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FRAUDE DE OBTENÇÃO DE SUBSÍDIO
FEDER
BURLA TRIBUTÁRIA
FRAUDE FISCAL
CONCURSO DE CRIMES
PERDA DE VANTAGEM
ENRIQUECIMENTO ALHEIO
Sumário
1. Apesar da publicação do DL nº 28/84, de 20.01 (regula as Infrações Antieconómicas e contra a Saúde Pública) ser anterior à entrada de Portugal na CEE (atual União Europeia), o art. 21º não estabelece qualquer distinção relativa à origem ou proveniência do subsídio ou subvenção, nele cabendo claramente os subsídios concedidos pela União Europeia ao Estado Português através do FEDER (Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional) que constitui um dos principais instrumentos financeiros da política de coesão da UE com vista à redução dos desequilíbrios entre os níveis de desenvolvimento das regiões europeias e para a melhoria do nível de vida nas regiões menos favorecidas. 2. Numa situação em que a sociedade arguida, aquando da candidatura à obtenção do subsídio, já havia indicado os equipamentos que determinaram a decisão do IAPMEI de os considerar como elegíveis e, com a entrega das faturas (destinadas a criar a aparência da sua aquisição, como novos, pela sociedade arguida, empolando o seu preço com vista à obtenção de um subsídio maior), determinou a consequente decisão de disponibilização do subsídio correspondente, mostram-se preenchidos os pressupostos da prática do crime de fraude na obtenção de subsídio ou de subvenção. 3. Os tipos de crime de burla tributária e fraude fiscal têm elementos comuns mas é, desde logo, diverso o elemento relativo ao propósito da atuação: enquanto que a burla tributária pressupõe o enriquecimento do agente ou de terceiro obtido à custa do património fiscal do Estado, na fraude fiscal a ação do agente visa a diminuição das receitas tributárias. 4. É precisamente na demonstração de que os arguidos atuaram com o propósito de obterem o enriquecimento da sociedade arguida (e não com o propósito de obterem o não empobrecimento da mesma), à custa de terem determinado a administração a efetuar atribuições patrimoniais (consistentes no reembolso do IVA), que reside a verificada incriminação da burla tributária e a não verificação dos elementos do tipo de crime da fraude tributária. 5. Nos crimes de fraude na obtenção de subsídio ou de subvenção e de burla tributária estão em causa tipos penais distintos (cfr. art. 30º do C.Penal) que punem a violação de um bem jurídico diferente: o bem jurídico protegido com a incriminação prevista para o crime de fraude na obtenção de subsídio é a confiança necessária à vida económica e à correta aplicação dos dinheiros públicos no domínio económico, já o bem jurídico protegido com a incriminação prevista para o crime de burla tributária é o património tributário do Estado (a efetiva arrecadação deste imposto por parte do erário público). 6. Apesar de, em ambos os casos, estarem em causa dinheiros públicos, consideram-se momentos e perspetivas completamente diferentes pois o crime de fraude para obtenção de subsídio ou subvenção respeita ao momento da sua aplicação no apoio à atividade económica, já o crime de burla tributária respeita ao momento do reembolso pelo Estado, do que resulta que a condenação dos arguidos pela prática dos mesmos não viola o princípio constitucional ne bis in idem. 7. A perda da vantagem (ou a condenação no pagamento do valor equivalente) não depende da demonstração de um efetivo enriquecimento ou obtenção de benefício pessoal pelo autor do desvio patrimonial e deve ser declarada contra aquele agente que, através de uma atuação típica e ilícita, possibilitou e determinou, com a prática do ilícito-típico, a sua obtenção para si ou para outrem.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO
No Processo nº 374/18.... do Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Central Criminal de Guimarães - Juiz ..., consta da parte decisória do acórdão datado de 09.05.2024, o seguinte:
“Nestes termos, e pelos fundamentos acima expostos, os Juízes que compõem o Tribunal Coletivo julgam a pronúncia procedente, por provada, e em consequência, decidem: 9.A.1 - Condenar o arguido AA pela prática de um crime de Fraude na Obtenção de Subsídio ou Subvenção, p. e p. pelo artigo 36º, nº 1, al. a), n.º 2 e n.º 5, al.a) e n.º 8, al. b), todos do Dec.- Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro e 110.º º n.º 1, al. b) e 4, do Código Penal, na pena de 3 (três anos) de prisão. 9.A.2 - Condenar o arguido BB pela prática de um crime de Fraude na Obtenção de Subsídio ou Subvenção, p. e p. pelo artigo 36º, nº 1, al. a), n.º 2 e n.º 5, al.a) e n.º 8, al. b), todos do Dec.- Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro e 110.º º n.º 1, al. b) e 4, do Código Penal, na pena de 3 (três anos) de prisão. 9.A.3 - Condenar o arguido CC pela prática de um crime de Fraude na Obtenção de Subsídio ou Subvenção, p. e p. pelo artigo 36º, nº 1, al. a), n.º 2 e n.º 5, al.a) e n.º 8, al. b), todos do Dec.- Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro e 110.º º n.º 1, al. b) e 4, do Código Penal, na pena de 3 (três anos) de prisão. 9.A.4 - Condenar o arguido AA pela prática de um crime de burla tributária qualificada, p. e p. pelo artigo 87.º, n.ºs 1 e 3 do RGIT, por referência ao art.º 202.º, al. b) do CP, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão. 9.A.5 - Condenar o arguido BB pela prática de um crime de burla tributária qualificada, p. e p. pelo artigo 87.º, n.ºs 1 e 3 do RGIT, por referência ao art.º 202.º, al. b) do CP, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão. 9.A.6 - Condenar o arguido CC pela prática de um crime de burla tributária qualificada, p. e p. pelo artigo 87.º, n.ºs 1 e 3 do RGIT, por referência ao art.º 202.º, al. b) do CP, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão. 9.A.7 – Em cúmulo jurídico de penas, condenar o arguido AA na pena única de 4 (quatro) anos e de prisão. 9.A.8 – Em cúmulo jurídico de penas, condenar o arguido BB na pena única na pena única de 4 (quatro) anos de prisão. 9.A.10 – Em cúmulo jurídico de penas, condenar o arguido CC na pena única na pena única de 4 (quatro) anos de prisão. 9.A.11 - Nos termos conjugados do disposto nos artigos 50.º, n.º1, 2 e 5, 51.º, n.º 1, al. c) todos do Código Penal, suspender a execução da pena de 4 (quatro) anos de prisão pelo período de 4 (quatro) anos. 9.A.12 - Subordinar a suspensão da execução da pena de prisão do arguido AA ao seguinte dever (51.º, n.º 2 do CP e 14.º do RJIT): - entregar, no prazo da suspensão, € 12.000,00 (doze mil euros) à Administração Tributária, a comprovar documentalmente nos autos até ao termo desse período; 9.A.13 - Subordinar a suspensão da execução da pena de prisão do arguido BB ao seguinte dever (51.º, n.º 2 do CP e 14.º do RJIT): - entregar, no prazo da suspensão, € 10.000,00 (dez mil euros) à Administração Tributária, a comprovar documentalmente nos autos até ao termo desse período; 9.A.14 - Subordinar a suspensão da execução da pena de prisão do arguido CC ao seguinte dever (51.º, n.º 2 do CP e 14.º do RJIT): - entregar, no prazo da suspensão, € 7.000,00 (sete mil euros) à Administração Tributária, a comprovar documentalmente nos autos até ao termo desse período; Os arguidos ficam expressamente advertidos de que nos termos do art.º 56.º do CP, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: I - Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou II - Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, e que a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença. 9.A.15 - Condenar a sociedade arguida EMP01..., Ld.ª na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze), pela prática de um crime de fraude para obtenção de subsídio, nos termos do disposto nos art.º 11, nº 2, al. a) do Código Penal e art. 3.º e 7.º, art. 36° n.° 1 al. a) e c), n.° 2, n.° 5 al. a) e n.º 8 al. b) do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, em conjugação com o disposto no art. 202.º, al. b), do Código Penal. 9.A.16 - Condenar a sociedade arguida EMP01..., Ld.ª na pena de 600 (seiscentos) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze), pela prática de um crime de burla tributária, nos termos do disposto nos art.º 11, nº 2, al. a) do Código Penal e art. 87.º, n.ºs 1 e 3 e art.º 7.º do RGIT. 9.A.17 - Em cúmulo jurídico, condenar a sociedade arguida EMP01..., Ld.ª na pena única de em 700 (setecentos) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros), perfazendo um total de € 10.500 (dez mil e quinhentos euros). 9.A.18 - Condenar cada um dos arguidos na pena acessória de publicidade da decisão condenatória, a suas expensas, nos termos da al. l) do artigo 8º, artigo 19º e art.º 36.º, n.º 4 do DL n.º 28/84, de 20.01. 9.A.19 - Condenar cada um dos arguidos na pena acessória de privação do direito a subsídios ou subvenções, outorgados por entidades ou serviços públicos, nos termos da al. f) do art.º 8.º do DL 28/84, pelo período de 4 (quatro) anos. 9.A.20 - Declarar a perda a favor do Estado da vantagem patrimonial que sobreveio pela prática pelos arguidos AA, BB e CC, em representação da sociedade arguida, de um crime de fraude na obtenção de subsídio, previsto e punido pelo artigo 36º, nº1, alíneas a) e c), nº2, nº5, alíneas a) e c), do Decreto-Lei nº28/84, de 20 de Janeiro, conjugado com o artigo 202º, alínea b), do Código Penal e de um crime burla tributária, previsto e punido pelo art.º 87.º, n.º 1 e 3 do RGIT e 202.º, al. b) do CP, no valor de €744.600,00 (setecentos e quarenta e quatro mil, e seiscentos euros), e condenar os arguidos no seu pagamento;”.
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Inconformados com a decisão condenatória, vieram os arguidos EMP01..., Lda, AA e BB interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
“NULIDADES DO DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO [Ponto I da Alegação] 1.ª - Com todo o respeito, não se compreende a que concretos “documentos juntos” é que o Tribunal a quo se pretende referir na motivação para a decisão sobre o Ponto 44 dos Factos Provados, nem de que forma é que os mesmos, ou o “depoimento prestado pela inspetora tributária”, terão sido apreciados e contribuído para fundamentar essa decisão. 2.ª - Os arguidos, e qualquer pessoa colocada no seu lugar, não conseguem, assim, compreender o iter cognoscitivo percorrido pelo Tribunal a quo para dar como provado o Ponto 44 dos Factos Provados, pelo que, salvo melhor opinião, não foi cumprido o dever de fundamentação previsto no n.º 2, do art. 374.º do CPP, que é causa de nulidade nos termos previstos na alínea a), do n.º 1, do art. 379.º do mesmo diploma, o que expressamente se invoca para todos os efeitos legais. - [cf. Ponto I.1.1 da Alegação]
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3.ª - Com todo o respeito, na motivação sobre a decisão sobre o Ponto 47 dos Factos Provados, não se compreende, nem o Tribunal a quo explica, a que factos indiciários se pretende referir concretamente, se todos, ou só alguns, e que relação existe entre os mesmos e a matéria constante desse ponto dos Factos Provados que, manifestamente, não diz respeito ao “foro íntimo dos arguidos”. 4.ª - Os arguidos, e qualquer pessoa colocada no seu lugar, não conseguem, por isso, compreender o iter cognoscitivo percorrido pelo Tribunal a quo para dar como provado o Ponto 47 dos Factos Provados, nomeadamente que os arguidos teriam logrado obter o pagamento da quantia de €142.600,00 a título de IVA e de 602.000,00 €, referente à diferença do subsídio, pelo que, salvo melhor opinião, não foi cumprido o dever de fundamentação previsto no n.º 2, do art. 374.º do CPP, que é causa de nulidade nos termos previstos na alínea a), do n.º 1, do art. 379.º do mesmo diploma, o que expressamente se invoca para todos os efeitos legais. - [cf. Ponto I.1.2 da Alegação]
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5.ª - Percorrendo o teor da motivação da decisão sobre a matéria de facto, verifica-se que o acórdão recorrido não menciona qualquer fundamentação para a decisão sobre os Pontos 169, 170, 171, 172, 173, 174 e 175 dos Factos Provados. 6.ª - Os arguidos, e qualquer pessoa colocada no seu lugar, não conseguem, por isso, compreender o iter cognoscitivo percorrido pelo Tribunal a quo para dar como provados os Pontos 169, 170, 171, 172, 173, 174 e 175 dos Factos Provados, pelo que, salvo melhor opinião, não foi cumprido o dever de fundamentação previsto no n.º 2, do art. 374.º do CPP, que é causa de nulidade nos termos previstos na alínea a), do n.º 1, do art. 379.º do mesmo diploma, o que expressamente se invoca para todos os efeitos legais. - [cf. Ponto I.1.3 da Alegação]
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7.ª - Por despacho proferido em 29.04.2024, com a Ref.ª ...86, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e transcrito parcialmente no Ponto I.2 da Alegação, foram os Arguidos notificados para, além do mais, se pronunciarem sobre o requerimento do Ministério Público de condenação na perda de vantagem. 8.ª - Em cumprimento do despacho referido na Conclusão 7.ª, que antecede, os Arguidos, ora Recorrentes, pronunciaram-se sobre o requerimento do Ministério Público de condenação na perda de vantagens, nos termos que resultam do requerimento apresentado em 07.05.2024, com a Ref.ª ...97, que se dá por integralmente reproduzido e, entre outras, suscitaram as questões transcritas no Ponto I.2 da Alegação, designadamente e resumidamente as: relativas à natureza do incentivo reembolsável; à aplicação, prevista no contrato celebrado com o IAPMEI da taxa de 65% sobre o montante das despesas consideradas elegíveis; da competência e da verificação física, individual e específica dos técnicos do IAPMEI para a avaliação do estado e elegibilidade dos equipamentos para efeitos do projeto em análise nos autos; dos sucessivos atos de acompanhamento e verificação, pelo IAPMEI, do cumprimento dos pressupostos do contrato, antes, durante e depois do seu conhecimento e participação na fase de inquérito e de julgamento; da elevada complexidade técnica subjacente à interpretação e execução do projeto em análise nos autos e ao consequente grau de exigência técnica que poderia ser imposto aos Arguidos – uma empresa familiar que se dedicava à serração de madeiras e aos seus gerentes, sem habilitação ou qualificação técnica e específica; da ausência, no texto do contrato, de qualquer referência ao estado dos bens adquiridos ou a adquirir no âmbito do investimento e à ausência de qualquer declaração dos Arguidos relativa ao estado dos bens adquiridos; e concluíram da seguinte forma: “Termos em que, com o douto suprimento, deve o requerimento do Ministério Público de condenação dos Arguidos na perda de vantagem por facto ilícito típico ser julgado totalmente improcedente, por não provado”. 9.ª - O Tribunal a quo não apreciou, nem refere a existência do requerimento apresentado pelos ora recorrentes e, pelo contrário, no Ponto “V – Da declaração da perda da vantagem patrimonial” do acórdão recorrido ficou a constar a seguinte consideração: “(o)s arguidos deduziram contestação, mas não se pronunciaram expressamente quanto a esta questão” (cf. página 104 do douto acórdão recorrido). 10.ª - O Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, nomeadamente as transcritas no Ponto I.2 da Alegação e referidas na Conclusão 8.ª que antecede, pelo que o acórdão recorrido incorre em vício de omissão de pronúncia, que é causa de nulidade nos termos previstos na alínea c), do n.º 1, do art. 379.º do CPP, que expressamente se invoca para todos os efeitos legais. - [cf. Ponto I.2 da Alegação]
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INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA [Ponto II da Alegação] 11.ª - Como decorre do alegado na Contestação – cf. designadamente art.ºs 10.º, 12.º e 50.º –, do teor do contrato celebrado com o IAPMEI – cf. fls. 5 e seguintes do Apenso I e Documento n.º 5, junto com a Contestação, designadamente a alínea a), do n.º 1 e o n.º 2 da Cláusula Terceira e a Cláusula Oitava –, ficou a constar dos Factos Provados – cf. designadamente Pontos 127, 129 e 165 –, e foi referido pela testemunha DD, que prestou depoimento na audiência de julgamento realizada em 6 de fevereiro de 2024, tendo ficado consignado em ata que o seu início ocorreu pelas 10h32m50s e o seu termo pelas 12h46m14s – cf. designadamente as passagens de minutos 01:28:46 a 01:32:42, 01:35:10 a 01:36:35 e 02:10:33 a 02:11:50, transcritas no Ponto II da Alegação –, entre o IAPMEI e a arguida EMP01..., Lda. foi contratualmente estabelecida a modalidade do incentivo reembolsável, que correspondia à aplicação de 65% sobre o montante das despesas consideradas elegíveis, foram estabelecidas contratualmente as condições do reembolso do incentivo e ficou consignado um plano de reembolso do incentivo, cujo prazo iniciava e terminava antes da decisão proferida no acórdão recorrido. 12.ª - Durante a audiência de julgamento, designadamente nas passagens acima indicadas e transcritas no Ponto II da Alegação, a testemunha DD depôs sobre a natureza do incentivo reembolsável, sobre a aplicação da taxa de 65%, sobre o plano de reembolso do incentivo e sobre os reembolsos efetivamente efetuados pela arguida EMP01..., Lda. e, relativamente a estes últimos, referiu que não tinha, naquele momento, essa informação, mas que a iria pedir a um colega e, por determinação da M.ma Senhora Juiz, comprometeu-se a enviá-la. 13.ª - A informação do plano de reembolso, juntamente com o registo de todos os recebimentos de reembolsos prestados pela arguida EMP01..., Lda. ao IAPMEI foi enviado pela testemunha DD, em cumprimento do determinado pela M.ma Sr.ª Juiz Presidente por email datado de 06.02.2024, às 12:56, Ref.ª Citius ...34, e consta do documento composto por 5 páginas, com as referências “Projeto nº ...88 – Contrato nº ...88”, e do qual consta expressamente que, da quantia total de 1.270.799,56 €, recebida pela EMP01..., Lda. a título de incentivo reembolsável, a quantia de 857.607,97 foi objeto de compensação pelo IAPMEI, com outros créditos a que a EMP01..., Lda. tinha direito, nomeadamente “Prémio de realização” - (300.162,79 € em 18/Mar/2016 e 557.445,18 € em 08/Jul/2020) e que a restante quantia de 413.191,59 € foi reembolsada através de pagamentos sucessivos feitos pela EMP01..., Lda. e recebidos pelo IAPMEI, o primeiro dos quais do montante de 7.963,38 € em 02-05-2017 e o último do montante 615,60 €, acrescido dos respetivos juros, em 30-03-2023. 14.ª - Apesar de tudo isso, o Tribunal a quo não apreciou, nem se pronunciou, sobre os reembolsos efetuados pela EMP01..., Lda. para restituição das quantias recebidas a título de incentivo, factos manifestamente relevantes para a boa decisão da causa, assim incorrendo em vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, fundamento de recurso previsto na alínea a), do n.º 2, do art. 410.º do CPP, que expressamente se invoca para todos os efeitos legais – v., neste sentido, o Ac. do TRC de 26-10-2011, Proc. 157/07.0TAMMV.C1 e, no mesmo sentido, o Ac. do TRC de 22.03.2023, Proc. 509/20.0PCCBR.C1, designadamente as passagens transcritas no Ponto 2 da Alegação.
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MATÉRIA DE FACTO [Ponto III da Alegação] 15.ª - Os Recorrentes consideram que foram incorretamente julgados os Pontos 17, 18, 19, 20, 29, 30, 33, 34, 37, 39, 40, 41, 43, 44, 45, 46, 47, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 169, 170, 171, 172, 173 e 174 dos Factos Provados.
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16.ª - Em vários pontos dos Factos Provados, designadamente nos Pontos 18, 19, 30, 39, 41, 43, 45, 47, 49, 51, 52 e 55 [acima transcritos no Ponto III.1 da Alegação], o Tribunal a quo, reportando-se às operações de compra e venda referidas nos Pontos 34 e 37 dos Factos Provados e tituladas nas Faturas de fls. 21 e 52 do processo físico, refere que essas operações teriam sido simuladas pelos arguidos e não corresponderiam a transações reais, o que, salvo melhor opinião, se trata de matéria conclusiva e de qualificação jurídica. 17.ª - De todo o modo, decorre do disposto no art. 874.º do Código Civil, que a compra e venda é um contrato bilateral que, na falta de estipulação legal em contrário, se conclui mediante declarações negociais formadas ao abrigo princípio da liberdade de forma, consagrado, além do mais, no art. 219.º do Código Civil. 18.ª - O teor das Faturas de fls. 21 e 52 do processo físico, a não devolução das mesmas, o pagamento do respetivo preço – cf. fls. 508 e seguintes e 606 e seguintes do processo físico - e o teor dos Pontos 157 e 159 dos Factos Provados, são totalmente concludentes no sentido da prova e demonstração da perfeição das declarações de compra e venda entre a EMP02... e a EMP01..., Lda., titulada na Fatura de fls. 21 do processo físico, e das declarações de compra e venda entre a EMP03... e a EMP01..., Lda., titulada na Fatura de fls. 52 do processo físico – cf., em termos mais detalhados o Ponto III.1 da Alegação. 19.ª - Não existe simulação sem pacto simulatório, como resulta, além do mais, do disposto no art. 240.º do Código Civil, é entendimento doutrinal e jurisprudencial pacífico, e foi consignado, entre muitos outros, no ac. do STJ de 09-03-2022, Proc. 1857/11.5TBMAI.P2.S1, designadamente na parte do Sumário transcrito no Ponto III.1 da Alegação. 20.ª - Não consta, nem resulta, da matéria de facto provada que tenha existido qualquer pacto simulatório entre os Arguidos (compradores) e a EMP02... ou a EMP03... (vendedores) e, na motivação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo fez constar expressamente que “(n)ão obstante, não se provou que esta testemunha (EE) tivesse atuado de forma conluiada com os arguidos” - cf. página 59 do acórdão recorrido. 21.ª - No seu depoimento, prestado na audiência de julgamento realizada em 06 de março de 2024, tendo-se consignado em ata que o seu início ocorreu pelas 14h47m50s e o seu termo pelas 15h15m42s, designadamente nas passagens dos minutos 00:01:56 a 00:02:15, 00:04:19 a 00:05:32 e 00:07:21 a 00:08:56 [transcritas no Ponto III.1 da Alegação], a testemunha EE, sócio gerente da sociedade EMP02..., declarou, resumidamente, que: - a EMP02... tinha interesse em prestar serviços de fornecimento de manual de instruções, acompanhamento e assistência na montagem de uma máquina, certificação de conformidade com normas de segurança comunitárias e elaboração de uma chapa de características, e que o valor desses serviços era de 25.000,00 €; - que a máquina pertencia à EMP04... e que os arguidos lhe transmitiram que esta empresa já não tinha interesse na mesma, mas que a EMP01..., Lda. tinha interesse em adquiri-la, com os serviços que seriam prestados pela EMP02... e, por isso, propuseram-lhe, e a testemunha aceitou, que a EMP02... comprasse a máquina à EMP04..., que prestasse os referidos serviços na máquina e a vendesse, com esses serviços integrados, à EMP01..., Lda.. 22.ª - Ou seja, a testemunha EE afirmou categoricamente que quis comprar e que quis vender os equipamentos em causa, e afirmou que os motivos que o levaram a querer comprar e a querer vender foram a possibilidade de prestar os serviços para a máquina, acrescentando-lhe valor, e assim obter lucro com a respetiva venda. 23.ª - Por seu turno, a testemunha FF, sócio gerente da sociedade “EMP03..., Lda.”, no seu depoimento prestado na audiência de julgamento realizada em 06 de fevereiro de 2024, tendo-se consignado em ata que o seu início ocorreu pelas 16h12m08s e o seu termo pelas 16h41m50s, designadamente nas passagens dos minutos 00:03:04 a 00:03:36 e 00:05:02 a 00:08:02 e minutos 00:13:45 a 00:14:15 [transcritas no Ponto III.1 da Alegação], afirmou, resumidamente, que: - os arguidos, em representação da EMP04..., lhe propuseram a venda de um equipamento; - a EMP03... não tinha interesse em comprar esse equipamento, porque não tinha a quem vendê-lo, mas os arguidos disseram-lhe que a EMP01..., Lda. tinha interesse em adquiri-lo e, em face disso, transmitiu aos arguidos que aceitava comprar o equipamento à EMP04... e que aceitava vender à EMP01..., Lda. - “Pronto, então eu compro, pago e vendo e vocês pagam”; - tinha interesse em celebrar os negócios que lhe foram propostos, uma vez que os via como uma possibilidade de, futuramente, celebrar outros negócios, “muito mais trabalho”; - declarou, categoricamente, que quis comprar e comprou o equipamento à “EMP04...” e que quis vender e vendeu o equipamento à EMP01..., Lda..; 24.ª - As compras e vendas tituladas nas Faturas de fls. 21 e 52 do processo físico não se distinguem das compras e venda comerciais feitas por qualquer comerciante revendedor de bens, por qualquer restaurador, ou por qualquer “stand” de automóveis, que não compram os bens para ficarem com eles, mas sim para os revenderem diretamente, ou para os restaurarem ou, por qualquer outra forma lhes acrescentarem valor, e assim obterem o lucro com a respetiva revenda, exatamente como resulta dos depoimentos da testemunha EE e FF, designadamente nas passagens indicadas nas Conclusões 21.ª e 23.ª que antecedem e transcritas no Ponto III.1 da Alegação, e como está consagrado e legalmente previsto, designadamente no parágrafo 1.º do art. 463.º do Código Comercial, que dispõe: “Artigo 463.º Compras e vendas comerciais São consideradas comerciais: 1.° As compras de coisas móveis para revender, em bruto ou trabalhadas, ou simplesmente para lhes alugar o uso;” 25.ª - O teor das Faturas de fls. 21 e 52 do processo físico, o teor dos documentos de fls. 508 e seguinte e de fls. 606 e seguintes do processo físico, o teor dos Pontos 157 e 159 dos Factos Provados, o teor da consideração constante do acórdão recorrido de que não existiu conluio entre a testemunha EE e os arguidos (cf. página 59 do acórdão recorrido), o teor dos depoimentos das testemunhas EE e FF, nomeadamente as passagens acima indicadas nas Conclusões 21.ª e 23.ª que antecedem e transcritas no Ponto III.1 da Alegação, e o teor dos artigos 219.º, 240.º e 874.º do Código Civil e do parágrafo 1.º, do art. 463.º do Código Comercial impõem que a decisão sobre os Pontos 18, 19, 30, 39, 43, 45, 47, 49, 51, 52 e 55 dos Factos Provados seja revogada e substituída por outra que inclua essa matéria no elenco dos Factos Não Provados, e impõem que a decisão sobre o Ponto 41 dos Factos Provados seja revogada e substituída por outra com os termos que, respeitosamente se sugerem: “41. Com efeito, os arguidos BB, AA e CC, em representação da EMP01..., Lda, integraram na declaração periódica de IVA, n.º ...60, enviada à administração fiscal em 03.10.2014, o pedido de reembolso do IVA do período de agosto de 2014, no qual incluíram as faturas supra, cujo respetivo IVA ascendia ao valor de €142.600,00 (€ 102.350,00+€34.500,00) – Cfr. fls. 351.” [Cf. Ponto III.1 da Alegação]
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26.ª - Em vários pontos dos Factos Provados, designadamente nos Pontos 18, 29, 30, 40 e 43 [acima transcritos no Ponto III.2 da Alegação], o Tribunal a quo concluiu que os valores dos bens referidos nas Faturas de fls. 21 e 52 do processo físico teriam sido “sobrevalorizados”, “sobre-orçamentados” ou “sobre-faturados”. 27.ª - Nos Factos Provados não existe qualquer referência aos valores que o Tribunal a quo considerou serem os valores adequados, ou reais, dos bens referidos nas Faturas de fls. 21 e 52 do processo físico, pelo que, na ausência dessa premissa essencial, a conclusão de que os valores teriam sido sobrevalorizados não está devidamente sustentada. 28.ª - Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, também não se encontra uma única referência ao raciocínio adotado pelo Tribunal a quo para concluir pela existência de sobrevalorização, sobre-orçamentação ou sobre-faturação. 29.ª - No acórdão recorrido não está quantificado em que medida é que o Tribunal a quo considerou ter existido sobrevalorização, sobreoçamentação ou sobrefaturação, sendo que são substancialmente diferentes e merecem tratamento diferenciado as situações em que a sobrevalorização é reduzida (p.e. 0,01 €) e as situações em que é elevado ou consideravelmente elevado (p.e. 5.500 € ou 25.000 €), quanto mais não seja para efeitos de determinação da medida da pena, nos termos do disposto no art. 71.º do Código Penal. 30.ª - A única prova que foi produzida relativamente ao valor da máquina a que se reporta a Fatura de fls. 21 do processo físico foi o depoimento da testemunha EE, prestado na audiência de julgamento realizada em 06.03.2024, tendo-se consignado em ata que o seu início ocorreu pelas 14h47m50s e o seu termo pelas 15h15m42s, designadamente nas passagens dos minutos 00:13:44 a 00:15:24 [transcritas no Ponto III.2 da Alegação] e que, sobre essa matéria, disse, resumidamente, que essa máquina nova valeria entre 300 e 350 mil euros, e usada, valeria entre 40% e 60% desse valor, sendo que, no caso, a máquina estava em bom estado. 31.ª - Considerando, além do mais, que, depois de comprar a máquina à EMP04..., a EMP02... ainda prestou serviços para essa máquina com o valor de 25.000,00 € - cf. designadamente o Ponto 34 dos Factos Provados -, verifica- se que o preço de 150.000,00 €, inscrito na Fatura de fls. 21 do processo físico, corresponde ao valor real da máquina, demonstrado através da prova produzida. 32.ª - Relativamente à máquina a que se reporta a Fatura de fls. 52 do processo físico, não foi feita qualquer prova relativamente ao seu valor, nem o Tribunal a quo refere em que se baseou para concluir que foi “sobre-orçamentado”. 33.ª - De acordo com o teor dos Factos Provados, tal como ficaram plasmados no acórdão recorrido, a máquina a que se reporta a Fatura de fls. 52 do processo físico teria sido adquirida por 445.000,00 € - cf. designadamente o Ponto 35 dos Factos Provados - e teria sido vendida pela EMP03... por 470.000,00 €, pelo que a conclusão constante do Tribunal a quo de que o acréscimo de uma margem de 5,3% corresponderia a uma “sobrevalorização” é manifestamente contrária à prova produzida, às regras de experiência comum, aos usos comerciais e às normas aplicáveis às sociedades comerciais, que impõem que os atos praticados pelas sociedades comerciais devem visar a obtenção de lucro. 34.ª - No Ponto 40 dos Factos Provados, também se refere que as Faturas de fls. 21 e 52 do processo físico, teriam sido elaboradas pelos arguidos, o que contraria o teor dessas próprias faturas, que demonstra que foram emitidas, respetivamente, pela EMP02... e pela EMP03..., e não foi produzida, nem o acórdão recorrido indica, qualquer prova no sentido de que tenham, ou pudessem ter sido, “elaboradas pelos arguidos”. 35.ª - A falta de apuramento do valor adequado, ou real, dos equipamentos a que se reportam as Faturas de fls. 21 e 52 do processo físico, o teor dessas faturas, o depoimento da testemunha EE, nomeadamente as passagens indicadas na Conclusão 30.ª que antecede e transcritas no Ponto III.2 da Alegação, o teor dos Pontos 34 e 35 dos Factos Provados e o teor do art. 6.º do Código das Sociedades Comerciais impõem que a decisão sobre os Pontos 18, 29, 30, 40 e 43 dos Factos Provados seja revogada e substituída por outra que inclua essa matéria no elenco dos Factos Não Provados. - [Cf. Ponto III.2 da Alegação]
