, por sua vez, alegam que agiram sempre ao abrigo da sua liberdade de expressão e/ou de informação.

Sobre estes direitos e faculdades gerais de agir, tem sido observado que, inúmeras vezes, a liberdade de expressão contende e entra em colisão com o direito à honra e ao bom nome. São emblemáticas as palavras de TABORDA LOPES, Edgar – “Liberdade de Expressão e Tutela da Honra – Que Limites?”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. LV, n.ºs 1 e 2, Coimbra Editora, 2014, p. 189, “honra e liberdade de expressão coexistem numa permanente tensão”, constituindo ambos direitos fundamentais.

Esgrimindo algumas considerações sobre cada um deles, o direito fundamental ao bom nome e à honra está previsto no artigo 26.º, n.º1, da CRP e no artigo 12.º da DUDH, sendo ainda concretizado, pelo legislador ordinário, no artigo 70.º do CC.

…No entanto, não se pode olvidar que o artigo 12.º, n.º2, da CRP enuncia que “as pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza”, em consonância com o princípio da especialidade do fim, plasmado no artigo 160.º, n.º1, do CC e no artigo 6.º do CSC).

… Por conseguinte, também as pessoas coletivas são titulares do direito à honra e ao bom nome, já que, estando o mesmo consagrado nos artigos 25.º, n.º1, e 26.º, n.º2, da CRP, a nossa lei fundamental concede-lhes um âmbito subjetivo universal compatível com o princípio da especialidade do fim, a tal não obstando a sua existência abstrata.

Concretizado, as pessoas coletivas serão, assim, titulares do direito à honra, mas apenas na medida em que a violação deste demonstre repercutir-se nos seus prestígios, do crédito e da seriedade económico-financeira, e, por isso, no seu escopo lucrativo ou fim mediato.

Com efeito, como salienta o Ac. do TRL de 15.12.2022, proc. n.º 2063/18.3T9ALM.L1-9, disponível in www.dgsi.pt.: “a honra das pessoas colectivas só pode ter uma dimensão objectiva/exterior/traduzida na ideia que os outros fazem dela, merecendo deles e sendo portadora de bom nome. Este bom nome tanto pode ser prestígio, credibilidade e confiança decorrentes das suas qualidades inerentes à actividade desenvolvida e/ou do comportamento dos seus membros ou órgãos, se mostre cumpridora, diligente séria, fidedigna e tenha notoriedade no domínio da respectiva actividade social e/ou obtenha respeito das suas congéneres e/ou da comunidade em que se insere e/ou tenha prestígio sócio-económico decorrente das suas qualidades e capacidades económico-financeiras” (sublinhado nosso).

Por sua vez, quanto ao bem jurídico crédito, este encontra-se autonomizado apenas no quadro da ilicitude consagrada no artigo 484.º do CC, o qual plasma a responsabilidade civil (e consequente obrigação de indemnizar) daqueles que pratiquem atos atentatórios do bom nome e do crédito de outrem.

…Em suma, ocorre ofensa ao crédito de uma pessoa quando se praticam atos que atingem, diminuem ou colocam em causa a confiança dos outros na capacidade ou na vontade de uma pessoa para satisfazer as suas obrigações, a crença dos outros em que a pessoa não faltará aos seus compromissos, a imagem pública quanto à sua capacidade ou vontade de honrar e satisfazer os seus compromissos de natureza económica, a projeção social das aptidões e capacidades económicas dos autores (neste sentido, v. Ac. do TRP de 29.06.2023, proc. n.º 21209/20.5T8PRT.P1, disponível in www.dgsi.pt).

Prosseguindo, por sua vez, a liberdade de expressão e de informação encontra-se consagrada no artigo 37.º, n.º1, da CRP e em diversos instrumentos de direito internacional e europeu, como o artigo 19.º da DUDH, o artigo 19.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e no artigo 11.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia.

O artigo 37.º da CRP preceitua, não só que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações” (n.º1), como também que o exercício desses direitos não pode ser objeto de qualquer censura (n.º2). Assim, liberdade de expressão e liberdade de informação são corolário do direito ao livre desenvolvimento da personalidade, consagrado no artigo 26.º da CRP, na medida em que salvaguardam a liberdade de pensamento de cada um, socialmente inserido e integrado na comunidade, enquanto ser racional, o qual deve gozar da possibilidade de, livremente, exprimir, por qualquer modo, aquilo que povoa a sua mente.

