Tendo o sinistrado sofrido um acidente de trabalho que se traduziu em ter caído de um andaime com cerca de 1,90m, quando se encontrava no local de trabalho a desempenhar tarefas como servente de pedreiro para o empregador, sem que tivessem sido por este observadas as pertinentes regras de segurança e saúde no trabalho, para efeitos da aplicação do disposto no art.º 18.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, em particular do Acórdão de 17-04-2024, proc. 179/19.8T8GRD.C1.S1-A (Recurso para Uniformização de Jurisprudência), é de concluir, no contexto em questão - ausência de um (prévio) plano de segurança e saúde no trabalho, falta de intervenção de técnico de segurança na avaliação de riscos e prevenção de sinistros, trabalho realizado em altura, num andaime sem protecção, e sem estar encostado a qualquer parede ou à construção, implicando o trabalho realizado que o sinistrado e colegas se tivessem de baixar para levantar as ripas e ir buscar a massa - que a violação das regras de segurança, se traduziu num aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a ocorrer, verificando-se, assim, o nexo de causalidade entre essa violação e o acidente.
Revista – 4.ª Secção
1.1. AA intentou a presente ação, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra A..., Unipessoal, Lda.. e Generali Seguros, S.A., pedindo que, julgando-se procedente a presente ação:
“ a) Seja considerado que estamos perante um acidente de trabalho que resultou na morte do sinistrado;
b) Seja considerado que houve atuação culposa pelo empregador, pela infração de regras de segurança;
c) Seja considerado que a retribuição anual do trabalhador não corresponde à constante nos recibos de remunerações, mas corresponde outrossim ao valor de 17930,10 €, incluindo os subsídios de refeições, férias e Natal.
d) Seja atribuída à beneficiária uma pensão por morte vitalícia no valor da totalidade da retribuição do sinistrado, sendo:
• Ambos os RR. condenados a pagar solidariamente 30% da totalidade da retribuição até que a beneficiária perfaça a idade de reforma ou contraia doença que a incapacite de trabalhar, e a partir daí 40% da totalidade da retribuição, tudo nos termos da alínea a) do n.1 do artigo 59º da LAT;
• O 1º R. condenado ao pagamento do remanescente da pensão até perfazer a totalidade do valor da retribuição do sinistrado, ou seja, 70% até que a beneficiária perfaça a idade de reforma ou contraia doença que a incapacite de trabalhar, e a partir daí, 40%, nos termos da aliena a) do n. 4 do artigo 18º da LAT.
e) Sejam os RR. condenados a pagar à beneficiária o subsídio por morte no valor de 5792,28 €, calculado nos termos do n. 2 do artigo 65º da LAT. f) Sejam os RR. condenados a pagar à beneficiária o subsídio por despesas no funeral no valor máximo previsto no artigo 66º da LAT, que é de 1930,76 €.
g) Seja o 1º R. condenado a pagar o remanescente das despesas de funeral no valor de 1034,24 €, nos termos no n.1 do artigo 495º do CC, por remissão do n.1 e n.4 do artigo 18º da LAT, por ter havido atuação culposa do empregador.
h) Seja o 1º R condenado a pagar à beneficiária, a título de danos não patrimoniais pela perda do direito à vida e sofrimento causado à beneficiária pela perda do marido, uma indemnização no valor de 60.000,00 €, nos termos do artigo 496º do CC.
i) Seja o 1º R condenado a pagar à beneficiária, a título de danos não patrimoniais pelo sofrimento e dor física do sinistrado com o acidente e no processo da morte, uma indemnização no valor de 5.000,00 €, nos termos do artigo 496º do CC.
j) Mais requer que todos os valores peticionados sejam acrescidos de juros à taxa legal em vigor, desde o momento do acidente.”
As Rés contestaram. A 1.ª concluiu não ter existido, por parte da mesma, violação de regras de segurança, nem atuação culposa. A 2.ª Ré no sentido de que o acidente se ficou a dever ao incumprimento por parte da 1.ª Ré das obrigações que sobre a mesma recaiam em matéria de segurança e saúde no trabalho.
Notificadas das contestações apresentadas, pronunciaram-se ambas as Rés mantendo as suas posições, aduzindo ainda a 2.ª Ré que a provar-se a versão dos factos apresentados pela 1.ª Ré, deve considerar descaracterizado o acidente de trabalho em causa.
A Autora, por seu turno, pronunciou-se contrariando a posição invocada pela 1.ª Ré.
Teve lugar a audiência de julgamento.
Proferida sentença nela se finalizou com o seguinte dispositivo:
“1. Reconhecer que BB sofreu, no dia 29 de Setembro de 2020, um acidente de trabalho, de que resultou a sua morte em ... de Setembro de 2020;
2. Considerar verificados os pressupostos de que depende a responsabilidade agravada da 1.ª Ré, António Manuel dos Santos Maria, Unipessoal, Lda., nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18º, n.º 1 da L.A.T.; E em consequência:
3. Condenar a 1.ª Ré, A..., Unipessoal, Lda., a pagar à Autora, AA:
a) uma pensão anual, vitalícia e atualizável, no montante de € 11.351,22 (onze mil, trezentos e cinquenta e um euros e vinte e dois cêntimos), devida a partir de 1 de Outubro de 2020, atualizada para € 11.474,73 (onze mil, quatrocentos e setenta e quatro euros e setenta e três cêntimos) a partir de 1 de Janeiro de 2022, para € 12.438,61 (doze mil, quatrocentos e trinta e oito euros e sessenta e um cêntimos) a partir de 1 de Janeiro de 2023, e para € 13.184,93 (treze mil, cento e oitenta e quatro euros e noventa e três cêntimos) a partir de 1 de Janeiro de 2024, a ser paga adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação 1/14 da pensão anual, sendo que nos meses de Junho e ... deverão acrescer mais 1/14, a título, respetivamente, de subsídio de férias e de Natal, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos e vincendos desde a data de vencimento de cada prestação até integral pagamento;
b) a quantia de € 1.034,24 (mil e trinta e quatro euros e vinte e quatro cêntimos), a título de reparação por despesas de funeral, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos e vincendos desde a data da citação desta Ré até integral e efetivo pagamento;
c) a quantia de € 1.930,76, a título de subsídio por despesas de funeral, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos e vincendos desde 1 de Outubro de 2020 até integral e efetivo pagamento;
d) a quantia de € 5.792,28 (cinco mil, setecentos e noventa e dois euros e vinte e oito cêntimos), a título de subsídio por morte, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos e vincendos desde 1 de Outubro de 2020 até integral e efetivo pagamento.