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36.ª - Em vários pontos dos Factos Provados, designadamente nos Pontos 29 e 44 [acima transcritos no Ponto III.3 da Alegação], ficou a constar que as Faturas de fls. 21 e 52 do processo físico diziam respeito a “máquinas usadas” e, no Ponto 29 ficou a constar que “na candidatura ao processo”, seriam exigidos equipamentos novos. 37.ª - O segmento “e não a equipamentos novos, como se exigia na candidatura ao processo”, constante do Ponto 29 dos Factos Provados, não constava dos factos descritos na acusação, foi aditado acórdão recorrido, e não diz respeito ao “foro íntimo dos arguidos”, pelo que, com todo o respeito, a decisão de incluir esse segmento fáctico no Ponto 29 dos Factos Provados não está devidamente fundamentada. 38.ª - Analisando o teor da candidatura e o teor do contrato celebrado entre o IAPMEI e a arguida EMP01..., Lda. - cf. fls. 5a 12 do Apenso I do processo físico e Documentos n.º 1 e 5, juntos com a Contestação - não se encontra, em nenhuma parte dos respetivos textos, qualquer referência ao estado dos bens adquiridos ou a adquirir no âmbito do projeto, pelo que o teor dos referidos documentos impõe que a afirmação constante do Ponto 29 dos Factos Provados de que, na candidatura ao processo, se exigia que as faturas dissessem respeito a equipamentos novos contraria a prova existente e deve ser excluída da matéria incluída nos Factos Provados. 39.ª - Percorrendo a motivação da decisão sobre a matéria de facto, também não se encontra uma única razão pela qual o Tribunal a quo se tenha convencido de que a Fatura de fls. 52 do processo físico dissesse respeito a uma “máquina já em uso”. 40.ª - Sobre a máquina a que se refere a Fatura de fls. 52 do processo físico, a testemunha GG, no seu depoimento prestado na audiência de julgamento realizada no dia 6 de fevereiro de 2024, tendo ficado consignado em ata que o seu início ocorreu pelas 14h38m54s e o seu termo pelas 15h36m34s, designadamente nas passagens dos minutos 00:50:27 a 00:52:01, 00:54:05 a 00:54:28 e 00:54:40 a 00:55:54 [transcritas no Ponto III.3 da Alegação], declarou, resumidamente, que: - quando a EMP04... vendeu o equipamento à EMP03..., a instalação física estava praticamente concluída, podendo ainda estar em falta alguns componentes, e ainda não tinha sido feita a verificação dos pressupostos do fornecimento, do arranque e do comissionamento do equipamento; - em outubro de 2014, depois da venda do equipamento à EMP03..., ocorreu um incêndio que danificou o equipamento; - em consequência desse incêndio, não se aproveitou nada do equipamento ardido; - depois do incêndio foi adquirido um equipamento totalmente novo, que foi entregue à EMP03... que, por sua vez, o entregou à arguida EMP01..., Lda., em cumprimento do acordo celebrado entre estas, e que já não poderia ser totalmente idêntico ao que havia sido inicialmente adquirido pela EMP04.... 41.ª - No mesmo sentido, sobre o estado da máquina a que se reporta a Fatura de fls. 52 do processo físico, a testemunha FF, prestou depoimento na audiência de julgamento realizada no dia 6 de fevereiro de 2024, tendo ficado consignado em ata que o seu início ocorreu pelas 16h12m08s e o seu termo pelas 16h41m50s, e, nas passagens dos minutos 00:22:56 a 00:23:01, declarou expressamente o seguinte: 00:22:56 Ilustre Mandatário do Arguido CC: “Pergunto-lhe se esta máquina que estamos a falar era uma máquina nova? 00:23:00 FF: “Era.” 42.ª - No Ponto 163 dos Factos Provados, ficou a constar que, em 31.07.2015, o IAPMEI proferiu decisão, em que ficou consignado que, em 25.06.2015, foi feita a verificação física, que incidiu sobre a totalidade do investimento, tendo sido aferida a adequação do projeto (cf. Documento n.º 55 junto com a Contestação, também incluído nos Factos Provados). 43.ª - No documento denominado “...” – que o Tribunal a quo valorou na motivação da decisão sobre a matéria de facto, referindo-se como “...” – nomeadamente a informação constante do quadro “Verificação Física / Visita de Acompanhamento ao Local”, ficou consignado que, no dia 25.06.2015, os técnicos do IAPMEI, HH e II, visitaram as instalações da arguida EMP01..., Lda., procederam à verificação física de todos os equipamentos, nomeadamente o referido no Ponto 37 dos Factos Provados e na Fatura de fls. 52 do processo físico, e concluíram que o mesmo satisfazia documental, contabilística e fisicamente todos os requisitos necessários para ser considerado novo e elegível para efeitos do projeto. 44.ª - Sobre o equipamento a que se refere a Fatura de fls. 21 do processo físico, a testemunha EE prestou depoimento na audiência de julgamento realizada em 06.03.2024, tendo-se consignado em ata que o seu início ocorreu pelas 14h47m50s e o seu termo pelas 15h15m42s, e, designadamente nas passagens dos minutos 00:04:38, 00:05:36, 00:07:29, 00:09:40, 00:13:02 a 00:13:21, 00:16:09 a 00:17:02, 00:18:38 a 00:20:52 e 00:21:42 a 00:23:40 [transcritas no Ponto III.3 da Alegação] disse, resumidamente, que: - a EMP02... adquiriu um equipamento à EMP04..., conforme refletido no teor da Fatura de fls. 20 do processo físico; - a EMP02... terá prestado serviços para essa máquina, nomeadamente assistência na montagem, intervenções e certificação de segurança e fornecimento de manual de instruções; - depois de prestar esses serviços, a EMP02... vendeu o equipamento à EMP01..., Lda., conforme Fatura de fls. 21 do processo físico. 45.ª - Assim, de acordo com a prova produzida, a máquina que a EMP02... vendeu à EMP01..., Lda., que foi objeto da Fatura n.º ...1, já não era exatamente a mesma que a EMP02... havia comprado à EMP04..., pois sofreu as alterações descritas pela testemunha EE e, salvo melhor opinião, esses factos são de grande importância, na medida em que revelam que os serviços e intervenções prestados para essa máquina podem conduzir à conclusão de que o mesmo podia, ou devia, ser considerado novo para efeitos do projeto contratado com o IAPMEI ou, pelo menos, que os Arguidos, ou outra pessoa colocada no seu lugar, o pudessem considerar como tal; o que resulta demonstrado, sem margem para dúvidas, pelo teor do documento denominado “...” – que o Tribunal a quo valorou na motivação da decisão sobre a matéria de facto, referindo-se como “...” – nomeadamente a informação constante do quadro “Verificação Física / Visita de Acompanhamento ao Local”, do qual consta que, no dia 25.06.2015, os técnicos do IAPMEI, HH e II, visitaram as instalações da arguida EMP01..., Lda., procederam á verificação física de todos os equipamentos, nomeadamente o referido no Ponto 34 dos Factos Provados e na Fatura de fls. 21 do processo físico, e concluíram que o mesmo satisfazia documental, contabilística e fisicamente os requisitos necessários para ser considerado novo e elegível para efeitos do projeto. 46.ª - O teor da candidatura e o teor do contrato celebrado entre a EMP01..., Lda. e o IAPMEI - cf. fls. 5 a 12 do Apenso I do processo físico e Documentos n.º 1 e 5, juntos com a Contestação - os depoimentos das testemunhas GG, FF e EE, nomeadamente as passagens acima indicadas nas Conclusões 40.ª, 41.ª e 44.ª que antecedem e transcritas no Ponto III.3 da Alegação, o Ponto 163 dos Factos Provados e o teor do documento denominado “...”, designadamente a informação constante do quadro “Verificação Física / Visita de Acompanhamento ao Local” impõem que a decisão sobre os Pontos 29 e 44 dos Factos Provados seja revogada e substituída por outra que inclua essa matéria no elenco dos Factos Não Provados. - [Cf. Ponto III.3 da Alegação]
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47.ª - Nos Pontos 33 e 34 dos Factos Provados [acima transcritos no Ponto III.4 da Alegação] ficou a constar que o equipamento a que se refere a Fatura de fls. 21 do processo físico, seria o mesmo equipamento que a arguida EMP01..., Lda. havia adquirido à “EMP05...”, que foi objeto da Fatura de fls.18 do processo físico, e que a Fatura de fls. 21 do processo físico, teria sido emitida por EE, em representação da EMP02..., “a pedido dos arguidos”. 48.ª - Sobre a matéria que ficou a constar dos Pontos 33 e 34 dos Factos Provados, a testemunha GG prestou depoimento na audiência de julgamento realizada no dia 6 de fevereiro de 2024, tendo ficado consignado em ata que o seu início ocorreu pelas 14h38m54s e o seu termo pelas 15h36m34s, nomeadamente nas passagens dos minutos 00:17:44 a 00:19:21 [transcritas no Ponto III.4 da Alegação] e, sobre a mesma, declarou resumidamente o seguinte: - confrontado com a Fatura de fls. 18 disse que o equipamento que foi objeto dessa fatura, não era, nem podia ser, a mesma máquina que a EMP04... comprou à EMP01..., Lda. (titulada na Fatura de fls. 20 do processo físico); - que a Fatura de fls. 18 do processo físico diz respeito a um componente de um sistema de trituração que, isolado, não tem utilidade. 49.ª - No documento denominado “...” – que o Tribunal a quo valorou na motivação da decisão sobre a matéria de facto, referindo-se como “...” – verifica-se que existe uma correspondência entre o número de série indicado no formulário de visita ao local e o número de série que vem indicado na fatura de fls. 18 do processo, mas também se verifica que o modelo do equipamento indicado no formulário – “...2 MR” - não corresponde ao modelo adquirido à “EMP05...” e que consta da referida fatura – “...02...”. 50.ª - Sobre a consideração de que a fatura de fls. teria sido emitida por EE, em representação da EMP02..., “a pedido dos arguidos”, constante do Ponto 34 dos Factos Provados – que não constava dos factos descritos na acusação e foi aditado no acórdão recorrido – a testemunha EE, no seu depoimento prestado na audiência de julgamento realizada em 06.03.2024, tendo-se consignado em ata que o seu início ocorreu pelas 14h47m50s e o seu termo pelas 15h15m42s, nomeadamente nas passagens dos minutos 00:18:23 a 00:18:35 [transcritas no Ponto III.4 da Alegação] referiu expressamente que nem sequer era ele que fazia as faturas. 51.ª - Com todo o respeito, não se consegue compreender como se pode dar como provado que os arguidos teriam pedido a EE para emitir uma fatura, se não foi produzida, nem indicada, prova que suporte essa afirmação, foi produzida prova direta que contraria esses factos, e as regras de experiência comum ditam que é o emissor da fatura que determina o seu conteúdo, e não o destinatário da mesma. 52.ª - Os depoimentos das testemunhas GG e EE, nomeadamente as passagens acima indicadas nas Conclusões 48.ª e 50.ª que antecedem e transcritas no Ponto III.4 da Alegação, o teor do documento denominado “...” e as regras de experiência comum impõem que a decisão sobre os Pontos 33 e 34 dos Factos Provados seja revogada e substituída por outra que inclua essa matéria no elenco dos Factos Não Provados. - [Cf. Ponto III.4 da Alegação]
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53.ª - No Ponto 37 dos Factos Provados, foi incluída a afirmação de que a Fatura de fls. 52 do processo físico teria sido emitida “a pedido dos arguidos” por FF, e a afirmação de que a fatura titulava “uma operação de venda do mesmo equipamento”. 54.ª - Não foi produzida qualquer prova relativamente às circunstâncias da emissão da Fatura de fls. 52, a testemunha FF não se pronunciou sobre a sua emissão e as regras de experiência comum ditam que é o emissor da fatura que determina o seu conteúdo, e não o seu destinatário. 55.ª - Na motivação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo consignou que ocorreu um incêndio que danificou o equipamento e que o mesmo foi substituído por outro – cf. páginas 61 e 62 do acórdão recorrido, designadamente as passagens transcritas no Ponto III.5 da Alegação – e essa matéria também ficou a constar do Ponto 158 dos Factos Provados, em que ficou a constar que, em 28.10.2014, ocorreu um incêndio no secador, que o danificou e inutilizou. 56.ª - A testemunha GG, no seu depoimento prestado na audiência de julgamento realizada no dia 6 de fevereiro de 2024, tendo ficado consignado em ata que o seu início ocorreu pelas 14h38m54s e o seu termo pelas 15h36m34s, designadamente nas passagens dos minutos 00:50:27 a 00:52:01, 00:54:05 a 00:54:28 e 00:54:40 a 00:55:54 [transcritas no Ponto III.5 da Alegação], declarou, resumidamente, que: - em outubro de 2014, depois da venda do equipamento à EMP03..., ocorreu um incêndio que danificou o equipamento; - em consequência desse incêndio, não se aproveitou nada do equipamento ardido; - depois do incêndio foi adquirido um equipamento totalmente novo, que foi entregue à EMP03... que, por sua vez, o entregou à arguida EMP01..., Lda., em cumprimento do acordo celebrado entre estas, e que já não poderia ser totalmente idêntico ao que havia sido inicialmente adquirido pela EMP04.... 57.ª - A ausência de prova sobre as circunstâncias da emissão da Fatura de fls. 52, as regras de experiência comum, o teor da motivação da decisão sobre a matéria de facto, designadamente as passagens de páginas 61 e 62 do acórdão recorrido transcritas no Ponto III.5 da Alegação, o teor do Ponto 158 dos Factos Provados e o depoimento da testemunha GG, designadamente as passagens indicadas na Conclusão 56.ª que antecede e transcritas no Ponto III.5 da Alegação, impõem que a decisão sobre o Ponto 37 dos Factos Provados seja revogada e substituída por outra, nos termos que, respeitosamente, se sugerem: “37. Por seu turno, a EMP03..., Lda, emitiu a fatura n.º ...5 de 27.08.2014, titulando uma operação de venda do mesmo equipamento à EMP01..., Lda., pelo valor de 470.000,00 € acrescido de IVA, no valor de 108.100,00 € - fls. 52 -, sendo que o equipamento que foi entregue à EMP01..., Lda. em cumprimento desta operação de venda não foi o mesmo que a EMP04..., Lda. tinha comprado à EMP06..., referido no Ponto 35 dos Factos Provados, e titulado nas Faturas de fls. 23 e seguintes.” [Cf. Ponto III.5 da Alegação]
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58.ª - Nos Pontos 19, 40 e 43 dos Factos Provados, ficou a constar que os arguidos teriam elaborado faturas e simulado compras e vendas, por forma o obterem subsídios de valor mais elevado e poderem obter benefícios fiscais. 59.ª - As quantias que a arguida EMP01..., Lda. deduziu a título de IVA são exatamente do mesmo valor que as quantias que pagou a esse título, o que nunca foi posto em causa e, para além disso, ficou provado – cf. Pontos 49, 159, 160 dos Factos Provados – e foi confirmado, designadamente pela testemunha CC, que prestou depoimento na audiência de julgamento realizada em 6 de março de 2024, tendo ficado consignado em ata que o seu início ocorreu pelas 15h16m31s e o seu termo pelas 15h45m23s, designadamente nas passagens dos minutos 00:11:56 a 00:16:56 [transcritas no Ponto III.6 da Alegação] e pela testemunha JJ, que também prestou depoimento na audiência de julgamento realizada em 6 de março de 2024, tendo ficado consignado em ata que o seu início ocorreu pelas 15h45m25s e o seu termo pelas 15h46m09s, designadamente nas passagens dos minutos 00:08:43 a 00:09:54 [também transcritas no Ponto III.6 da Alegação], pelo que, com a celebração das operações que o Tribunal a quo considerou simuladas, e com as correspondentes declarações tributárias, a arguida EMP01..., Lda. não obteve e nunca poderia obter quaisquer benefícios fiscais, ou prejudicar o Estado. 60.ª - O teor dos Pontos 49, 159, 160 dos Factos Provados e os depoimentos das testemunhas CC e JJ, designadamente nas passagens acima indicadas e transcritas impõem que a decisão sobre os Pontos 19, 40 e 43 dos Factos Provados seja revogada e substituída por outras que inclua essa matéria no elenco dos Factos Não Provados. - [Cf. Ponto III.6 da Alegação]
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61.ª - No Ponto 46 dos Factos Provados [acima transcrito no Ponto III.7 da Alegação], ficou a constar que “em razão das falsas informações comunicadas pelos arguidos ao IAPMEI”, esta entidade teria procedido a pagamentos de valores e nas datas especificamente indicadas nesse ponto, que perfariam a quantia global de “1.270.799,56 €” e ficou a constar a referência a “fls. 120 dos autos principais”. 62.ª - No acórdão recorrido não foram identificados os concretos factos indiciários a que o Tribunal a quo se pretenderia referir na fundamentação para a decisão de facto, nem a sua relação com a matéria que ficou a constar do Ponto 46 dos Factos Provados, que manifestamente não diz respeito ao “foro íntimo dos arguidos”, pelo que, com todo o respeito, na fundamentação da decisão sobre este ponto dos Factos Provados, o Tribunal a quo não fez consignar as razões pelas quais considerou que a EMP01..., Lda. teria recebido essas quantias, e que estas teriam sido recebidas “em razão das falsas informações comunicadas pelos arguidos ao IAPMEI”. 63.ª - A fls. 120 dos autos principais está plasmado o depoimento da testemunha DD, prestado na fase de inquérito, o que significa que o Tribunal a quo procedeu à valoração de depoimento prestado por testemunha na fase de inquérito, fora das condições e em manifesta violação do disposto nos artigos 125.º e 356.º, ambos do CPP. 64.ª - As “falsas informações” a que alude o Ponto 46 dos Factos Provados reportam-se aos dois investimentos referidos nos Pontos 34 e 37 dos Factos Provados, titulados pelas Faturas de fls. 21 e 52 do processo físico, datadas, respetivamente, de 28.08.2014 e de 27.08.2014, que o Tribunal a quo considerou serem falsos, e, tendo em consideração estas datas, era impossível que as mesmas pudessem justificar entregas de incentivos ocorridas em datas anteriores, nomeadamente as de 66.757,... € em 31.10.2013 e de 546.471,24 € em 06.05.2014, referidas no Ponto 46 dos Factos Provados. 65.ª - No acórdão recorrido, foi dado como provado que, em 16.08.2013, a EMP01..., Lda. submeteu o 1.º Pedido de Adiantamento Contra Fatura, com um valor de investimento apurado de 216.329,30 €, que diz respeito às aquisições de bens e serviços específica e individualmente referidas no Ponto 134 dos Factos Provados [também identificadas individualmente no Ponto III.7 da Alegação], no qual não estão incluídos os dois investimentos a que se referem os Pontos 34 e 37 dos Factos Provados e diz respeito a aquisições de bens e serviços, cuja veracidade e elegibilidade nunca foram postas em causa – cf. Pontos 133, 134 e 135 dos Factos e Documento n.º 6 junto com a Contestação. 66.ª - No acórdão recorrido, também foi dado como provado que o pedido a que se refere a Conclusão 65.ª que antecede foi apreciado e, em 17.10.2013, o IAPMEI ordenou o processamento do pagamento da quantia de 66.757,... € de Incentivo Reembolsável, que a EMP01..., Lda. recebeu – cf. Ponto 136 dos Factos Provados e Documento n.º 7 junto com a Contestação. 67.ª - No acórdão recorrido, foi dado como provado que, em 28.02.2014, a EMP01..., Lda. submeteu o 2.º Pedido de Adiantamento Contra Fatura, com um valor de investimento apurado de 891.075,00 €, que diz respeito às aquisições de bens e serviços específica e individualmente referidas no Ponto 139 dos Factos Provados, [também identificadas individualmente no Ponto III.7 da Alegação], no qual não estão incluídos os dois investimentos a que se referem os Pontos 34 e 37 dos Factos Provados e diz respeito a aquisições de bens e serviços, cuja veracidade e elegibilidade nunca foram postas em causa. 68.ª - O Tribunal a quo também deu como provado que o pedido referido na Conclusão 67.ª que antecede foi apreciado e, em 30.04.2014, o IAPMEI ordenou o processamento do pagamento da quantia de 546.471,25 € de Incentivo Reembolsável, que a EMP01..., Lda. recebeu – cf. Ponto 141 dos Factos Provados e Documento n.º 10 junto com a Contestação. 69.ª - O Tribunal a quo deu ainda como provado que, em 17.06.2014, a EMP01..., Lda. submeteu o pedido de certificação do 2.º Pedido de Adiantamento contra Fatura e, em 06.08.2014, o IAPMEI apreciou esse pedido e ordenou o processamento do pagamento da quantia de 2.340,00 €, que a EMP01..., Lda. recebeu – cf. Ponto 142 dos Factos Provados e Documento n.º 11 junto com a Contestação. 70.ª - No acórdão recorrido, foi dado como provado que, em 04.09.2014, a EMP01..., Lda. submeteu o 3.º Pedido de Adiantamento Contra Fatura, com um valor de investimento apurado de 849.967,94 €, que diz respeito às aquisições de bens e serviços específica e individualmente referidas no Ponto 145 dos Factos Provados [também identificadas individualmente no Ponto III.7 da Alegação], do que resulta que neste pedido estão incluídos os dois investimentos a que se referem os Pontos 34 e 37 dos Factos Provados, mas também estão incluídas outras aquisições de bens e serviços, cuja veracidade e elegibilidade nunca foram postas em causa – cf. Pontos 144, 145 e 146 dos Factos e Documento n.º 13 junto com a Contestação. 71.ª - O Tribunal a quo também deu como provado que o pedido a que se refere a Conclusão 70.ª que antecede foi apreciado e, em 13.11.2014, o IAPMEI ordenou o processamento do pagamento da quantia de 440.322,31 € de Incentivo Reembolsável, que a EMP01..., Lda. recebeu – cf. Ponto 147 dos Factos Provados e Documento n.º 14 junto com a Contestação. 72.ª - O teor das Faturas de fls. 21 e 52 do processo físico, dos Pontos 133,134, 135, 136, 138, 139, 140, 141, 142, 144, 145, 146 e 147 dos Factos Provados, e dos Documentos n.os 6, 7, 9, 10,11, 13 e 14 juntos com a Contestação, também incluídos nos Factos Provados, impõem, assim, que a decisão sobre o Ponto 46 dos Factos Provados seja revogada e substituída por outra, com os seguintes termos que, respeitosamente, se sugerem: “46. Em razão das aquisições referidas nos Ponto 34 e 37 dos Factos Provados e das demais aquisições específica e individualmente referidas no Ponto 145 dos Factos Provados, comunicadas pelos arguidos ao IAPMEI, no âmbito do projeto de candidatura a fundos comunitários n.ºs Norte – 07 – 0403 – FEDER – ...88, tal entidade procedeu, relativamente a este projeto, aos seguintes pagamentos, para o NIB ...05, nas seguintes datas: - 25.11.2014, no valor de 440.322,31 €, a título de incentivo reembolsável.” [Cf. Ponto III.7 da Alegação]
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73.ª - Nos Pontos 47, 169, 170, 171, 172, 173 e 174 dos Factos Provados [acima transcritos no Ponto III.8 da Alegação] ficou a constar que, em resultado das condutas dos arguidos, nos termos que foram objeto de apreciação no acórdão recorrido, e que o Tribunal a quo considerou tratarem-se de “transações que simularam”, os arguidos teriam logrado obter o pagamento da quantia de 142.600,00 € “a título de IVA” e da quantia 602.000,00 € a título de subsídio, com que teriam aumentado os seus patrimónios, e que essas quantias corresponderiam às “vantagens da atividade criminosa”. 74.ª - Relativamente ao IVA, nos Pontos 47, 169, 170, 171, 172, 173 e 174 dos Factos Provados estão em causa: - a Fatura n.º ...40, emitida pela EMP02..., reproduzida a fls. 21 do processo físico, em que foi liquidado IVA no montante de 34.500,00 €; - e a fatura n.º ...5, emitida pela EMP03..., reproduzida a fls. 52 do processo físico, em que foi liquidado IVA no montante de 108.100,00 €. 75.ª - No acórdão recorrido foi dado como provado que a arguida EMP01..., Lda. pagou e entregou às vendedoras EMP02... e EMP03..., as quantias que estas liquidaram a título de IVA, respetivamente, nas faturas de fls. 21 e 52 do processo físico, e que estas entregaram ao Estado ou compensaram com outros créditos fiscais de que fossem titulares – cf. Pontos 49, 159, 160 dos Factos Provados –, matéria que também foi confirmada pela testemunha CC, que prestou depoimento na audiência de julgamento realizada em 6 de março de 2024, tendo ficado consignado em ata que o seu início ocorreu pelas 15h16m31s e o seu termo pelas 15h45m23s, designadamente nas passagens dos minutos 00:11:56 a 00:15:56 [transcritas no Ponto III.8 da Alegação], e pela testemunha JJ, que também prestou depoimento na audiência de julgamento realizada em 6 de março de 2024, tendo ficado consignado em ata que o seu início ocorreu pelas 15h45m25s e o seu termo pelas 15h46m09s, designadamente nas passagens dos minutos 00:08:43 a 00:09:54 [também transcritas no Ponto III.8 da Alegação]. 76.ª - A arguida EMP01..., Lda. só solicitou a dedução do IVA que pagou e que foi entregue ao Estado ou compensado com outros créditos fiscais das vendedoras EMP02... e EMP03..., o que nunca foi posto em causa e resulta demonstrado, à saciedade, nos autos. 77.ª - No acórdão recorrido não é referida nenhuma norma legal que permita fundamentar a conclusão de que a arguida EMP01..., Lda. não teria direito a deduzir o IVA que pagou em virtude das faturas de fls. 21 e 52 do processo físico, e qualquer interpretação e aplicação normativas nesse sentido sempre seriam contrárias ao princípio da neutralidade do IVA, consagrado, além do mais, na legislação europeia, e objeto de tratamento na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, designadamente nos parágrafos 57 a 60 do Acórdão do TJUE de 19 de setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, Processo C-454/98 e nos parágrafos 92 a 94 do Acórdão do TJUE de 21 de fevereiro de 2006, Halifax, Proc. C-255/02 [transcritos no Ponto III.8 da Alegação]. 78.ª - Relativamente às quantias a título de subsídio, os Recorrentes não conseguem compreender e, com todo o respeito, no acórdão recorrido também não são explicadas as razões pelas quais se deu como provado que o valor do subsídio recebido pela EMP01..., Lda. em virtude dos investimentos a que se referem os Pontos 34 e 37 dos Factos Provados, seria de 602.000,00 € e de que forma é que os arguidos teriam aumentado o seu património nesse montante. 79.ª - Ainda relativamente às quantias a título de subsídio, dá-se por integralmente reproduzido o teor da Conclusões 61.ª a 72.ª que antecedem, das quais resulta, em síntese, que o teor das Faturas de fls. 21 e 52 do processo físico, dos Pontos 133,134, 135, 136, 138, 139, 140, 141, 142, 144, 145, 146 e 147 dos Factos Provados, e dos Documentos n.os 6, 7, 9, 10,11, 13 e 14 juntos com a Contestação, também incluídos nos Factos Provados, demonstram, à saciedade, que o incentivo que a EMP01..., Lda. recebeu em razão das aquisições referidas nos Pontos 34 e 37 dos Factos Provados, que o Tribunal a quo considerou serem falsas, foi recebido em virtude de um pedido apresentado com base nessas e nas demais aquisições específica e individualmente referidas no Ponto 145 dos Factos Provados, foi do valor de 440.322,31 €, recebido em 25.11.2014. ....ª - No acórdão recorrido, foi dado como provado que o incentivo recebido pela arguida EMP01..., Lda. tinha a natureza de Incentivo Reembolsável e que o mesmo correspondia à aplicação de 65 % (SESSENTA E CINCO PORCENTO) do montante das despesas consideradas elegíveis – cf. Ponto 127 dos Factos Provados e fls. 5 e ss. do Apenso I do processo físico e Documento n.º 05 junto com a Contestação. 81.ª - Considerando que o valor total dos investimentos a que se referem os Pontos 34 e 37 dos Factos Provados se cifra em 620.000,00 € (150.000 + 470.000 = 620.000), aplicando a percentagem de 65% prevista no contrato celebrado com o IAPMEI, verifica-se que o incentivo recebido pela EMP01..., Lda. em virtude destes investimentos nunca poderia ser superior a 403.000,00 € (620.000 x 65% = 403.000). 82.ª - Analisando o teor do pedido a título de adiantamento a que se refere o Ponto 145 dos Factos Provados – cf. Documento n.º 13 junto com a Contestação –, verifica-se que, do total de 849.967,94 € de investimento realizado, os investimentos a que se referem os Pontos 34 e 37 dos Factos Provados representam 72,94 % do total do investimento apresentado nesse pedido (620.000 x 100 : 849.967,94 = 72,94), pelo que, se em virtude de um investimento global de 849.967,94 €, a EMP01..., Lda. recebeu um incentivo do valor global de 440.332,31 €, então, o incentivo recebido pela arguida EMP01..., Lda. em virtude dos investimentos a que se referem os Pontos 34 e 37 dos Factos Provados também nunca poderia ser superior a 321.178,38 € (440.332,31 x 72,94% = 321.178,38). 83.ª - Finalmente, o Tribunal a quo deu como provadas as CONDIÇÕES DO INCENTIVO REEMBOLSÁVEL, previstas na Cláusula Oitava do Contrato com o IAPMEI e deu como provado que o IAPMEI consignou que “(o) Plano de reembolsos prevê a primeira prestação em ../../2017 e a última em ../../2019” - cf. designadamente Pontos 129 e 165 dos Factos Provados, fls. 5 e ss. do Apenso I do processo físico e Documentos n.º 05 e 55 juntos com a Contestação -, mas não se pronunciou sobre os reembolsos que foram efetuados pela arguida EMP01..., Lda. e que, na data em que proferiu a decisão, já deveriam estar integralmente efetuados. 84.ª - Na audiência de julgamento realizada em 6 de fevereiro de 2024, a testemunha DD prestou depoimento, tendo ficado consignado em ata que o seu início ocorreu pelas 10h32m50s e o seu termo pelas 12h46m14s, e depôs sobre o incentivo reembolsável, sobre as condições de reembolso e sobre os reembolsos efetuados pela EMP01..., Lda., designadamente nas passagens dos minutos 01:28:46 a 01:32:42, 01:35:10 a 01:36:35 e 02:10:33 a 02:11:50 [transcritas no Ponto III.8 da Alegação] e, resumidamente, confirmou a natureza do incentivo reembolsável aplicável aos investimentos, confirmou a aplicação da taxa de 65% sobre o preço de aquisição das máquinas, confirmou a existência de um plano de reembolso do incentivo reembolsável e confirmou a existência de reembolsos efetivamente efetuados pela arguida EMP01..., Lda., embora, relativamente a estes últimos, tenha referido que não tinha, naquele momento, toda a informação, mas que a iria pedir a um colega e, por determinação da M.ma Senhora Juiz, comprometeu-se a enviá-la. 85.ª - Por email datado de 06.02.2024, às 12:56, Ref.ª Citius ...34, a testemunha DD apresentou nos presentes autos, documento composto por 5 páginas, com as referências “Projeto nº ...88 – Contrato nº ...88”, que contém a informação sobre o plano de reembolso, juntamente com o registo de todos os recebimentos de reembolsos efetuados pela arguida EMP01..., Lda. ao IAPMEI, e do qual consta expressamente que, da quantia total de 1.270.799,56 €, recebida pela EMP01..., Lda. a título de incentivo reembolsável, a quantia de 857.607,97 foi objeto de compensação pelo IAPMEI, com outros créditos a que a EMP01..., Lda. tinha direito, nomeadamente “Prémio de realização” - (300.162,79 € em 18/Mar/2016 e 557.445,18 € em 08/Jul/2020) e que a restante quantia de 413.191,59 € foi reembolsada através de pagamentos sucessivos feitos pela EMP01..., Lda. e recebidos pelo IAPMEI, o primeiro dos quais do montante de 7.963,38 € em 02-05-2017 e o último do montante 615,60 €, acrescido dos respetivos juros, em 30-03-2023. 86.ª - Resulta, por isso, da prova produzida e está demonstrado à saciedade que: - em virtude dos investimentos a que se referem os Pontos 34 e 37 dos Factos Provados que, no acórdão recorrido, foram considerados “informações falsas”, a arguida EMP01..., Lda. recebeu um incentivo de montante não superior a 321.178,38 €; - esse incentivo foi recebido na modalidade de incentivo reembolsável, que corresponde, substancialmente a um financiamento, de natureza idêntica a um empréstimo, com um período de carência de juros; - em virtude do recebimento desse incentivo, e nos termos previstos no contrato celebrado com o IAPMEI, a arguida EMP01..., Lda. ficou obrigada a reembolsar essas quantias, de acordo com um plano de reembolso; - a EMP01..., Lda. Reembolsou integralmente essas quantias ao IAPMEI; pelo que o único benefício obtido pela arguida EMP01..., Lda. em virtude dos investimentos a que se referem os Pontos 34 e 37 dos Factos Provados, apenas poderia corresponder à vantagem patrimonial resultante da carência de juros desde a data da entrega até ao efetivo e integral reembolso, e a afirmação que consta do Ponto 47 dos Factos Provados de que essas quantias foram integradas no património dos arguidos e no da EMP01..., Lda. não corresponde à natureza do incentivo reembolsável, nem às condições do seu reembolso, nem ao seu efetivo e integral reembolso, que ficaram provados e demonstrados documentalmente. 87.ª - O teor das Faturas de fls 21 e 52 do processo físico, o teor dos Pontos 49, 127, 129, 133, 134, 135, 136, 138, 139, 140, 141, 142, 144, 145, 146, 147, 159, 160 e 165 dos Factos Provados, os depoimentos das testemunhas CC, JJ e DD, nomeadamente as passagens acima indicadas nas Conclusões 75.ª e 84.ª que antecedem e transcritas no Ponto III.8 da Alegação, o teor dos parágrafos 57 a 60 do Acórdão do TJUE de 19 de setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, Processo C-454/98 e dos parágrafos 92 a 94 do Acórdão do TJUE de 21 de fevereiro de 2006, Halifax, Proc. 255/02, o teor dos Documentos n.os 5, 6, 7, 9, 10, 11, 13, 14 e 55 juntos com a Contestação e o teor do documento composto por 5 páginas, com as referências “Projeto nº ...88 – Contrato ...88”, junto aos autos pela testemunha DD, por email datado de 06.02.2024m às 12:56, Ref.ª Citius ...34, impõem que: - a decisão sobre os Pontos 169, 170, 172, 173 e 174 dos Factos Provados seja revogada e substituída por outra que inclua esta matéria no elenco dos Factos Não Provados; - a decisão sobre o Ponto 47 dos Factos Provados seja revogada e substituída por outra com os seguintes termos que, respeitosamente, se sugerem: “47. Sucede que com a referida conduta, os arguidos BB, AA e CC, lograram que a EMP01..., Lda. obtivesse a dedução da quantia de €142.600,00 (cento e quarenta e dois mil e seiscentos euros) a título de IVA, que esta tinha pago e quantia não superior a 321.178,38 € (trezentos e vinte e um mil cento e setenta e oito euros e trinta e oito cêntimos), a título de incentivo reembolsável, que a EMP01..., Lda. Reembolsou integralmente ao IAPMEI.” - e que seja aditada aos Factos Provados a matéria respeitante aos reembolsos do incentivo recebido pela arguida EMP01..., Lda., nos termos que, respeitosamente, se sugerem: “47-A. Da quantia total de 1.270.799,56 €, recebida pela EMP01..., Lda. a título de incentivo reembolsável, a quantia de 857.607,97 foi reembolsada através de compensação operada pelo IAPMEI, com outros créditos a que a EMP01..., Lda. tinha direito, nomeadamente “Prémio de realização” - (300.162,79 € em 18/Mar/2016 e 557.445,18 € em 08/Jul/2020), e a restante quantia de 413.191,59 € foi reembolsada através de pagamentos sucessivos feitos pela EMP01..., Lda. e recebidos pelo IAPMEI, indicados no documento composto por 5 páginas, com as referências “Projeto nº ...88 – Contrato ...88”, junto aos autos pela testemunha DD, por email datado de 06.02.2024m às 12:56, Ref.ª Citius ...34, que aqui se dá por integralmente reproduzido, o primeiro dos quais do montante de 7.963,38 € em 02-05-2017 e o último do montante 615,60 €, acrescido dos respetivos juros, em 30-03-2023.” [Cf. Ponto III.8 da Alegação]
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88.ª - Os Pontos 17, 20, 50, 53, 54, 56, 57 e 58 dos Factos Provados contêm matéria meramente conclusiva, ou respeitante às intenções e motivações pessoais e íntimas dos arguidos, sobre as quais não foi feita prova direta, e que o Tribunal a quo considerou provados, com base em meras induções e presunções baseadas na restante factualidade dada como provada, nomeadamente nos Pontos 18, 19, 29, 30, 33, 34, 37, 39, 40, 41, 43, 44, 45, 46, 47, 49, 51, 52 e 55 do Factos Provados, pelo que a impugnação destes Pontos – que, respeitosamente, se entende que deve ser julgada procedente nos termos das Conclusões 15.ª a 87.ª que antecedem – resulta a falta de sustentação e a imposição da inclusão da matéria dos Pontos 17, 20, 50, 53, 54, 56, 57 e 58 no elenco dos Factos Não Provados. [Cf. Ponto III.9 da Alegação]
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DIREITO [Ponto IV da Alegação] Da condenação dos arguidos pela prática de crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção [cf. Ponto IV.1 da Alegação] 89.ª - Sendo julgada procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos acima alegados no Ponto III da Alegação e nas Conclusões 15.ª a 88.ª que antecedem – como, respeitosamente, se entende que deve ser julgada – não estão preenchidos os pressupostos de facto em que o Tribunal a quo baseou a decisão de condenação, devendo os arguidos, ora recorrentes, ser absolvidos do crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, de que foram acusados.