… Posto isto, não desconhece este Tribunal que a jurisprudência nacional vinha encarando a tensão entre o direito à honra e a liberdade de expressão em duas perspetivas: i) uma mais conservadora, que tende a proteger acerrimamente o direito à honra, configurando a relação entre a liberdade de expressão e o direito à honra como uma colisão de direitos, a solucionar nos termos do artigo 335.º do CC; e ii) outra mais liberal, com afirmação recente, que tutela predominantemente a liberdade de expressão, adotando a conceção e percurso decisório do TEDH. Assim, na perspetiva “tradicional”, a solução a adotar encontra-se prevista no artigo 335.º, n.º1, do CC, o qual enuncia que “havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes”.

Esta norma disciplina situações em que o exercício de um direito fundamental pressupõe a prática de um ato que colide ou bule com outro direito fundamental ou constitucionalmente garantido, sem violar os limites imanentes daquele e sem atingir o núcleo essencial deste.

… Expostas estas duas perspetivas, afigura-se ser de seguir esta última, em consonância com a jurisprudência consolidada do TEDH, a qual vincula indiretamente os decisores nacionais, uma vez que a CEDH faz parte do ordenamento jurídico português, por força do artigo 8.º da CRP, constituindo um dos regimes normativos que enformam o sistema normativo vigente português.

… Posto isto, descendo ao caso sub judice, analisando-se o conteúdo do vídeo no seu conjunto, constata-se, em primeiro lugar, que não se adivinha que o mesmo prossiga um interesse ilegítimo ou não se insira nos fins ético-sociais do direito de informar, de que cada um de nós, como pessoa, a quem a CRP concede esse direito, goze.

Com efeito, se é certo que o mesmo retrata a situação de um particular (concretamente, o 1.º Requerido), envolve também o relato de uma apreensão de um veículo, que circulava na via pública, e a intervenção do IMT e de um Centro de Inspeções, a aqui Requerente, que realizaram, precisamente, inspeções ao supra dito veículo, o qual se manteve apreendido até ao levantamento da supra dita apreensão pelo IMT, já em Fevereiro de 2024.

Neste conspecto, são inúmeros os utilizadores da via pública, que circulam em veículos automóveis, contactando com o IMT, I.P., e ainda com centros de inspeções, onde têm de se deslocar, nomeadamente para efetuar as inspeções periódicas anuais dos mesmos, as quais são obrigatórias.

Posto isto, é manifesto que o relato das intervenções de uma entidade pública e de uma pessoa coletiva de direito privado, a que estão acometidas funções de interesse público, pese embora contidas numa situação em concreto, revestirá interesse para o comum dos cidadãos, sobretudo quando lhes está alocada a tarefa de verificar se cada um dos veículos automóveis que circulam nas nossas estradas possuem as necessárias condições de segurança e funcionamento para o efeito.

Assim, porque poderá contender com a maior ou menor competência destas entidades, a exposição da situação retratada reveste, numa apreciação sumária, evidente interesse social, prosseguindo, por isso, um fim legítimo.

Alcançada esta conclusão, importa aferir se as imputações realizadas, ao longo do vídeo, são verdadeiras ou, não o sendo, decorrem de factos/circunstâncias que, apreciadas no seu todo, suscitavam uma aparência de “verdade”, de tal modo que o homem médio, colocado na mesma situação, segundo um padrão normal de razoabilidade, se convenceria da verificação e da realidade dessas imputações, bem como se estas assentam em fontes idóneas e constituem o resultado de uma investigação cuidada e séria.

Assim, num momento prévio, impõe-se aferir se, em face deste contexto e das demais afirmações proferidas ao longo do vídeo de 35. pelos Requeridos, ocorre a prolação de alguma (afirmação) que, perante a facticidade demonstrada e/ou elencada como não provada, não seja verdadeira ou não pudesse/possa ser reputada dessa qualidade por quem a profere, para o que se ponderará, por ora, apenas as vertidas nos factos de 37. a 43.