4. Condenar a 2.ª Ré, Generali Seguros, S.A., solidariamente com a 1.ª Ré, ficando com direito de regresso sobre esta caso proceda ao pagamento, no pagamento à Autora AA das prestações referidas em 3., com exceção da referida em b), até aos seguintes limites:
a) Uma pensão anual, vitalícia e atualizável, correspondente a 30% da retribuição de BB, no montante de € 3.405,37 (três mil, quatrocentos e cinco euros e trinta e sete cêntimos) devida a partir de 1 de Outubro de 2020, atualizada para € 3.439,42 (três mil, quatrocentos e trinta e nove euros e quarenta e dois cêntimos) a partir de 1 de Janeiro de 2022, para € 3.728,33 (três mil, setecentos e vinte e oito euros e trinta e três cêntimos) a partir de 1 de Janeiro de 2023, e para € 3.952,04 (três mil, novecentos e cinquenta e dois euros e quatro cêntimos) a partir de 1 de Janeiro de 2024, a ser paga adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação 1/14 da pensão anual, sendo que nos meses de Junho e ... deverão acrescer mais 1/14, a título, respetivamente, de subsídio de férias e de Natal, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos e vincendos desde a data de vencimento de cada prestação até integral pagamento, até perfazer a idade da reforma por velhice, e correspondente 40% da retribuição de BB (€ 4.540,49 - quatro mil, quinhentos e quarenta euros e quarenta e nove cêntimos), atualizável, a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho;
b) A quantia de € 1.930,76, a título de subsídio por despesas de funeral, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos e vincendos desde 1 de Outubro de 2020 até integral e efetivo pagamento;
c) A quantia de € 5.792,28 (cinco mil, setecentos e noventa e dois euros e vinte e oito cêntimos), a título de subsídio por morte, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos e vincendos desde 1 de Outubro de 2020 até integral e efetivo pagamento”.
Inconformada com esta decisão dela recorreu para a Relação a 1.ª Ré.
O Tribunal da Relação de Lisboa veio a proferir acórdão nos seguintes termos:
“Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, alterar a sentença revogando os segmentos 2 e 3 do decisório e modificando o segmento 4, que passa a ter a seguinte redação:
- Condena-se a 2.ª Ré, Generali Seguros, S.A. no pagamento à Autora AA das seguintes prestações:
a) Uma pensão anual, vitalícia e atualizável, correspondente a 30% da retribuição de BB, no montante de € 3.405,37 (três mil, quatrocentos e cinco euros e trinta e sete cêntimos) devida a partir de 1 de Outubro de 2020, atualizada para € 3.439,42 (três mil, quatrocentos e trinta e nove euros e quarenta e dois cêntimos) a partir de 1 de Janeiro de 2022, para € 3.728,33 (três mil, setecentos e vinte e oito euros e trinta e três cêntimos) a partir de 1 de Janeiro de 2023, e para € 3.952,04 (três mil, novecentos e cinquenta e dois euros e quatro cêntimos) a partir de 1 de Janeiro de 2024, a ser paga adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação 1/14 da pensão anual, sendo que nos meses de Junho e Novembro deverão acrescer mais 1/14, a título, respetivamente, de subsídio de férias e de Natal, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos e vincendos desde a data de vencimento de cada prestação até integral pagamento, até perfazer a idade da reforma por velhice, e correspondente 40% da retribuição de BB (€ 4.540,49 - quatro mil, quinhentos e quarenta euros e quarenta e nove cêntimos), atualizável, a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho;
b) A quantia de € 1.930,76, a título de subsídio por despesas de funeral, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos e vincendos desde 1 de Outubro de 2020 até integral e efetivo pagamento;
c) A quantia de € 5.792,28 (cinco mil, setecentos e noventa e dois euros e vinte e oito cêntimos), a título de subsídio por morte, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos e vincendos desde 1 de Outubro de 2020 até integral e efetivo pagamento.
Custas por ambas as Apeladas, na proporção de ½ para cada uma.”
1.2. Inconformada com este acórdão, dele recorre a Autora, concluindo o seguinte:
A. No Douto Acórdão acolheu-se o entendimento de que não se pode imputar ao empregador a violação de regras de segurança se, dispondo de guardas de proteção na obra, os trabalhadores não os colocarem.
B. Com todo o respeito, que é muito, tal conclusão parte do pressuposto, não provado, de que as guardas existentes na obra eram aptas a proteger os trabalhadores.
C. O plano de segurança elaborado para esta obra (logo após o acidente) refere que “Utilizar apenas plataformas de trabalho e andaime com proteções superiores, laterais e de topo a 1m da plataforma, proteções intermédias, laterais e de topo a 47 cm da plataforma e rodapé lateral e de topo com altura de 15 cm. Sempre que os andaimes e plataformas de trabalho não ofereçam condições de segurança usar arnês de segurança com corda de amarração e, se necessário linha de vida, presa a um ponto de amarração com resistência suficiente para suportar o impacto da queda.”.
D. Antes demais, ficou provado que não existia linha de vida na obra, pelo que um dos meios que seria apto a evitar a morte, segundo a técnica autora do plano de segurança, não estava disponível na obra.
E. A testemunha CC disse inequivocamente que o andaime na obra não tinha rodapés, e que tinha apenas um nível de guarda-corpos a 1 metro acima da plataforma.
F. O que não preenche a recomendação da técnica do empregador que elaborou o plano de segurança para esta obra, no qual prescreveu 3 níveis de guardas de proteção para salvaguardar a segurança dos trabalhadores, um rodapé, um intermédio e o normal.