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90.ª - Das normas penais invocadas na acusação e no acórdão recorrido para fundamentar a decisão de condenação dos arguidos, nomeadamente da alínea b), do n.º 8, do art. 36.º do Dec.-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, resulta expressamente que a prática do crime de que os arguidos foram acusados e condenados, pressupõe a existência de uma norma legal que preveja que um determinado facto é condição para a autorização, concessão, reembolso, renovação ou manutenção de uma subvenção, subsídio ou vantagem daí resultante, ou, por outras palavras, o crime de que os arguidos foram acusados só se verifica se existir norma legal que considere determinados factos importantes para a concessão de um subsídio ou subvenção - cf. Designadamente o entendimento plasmado por JOSÉ M. DAMIÃO DA CUNHA, “Burlas e fraudes sobre interesses orçamentais (do Estado Português e da União Europeia)” in Revista do Ministério Público 163, Jul-Set 2020, página 22, a que se adere, com a devida vénia e transcrito no Ponto IV.1.2 da Motivação. 91.ª - A acusação não indica e, no acórdão recorrido também não é identificada, qualquer norma legal que preveja que determinado facto é condição necessária para a autorização, concessão, reembolso, renovação ou manutenção de uma subvenção, subsídio ou vantagem, ou, por outras palavras, a acusação e o acórdão recorrido não identificam qualquer norma legal que considere determinado facto importante para a concessão de um subsídio ou subvenção. 92.ª - Independentemente da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não estão verificados os pressupostos legais previstos nas normas penais invocadas na acusação e no acórdão recorrido para fundamentar a decisão de condenação dos arguidos, nomeadamente na alínea b), do n.º 8, do art. 36.º do Dec.-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, pelo que os arguidos, ora recorrentes, devem ser absolvidos do crime de que foram acusados. - [cf. Ponto IV.1.2 da Alegação]
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93.ª - Os arguidos foram condenados pela prática do crime de burla tributária, p. e p. pelo art. 87.º, n.ºs 1 e 3 do RGIT, por referência ao art. 202.º, al. b) do CP, punível com pena de prisão de 2 a 8 anos; e foram punidos pela prática do crime fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, p. e p. pelo art. 36.º, n.º 1, al. a), n.º 2 e n.º 5, al. a) e n.º 8, al. b), todos do Dec.-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, também punível com pena de prisão de 2 a 8 anos. 94.ª - As decisões de condenação dos arguidos pela prática do crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, e pela prática do crime de burla tributária qualificada fundamentaram-se nos mesmos factos, de acordo com a apreciação feita pelo Tribunal a quo, de que os arguidos teriam simulado as compras e vendas tituladas nas Faturas de fls. 21 e 52 do processo físico, com a finalidade de terem documentação comprovativa de aquisição de equipamento sobrevalorizado, para assim conseguirem obter e retirar benefícios fiscais e vantagens tributárias e ser-lhes concedido um fundo e um subsídio de valor mais elevado – cf. designadamente páginas 76, 78, 84, 87 e 88 do acórdão recorrido, transcritas no Ponto IV.1.3 da Motivação. 95.ª - A decisão de condenação dos arguidos pela prática do crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção viola, assim, o disposto no n.º 4, do art. 87.º do RGIT, pelo que deve ser revogada. - [cf. Ponto IV.1.3 da Alegação]
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96.ª - Os subsídios recebidos pela arguida EMP01..., Lda. enquadram-se no âmbito do programa FEDER – Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, respeitante a fundos comunitários, como ficou expressamente consignado nos Factos Provados – cf. designadamente os Pontos 17, 18, 22 dos Factos Provados. 97.ª - Tal como ficou consignado respetivo preâmbulo, o Dec.-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, teve por objeto a criminalização e punição das atividades delituosas contra a economia nacional, e quando foi conferida a autorização legislativa prevista na Lei n.º 12/83, de 24 de agosto, Portugal ainda nem sequer pertencia à Comunidade Europeia (mais tarde União Europeia), pelo que essa autorização legislativa não podia, por natureza, atribuir competência ao Governo para legislar sobre a criminalização de condutas contra os interesses financeiros da União Europeia. 98.ª - A interpretação e a aplicação do art. 36.º do Dec.-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, feitas no acórdão recorrido, no sentido de que o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção se aplica à situação dos autos, em que o subsídio ou subvenção é proveniente de fundos da União Europeia padece, assim, de inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto na alínea c), do n.º 1, do art. 165.º da CRP (anterior art. 168.º), o que expressamente se invoca para todos os efeitos legais. - [cf. Ponto IV.1.4 da Alegação]
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99.ª - O bem jurídico constitui o fundamento da previsão e aplicação da norma penal e, relativamente ao bem jurídico protegido pela previsão do crime de fraude na obtenção de subsídio, adere-se, com a devida vénia, aos entendimentos e considerações doutrinários e jurisprudenciais transcritos no acórdão recorrido, e que aqui se dão por reproduzidos - cf. página 74 do acórdão recorrido. 100.ª - Trata-se, essencialmente, de garantir que os dinheiros públicos são aplicados nos fins específicos a que se destinam e, in casu, os incentivos destinavam-se à capacitação das empresas com vista à produção de novos bens e serviços ou na adoção de novos processos tecnológicos, organizacionais ou de inovação de mercado, privilegiando a orientação do produto interno para a procura externa. 101.ª - Não há dúvidas de que os incentivos recebidos pela EMP01..., Lda. ao abrigo do contrato foram todos aplicados na melhoria da sua capacidade produtiva e de exportação, como, aliás, vem evidenciado nas sucessivas decisões do IAPMEI juntas aos autos, com a respetiva avaliação de desempenho. 102.ª - No acórdão recorrido, foi dado como provado que, em 30.12.2015, a EMP01..., Lda. adquiriu uma nova linha de serração e, em 19.12.2018, solicitou a substituição do investimento relativamente à rubrica n.º 1 do Mapa de Investimentos do projeto, que correspondia ao investimento a que se refere o Ponto 34 dos Factos Provados – cf. Ponto 166 dos Factos Provados – e também foi dado como provado que esse pedido foi apreciado e aceite pelo IAPMEI, por decisão de 07.07.2020 – cf. Ponto 167 dos Factos Provados. 103.ª - Também foi dado como provado que, em 28.10.2014, ocorreu um incêndio na máquina, que respeita ao investimento relativamente à rubrica n.º 7 do Mapa de Investimentos, e a que se reporta o Ponto 37 dos Factos Provados – cf. Ponto 158 dos Factos Provados – e, na motivação da decisão sobre a matéria de facto, ficou consignado que esse equipamento foi substituído por outro, adquirido à “EMP06...” - cf. páginas 61 e 62 do acórdão recorrido. 104.ª - Independentemente dos erros ou irregularidades que o Tribunal a quo considere terem existido na fase de candidatura ou na fase de execução do projeto, e independentemente da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, resulta dos factos provados, nomeadamente nos termos acima expostos, que as finalidades para que foram concedidos os incentivos à EMP01..., Lda. foram totalmente prosseguidas, e todos os incentivos recebidos acabaram por ser aplicados no financiamento de máquinas totalmente novas e inquestionavelmente elegíveis, pelo que, in casu, o bem jurídico que a previsão do crime de fraude na obtenção de subsídio visa proteger foi totalmente salvaguardado e prosseguido, pelo que os factos, considerações e conclusões acima expostos impõem a absolvição dos arguidos, sob pena de aplicação de norma penal sem fundamento. - [cf. Ponto IV.1. da Alegação]
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Da condenação dos arguidos pela prática de crime de burla tributária qualificada - [cf. Ponto IV.2 da Alegação] 105.ª - Sendo julgada procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos acima alegados no Ponto III da Motivação e nas Conclusões 15.ª a 88.ª que antecedem – como, respeitosamente, se entende que deve ser julgada – não estão preenchidos os pressupostos de facto em que o Tribunal a quo baseou a decisão de condenação, devendo os arguidos, ora recorrentes, ser absolvidos do crime de burla tributária qualificada, de que foram acusados.
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106.ª - Resulta dos Factos Provados, e está abundantemente documentado nos autos, que a arguida EMP01..., Lda. Apenas solicitou a dedução do IVA que pagou em virtude das compras tituladas nas Faturas de fls. 21 e 52 do processo físico - cf. designadamente Ponto 39 dos Factos Provados. 107.ª - Não é posto em causa, e também está amplamente documentado nos autos, que os vendedores EMP02... e EMP03... fizeram constar essas faturas da sua contabilidade e efetuaram as devidas declarações e operações tributárias correspondentes a essas vendas, pelo que nenhum interveniente deixou de pagar ou de entregar ao Estado as quantias que a arguida EMP01..., Lda. pagou a título de IVA e ou de efetuar as devidas compensações tributárias com outros créditos de que eram titulares. 108.ª - Não existiu qualquer enriquecimento da arguida EMP01..., Lda. ou de terceiros, nem qualquer empobrecimento do Estado ou de terceiros, pelo que a decisão de condenação dos arguidos pela prática de um crime de burla tributária qualificada viola o disposto no art. 87.º do RGIT e, por isso, deve ser revogada. [cf. Ponto IV.2.2 da Alegação]
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109.ª - Na acusação, e no acórdão recorrido, não é referida nenhuma norma legal que permita fundamentar a conclusão de que a arguida EMP01..., Lda. não teria direito a deduzir o IVA que pagou, pelo que essa conclusão não está legalmente fundamentada. 110.ª - Qualquer interpretação e aplicação normativas no sentido de que a arguida EMP01..., Lda. não teria o direito de deduzir o IVA pago sempre seria manifestamente contrária ao Direito da União Europeia, nomeadamente ao princípio da neutralidade do IVA, nos termos que resultam dos parágrafos 57 a 60 do Acórdão do TJUE de 19 de setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, Processo C-454/98 e dos parágrafos 92 a 94 do Acórdão do TJUE de 21 de fevereiro de 2006, Halifax, Proc. C-255/02 [transcritos no Ponto IV.2.3 da Alegação]. 111.ª - A arguida EMP01..., Lda. não obteve qualquer benefício indevido, nem causou qualquer prejuízo, tendo apenas deduzido o IVA que pagou, em cumprimento do princípio da neutralidade do IVA, pelo que a decisão de condenação dos arguidos pela prática de um crime de burla tributária qualificada, para além de ter sido proferida sem fundamento legal, viola, além do mais, o disposto no art. 87.º do RGIT e o princípio da neutralidade do IVA, consagrado nos parágrafos 57 a 60 do Acórdão do TJUE de 19 de setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, Processo C-454/98 e nos parágrafos 92 a 94 do Acórdão do TJUE de 21 de fevereiro de 2006, Halifax, Proc. C-255/02, pelo que, também por isso, deve ser revogada. - [cf. Ponto IV.2.3 da Alegação]
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112.ª - Os factos e as considerações, com base nos quais o Tribunal a quo fundamentou a decisão de condenação dos arguidos pela prática do crime de burla tributária qualificada - cf. designadamente páginas 88 e 89 do acórdão recorrido -, caso fossem suficientes para sustentar uma decisão de condenação, sempre se reconduziriam à previsão do crime de fraude fiscal e não ao crime de burla tributária, pelo que a decisão de condenação dos arguidos pela prática de um crime de burla tributária qualificada, para além de ter sido proferida sem fundamento legal, também viola o disposto na alínea c), do n.º 1, do art. 103.º, da alínea d), do n.º 1 e na alínea b), do n.º 2, do art. 104.º, todos do RGIT, pelo que, também por isso, deve ser revogada. - [cf. Ponto IV.2.4 da Alegação]
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113.ª - Considerando, designadamente, o teor do despacho de arquivamento proferido em 13.12.2022, nomeadamente as passagens transcritas no Ponto IV.2.5 da Alegação, constata-se que, no âmbito do mesmo processo, nos presentes autos, os mesmos factos foram analisados e enquadrados juridicamente de formas totalmente distintas consoante os arguidos,mdesignadamente nos seguintes termos: a) Quanto aos arguidos EMP02..., “EMP03..., Lda.” e “EMP04..., Lda.” e respetivos gerentes, os factos foram analisados e enquadrados à luz do crime de fraude fiscal; e, em sentido, totalmente distinto, quanto aos arguidos EMP01..., Lda., AA, BB e CC, os mesmos factos foram analisados e enquadrados à luz do crime de burla tributária; b) Quanto aos arguidos EMP02..., “EMP03..., Lda.” e “EMP04..., Lda.” e respetivos gerentes, ficou consignado que a relevância da utilização das faturas para efeitos de pedidos de dedução de IVA dependia da análise conjunta de todas as operações tributárias relacionadas com as mesmas; e, em sentido, totalmente distinto, quanto aos arguidos EMP01..., Lda., AA, BB e CC, concluiu-se que as mesmas faturas não podiam ser apresentadas para efeitos de pedidos de dedução de IVA, independentemente das restantes operações tributária relacionadas com as mesmas, nomeadamente o facto de os pedidos de dedução dizerem respeito a IVA efetivamente pago; c) Quanto aos arguidos EMP02..., “EMP03..., Lda.” e “EMP04..., Lda.” e respetivos gerentes considerou-se que, para o cálculo do valor das eventuais vantagens obtidas a título de IVA, era relevante a diferença entre o “IVA que liquidaram” e o “IVA que deduziram”; mas, quanto aos arguidos EMP01..., Lda., AA, BB e CC, não só não foi considerada a diferença entre o IVA que liquidaram e o IVA que deduziram, como – mais grave e incompreensível – não foi considerada a diferença entre o IVA que efetivamente pagaram e o IVA que deduziram. 114.ª - A decisão de condenação dos arguidos pela prática de um crime de burla tributária qualificada viola, assim, o princípio da igualdade, consagrado, além do mais, no n.º 1, do art. 13.º da CRP, e o princípio do caso julgado, pelo que, também por isso, deve ser revogada.
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Da declaração de perda de vantagem patrimonial [Ponto IV.3 da Alegação] 115.ª - Sendo julgada procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos acima alegados no Ponto III da Motivação e nas Conclusões 15.ª a 88.ª que antecedem – como, respeitosamente, se entende que deve ser julgada – não estão preenchidos os pressupostos de facto em que o Tribunal a quo baseou a decisão de declaração da perda a favor do Estado da vantagem patrimonial devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que julgue o pedido improcedente e absolva os arguidos do mesmo.
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116.ª - Independentemente da eventual procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, resulta dos Factos Provados, tal como vêm consignados no acórdão recorrido, que as quantias recebidas pela EMP01..., Lda. em virtude dos investimentos que o Tribunal a quo considerou serem falsos, foram recebidas a título de incentivo reembolsável – cf. designadamente Pontos 127, 129, 136, 141 e 147 dos Factos Provados e teor do contrato de fls. 5 e seguintes do Apenso I e Doc. n.º 5 junto com a Contestação, designadamente a al. a), do n.º 1 e n.º 2 da Cláusula Terceira e Cláusula Oitava, que também foram incluídos nos Factos Provados- e que o reembolso ao IAPMEI estava previsto ocorrer entre ../../2017 e ../../2019 – cf. Ponto 165 dos Factos Provados. 117.ª - O Tribunal a quo sabia e deu como provados factos dos quais decorre que o incentivo recebido pela arguida EMP01..., Lda. tinha a natureza de incentivo reembolsável e sabia e deu como provados factos dos quais decorre que o prazo para o reembolso desse incentivo já tinha iniciado e devia ter terminado muitos anos antes de proferir a decisão. 118.ª - No decurso do julgamento foi expressa e manifestamente demonstrado e reconhecido pelo próprio IAPMEI, que a arguida EMP01..., Lda. já procedeu à restituição integral do incentivo reembolsável que recebeu, como resultou, designadamente do depoimento da testemunha DD, técnico do IAPMEI, e do documento junto por esta testemunha por email datado de 06.02.2024m às 12:56, Ref.ª Citius ...34. 119.ª - Os factos provados e os demais factos, declarações e documentos constantes dos autos, nomeadamente os acima referidos demonstram que a única vantagem que a EMP01..., Lda. obteve em virtude dos investimentos que o Tribunal a quo considerou serem falsos, foi a vantagem patrimonial resultante da carência de juros desde a data da entrega das quantias a título de incentivo reembolsável, até à sua efetiva e integral restituição, já ocorrida. 120.ª - Ainda que o incentivo recebido pela EMP01..., Lda. em virtude dos investimentos que o Tribunal a quo considerou serem falsos fosse do valor de 602.000,00 € - e não foi -, a declaração de perda de uma quantia que foi recebida com a obrigação de restituição e que já foi integralmente restituída ao IAPMEI traduz-se numa “dupla “penalização” para o agente” - cf. Ac. do TRL de 04/04/2019, citado no acórdão recorrido na página 110 - e configura uma “verdadeira violação do ne bis in idem” - cf. Comentário citado no acórdão recorrido na página 108. 121.ª - A decisão de declaração de perda de vantagens no valor de 602.000,00 €, referente a incentivo reembolsável recebido e já restituído pela arguida EMP01..., Lda. viola, assim, o disposto no art. 110.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.ºs 3 a 6 do Código Penal, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue o pedido improcedente nessa parte. 122.ª - No acórdão recorrido, foi dado como provado que, em consequência das condutas que o Tribunal a quo considerou tratarem-se de operações simuladas, tituladas nas Faturas de fls. 21 e 52 do processo físico, a arguida EMP01..., Lda. pagou a quantia global de 142.600,00 €, a título de IVA – cf. designadamente os Pontos 49, 159, 160 dos Factos Provados -, correspondente ao montante do pedido de dedução de IVA que apresentou com base nas mesmas faturas, direito que lhe assiste, desde logo por aplicação do princípio da neutralidade do IVA consagrado, além do mais, no Direito da União Europeia, e consagrado, além do mais, nos parágrafos 57 a 60 do Acórdão do TJUE de 19 de setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, Processo C- 454/98 e nos parágrafos 92 a 94 do Acórdão do TJUE de 21 de fevereiro de 2006, Halifax, Proc. C-255/02. 123.ª - Ou seja, com a celebração das operações que o Tribunal a quo considerou simuladas, e com as correspondentes declarações tributárias, a arguida EMP01..., Lda. não obteve e nunca poderia obter quaisquer vantagem patrimonial. 124.ª - A decisão de declaração de perda de vantagens no valor de 142.600,00 €, referente a IVA, viola, assim, o disposto no art. 110.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.ºs 3 a 6 do Código Penal, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue o pedido improcedente nessa parte.
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125.ª: A decisão recorrida viola, além do mais, o disposto nos artigos 125.º, 356.º e n.º 2, do art. 374.º do CPP, nos artigos 219.º, 240.º e 874.º do Código Civil, no parágrafo 1.º, do art. 463.º do Código Comercial, o princípio da neutralidade do IVA, consagrado no Direito da União Europeia, designadamente nos parágrafos 57 a 60 do Acórdão do TJUE de 19 de setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, Processo C-454/98 e nos parágrafos 92 a 94 do Acórdão do TJUE de 21 de fevereiro de 2006, Halifax, Proc. C-255/02, no n.º 1, do art. 13.º e na alínea c), do n.º 1, do art. 165.º da CRP (anterior art. 168.º) da CRP, na alínea b), do n.º 8, do art. 36.º do Dec.-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, nos n.ºs 1, 3 e 4, do art. 87.º, na alínea c), do n.º 1, do art. 103.º, e na alínea d), do n.º 1, e na alínea b), do n.º 2, do art. 104.º, todos do RGIT, e nas alíneas a) e b), do n.º 1 e n.ºs 3 a 6 do art. 110.º do Código Penal”.
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Inconformado com a decisão condenatória, veio o arguido CC interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
“1. Entende o Recorrente que o Acórdão proferido padece de erro de julgamento, quer quanto à decisão sobre a matéria de facto como quanto à decisão sobre a matéria de direito, e de contradição insanável da fundamentação. 2. O recorrente considera incorretamente julgados os seguintes pontos de facto: - que o recorrente tenha criado, em conjunto com os demais arguidos, um esquema que consistia, além de outras práticas, em incorporar na contabilidade da sociedade EMP01... despesas que não foram efetivamente suportadas pela aquisição dos equipamentos (cfr., ponto 19 dos factos provados); - que o bem vendido pela sociedade EMP03..., Lda. (cfr., pontos 35 a 37 dos factos provados) já anteriormente pertencia à EMP01... Lda. (cfr., ponto 39 dos factos provados); - que o recorrente tenha integrado no seu património a totalidade ou parte da quantia de € 142.600,00, recebida a título de IVA, e da quantia de € 602.000,00, recebida a título de subsídio (cfr., ponto 47 dos factos provados); - que o Recorrente, e os demais arguidos, atuando como representantes legais da empresa e em nome desta, com a sua conduta, tenham logrado integrar no património da EMP01..., Lda., a título de reembolso de IVA, o montante global de € 142.600,00, com o qual aumentaram o seu património (cfr., ponto 171 dos factos provados); - que o Recorrente, e os demais arguidos, atuando como representantes legais da empresa e em nome desta, com a sua conduta, tenham logrado integrar no património da EMP01..., Lda., a título de subsídios indevidamente obtidos, o montante global de, pelo menos, € 602.000,00, com o qual aumentaram o seu património (cfr., pontos 169 e 170 dos factos provados); - a circunstância de não ter sido dado como provado o facto de a EMP01... Lda. ter reembolsado subsídios no montante de € 413.191,59, bem como o facto de não ter sido dado como provado que as vantagens decorrentes da prática do crime de fraude na Obtenção de subsídio ainda não reembolsadas têm apenas por medida o valor de € 271.775,96. 3. Considera o recorrente que não foi produzida qualquer prova que permita dar por assente que a despesa incorporada na contabilidade da sociedade arguida através da fatura n.º ...5 não foi efetivamente suportada por aquela arguida. 4. Impõem decisão diversa da recorrida a prova documental junta com a contestação sob os números 36 a 50, de cujos dizeres se extrai a realização de uma prestação, no montante de € 578.100,00 (quinhentos e setenta e oito mil e cem euros), efetuada pela sociedade arguida a favor da sociedade EMP03..., Lda., para pagamento do preço indicado e do IVA liquidado no mencionado documento contabilístico. Ora, este pagamento – que o tribunal «a quo» considera provado (vide, ponto 160 dos factos provados) - implicou (necessariamente) para a sociedade arguida a diminuição do seu património na exata medida do valor da prestação efetuada, e, nessa aceção, dúvidas não há que o pagamento realizado equivale um custo ou despesa de valor igual a € 578.100,00. 5. Nenhum meio de prova, incluídas presunções suscetíveis de extrair de quaisquer factos julgados provados, pode sustentar, direta ou indiretamente, e com o mínimo de segurança, que a despesa incorporada na fatura n.º ...5 (ou) não foi efetivamente suportada pela sociedade arguida (ou mesmo que a despesa foi, de alguma maneira, previamente suportada por outrem) ou que veio a ser posteriormente anulada, impondo-se antes, por força dos documentos juntos com a contestação sob os números 36 a 50, o seu contrário, i.e., que se dê como provado que a sociedade arguida suportou a despesa, no montante de € 578.100,00, incorporada na fatura n.º ...5. 6. Diga-se, por outro lado, que a decisão de considerar como provado que a despesa incorporada na fatura n.º ...5 não foi efetivamente suportada pela sociedade arguida consubstancia uma contradição insanável da fundamentação, posto que está em flagrante oposição com o que se declara no ponto 160 dos factos provados, i.e., de que “(…) a EMP01... Lda. pagou, e a EMP03... Lda. recebeu o preço integral devido por esta compra e venda”, pelo que se impõe a sua alteração nos termos pugnados. 7. Anote-se, em abono do entendimento que se defende, que, uma vez julgado provado que a sociedade arguida pagou e a EMP03... Lda. recebeu o preço integral indicado na fatura n.º ...5, a tese de que a despesa incorporada neste documento contabilístico não foi efetivamente suportada só faria sentido se pudesse ser extraído, de algum dos demais factos provados a prévia disponibilização, necessariamente por terceiro, dos fundos necessários à realização dessa despesa (circunstância que poderia levar à conclusão de que a despesa não tinha sido efetivamente suportada pela sociedade arguida) ou, numa outra hipótese, que deles pudesse resultar a posterior restituição, devolução, reposição ou compensação do valor pago à sociedade arguida, anulando-se, por via de um desses mecanismos, a despesa anteriormente feita. Pois bem, nenhum elemento de prova constante do processo se mostra, isoladamente ou em conjunto com os demais, capaz de produzir semelhante prova. 8. O recorrente considera que o decidido quanto ao segmento de facto constante do ponto 19 dos factos julgados provados padece de manifesto erro de julgamento, conforme se extrai das faturas n.ºs ...2..., de 01.07.2013, 5E, de 26.02.2014, 24E, de 16.12.2013, 6E, de 02.04.2024, 25E, de 16.12.2013, ..., de 02.04.2014, emitidas pela 10/13 EMP06..., S.L (cfr., fls. 24 e ss), fatura n.º ..., de 22.08.2014, emitida pela sociedade EMP04... (cfr., fls. 51) e fatura ...5, de 27.08.2014, emitida pela sociedade EMP03..., Lda. (cfr. fls 52). 9. Considera o recorrente que nenhum meio de prova, incluídas presunções que possam ser extraídas de quaisquer factos julgados provados, pode, direta ou indiretamente sustentar, com o mínimo de segurança, que os equipamentos designados por “secado de banda a baja temperatura” e por “Linha de Biomassa”, sejam ou não o mesmo equipamento, tenham sido antes propriedade da sociedade arguida, impondo-se antes, por força das faturas mencionadas, o seu contrário, i.e., que se dê como não provado que a sociedade arguida tenha sido antes proprietária do equipamento denominado “secado de banda a baja temperatura” ou do equipamento designado por “linha de Biomassa”. 10. Diga-se, ademais, que a decisão de considerar como provado que a arguida, em momento anterior ao negócio celebrado com a sociedade EMP03..., Lda, era já proprietária do equipamento adquirido consubstancia uma contradição insanável da fundamentação, posto que está em flagrante oposição com o que se declara nos pontos 35, 36, 37, 155, 156 e 157 dos factos provados, nomeadamente, a circunstância – julgada provada - de ter sido a sociedade EMP04... – e não a sociedade arguida - quem validamente adquiriu um equipamento designado de secado de banda a baja temperatura ao fornecedor intracomunitário “EMP06..., S.L.” (pontos 35 e 155 dos factos provados), de onde se conclui ter sido esta a única sociedade, em face dos demais factos provados (sobretudo aqueles que fundam um juízo de simulação quanto aos negócios subsequentes), a única proprietária anterior dos referidos bens, pelo que se impõe a sua alteração nos termos pugnados. 11. Deu o tribunal «a quo» como provado que os arguidos BB, AA e CC lograram obter o pagamento indevido da quantia de € 142.600, a título de IVA, e de € 602.000,00 que integraram no seu património (cfr. ponto 47 dos factos provados). 12. Sucede que nenhum meio de prova produzido, designadamente, testemunhal ou documental, se mostra minimamente apto - por não ter por objeto tal realidade – a provar, direta ou indiretamente, incluído por meio de presunções, que o recorrente integrou no seu património qualquer fração dos pagamentos recebidos a título de IVA ou subsídio. 13. Assim, impõe-se que se dê como não provado, por absoluta ausência de prova da verificação do facto, que o arguido integrou no seu património qualquer fração das quantias recebidas a título de IVA ou de subsídio. 14. Sublinhe-se ainda que a decisão de considerar provada a dita factualidade consubstancia uma contradição insanável da fundamentação, posto que está em flagrante oposição com o que se declara - e se considera provado - nos pontos 169, 170, 171 dos factos provados, i.e.., muito sumariamente, de que aquelas quantias recebidas a título de IVA e de subsídio foram integradas no património da sociedade arguida, pelo que se impõe alteração da decisão nos termos pugnados. 15. Dúvidas não há, atentas as declarações IVA entregues pelas sociedades EMP02..., Lda, EMP03... Lda e considerados os documentos elaborados pela AT que comprovam o pagamento do imposto apurado nessas declarações – constantes a fls. … do processo -, que o reembolso do IVA feito à sociedade arguida, por um lado, não diminuiu o património estático do Estado (posto que da alegada falsificação das faturas n.ºs ...5 e ...40 não resulta uma saída de dinheiro do Estado sem a correspondente entrada), nem tampouco aumentou o património da sociedade arguida, posto que esta apenas foi reembolsada do crédito do IVA calculado de acordo com o método de crédito do imposto, cálculo para o qual concorreu o pagamento do IVA que a sociedade arguida efetivamente fez às sociedade EMP03... Lda e EMP02... Lda no período em causa, conforme, de resto, conforme resulta provado atento (cfr., pontos 49 e 160 dos factos provados). 16. Concluindo: as declarações IVA entregues pelas sociedades EMP02..., Lda, EMP03... Lda e os documentos elaborados pela AT que comprovam o pagamento do imposto apurado nessas declarações, impõem decisão diversa da recorrida, i.e., que a quantia obtida a título de reembolso de IVA não aumentou o património da arguida. 17. Deu o tribunal «a quo» como provado que que o Recorrente, e os demais arguidos, atuando como representantes legais da empresa e em nome desta, com a sua conduta, lograram integrar no património da EMP01..., Lda., a título de subsídios indevidamente obtidos, o montante global de, pelo menos, € 602.000,00, com o qual aumentaram o seu património (cfr., pontos 169 e 170 dos factos provados). 18. O recorrente considera que o decidido quanto a esta matéria constitui o erro de julgamento porventura mais patente, conforme impõem os meios de prova produzidos atinentes com a matéria, e que consistem nos seguintes: - o contrato de concessão de incentivos financeiros no âmbito do Sistema de Incentivos à Inovação n.º ...88, celebrado entre a sociedade arguida e o IAPMEI (documento n.º 5 junto com a contestação); - os pedidos de Adiantamento contra fatura (documento n.ºs 6, 9, 13 juntos com a contestação); - as decisões de certificação de despesa (documentos n.ºs 7, 8, 10, 11, 14 e 55 juntos com a contestação); - pedido de reembolso final (documento n.º 53 junto com a contestação); e - o documento comprovativo do pagamento, pelo IAPMEI, no âmbito contrato de concessão de incentivos financeiros no âmbito do Sistema de Incentivos à Inovação n.º ...88, da quantia global de € 1.270.799,56 (cfr., fls. 120 dos autos principais); 19. Dúvidas não há que por causa das despesas evidenciadas pelas faturas n.ºs ...5 e ...40 e que foram consideradas elegíveis no âmbito do contrato de concessão de incentivos financeiros no âmbito do Sistema de Incentivos à Inovação n.º ...88, o IAPMEI apenas atribuiu um subsídio reembolsável de valor igual a 65% dessa despesa, que, in casu, correspondeu ao montante de € 403.000,00 (quatrocentos e três mil euros). 20. Assim, a prova documental supra indicada impõe, por si só, decisão diversa da recorrida, i.e., impõe que se decida julgar provado que, aquando da obtenção do subsídio (indevidamente recebido), apenas foi integrado no património da EMP01..., Lda. montante de € 403.000,00. 21. Considera o recorrente que nenhum meio de prova, incluídas presunções que possam ser extraídas de quaisquer factos julgados provados, pode, direta ou indiretamente sustentar decisão diferente da pugnada. A razão é a seguinte: nenhum outro meio de prova produzido tem por objeto tal matéria, i.e., a medida do montante indevidamente subsidiado por força das despesas que se julgaram forjadas. 22. Diga-se, por outro lado, que a decisão de considerar como provado que foi integrado no património da EMP01..., Lda., a título de subsídios indevidamente obtidos, o montante global de, pelo menos, € 602.000,00, consubstancia uma contradição insanável da fundamentação, posto que está em flagrante oposição com o que se infere dos pontos 144, 145, 146 e 147 dos factos provados, i.e., em síntese, de que “(…) a EMP01... Lda. apenas recebeu um subsídio de € 440.322,31 em face de uma despesa comprovada e elegível de € 849.967,94. 23. O tribunal «a quo» não deu como provado que a EMP01... Lda., reembolsou incentivos no montante de € 413.191,59 ao IAPMEI. 24. Admite-se que a decisão assim tomada poderá fundar-se na circunstância de o facto não constar do despacho de acusação ou da contestação apresentada. 25. Tal circunstância não é, porém, impeditiva de o facto – absolutamente essencial à justiça da decisão - poder ser considerado, na medida em que, na perspetiva do recorrente e como se verá, resultou da discussão da causa (cfr., o artigo 368.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). 26. Os meios de prova que impõem considerar provado que a EMP01... Lda. reembolsou incentivos no montante de € 413.191,59 ao IAPMEI correspondem aos atos com as referências eletrónicas ...38 e ...34. 27. A prova de que EMP01... Lda. reembolsou incentivos ao IAPMEI no montante de € 413.191,59, tem implicações para a determinação da medida da vantagem que pode ser declarada perdida por força da prática do crime de Fraude Obtenção de subsídio. 28. Decorrendo dos factos provados que a sociedade arguida recebeu incentivos no montante de € 1.270.799,56 (cfr., documentos juntos com a contestação), em resultado de investimentos e despesas comprovadas no montante de € 1.956.420,00 (cfr., idem), e sendo certo que o IAPMEI foi posteriormente reembolsado do valor de € 413.191,59 (cfr., atos com as referências eletrónicas ...38 e ...34), com facilidade se conclui que na esfera jurídica da sociedade arguida apenas se mantiveram, por efeitos dos reembolsos realizados, vantagens – incentivos não reembolsados - no valor de € 857.607,97 (€ 1.270.799,56 - € 413.191,59). 29. Ora, se por conta de um investimento de € 1.956.420,00 a sociedade arguida apenas manteve subsídios no montante de € 857.607,97, e se o contributo das faturas ...5 e ...40 naquele investimento foi em medida igual a € 31,69%, com facilidade se conclui que as vantagens para sociedade arguida decorrentes da prática do crime de Fraude na Obtenção de Subsídio têm apenas por medida € 271 775,96 (duzentos e setenta e um mil setecentos e setenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos). 30. Considera o Recorrente que os factos provados, tal como se pugna, não consentem considerar cometido o crime de burla tributária, na medida em que, conforme supra assinalado, o reembolso do IVA à sociedade arguida, não diminuiu o património estático do Estado, nem tampouco enriqueceu o património da sociedade arguida, certo que esta efetivamente pagou o IVA que veio a contribuir para a formação do seu crédito de imposto. 31. Por conseguinte, não tendo havido qualquer atribuição patrimonial à arguida de que tivesse resultado o seu enriquecimento ou de terceiro, com facilidade se conclui que o Recorrente, ou os arguidos, não praticaram o crime de burla tributária, pelo que a decisão proferida viola o disposto no artigo 87.º, n.º 1, do RGIT. 32. Considera o Recorrente que a sua condenação no pagamento de vantagens padece de erro de julgamento, além de consubstanciar uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão. 33. De acordo com os factos considerados provados, as vantagens decorrentes da prática dos crimes integraram-se exclusivamente no património da sociedade arguida (cfr., pontos 169, 170 e 171). 34. A ser assim, dúvidas não há, de acordo com a correta interpretação dos preceitos legais, especialmente o artigo 111.º do código penal, que, se as vantagens apenas tiverem aproveitado a um dos agentes do crime, a perda apenas pode ser decretada contra a pessoa beneficiada – “se as vantagens do crime aproveitarem à pessoa em nome de quem o facto foi praticado, a perda é decretada contra a pessoa beneficiada. Por exemplo, se o empregado de uma empresa comete uma fraude fiscal em benefício desta, a perda de vantagem é decretada contra a empresa” – Paulo Pinto de ..., in Comentário do Código Penal, página 317, nota 9, Universidade Católica Portuguesa. 35. Assim, ao decidir como decidiu, violou o tribunal «a quo», entre outros, o disposto no artigo 111 do Código Penal”.