No entanto, nessa tarefa, o Tribunal atenta igualmente no conteúdo do vídeo de 35. no seu todo, ponderado o seu título (“Uma história de CORRUPÇÃO ao mais alto nível !!!”) e o frame retirado do mesmo, onde se vê o Centro da Requerente, em ..., e letras em vermelho, que formam a palavra “Corrupção”, acompanhado da seguinte legenda (facto provado 35.):

Destarte, no que tange ao primeiro comentário, realizado pelo 2.º Requerido, no vídeo de 35., entre o minuto 3:08 e o minuto 3:23, refere este que “E depois chegamos ali e o telefonema, o bendito do telefonema, de alguém da A... que alegadamente recebeu ordens do IMT para bloquear o carro.”.

Ora, esta afirmação, em si, importa a ideia de que um colaborador do IMT influenciou a Requerente, tendo em vista a reprovação do veículo automóvel do 1.º Requerido, numa atitude que seria ilegítima (sobretudo quando analisado o comentário proferido pelo 2.º Requerido, a partir do minuto 4:28).

Da mesma (afirmação) decorre, por isso, necessariamente, uma conotação negativa e desvaliosa daquela que teria sido a conduta da Requerente, já que esta não teria aprovado o referido veículo na inspeção, não porque tal resultasse daquilo que, no âmbito das suas competências, lhe estava acometido e lhe cabia fazer, mas por ser mandatada a tal por terceiros, sem qualquer motivo que o justificasse.

Sucede, porém, que o 2.º Requerido proferiu este comentário, no vídeo de 35., desconhecendo quem havia estabelecido contacto telefónico com o inspetor CC (que realizou a inspeção de 9. a 11., ao automóvel do 1.º Requerido), pelo que não se compreende como poderá ter alcançado uma base factual minimamente suficiente para, num vídeo publicado num canal de YouTube”, referir o que asseverou neste lapso temporal do vídeo, a qual não se vislumbra.

Nestes termos, é manifesto que o 2.º Requerido relatou factos que não se mostram verdadeiros, nem que poderia reputar de tal, pelo que esta afirmação é violadora do direito à honra e do bom nome da Requerente.

No que concerne ao facto 38., reportado ao diálogo mantido pelos Requeridos, no vídeo de 35, entre os minutos 4:28 e 5:23, referem estes o seguinte:

“2.º Requerido: Eu não vou falar mal do inspetor desta vez. E porquê? Porque eu já estive lá dentro a tentar falar com os senhores e aquilo é quase como ir à Rússia no tempo da cortina de ferro. Não podemos falar. Não podemos dar opinião. E eu já fiz uns telefonemas ontem à noite, já falei com alguns amigos inspetores, já falei com algumas pessoas que conhecem as pessoas que inspecionaram o carro e que me confidenciaram que alegadamente existe uma pressão muito grande para que este carro continue chumbado. E então aqui era para se apagar. Agora a questão é: O Senhor que assinou esta ficha escreveu aqui que viu molas vermelhas no carro, porque é o que está escrito…

1. º Requerido: é o que está escrito aqui na multa…

2. º Requerido: na multa. Portanto o carro foi apreendido não é porque tinha amortecedores ... o carro foi apreendido.

1. º Requerido: o carro foi apreendido porque tinha a alteração na suspensão com molas vermelhas.

2. º Requerido: Pronto, ou seja, o que este senhor aqui escreveu foi que o carro tem molas vermelhas. E o carro não tem molas vermelhas. Ele tá ali.”.

Vistos os comentários tecidos, nesta parte pelo 1.º Requerido, é manifesto que este não imputa qualquer facto à Requerente, limitando-se a remeter para o auto (que apelida de “escrito aqui na multa”). Ademais, o que afirma corresponde ao efetivo teor do auto, onde consta que o carro tinha molas vermelhas (facto provado 3) e donde se retira a aludida alteração na suspensão com estas molas, como refere.

Por seu turno, as considerações tecidas pelo 2.º Requerido, na parte em que menciona ter tentado falar com os inspetores e que “aquilo é quase como ir à Rússia no tempo da cortina de ferro. Não podemos falar. Não podemos dar opinião” envolvem a prolação de um juízo de valor que retira da recusa de dois colaboradores em prestar esclarecimentos, pelo que, não obstante a linguagem e metáfora/comparação que envolve, a qual se mostra mais agreste e exagerada, não estará em causa qualquer ofensa à honra e bom nome da Requerente. Tanto não sucede com as demais afirmações realizadas neste lapso temporal, pelo 2.º Requerido, onde não imputa qualquer facto à Requerente.