G. Ficou provado que a vítima caiu para o lado da viga de cumeeira, ou seja, o seu corpo terá passado entre a plataforma de andaime e a viga de cumeeira antes de embater no chão.
H. Ficou provado que o andaime estava a 1,90 metros do chão e que o topo da viga de cumeeira estava a 3,10 metros do chão.
I. Tendo em conta que a viga de cumeeira tinha 40 cm de altura, conforme disse a testemunha DD, então o trabalhador passou por uma abertura de 80 cm antes de embater no chão, conforme a referida testemunha concluiu.
J. Se os guardas-corpos que lá estavam na obra são colocados a 1 metro de altura em relação à plataforma, até ficariam acima da altura a que o trabalhador passou em queda em direção ao solo.
K. Pelo que as guardas que estavam disponíveis no local também não eram aptas a proteger a queda em causa, porque o trabalhador passou em altura inferior às referidas guardas.
L. Note-se que o trabalho em curso implicava o agachamento constante para apanhar as ripas na plataforma.
M. Teria de lá estar na obra um modelo de andaime com guarda-corpos intermédios e rodapé, além do rodapé convencional a 1 metro de altura, conforme recomendado no plano de segurança.
N. Se este plano tivesse sido feito antes do acidente, e disponibilizado aos trabalhadores antes do acidente, teriam estes ficado a saber que o andaime que lhes disponibilizaram não era adequado, por não permitir outros níveis de guarda.
O. E o trabalhador CC justificou porque é que não colocou os guarda-corpos que lá estavam, e não foi só porque não lhes apeteceu.
P. Segundo a testemunha CC, não seria possível montar o guarda-corpos disponível em obra, porque dada a sua altura, iria bater nas ripas de cobertura que lá estavam.
Q. Tese esta que foi também explicada pela testemunha DD.
R. Pelo que era indispensável haver na obra um andaime com níveis de proteção mais abaixo, o que não aconteceu.
S. A autora deste plano, a testemunha DD, admite no seu depoimento que houve uma falha ao não ter o empregador feito um plano de segurança.
T. Com o devido respeito, que é muito, a recorrente entende que devem ser cumpridas todas as normas de segurança legalmente previstas, porque todas eles, isoladamente ou em conjunto, são aptas a evitar a morte dos trabalhadores.
U. E para além da questão do andaime, houve mais normas legais preteridas.
V. Foram violadas as regras de segurança previstas no n.º 1 do artigo 11º do Decreto-Lei n. 273/2003 de 29 de Outubro, no artigo 37º do Decreto-Lei n. 50/2005 de 25 de fevereiro, o n.3 do artigo 37º do Decreto-Lei n.50/2005 de 25 de fevereiro, o n. 3 do artigo 43º do Decreto-Lei n. 50/2005 de 25 de fevereiro, o n. 1 do artigo 40º do Decreto-Lei n. 50/2005 de 25 de fevereiro e artigo 5º do Decreto n.º 41821/58, de 11 de agosto, o n.2 do artigo 36º do Decreto-Lei n. 50/2005 de 25 de fevereiro, o artigo 11º da Portaria n. 101/96 de 3 de Abril, o artigo 42º do Decreto-Lei n. 50/2005 de 25 de Fevereiro, o artigo 5º do Decreto-Lei n. 50/2005 de 25 de fevereiro, o n.1 do artigo 6º do Decreto-Lei n. 50/2005 de 25 de fevereiro, o artigo 8º do Decreto-Lei n. 50/2005 de 25 de fevereiro, o n.1 do artigo 41º do Decreto-Lei n. 50/2005 de 25 de fevereiro e artigos 3.º, 9.º, 17.º e 19º do Decreto n.º 41821/58, de 11 de agosto.
W. Regras de segurança estas que, se tivessem sido cumpridas, teriam com toda a probabilidade evitado a morte de BB.
Face ao exposto, requer seja revogado o Douto Acórdão Recorrido e seja mantida a decisão proferida na sentença de 1ª instância.
ASSIM DECIDINDO FARÃO V. EXAS. VENERANDOS JUIZES CONSELHEIROS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA A ACOSTUMADA JUSTIÇA!
1.3. Também inconformada com o acórdão do Tribunal da Relação dele recorre a 2.ª Ré, formulando as seguintes conclusões:
A. A decisão recorrida viola o disposto nos artigos 3.°, 6.°, 36.°, 37.° e 40.°, do Decreto-Lei n.° 50/2005, de 25 de fevereiro, artigo 5.° do Decreto n.° 41821/58, de 11 de agosto, artigo 11.° da Portaria n.° 101/96, de 3 de abril, artigo 281.° do Código do Trabalho, artigo 15.°, Lei n.° 102/2009, de 10 de setembro e artigo 18.° Lei n.° 98/2009, de 4 de setembro;
B. Ao contrário do que concluiu o Tribunal “a quo”, como resulta da matéria provada na sentença do Tribunal de 1.ª Instância, o sinistrado e o colega não tinham formação para proceder à montagem do andaime que esteve envolvido no acidente de trabalho, uma vez que o mesmo não era certificado e a montagem não era tipo standard, mas sim num local de alto risco, não ladeado por quaisquer paredes.
C. Essa montagem competia, assim, a uma pessoa competente com formação específica adequada sobre os riscos dessas operações e sob a direção de um técnico responsável, legalmente idóneo, e sempre competia à Recorrida proceder à sua verificação, antes do início dos trabalhos.
D. Ao contrário do que concluiu o Tribunal “a quo”, a circunstância de na obra “existiam tábuas laterais, para instalação de guardas”, era absolutamente irrelevante, no caso concreto, uma vez que mesmo que tivessem sido instaladas, não teriam evitado a queda do trabalhador sinistrado, já que estas, também conhecidas como rodapés, são instaladas a 15/20 cm da base da plataforma, visando evitar a queda de materiais e ferramentas, e não de pessoas.
E. O que deveria ter sido disponibilizado pela Recorrida aos trabalhadores era, antes, guarda-corpos laterais (que deveria sempre garantir que eram instalados), ou arneses de segurança e linha de vida, o que se demonstrou que não foi efetuado.