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Os recursos foram admitidos para este Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho datado de 18.06.2024, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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O Ministério Público apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido CC, formulando as seguintes conclusões:
“1. Considera-se que a versão dada como provada tem total apoio na prova produzida na audiência de julgamento, não apresenta contradições entre si, está devidamente fundamentada e é, face às regras da experiência comum e à livre convicção do julgador, uma leitura mais do que razoável dessa prova. 2. Provou-se que os arguidos, em representação da sociedade arguida por eles gerida, integraram na declaração periódica de IVA, enviada à administração fiscal, o pedido de reembolso do IVA do período de agosto de 2014, no qual incluíram as faturas, cujo respetivo IVA ascendia ao valor de €142.600,00, apesar destas não corresponderem a transações reais. 3. Este pedido foi deferido pela AT e o reembolso integralmente efetuado à EMP01..., Lda. 4. A decisão recorrida fez uma correcta e criteriosa aplicação do direito, não violou qualquer norma legal, pelo que deve ser mantida”.
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O Ministério Público apresentou resposta ao recurso interposto pelos arguidos EMP01..., Lda, AA e BB, formulando as seguintes conclusões:
“1. Considera-se que a versão dada como provada tem total apoio na prova produzida na audiência de julgamento, não apresenta contradições entre si, está devidamente fundamentada e é, face às regras da experiência comum e à livre convicção do julgador, uma leitura mais do que razoável dessa prova. 2. Provou-se que os arguidos, em representação da sociedade arguida por eles gerida, aproveitando-se do exercício de funções de gerentes, que desempenhavam – quer na EMP01..., quer na EMP04... – e da facilidade de relacionamento decorrente dessa circunstância- criaram um esquema por forma a que máquinas que já estavam previamente na posse de uma destas empresas passassem a integrar a candidatura ao projeto do IAPMEI, conseguindo faze-las passar por novas e empolar o seu preço, com vista à obtenção de um subsídio maior. 3. Provou-se, ainda, que os arguidos, em representação da sociedade arguida por eles gerida, integraram na declaração periódica de IVA, enviada à administração fiscal, o pedido de reembolso do IVA do período de agosto de 2014, no qual incluíram as faturas, cujo respetivo IVA ascendia ao valor de €142.600,00, apesar destas não corresponderem a transações reais. 4. Este pedido foi deferido pela AT e o reembolso integralmente efetuado à EMP01..., Lda. 5. A decisão recorrida fez uma correcta e criteriosa aplicação do direito, não violou qualquer norma legal, pelo que deve ser mantida”.
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Nesta Relação, o Exmo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, formulando as seguintes conclusões:
“1) O acórdão colocado sob apreciação não padece de nulidade, tendo realizado um suficiente e legal exame crítico das provas, possuindo, por isso, pertinente fundamentação; 2) Os recursos dos arguidos e da sociedade arguida deverão ser julgados improcedente relativamente à impugnação da concreta factualidade de que divergem, pois que não se verifica em relação a ela um qualquer erro de julgamento que importe reparar, por inexistência de quaisquer provas que imponham decisão diversa, e por aqueles, irremediavelmente, se haverem afastado do previsto no art.º 412, n.ºs 3 e 4 do CPPenal, colocando-se em confronto com o disposto no art.º 127 do mesmo CPPenal; 3) A intangibilidade da matéria de facto vertida no acórdão recolhe também fundamento por ele não possuir qualquer contradição insanável na sua fundamentação – art.º 410, n.º 2, al. b) do CPPenal, verificando-se nele uma completa harmonia factual e lógica discursiva. 4) Contudo, surpreende-se no texto da decisão recorrida uma insuficiência da matéria de facto para a decisão – art.º 410, n.º2, al. a) do dito CPPenal, porquanto tendo-se dado como provada a existência de um Plano de reembolsos a que a sociedade arguida se obrigou por via da atribuição em seu benefício de um subsídio reembolsável, dispensou-se o Tribunal recorrido de certificar a realização de quaisquer reembolsos por aquela, podendo e devendo-o ter feito, pois que o Ministério Público havia peticionado o decretamento da perda de vantagens ilicitamente obtidas. 5) A verificação de tal erro vício – art.º 410, n.º 1, al. a) do CPPenal não obrigará a um reenvio parcial dos autos para novo julgamento porquanto se torna possível decidir da causa sem a concretização daquele, nos termos previstos no n.º1 do art.º 426 do CPPenal. 6) Com efeito tendo sido junto aos autos pelo IAPMEI, a 06/02/2024, e a pedido do Tribunal a quo, concreta documentação relativa ao processo de financiamento celebrado pela arguida e dela relevando uma arrumada relação das “Ordens de pagamento” que aquele concretizou em favor da arguida, por um lado, e uma relação dos “Recebimentos Reembolsos”, que foram realizados pela arguida ao IAPMEI, por outro, tal idónea documentação impõe que se dê como provado e por isso se integre no elenco dos factos provados mais o seguinte: “A arguida EMP01..., Lda reembolsou integralmente o subsídio por si recebido”. 7) Consequentemente, deverá a sociedade arguida ser absolvida da decretada perda de vantagem relativamente a tal subsídio por absoluta falta de utilidade, por afinal, não ser possível afirmar-se que “o crime compensa”; 8) Contudo, já não será assim quanto ao IVA do período de Agosto de 2014, no valor de 142.6000 euros (102 350+34 500 euros) e relativo ao pedido de reembolso efectuado pela arguida integrando nele as facturas ...5 e a factura ...40 mencionadas na motivação, devendo confirmar-se o decretamento de perda desta quantia em favor do Estado por via do cometimento do citado crime de burla tributária pela arguida e que a deverá pagar. 9) Na sequência de firme jurisprudência consonante com esta posição, todos os arguidos deverão ser absolvidos da condenação ao pagamento em favor do Estado das vantagens patrimoniais referidas no acórdão recorrido porquanto provado ficou que com a confirmada autoria dos crimes de fraude na obtenção de subsídio e de burla tributária agindo eles em representação e no interesse da sociedade arguida, nenhum benefício obtiveram com a prática desses crimes, verificando-se que os ilegítimos proveitos obtidos apenas o foram em favor da dita sociedade. 10) Então, os recursos devem ser julgados parcialmente procedentes”.
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Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do C.P.Penal, tendo os recorrentes EMP01..., Lda., AA e BB, apresentado resposta na qual mantêm que o recurso deve ser julgado totalmente procedente.
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Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. OBJETO DOS RECURSOS
Conforme é jurisprudência assente (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt: “é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95), o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente (das quais devem constar de forma sintética os argumentos relevantes em sede de recurso) a partir da respetiva motivação.
Pelo que “[a]s conclusões, como súmula da fundamentação, encerram, por assim dizer, a delimitação do objeto do recurso. Daí a sua importância. Não se estranha, pois, que se exija que devam ser pertinentes, reportadas e assentes na fundamentação antecedente, concisas, precisas e claras” (Pereira Madeira, Art. 412.º/ nota 3, Código de Processo Penal Comentado, Coimbra: Almedina, 2021, 3.ª ed., p. 1360 – mencionado no Acórdão do STJ, de 06.06.2023, acessível em www.dgsi.pt).
Isto, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (artigo 412º, nº 1 do C.P.Penal).
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As questões suscitadas são analisadas pela ordem de precedência lógica indicada nos art 368º e 369º do C.P.Penal, por remissão do art. 424º, nº 2 do C.P.Penal.
Face às conclusões extraídas pelos recorrentes das motivações apresentadas, por ordem de precedência lógica, cumpre apreciar:
1. Relativamente ao recurso interposto pelos recorrentes EMP01..., Lda, AA e BB:
a) Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, nos termos previstos no art. 379º, nº 1, al. c) do C.P.Penal;
b) Nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação e de exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal quanto aos pontos 44, 47 e 169 a 175 da matéria de facto provada, nos termos previstos nos arts. 379º, nº 1, al. a) e 374º, nº 2 do C.P.Penal;
c) Erro de julgamento quanto aos pontos 17 a 20, 29, 30, 33, 34, 37, 39 a 41, 43 a 47, 49 a 58 e 169 a 174 da matéria de facto dada como provada;
d) incorreto enquadramento jurídico-penal dos factos;
- violação do princípio constitucional ne bis in idem;
e) Pressupostos da declaração de perda de vantagens.
2. Relativamente ao recurso interposto pelo recorrente CC:
a) Vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nos termos do art. 410º, nº 2, al. b) do C.P.Penal;
b) Erro de julgamento quanto aos pontos 19, 35 a 37, 39, 47, 169, 170 e 171 da matéria de facto dada como provada;
c) Pressupostos da declaração de perda de vantagens.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
1. Em 06.02.2024 foi junto aos autos email do qual constam “todos os reembolsos efetuados pela entidade beneficiária”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 2. Em 29.0.2024 foi proferido o seguinte despacho (Ref.ª ...86): “A leitura do acórdão estava agendada para o dia de hoje, pelas 13H45. Porém, compulsados os autos, verifica-se que o MP requereu a condenação dos arguidos na perda de vantagem por fato ilícito típico, não tendo os mesmos sido notificados para se pronunciarem quanto a tal questão. Assim, concede-se aos arguidos o prazo de 5 dias, para o fazerem, querendo. Por outro lado, resulta do art.º 8.º da Lei 28/84 que o Tribunal pode aplicar as penas acessórias aí contempladas, sendo que a publicidade da decisão até está expressamente contemplada no n.º 4 do art.º 36.º. Como tal, dada a natureza do crime imputado, poderá vir a ser ponderado pelo Tribunal a aplicação das seguintes penas acessórias: . publicidade do acórdão; . Privação do direito a subsídios ou subvenções outorgados por entidades ou serviços públicos no período da suspensão. Tal possibilidade dever ser configurada como uma alteração não substancial dos fatos, com as devidas adaptações, nos termos previstos no artigo 358º, n.º 1 e 3 do Código de Processo Penal, conforme entendimento sufragado no AUJ 7/20081. Pelo que, feita a comunicação supra, se concede à defesa, o prazo de 7 dias, para, querendo, se pronunciar (…)”. 3. Em 07.05.2024 os arguidos EMP01..., Lda., AA e BB juntaram aos autos requerimento, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual se pronunciam “sobre o requerimento do Ministério Público de condenação dos Arguidos na perda de vantagem por facto ilícito, bem como sobre a alteração da qualificação jurídica”; 4. O tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos, com a seguinte motivação: “3.1 - Matéria de facto provada 3.1.1 – Quanto à acusação pública: 1. A sociedade EMP01..., Lda está registada como sendo uma sociedade por quotas, NIPC ...89, com sede na ..., lote ...1, na freguesia ..., em ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial da mesma localidade, sob o mesmo número. 2. Encontrando-se registada no Serviço de Finanças da mesma localidade em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), na atividade principal de “serração de madeiras, pregagem, fábricação e comercialização de paletes, exploração florestal (abates de árvores)” (CAE 16101, 02200 e 62800). 3. Para efeitos de Tributação em sede de IVA, a sociedade EMP01..., Ld.ª encontrou-se registada, em 2014, no regime de tributação normal, com periodicidade mensal. 4. Desde a data da sua constituição, encontram-se nomeados como gerentes de tal sociedade BB, AA e CC, sendo estes quem a geriam, de direito e de facto, à data dos fatos abaixo indicados, tomando as decisões relativas ao seu normal funcionamento, representando-a perante clientes e fornecedores, incluindo as que se reportam ao preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos pela sociedade, pela gestão da respetiva contabilidade da empresa, bem como apresentação de candidaturas a projetos comunitários e recebimento dos respetivos subsídios, movimentação das contas bancárias e todas as demais inerentes ao seu normal giro comercial. 5. Por seu turno, a EMP04..., Lda (doravante designada EMP04...) é uma sociedade por quotas, NIPC ...20, com sede no Lugar ..., na freguesia ... (...), em ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial da mesma localidade, sob o mesmo número. 6. Encontrando-se registada no Serviço de Finanças da mesma localidade em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), na atividade principal de “Aproveitamento e valorização de resíduos classificados com biomassa através de processos mecânicos de densificação”. 7. Para efeitos de Tributação em sede de IVA, a sociedade EMP04..., Lda. encontrou-se registada, em 2014, no regime de tributação normal, com periodicidade trimestral. 8. Em 2014, eram sócios de tal sociedade AA, BB, CC, KK e GG, que, em conjunto, a geriam, de direito e de facto, tomando as decisões relativas ao seu normal funcionamento, representando-a perante clientes e fornecedores, incluindo as que se reportam ao preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos pela sociedade, pela gestão da respetiva contabilidade da empresa. 9. A sociedade EMP02..., Unipessoal, Lda (doravante designada EMP02...) é uma sociedade por quotas, NIPC ...80, com sede, desde ../../2018, na ..., lote ...9, em ..., e até então, na Rua ..., ..., em ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial ... sob o mesmo número; 10. Encontrando-se registada no Serviço de Finanças da mesma localidade em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), na atividade principal de “comércio, produção e reparação de componentes e equipamentos indústriais, projetos, estudos e realização de soluções indústriais, consultoria e auditoria em instalações indústriais, manutenção e assistência técnica indústrial”. 11. Para efeitos de Tributação em sede de IVA, a sociedade EMP02..., Lda. encontrou-se registada, em 2014, no regime de tributação normal, com periodicidade mensal. 12. Desde a data da sua constituição, é sócio e gerente de tal sociedade EE, que a gere, de direito e de facto, tomando as decisões relativas ao seu normal funcionamento, representando-a perante clientes e fornecedores, incluindo as que se reportam ao preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos pela sociedade, pela gestão da respetiva contabilidade da empresa. 13. Por seu turno, a EMP03..., Lda (doravante designada EMP03...) é uma sociedade por quotas, NIPC ...33, com sede na Rua ..., ..., em ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial ... sob o mesmo número, 14. Encontrando-se registada no Serviço de Finanças da mesma localidade em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), na atividade principal de “desenvolvimento, inovação e fabrico de equipamentos diversos, importação e exportação”. 15. Para efeitos de Tributação em sede de IVA, a sociedade EMP03..., Lda. encontrou-se registada, em 2014, no regime de tributação normal, com periodicidade trimestral. 16. Desde a data da sua constituição, é gerente de facto e de direito de tal sociedade FF, que toma as decisões relativas ao seu normal funcionamento, representando-a perante clientes e fornecedores, incluindo as que se reportam ao preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos pela sociedade, pela gestão da respetiva contabilidade da empresa. Da Fraude na Obtenção de subsídio: 17. Em data não concretamente apurada, mas no decurso do ano de 2012, os arguidos BB, AA e CC, sempre em comunhão de esforços e intentos, na qualidade de gerentes da EMP01..., Lda e no interesse desta, criaram um esquema para adquirirem/usarem máquinas e equipamentos para serem utilizados na atividade económica da empresa com recursos a fundos provenientes de projetos comunitários e, ainda, se locupletaram ilegitimamente através dos mesmos. 18. Tal esquema passou pela criação de um circuito simulado, envolvendo várias empresas, que compravam e vendiam os equipamentos objeto das candidaturas comunitárias, com o fito de procederem à sobrevalorização dos mesmos para, desta forma, os arguidos lograrem defraudar o Estado na obtenção de subsídios comunitários mais elevados do que aqueles a que teriam direito, através de candidaturas a subsídios promovidos pelo Estado Português no âmbito de Programas de Incentivos à Inovação. 19. Assim como consistia, ainda, em: - incorporar na contabilidade da sociedade EMP01... faturas de aquisição desses equipamentos a outras sociedades, não correspondentes a transações reais, forjando para o efeito o seu conteúdo, por forma a incluir na contabilidade, despesas que não foram efetivamente suportadas pela aquisição dos equipamentos, - bem como, obter deduções de IVA a que não tinham direito e bem assim, assim se locupletando de verbas a que não tinha direito por corresponderem a impostos devidos ao Estado Português.
Concretizando: 20. Em data não concretamente apurada, mas seguramente ocorrida antes do ano de 2014, os arguidos combinaram entre si uma forma de, através das sociedades EMP04..., EMP02... e EMP03..., com as quais tinham contactos estreitos, obterem da parte do Estado quantias monetárias para pagamento de investimentos que pretendiam efetuar para equipar a EMP01..., Lda e ainda se locupletarem ilegitimamente. 21. Os arguidos sabiam que a EMP01..., Lda receberia o subsídio em razão do valor de aquisição do equipamento objeto da candidatura e que lhes poderia vir a ser exigida a documentação comprovativa da mesma. De modo que: 22. A sociedade EMP01..., Lda, no âmbito do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), no ano de 2012, apresentou um projeto de candidatura a fundos comunitários junto do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) e da Agência para o desenvolvimento e Coesão, IP, ao qual foi atribuído o n.º Norte – 07- 0403 – FEDER – ...88. – cfr. fls. 5 e ss. do Apenso B. 23. Tal candidatura visava, entre o mais, a instalação de uma nova linha de fabrico de um novo produto ao nível da empresa – Paletes de madeira; certificação de acordo com o normativo nacional para o tratamento fitossanitário (... ...:2009) e da cadeia de responsabilidade; reduzir os custos operacionais relacionados com os elevados consumos energéticos da empresa e o reforço da capacidade produtiva, para não comprometer o abastecimento dos clientes com a canalização de madeira para o fabrico de paletes. 24. Por requerimento subscrito pelo arguido BB, enquanto gerente, a sociedade EMP01..., Ld.ª candidatou-se ao Sistema de Incentivos à Inovação QREN – Projetos de Produção de Novos Bens e Serviços, Adoção de novos Processos e de Expansão de capacidade em Atividades com dinâmicas de Crescimento – nos termos do Aviso de abertura de concurso para apresentação de candidaturas n.º 02/2012 – SI Inovação (Inovação Produtiva) – fls. 19 do Apenso B. 25. Tal incentivo consistia numa comparticipação do Estado de um montante do financiamento necessário à execução do projeto aprovado. 26. Nesse projeto de candidatura, foi apresentado pelos arguidos um investimento num valor total de 1.956.420,00 €, tendo sido aprovado e concedido à sociedade EMP01..., Lda um subsídio reembolsável no valor de 1.271.673,00 €, com prémio no valor de 858.197,42 €, correspondente à aplicação de taxa de 65 % sobre o montante das despesas consideradas ilegíveis. – fls. 13 e ss. do Apenso B e decisão de Elegibilidade do IAPMEI de fls. 136 e ss. do Apenso C. 27. O projeto de investimento apresentado pela EMP01..., Lda consistia, concretamente, na aquisição de diversos equipamentos, designadamente: - uma destroçadora para biomassa da marca ..., no valor de 470.000,00 €, e - uma linha de completa de serração, no valor de 150.000,00 €. (cfr. mapa de Investimentos –Pagamentos constante de fls. 34 do Apenso B). 28. Nesse seguimento, no dia 04.01.2013, foi celebrado entre a EMP01..., Lda e o IAPMEI o contrato de concessão de incentivos financeiros no âmbito do sistema de Incentivos à Inovação n.º ...88 – fls. 154 e ss.do Apenso C. 29. Todavia, os valores da destroçadora e da linha de serração apresentados no âmbito deste projeto ao IPAMEI não correspondiam à realidade, pois estavam sobre-orçamentados, sendo que as faturas apresentadas ao IAPMEI diziam respeito máquinas já em uso e não a equipamentos novos, como se exigia na candidatura ao processo. 30. E, o preço acima referido, resultava de uma prévia combinação entre os arguidos, que, em data não concretamente apurada, combinaram entre si sobre faturar tais bens, simulando a transmissão sucessiva dos mesmos por diversas empresas, de modo a poderem auferir de subsídio de valor mais elevado do que aquele a que teriam direito. 31. Em maio de 2014, os arguidos BB, AA e CC, em representação da EMP01..., Lda., adquiriram um equipamento de corte de madeira pelo valor de 18.000,00 € ao fornecedor intracomunitário sueco “EMP05...”, transação esta titulada pela fatura n.º ...26, de 28.05.2014. – cfr. fls. 18, o qual está descrito como sendo “... chipper type ...02... with 90Kw electrical motor. Série n.º ... 125 Included 2 pallets of different machine and spare parts e “... ...”. 32. E, em agosto de 2014, os arguidos BB, AA e CC ou alguém a seu mando, emitiram a fatura n.º ...49, com data de 26.08.2014, titulando uma operação de venda de um equipamento de corte de madeira da EMP01... à EMP04..., pelo valor de 124.000,00 €, acrescido de IVA no valor de 28.520,00 €.- fls. 19 33. Após, os arguidos BB, AA e CC, ou alguém a seu mando, em representação da EMP04..., emitiram a fatura n.º ..., com data de 26.08.2014, que titulava uma operação de venda do mesmo equipamento à EMP02..., pelo valor de 125.000,00 €, acrescido de IVA no valor de 28.750,00 €. – fls. 20. 34. Por sua vez, a pedido dos arguidos BB, AA e CC, EE, em representação da EMP02..., Unipessoal, Lda emitiu, com data de 28.08.2014, a fatura n.º ...40, que titula uma operação de venda do mesmo equipamento de novo à EMP01..., Lda., pelo valor de 150.000,00 €, acrescido de IVA no valor de 34.500,00 €, tendo a diferença correspondido ao valor da assistência técnica e colocação de manuais que prestou concretamente para essa máquina.- fls. 21. 35. Em data não concretamente apurada do ano de 2013, os arguidos BB, AA e CC, em representação da EMP04..., Lda., adquiriram ainda um equipamento designado “secado de banda a baja temperatura” pelo valor de 445.000,00 € ao fornecedor intracomunitário espanhol “EMP06..., S.L.”, operação titulada pelas faturas n.ºs ...2..., de 01.07.2013, no valor de 89.000 €; 5 E, de 26.02.2014, no valor de 356.000 €; 24 E, de 16.12.2013, no valor de 8.212,40 €; 6 E, de 02.04.2014, no valor de 29.564 €; 25 € de 16.12.2013 no valor de 7.391 € e 7 € de 02.04.2014 no valor de 32.849,60 €.- cfr. fls. 23 e ss. 36. Contudo, em agosto de 2014, os arguidos BB, AA e CC, ou alguém a seu mando, em representação da sociedade EMP04..., emitiram a fatura n.º ..., com data de 22.08.2014, titulando uma operação de venda do referido equipamento à EMP03..., Lda, pelo valor de 445.000,00 €, acrescido de IVA no valor de 102.350,00 €. – fls. 51. 37. Por seu turno, na sequência do plano concertado entre os arguidos BB, AA e CC, e a pedido destes, FF, em representação da sociedade EMP03..., Lda, emitiu a fatura n.º ...5 de 27.08.2014, titulando uma operação de venda do mesmo equipamento, alterando no entanto a designação na fatura para “Linha para Biomassa” à EMP01..., Lda., pelo valor de 470.000,00 € acrescido de IVA, no valor de 108.100,00 €.- fls. 52. Da Burla Tributária Após, no mês de agosto de 2014, 38. Os arguidos BB, AA e CC incorporaram na contabilidade da sociedade EMP01..., Ld.ª, as seguintes faturas, como se de verdadeiros custos se tratassem:
N.º do doc
Denominação
Data emissão
Montante Total
Valor tributável
IVA
1/65
EMP01..., Lda
27.08.2014
578.100,00 €
470.000,00€
108.100,00 €
...40
EMP01..., Lda
28.08.2014
184.500,00 €
150.000,00 €
34.500,00 €
39. Na verdade, durante o período identificado, nenhuma das sociedades nelas emitentes vendeu qualquer bem constante das referidas faturas à sociedade EMP01..., Lda ou aos seus representantes, pois que tais bens já anteriormente lhe pertenciam. 40. As referidas faturas foram elaboradas pelos arguidos e no interesse de todos, inclusivamente desta sociedade, em conformidade com o referido plano entre todos desenhado, para sobrevalorização dos bens por aquela obtidos e obtenção de subsídios e benefícios fiscais ilegítimos. 41. Com efeito, os arguidos BB, AA e CC, em representação da EMP01..., Lda, integraram na declaração periódica de IVA, n.º ...60, enviada à administração fiscal em 03.10.2014, o pedido de reembolso do IVA do período de agosto de 2014, no qual incluíram as faturas supra, cujo respetivo IVA ascendia ao valor de €142.600,00 (€ 102.350,00+€34.500,00), apesar destas não corresponderem a transações reais. – Cfr. fls.351. 42. Este pedido foi deferido pela AT e o reembolso integralmente efetuado à EMP01..., Lda. 43. Ora, os arguidos simularam as compras e vendas supra mencionadas, apenas para terem documentação comprovativa de aquisição de equipamento sobrevalorizado, para assim lhes ser concedido um fundo de valor mais elevado e poderem ter benefícios fiscais. 44. Este equipamento já era usado e encontrava-se em utilização na EMP01..., ou na EMP04... à data, pelo menos da execução do projeto, pelo que não poderia integrar o mesmo, nem as despesas da sua aquisição ser elegíveis, o que os arguidos sabiam. 45. Assim, após a candidatura ao incentivo, os arguidos fábricaram ou solicitaram a fábricação de toda a documentação que poderia ser exigida à EMP01... para comprovar o falso investimento a que se propuseram, na qual se incluíam as faturas supra mencionadas. 46. Em razão das falsas informações comunicadas pelos arguidos ao IAPMEI, no âmbito do projeto de candidatura a fundos comunitários n.ºs Norte – 07 – 0403– FEDER – ...88, tal entidade procedeu, relativamente a este projeto, aos seguintes pagamentos, na quantia de global de 1.270.799, 56€, para o NIB ...05, nas seguintes datas: - 31.10.2013, no valor de 66.757,... €; - 06.05.2014, no valor de 546.471,25 €; - 11.09.2014, no valor de 2.340 €; - 25.11.2014, no valor de 440.322,31 €; - 30.06.2016, no valor de 214.908,20 €; (cfr. fls.120 dos autos principais) 47. Sucede que com a referida conduta, os arguidos BB, AA e CC, lograram obter o pagamento indevido da quantia de €142.600,00 (cento e quarenta e dois mil e seiscentos euros) a título de IVA e 602.000,00 € (seiscentos e dois mil euros), referente à diferença do subsídio a que teriam direito e aquele que efetivamente receberam em virtude das transações que simularam, que integraram no seu património e no da sociedade EMP01..., Lda. 48. Os arguidos BB, AA e CC atuaram, em conjugação de esforços e intentos, no interesse e em representação da sociedade EMP01..., Lda., 49. Sabendo que as faturas supra não correspondiam a transações reais, mas consistiam em transações simuladas, apesar da circulação de dinheiro e do pagamento dos impostos devidos, 50. Atuando, ao realizar as operações contabilísticas mencionadas, com o propósito concertado e conseguido de falsear os resultados da EMP01..., Lda. apresentados ao Fisco e à Agência para o Desenvolvimento e Coesão, IP., que sabiam ser fictícios e empolados. 51. Sabiam os arguidos não ter direito à quantia recebida, sabendo outrossim que apenas lograram auferir a mesma graças à faturação falsa e à falsificação das demais declarações que prestaram no âmbito do projeto comunitário, em que anunciavam a aquisição de bens à EMP03..., Lda e à EMP02..., quando isso não correspondia à verdade. 52. Mais agiram os arguidos, ao elaborar, ou mandar elaborar as faturas falsas e ao procederem aos pagamentos simulados, com o propósito conseguido de criar a aparência de que tinham adquirido o equipamento que constava na candidatura da EMP01..., Lda e pelo falso valor nela declarado, sabendo que tal não correspondia à realidade. 53. Mais sabendo que dele dependia o pagamento dos reembolsos e que assim criavam falsamente, junto do IAPMEI, a aparência e a convicção de que as quantias em causa eram devidas à EMP01..., Lda. 54. Agiram, ainda, com o propósito concertado e concretizado de que a sociedade EMP01..., Lda. obtivesse vantagens patrimoniais a que sabiam não ter direito, diminuindo as receitas tributárias em valor equivalente e obtendo deduções de IVA que não lhe eram devidas. 55. Mais sabiam o que o reembolso de IVA peticionado, em representação da EMP01..., Lda. não era devido, uma vez que as faturas que lhe estavam subjacentes não correspondiam a transações reais, 56. Determinando assim, com base em declaração falsa, a Administração Fiscal e a Agência para o desenvolvimento e Coesão, IP a atribuir-lhe os valores em causa, que aqueles integraram no giro normal da sociedade, obtendo este enriquecimento a que não tinha direito, propósito com o qual atuaram e que foi concretizado. 57. Atuaram, em nome e no interesse da sociedade EMP01..., Lda., de modo livre, voluntário e consciente, com o propósito conseguido de obter a título de subsídio e reembolso de IVA, quantias a que não tinham direito, 58. Sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 59. Nenhum dos arguidos tem antecedente criminais registados no respetivo CRC.