Destarte, este limita-se a descrever a sua perspetiva, de que o inspetor havia escrito que o carro apresentava molas vermelhas, quando tanto não sucedia; entendimento este que explica no comentário efetuado entre os minutos 14:35 a 15:33, correspondendo, pois, a uma interpretação sua, do relatório de inspeção, o qual remete para o auto de contraordenação, onde consta que o automóvel tinha molas vermelhas (de rebaixamento).

Deste modo, nesta parte do vídeo, o 2.º Requerido estriba-se numa base factual suficiente que poderia determinar a mesma compreensão no homem médio, sobretudo quando se afigura possível que, da cor das referidas molas, se retirasse o dito rebaixamento, com alteração da suspensão, algo a ler conjugadamente com a circunstância de as molas, aquando da inspeção de 9. a 11., terem cor preta e a altura do veículo em relação ao solo ser a do veículo quando comercializado originalmente pela marca, na medida em que este não se encontrava “rebaixado”.

Contudo, no segmento em que refere “E eu já fiz uns telefonemas ontem à noite, já falei com alguns amigos inspetores, já falei com algumas pessoas que conhecem as pessoas que inspecionaram o carro e que me confidenciaram que alegadamente existe uma pressão muito grande para que este carro continue chumbado. E então aqui era para se apagar.”, nada se apurou quanto à realização destes telefonemas pelo 2.º Requerido.

Mais a mais, contextualizada esta afirmação no quadro do título e da descrição do vídeo a apelar a corrupção, com prejuízo para a reputação da Requerente, a qual se enquadraria, nesta perspetiva, num sistema, em que não se limitaria ao exercício das suas competências, atuando ilegalmente, transporta uma conotação de conduta desvaliosa da Requerente, transmitida a terceiros, razão pela qual é manifesto que a mesma é ofensiva do bom nome e da honra desta última.

Outrossim, relativamente ao comentário do 2.º Requerido, entre os minutos 5:23 e 6:03, consistente em “E portanto isto é corrupção alegadamente ao mais alto nível e aqui eu gostava de deixar aqui um repto a quem faz inspeções nos centros da A...: Meus amigos, não vás fazer inspeções à A...! Porque se fores fazer inspeções à A... e se tiveres amortecedores ... chumbas. Portanto não vás fazer, não vás fazer, pá evitem. Não vão à A.... Porque isto não pode ser! Agora a vontade que me dá é percorrer o país de centro de inspeção em centro de inspeção a ver se todos os inspetores vão escrever a mesma coisa”, tem-se que este ofende, em toda a linha, o direito de personalidade aqui invocado pela Requerente.

Destarte, sem que tivesse qualquer base factual mínima, suficiente para o fazer, ao afirmar que, no seguimento de um telefonema em que imputa o exercício da influência na mesma, de uma entidade externa (IMT), para praticar ato contrário às suas funções (a escrita, na ficha – auto de inspeção-, da existência de molas vermelhas), o 2.º Requerido conclui, com o vocábulo “portanto”, que existe corrupção “alegadamente ao mais alto nível”, num quadro onde insere a Requerente. Assim, dá a entender que esta faz parte desse sistema corruptivo, sobretudo quando apela a que terceiros deixem de se deslocar aos centros de inspeções da A... e de recorrerem aos seus serviços.

Por seu turno, no que concerne aos comentários do 2.º Requerido, emitidos entre os minutos 9:33 a 9:53 (“Precisamos aqui de verba para ir para Tribunal, recrutar advogados, meter aqui processos. Queremos punir criminalmente as pessoas que fazem isto. Queremos chegar a esta senhora do IMT. Queremos obviamente apurar responsabilidades junto dos inspetores que estão a passar estes autos porque obrigados ou não, eles têm que ser obrigados a denunciar estas pressões que têm”), 10:49 a 11:00 (“É necessário criar aqui jurisprudência para que no futuro não sejas tu com o teu carro que estejas aqui num centro de inspeções a ser esmagado pelo peso do sistema, tá bem?”) e 14:01 e 14:16 (“Mas eu aqui não vou falar mal dos inspetores que aqui trabalham, das pessoas que aqui trabalham, que foram super simpáticas connosco, e…, mas vou falar mal e vou-vos pedir que aquele nome que ali está – A... – seja tão penalizado quanto está a ser o AA e quanto está a ser a ...”.), não obstante o seu tom desagradável, agreste e até provocador, não se afigura que os mesmos envolvam a prolação de qualquer facto desvalioso imputado à Requerente.