F. Ficando a queda do sinistrado a dever-se à inexistência de uma qualquer medida de proteção individual e/ou coletiva, sendo que era à Recorrida que competia garantir a instalação desses meios de proteção, não havia como não concluir pela violação das normas citadas em A., tal como exposto na sentença proferida em 1.ª Instância.
G. Assim sendo, mal andou o Tribunal “a quo” ao julgar procedente o recurso interposto pela ora Recorrida da sentença proferida em 1.ª Instância, devendo a presente revista ser julgada totalmente procedente e, em consequência, ser acórdão proferido revogado e reconhecida a responsabilidade da entidade empregadora, nos termos do artigo 18.º da L.A.T, bem como o direito de regresso da Recorrente.
Nestes termos, e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deverá a presente Revista ser julga procedente, sendo o acórdão reformulado nos termos supra referidos, só assim se fazendo a costumada Justiça!
1.4. A 1.ª Ré respondeu a ambos os recursos com vista ao seu não provimento.
1.5. Os recursos foram admitidos na espécie, efeito e regime de subida adequados.
1.6 Remetidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça deles teve vista o Exmo. Procurador-Geral Adjunto que emitiu douto parecer no sentido da procedência de ambos os recursos, revogando-se o acórdão recorrido, e repristinando-se a sentença de 1.ª instância.
1.7. A 1.ª Ré respondeu ao parecer no sentido da manutenção do decidido no acórdão recorrido.
1.8. Teve lugar a conferência.
2. Objecto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado. Assim, a questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se entidade empregadora pode ser responsabilizada pelas consequências do acidente nos termos do art.º 18.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro (LAT).
3. Fundamentação de facto
Encontram-se provados os seguintes factos:
1. BB nasceu no dia ... de Dezembro de 1968;
2. Faleceu em ... de Setembro de 2020, no estado de casado com AA, nascida em ... de Maio de 1965;
3. BB tinha 1,71 metros de altura e pesava 83 kg.;
4. No dia 29 de Setembro de 2020, pelas 18 horas, BB sofreu uma queda em altura, quando trabalhava, como servente de pedreiro, sob as ordens, direção, autoridade e fiscalização de A..., Unipessoal, Lda. (1.ª Ré), numa obra de construção de uma moradia unifamiliar, sita na Rua ..., ...;
5. Tal obra foi adjudicada a A..., Unipessoal, Lda. (1.ª Ré), na qualidade de “empreiteiro”, por meio de “contrato de empreitada de obra particular”, por EE, na qualidade de “dono de obra”;
6. Na data referida em 4., BB e CC, colegas de trabalho, encontravam-se a proceder à colocação de ripas sobre as vigotas na zona da cumeeira;
7. Para o efeito, utilizavam como plataforma de trabalho um nível de andaime com 1,90 metros de altura, 2,15 metros de comprimento e 0,90 metros de largura;
8. O andaime era composto de dois painéis laterais de aproximadamente 2,20 metros e de duas cruzetas;
9. A parede cumeeira media 3,10 metros de altura;
10. No momento que precedeu a queda, BB e CC encontravam-se em cima do andaime referido em 7., um de cada lado e no meio eram colocadas, pelo trabalhador FF, as ripas e a estância com a massa de cimento;
11. Para execução do trabalho referido em 6., BB e CC tinham que se baixar, em cima do andaime, para levantar as ripas e ir buscar a massa;
12. O andaime referido em 7. foi montada, no dia em que ocorreu o evento referido em 4., por BB e CC;
13. No andaime não foram colocadas guardas de proteção;
14. BB e CC, quando montaram o andaime, entenderam não ser de colocar guardas de proteção, por considerarem que não havia espaço para o efeito;
15. O andaime não estava preso à construção, nem ao solo, mas apenas apoiado no solo;
16. Nenhuma das laterais do andaime encostava a uma parede;
17. Na obra existiam tábuas laterais, para instalação de guardas, e arneses disponibilizados pela A..., Unipessoal, Lda. (1.ª Ré);
18. A A..., Unipessoal, Lda. (1.ª Ré) não procedeu à verificação ao andaime, antes do início da sua utilização por BB e CC;
19. Quando estavam de pé em cima do andaime, BB e CC ficavam a uma altura superior às vigas que ficavam em seu redor, quando se baixavam nos termos referidos em 11. ficavam abaixo da altura dessas vigas;
20. BB não usava arnês e não havia linha de vida;
21. BB usava capacete, luvas e botas de segurança;
22. BB caiu do andaime referido em 7. para o pavimento, para o lado da parede da cumeeira;
23. Aquando da queda de BB o andaime não tombou, nem se mexeu;
24. Como consequência da queda, BB sofreu as lesões descritas no relatório de autopsia, cuja cópia se encontra junta ao processo eletrónico a 19 de Maio de 2022 (referência n.º ...38) e ao suporte físico dos autos a fls. 140 a 144, que aqui se dá por integralmente reproduzido, que lhe determinaram a morte;
25. BB e CC tinham formação técnica para montagem de andaimes “normalizados de acordo com o estabelecido documento normativo UNE –EN ...05 (EN ... 03), adotado por o comité Europeu de Normalização (C.E.N.) de 9 de Fevereiro de 1988”;
26. BB e CC receberam formação e informação sobre segurança na construção civil, nos termos constantes dos documentos juntos a fls. 83 verso a 89, 310, 310 verso, 321 verso a 325, prestada pela R..., Lda. entidade que presta serviços de segurança e saúde no trabalho à A..., Unipessoal, Lda. (1.ªa Ré);
27. Aquando da visita dos inspetores da Autoridade para as Condições do Trabalho ao local do acidente, melhor identificado em 4., já havia sido desmontado o andaime mencionada em 7.;