Mais se provou, com base no relatório social elaborado pela DGRS relativamente ao arguido AA: 60. AA reside sozinho, tendo ficado viúvo há cerca de três anos. 61. O falecimento da esposa, de um dos filhos e de um neto no espaço aproximado de um ano (2019/2020) constituíram-se como acontecimentos que geraram um forte impacto negativo na vida arguido e o desenvolvimento de uma perturbação depressiva reativa a estes acontecimentos negativos. 62. Apesar de viver sozinho, beneficia de apoio por parte da família de origem, dos dois filhos, sete netos e outros elementos da família alargada. 63. O arguido reside em moradia do estilo solar ou casa senhorial, situada em ... – ..., de tipologia 5, com ótimas condições de habitabilidade, que dispõe de um terreno de cerca de sete mil metros quadrados. 64. O arguido tem escolaridade equivalente ao 6.º ano e está reformado. 65. AA iniciou o seu trajeto profissional na empresa “EMP01..., Lda.” - uma serração de madeiras fundada pelo seu pai - constando como sócio-gerente da mesma desde ../../1982, situação que mantém, apesar de se encontrar reformado há cerca de dez anos. 66. É, ainda, sócio-gerente das empresas “EMP04..., Lda.” e da “EMP07...”, sendo esta última uma sociedade por quotas que opera na compra e venda de bens imóveis. 67. Atualmente, atentas as limitações de saúde, o arguido refere trabalhar cerca de duas ou três horas por dia. 68. À data dos factos, o arguido dedicava-se em pleno à atividade profissional/empresarial. 69. O arguido declarou auferir rendimentos no valor de 3.183,56 €, registando encargos fixos no valor de 1.150,00€, relativos a consumos domésticos, alimentação e pagamento a jornaleiros, em valores que não soube precisar. 70. Tem apoio de uma prestadora de serviços domésticos (higienização da casa e vestuário, confeção de refeições, etc.) com a qual despende cerca de 500,00 € mensais. 71. Descreveu uma condição socioeconómica de nível alto, o que lhe permite um estilo de vida confortável. 72. AA é bem reputado no meu meio de inserção sociocomunitária, projetando uma imagem social relacionada com a história familiar e empresarial. 73. Atualmente, detém uma presença mais discreta no meio de residência, decorrente de uma alteração de rotinas que se verificou após o falecimento dos familiares próximos (cônjuge, filho e neto) e algum isolamento. 74. Organiza o seu quotidiano em rotinas aparentemente pró-sociais e convencionais, dedicando cerca de três horas por dia à atividade empresarial. 75. Ocupa o restante tempo livre permanecendo no espaço doméstico, dedicando-se a atividades de lazer, como a leitura de jornais ou televisão. 76. Convive com restrito grupo de pares ao sábado e com familiares durante o fim-de-semana, alturas em que convive com filhos, noras e netos. 77. Nos últimos anos, AA tem sofrido vários problemas de saúde, destacando-se uma perturbação depressiva reativa aos acontecimentos negativos de vida (falecimento de familiares próximos), sendo acompanhado na especialidade de psiquiatria, com toma habitual de medicação compatível. 78. Foi-lhe, ainda, diagnosticado um tumor benigno no cérebro, pelo que já se submeteu a três intervenções cirúrgicas para tratamento desta problemática, a última das quais em 2023. 79. A constituição de AA como arguido no presente processo provocou o agravamento da sintomatologia depressiva, descrevendo baixos níveis de energia e um maior isolamento. .... Em termos sociais, é conhecida a existência de desentendimentos entre os coarguidos, decorrentes da situação da empresa de família. 81. Esta situação é enquadrada socialmente como “problema familiar”, mas sem implicações ao nível da perceção sociocomunitária do arguido. Mais se provou, com base no relatório social elaborado pela DGRS relativamente ao arguido BB: 82. O arguido vive com a esposa e com a filha, de 35 anos, que é farmacêutica. 83. O arguido descreve uma dinâmica familiar coesa e vinculativa, percecionada como gratificante. 84. O casal tem mais um filho, de 41 anos de idade, já autonomizado, que convive regularmente com a família de origem. 85. À data dos factos, o filho mais velho do arguido, BB, integrava o agregado familiar. 86. O arguido tem escolaridade equivalente ao 12º ano e trabalha como empresário a tempo inteiro. 87. BB iniciou o seu trajeto profissional na empresa “EMP01..., Lda.”, - uma serração de madeiras fundada pelo seu pai - constando como sócio-gerente da mesma desde ../../1982, situação que se mantém até atualmente. 88. É ainda sócio-gerente das empresas “EMP04..., Lda.” e da “EMP07...”, uma sociedade por quotas que opera na compra e venda de bens imóveis. 89. O arguido declarou ter rendimentos líquidos no valor de 2.271,50€, sendo o valor dos rendimentos líquidos do agregado cerca de 4.500,00 €. 90. Quanto aos encargos fixos do agregado referiu consumos domésticos, telecomunicações, internet e alimentação não tendo, contudo, precisado os valores mensais aproximados. 91. Foi descrita uma situação financeira confortável, sem constrangimentos, percecionada pelo arguido como superior à média, atendendo ao bom desempenho das empresas. 92. BB detém inserção sociocomunitária positiva, nada constando em seu desabono. 93. Projeta uma imagem social relacionada com a sua atividade laboral e com a empresa familiar na área da serração. 94. Organiza o seu quotidiano em rotinas aparentemente pró-sociais, focadas essencialmente no trabalho, ocupando os tempos livres em convívios familiares. 95. Declarou ter problemas cardíacos (arritmias) e diabetes, sem especial impacto no quotidiano do arguido. 96. BB descreveu sentimentos de vergonha e de injustiça decorrentes da sua constituição como arguido num processo desta natureza, acentuados pelo facto de não deter contactos anteriores com o sistema de justiça penal. 97. Contudo, não reportou alterações significativas no seu contexto de vida e rotinas que decorram diretamente da instauração do presente processo. 98. Em termos sociais, é conhecida a existência de desentendimentos entre os coarguidos, decorrentes da situação da empresa de família. 99. Esta situação é enquadrada socialmente como “problema familiar”, mas sem implicações ao nível da perceção sociocomunitária do arguido. Mais se provou, com base no relatório social elaborado pela DGRS relativamente ao arguido CC: 100. O relacionamento deste agregado foi percecionado, por ambos os elementos do casal, como coeso e solidário e a sua dinâmica organizada. 101. O casal tem dois descendentes, maiores e com agregados autónomos, com quem mantêm igualmente uma relação próxima e de suporte mútuo, ainda que não coabitem. 102. Vivem numa moradia, pertencente ao arguido, com boas condições de habitabilidade, 103. O arguido tem o 7.º ano de escolaridade e formação profissional certificada de afinador de máquinas indústriais. 104. Encontra-se reformado desde 2019. 105. À data dos fatos, não se encontrava ainda reformado e era sócio, em conjunto com os dois irmãos coarguidos, da empresa de família – EMP01..., Lda, onde desenvolveu atividade no setor da produção, afinação de máquinas indústriais. 106. O arguido sofreu AVC em abril de 2014, tendo permanecido em situação de incapacidade para o trabalho até se reformar em 2019. 107. Declarou rendimentos líquidos no valor aproximado de 750,00 € (pensão de velhice), sendo o valor dos rendimentos líquidos do agregado de cerca de 1.130,00€. 108. CC descreve a sua situação económica como confortável, assegurando sem especiais constrangimentos as necessidades do agregado, sustentada nas pensões de velhice de ambos os elementos do casal, mas também nos rendimentos e poupanças de que dispõe. 109. Não obstante, não foi possível apurar os montantes relativos a receitas e despesas do arguido e seu agregado. 110. À data dos factos o arguido encontrava-se profissionalmente ativo, dispondo de um vencimento superior à correspondente pensão de velhice. 111. Os seus tempos livres são passados no contexto doméstico e em atividades de apoio aos filhos que detêm uma empresa do mesmo ramo e aos netos. 112. Mostra-se bem integrado no meio comunitário, detendo uma imagem de pessoa idónea e sociável. 113. O arguido sofreu AVC cerebral em abril de 2014, em resultado do qual ficou com sequelas neurológicas, com impacto nas atividades de vida diária. 114. Desde então é acompanhado pelo serviço de neurologia do Hospital ..., em .... 115. O arguido reconhece o papel e a intervenção do sistema legal, respeitando a sua intervenção. Não apresenta antecedentes criminais, de natureza análoga, ou outra, e evidencia desconforto relativamente à sua constituição como arguido, ainda que o atual processo não tenha repercussões relevantes no seu quotidiano. 116. Ao nível familiar continua a beneficiar de apoio por parte da família constituída (cônjuge e filhos) neste seu confronto com o sistema de justiça. 117. Em termos sociais é conhecida a existência de desentendimentos entre os coarguidos, decorrentes da situação da empresa de família. 118. Esta situação é enquadrada socialmente como “problema familiar”, mas sem implicações ao nível da perceção sociocomunitária daquele. 119. Assim, CC apresenta uma imagem idónea e ajustada ao normativo social. 3.1.2 - Quanto à contestação dos arguidos EMP01..., Ld.ª, AA e BB: 120. Em 26.04.2012, a EMP01..., Lda. apresentou uma candidatura ao SI Inovação (Inovação Produtiva), ao abrigo do Aviso de abertura da Fase 02/2012, com um projeto de investimento do montante global de 1.956.420,00 €. (Documento n.º 01 junto com a contestação e fls. 13 e ss. do Apenso B) 121. No “Quadro de Investimentos” constante dessa candidatura, a EMP01..., Lda. indicou, discriminadamente, os bens e serviços que previa adquirir e que formavam o investimento, com indicação individualizada da respetiva designação e estimativa do respetivo custo, com base em orçamentos apresentados por diversos fornecedores. 122. E indicou, entre outras: - a rubrica “Nº 1”, com a “Designação” “Linha completa de serração”, correspondente a “Investimento” com o valor de “286.750,00 €”; e - a rubrica “Nº 7”, com a “Designação” “Destroçadora para biomassa …”, correspondente a “Investimento” com o valor de “324.780,00 €”. (Cf. Documento n.º 1) 120. O valor referente à rubrica “Nº 1” foi indicado com base em orçamento apresentado pela empresa “EMP08... MÁQUINARIA, S.L.”, com proposta de venda dos bens e equipamentos necessários à entrega e montagem de uma linha completa de serração, pelo preço de 286.750,00 €; (Documento n.º 2) 121. E o valor referente à rubrica “Nº 7” foi indicado com base em orçamento apresentado pela empresa “EMP09... GmbH”, com proposta de venda dos bens e equipamentos necessários à entrega e montagem de uma destroçadora para biomassa da marca ..., pelo preço total de 324.780,00 €. (Documento n.º 3) 123. O orçamento que serviu de base à estimativa do custo de aquisição do bem indicado na rubrica “Nº 1”, referido no art. 4.º, que antecede, foi enviado ao IAPMEI, juntamente com os comprovativos das estimativas das despesas de investimento, referentes às rubricas n.ºs 4, 14, 15, 16, 18, 28 e 29, no âmbito da resposta a um pedido de esclarecimentos na fase de apreciação da candidatura. (Documento n.º 4 – resposta a pedido de esclarecimentos adicionais) 124. A candidatura foi apreciada e aprovada e, em 04.01.2013, pela EMP01..., Lda., na qualidade de “Promotor”, e em 04.01.2013 pelo IAPMEI, na qualidade de “Organismo Intermédio”, foi assinado o “Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros no âmbito do Sistema de Incentivos à Inovação” n.º ...88. (Documento n.º 5 junto com a contestação, mas que já constava do Apenso B e de fls. 154 e ss. do Apenso C) 125. Nos termos do n.º 1, da Cláusula Primeira, o Contrato tinha por objeto a concessão de um incentivo financeiro à EMP01..., Lda. para aplicação na execução do projeto n.º ...88, com o montante de investimento global previsto de 1.956.420,00 €. (Cf. Documento n.º 5 Apenso B e de fls. 154 e ss. do Apenso C) 126. E, nos termos do n.º 2, da Cláusula Primeira, foi estipulado que o período de investimento do projeto decorreria entre 01.06.2012 e 31.05.2014. (Cf. Documento n.º 5 Apenso B e de fls. 154 e ss. do Apenso C) 127. Na Cláusula Terceira do referido contrato, foram estabelecidas as modalidades do incentivo: “1. O incentivo a atribuir, conforme definidos nos termos da decisão de aprovação, reveste a(s) seguinte(s) modalidade(s): a) Incentivo reembolsável até ao valor de um milhão, duzentos e setenta e um mil, seiscentos e setenta e três euros; (…) c) Prémio de realização a que possa haver direito, no valor máximo de oitocentos e cinquenta e oito mil, cento e noventa e sete euros e quarenta e dois cêntimos, determinado nos termos e condições definidas na cláusula sexta do presente contrato. 2. O incentivo atribuído corresponde à aplicação de 65 % sobre o montante das despesas consideradas elegíveis (…)” (Cf. Documento n.º 5) 128. No n.º 2, da Cláusula Quarta, sobre as despesas elegíveis, foi estabelecido o seguinte: “2. Sob condição de se manterem os objetivos previstos na candidatura nos termos em que foi aprovada, o Organismo Intermédio pode autorizar alterações às despesas elegíveis desde que dessas alterações não resulte acréscimo do montante total do incentivo concedido, podendo, no entanto, delas resultar uma redução do mesmo.” (Cf. Documento n.º 5) 129. As condições do incentivo reembolsável, nomeadamente as condições da obrigação do seu reembolso ao IAPMEI, foram estabelecidas na Cláusula Oitava, com a seguinte redação: “CLÁUSULA OITAVA (Condições do Incentivo Reembolsável) 1. O incentivo reembolsável é atribuído pelo prazo total de seis anos, contado desde a data da primeira utilização do incentivo, ou desde o termo do segundo semestre subsequente à assinatura do presente contrato, caso aquela utilização não ocorra nesse prazo, com um período de carência de capital de três anos. 2. O incentivo reembolsável é concedido sem pagamento de juros ou outros encargos, sendo reembolsado em semestralidades iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação seis meses após o termo do período de carência, conforme definido no número anterior. (…)” (Cf. Documento n.º 5) 130. Na Cláusula Décima foram previstos o acompanhamento e o controlo da execução do contrato e, nos respetivos números 1 e 2, foi estabelecido o seguinte: “CLÁUSULA TERCEIRA (Acompanhamento e Controlo) 1. Sem prejuízo de outros mecanismos de acompanhamento e controlo que venham a ser adotados, o Promotor aceita o acompanhamento e controlo para verificação da boa execução do projeto e cumprimento dos objetivos e das obrigações resultantes deste contrato, bem como as ações de auditoria e controlo, a efetuar pelas entidades com competência para o efeito. 2. O Promotor obriga-se a permitir, atempadamente, às entidades responsáveis pelo acompanhamento e controlo, o acesso aos locais de realização do projeto e a todos os documentos e elementos adequados que permitam a realização das verificações físicas e técnicas necessárias à comprovação de que o investimento foi realizado, as obrigações contratuais foram cumpridas e os objetivos foram alcançados, nos termos do presente contrato.” (Cf. Documento n.º 5) 131. O contrato integrava ainda o “Anexo II – Mapa de Despesas Elegíveis, Calendário de Execução Semestral e Classificação dos Investimentos” e a folha desse Anexo, intitulada “CLASSIFICAÇÃO DOS INVESTIMENTOS”, foi preenchida – à semelhança do “Quadro de Investimentos” constante da candidatura referido no art. 3.º que antecede -além do mais, com a seguinte informação: - rubrica “Nº 1” com a “Designação” “Linha completa de serração”, correspondente a “Investimento” com o valor de “286.750,00”; e - rubrica “Nº 7” com a “Designação” “Destroçadora para biomassa ...”, correspondente a “Investimento” com o valor de “324.780,00”. (Cf. Documento n.º 5 e fls. 160 do Apenso C) 132. A tramitação dos atos necessários à execução do Contrato, nomeadamente a apresentação de pedidos de adiantamento contra fatura, pedidos de certificação de despesa, pedido de pagamento final, pela EMP01..., Lda., e a notificação de decisões pelo IAPMEI, ocorreu de forma predominantemente eletrónica, nomeadamente através da utilização de uma plataforma (ou consola de cliente) digital, gerida pelo IAPMEI. 133. Em 16-08-2013, a EMP01..., Lda. submeteu, na consola de cliente gerida pelo IAPMEI, um 1º Pedido de Adiantamento Contra Fatura, nos termos da Modalidade C, com um valor de investimento apurado de 216.329,30 €, que correspondia a um grau de execução de 11,06%. 134. O investimento realizado e as despesas elegíveis diziam respeito às seguintes rubricas, identificadas no “Anexo I”, intitulado “Mapa de Classificação de Investimentos e Despesas”: Nº 2 “Linha automática de corte de tacos” no montante de 47.433,00 €; Nº 3 “Pregadora de pateles” realizado e elegível no montante de 6.550,00 €; Nº 9 “Rede de incêndio” realizado e elegível no montante de 2.749,55 €; Nº 13 “Certificação da Cadeira de Responsabilidade (CdR)” realizado e elegível no montante de 7.096,75 €; Nº 14 “Estudo de eficiência energética” realizado e elegível no montante de 7.500,00 €; Nº 15 “Sistema fotovoltaico para autoconsumo com estrutura de apoio” realizado e elegível no montante de 110.000,00 €; Nº 18 “Análise Estratégica” realizado e elegível no montante de 35.000; 135. E, no “Anexo II”, intitulado “Mapa de Despesas de Investimento”, a EMP01..., Lda. indicou, detalhadamente para cada rubrica de investimento, o respetivo documento comprovativo com identificação do seu número, data e fornecedor, e valor das despesas de investimento e elegíveis. (Documento n.º 6 – 1.º Pedido de Adiantamento Contra Fatura)) 136. Esse pedido foi apreciado e, em 17.10.2013, o IAPMEI decidiu considerar o montante de despesa elegível apurada de 102.704,30 € e ordenar o processamento do pagamento da quantia de 66.757,... € de Incentivo Reembolsável - que corresponde a 65% do valor da despesa elegível apurada até essa data -, que a EMP01..., Lda. recebeu. (Documento n.º 7 da contestação) 137. Em 12.12.2013, a EMP01..., Lda. submeteu o pedido de certificação do 1º Pedido de Adiantamento contra Fatura e, em 11.02.2014, o IAPMEI decidiu dar por comprovado o pagamento da despesa elegível validada em sede de PTA C-Adiantamento, no montante de 102.704,30 euros, correspondente a 5,25% do previsto. (Documento n.º 8 da contestação) 138. Em 28.02.2014, a EMP01..., Lda. submeteu, na consola de cliente do IAPMEI, o 2º Pedido a Título de Adiantamento (PTA) nos termos da Modalidade C, com um valor de investimento realizado e de despesas elegíveis de 891.075,00 Euros, que correspondia a um grau de execução de 45,55%. 139. O investimento realizado e de despesas elegíveis dizia respeito às seguintes rubricas identificadas no “Anexo I”, intitulado “Mapa de Classificação de Investimentos e Despesas”: Nº 4 “Máquina de Rechega ...-4” realizado e elegível no montante de 310.000,00 €; Nº 5 “Pá carregadora WA ...-6” realizado e elegível no montante de 65.000,00 €; Nº 6 “Escavadora Hidráulica de Rastos com cabeça processadora” realizado e elegível no montante de 340.000,00 €; Nº 8 “Secador” realizado e elegível no montante de 58.000,00 €; Nº 13 “Certificação da Cadeira de Responsabilidade (CdR)” realizado e elegível no montante de 8.446,75 € (nota: no 1º pedido, a EMP01..., Lda. já havia indicado o investimento realizado e elegível de 7.096,75 € referente a esta rubrica); Nº 14 “Estudo de eficiência energética” realizado e elegível no montante de 20.625,00 € (nota: no 1º pedido, a EMP01..., Lda. já havia indicado o investimento realizado e elegível de 7.500,00 € referente a esta rubrica); Nº 15 “Sistema fotovoltaico para autoconsumo com estrutura de apoio” realizado e elegível no montante de 210.000,00 € (nota: no 1º pedido, a EMP01..., Lda. já havia indicado o investimento realizado e elegível de 110.000,00 € referente a esta rubrica); e Nº 17 “Verificação Financeira do Projeto” realizado e elegível no montante de 3.600,00 €; 140. E, no “Anexo II”, intitulado “Mapa de Despesas de Investimento”, indicou, detalhadamente para cada rubrica de investimento, o respetivo documento comprovativo com identificação do seu número, data e fornecedor, valor de despesas de investimento e elegíveis, formas, datas e valores dos pagamentos e certificação. (Documento n.º 9 junto com a contestação) 141. Esse pedido foi apreciado e, em 30.04.2014, o IAPMEI decidiu considerar o grau de execução acumulado do investimento elegível apurado de 48,22 %, e, considerando que já havia sido processado 5,25% do incentivo homologado e certificada a despesa subjacente, ordenou o processamento do pagamento da quantia de 546.471,25 €, que a EMP01..., Ld.ª recebeu. (Documento n.º 10 junto com a contestação) 142. Em 17.06.2014, a EMP01..., Lda. submeteu o pedido de certificação do 2.º Pedido de Adiantamento contra Fatura e, em 06.08.2014, o IAPMEI decidiu dar por comprovado o pagamento das despesas elegíveis constantes do PTA C Apresentação (2º) e o processamento do pagamento da quantia de 2.340,00 €, que a EMP01..., Ld.ª recebeu. (Documento n.º 11 junto com a contestação) 143. Em 01.04.2014, a EMP01..., Lda. pediu a prorrogação do prazo de calendarização do projeto e solicitou a alteração da data de conclusão do mesmo de 31.05.2014 para 29.08.2014, o que foi deferido pelo IAPMEI, por decisão datada de 24.04.2014. (Documento n.º 12 junto com a contestação) 144. Em 04.09.2014, a EMP01..., Lda. submeteu o 3º Pedido a Título de Adiantamento (PTA) nos termos da Modalidade C, com um valor de investimento apurado de 849.967,94 €, que correspondia a um grau de execução de 43,45%. 145. O investimento realizado e de despesas elegíveis dizia respeito às seguintes rubricas identificadas no “Anexo I”, intitulado “Mapa de Classificação de Investimentos e Despesas”: Nº 1 “Linha completa de serração” realizado e elegível no montante de 150.000,00 €; Nº 2 “Linha automática de corte de tacos” realizado e elegível no montante de 94.433,00 € (nota: no 1º pedido, a EMP01..., Ld.ª já havia indicado o investimento realizado e elegível de 47.433,00 € referente a esta rubrica); Nº 7 “Destroçadora para biomassa ...” realizado e elegível no montante de 470.000,00 €; Nº 10 “Bateria de condensadores” realizado e elegível no montante de 11.700,00 €; Nº 11 “Instalação de rede elétrica” realizado e elegível no montante de 19.500,00 €; Nº 12 “Consultoria para implementação da norma N ...:2009 (tratamento fitossanitário de madeiras)” realizado e elegível no montante de 10.360,00 €; Nº 13 “Certificação da Cadeira de Responsabilidade (CdR)” realizado e elegível no montante de 17.709,69 € (nota: nos 1º e 2º pedidos, a EMP01..., Lda. já havia indicado o investimento realizado e elegível global de 8.446,75 € referente a esta rubrica); Nº 14 “Estudo de eficiência energética” realizado e elegível no montante de 37.500,00 € (nota: nos 1º e 2º pedidos, a EMP01..., Ld.ª já havia indicado o investimento realizado e elegível global de 20.625,00 € referente a esta rubrica); Nº 16 “...” realizado e elegível no montante de 18.500,00 €; Nº 19 “Sistema de despoeiramento” realizado e elegível no montante de 50.000,00 €; Nº 28 “Estudos de mercado ... e ...” realizado e elegível no montante de 20.000,00 €; Nº 29 “Sistema de Gestão da Energia? ...” realizado e elegível no montante de 15.000,00 €; Nº 30.P. “Estudo de mercado ...” realizado e elegível no montante de 15.000,00 €; 146. E, no “Anexo II”, intitulado “Mapa de Despesas de Investimento”, indicou, detalhadamente para cada rubrica de investimento, o respetivo documento comprovativo com identificação do seu número, data e fornecedor, valor de despesas de investimento e elegíveis, formas, datas e valores dos pagamentos e certificação. (Documento n.º 13 junto com a contestação) 147. Esse pedido foi apreciado e, em 13.11.2014, o IAPMEI decidiu ordenar o processamento do pagamento da quantia de 440.322,31 €, que a EMP01..., Ld.ª recebeu. (Documento n.º 14 junto com a contestação) 148. Relativamente ao investimento respeitante à rubrica Nº 1, a EMP01..., Lda. indicou, no “Anexo II”, intitulado “Mapa de Despesas de Investimento”, a Fatura n.º ...40, com data de 28.08.2014, emitida pela “EMP02... – Unipessoal, Lda.”, com o valor de 150.000,00 €. (Cf. Documento n.º 13 da contestação). 149. Em 2014, a EMP01..., Lda. era proprietária de dois equipamentos de corte da marca ..., a saber: a) O que foi adquirido pelo preço de 18.000,00 € ao fornecedor “EMP05...”, como refletido na fatura n.º ...26 de 2014-05-28; b) O que havia sido adquirido em 2003, a fornecedor e por preço que não foi possível concretizar com segurança, mas que rondaria, à data, os € 102.000,00. 150. Assim, a EMP01..., Lda. declarou vender à “EMP04..., Ld.ª”, que declarou comprar um equipamento de corte de madeira, pelo preço de 152.520,00 € (124.000,00 € + IVA), como consta da fatura n.º ...49, de 26.08.2014; 151. E a “EMP04..., Ld.ª” pagou, e a EMP01..., Lda. recebeu, o preço integral devido por esta compra e venda. (Documentos n.ºs 18 a 25) 152. Após, a “EMP04..., Lda.” declarou vender à “EMP02... – Unipessoal, Lda.”, que declarou comprar, o equipamento de corte de madeira, pelo preço de 153.750,00 € (125.000,00 € + IVA), como consta da Fatura ..., de 26.08.2014; 153. E a “EMP02... – Unipessoal, Lda.” pagou, e a “EMP04..., Lda.” recebeu, o preço integral devido por esta compra e venda. (Documentos n.º 26 a 34)
154. Relativamente ao investimento respeitante à rubrica Nº 7, a EMP01..., Lda. indicou, no “Anexo II” “Mapa de Despesas de Investimento”, a fatura n.º ...5, com data de 27.08.2014, emitida pela “EMP03..., Lda.”, com o valor de 470.000,00 €. (Cf. Documento n.º 13 e fls. 52 dos autos principais) 155. A “EMP04..., Lda.” adquiriu um equipamento de secagem de madeira de biomassa “Secado de banda a baja temperatura” à empresa “EMP06..., S.L.”, pelo preço global de 445.000,00 €, acrescido do respetivo IVA. (cfr. fls. 23 e ss.) 156. Como vem referido na Fatura ..., emitida pela “EMP06..., S.L.” esse equipamento tinha o número de série “LC Nº ...86”. (Cf. fls. 24 do processo físico) 157. A “EMP04..., Lda.” vendeu à “EMP03..., Lda.”, que comprou, o equipamento “Secador de Banda a Baixa Temperatura C/ 115 M2”, pelo preço de 445.000,00 €, acrescido do respetivo IVA, como consta na Fatura ..., de 22.08.2014. 158. Contudo, em 28.10.2014, ocorreu um incêndio no secador, que o danificou e inutilizou, estando tal equipamento nas instalações da EMP04.... (Documento n.º 35 junto com a contestação), tendo, nessa sequência, sido emitida a Nota de Crédito ..., de 20.11.2014 pela “EMP04..., Lda.”. (Cf. fls. 505 do processo físico) 159. A EMP01..., Lda. declarou comprar à “EMP03..., Lda.”, e esta declarou vender, um secador que compõe uma “Linha para Biomassa”, pelo preço de 578.100,00 € (470.000 € + IVA), constante da fatura ...5, de 27.08.2014; 160. E a EMP01..., Lda. pagou, e a “EMP03..., Ld.ª” recebeu, o preço integral devido por esta compra e venda. (Documentos n.os 36 a 50 juntos com a contestação) 161. Em 10.12.2014, a EMP01..., Lda. submeteu o Pedido de Pagamento Final (PTRF) com um montante acumulado de despesa elegível de 1.969.372,24 € e elegível certificada de 1.962.397,24 €, correspondendo, respetivamente, a 100,66% e 100,31% da despesa contratada. (Documento n.º 53) 162. Conjuntamente com o envio do PTRF, a EMP01..., Lda. submeteu a “Apreciação Global da Execução do Projeto e Justificação dos Desvios”, além do mais, com os seguintes termos: “1. Desvios superiores – investimento acima do valor contratado Foram registados desvios superiores ao contratado nas seguintes rubricas de investimento: 4, 5, 6, 7, 9, 10 e 15. (…) Os desvios nas rubricas 4, 5, 6 e 7 devem-se ao facto de a empresa ter adquirido equipamentos com características superiores às previstas em sede de candidatura. (…) A propósito da rubrica 7, declarou a sociedade arguida que “estava prevista a aquisição de uma destroçadora para biomassa para trituração da biomassa para alimentação da estufa. Contudo, com o desenrolar da atividade da empresa detetou-se uma oportunidade de mercado: fornecimento de indústrias de pellets. De forma a aproveitar esta oportunidade a empresa adquiriu uma destroçadora com um secador de madeira. Este equipamento procede à transformação dos resíduos de produção da EMP01... em matéria-prima para as indústrias de pellets. Desta forma, a empresa valoriza um resíduo da sua atividade dando-lhe uma finalidade económica. 2. Desvios inferiores – investimento abaixo do contratado Foram registados desvios inferiores ao contratado nas rubricas 1, 2, 12, 13 e 15. A EMP01... acabou por investir menos do que o previsto na linha completa de serração e na linha automática de corte de tacos. Tal deveu-se à dificuldade em exportar paletes completas para o mercado externo. A empresa tem-se deparado com vários obstáculos à exportação de paletes uma vez que os custos de transporte são proibitivos. Neste sentido, a empresa brandeou o investimento nestas linhas.” (Documento n.º 54 junto com a contestação) 163. O IAPMEI exerceu as funções de acompanhamento e controlo de execução do contrato, incluindo as previstas na Cláusula Terceira do Contrato, nomeadamente fez a verificação documental, financeira, contabilística e física do investimento, apreciou o PTRF e a “Apreciação Global da Execução do Projeto e Justificação dos Desvios” apresentados pela EMP01..., Lda. e, em 31.07.2015, proferiu “DECISÃO DE CERTIFICÇÃO DE DESPESA/PAGAMENTO/ENCERRAMENTO”, além do mais, com os seguintes termos: “(…) Para o efeito apresentou toda a documentação solicitada, nomeadamente, formulário do PTRF, Anexo PF, síntese da execução do investimento, mapa dos comprovantes de realização das despesas de investimento, declaração do ROC e comprovativos de situação regularizada perante a Segurança Social e Finanças. Os anexos ao pedido final foram submetidos em 11/12/2014. A análise do presente pedido teve por objetivo o encerramento do investimento e compreendeu a verificação documental, financeira, contabilística e física. A verificação documental consubstanciou-se na análise dos documentos apresentados pelo promotor, nomeadamente, o formulário do PTRF, síntese de execução do investimento, mapa de classificação de investimentos e despesas, mapa de despesas de investimento, declaração do ROC e o mapa de financiamento do projeto. A verificação financeira teve por base a declaração de despesa certificada por ROC, a qual confirma a realização das despesas de investimento, o correto lançamento na contabilidade dos documentos comprovativos e do incentivo e ainda o registo contabilístico das fontes de financiamento do projeto. (…) A verificação física incidiu sobre a totalidade do investimento realizado, tendo sido efetuada com base no mapa de despesas, consulta do dossier do projeto e visita às instalações da empresa efetuada em 25/06/2015, tendo sido aferida a adequação do projeto, face à verificação documental e contabilística e a coerência entre a faturação dos bens afetos ao projeto. (…) 5 – É de referir que, embora o projeto tenha sido executado em 100% e os objetivos do projeto terem sido cumpridos na sua generalidade, verificam-se oscilações face ao contratado, sendo de referir: 5.1 – A sociedade arguida declarou perante o IAPMEI “Desvios superiores ao contratado nas seguintes rubricas de investimento 4, 5, 6, 7, 8, 10 e 15. (…) Os desvios nas rubricas 4, 5, 6 e 7 devem-se ao facto de a empresa ter adquirido equipamentos com características superiores às previstas em sede de candidatura, resultado do desenvolvimento da atividade e que permitem um aumento da capacidade e produtividade da empresa. 5.2. Desvios inferiores ao contratado nas rubricas 1, 2, 12, 13 e 15. - A EMP01... acabou por investir menos do que o previsto na linha completa de serração e na linha automática de corte de tacos. Tal deveu-se à dificuldade em exportar paletes completas para o mercado externo, devido aos custos demasiado elevados. (…)” (Documento n.º 55) 164. Nessa decisão, o IAPMEI concluiu ainda pelo apuramento de um montante de despesa elegível certificada de 1.956.420,00 €, correspondente a 100% das despesas elegíveis contratadas, que foram suportadas pela EMP01..., Lda. com a aquisição dos bens e serviços que compuseram o investimento, sendo o incentivo final reembolsável de 1.270.799,56 €, já deduzindo a penalidade financeira aplicada de 873,44 €, o que corresponde a 65% das despesas elegíveis certificadas; 165. E consignou que o “(o) Plano de reembolso prevê a primeira prestação em ../../2017 e a última em ../../2019”. (Cf. Documento n.º 55) 166. Em 30.12.2015, durante a fase de execução do projeto, a EMP01..., Lda. adquiriu uma nova linha de serração e, em 19.12.2018, solicitou a substituição do investimento relativamente à rubrica Nº 1, nos seguintes termos: “(…) Mais se informa que a empresa procedeu à substituição do investimento relativo ao comprovante 28, rubrica 1, do projeto em causa. O equipamento então adquirido não satisfazia as necessidades da empresa, pelo que em 30-12-2015 a EMP01... adquiriu uma nova linha de serração. Envia-se, em anexo: - Contrato celebrado com o fornecedor a 28-10-2015; - Fatura de Adiantamento n.º ...96 de 17-11-2015; - Fotos do equipamento onde é visível a placa com a identificação da marca, modelo e n.º de série. Atendendo que se trata do mesmo investimento solicita-se a sua substituição, dado que o investimento relativo ao comprovante 28 já não se encontra no ativo da empresa.” (Documento n.º 56) 167. Em 07.07.2020, o IAPMEI proferiu “DECISÃO DE ENCERRAMENTO DO PROJETO” e pronunciou-se sobre o pedido de substituição do investimento relativo à rubrica 1, nos seguintes termos: “(…) A empresa procedeu à substituição do investimento relativo ao comprovante 28, rubrica 1, devido a que o equipamento não satisfazia as necessidades da empresa, pelo que, em 30-12-2015, a empresa adquiriu uma nova linha de serração. A nova máquina foi adquirida por um valor superior à anterior, não tendo, por esta razão, que haver qualquer ajuste à despesa elegível apurada em sede de encerramento do investimento.” (Documento n.º 57) 168. CC foi destituído da gerência da arguida EMP01..., Lda., com justa causa, em 10.10.2018. (Cf. fls. 93 v. do processo físico) ♦ 3.1.3 - Da declaração de perda das vantagens do facto ilícito típico a Favor do Estado 169. Os arguidos, atuando como representantes legais da empresa e em nome desta, com a sua conduta, lograram integrar no património da sociedade EMP01..., Ld.ª, a título de subsídios indevidamente obtidos, o montante global de, pelo menos, 602.000,00 € (seiscentos e dois mil euros), 170. Com o qual aumentaram o seu património. 171. Com a sua conduta, lograram ainda integrar no património da referida sociedade, a título de reembolso de IVA, o montante de 142.600,00 € (cento e quarenta e dois mil e seiscentos euros), com o qual aumentaram o seu património. 172. Tais incrementos patrimoniais, resultaram da prática dos fatos acima dados como provados, que configuram ilícitos criminais típicos. 173. E ocorreram em consequência do correspondente empobrecimento do património do Estado. 174. Este valor corresponde assim às vantagens da atividade criminosa que obtiveram, nos referidos termos. 175. Por se tratar de ativos fungíveis (dinheiro) não é possível, neste momento, a sua apropriação em espécie. ♦ 3.2 - Factos não provados Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, ou que estejam em contradição com os indicados supra. Não se provaram, designadamente, os que a seguir se enunciam: 3.2.1 - Quanto à acusação (para a qual remeteu o despacho de pronúncia): i) EE tenha atuado na execução de plano concertado com os arguidos BB, AA e CC, e tenha sido nesse contexto que tenha emitido, em representação da EMP02..., Unipessoal, Lda a fatura indicada no ponto 34) dos Fatos Provados, sem prejuízo do que demais se deu como assente. ii) FF tenha atuado na execução de plano concertado com os arguidos BB, AA e CC, e tenha sido nesse contexto que tenha emitido, em representação da EMP03..., a fatura indicada no ponto 37) dos Fatos Provados, sem prejuízo do que demais se deu como assente. ♦ 3.2.2 - Quanto à contestação: iii) o “Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros no âmbito do Sistema de Incentivos à Inovação” n.º ...88 tenha sido assinado em 21.12.2012, pela EMP01..., Lda., na qualidade de “Promotor”, pelo IAPMEI, na qualidade de “Organismo Intermédio”, verificando-se que a assinatura aconteceu em 04.01.2013; iv) ambos os equipamentos de corte identificados no ponto 149) dos FP sejam destroçadoras, e se destinem à transformação de lenha em estilha e se distingam, essencialmente, pelo seguinte: a) O primeiro, adquirido no estado de usado, não dispunha de quadro elétrico, nem de crivo e é mais eficaz na transformação de madeira de produção; b) O segundo, adquirido no estado de novo, era uma máquina completa, e era mais eficaz na transformação de grandes toros de madeira em estilha. v) Se tratem de duas máquinas distintas e com valores bastante diferentes, atendendo às suas capacidades e funções. vi) Independentemente da existência de um lapso no tratamento contabilístico na identificação do equipamento vendido à “EMP04..., Lda.”, o equipamento que foi objeto de venda tenha sido o que havia sido adquirido pela EMP01..., Lda. em 2003, identificado nas fichas ...02, ...03 e ...04..., sem prejuízo do que demais se deu como assente; vii) A EMP01..., Ld.ª não tenha vendido à “EMP04..., Lda.” o equipamento que havia comprado à “EMP05...”, sem prejuízo do que se deu como assente no ponto 150 dos FP; viii) O equipamento que a EMP01..., Lda. comprou à “EMP02... – Unipessoal, Lda.” pelo preço de 150.000,00 Euros, titulado na Fatura n.