Já no comentário emitido pelo 2.º Requerido, entre os minutos 14:35 e 15:33, em que este aduz “Então, tu estás desse lado e tens um carro também não faças a inspeção na A... porque eles aqui não cumprem a lei. Eles não cumpriram a lei ao escrever uma coisa que aqui está que não corresponde à verdade e não vou dizer alegadamente porque é verdade. O carro não tem molas vermelhas, mas quem fez a inspeção escreveu aqui que o carro e vou voltar a ler: ‘A situação pela qual o veículo foi apreendido. Auto da polícia n.º ...93 não se encontra regularizada.’ Ora, esse auto diz que esse carro tem molas vermelhas! O carro não tem molas vermelhas, porra! Vamos fazer com que a A... sinta o peso de não ter Clientes. Se vieres fazer a inspeção em todo o país, não vás à A.... Vai a outro centro de inspeções. Pode ser que desta forma a A... perceba que tem que fazer força para ter os casos clarificados. Tá bem?”, o mesmo alicerça-se num juízo de valor, firmado no seu entendimento de que, por fazer referência ao auto de contraordenação, onde consta que, no veículo, existiam molas vermelhas, as quais, no entanto, já não existiam no momento da inspeção, na medida em que o carro apresentava molas pretas, encontrando-se suficientemente sustentado, na perspetiva do homem médio, como já referido.

Posto isto, conjugada a leitura de cada comentário isolado, reputado de ofensivo e lesivo do bom nome e consideração da Requerente, sopesado o título e descrição do vídeo, bem como frame do mesmo de supra, tem-se que, na sua globalidade, este conteúdo (vídeo) se mostra ilícito, porque ofensivo da honra, do bom nome e da reputação da Requerente, a quem o 2.º Requerido, aí, imputa factos desvaliosos e até criminosos, para o que não dispunha de base factual minimamente razoável, na perspetiva do homem médio.

Mais a mais, também a publicação das fotografias de 36, em cujas legendas se lê “Hoje às 19h no nosso canal de YouTube toda a história desta inspecção fraudulenta realizada num centro de inspecções em ...” e “Pode um homem sozinho lutar contra a corrupção e os interesses instalados no IMT e nos centros de inspecção em Portugal???”, a par das hashtags “#farude # vw # ... #...do AA #A... #imt” e “#corrupção #imt #A... #B...”, se mostra, conjuntamente valorado, ofensivo do direito ao bom nome e honra da Requerente.

Com efeito, não poderia o 2.º Requerido, alicerçado num mero telefonema, estabelecido entre o inspetor CC e alguém que desconhece, prolatar ou efetuar publicações, em que asseverasse que a Requerente era corrupta ou enquadrá-la como componente de um sistema de corrupção.

Posto isto, desde já se consigna que, relativamente ao 1.º Requerido, não obstante o seu aparecimento no vídeo em causa, este não proferiu qualquer das afirmações entendidas como lesivas e ofensivas do bom nome da Requerente, nem tomou conhecimento de factos suficientes para afirmar uma eventual conduta corruptiva, para o que não bastam meras imputações genéricas, noticiadas, que nem dizem respeito à Requerente.

Destarte, tais factos não se lograram provar, uma vez que, nada tendo resultado demonstrado quanto ao conteúdo desse telefonema (para além de que II transmitiu a CC que deveria reprovar o veículo automóvel na inspeção realizada, por força do email dirigido pelo IMT ao 1.º Requerido), não era legítimo, na ótica do cidadão padrão, a qualquer um dos Requeridos, nomeadamente ao 2.º, extrapolar para uma conclusão de conduta corruptiva da Requerente, sem mais, por considerar – e, desta feita, justificadamente -, que esta última não havia cumprido corretamente as suas funções e competências, no que não implica, necessariamente, uma atitude ilegal ou contrária à lei, mas, sim, incompetência.