28. No dia 29 de Setembro de 2020, encontrava-se em vigor um contrato de seguro, do ramo de acidente de trabalho, celebrado entre A..., Unipessoal, Lda. (1.ª Ré) e a Seguradoras Unidas, S.A. (atualmente Generali Seguros, S.A.) (2.ª Ré), titulado pela apólice n.º ...39, na modalidade de prémio variável, nos termos do qual a primeira transferiu para a segunda a responsabilidade sinistral decorrente de acidentes de trabalho, sendo BB uma das pessoas seguras, com base na retribuição total anual de € 11.351,22, correspondente ao salário base de € 700,00 x 14 meses, acrescido do subsídio de alimentação de € 141,02 x 11 meses;
29. À referida data, BB auferia a retribuição anual de € 11.351,22, correspondente a € 700,00 x 14 meses (salário base) + € 141,02 x 11 meses (subsídio de alimentação);
30. As despesas com o funeral de BB foram suportadas por AA e cifram-se na quantia de € 2.965,00;
31. A solicitação de EE, dono da obra, foi elaborado, em Maio de 2019, o plano de segurança e saúde (em fase de projeto) cuja cópia se encontra junta ao suporte físico dos autos a fls. 313 verso a 319;
32. À data referida em 4. não existia plano de segurança e saúde desenvolvido e especificado para a fase da obra - Desenvolvimento do Plano de Segurança e Saúde em obra (DPSS) -, que apenas foi elaborado posteriormente, nos termos do documento junto ao suporte físico dos autos a fls. 101 a 116 verso, datado de 30 de Setembro de 2020;
33. O DPSS referido no número na “Identificação de Perigos e Avaliação de Riscos”, identifica na “Atividade” “Executar Cobertura”, como “Perigo” “Improvisar plataformas de trabalho”, como “Risco” “Queda com Desnível”, indicando como “Medidas de Controlo” “Utilizar apenas plataformas de trabalho e andaimes com proteções superiores, laterais e de topo a 1 metro da plataforma, proteções intermédias laterais e de topo a 47 cm da plataforma e rodapé lateral e de topo com altura de 15 cm. Garantir acessos seguros aos andaimes e plataformas de trabalho optando sempre por escada interior. Assegurar plataformas de trabalho fixas, completamente assoalhadas e com largura mínima de 80 cm. Repartir a carga uniformemente pela plataforma de trabalho. Não sobrecarregar os andaimes e plataformas de trabalho. Não montar, nem utilizar, andaimes desnivelados. Usar escadas e escadotes apenas como meios de acesso, nunca como plataforma de trabalho. Sempre que os andaimes e plataformas de trabalho não ofereçam condições de segurança usar arnês de segurança com corda de amarração e, se necessário, linha de vida, presa a ponto de amarração com resistência suficiente para suportar o impacto da queda”;
34. A A..., Unipessoal, Lda. (1.ª Ré) dispunha de documento de “Identificação de Perigos e Avaliação de Riscos”, com última revisão, à data do evento referido em 4., de 9 de Abril de 2020, nos termos constantes de fls. 325 verso a 434 do suporte físico dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
35. A A..., Unipessoal, Lda. (1.ª Ré) era preocupada com a segurança dos seus trabalhadores, que alertava para a necessidade de uso dos equipamentos de segurança.
36. O andaime referido em 7. não era certificado.
4. Fundamentação de Direito
Da responsabilidade da empregadora pelas consequências do acidente nos termos do art.º 18.º da LAT.
No caso em apreço, é inequívoco, face à factualidade provada, que o acidente sofrido pelo marido da Autora, BB em 29.09.2020, ocorreu no tempo e no local de trabalho, tendo o mesmo produzido directamente lesões de que resultou a sua morte, sendo por isso de qualificar como acidente de trabalho (art.º 8.º da LAT).
Importa apurar se tal acidente, como pretendem os recorrentes, se ficou a dever à violação das regras de segurança no trabalho por parte da empregadora, a 1.ª Ré. Isto é, se ao caso se aplica o disposto no art.º 18.º da LAT.
A sentença de 1.ª instância entendeu que se mostravam violadas as regras da segurança e saúde no trabalho, tendo feito constar designadamente o seguinte:
“Verificada a violação de regras de segurança por parte da 1.ª Ré cumpre apurar da existência de nexo de causalidade entre a omissão e o sinistro. Dito de outra forma terá de se demonstrar que o sinistro ocorreu como concretização de um risco existente por incumprimento daquelas regras.
Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16, de Novembro de 2017, processo n.º 63/14.1TTGMR.G1, disponível in www.dgsi, “Com efeito, como já acima referimos, não basta que se verifique a inobservância de uma qualquer regra sobre segurança, higiene e saúde o trabalho imputável ao empregador para que este possa ser responsabilizado de forma agravada pelas consequências do acidente, é imprescindível que se alegue e se prove o nexo de causalidade entre a inobservância das regras e a produção do acidente por força do estabelecido no citado artigo 18.º da NLAT.
O artigo 563.º do Código Civil sob a epígrafe “Nexo de causalidade”, ao prever que “[a] obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, alicerçando a solução legislativa na probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão, revela que foi acolhida a teoria da causalidade adequada, na sua formulação mais generalizada e segundo a qual só deve considerar-se como causa jurídica do prejuízo a condição que, pela sua natureza e em face das circunstâncias do caso, se mostre apropriada para o gerar, razão pela qual, no juízo de prognose a realizar, se deve ponderar se, em condições regulares, o resultado lesivo é uma consequência normal típica, provável da conduta ou omissão concretamente verificada.”