º ...40 de 2014-08-28, não fosse equipamento que havia comprado à “EMP05...”, sem prejuízo do que se deu como assente no ponto 150 dos FP. ix) A venda de um equipamento de corte de madeira pela EMP01..., Ld.ª à “EMP04..., Ld.ª” tivesse em vista a inclusão, na linha de produção desta empresa, da transformação de lenha em estilha, e que só depois de tenha verificado não ser adequado à sua atividade indústrial; x) Tenha sido na sequência da constatação dessa desadequação que o equipamento de corte tenha sido depois vendido pela EMP04... à “EMP02... – Unipessoal, Lda.”, empresa cuja atividade consiste na comercialização deste tipo de máquinas e sua reparação. xi) A compra e venda entre a EMP01..., Lda. e a “EMP04..., Lda.” já estivesse acordada havia vários meses, apesar de só ter sido titulada em fatura em 26.08.2018, xii) Só nesta altura se tenha constatado a referida desadequação para o fim a que se destinava; xiii) durante os anos de 2013 e 2014, a EMP01..., Ld.ª e a “EMP04..., Lda.” tenham previsto adquirir, cada uma, um equipamento de secagem de madeira de biomassa, sem prejuízo do que demais se deu como assente. xiv) Uma vez que estava pendente a execução do projeto ...88, as duas empresas (EMP01... e EMP04...) tenham decidido que fazia sentido que a EMP01..., Ld.ª passasse a incluir a secagem e transformação de resíduos de biomassa na sua linha de produção, vendendo a matéria-prima à “EMP04..., Lda.” que, dessa forma, não necessitava de incluir a fase da secagem no seu processo produtivo (fabrico de “pellets” para aquecimento). xv) Tenha sido por esse motivo que a “EMP04..., Lda.” tenha decidido vender o equipamento que havia adquirido à “EMP06..., S.L.” e que, por seu turno, a EMP01..., Ld.ª tenha decidido comprar um equipamento, adaptado às suas necessidades, sem prejuízo do demais apurado. xvi) Tenha sido devido ao incêndio ocorrido nas instalações da EMP04... que esta e a “EMP03..., Lda.” tenham dado sem efeito a compra e venda constante da Fatura ..., de 22.08.2014, sem prejuízo da emissão da Nota de Crédito ..., de 20.11.2014 pela “EMP04..., Lda.”. (Cf. fls. 505 do processo físico) xvii) O equipamento que a EMP01..., Lda. comprou à “EMP03..., Lda.”, descrito na fatura ...5, de 27.08.2014, não seja o mesmo equipamento que a “EMP04..., Lda.” comprou à “EMP06..., S.L.”, independentemente de aí constar o número de série “...14”e sem prejuízo da reparação/substituição quase total após o incendio em outubro de 2014 (Documentos n.º 51 e 52) ♦ 3.3 - Motivação da matéria de facto: O Tribunal formou a sua convicção conjugando todos os meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, apreciando-os criticamente e à luz das regras da experiência comum (cfr. art.º 127.º CPP). Na enunciação dos factos, foram expurgadas as afirmações conclusivas e os juízos valorativos[1]. A produção de prova foi gravada referindo-se sumariamente o teor dos depoimentos, por se afigurar que tal facilita a compreensão dos termos em que se formou a convicção do Tribunal, complementando o raciocínio motivacional infra descrito. ♦ Assim, revelou-se decisiva a análise articulada entre os documentos constantes do processo, por um lado, e os depoimentos prestados em audiência de julgamento, por outro, como adiante se analisará. No que concerne à prova documental, sem prejuízo da que eventualmente for mencionada aquando da análise dos depoimentos e declarações, o Tribunal valorou particularmente os seguintes documentos: - informação da AT de ... de fls. 11, onde se refere que há 2 equipamentos relativamente às quais terão sido ficcionadas transações, com o objetivo de empolar o valor das máquinas e, consequentemente, obter fraudulentamente fundos comunitários. Assim, o Tribunal atendeu aos documentos de fls. 92 e ss. (certidão permanente da EMP01... L.da), fls. 313 e ss. (certidão permanente de EMP02... Unipessoal, Lda), fls. 317 e ss. (certidão permanente da EMP03... Ld.ª) e fls. 321 e ss. (certidão permanente da empresa EMP04... Ld.ª). Igualmente crucial foi a valoração da informação preliminar de fls. 15 e ss., que está sustentada nos seguintes documentos: - a fatura da EMP05... n.º ...26, de 28.05.2014, de fls. 18; - na fatura da EMP10... Ld.ª com o n.º ...49 de 26.08.2014 – vendendo um equipamento de corte de madeira à EMP04..., L.da pelo valor de € 152.520,00; - na fatura da EMP04..., com o n.º ... ½, vendendo à EMP02... um equipamento de corte de madeira, em 26.08.2014; - na fatura da EMP02..., com o n.º ...40, vendendo, em 28.08.2014 um equipamento de corte de madeira, pelo valor final de € 184.500,00; - no extrato de contas da EMP04..., de fls. 22 relativo ao período compreendido entre 01.01.2014 e 31.12.2014; - nas faturas da EMP06... vendendo à EMP04... uma máquina secadora – cfr. fls. 23 e ss.; - na fatura da EMP04..., vendendo à empresa EMP03... uma máquina – secador de banda a baixa temperatura (...) de 22.08.2014; - na fatura da EMP03... n.º ...5 vendendo à EMP01..., Ld.ª a máquina “Linha para Biomassa” pelo valor de € 470.000,00; - o mapa de investimentos da EMP01... Lda no período compreendido entre 01.06.2014 e 29.08.2014 de fls. 53; - declarações periódicas entregues quer pela EMP01..., quer pela EMP04...; - o extrato de contas da empresa EMP03..., Ld.ª no período compreendido entre 01.01.2013 e 31.10.2022 de fls. 486 e 499; - os elementos bancários e faturas de fls. 487 e ss; - os elementos documentais juntos com a contestação; - elementos documentais juntos no decurso da audiência, designadamente sob a denominação “...”. ♦ Já no que tange à prova por declarações, verifica-se que os arguidos não prestaram quaisquer declarações sobre os factos que constituem o objeto do processo, exercendo um direito com tutela constitucional e legal (cfr. artºs 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa e 343º, nº 1, do Código de Processo Penal). O silêncio dos arguidos não indicia a sua culpabilidade, nem faz presumir a sua inocência, constituindo um elemento processualmente neutro ao nível da apreciação probatória. No que concerne à prova testemunhal, foi inquirido DD, perito nacional destacado no Fundo de Combate Europeu à Fraude, funcionário do IAPMEI em Portugal. A testemunha começou por esclarecer que só teve contato com a análise dos projetos. À data dos fatos, era chefe de departamento de verificação, fiscalização e controlo do IAPMEI. No exercício dessas funções, tomou conhecimento de que foi celebrado um contrato de concessão de benefícios financeiros entre a empresa EMP01..., Ld.ª e o IAPMEI, quando foi solicitada informação pela AT. O sistema de incentivos visava o reforço da capacidade produtiva das empresas e incentivava uma orientação para mercado externo, com aumento da capacidade produtiva e exportação ao nível do mercado internacional. Esta testemunha também aludiu às principais obrigações que decorriam para os contraentes da celebração do contrato, tendo, igualmente explicado os procedimentos associados a esse processo de contratação: os projetos eram apresentados ao IAPMEI, que propunha ou não a aprovação, no contexto de análise conjunta com outras candidaturas e se houvesse dotação orçamental, o projeto era aprovado. No caso concreto, a empresa foi avaliada acima do mínimo, sendo que o procedimento habitual é notificar o beneficiário de que foi concedido o incentivo, sendo posteriormente assinado o contrato, sendo a empresa esclarecida de que tem a obrigação de o executar nos termos definidos. No âmbito da contratação, é também procedimento habitual proceder a uma verificação no local para comprovação física dos equipamentos adquiridos para a candidatura. No entanto, ressalvou que relativamente a este contrato em particular não acompanhou a candidatura, pelo que se limitou a relatar os procedimentos que habitualmente ocorrem em candidaturas desta natureza. Nesse seguimento, acrescentou que, numa primeira fase, são atribuídas equipas de análise e se as candidaturas forem aprovadas pelas autoridades de gestão, é assinado o contrato e a candidatura transita para equipa de verificação. No decurso destas fases, os técnicos vão decidindo os pedidos de pagamento. À data da candidatura apresentada pelos arguidos, estava no Departamento de Fiscalização e Controlo, que é um departamento transversal, que faz verificações por amostragem e foi no âmbito da fiscalização com entidades externas que foi envolvido neste processo. Várias despesas foram consideradas elegíveis. O procedimento comum é o candidato apresentar fatura e o IAPMEI faz um pagamento, tendo depois o candidato 30 dias para comprovar o pagamento das faturas com essa verba que lhe fora disponibilizada. Neste contexto, o IAPMEI ia libertando a verba à medida que os arguidos iam comprovando os pagamentos. Em regra, eram exigidos todos os documentos que comprovassem o pagamento: extrato bancário a comprovar a saída do dinheiro, a fatura e o recibo e todos estes documentos eram verificados pelas equipas do IAPMEI. Por outro lado, e no que concerne à verificação física, havia uma deslocação por uma equipa do IAPMEI que verificava os equipamentos adquiridos, o seu estado de uso, e que posteriormente conferia o descritivo do equipamento. Confrontado com a circunstância de, no caso dos autos, as duas faturas conterem uma descrição quase inexistente, admitiu como possível – visto que no caso a situação remonta a 2013 - sendo que os procedimentos foram sendo refinados ao longo do tempo - tendo aprimorado os procedimentos internos. No entanto, sublinhou que sempre que surgiam dúvidas nas faturas – que deveriam ser detalhadas -, eram pedidas informações adicionais, desconhecendo, porém, se no caso concreto tal aconteceu. A maior parte das vezes, a fiscalização/verificação acontecia por amostragem, porquanto o sistema automaticamente selecionava alguns documentos para tal efeito. No caso concreto da empresa EMP01..., Ld.ª, foram detetadas algumas situações não conformes, mas não muito relevantes, tem ideia de que houve duvidas quanto a algumas despesas que não foram comprovados os pagamentos. É na avaliação final, em função da elegibilidade das despesas, que é feita uma avaliação do mérito do projeto. Segundo esta testemunha “como não detetaram incongruência de maior”(sic) não efetuaram uma análise mais profunda, tendo apenas feito uma verificação por amostragem. Os técnicos que estiveram no local também não verificaram se os equipamentos usados na candidatura foram adquiridos em estado de uso, mas enfatizou que, efetivamente, o IAPMEI só financia se estiverem em causa equipamentos novos. A verificação física foi feita em 25.06.2015 – pelos técnicos HH e o Eng.º II, sendo que, do lado da empresa esteve presente o arguido BB. Quanto aos equipamentos que, concretamente, foram identificados pelos arguidos na candidatura referiu serem os seguintes: I - uma destroçadora para biomassa ... (da EMP03...) (- também aparece com o nome máquina de secar); comprovante 24 – foi verificado; linha para biomassa; II – um equipamento de corte (EMP02...) – correspondente ao comprovante 28 - a equipa verificou esse equipamento e respetivo n.º de série. No decurso do seu depoimento, aludiu ao documento com a denominação ..., onde consta um ficheiro EXCEL (que é uma ferramenta de análise de contratação de incentivos), documento esse que remeteu por email, e cuja junção aos autos foi ordenada, atenta a relevância para a boa decisão da causa. A tal propósito, esclareceu, ainda, que as empresas - para se candidatarem - têm de previamente comprovar a sua dimensão, porquanto isso influi no acesso aos incentivos. Existe uma ferramenta específica – Certificação PME – na qual se devem registar – com os respetivos dados, designadamente dados dos sócios com outras empresas. Essa informação tem uma base declarativa – que não é verificada sistematicamente, mas o IAPMEI utiliza a informação dessa plataforma quando tem dúvidas. No entanto, também não sabe dizer se isso foi feito neste caso. Interpelado relativamente à questão que está a ser discutida nos autos, explicou que quando os bens são verificados, a Equipa consegue aferir se o valor está inflacionado, mas o IAPMEI não tem competência para avaliar o preço, nem para pedir informação aos fornecedores – pelo que, essa avaliação, é feita, habitualmente, com base no que diz o beneficiário e do confronto da contabilidade. Por fim, sublinhou que neste sistema de incentivos, a diversidade de empresas que se pode candidatar é imensa e não têm especialistas em todas as áreas para poderem fazer uma avaliação tão completa como seria desejável. A testemunha sublinhou que o IAPMEI gere centenas de milhares de candidaturas, pelo que é quase impossível fazer uma análise muito detalhada em todos os casos. No entanto, nos casos em que são identificadas possíveis anomalias, é aprofundado. Teve contato com este caso em 2018, através da AT de ... e teve a sinalização de que poderia haver irregularidades no âmbito do processo, o que foi assinalado no sistema, o que determina um acompanhamento de maior proximidade. Instado a explicitar o tipo de controlo que fazem às faturas, esclareceu que têm de ser certificadas por TOC/ROC, sendo que estes profissionais já fazem uma pré-validação, emitindo um relatório de onde consta que a fatura cumpre todos os requisitos legais e que são contabilizadas de acordo com o sistema contabilístico nacional. Todos os originais têm de estar carimbados. O carimbo deve conter a informação da autoridade de gestão que apoiava, o número universal do projeto, taxa de importação, o número da contabilização e o número de comprovante e número de ordem, a que estava associado na classificação dos investimentos. O IAPMEI não verifica a contabilidade, mas apenas a contabilização dos equipamentos e dos incentivos, mas não tem competências para fazer uma auditoria à empresa. Nessa medida, ao fornecedor dos bens nem pediam sequer documentos, nem qualquer informação. A testemunha explicou, ainda, que cada contrato tem um número universal - no caso é a referência Norte-07-043-FEDER-...88. O contrato que começa com a referência ...12/número da candidatura - junto com a contestação – é o mesmo, mas o número universal é o que indicou. Deste contrato, assim identificado, resultam obrigações entre o IAPMEI e o beneficiário. Assim, e tendo sido confrontado com o contrato, a testemunha explicou que na cláusula 1.ª, a menção ao montante de € 1.956.420, corresponde à intenção de financiamento que o promotor evidenciou na candidatura e que foi validado pelo IAPMEI. Perante esta intenção de investimento – o IAPMEI – prevê o investimento que fez constar da clausula 3.ª, sendo que o investimento será reembolsável até esse valor. Num 1.º momento atribui o incentivo, mas está previsto desde o primeiro momento que pode haver uma conversão e esse é o principal aliciante. Por outras palavras, quando o beneficiário sabe que é reembolsável vai ter de devolver o montante, mas se cumprir, passará a ter um beneficio não reembolsável. Assim, a conversão que está prevista na al. c) do n.º 1 da cl 3.ª corresponde à fixação do valor máximo. Acrescentou a testemunha ter uma informação de incumprimento do beneficiário –no caso a sociedade arguida EMP01..., Ld.ª-, mas não sabe o motivo. Também afirmou desconhecer se a EMP04... foi identificada como empresa relacionada com a EMP01..., desconhecendo, igualmente se a arguida omitiu alguma informação relevante na Certificação PME. Questionado pela defesa, confirmou que no âmbito da fase da candidatura, pode acontecer serem pedidos esclarecimentos ao candidato. No caso, foi feito esse pedido, mas a testemunha reconheceu não saber o conteúdo desse pedido de esclarecimento. Na fase da candidatura, os promotores apresentam um projeto baseado em faturas proforma. Normalmente devem ser recolhidas 3 propostas. O contrato é feito com base no que é proposto na candidatura e qualquer alteração depende de prévia autorização do IAPMEI. Nessa medida, temos um projeto de investimento e a concretização pode ser, ou não ser exatamente igual, com algumas balizas e desde que não afete o mérito do projeto. No caso concreto, para as rubricas de classificações de investimento – no caso da rubrica 1 (que previa uma linha de serração de cerca de € 280.000,00, o investimento foi de € 150.000,00, e, portanto, inferior ao inicialmente indicado, pelo que tem de haver justificação perante o IAPMEI (se os objetivos principais da candidatura não forem desvirtuados, pode ser autorizado). No mesmo mapa – e por referência à rubrica 7 (destroçadora – de € 324.000,00 – se depois tiver sido feito outro investimento – tem de ser justificado e aprovado pelo IAPMEI. No documento ... que enviou agora por email – existe um ponto que tem a ver com a análise dos desvios. Por fim, referiu-se ao balcão único eletrónico – que é uma consola de cliente para os beneficiários, onde se faz a troca de informação. As decisões do IAPMEI eram enviadas por este sistema de gestão, por via eletrónica. Com a conclusão do investimento físico e financeiro, é nessa fase que se faz a verificação física, sendo que a documental é feita durante o processo. O depoimento da testemunha revelou um domínio notável de conhecimentos gerais sobre o IAPMEI e a concessão de fundos, tendo sido exaustivo na abordagem das diversas fases e especificidades relacionadas com a concessão de subsídios, porém, apresentou lacunas significativas no conhecimento concreto sobre os procedimentos relativos à concessão deste específico subsídio aos arguidos e das suas vicissitudes. Embora a sua compreensão ampla possa fornecer uma visão geral importante, dada a especificidade da matéria em apreço, a falta de detalhes particulares sobre o processo de concessão do subsídio que está a ser analisado nos autos pode limitar relevância do depoimento. Neste contexto, é de realçar que a testemunha não foi capaz de esclarecer várias das questões mais específicas que foram colocadas no decurso da audiência. Assim, embora tenha prestado um depoimento credível e imparcial e demonstre um entendimento técnico sólido sobre este assunto, foi condicionado pelo desconhecimento de vários aspetos concretos do caso, ainda que parcialmente colmatados pelo documento que enviou por email no decurso das suas declarações. ♦ Procedeu-se, ainda, à inquirição de GG, diretor fabril da empresa EMP04..., desde 2018. Esclareceu que trabalha para esta empresa desde a sua criação. Nunca foi funcionário da EMP01... Ld.ª e não é da família de nenhum dos arguidos, ainda que os conheça a todos, por força do exercício das suas funções. A EMP04... dedica-se à produção de paletes e briquetes de madeira, sendo que as instalações se situam em .... Havia relações comerciais entre as duas empresas que, para além da participação comum (eram os mesmos sócios), assentava também em relações de fornecedor/cliente: a EMP01... Ld.ª - que é uma serração - fornecia madeira e subprodutos à EMP04..., para que esta os transformasse. Embora não conheça a fundo a empresa EMP01..., L.da ,tem conhecimento de que a mesma se candidatava a fundos comunitários, enquanto que a EMP04..., por seu turno, foi criada num programa de apoio ao investimento. Mais tarde foi feita uma segunda candidatura tendo em vista dotar a EMP04... de meios mais capazes, mas foi reprovada. Afirmou não ter conhecimento de que a EMP04... tenha vendido máquinas para a EMP01..., mas a EMP01..., Ld.ª chegou a vender equipamento à EMP04.... Neste contexto, afirmou que, ainda na fase de instalação foi decidido adquirir um equipamento para triturar madeira para ser instalado na EMP04.... Nunca chegou a ser completamente instalado e decidiu-se que não faria sentido manter, pelo que o equipamento foi vendido à EMP02.... No decurso do seu depoimento, a testemunha foi confrontada com o teor do documento – fatura ...49, de 26.08.2014, que consta de fls. 19. Segundo a testemunha, o equipamento a que esta fatura se reporta foi entregue nas instalações da EMP04..., mas houve um recuo nessa intenção, pelo que a máquina não chegou a ser utilizada pela EMP04.... Analisado o documento de fls.19, verifica-se que o mesmo titula uma fatura de venda de um equipamento da EMP01... Ld.ª à EMP04... – está descrito como equipamento de corte, mas é de trituração de madeira. Este mesmo equipamento foi vendido à EMP02... – cfr. fls. 20. A testemunha foi questionada acerca do motivo que esteve na base da transmissão (sublinhe-se que estão em causa os mesmos sócios entre as duas empresas, tendo referido que “não era assunto consensual”(sic) e que pessoalmente, não concordava). Como motivação indicou apenas que “com o passar do tempo, e também por dificuldades económicas, decidiram vender”(sic). Questionado acerca do motivo pelo qual a máquina não regressou à EMP01... referiu genericamente que não necessitaria, não sabendo quando é que a EMP01... adquiriu essa máquina, nem se a EMP02... a vendeu. A EMP01..., Ld.ª vendeu uma outra máquina - comprada previamente, em segunda mão, a uma empresa sueca – cfr. fatura de fls. 18 - tendo a testemunha afirmado conhecer este negócio, que intermediou como tradutor. Nessa medida, garantiu tratar-se de uma outra máquina, em concreto, um componente de um sistema de corte (trituração), que é um equipamento isolado, mas que pode ser incorporado em outros equipamentos já existentes. Após, foi confrontado com a fatura de fls. 21 – ...40 – que titula a venda pela EMP02... de um equipamento de corte de madeira à EMP01... Ld.ª. Questionado se podia ser o mesmo equipamento que a EMP04... vendeu à EMP02... argumentou que, em princípio, não, mas reconheceu que as descrições em si são muito próximas. No entanto, ressalvou que não teve conhecimento deste negócio. Sabia que a EMP01... estava em processo de investimento, mas não sabia exatamente o que estava em causa. A testemunha foi, ainda, confrontada com os documentos constantes de fls. 23 a 28, os quais titulam uma compra da EMP04... a uma empresa espanhola de um secador de banda de baixa temperatura. A compra totaliza € 445.000,00 euros, sendo que o equipamento foi comprado à EMP06.... A EMP01... queria comprar um secador, mas tinha que ser mais adaptado à tipologia dos produtos em questão. Esta máquina teria que ser adaptada para ser usada pela EMP01... – tinha sido desenhado em particular para a EMP04.... Mas alguns dos componentes poderiam ser usados pela EMP01.... Iniciou-se a instalação na EMP04... e começaram a ser feitos alguns ensaios e com este equipamento candidataram-se a um fundo que foi reprovado. Chegaram à fase de testes, mas tiveram um incêndio, no decurso do qual este secador ficou inutilizado e foi substituído. Antes, tinha sido vendido a uma empresa, por causa da reprovação do projeto a que a EMP04... se candidatara e também por dificuldades económicas. Por isso, foi vendida à EMP03..., não tem dúvida que foi este equipamento. Tinham comprado por € 445.000,00 e venderam por € 470.000,00, sendo que o negócio foi acordado antes do incêndio. Com o incêndio, houve uma indefinição em termos negociais. Existe uma fatura de venda já de agosto de 2014 e que depois foi anulada, por decisão da gerência. Depois a EMP03... chegou a acordo com o EMP01... para vender o secador, ou parte deste, mas não acompanhou o negócio. Nesta fase do seu depoimento, a testemunha foi confrontada com a fatura de fls. 51 (venda da EMP04... à EMP03...), de onde resulta que receberam € 445.000, tendo confirmado este negócio. A data é de agosto, mas o fornecimento não aconteceu nessa data, com a ressalva do incêndio, pelo meio, entre a fatura e a entrega do equipamento. A EMP03... comprou e depois vendeu à EMP01..., mas não acompanhou a partir da venda à EMP03.... O incendio foi a seguir a uma feira em outubro/novembro de 2014. Note-se que a testemunha necessariamente tem que ter um conhecimento sedimentado dos fatos, visto que já foi sócio da EMP04... (até 2018), o que lhe permite ter conhecimento direto de grande parte da factualidade abordada. No entanto, o seu depoimento evidenciou algum calculismo, tendo o mesmo procurado responder exclusivamente o necessário e escudando-se na circunstância de não conhecer a parte negocial que envolveu a EMP01..., Ld.ª. Na altura do incêndio, afirmou não poder assegurar se a EMP04... já tinha recebido o pagamento da EMP03.... Relativamente ao documento de fls. 35 (fls. 916) – alusivo a esse mesmo incêndio - confirmou que o email foi elaborado por si. Explicou a testemunha que uma máquina destas, tem vários módulos, pelo que a sua instalação é muito demorada e muito sensível, com um número de componentes muito elevado. No caso da EMP04..., demoraram meses a instalar. Quando chegaram a acordo com a EMP03..., já estava concluída a instalação física deste equipamento, mas não estava feita a verificação dos pressupostos de funcionamento do equipamento. No caso da EMP04..., a única utilidade de um secador seria para secar serrim, mas para a EMP01... teria mais funcionalidades. Por fim, perguntado se o secador que tinha sido comprado pela EMP04... é fisicamente o mesmo que foi instalado para a EMP01... respondeu não ser o mesmo, porque a sucata do ardido está no parque da fábrica. A tal propósito, esclareceu a testemunha que o equipamento ardido ficou inutilizado, mas a EMP06... entregou outro equipamento, repondo-o junto da EMP04..., através da seguradora, que pagou e fez aquisição ao mesmo fornecedor. Entregue o equipamento de reposição, admitiu que se retomou o acordo de venda à EMP03.... Depois, decorrente do acordo, a própria EMP03... serviu-se do que comprou à EMP04... e vendeu à EMP01... (ou seja, parte dos componentes podem ser os mesmos). Prestou um depoimento que pareceu ao Tribunal algo contido, contenção que provavelmente se explica por algum comprometimento com a posição dos arguidos, atentas as funções que exerceu e ainda exerce na EMP04.... Nessa medida, o depoimento evidencia algumas contradições, que resultam evidenciadas da análise documental, conjugadas com as regras da experiencia comum, como se verá melhor infra. ♦ Já a testemunha LL identificou-se como contabilista da empresa EMP01... Ld.ª, funções que exerceu no período compreendido entre de 1999 e início de 2023. Afirmou conhecer todos os arguidos, por razões relacionadas com o exercício das suas funções. Esta testemunha começou por confirmar a candidatura a fundos comunitários pela empresa EMP01..., L.da, sendo que o projeto foi feito por uma empresa e a testemunha apenas fazia a contabilização dos documentos, ou seja, verificava as faturas e lançava-as na contabilidade. Ao nível do projeto, não inseria nada eletronicamente, mas na qualidade de TOC certificava as faturas. A testemunha foi, nessa sequência, confrontada com os documentos constantes de fls. 21 e 52, tendo admitido que passaram pelas suas mãos e explicando: - dos documentos em causa consta um carimbo que utilizava para fazer o lançamento da fatura na contabilidade e onde consta a expressão “ativos fixos tangíveis” e tem a sua assinatura. Através desta operação, certificava que a fatura correspondia ao original e era inserida na contabilidade da EMP01..., Ld.ª. Perguntado se a operação tinha sido realizada, ou seja, se o dinheiro da compra e venda tinha circulado, referiu genericamente que “normalmente, ao nível da contabilidade estava tudo correto”(sic), sendo que a conferência dos bancos era efetuada na empresa. Mas os documentos vinham na mesma para a contabilidade. A testemunha confirmou que os sócios gerentes da EMP01..., Ld.ª também eram sócio-gerentes da EMP04.... Questionado se existiam negócios entre ambas as empresas deu resposta afirmativa, justificando a sua razão de ciência na circunstância de ser contabilista de ambas. Neste contexto, explicou que a EMP01..., Ld.ª vendia madeira para a EMP04... trabalhar. Quanto às faturas com que foi confrontado, referiu ter conhecimento de que as mesmas iriam ser apresentadas ao IAPMEI no contexto da candidatura efetuada. Na altura do projeto, foi feita uma relação de bens – já que todos tinham de ser objeto de uma contabilização especial. Justificou algumas lacunas no conhecimento dos fatos com a circunstância de que apesar de ser o contabilista, não estava a tempo inteiro na empresa. Tinha o habito de esclarecer os clientes que os equipamentos a integrar o projeto do IAPMEI têm de ser novos. Questionado a tal respeito, esclareceu que todos os lançamentos que fez na contabilidade se sustentam em documentos, nunca tendo lançado um documento só porque está no e-fatura, por exemplo. Assim, os movimentos a débito e a credito estão suportados por documentos que considerou idóneos. Consequentemente, os documentos relativos a compras – têm de aparecer num mês de pagamento que tinha correspondência. Até porque as exigências do IAPMEI eram a de apresentação de fatura, recibo, meio de pagamento e extrato bancário. Por outro lado, no fim do ano fazia a conciliação bancária. Questionado, quanto a uma venda da EMP01... à EMP04... de um equipamento de corte de madeira, no sentido de saber se houve algum lapso contabilístico, esclareceu que o IAPMEI deu conta de uma troca de numeração. Perguntado, sustentou desconhecer se, na altura em que foi feita a venda à EMP04..., a EMP01... tinha duas máquinas similares, ressalvando, porém, que todos os equipamentos da EMP01... estavam em ficha. Neste seguimento, foi confrontado com fatura de fls. 19 não tendo, porém, sido capaz de especificar que ficha dos ativos da empresa saiu da EMP01... aquando dessa operação. O que se recorda é que houve um equipamento que saiu e houve um lapso quanto ao número de série, podendo corresponder a este negócio. O IAPMEI esteve nas instalações da empresa a verificar se os equipamentos tinham sido efetivamente adquiridos. Os lançamentos que faz na contabilidade também resultam das instruções dadas pela empresa. Prestou um depoimento que se afigurou sério e credível, ainda que assente na análise dos documentos contabilísticos que lhe foram apresentados pela empresa. ♦ Acresce que foi também inquirido como testemunha FF, que explicou conhecer a empresa EMP10... Ld.ª por razões profissionais, visto que é gerente da empresa EMP03..., Ld.ª, tendo mantido, com a primeira, relações comerciais, designadamente em 2013/2014. Instado a concretizar, explicou que fez um negócio com a EMP01..., Ld.ª e forneceu equipamentos para montar uma fábrica de paletes. Na empresa que gere fábricam máquinas para a indústria do arroz e de madeiras, vendem e fazem a montagem. Neste caso específico, forneceu esse equipamento para uma fábrica de paletes (não era para a serração), pelo que pensa que o negócio aconteceu com a outra empresa, que tem os mesmos sócio-gerentes – e que se chama EMP04.... Confrontado com a fatura de fls. 52, afirmou recordar-se do negócio titulado por esta fatura, que é outro, diverso, e que consistiu na venda de um secador de paletes da EMP03... à EMP04.... Quanto aos trâmites do negócio, referiu, de forma circunstanciada, que foram os sócio-gerentes da EMP04..., aqui arguidos, que o abordaram, perguntando-lhe se queria comprar o secador e componentes, e que seria para vender a uma outra empresa (também gerida pelos arguidos). Aceitou a proposta e, nessa sequência, comprou à EMP04... e, logo de seguida, vendeu o mesmo equipamento à EMP01.... Combinou isto tudo com o BB, aqui arguido, e apenas concretizou o negócio por considerar que “não havia mal nenhum”(sic), já que seriam pagos os impostos, não tendo dúvidas de que o negócio incidiu sobre a mesma máquina e que esta não chegou, sequer, a ser transportada para a sua empresa. Prestou um depoimento clarividente, coeso e desinteressado, salientando que considerou estranho - se eram sócios gerentes de uma empresa e da outra - para que é que precisavam daquela operação. No ato da compra, pagou à EMP04... e recebeu da EMP01..., tendo havido efetivamente transferência de dinheiro e respetiva faturação e tendo tudo sido combinado previamente, sendo que os valores são os que constam das faturas. Nessa sequência, a testemunha foi confrontada com fls. 51, tendo asseverado não ter qualquer dúvida que estava em causa a mesma máquina, apesar de a descrição nas faturas não ser inteiramente coincidente (sublinhado nosso). Também sublinhou que, para si, acabou por não ser um bom negócio, porquanto lhe ficaram a dever € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros). Perguntado se fez este negócio de livre vontade, referiu que aceitou a proposta que lhe foi feita pelos arguidos, não tendo chegado a receber a vantagem que lhe foi prometida. O negócio foi oferecido em bloco: comprar o equipamento a uma empresa e vender a outra, sendo que foi um negócio real, no sentido de que pagou e recebeu um preço. No entanto, ficaram em falta € 25.000,00 do valor combinado, que não liquidaram apesar da sua insistência. Tem também conhecimento de que, no mesmo período temporal houve um incêndio, que, contudo, não presenciou, desconhecendo pormenores a respeito do mesmo. Perguntado, indicou não ter conhecimento da anulação da fatura inicial da EMP04... à EMP03.... O valor do equipamento que comprou à EMP04... foi pago em tranches, mas foram os arguidos que lhe disponibilizaram o dinheiro – fizeram uma espécie de adiantamento e fez o pagamento também como foram pagando. Pensa que as intervenções que fez, bem como os pagamentos aconteceram antes do incêndio. Esta testemunha afirmou perentoriamente não ter dúvidas de que todos os arguidos estavam a par da proposta que foi feita, ainda que tenha falado mais com o arguido BB, por ser “o homem das contas”(sic). O seu depoimento foi claro, espontâneo, coeso e sério, reconhecendo alguma ingenuidade por ter aceite a proposta, mas evidenciando também algum desprendimento com a situação, flagrante, por exemplo, na circunstância de não pretender continuar a ter relações comerciais com os arguidos. Não obstante, e de forma sincera, asseverou que também não os quer prejudicar. Na declaração mensal de IVA fez refletir estas operações, sendo que liquidou o IVA com o dinheiro que iam adiantando e dinheiro seu da empresa. O seu depoimento – por ser tão clarividente e desinteressado - acabou por se revelar crucial para a sedimentação da prova. ♦ Foi, ainda, inquirido como testemunha EE, na qualidade de sócio-gerente da EMP02... Unipessoal, Ld.ª, posição que ocupa desde 2005. A tal propósito, explicou que a EMP02... se dedica à comercialização de equipamento e que teve, e ainda tem, relações comerciais com a EMP01... Ld.ª e com os demais arguidos. Perguntado relativamente à venda de uma máquina de corte de madeiras afirmou que já vendeu várias aos arguidos. Confrontado com a fatura de fls. 20, referiu que os arguidos propuseram que comprasse a máquina e fizesse a assistência técnica, colocando o manual de instruções, tendo aceite essa proposta. Nessa medida, confirmou que a proposta feita foi a seguinte: a EMP04... vendia à EMP02... e esta, por sua vez, vendia à EMP01... Ld.ª – os três arguidos estavam presentes nessa reunião, quando foi feita essa proposta. Neste contexto, confirmou que a máquina nunca chegou a ir para as suas instalações. Ela estava nas instalações da EMP04..., tratando-se de uma máquina em segunda mão, de uma representada que tem. Pensa que lhe ligaram porque está habituado a lidar com esta máquina. Disse o que era necessário: chapa de caraterísticas, manual de instruções – para a máquina estar em condições de trabalhar. Esta testemunha também confirmou que comprou a máquina por 125.000,00 e vendeu por 150.000, tendo o negócio acontecido uns dias antes das datas constantes das faturas. Esta diferença - de 25.000 € - justificava-se face ao serviço técnico por si prestado. Fez tudo por transferência bancária e todas as operações financeiras e contabilísticas estão documentadas. Ou seja, o dinheiro circulou, e os extratos bancários comprovam isso, sendo que os impostos também foram pagos. A testemunha afirmou desconhecer que os arguidos se iam candidatar a incentivos comunitários. Por fim, explicou que a máquina transacionada – que cortava madeira – em estado novo, valia € 350,000,00, mas a transação aconteceu de acordo com o preço de mercado. Questionado pela defesa, a testemunha explicou que um dos serviços que prestou foi acompanhar a montagem da máquina (a máquina estava desmontada), que aconteceu nas instalações da empresa EMP01..., Ld.ª, com a sua supervisão e com técnicos da EMP01.... Os seus serviços também incluíam a adaptação às diretivas e aos sistemas de segurança. Fez a analise de risco do equipamento, sendo que, do ponto de vista mecânico, estava em boas condições de funcionamento. No momento em que comprou a máquina à EMP04..., esta não reunia esses requisitos e, por isso, não podia trabalhar. Quanto à elaboração de manuais de instrução: forneceu-os, visto que, por ser representante da máquina em Portugal, tem acesso aos mesmos. Pagou à EMP04..., recebeu o preço desta empresa e vendeu posteriormente à EMP01..., não cobrando qualquer dinheiro pela transação. Questionado, admitiu desconhecer o motivo pelo qual a EMP04... não vendeu à EMP01.... Nos mesmos termos, a testemunha foi perguntada por que motivo fez a aquisição da máquina, se não tinha interesse na sua compra, tendo respondido que quando existem relacionamentos comerciais, muitas vezes têm de acatar condições de clientes. Evidenciou alguma contrariedade com as questões colocadas, insistindo que, no que lhe diz respeito, a transação se justificou pelo serviço técnico que prestou no contexto das relações comerciais existentes. Ainda assim, depôs de forma que pareceu ao Tribunal séria e autêntica. ♦ CC (testemunha de defesa da sociedade arguida) afirmou conhecer os arguidos enquanto gerentes da EMP01..., da qual é ROC. Nessa medida, afirmou ser administrador da empresa – CC – Sociedade de revisores de conta e de ROC, prestando estes estes serviços à sociedade arguida desde 2013/2014. No mais, afirmou ter conhecimento de que a empresa se candidatou a um projeto de investimento com o IAPMEI. Quem participou diretamente na auditoria do projeto foi o seu sócio que, entretanto, faleceu em 2015. O projeto de investimento é auditado por várias entidades, entre elas, um contabilista certificado (que, no caso, foi a sua empresa), para aferir da legalidade financeira do projeto. Dão um parecer ao IAPMEI sobre a conformidade documental e o circuito do dinheiro. No âmbito deste projeto de investimento, essa análise documental foi feita relativamente a todos os documentos, afirmando ter a certeza de que isso foi feito neste caso. Segundo a testemunha, nas compras efetuadas tendentes à concretização do projeto junto do IAPMEI não encontraram nenhuma irregularidade, nem no âmbito do IVA, nem de IRC, tendo feito a análise do fluxo de dinheiro, sendo que as máquinas foram pagas por transferência bancária e os documentos permitem aferir o percurso financeiro. Prestou um depoimento algo supérfluo e generalista. ♦ Por último, e ao abrigo da possibilidade contemplada no art.