Posto isto, nesta parte, percebe-se a discordância dos Requeridos: se a inspeção do veículo do 1.º Requerido visava a manutenção dos motivos que determinaram a emissão do auto de 3. (e, por isso, a sua apreensão), que consistiam na alteração das características (por existência de molas de rebaixamento e, portanto, alteração da suspensão do veículo), não se percebe por que motivo a Requerente, tendo verificado que não havia qualquer rebaixamento, não procedeu à aprovação do veículo em causa, atestando que as mesmas já não se verificavam.

Doutro tanto, não se compreende como não o poderia fazer, fundamentada numa discordância entre o 1.º Requerido e o IMT e, bem assim, impossibilitar a resolução da questão subjacente à apreensão do veículo daquele.

Assim constatada a ilicitude da conduta dos Requeridos, que tece afirmações sobre a Requerente, as quais extravasam a mera crítica, e sendo esta titular do direito à honra e ao bom nome, os quais se mostram essenciais para o exercício da sua atividade (sobretudo em conta as notícias de corrupção em centro de inspeções que têm vindo a público), tem-se que este direito foi violado.

Por conseguinte, assiste-lhe o direito de exigir que o mesmo seja respeitado pelos Requeridos, dado que a eles se impõe, enquanto direito de personalidade, que todos os membros da comunidade jurídica se devem abster de lesar ou violar, não se encontrando os comentários e conteúdos criados e supra considerados ofensivos respaldados na sua liberdade de expressão. Esta deve, pelos motivos já exarados, conhecer “travão”, atenta a (co)existência numa sociedade democrática, na qual esta liberdade deve conviver também com a consideração que cada um tem de si, perante si e perante os demais.

Afirma-se, por isso, o dito requisito das providências cautelares, designado de fumus bonus iuris.

Contudo, não se afigura que, relativamente ao periculum in mora, este se verifique.

Destarte, não obstante os danos causados pela conduta dos Requeridos, nomeadamente do 2.º Requerido, se repercutam no tempo, estes resultam da prática de um ato consumado, que se reconduz à publicação do vídeo de 35., não havendo notícia de que, desde 05.02.2024, durante a pendência deste procedimento cautelar e até à prolação desta decisão, tenha sido publicado qualquer outro, sobre a Requerente, nem resultou demonstrada qualquer intenção de os Requeridos o fazerem ulteriormente.

Ademais, do vídeo publicado, pese embora demonstrem a vontade de recorrer aos meios legal e judicialmente disponíveis, não aludem à intenção ou ao fito de realizar novas publicações ou vídeos, o que cumpre ponderar em face do levantamento da apreensão do veículo de 2., facto que, naturalmente, acabou por, em certa medida, constituir uma solução da pretensão do 1.º Requerido.

Outrossim, os danos verificados têm-se repercutido sobretudo nas pessoas que colaboram e trabalham para a Requerente, e não propriamente nesta, que nem consegue concretizar ou demonstrar em que termos resultou afetada a sua atividade comercial, o que alicerça em meras suspeições, e não em factos concretos.

Mais a mais, o vídeo de 35., com conteúdo difamatório, encontra-se bloqueado pela plataforma YouTube, sendo certo que, libertado o mesmo ou publicado novo vídeo, a Requerente goza da mesma possibilidade de denúncia deste e, mediatamente, do seu bloqueio.

Acresce ainda que, não obstante a rápida partilha de vídeos deste teor, a Requerente pode lançar mão, em sede de ação principal, de pedidos destinados a publicitar ou publicar uma sentença que lhe der razão, nos mais variados meios de comunicação ou até em redes sociais, inclusivamente pelos Requeridos, e, bem assim, exigir o retratamento destes nas redes sociais em que efetuaram os referidos posts, os quais terão a mesma amplitude de divulgação que os anteriores, que denegriram a sua imagem, assim se reparando os danos eventualmente causados à mesma.

Face ao exposto, não sendo o dano atual e iminente, inexiste grave receio de difícil ou impossível reparação do direito da Requerente, pelo que se julga improcedente o presente procedimento cautelar e, em consequência, absolve-se os Requeridos dos pedidos formulados, cujo conhecimento se encontra, assim, prejudicado…»(sic).