Ora, não podia a 1.ª Ré ignorar que sobre si recaía o dever, reiteradamente afirmado na lei, de actuar activamente, planeando o trabalho em causa de modo a identificar e prevenir os riscos que a sua realização iria envolver, designadamente, os de queda em altura, para depois assegurar as medidas de segurança essenciais, adequadas e eficazes a prevenir o elevado risco de queda, as quais em princípio deveriam ser de protecção colectiva ou em caso de impossibilidade de uso daquelas, e apenas perante essa impossibilidade, recorrendo a medidas individuais. Essas medidas de segurança adequadas, a serem definidas na organização e planeamento do trabalho, envolviam, desde logo, a necessidade de escolher o equipamento mais apropriado para os trabalhadores executarem, à altura a que se encontravam, as diversas tarefas necessárias a realizarem o serviço em causa, de modo a estarem asseguradas as condições de trabalho seguras. A finalidade é eliminar ou minimizar o risco na origem. A completa omissão pela entidade empregadora (1.ª Ré) do cumprimento dos deveres de identificar antecipadamente os riscos, designadamente, de queda em altura, bem assim de organizar e planear o trabalho de modo a eliminá-los ou, pelo menos, a reduzi-los tanto quanto possível, em conformidade com as regras legais definidas para o efeito, levou a que a probabilidade objectiva de ocorrer um acidente de trabalho, designadamente, de queda em altura, devido a essa omissão de medidas, fosse muito elevada. Perante a ausência de medidas de protecção – colectivas e/ou individuais – BB não tinha nada que impedisse a sua queda o que acabou por ser causa da sua morte.
Muito além da causalidade sine qua non cumpre observar a “teoria da causalidade adequada”, expressamente acolhida no artigo 563º do Código Civil. Para o efeito terá que se atender a todo o processo causal para concluir que, em abstracto, a acção ou omissão era adequada a produzir aquele resultado.
Nestas circunstâncias, é de concluir pela existência de nexo de causalidade entre a omissão daquele conjunto de deveres e a ocorrência do acidente que vitimou BB.
Por conseguinte, deve a 1.ª Ré ser responsabilizada pelas prestações estabelecidas no disposto no artigo 18º da LAT.
O acórdão recorrido, concluiu, pelo contrário, que “No caso em apreciação estavam a ser executados trabalhos em altura, utilizando-se como plataforma de trabalho um andaime com 1,90m de altura, exigindo os trabalhos em desenvolvimento que os trabalhadores ali colocados se baixassem para levantar ripas e pegar na massa. Este andaime, montado também pela própria vítima, não comportava guardas de proteção. E não as comportava porque os trabalhadores envolvidos na montagem entenderam não ser de colocar guardas de proteção por considerarem que havia espaço para o efeito, muito embora na obra existissem tábuas laterais para instalação de guardas, e também arneses. Ou seja, na avaliação de riscos que efetuaram, estes trabalhadores, entre os quais a infeliz vítima, consideraram desnecessária a colocação de guardas de proteção. Não obstante terem formação técnica para montagem de andaimes (de certa categoria) e formação sobre segurança na construção civil. (…) No circunstancialismo supra mencionado, sabendo-se que havia formação adequada à montagem de andaimes - muito embora aquele a partir do qual ocorreu a queda não seja certificado, como aqueles sobre os quais foi ministrada a formação -, sabendo-se que os trabalhadores envolvidos receberam formação e informação sobre segurança na construção civil, sabendo-se que a empregadora dispunha dos necessários meios na obra, sabendo-se que os trabalhadores envolvidos na montagem consideraram desnecessária a colocação de guardas de proteção - o que poderia ter sido realizado utilizando as tábuas que ali estavam disponíveis- não vemos como imputar à Empregadora a violação de alguma concreta norma de segurança”.
Determina o art.º 18.º, que se “o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão de obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.
Nestas situações a reparação é agravada como previsto no n.º 4 do aludido preceito e, nos termos do artigo 79.º, n.º 3, do mesmo diploma, “a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso”.
A propósito desta temática tem o Supremo Tribunal de Justiça vindo a considerar o seguinte (Vd. o Acórdão de 03.11.2023, proc. 151/21.8T8OAZ.P1.S1, www.dgsi.pt):
A responsabilidade agravada do empregador pode ter dois fundamentos autónomos: i) um comportamento culposo da sua parte (a título de dolo ou negligência), criador de uma situação de perigo; ou ii) a violação pelo empregador de regras de segurança ou saúde no trabalho que ele estivesse diretamente obrigado a observar e de cuja omissão resulte o acidente (hipótese em que é desnecessária prova da culpa, bastando que o acidente decorra da esfera de risco criada, o contrário do que acontece naquele primeiro caso).
Ambos os fundamentos exigem (para além do “comportamento culposo” ou da violação normativa) a prova do nexo causal entre determinada conduta (ato ou omissão) e o acidente.
O ónus de alegar e provar os factos que agravam a responsabilidade do empregador compete a quem disso tirar proveito, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.
No que se refere ao regime legal das condições de segurança e saúde no trabalho, em termos de enquadramento e conforme também referido no Acórdão de 25.10.2018, proc. 92/16.0T8BGC.G1.S2, www.dgsi.pt.
O direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde está consagrado no artigo 59.º n.º 1, alínea c), da Constituição da República Portuguesa, resultando igualmente da alínea f), do n.º 1 do mesmo artigo, o direito dos trabalhadores à assistência e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais de que sejam vítimas.
Por sua vez, o Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, consagra no artigo 127.º, n.º 1, alínea h), que o empregador deve adotar as medidas de segurança e saúde no trabalho que decorram da lei ou da regulamentação coletiva aplicável.
E do n.º 1 do artigo 281.º do mesmo diploma resulta que o trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança e saúde, devendo o empregador assegurar-lhe condições de segurança e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção (nº 2), regulando a lei os modos de organização e funcionamento dos serviços de segurança e saúde no trabalho que o empregador deve assegurar.
A Lei 102/2009, de 10 de Setembro, veio estabelecer o regime jurídico da promoção e prevenção da segurança e da saúde no trabalho, consagrando no nº 1 do seu artigo 5º que o trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, que deverão ser asseguradas pelo empregador.
E o art.º 15.º impõe ao empregador que assegure ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho (n.º 1), devendo igualmente zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador (n.º 2).
Prescreve o referido n.º 2 do art.º 15.º o empregador deve observar entre outros, os seguintes princípios gerais de prevenção: identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos [alínea a)]; integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adotar as medidas adequadas de proteção [alínea b)]; combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de proteção [alínea c)]; adaptação do trabalho ao homem, especialmente no que se refere à conceção dos postos de trabalho, à escolha de equipamentos de trabalho e aos métodos de trabalho e produção [alínea e)]; substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso [alínea g)]; priorização das medidas de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual [alínea h)]; e elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador [alínea i)].