º 340.º do CPP, foi inquirida JJ, inspetora tributária, que referiu que houve a introdução de umas faturas, que foram contabilizadas no mês de agosto de 2014, pela EMP01..., Lda – ...5 e ...40 - e relativamente às quais foi deduzido IVA. Sustentou que tais faturas são falsas, mas ainda assim foi deduzido IVA, sendo o valor do reembolso nesse período de € 150.000,00, o qual foi efetivamente feito. Caso não tivessem introduzido estas faturas, (com IVA respetivamente de 108.100,00 + 34.500,00) – o valor do reembolso seria muito inferior. Assim, é certo que os arguidos pagaram este IVA, no contexto das transações que declararam, mas depois pediram esse reembolso, o que foi deferido. A testemunha fundamentou a sua razão de ciência na inspeção tributária realizada, depois de compilados e analisados todos os documentos. No âmbito da inspeção consideraram estas faturas falsas, estando relacionadas com investimentos que iam ser alvo de benefícios de projetos no âmbito do IAPMEI. Da análise da contabilidade, concluíram que: - há uma máquina adquirida em 28.05.2014 pela EMP01..., em segunda mão, a uma empresa sueca (EMP05...), por € 18.000,00 – sendo que esta aquisição foi comprovada contabilisticamente; - a mesma máquina foi vendida à EMP04... em 26.08.2014 (ver fls. 1449) – por € 124.000,00 – o que também foi confirmado contabilisticamente. Esta testemunha sublinhou que foi feito o pagamento contabilisticamente, ou seja, o negócio foi titulado por faturas e isso integrou a contabilidade de ambas as empresas, mas argumentou que tais faturas são falsas. A fatura inicial da aquisição de máquina reporta-se a uma compra de uma empresa sueca pelo valor de € 18.000,00, sendo a máquina vendida, em agosto, à EMP04... por € 124.00, sendo que se certificaram que era a mesma, porque foi feito o abate na contabilidade. Quanto à possibilidade (aventada por um colaborador de um ROC da empresa) de um eventual lapso na identificação da máquina, e que estaria em causa um erro contabilístico e que as máquinas vendidas seriam do ano de 2003 (3 equipamentos), mesmo que globalmente estas valessem € 102.433,30 em 2003, em 2014 já não valeriam isso, pelo que, se mantém a presunção de falsidade do negócio. É certo que a testemunha reconheceu que não tentou apurar o valor real das máquinas no mercado, mas fundamentou as suas conclusões nas regras da experiência comum e, ainda, na circunstância de a contabilidade também espelhar que essas máquinas foram alvo de depreciações. Independentemente se ser um equipamento ou outro, ninguém iria comprar por 124.000, tratando-se de um valor muito exponenciado face ao valor de aquisição. Acresce que, ato contínuo, no mesmo dia, a EMP04... emitiu uma fatura dessa mesma máquina para a EMP02..., sendo que esse negócio também será simulado – porque a máquina volta aos mesmos sócios, mas agora para a EMP01.... A testemunha sublinhou que é manifestamente impossível esta valorização, quer ponderando o valor inicial de € 18.000,00, quer ponderando o valor de € 21.000,00 (que é o que a contabilidade reflete), mais tendo enfatizado que teria que ser uma máquina nova a integrar o projeto do IAPMEI e em nenhuma das possibilidades tal acontece. Neste contexto, sustentou que ainda que contabilisticamente esteja tudo certo, a utilização da fatura é que pode ser abusiva, ainda para mais se houve benefício. A este propósito, afirmou que a situação abusiva pode ter configurado duas modalidades: - não chegou a haver transmissão; - houve transmissão, mas o valor não está correto; Em qualquer dos casos é possível retirar a ilação de que o negócio foi empolado para obter o subsídio e vantagens fiscais, pelo que o circuito documental não tem sustento real. Aparentemente, para a testemunha, o principal desiderato com a simulação destes negócios foi obter o subsídio. Tiraram foto à máquina da EMP05... e este documento foi apresentado ao IAPMEI. Foi esta máquina que foi para o projeto e consta da relação que foi apresentada ao IAPMEI. E na verba 1 é referida esta fatura. Analisada a fatura da EMP05... consta um número de série que coincide com o número de série que foi levado ao IAPMEI. Relativamente ao outro negócio: a EMP04... adquiriu uma máquina à EMP06... pelo valor de € 445.000,00 em 2014 (titulada por duas faturas). Esta máquina estaria a laborar para a EMP04..., tratando-se de um secador. Entretanto, a EMP04..., através dos sócio-gerentes, aqui arguidos, vendeu a máquina à EMP03... – pela Fatura ... – pelo valor que adquiriu – € 445.000,00 +IVA, o que aconteceu em 22 de agosto de 2014, mas ato continuo - em 27.08.2014 – a EMP03... vendeu a mesma máquina, pelo valor de € 470.000,00 à EMP01..., L.da. A EMP01... Ld.ª seria agora a proprietária, por a ter adquirido à EMP03.... No entanto, aquando do incêndio, em outubro de 2014, a máquina ainda estaria nas instalações da EMP04..., aparentemente arrendada. O seguro acabou por pagar a máquina à EMP04.... Admitiu a testemunha que estas máquinas não são de fácil transporte, nem havia guias de transporte na contabilidade das empresas. A EMP04... tinha tentado colocar um projeto no IAPMEI precisamente com esta máquina, o qual foi rejeitado, tendo depois tentado a candidatura com a mesma máquina, mas através da EMP01..., Ld.ª. A sua convicção é a de que a máquina nunca saiu da EMP04..., sendo relevante ter presente que consta que estava a pagar uma renda, isso está contabilizado em ambas as empresas. O incendio ocorreu em outubro de 2014, já depois da emissão das faturas. Acresce que a máquina foi total, ou quase totalmente reposta com componentes novos – houve uma indemnização com a qual se compraram componentes para restauro da máquina ardida. Prestou um depoimento claro, e esclarecedor, ainda que algo norteado pelos conceitos de avaliação indireta a que habitualmente recorre a AT. Ainda assim, a testemunha fundamentou o seu conhecimento, que pareceu sustentado, na análise da contabilidade das diversas empresas intervenientes, evidenciando várias dúvidas quanto à legitimidade e conformidade dos negócios que envolveram a aquisição dos equipamentos indicados nas rubricas 1) e 7) da candidatura ao IAPMEI. Nessa medida, o seu depoimento foi convincente e coerente, contribuindo para elucidar a matéria em discussão nos autos. ♦ Assim, e concretizando, quanto à acusação, para a qual remeteu o despacho de pronúncia: A prova dos pontos 1 a 16 da factualidade considerada assente, na parte relativa à designação das sociedades, atividade a que se dedicam e identificação dos sócios gerentes, o Tribunal valorou os documentos de fls. 92 e ss. (certidão permanente da EMP01... L.da), fls. 313 e ss. (certidão permanente de EMP02... Unipessoal, Lda), fls. 317 e ss. (certidão permanente da EMP03... Ld.ª) e fls. 321 e ss. (certidão permanente da empresa EMP04... Ld.ª). A prova de que a sociedade EMP01..., Lda, no âmbito do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), no ano de 2012, apresentou um projeto de candidatura a fundos comunitários junto do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) e da Agência para o desenvolvimento e Coesão, IP, o número que lhe foi atribuído (Norte – 07- 0403 – FEDER – ...88), bem como o objetivo da candidatura (instalação de uma nova linha de fabrico de um novo produto ao nível da empresa – Paletes de madeira; certificação de acordo com o normativo nacional para o tratamento fitossanitário (... ...:2009) e da cadeia de responsabilidade; reduzir os custos operacionais relacionados com os elevados consumos energéticos da empresa e o reforço da capacidade produtiva para não comprometer o abastecimento dos clientes com a canalização de madeira para o fabrico de paletes) – correspondente aos pontos 22 e 23 dos Fatos provados – fez-se com base na analise do contrato de concessão celebrado entre o IAPMEI e a sociedade arguida, a que foi atribuído o n.º ...88, junto no Apenso B (fls. 5 e ss.), onde está também discriminado, entre outros aspetos, o incentivo, as despesas elegíveis e as obrigações do promotor. A candidatura da sociedade arguida através de requerimento subscrito pelo arguido BB, enquanto gerente, e responsável pelo projeto – correspondente ao ponto 24 dos Fatos Provados – fez-se com base no documento de fls. 13 e ss. em concreto, fls.19 do Apenso B. A calendarização e valor do Investimento elegível pelo montante de € 1.956.420,00 que se deu como provado no ponto 26 resultou da análise do mesmo documento de fls. 13 e ss. do Apenso B, em particular de fls. 19, e dos dados do projeto que estão discriminados a fls. 26. Já o valor do prémio a que alude o ponto 26 dos fatos provados resultou assente da análise da Decisão de Elegibilidade do IAPMEI, constante de fls. 136 e ss. do Apenso A. Quanto ao ponto 27 dos Fatos Provados, a aquisição de diversos equipamentos, designadamente uma destroçadora para biomassa da marca ..., no valor de 470.000,00 € e uma linha de completa de serração, no valor de 150.000,00 € - enquanto parte integrante do projeto de investimento, resulta provada por força da análise do Mapa de Pagamento – Investimentos constante de fls.34, que faz parte do Aviso ...12 do Apenso B. Já a assinatura do contrato, no dia 04.01.2013, entre a EMP01..., Ld.ª e o IAPMEI – ponto 28 dos Fatos Provados - no âmbito do sistema de Incentivos à Inovação n.º ...88 está provada com base no documento de fls. 154 e ss. do Apenso C. Para prova do ponto 31 dos Fatos Provados, nos termos do qual os arguidos adquiriram, em maio de 2024, um equipamento de corte de madeira pelo valor de 18.000,00 € ao fornecedor intracomunitário sueco “EMP05...”, o Tribunal atendeu ao documento de fls. 18 (fatura n.º ...26, de 28.05.2014), do qual consta o número de série da referida máquina. Relativamente ao ponto 32 dos Fatos Provados, o Tribunal atendeu ao documento que titula a fatura ...49, o qual consta de fls. 19, e de onde resulta que a EMP01... vendeu à EMP04..., em 26.08.2014, um equipamento de corte de madeira, sendo certo que da fatura apenas consta tal designação (sem qualquer referência a número de série) e é exatamente essa a designação que vem a constar da fatura logo de seguida emitida pela EMP04... (... ½) e que consta de fls. 20. Quanto à emissão da fatura da EMP04... (... ½, também de 26.08.2014) a mesma respeita à venda do mesmo equipamento por parte da EMP04... à EMP02..., pelo que, para prova do ponto 33 dos Fatos Provados, o Tribunal atendeu ao já citado documento constante de fls. 20. E, por sua vez, também se provou que, dois dias depois, foi emitida pela EMP02... a fatura n.º ...40, constante de fls. 22, titulando uma operação de venda do mesmo equipamento à EMP01..., pelo valor de € 150.000,00, e acrescido de IVA, prova essa que se retira da análise da fatura de fls. 22 e do próprio depoimento da testemunha EE, como se verá melhor de seguida. Não obstante, não se provou que esta testemunha (EE) tivesse atuado de forma conluiada com os arguidos – o que explica a tomada de posição do Tribunal quanto ao segmento não provado deste ponto de fato. Apesar de a testemunha ter justificado a sua intervenção na operação com a circunstância de ter fornecido assistência técnica, admitiu que comprou e vendeu a máquina no contexto das relações negociais que mantinha e mantém com a EMP01... L.da, resultando, assim, evidente do seu depoimento, que nunca quis comprar a máquina em causa, e que o negócio estabelecido aconteceu apenas porque aceitou a proposta como condição para prestar o serviço de montagem e dotação técnica da máquina. Assim, da conjugação dos elementos documentais acabados de referir com o depoimento prestado pela testemunha EE, o Tribunal sustentou a sua convicção relativamente à factualidade que deu como provada no ponto 24 dos FP. A testemunha EE sublinhou, ainda, que o dinheiro circulou, que foram elaboradas as faturas correspondentes e pagos os impostos devidos, mas é inequívoco, do seu depoimento, que tais faturas documentam operações económicas que não são verdadeiras, porque não existem, ou, pelo menos, não existem nos exatos termos que aparentam e daí que as faturas possam ser consideradas falsas. Ora, é certo que a testemunha DD não soube esclarecer, de forma concretizada, o circuito acabado de descrever e o mesmo foi contrariado pelos depoimentos prestados pelas testemunhas GG (diretor fabril da EMP04...) e LL (contabilista). Assim, a testemunha AA argumentou que a transmissão da máquina pela EMP04... à EMP02... não foi consensual, mais garantindo que a máquina vendida pela EMP05... à EMP01... é um equipamento isolado de corte, não havendo qualquer coincidência entre as duas máquinas. Pretendeu, pois, esta testemunha, afastar a possibilidade descrita na acusação de que a máquina objeto das sucessivas operações entre a EMP01... e a EMP04... e a EMP02... fosse a que inicialmente tivesse sido adquirida pela EMP01... à EMP05.... Para fundamentar esta posição foi referindo que esta máquina adquirida à EMP05... é um componente de um sistema de corte (trituração), que é um equipamento isolado, (ainda que possa ser incorporado em outros equipamentos já existentes), mas reconheceu que as descrições são muito próximas e que não teve conhecimento deste negócio. Também a testemunha LL (contabilista da EMP01...) aludiu genericamente a um lapso contabilístico, que não concretizou devidamente. Sendo assim, temos que o que relevou para a sedimentação da convicção positiva do Tribunal foi a conjugação dos elementos bancários (que titulam operações financeiras reais) com as faturas acabadas de referir (que titulam compras e vendas simuladas), com o depoimento prestado por EE (que confirmou que foram os arguidos que propuseram a compra à EMP04... e subsequente venda à EMP01... como condição para que prestasse a assistência técnica, pela qual cobrou € 25.000,00, o que aceitou). Acresce que a prova de que a máquina em causa é a mesma que a EMP04... adquiriu à EMP05... está evidenciada no documento ... junto no decurso da audiência, concretamente a fls. 990, onde consta um Formulário de Visita ao Local, elaborado em 25.06.2015, e onde expressamente se refere quanto à rubrica 1 (Linha de serração – equipamento de corte de madeira que o mesmo foi adquirido em 28.08.2014, no estado de novo (?) à EMP02... – Unipessoal L.da, sendo certo que a testemunha EE foi claro, no seu depoimento, ao referir que o equipamento foi adquirido em segunda mão a uma sua representada. Mas, se tal não bastasse, no campo reservado às Observações, consta expressamente que se trata de um Equipamento da marca ..., modelo ...2 MR, com o número de série /...25 e ano de fabrico de 2014, que é precisamente o mesmo número de série expressamente indicado na fatura da EMP05... a fls. 18. Ponderando todos estes elementos, o Tribunal convenceu-se de que os arguidos combinaram entre si este circuito de venda da mesma máquina (EMP05... EMP04... EMP02... EMP01...), tendo em vista obter reembolso de IVA indevido, mas também para empolar os custos do reembolso do subsídio a que se candidataram, ficcionando um valor muito acima do valor real por que tinham comprado o equipamento. Recorrendo às regras da experiência comum, afigura-se que quiseram, ao criar este giro comercial, lançar uma cortina de fumo tendente a justificar uma aquisição aparentemente “ex novo” de um equipamento que tinha sido adquirido, em segunda mão, por uma empresa (EMP04...) que tinha exatamente os mesmos sócios da EMP01.... Assim, a argumentação da defesa não colhe, sendo certo que, ainda que não se tivesse provado que a máquina em causa foi a adquirida à EMP05..., mas uma outra(s) máquina(s) pré-existente(s) na EMP04..., estariam igualmente preenchidos os elementos típicos do crime imputado aos arguidos, desde logo por se tratar de equipamento em segunda mão, propositadamente inflacionado para justificar a atribuição do subsídio. ♦ Por outro lado, e para prova das operações económicas estabelecidas entre os arguidos e a testemunha FF, em representação da empresa EMP03..., a aquisição pela EMP04..., Lda. de um equipamento designado “secado de banda a baja temperatura” à “EMP06..., S.L.”, provou-se com base nas faturas de fls. 23 e ss. dos autos principais, sendo que a venda simulada desta máquina à empresa EMP03..., além de estar indiciada pela análise conjugada dos documentos de fls. 51 e ss. (fatura n.º ... e fatura ...5) resulta provada, sem margem para dúvidas, do eloquente depoimento prestado por FF, que confirmou a emissão da fatura n.º ...5. Tendo ainda acrescentado, sem hesitações e de forma perentória, que foi abordado pelos arguidos, no sentido de aceitar comprar a máquina à EMP04... (de que eram sócios) e depois vendê-la à EMP01... L.da (também gerida pelos mesmos arguidos), sendo que, foram os arguidos que lhe transferiram previamente as quantias monetárias para assegurar a operação económica realizada. É de realçar que a testemunha enfatizou não ter dúvidas de que o negócio incidiu sobre a mesma máquina e que esta não chegou, sequer, a ser transportada para a sua empresa. Pelo que, por força da conjugação destes elementos probatórios, o Tribunal deu como provada a matéria constante dos pontos 35 a 37. Não obstante, no caso deste equipamento impõe-se uma ressalva. O Tribunal também deu como provado que houve um incêndio nas instalações da EMP04..., que afetou este equipamento. A testemunha GG esclareceu, a tal respeito, que, efetivamente, a EMP04... também comprou à EMP06... um secador de banda de baixa temperatura no valor de € 445.000,00 e enquanto a máquina estava nas instalações da EMP04... sofreu um incêndio que a inutilizou. Quando tal aconteceu, o equipamento já tinha sido vendido à EMP03... por € 470.000,00. Nessa sequência, a venda foi anulada, tendo o equipamento sido substituído por outro, da mesma marca e caraterísticas, igualmente adquirido à EMP06... e tendo o pagamento sido garantido pela seguradora e alegando que, após a venda à EMP03..., deixou de acompanhar o negócio. Já a incorporação na contabilidade da EMP01... destas faturas e a sua apresentação quer à AT, quer ao IAPMEI (ponto 38 dos Fatos Provados) como se de verdadeiros custos se tratassem, provou-se quer com base no depoimento da testemunha LL, contabilista, como com base no detalhe do pedido de reembolso de IVA de fls. 351 e comprovativo da entrega de declaração periódica da EMP01..., de fls. 56 e ss. Na verdade, as duas testemunhas inquiridas relativamente aos negócios de aquis, ainda que de forma mais expressiva a testemunha FF, foram perentórias na afirmação de que o negócio foi propostos pelos arguidos, em representação da sociedade arguida, sendo que nem a EMP03..., nem a EMP02... venderam, de forma real, os equipamentos em causa à sociedade EMP01..., Lda ou aos seus representantes, pois que tais bens já anteriormente pertenciam a esta sociedade (ou à EMP04..., que tem os mesmos sócio-gerentes). Sendo assim, recorrendo às regras da experiência comum, mesmo perante o silêncio dos arguidos, é inequívoco que as referidas faturas foram criadas, no interesse de todos, inclusivamente da sociedade arguida, em conformidade com um plano de que todos tinham conhecimento (a isso aludem expressamente, quer a testemunha EE, quer a testemunha FF) que visou criar um estratagema para sobrevalorizar os equipamentos, criando a aparência de que eram novos (como era exigência do IAPMEI), assim obtendo subsídios e benefícios fiscais ilegítimos. Esta inferência é a única explicação plausível para o comportamento dos arguidos BB, AA e CC, em representação da EMP01..., Lda, que apesar de cientes da forma insidiosa como fizeram constar as aquisições das suas máquinas, decidiram integrar na declaração periódica de IVA, com pedido de reembolso do IVA do período de agosto de 2014, no qual incluíram as faturas, cujo respetivo IVA ascendia ao valor de €142.600,00, apesar destas não corresponderem a transações reais. Por outro lado, também não é possível outra explicação à luz das regras de normalidade da vida e das máximas da experiência, que não seja a de que o objetivo subjacente à decisão dos arguidos de simularam as compras e vendas dos equipamentos foi obter documentação que comprovasse uma sobrevalorização, assim obtendo um subsídio mais elevado, bem como o respetivo benefício fiscal. Acresce que estas mesmas regras evidenciam que os arguidos sabiam que se tratavam de equipamentos já em uso na EMP01..., ou na EMP04..., pelo que não os poderiam integrar no projeto, nem as despesas da sua aquisição ser elegíveis. São estes fatos indiciários, devidamente conjugados que permitem provar os pontos 17 a 19, 29, 30 e 40 a 42 e, ainda, 45 a 55 dos Fatos Provados. Estes pontos da factualidade provada respeitam diretamente ao foro íntimo dos arguidos, ou seja, à intenção que esteve na base da sua atuação. Não tendo os mesmos prestado declarações, tais fatos têm de ser aferidos com base na restante factualidade provada[2]. Por um lado, quanto à atuação conjunta, e independentemente de ser previsível que cada um dos arguidos estivesse, à data dos fatos, vocacionado para áreas mais específicas, nenhuma testemunha referiu que qualquer dos arguidos não exercesse a gerência de fato da sociedade, sendo que os depoimentos das testemunhas FF e EE são claros em imputar a todos os arguidos o conhecimento das propostas feitas, dada a participação na mesma reunião. Por outro lado, é certo que os arguidos se remeteram ao silêncio, e embora do silêncio do arguido se não possam extrair consequências negativas, também esse silêncio impede que se possam extrair consequências positivas[3]. Na verdade, os arguidos sabiam que estavam a vender bens que já eram seus (ou da EMP01..., ou da EMP04...), pelo que não há outra explicação plausível que não seja a de obterem benefícios ilegítimos, quer em termos fiscais, quer ao nível de obtenção de subsídios. As próprias testemunhas inquiridas – quer o EE, quer o FF – estranharam a proposta de negócio que lhes foi feita, sendo que resultou evidenciado que não só não pretendiam adquirir os equipamentos, como, pelo menos no caso do representante legal da EMP03... nem sequer tinha meios para o concretizar, o que terá sido de imediato desbloqueado pelos arguidos. Finalmente, e no que tange aos pagamentos efetuados pelo IAPMEI, que se deram como provados no ponto 43 dos FP, o Tribunal ponderou fls. 34 do Apenso B e ainda as ordens de pagamento de fls. 120 do Apenso C. Para prova do benefício concreto obtido, quer a título de IVA, quer da diferença de subsídio – que se deu como provado no ponto 44 dos Fatos Provados – atendeu-se aos documentos juntos e ao depoimento prestado pela inspetora tributária. ♦ As apuradas condições pessoais e sociais dos arguidos (pontos 60 a 119) resultam da análise dos relatórios sociais juntos aos autos, bem como das declarações que sumariamente prestaram a tal respeito. A ausência de antecedentes criminais dos arguidos resultou da análise dos respetivos CRC´s – ponto 59 dos FP. ♦ No que concretamente respeita à contestação, os primeiros pontos constantes da mesma estão documentalmente comprovados, na sua maioria com elementos probatórios que já constavam dos autos. Assim, a apresentação da candidatura, os equipamentos que pretendia adquirir e o valor do seu investimento (pontos 117, 118) provou-se com base no documento 1 junto com a contestação e com o Aviso ...12 de fls. 13 e ss. do Apenso B, sendo que que os pontos 120 e 121 provaram-se com fundamento nos orçamentos da EMP08... Máquinaria, S.A. e da ... que foram juntos com a contestação. Os arguidos também demonstraram ter dado conhecimento desse orçamento ao IAPMEI – o que permitiu provar o ponto 123 dos Fatos Provados – cfr. documento n.º 4 junto com a contestação, que consiste numa resposta a esclarecimentos adicionais, remetida pela EMP01... Lda ao IAPMEI. Já a assinatura do contrato entre a arguida EMP01... Ld.ª e o IAPMEI, que já tinha sido referida em fatos provados anteriores, provou-se com base no documento n.º 5 junto com a contestação, que corresponde ao contrato junto ao Apenso B e a fls. 154 e ss. do Apenso C. Assim, o objeto do contrato (ponto 125 dos FP), o período de investimento (126 dos FP), as modalidades do incentivo (127 dos FP), as despesas elegíveis (128 dos FP), as condições do incentivo reembolsável (129 dos FP), o acompanhamento e controlo da execução do contrato (...30 dos FP) provaram-se com base nesses mesmos documentos, correspondendo esta última factualidade às condições do aludido contrato. Quanto ao que consta do Anexo II – em concreto a Classificação de Investimentos, provaram-se que os valores iniciais foram de € 286.750,00 para a linha completa de serração e € 324.78,00 para a destroçadora para biomassa .... Como vimos, tal Anexo, agora referido no ponto 131 dos Fatos Provados, por referência ao que consta da contestação, tem de ser articulado com fls. 34 da candidatura (Aviso ...12), que aí distingue o Investimento contratado, do Investimento realizado. Relativamente à apresentação, em plataforma eletrónica, em 16-08-2013, pela EMP01..., Ld.ª de um 1º Pedido de Adiantamento Contra Fatura, nos termos da Modalidade C, com um valor de investimento apurado de 216.329,30 € (pontos 134, 135 e 136 dos Fatos Provados) o Tribunal atendeu ao documento n.º 6 junto pelos arguidos, na contestação, onde consta já um anexo distinguindo o valor dos investimentos contratados dos que, até então, tinham sido realizados. No mesmo seguimento, provou-se que o IAPMEI ordenou o pagamento da despesa e de Incentivo reembolsável, pelo que o ponto 136 se provou com base no documento n.º 7 junto, pelos arguidos, com a contestação. Por outro lado, e com base no documento n.º 8 junto pela defesa, também se comprovou que, em 11.02.2014, o IAPMEI decidiu dar por comprovado o pagamento da despesa elegível validada em sede de PTA C-Adiantamento, no montante de 102.704,30 euros, correspondente a 5,25% do previsto, assim se provando também o ponto 137. A prova da apresentação do segundo Pedido a Título de Adiantamento (PTA), o seu valor, a percentagem de grau de execução e os equipamentos em causa (pontos 138, 139 e 140) provaram-se com base na análise do documento n.º 9 junto pela defesa, sendo que também se provou a apreciação do pedido, a sua certificação e a ordem de pagamento das quantias discriminadas nos pontos 141 e 142 dos Fatos Provados, com base nos documentos n.º 10 e 11, igualmente juntos. Por sua vez, o pedido de prorrogação do prazo de calendarização do projeto e o seu deferimento – ponto 143 dos Fatos Provados - resultaram apurados por força da análise do documento n.º 12 junto com a contestação. Já a prova da submissão do 3º Pedido a Título de Adiantamento (PTA) nos termos da Modalidade C, o valor do investimento realizado e os equipamentos abrangidos por tal investimento – correspondente aos pontos 144 e 145 dos Fatos Provados – fez-se com base no documento n.º 13, junto com a contestação. De realçar, a propósito, que, para prova do ponto 146 dos Fatos Provados, o Tribunal atendeu ao Mapa de Despesas de Investimento, onde consta o Mapa dos Comprovantes da realização das despesas de investimento, que evidenciam as rubricas de investimento já realizadas. Assim, e neste documento, datado de 04.09.2014, assinado pela arguida EMP01..., L.da consta expressamente, a fls. 5, o Mapa de Classificação de Investimentos e Despesas, que, para que o que aqui interessa, fez constar na rubrica 1 (linha completa de serração) que embora o investimento contratado e elegível (coluna 1) fosse de € 286.750,00, o investimento efetivamente realizado e elegível para essa rubrica foi de € 150.000,00 (coluna 2). E no que concerne à rubrica 7, respeitante à destroçadora para biomassa ..., embora o investimento contratado elegível (coluna 1) fosse de € 324.780,00, o investimento efetivamente realizado e elegível foi de € 470.000,00 (coluna 2). O pagamento da quantia de € 440.322, 31, na sequência da sua apreciação pelo IAPMEI provou-se com base na análise do documento n.º 14 junto com a contestação. Ora, é neste ponto que a defesa estrutura a sua tese principal, no sentido de que a EMP01... em 2014 era proprietária de 2 equipamentos de corte de marca ..., um deles adquirido 2003 e outro comprado a uma empresa sueca, conforme fatura ...26 de 20.05.2014 (fls. 18). Quanto a esta máquina, no valor de € 18.000,00 a sua aquisição está comprovada pela fatura referida e constante dos autos, desde logo a fls. 18 dos autos principais. Quanto à outra, os arguidos apenas juntam os documentos 15, 16 e 17 da contestação, onde se faz referência à sua identificação em fichas com a designação ...02, ...03 e ...04..., com extrato da sua depreciação regular. A ser assim, pode não parecer tão impressionante a valorização de uma máquina comprada em maio por € 18.000,00 e vendida em agosto por 124.000,00. Sempre se dirá, porém, que relativamente à outra, o nível de depreciação documentado nos elementos probatórios identificados com o n.º 15, 16, e 17 também não deixaria de suscitar bastante estranheza a sua venda por 124.000,00. Neste ponto, também é inevitável trazer à colação o depoimento prestado pela inspetora tributária JJ, que sublinhou que foi feito o pagamento contabilisticamente, ou seja, o negócio foi titulado por faturas e isso integrou a contabilidade de ambas as empresas, mas argumentou que tais faturas são falsas. Esta testemunha defendeu, em audiência, que a fatura inicial se reporta a uma compra de uma máquina a uma empresa sueca pelo valor de € 18.000,00, sendo esta máquina vendida à EMP04... por € 124.00. Sustentou que se certificaram que era a mesma máquina porque foi feito o abate na contabilidade. Mas esta testemunha também argumentou que, mesmo na possibilidade de ter havido um eventual lapso na identificação da máquina, e que estivessem em causa máquinas do ano de 2003 (3 equipamentos) e mesmo que, globalmente, valessem € 102.000, aquando da sua aquisição em 2003, em 2014 já não valeriam isso, pelo que, apelando as regras da experiência comum e á previsibilidade da depreciação ocorrida, se mantém a presunção de falsidade do negócio. Sendo assim, a prova produzida, designadamente a articulação dos documentos juntos pela defesa (n.º 15, 16 e 17) com o depoimento da testemunha AA, permitiu concluir pela prova de que, à data dos fatos, a sociedade arguida tinha na sua posse dois equipamentos de corte da marca ..., assim se fundamentando a convicção da prova relativa ao ponto 149 dos Fatos Provados. E também se provou que a EMP01... vendeu um destes equipamentos à EMP04..., o que justifica que tenha sido essa a posição do Tribunal no ponto 150 dos Fatos Provados. Por outro lado, a venda da EMP01... à EMP04... (fatura ...49) e desta à EMP02... (Fatura ...), e os valores delas constantes, estão comprovados pelas faturas indicadas, mas também pelos extratos bancários e elementos contabilísticos juntos aos autos, inclusive pela defesa – cfr. documentos 18 a 34 juntos com a contestação. Provou-se até a liquidação do IVA devido por estas operações. Já relativamente ao equipamento de secagem de madeira de biomassa (investimento respeitante à rubrica nº 7), a prova da venda desse equipamento à EMP03..., pelo valor de € 470.000,00 (ponto 154 dos Fatos Provados) fez-se com base na análise da fatura n.º ...5, com data de 27.08.2014, emitida pela “EMP03..., Lda.”, com o valor de 470.000,00 €, constante do documento n.º 13 de junto com a contestação, mas também com o documento constante de fls. 52 dos autos principais. Analisada a fatura constante de fls. 51 dos autos principais, verifica-se que que, previamente, foi a EMP04... que vendeu tal equipamento à EMP03..., Ld.ª, o que comprova a factualidade constante do ponto 157 dos Fatos Provados. O incêndio ocorrido nas instalações da EMP04..., em 28.10.2014, também se demonstrou, quer com base no depoimento da testemunha MM, quer com base no documento de fls. 35, junto com a contestação. Por seu turno, a aquisição, pela “EMP04..., Lda.” de equipamento de secagem de madeira de biomassa “Secado de banda a baja temperatura” à empresa “EMP06... – provou-se com base nos documentos de fls. 23 e ss. As transações descritas nos pontos 159 e 160 dos Fatos Provados apuraram-se com base nos documentos originariamente constantes dos autos, em particular de fls. 51 e ss. dos autos principais, mas também com base nos elementos contabilísticos juntos pela defesa com a contestação (documentos n.º 36 a 50). A submissão pela EMP01..., Ld.ª de um pedido de Pagamento Final (PTRF) – ponto 161 dos Fatos Provados - provou-se com base na análise do documento junto pela defesa, sob o número 53, confirmando-se igualmente que a sociedade arguida submeteu um pedido de Apreciação Global da Execução do Projeto e Justificação dos Desvios (ponto 162 dos Fatos Provados), salientando-se as justificações dadas a respeito da rubrica 7. A prolação, em 31.07.2015, de “DECISÃO DE CERTIFICÇÃO DE DESPESA/PAGAMENTO/ENCERRAMENTO” pelo IAPMEI apurou-se com base no documento n.º 55 junto na contestação. Por fim, e quanto à prova de que CC foi destituído da gerência da arguida EMP01..., Lda., foi valorado o teor de fls. 93 v. do processo físico. ♦ Concluindo, e no que tange à factualidade não provada, importará, ainda, esmiuçar os seguintes aspetos: - relativamente à acusação pública, não se provou que as testemunhas EE e FF tenham atuado de forma conluiada com os arguidos BB, AA e CC, nem que soubessem sequer que as propostas efetuadas tivessem algo que ver com a candidatura da sociedade arguida a projetos do IAPMEI. Já quanto à contestação, o ponto iii) dos FNP explica-se pelo fato de os documentos evidenciarem que o “Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros no âmbito do Sistema de Incentivos à Inovação” n.º ...88 foi assinado em 04.01.2013 e não em 21.12.2012. Quanto aos pontos iv) e v) dos FNP, também não foi produzida prova suficiente para caraterizar as máquinas identificadas no ponto 149 dos FP, nem para especificar as suas utilidades e diferenças. Já quanto ao ponto vi) dos fatos não provados, é certo que a testemunha LL aludiu a um lapso no tratamento contabilístico do equipamento vendido à “EMP04..., Lda.”, o que foi também aflorado pela testemunha MM e pela testemunha JJ. No entanto, e na medida em que a referência a tal lapso acabou por não ser clarificada, não se provou, ao contrário do que pretendia a defesa, que o equipamento que foi objeto de venda tenha sido o que havia sido adquirido pela EMP01..., Ld.ª em 2003, identificado nas fichas ...02, ...03 e ...04.... Por conseguinte, não se provou igualmente que a EMP01..., Ld.ª não tenha vendido à “EMP04..., Lda.” o equipamento que havia comprado à “EMP05...”, o que explica a tomada de posição do Tribunal quanto aos pontos vii) e viii) dos FNP, conforme já se explanou supra. Na verdade, a ponderação conjugada dos depoimentos prestados por JJ e pelo próprio EE, com os documentos referidos aponta para que tenha sido essa a máquina objeto das operações contabilísticas e financeiras em análise nestes autos. Já quanto aos pontos ix) e x) dos FNP não foi produzida prova suficiente a respeito da necessidade de inclusão, na linha de produção da EMP04..., da transformação de lenha em estilha, nem que só depois se tenha verificado que esse equipamento não era adequado à sua atividade indústrial, nem que tenha sido por força dessa desadequação que o equipamento de corte tenha sido depois vendido pela EMP04... à “EMP02... – Unipessoal, Lda.”, desde logo porque a testemunha EE nunca se referiu a tal possibilidade, desmentindo, nesta parte, a versão da defesa. Também não se provou que a compra e venda entre a EMP01..., Lda. e a “EMP04..., Lda.” já estivesse acordada havia vários meses, assim se explicando a tomada de posição do Tribunal quanto ao ponto xi) dos FNP. Nos mesmos moldes, também não foi produzida prova que permitisse ao Tribunal concluir pela veracidade dos pontos constantes de pontos xiii a xiv dos FNP. Finalmente, também não se provou que o equipamento que a EMP01..., Lda. comprou à “EMP03..., Lda.”, descrito na fatura ...5, de 27.08.2014, não seja o mesmo equipamento que a “EMP04..., Lda.” comprou à “EMP06..., S.L.”, independentemente de aí constar o número de série “...14”, e sem prejuízo da reparação/substituição quase total após o incendio em outubro de 2014. Quer isto dizer que toda a negociação e preparação da candidatura assentou no pressuposto de que seria esta a máquina a integrar o projeto, sendo irrelevante que a mesma tenha sido pelo menos parcialmente substituída por força do incêndio acontecido em outubro 2014”.