*

Verifica-se que a sentença recorrida apenas é impugnada no segmento relativo a ter considerado a improcedência da providência por considerar a inexistência do periculum in mora.

A predita sentença considerou a ilicitude da conduta dos Requeridos, ao tecerem considerações sobre a requerente, extravasam a mera crítica, e colocam em causa o direito à honra e ao bom nome que são essenciais para o exercício da sua actividade.

Por outro lado, a sentença recorrida apreciou a questão da colisão de direitos e esse segmento não foi impugnado e afigura-se-nos plenamente analisadas estas questões, e nessa medida aderimos á sua fundamentação quanto aos referidos aspectos.

No que concerne á improcedência da acção por considerar a inexistência de periculum in mora, afigura-se-nos que a sentença recorrida não se deverá manter.

Resulta dos artigos 362º e 368º do CPCivil que a providência cautelar não especificada ou inominada tem os seguintes requisitos: a existência de um direito; o fundado receio de que outrém cause lesão grave e dificilmente reparável a esse direito; a adequação da providência solicitada para evitar a lesão e não estar a providência a obter tipificada.

As providências não especificadas só podem ser requeridas quando nenhuma providência nominada possa ser utilizada no caso concreto: nisto consiste a subsidiariedade dessas providências.

Para que uma providência cautelar não especificada possa ser decretada são necessários, além do preenchimento das condições relativas à referida subsidiariedade (art. 362º/3 CPC), vários pressupostos específicos:

- O fundado receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito do requerente;

- A adequação da providência concretamente requerida à efectividade do direito ameaçado;

- O excesso considerável do dano que se pretende evitar com a providência sobre o prejuízo resultante do seu decretamento.

Para maiores desenvolvimentos poder-se-á citar o Ac da RL de 08/06/93, disponível na INTERNET, na Página da DGSI, (local de proveniência de toda a jurisprudência sem menção de origem):« Sumário: I - Requisitos comuns de uma providência cautelar são - a aparência do direito, o perigo de insatisfação desse direito a adequação da providência cautelar para conjurar o perigo. II - Além deste a providência inominada tem, ainda, como seus requisitos específicos o carácter subsidiário e a menor gravidade do prejuízo causado ao requerido...».

No que diz respeito à providência cautelar não especificada, para além dos requisitos gerais acima referidos, é necessário ter em conta dois requisitos específicos: carácter subsidiário da providência cautelar não especificada e menor gravidade do prejuízo causado ao requerido.

Trata-se de uma aplicação particular do princípio da prevalência aplicável, nos termos do n. 2 do artigo 335 CC, na colisão de direitos desiguais ou de espécie diferente.

Quanto a existência do direito, a lei contenta-se com a emissão de um juízo de probabilidade ou verosimilhança, mas exige que tal probabilidade seja forte ao referir que a providência só é decretada desde que as provas revelem uma probabilidade séria da existência do direito.

O mencionado fundado receio pressupõe que o titular do direito se encontra perante meras ameaças, já que as providências cautelares não especificadas regulam o modo de acautelar a lesão e não a forma de a reparar, ou seja, tendo sido consumada a lesão, a providência não tem razão de ser por falta de função útil, visto que não há que evitar ou acautelar um prejuízo se este já se produziu.

A lesão efectuada só pode fundamentar a providência se houver justo receio de outras lesões idênticas futuras - neste sentido, vide, Ac. da RL de 8-6- 1993, in CJ de 1993, tomo 3, 123 e Moitinho de Almeida, Providências Cautelares Não Especificadas, pág. 21 a 24.

Para maiores desenvolvimentos vide, Ac da RP de 27/03/95, disponível na INTERNET, na Página da DGSI: « Sumário: I - A providência cautelar não especificada pode ainda ter lugar depois de consumada a violação do direito a acautelar, se com ela se visa impedir a continuação da violação ou a verificação de lesões futuras, o que sucede na exigência de obras que ponham termo a infiltrações de águas pluviais já provocadas.».

Conforme refere Moitinho de Almeida, a providência cautelar não especificada tem quatro requisitos principais e um requisito secundário () Cfr. "Providências Cautelares não Especificadas", Coimbra Editora, 1981, págs. 18 e seguintes.):

1º - Não estar a providência a obter abrangida por qualquer dos outros processos cautelares do Capítulo IV do Título I do Livro III do C.P.C., do que resulta o carácter subsidiário da providência.