Há ainda a considerar o DL 50/2005, de 25 de Fevereiro, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, em cujo art.º 2.º se definem conceitos relevantes, no termos seguintes:
Equipamento de trabalho, qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho [alínea a)];
Utilização de um equipamento de trabalho, qualquer atividade em que o trabalhador contacte com um equipamento de trabalho, nomeadamente a colocação em serviço ou fora dele, o uso, o transporte, a reparação, a transformação, a manutenção e a conservação, incluindo a limpeza [alínea b)];
Zona perigosa, qualquer zona dentro ou em torno de um equipamento de trabalho onde a presença de um trabalhador exposto o submeta a riscos para a sua segurança ou saúde [alínea c)].
Nos termos do art.º 3.º desse diploma, para “assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve: a) assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efetuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização; b) atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização; c) tomar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho, bem como os princípios ergonómicos; d) quando os procedimentos previstos nas alíneas anteriores não permitam assegurar eficazmente a segurança ou a saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos de trabalho, tomar as medidas adequadas para minimizar os riscos existentes; e) assegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10.º a 29.º e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores.
O diploma concretiza ainda os requisitos mínimos de segurança dos equipamentos de trabalho (artigos 10.º a 29.º) e das regras de utilização dos equipamentos de trabalho (artigo 30.º a 42.º), de onde se destacam, para o que ora releva, o seguinte:
O disposto no art.º 15.º n.º 1: “O equipamento de trabalho que provoque riscos devido a quedas ou projeções de objetos deve dispor de dispositivos de segurança adequados”.
O preceituado no art.º 30.º alínea a): “A fim de proteger a segurança dos operadores e de outros trabalhadores, os equipamentos de trabalho devem (…) ser instalados, dispostos e utilizados de modo a reduzir os riscos”.
O que consta do art.º 36.º, “1- Na situação em que não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras. 2- Na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, o empregador deve dar prioridade a medidas de protecção colectiva em relação a medidas de protecção individual. 3- O dimensionamento do equipamento deve corresponder à natureza dos trabalhos e às dificuldades que previsivelmente ocorram na sua execução, bem como permitir a circulação de trabalhadores em segurança”.
O consignado no art.º 37.º “ 1 - As medidas de protecção colectiva destinadas a limitar os riscos a que os trabalhadores que executam trabalhos temporários em altura estão sujeitos devem atender ao tipo e características dos equipamentos de trabalho a utilizar. 2 - Sempre que a avaliação de riscos considere necessário, devem ser instalados dispositivos de protecção contra quedas, com configuração e resistência que permitam evitar ou suster quedas em altura (…). 4 - Se a execução de determinados trabalhos exigir, tendo em conta a sua natureza, a retirada temporária de dispositivos de protecção colectiva contra quedas, o empregador deve tomar outras medidas de segurança eficazes e, logo que a execução dos trabalhos termine ou seja suspensa, instalar esses dispositivos.
E, por sua vez, o disposto no art.º 42.º “1 - As dimensões, forma e disposição das plataformas do andaime devem ser adequadas ao trabalho a executar e às cargas a suportar, bem como permitir que os trabalhadores circulem e trabalhem em segurança. (…). 3 - Entre os elementos das plataformas e os dispositivos de protecção colectiva contra quedas em altura não pode existir qualquer zona desprotegida susceptível de causar perigo”.
Determina por seu turno o art.º 11.º do DL 273/2003, de 29 de Outubro (Condições de segurança e de saúde no trabalho em estaleiros temporários ou móveis)
1 - A entidade executante deve desenvolver e especificar o plano de segurança e saúde em projecto de modo a complementar as medidas previstas, tendo nomeadamente em conta:
a) As definições do projecto e outros elementos resultantes do contrato com a entidade executante que sejam relevantes para a segurança e saúde dos trabalhadores durante a execução da obra;
b) As actividades simultâneas ou incompatíveis que decorram no estaleiro ou na sua proximidade;
c) Os processos e métodos construtivos, incluindo os que exijam uma planificação detalhada das medidas de segurança;
d) Os equipamentos, materiais e produtos a utilizar;
e) A programação dos trabalhos, a intervenção de subempreiteiros e trabalhadores independentes, incluindo os respectivos prazos de execução;
f) As medidas específicas respeitantes a riscos especiais;
g) O projecto de estaleiro, incluindo os acessos, as circulações, a movimentação de cargas, o armazenamento de materiais, produtos e equipamentos, as instalações fixas e demais apoios à produção, as redes técnicas provisórias, a evacuação de resíduos, a sinalização e as instalações sociais;
h) A informação e formação dos trabalhadores;
i) O sistema de emergência, incluindo as medidas de prevenção, controlo e combate a incêndios, de socorro e evacuação de trabalhadores.
2 - O plano de segurança e saúde para a execução da obra deve corresponder à estrutura indicada no anexo II e ter juntos os elementos referidos no anexo III.
3 - O subempreiteiro pode sugerir e a entidade executante pode promover soluções alternativas às previstas no plano de segurança e saúde em projecto, desde que não diminuam os níveis de segurança e sejam devidamente justificadas.”
Importa ainda atentar no disposto no art.º 11.º da Portaria 101/96, de 03 de Abril (Regulamenta as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis), onde se estipula que:
“1- Sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de protecção colectiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.
2- Quando, por razões técnicas, as medidas de protecção colectiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adoptadas medidas complementares de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável”.
No presente caso, analisando a matéria de facto provada, ao contrário do que foi entendido no acórdão recorrido, não se pode concluir que a entidade empregadora tenha cumprido as regras de segurança a que se encontrava adstrita.
Provou-se que o acidente ocorreu quando estavam a ser executados trabalhos em altura, utilizando-se como plataforma de trabalho um andaime com 1,90 m de altura, mais se tendo provado que o andaime não comportava guardas de proteção porque o sinistrado e os colegas de trabalho que intervieram na sua montagem consideraram não haver espaço para o efeito.