2º - A existência de um direito, ou, na terminologia do artigo 401º, "a probabilidade séria da existência do direito" alegadamente ameaçado - fumus boni juris.

3º - O fundado receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação - periculum in mora.

4º - A adequação da providência solicitada para evitar a lesão.

O requisito secundário consiste em não resultar da providência prejuízo superior ao dano que ela visa evitar.

Quanto á decisão de mérito a sentença recorrida deverá ser revogada e o recurso ser procedente, dado que do demonstrado pela Requerente decorre com a necessária nitidez qual o direito que se pretende acautelar – o direito à sua imagem, bom nome e reputação comercial -, quais as lesões ou ameaças de lesão imputadas aos requeridas e ainda os factos indiciárias susceptíveis de configurar um risco de lesão grave e dificilmente reparável desse direito, mormente na sua vertente económico-financeira.

Daqui resulta que também deve ter-se por verificado o pressuposto do periculum in mora; de acordo com as regras da experiência as circunstâncias factuais provadas nos autos, a continuação da conduta dos Requeridos pode implicar uma perda de clientela por parte da Requerente e provocar-lhe prejuízos de difícil reparação (tem de se prevenir a ocorrência de novos danos, bem como o agravamento dos já ocorridos).

Neste sentido e para outros desenvolvimentos, vide o Ac da RP processo: 7323/23.9T8VNG.P1, Relator: ISABEL SILVA, Data do Acórdão: 08-02-2024: Sumário: III - Numa providência cautelar visando a proteção do bom nome, honra e imagem de alguém, e porque se trata de um direito fundamental a todos concedido e protegido constitucionalmente, basta a prova da existência da pessoa para se ter por verificado o fumus boni iuris. A nuance desse direito no que toca às pessoas coletivas, redunda apenas no caráter objetivo do bom nome e da imagem, porque reportados à tutela do prestígio, credibilidade e confiança dos destinatários da sua atividade comercial.

IV - A imputação a uma empresa comercial na área do retalho alimentar da prática reiterada de crimes de especulação de preços e de publicidade enganosa prejudica a sua imagem comercial, lesando também os seus interesses económicos na medida em que abala a confiança dos consumidores e pode conduzir à perda de clientela, devendo ter-se por verificado o periculum in mora.

V - Em caso de colisão de direitos, a opção pelo direito preponderante é sempre efetuada casuisticamente. Na ponderação entre o direito ao bom nome/honra/imagem e o direito à liberdade de expressão e de informação, deve preponderar a cautela daquele, num quadro em que o direito à liberdade de informação é exercido de forma excessiva para os interesses a defender.

VI - O direito de informação reporta-se à informação de factos e/ou ocorrências, e não de imputações.

VII - Na missão de defesa dos consumidores compreende-se a informação, a representação e a defesa dos seus interesses, mas sempre sem prejudicar o seu direito à livre escolha, instruindo-os com determinado tipo de conduta.».

Assim, a decisão recorrida deverá ser revogada e a acção ser julgada procedente. O decretamento da providência pode ser acompanhado da fixação de sanção pecuniária compulsória que se mostre adequada a assegurar a efetividade da providência (artigo 365º, nº 2, do Código de Processo Civil), afigurando-se que a quantia peticionada pela requerente é suficiente no caso para o exercício de tal função.


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V- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, e em consequência, decreta-se a providência cautelar e, em consequência, determina-se, que os requeridos se encontram impossibilitados de fazer declarações públicas difamatórias ou insultuosas, designadamente nas redes sociais Facebook, Instagram, TikTok, YouTube, WhatsApp, Twitter, Reddit e Linkedin, sobre a Requerente. E condena-se os Requeridos no pagamento diário da quantia de € 1.500,00 por toda e qualquer publicação, nos media, nas plataformas, redes sociais e afins, bem como € 50,00 (cinquenta euros) por cada comentário difamatório, insultuoso e/ou por cada republicação, a título de sanção pecuniária compulsória.”.

Custas a cargo dos apelados /recorridos (art. 527º, nºs 1 e 2).

Notifique-se.

Porto, 6/2/2025.

Ana Vieira

Isabel Silva

Paulo Dias da Silva

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[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.