Todavia, há que ter em consideração que o sinistrado tinha apenas formação técnica para montagem de certo tipo de andaimes e formação sobre segurança na construção, mas não relativamente à montagem e uso de andaimes não certificados como era o andaime de onde ocorreu a queda que o vitimou. Por outro lado, se é verdade que o sinistrado não usava arnês, também não havia linha de vida.
Para além disso, não pode olvidar-se que a empregadora não procedeu à verificação ao andaime, antes do início da sua utilização, nem tão pouco à fiscalização da sua montagem pelo trabalhador e pelo seu colega. Acresce que relativamente às tábuas existentes no local nem sequer se demonstra que fosse possível a sua colocação como guardas de protecção, pois o andaime era ocupado pelo sinistrado e mais dois colegas: um em cada lado, sendo que no meio eram colocadas, pelo trabalhador FF, as ripas e a estância com a massa de cimento (pelo que poderá ter sido essa a razão de os trabalhadores não as terem colocado, invocando falta de espaço para o efeito). Anota-se ainda que o trabalho realizado pelo sinistrado e colegas implicava que os mesmos se baixassem em cima do andaime, para levantar as ripas e ir buscar a massa, o que, no contexto em questão, implicava manifesto risco de queda, sendo certo que nenhuma das laterais do andaime encostava a uma parede, e o mesmo não se encontrava preso à construção ou ao solo, mas apenas apoiado no chão. De referir é ainda que relativamente aos trabalhos em questão, não fora elaborado qualquer plano de segurança e saúde desenvolvido e especificado para a fase da obra, nem se verificou a intervenção de qualquer técnico de segurança no trabalho na avaliação de riscos e prevenção.
Com base neste quadro, para além de não terem sido transmitidos ao sinistrado os necessários conhecimentos técnicos (formação) no que concerne à instalação do equipamento utilizado, é de concluir que não se encontravam instalados na obra os equipamentos necessários para prevenir a queda em altura que vitimou o sinistrado.
Cabia, pois, à Ré implementar as medidas necessárias para evitar esse risco, sendo que não resultou provado que in casu a implementação dessas medidas não fosse possível.
Chegados aqui impõe-se agora aquilatar se se verifica o nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança e saúde no trabalho e o acidente em causa.
Nos termos do citado art.º 18.º, da LAT, e tem sido reiteradamente afirmado por este Supremo Tribunal, para ser imputada ao empregador a responsabilidade infortunística agravada prevista na lei reparadora dos acidentes de trabalho, não basta que se prove ter ocorrido violação das regras segurança, exigindo-se, também, a demonstração de que foi do desrespeito por tais regras que resultou o evento danoso.
O art.º 18.° da LAT prevê um agravamento da medida da reparação por acidente de trabalho, já que havendo culpa do empregador, seu representante ou pessoa por ele contratada, passa a existir responsabilidade solidária por todos os danos sofridos pelo sinistrado e não apenas pelos danos resultantes da perda da capacidade de trabalho ou de ganho (artigos 23.º e ss. e 48.º e seguintes da LAT).
Determina o art.º 563.º do Código Civil, que a “obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Consagra-se neste normativo a teoria da causalidade adequada por via da qual se impõe, num primeiro momento, a existência de um facto naturalístico concreto, condicionante de um dano sofrido, para que este seja reparado; e, num segundo momento, que o facto concreto apurado seja, em geral e abstracto adequado e apropriado para provocar o dano (Vd. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Volume I, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, pág. 807).
Na formulação negativa desta teoria, a inadequação de uma causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a sua produção, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias. Assim sendo, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais ou excepcionais, que intervieram no caso concreto (Cfr. entre outros, o Acórdão do STJ de 2024.02.21, proc. 36/21.7T8SNT.L1.S1, www.dgsi.pt).
Como se refere no aludido Acórdão do STJ de 2023.11.03, além de ser condição do dano, é necessário que, “em abstrato, o facto seja idóneo a produzir o tipo de dano ocorrido ou, mais exatamente, que se conclua que provavelmente o lesado não teria sofrido os danos se o facto não tivesse tido lugar (ou, por outras palavras, que o facto não tenha sido indiferente à produção do dano, não tendo este sobrevindo devido à ocorrência de um evento anormal, extraordinário), devendo este juízo de prognose póstuma basear-se naquilo que um observador experiente teria conhecido no momento da prática do facto e ainda naquilo de que o lesante, à data, efetivamente conhecia”.
Relativamente à questão de saber se no caso de violação culposa de regras de segurança do trabalho pelo empregador a imputação do dano ao agente exige que a conduta deste tenha sido condição necessária (conditio sine qua non) da ocorrência do dano, foi pelo Supremo Tribunal de Justiça proferido o Acórdão de 17-04-2024, proc. 179/19.8T8GRD.C1.S1-A (Recurso para Uniformização de Jurisprudência), no sentido de que: “(…) para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador, ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º, n.º 1 da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação”. (Sublinhados nossos).
Atendendo à referida jurisprudência, e a todo o descrito circunstancialismo factual apurado - a ausência de um (prévio) plano de segurança e saúde no trabalho, falta de intervenção de técnico de segurança na avaliação de riscos e prevenção de sinistros, desenvolvendo-se o trabalho em altura, num andaime sem protecção, sem estar encostado a qualquer parede, nem preso à construção, implicando o trabalho que o sinistrado e colegas se baixavam para levantar as ripas e ir buscar a massa - é de concluir no sentido de que a violação das apontadas regras de segurança, se traduziu num aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a ocorrer, verificando-se, assim, o nexo de causalidade entre essa violação e o acidente.
Procede, por conseguinte, a presente questão.
5. Decisão
Em face do exposto julgam-se procedentes os recursos da Autora e da 2.ª Ré, pelo que se revoga o acórdão recorrido, repristinando-se a decisão da 1.ª instância.
Custas pela 1.ª Ré em ambos os recursos.
Lisboa, 2025.02.12
Albertina Pereira (Relatora)
Mário Morgado (1.º Adjunto)
Júlio Gomes (2.º Adjunto)