5. No que respeita ao “Direito aplicável”, consta do acórdão recorrido o seguinte: “Os arguidos AA, BB, e CC, por si e em representação da sociedade arguida EMP01..., L.da estão acusados da prática, em co-autoria, na forma consumada, de um crime de Fraude na Obtenção de Subsídio ou Subvenção, p. e p. pelo artigo 36º, nº 1, al. a), n.º 2 e n.º 5, al.a) e n.º 8, al.b), todos do Dec.- Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro e 110.º º n.º 1, al. b) e 4, do Código Penal, pelo qual a sociedade EMP01..., Lda. é responsável, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 1 do mencionado preceito legal e um crime de burla tributária qualificada, p. e p. pelo artigo 87.º, n.ºs 1 e 3 do RGIT, pelo qual a sociedade EMP01..., Lda. é responsável, ao abrigo do disposto no artigo 7.º do RGIT. ♦ 4.1 - Da prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção Comecemos por analisar o crime de fraude na obtenção e desvio de subsídio, previsto e punido pelo artigo 36º, nº1, alíneas a) e c), nº2, nº 5, alíneas a) e c), do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de janeiro, conjugado com o artigo 202º, alínea b), do Código Penal.
Estabelece o Artigo 36.º (Fraude na obtenção de subsídio ou subvenção): 1 - Quem obtiver subsídio ou subvenção: a) Fornecendo às autoridades ou entidades competentes informações inexatas ou incompletas sobre si ou terceiros e relativas a factos importantes para a concessão do subsídio ou subvenção; b) Omitindo, contra o disposto no regime legal da subvenção ou do subsídio, informações sobre factos importantes para a sua concessão; c) Utilizando documento justificativo do direito à subvenção ou subsídio ou de factos importantes para a sua concessão, obtido através de informações inexatas ou incompletas; será punido com prisão de 1 a 5 anos e multa de 50 a 150 dias. 2 - Nos casos particularmente graves, a pena será de prisão de 2 a 8 anos. 3 - Se os factos previstos neste artigo forem praticados em nome e no interesse de uma pessoa coletiva ou sociedade, exclusiva ou predominantemente constituídas para a sua prática, o tribunal, além da pena pecuniária, ordenará a sua dissolução. 4 - A sentença será publicada. 5 - Para os efeitos do disposto no n.º 2, consideram-se particularmente graves os casos em que o agente: a) Obtém para si ou para terceiros uma subvenção ou subsídio de montante consideravelmente elevado ou utiliza documentos falsos; b) Pratica o facto com abuso das suas funções ou poderes; c) Obtém auxílio do titular de um cargo ou emprego público que abusa das suas funções ou poderes. 6 - Quem praticar os factos descritos nas alíneas a) e b) do n.º 1 com negligência será punido com prisão até 2 anos ou multa até 100 dias. 7 - O agente será isento de pena se: a) Espontaneamente impedir a concessão da subvenção ou do subsídio; b) No caso de não serem concedidos sem o seu concurso, ele se tiver esforçado espontânea e seriamente para impedir a sua concessão. 8 - Consideram-se importantes para a concessão de um subsídio ou subvenção os factos: a) Declarados importantes pela lei ou entidade que concede o subsídio ou a subvenção; b) De que dependa legalmente a autorização, concessão, reembolso, renovação ou manutenção de uma subvenção, subsídio ou vantagem daí resultante.
Nos termos do artigo 21.º do referido diploma legal, sob a epígrafe de definição de subsídio ou subvenção, estatui-se: “Para os efeitos deste diploma, considera-se subsídio ou subvenção a prestação feita a empresa ou unidade produtiva, à custa de dinheiros públicos, quando tal prestação: a) Não seja, pelo menos em parte, acompanhada de contraprestação segundo os termos normais do mercado, ou quando se tratar de prestação inteiramente reembolsável sem exigência de juro ou com juro bonificado; e b) Deva, pelo menos em parte, destinar-se ao desenvolvimento da economia”.
Escreve-se no preâmbulo do mesmo Decreto-Lei: “não se desconhecendo, embora, a proximidade material entre os crimes contra a economia e os crimes contra o património (...), não pode ignorar-se a natureza eminentemente supra-individual dos bens jurídico-económicos para o efeito da determinação das sanções a aplicar às condutas que com eles contendem (...)”.
Assim, e sobre o bem jurídico que se visa proteger com a incriminação, enunciam-se, pela sua relevância, as seguintes posições doutrinárias: - TOLDA PINTO e REIS BRAVO «por um lado, a confiança necessária à vida económica, e por outro, a correta aplicação dos dinheiros públicos no campo económico» - em «Coletânea de Legislação Penal Extravagante, Direito Penal Económico e Afim», Coimbra Editora, pág. 110], - PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE e JOSÉ BRANCO, a «economia e a intervenção do Estado nesta área efetuada mediante a utilização de dinheiros públicos», protegendo-se num «segundo plano … a boa gestão do património público» - [em «Comentário das Leis Penais Extravagantes», Volume 2, Universidade Católica Editora, pág. 115], - CARLOS CODEÇO, «a confiança necessária à vida económica e por outro lado a correta aplicação dos dinheiros públicos no campo económico» - [em “Delitos Económicos”, Almedina, 1986, págs. 176/177].
Tais posições são compatíveis com o que se refere no «preâmbulo» do diploma: «Entre os novos tipos de crimes incluídos neste diploma destacam-se a fraude na obtenção de subsídios ou subvenções, o desvio ilícito dos mesmos e a fraude na obtenção de créditos, conhecidos de outras legislações, como a República Federal da Alemanha, os quais, pela gravidade dos seus efeitos e pela necessidade de proteger o interesse da correta aplicação dos dinheiros públicos nas atividades produtivas, não poderiam continuar a ser ignorados pela nossa ordem jurídica» - cfr. Ac. da RC de 10.7.2013, disponível no site www.dgsi.pt. Como se pode ler neste aresto, “o tipo do artigo 36.º do DL n.º 28/84, de 20 de janeiro, configura-se como um crime comum, suscetível de ser praticado por qualquer pessoa, independentemente de ser ou não a promotora ou beneficiária do subsídio ou subvenção. Por outro lado, e como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.10.2023, disponível no site www.dgsi.pt “Quanto à sua natureza, trata-se de um crime de execução vinculada; na forma negligente [cfr. n.º 6 do artigo 36.º], apenas pode ser cometido pelas formas típicas previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 da referida norma. O segmento “sobre si ou terceiros” descrito na dita alínea, repetido na alínea a) do n.º 5 do mesmo artigo 36.º, reporta-se a informações relativas ao sujeito ativo ou a terceiro, incidentes sobre factos essenciais e determinantes da concessão do subsídio ou subvenção, tais como a simulação de factos importantes, a designação de pessoas de grande representação social como interessados no empreendimento, a mentira sobre o tipo de empreendimento, as afirmações inexatas sobre o destino da verba e as informações falsas sobre os recursos técnicos de produção”. É, assim, de afastar a ideia do crime sub judice ser um crime específico em que apenas o agente promotor possa constituir-se autor. Também no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.3.2019, in www.dgsi.pt, se lê que “Decorre da jurisprudência do AFJ 2/2006 que comete o crime de fraude na obtenção de subsídio previsto no art. 36º do Decreto-Lei 28/84 de 20.1 quem utiliza os artifícios fraudulentos previstos nas diversas alíneas do seu nº 1 não só na concessão formal e prévia do subsídio como também para a posterior disponibilização ou entrega material das quantias subsidiadas. Mesmo que as despesas tenham sido efetuadas e os montantes sacados tenham sido posteriormente reembolsados o prejuízo decorre do desembolso das quantias que não teriam sido entregues ao arguido se não fosse o artifício (faturas falsas) utilizado”. Diversamente, no crime de desvio de subsídio, a conduta típica consiste em utilizar prestações obtidas para fins diferentes daqueles a que legalmente se destinam, e não propriamente no incumprimento das condições estabelecidas. Como resulta claramente da inserção e da conformação normativa da infração em causa, estamos face a um crime contra a economia, preordenado à tutela de bens jurídico-económicos supra-individuais, que correspondem a valores, objetivos e funções essenciais do Estado, enquanto tal, e, por vezes, também como membro da União Europeia, visando o funcionamento, desenvolvimento e aperfeiçoamento do sistema económico, encarado também na sua coordenação com outros sistemas, nomeadamente o social. ♦ Voltando ao caso concreto, perante a factualidade que resultou provada, designadamente a vertida nos pontos 17) a 55) dos FP, entende-se que estão preenchidos todos os elementos típicos, objetivos e subjetivos do crime por que vão agora condenados os arguidos. Vejamos melhor. Ora, os arguidos BB, AA e CC são simultaneamente sócios da também arguida EMP01..., Ld.ª e da EMP04..., o que inevitavelmente permite e enfatiza a possibilidade da existência daquilo que o CSC refere como sendo relações especiais, o que será, ainda, mais flagrante em casos em que as empresas têm uma dimensão reduzida, como é o caso dos autos[4]. Analisada a prova, verifica-se que a EMP01... adquiriu ao fornecedor intracomunitário sueco EMP05... um equipamento de corte de madeira pelo valor de cerca de 18.000,00 EUR – cfr. fatura n.º ...26 de 28.05.2014. Todavia, em 26.08.2014, a EMP01... vendeu um equipamento de corte de madeira à EMP04..., pelo valor de 124.000,00 EUR, acrescido do respetivo IVA no valor de 28.520,00 € (cf. fatura n. ...49 de 2014-08-26). Nesse mesmo dia – tomando por referência as datas apostas nas faturas - a EMP04... vendeu o mesmo equipamento à EMP02..., UNIPESSOAL, LDA., pelo valor de 125.000,00 EUR, acrescido do respetivo IVA no valor de 28.750,00 EUR (cf. fatura n.° ... de 26.08.2014). Por sua vez, logo de seguida, em concreto no dia 28.08.2014, a EMP02..., UNIPESSOAL, LDA vendeu à EMP01... um equipamento de corte de madeira - pelo valor de 150.000,00 EUR, acrescido do respetivo IVA no valor de 34.500,00 EUR (cf. fatura n. ...40 de 2014, tendo o sócio-gerente EE explicado que se tratou da mesma máquina e que só aceitou o negócio por ter sido proposto como condição (pelos sócios comuns da EMP04... e da EMP01...) para prestar a assistência técnica devida. Ora, este documento consta do projeto de candidatura a fundos comunitários n.° Norte -07-FEDER – ...88. Sendo assim, é possível inferir, com segurança, analisando os fatos acabados de referir, que quer a EMP01..., quer os três sócios gerentes, com estas operações, conseguiram empolar o valor do equipamento. Embora o procedimento acabado de descrever esteja documentado contabilisticamente, constando também dos autos elementos bancários que o comprovam, é certo que o mesmo se afigura insidioso relativamente à entidade que geria a concessão dos fundos comunitários (IAPMEI), uma vez que quem vendeu (a EMP02...) não é a entidade que comprou (EMP01...). Com isto, a EMP01... pretendeu dissimular o empolamento do valor do equipamento e evitar que o IAPMEI, ao analisar as contas correntes conseguisse rastrear a operação. Como vimos supra, o Tribunal convenceu-se que o equipamento vendido em todas estas operações foi o comprado à EMP05..., porquanto embora nas faturas que integraram o circuito negocial tenha sempre sido omitido o número de série (quer na fatura de venda da EMP01... à EMP04... pelo valor de € 124.000 – fatura n.º ...49), quer na fatura de venda da EMP04... à EMP02... por € 125.000,00 (EMP11... ½), quer na fatura de venda da EMP02... à EMP01... por € 150.000,00 (fatura ...40), o certo é que no IAPMEI consta a indicação expressa do número de série. Sublinha-se que a EMP05...”, fez expressamente constar da fatura n.º ...26, de 28.05.2014. – cfr. fls. 18, tratar-se “... chipper type ...02... with 90Kw electrical motor. Série n.º ... 125 Included 2 pallets of different machine and spare parts e “... ...”. Sendo que, a fls. 990, consta um Formulário de Visita ao Local, elaborado em 25.06.2015 pelo IAPMEI, e onde expressamente se refere quanto à rubrica 1 (Linha de serração – equipamento de corte de madeira que o mesmo foi adquirido em 28.08.2014, no estado de novo (?) à EMP02... – Unipessoal L.da, apesar de a testemunha EE ter sido claro, no seu depoimento, ao referir que o equipamento foi adquirido em segunda mão a uma sua representada e onde expressamente consta o nº de série da máquina, que coincide com o indicado pela EMP05.... ♦ Por outro lado, a EMP04... também adquiriu à EMP06..., SL, um equipamento designado "Secado de banda a baja temperatura” - seis faturas no total de 445.000,00, em abril de 2014. Porém, em 22.08.2014, a EMP04... vendeu este equipamento à empresa EMP03..., LDA. (EMP03...) pelo mesmo valor de 445.000,00 EUR, acrescido do respetivo IVA no valor de 102.350,00 EUR (cf. fatura n. ... de 2014-08-22). Por sua vez, a EMP03... vendeu à EMP01... esse mesmo equipamento, agora designado "Linha para Biomassa", no valor de 470.000,00 EUR, acrescido do respetivo IVA no valor de 108.100,00 EUR (cf. Fatura n. ...5 de 27.08.2014), o qual também foi considerado no âmbito do projeto de candidatura a fundos comunitários n.° Norte - 07-0403 FEDER – ...88, agora designado como "Destroçadora para biomassa ...". Também este equipamento foi incluído no mapa de investimentos referente ao projeto de candidatura a fundos comunitários n. Norte -07- 0403 FEDER - ...38) – cfr. fls. 36 do Apenso B. Aqui chegados, é inequívoco que os arguidos, aproveitando-se do exercício de funções de gerentes, que desempenhavam – quer na EMP01..., quer na EMP04... – e da facilidade de relacionamento decorrente dessa circunstância decidiram criar um esquema por forma a que máquinas que já estavam previamente na posse de uma destas empresas passasse a integrar a candidatura ao projeto do IAPMEI, dessa forma empolando o seu preço (e assim conseguindo quer vantagens tributárias, quer a obtenção de um subsídio maior). No caso da rubrica n.º 1 (linha completa de serração), cuja aquisição prevista era de € 286.750,00, provou-se o seguinte circuito relativamente a equipamento de corte: EMP05... →(€ 18.000,00 – fatura ...26)EMP01... →(€ 124.000,00 – fatura ...49)EMP04... →(€ 125.000,00 – ... ½)EMP02... → (€ 150.000,00, sendo € 25.000,00 por serviços técnicos prestados) EMP01.... Por outro lado, e no caso da rubrica n.º 7(secadora), cuja aquisição prevista era de € 324.780,00, provou-se o seguinte circuito: EMP06... EMP04... →fatura 1/1→EMO03→fatura 1/65→EMP01 É inequívoco que este circuito existiu, mas não se provou qualquer outra utilidade para o mesmo que não fosse o de efetivamente empolar o preço das máquinas, e, porventura fazer crer que a mesma tinha sido adquirida no estado de nova, como era exigência do IAPMEI. Aliás, no caso do equipamento vendido pela EMP06... não será despiciendo ter presente que o mesmo já fora usado pelos mesmos sócios para uma candidatura a um projeto que, contudo, foi reprovado. Sendo assim, não pode proceder a tese da defesa de que a existência de comprovativos de pagamentos, por si só, baste para demonstrar que as operações foram verdadeiras, porquanto “neste tipo de operação simulada, os pagamentos são, em regra, formalmente efetuados, de forma a evitar suspeitas de faturação falsa, sendo normalmente seguidos de movimentos financeiros com intervenção dos verdadeiros fornecedores, muitas vezes com retorno de dinheiro também para os adquirentes, os quais são virtualmente impossíveis de detetar” (Neste sentido, cfr. Acórdão do TCA Sul, proc. 08666/15, de 25-05-2017); Sintomático dessa falsidade é a circunstância de a própria testemunha FF ter explicado que a própria quantia monetária para celebrar negócio foi previamente fornecida pelos arguidos. No caso concreto, e relativamente aos dois equipamentos, quer o dinheiro, quer as máquinas circularam formalmente, mas acabaram por alcançar o seu destino final, que foi serem novamente utilizados pelos Arguidos, ou seja, os mesmos responsáveis pelo início desse circuito. À pergunta, “qual o interesse neste percurso ou neste circuito?” a resposta é óbvia: empolar o preço das maquinas, para daí retirar benefícios fiscais e na obtenção do subsídio. Deste modo, a EMP01... recebeu subsídio atribuído a investimentos não efetuados no valor de 602.000,00 (470.000 + 150.000 = 620.000,00 - € 18.000,00). E, ao contrário do que argumenta a defesa, é irrelevante que o investimento correspondente à secadora (rubrica n.º 7) tenha sido posteriormente substituída no projeto, sendo certo que nem sequer houve alteração no montante da despesa elegível e que tal substituição ocorre em data bastante posterior ao momento da prática do crime. O mesmo raciocínio é valido na parte relativa à substituição pelo menos parcial da maquina na sequência do incêndio que sofreu ainda nas instalações da EMP04..., sendo inequívoco que tal incêndio – reportado a outubro de 2021 – é posterior à apresentação da candidatura e assinatura do contrato com o IAPMEI Por outro lado, a circunstância de o IAPMEI aceitar essa substituição e nada fazer quanto à concessão do subsídio também é irrelevante, visto que essa entidade não tem qualquer obrigação de ius puniendi. ♦ Esta factualidade suscita, desde logo, a questão de saber se o crime se consumou com a concessão do subsídio, ou com a disponibilização/entrega do subsídio. Como as faturas são emitidas para disponibilização/pagamento das quantias concedidas pela concessão do subsídio, ainda se verifica o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção. A questão da delimitação do campo de aplicação do crime em apreço suscitou divergências na jurisprudência a propósito dos subsídios do Fundo Social Europeu, após a nossa adesão à então CEE. A querela foi primeiramente superada com a intervenção de Figueiredo Dias e Costa Andrade no sentido de que para a verificação do crime só relevam "as manobras fraudulentas e os erros que antecedem a concessão dos subsídios e que a predeterminaram causalmente". Deferido o subsídio e adquirido o direito ao seu recebimento, jánão podem concretamente valorar-se como fraude na obtenção as irregularidades que venham a ter lugar nos momentos ulteriores da sua efetivação e aplicação. Posteriormente, o acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 2/2006, fixou jurisprudência no sentido de que «o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção previsto no artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, consuma-se com a disponibilização ou entrega do subsídio ou subvenção ao agente.». Aí se explicam as diferenças em relação ao modelo alemão de que partiram aqueles mestres e se salienta que, na lei portuguesa, está em causa um crime de dano, pelo que integram a prática desse crime todos os atos fraudulentos tendentes à disponibilização do subsídio ou subvenção mesmo que ocorridos após a aprovação da sua concessão: «O crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção previsto no artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 28/84, como nos dão conta Figueiredo Dias e Costa Andrade, teve por fonte o direito penal germânico, concretamente o crime de burla de subvenção (Subventionsbetrug), previsto no § 264, do StGB alemão. Do cotejo do texto acabado de transcrever com o texto do artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 28/84, desde logo resulta que enquanto o crime de burla de subvenção previsto pelo legislador penal alemão configura um crime de perigo abstrato e de mera atividade, posto que se preenche com a realização de uma certa ação ou omissão, não dependendo a sua consumação de qualquer dano, o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção previsto pelo legislador penal português é desenhado como um crime de dano e de resultado ou material, visto que a sua consumação depende do efetivo recebimento do subsídio ou subvenção. Com efeito, enquanto o tipo de crime do § 264, do StGB, se mostra preenchido logo que o agente se comporte por qualquer das formas previstas no seu n.º 1, independentemente das consequências ou resultado do comportamento. Aliás, sendo o artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 28/84, praticamente decalcado do § 264 do Código Penal alemão, a verdade é que se o legislador nacional tivesse querido manter o facto como de perigo abstrato e de mera atividade, como no ordenamento jurídico-penal alemão se mostra claramente conformado, obviamente que, ao contrário do que fez, teria mantido a redação inicial do texto do § 264 do StGB, o que significa ter sido sua intençãocriar um crime de conformação diferente, ou seja, o legislador português não quis fazer recuar a proteção penal, antecipando a tutela dos bens jurídicos, tal qual fez o legislador alemão, tendo optado por uma maior exigência, fazendo depender a punição da obtenção (disponibilização ou recebimento) do subsídio ou subvenção. Por outro lado, a própria lei — artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 28/84 — considera subsídio ou subvenção «a prestação feita a empresa ou unidade produtiva [...]». Prestação feita não pode deixar de ser prestação realizada e esta, quando tem natureza pecuniária, só o está quando é entregue. Do exposto resulta claro que, nesta tese, sustentada pelo acórdão de fixação de jurisprudência citado, a falsificação de documentos consubstanciada na apresentação de faturas falsas (neste caso concreto, as faturas ...40 e ...5) entregues ao IAPMEI para assim obter a quantia em falta, ainda é abrangido pela tutela da norma em apreço. Considera-se, assim, que a norma tutela não só a fraude na concessão formal e prévia do subsídio como também na disponibilização ou entrega material das quantias subsidiadas, sendo esta a posição por nós sufragada. Ora, dos elementos objetivos que nos são garantidos pela prova documental contextualizada, enquadrada e materializada pelos esclarecimentos prestados pelas testemunhas, temos por certo que foi, efetivamente, criada a aparência de aquisição destes dois equipamentos como novos – correspondentes às rubricas 1 e 7 - o que não aconteceu, e tivesse sido libertada, nessa sequência, a última parcela do subsídio. E é isto que releva para efeitos de Fraude na obtenção do subsídio, por configurarem manobras fraudulentas que antecederam a concessão do subsídio e a predeterminam causalmente. Neste sentido, veja-se o acórdão do STJ de 15.10.1997, proferido no âmbito do proc. n.º 97P1316, no qual, com base na expressão «quem obtiver subsídio ou subvenção», por um lado se defende que o crime em causa só se consuma «quando existe a aprovação da concessão do subsídio ou subvenção e o seu montante é posto à disposição do beneficiário» - tese que veio a ser perfilhada no acórdão do STJ n.º 2/2006, de 23.11.2005, publicado no DR, I Série-A, de 04.01.2006, que fixou jurisprudência no sentido de que «O crime de fraude naobtenção de subsídio ou subvenção previsto no artigo 36.º do Decreto – Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, consuma-se com a disponibilização ou entrega do subsídio ou subvenção ao agente» - e, por outro lado, à semelhança do referido estudo, se afirma «… o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção é um crime de execução vinculada, pois a conduta do agente encontra-se descrita típica e abstractamente nas diferentes alíneas do n.º 1 do artigo 36º do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro.
Daí que o crime só possa executar-se por um dos três modos ali descritos (…). Note-se, além disso, que só vale a manobra fraudulenta contemporânea da proposta de concessão, anterior à sua aprovação., porque o processo causal logicamente precede o seu efeito e a aprovação é dada por erro causado por aquela manobra». Especificamente sobre este último aspeto, também, o acórdão do STJ de 17.06.2004 distingue o momento da consumação daquele outro em que assumem relevância as manobras fraudulentas, em concretização do que aduz: «Ocorrendo a consumação do crime com o efetivo recebimento da prestação, de acordo com a nossa perspetiva, diferente é a consideração do momento e da relevância das manobras fraudulentas para obter a sua concessão. Só relevam aquelas que antecedem a decisão de conceder o subsídio e que a predeterminam causalmente, e não já as irregularidades posteriores que se conexionam com a execução da finalidade para que é concedido o subsídio ou subvenção, que podem integrar o tipo legal de crime de desvio de subsídio ou subvenção (art.º 37º)» - [cf. CJ, ASTJ, Ano XII, T. II, pág. 234 e ss.]. Na verdade, e como paradigmaticamente se resume no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.03.2019, disponível no site www.dgsi.pt “mesmo que as despesas tenham sido efetuadas e os montantes sacados tenham sido posteriormente reembolsados o prejuízo decorre do desembolso das quantias que não teriam sido entregues ao arguido se não fosse o artifício (faturas falsas) utilizado.” Efetivamente, uma coisa são as irregularidades no procedimento que não são determinantes da concessão do subsídio ou do pagamento dos reembolsos, outra, jurídico-penalmente sancionada, a emissão de faturas falsas determinante do pagamento de reembolsos.
Face ao exposto, e porque no caso dos autos, os arguidos e sociedade arguida receberam a parcela do subsídio em causa com recurso à utilização a faturas falsas (porque não titulando operações reais), mostram-se preenchidos os elementos objetivos e subjetivos típicos do crime de fraude na obtenção de subsídio. Pelo que, os arguidos irão ser punidos nos termos do normativo correspondente. Já no caso da sociedade arguida, a punição acontece nos termos do disposto no art. 11, nº 2, al. a) do Código Penal e art. 3.º e 7.º do Decreto-Lei n° 28/84, de 20 de janeiro a responsabilidade penal pela pratica de um crime de fraude na obtenção de subsídio p. e p. pelo art. 36° n.° 1 al. a) e c), n.° 2, n.° 5 al. a) e n.º 8 al. b) do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, em conjugação com o disposto no art. 202.º, al. b), do Código Penal. ♦ 4.2 - Quanto ao crime de burla tributária: Vêm, ainda, os arguidos acusados da prática, em co-autoria, de 1 (um) crime de burla tributária, previsto e punível pelos artigos 87.º, n.º 1, 3 e 4, do Regime Geral das Infrações Tributárias [Lei n.º 15/2001, de 05-06], e pelos artigos 14º, n.º 1 do Código Penal.
Estabelece-se no artigo 87.º, do Regime Geral das Infrações Tributárias (aprovado pela Lei nº 15/2001, de 15/06): “1- Quem, por meio de falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos, determinar a administração tributária ou a administração da segurança social a efetuar atribuições patrimoniais das quais resulte enriquecimento do agente ou de terceiro é punido com prisão até três anos ou multa até 360 dias. 2 - Se a atribuição patrimonial for de valor elevado, a pena é a de prisão de 1 a 5 anos para as pessoas singulares e a de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas coletivas.” 3 - Se a atribuição patrimonial for de valor consideravelmente elevado, a pena é a de prisão de dois a oito anos para as pessoas singulares e a de multa de 480 a 1920 dias para as pessoas coletivas. 4 - As falsas declarações, a falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou a utilização de outros meios fraudulentos com o fim previsto no n.º 1 não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber. (…) 5 - A tentativa é punível (n.º 5). O bem jurídico protegido pelo tipo legal de crime é o património fiscal como o bem jurídico tutelado e apontando a lesão desse património como momento indeclinável para o perfecionamento do facto típico, pode este delito ser qualificado como um crime de dano – neste sentido veja-se Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão, in Estudo em Homenagem a Rui Machete, “o crime de burla tributária”, pág. 406-407. Seguindo de perto os sobreditos autores A “burla tributária configura-se outrossim, agora quanto à conduta, como um crime de resultado, que há-de surgir como consequência de um específico processo causal, o que faz dela também um crime de execução vinculada. (…) No que à conduta do agente diz respeito, o tipo incriminador da burla tributária particulariza os meios enganosos e introduz uma especificidade em matéria de resultado. Não basta que, como na burla comum, suceda uma afetação negativa do património fiscal, sendo além disso necessário que esse resultado seja acompanhado de um outro, o enriquecimento.
Encadeando a conduta do agente, a conduta do burlado, os resultados tipicamente pressupostos e o processo causal associado a estas ações e eventos, parece-nos, numa abordagem esquemática, que a consumação de um crime de burla tributária terá sempre de passar pelos seguintes momentos: 1. uma conduta fraudulenta do agente, que se dirige à Administração Tributária apresentando falsas declarações, documentos falsificados ou viciados, ou outros instrumentos enganosos; 2. que, fruto dessa conduta ludibriadora do agente, a Administração Tributária configure a situação tributária numa perspetiva desconforme com a realidade, incorrendo, portanto, em erro; 3. que, induzida por esse erro, a Administração Tributária atue com prejuízo para a esfera patrimonial fiscal do Estado, nomeada e necessariamente, mediante a realização de atribuições patrimoniais; e que dessas atribuições resulte o enriquecimento do agente ou de terceiro”.
Trata-se de um crime de execução vinculada pois exige-se que seja cometido através de um especial modo de agir, no caso concreto, por meio de falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fisicamente relevante ou outros meios fraudulentos – cfr. Paulo Dá Mesquita in “A tutela penal das deduções e reembolsos indevidos de imposto”, pág. 63. Na burla tributária é assim necessária, antes de mais, a verificação do duplo nexo de imputação objetiva que caracteriza o crime de burla comum, designadamente, que (i) o erro em que a Administração Tributária laborou tenha sido provocado pelo meio enganoso utilizado pelo agente e que (ii) aquela pratique o ato que lhe causa prejuízo determinada por esse erro e por causa dele – neste sentido José Beleza dos Santos, “A burla prevista no artigo 451º do Código Penal e a fraude punida pelo artigo 456º do mesmo Código”, RLJ, 76, 1944, p. 357 ess., nota 23. Necessário será também a verificação de um enriquecimento do agente ou de terceiro e, concomitantemente, de um prejuízo patrimonial fiscal derivados de uma atribuição patrimonial efetuada pela Administração Tributária. “Como crime com participação da vítima que é – determinante da sua configuração como delito de encontro na perspetiva da chamada “comparticipação necessária –, o perfeccionamento da burla tributária não se basta com uma ação fraudulenta dirigida pelo agente contra a vítima, estando ainda dependente de uma disposição patrimonial realizada em virtude do erro inculcado por aquele engano” - Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão, in Ob. Cit , pág. 413. Para que haja o preenchimento do tipo de burla tributária é mister ainda, por fim, que àquelas atribuições patrimoniais se sigam dois resultados típicos: o prejuízo patrimonial do Fisco e o enriquecimento do agente ou de terceiro. O crime exige apenas o dolo genérico. Diferentemente do que sucede no crime comum não é elemento do tipo o dolo específico” - Direito Penal Tributário – Sobre as responsabilidades das sociedades e dos seus administradores conexas com o crime tributário. Universidade católica editora, Lisboa 2009, pág.191. No mesmo sentido Paulo Dá Mesquita in ob.cit. pág. 64. Importa ter presente que os termos empregados pelo legislador para se expressar – “efetuar atribuições patrimoniais” – apontam para um positivo ato de entrega de um quid com valor patrimonial, o que, sendo esta uma matéria diretamente referida a impostos, sugere ainda tratar-se de algo com imediata expressão pecuniária. Ideia que sai reforçada quando o nº 1 do preceito é conexionado com os nºs 2 e 3 que se lhe seguem, os quais impõem uma agravação da moldura legal em função do valor, elevado ou consideravelmente elevado dessas atribuições patrimoniais” – cfr., neste sentido O Crime de Burla Tributária, Estudos em Homenagem a Rui Machete, Jorge de Figueiredo Dias/Nuno Brandão, pág. 415, apud Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02.02.2021, disponível no site www.dgsi.pt. Acrescentam, ainda, os mesmos autores que este ato de “efetuar atribuições patrimoniais” que compõe a conduta típica da vítima de burla tributária corresponde a um ato de deslocação de valores pecuniários integrados no erário tributário das mãos do Fisco para a esfera patrimonial do agente ou de um terceiro. ♦ Ora, volvendo ao caso dos autos e aos fatos provados, verifica-se que no mês de agosto de 2014, os arguidos BB, AA e CC incorporaram na contabilidade da sociedade EMP01..., Lda, as faturas ...5 (aparentemente titulando uma aquisição pela EMP01... de um equipamento de linha para Biomassa à EMP03... – fls. 52) e ...40 (aparentemente titulando uma aquisição pela EMP01... à EMP02... de um equipamento de corte de madeira) como se de verdadeiros custos se tratassem. Por outro lado, também se provou que os arguidos BB, AA e CC, em representação da EMP01..., Lda, integraram na declaração periódica de IVA, n.º ...60, enviada à administração fiscal em 03.10.2014, o pedido de reembolso do IVA do período de agosto de 2014, no qual incluíram as faturas supra, cujo respetivo IVA ascendia ao valor de €142.600,00 (€ 102.350,00+€34.500,00), apesar destas não corresponderem a transações reais. – Cfr. fls.351. Este pedido foi deferido pela AT e o reembolso integralmente efetuado à EMP01..., Lda. Daqui resulta, pois, que os arguidos simularam as compras e vendas, apenas para terem documentação comprovativa de aquisição de equipamento sobrevalorizado, para assim lhes ser concedido um fundo de valor mais elevado e poderem ter benefícios fiscais. Pelo que estão preenchidos os elementos típicos do crime de burla tributária, estando em causa um valor consideravelmente elevado, visto exceder as 200 unidades de conta, por referência à al. b) do art.º 202.º do CP”.
6. Relativamente à “perda da vantagem patrimonial”, consta do acórdão recorrido o seguinte: “O Ministério Público, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 110.º, n.º 1, al. b) e n.ºs 3 a 6 do Código Penal, requereu que se declare a perda da vantagem obtida pelos arguidos com a prática dos factos indicados na acusação e que vieram ser dados como provados supra.
Importa ponderar a seguinte factualidade: - Os arguidos, atuando como representantes legais da empresa e em nome desta, com a sua conduta, lograram integrar no património da sociedade EMP01..., Ld.ª, a título de subsídios indevidamente obtidos, o montante global de, pelo menos, 602.000,00 € (seiscentos e dois mil euros), com o qual aumentaram o seu património. - Com a sua conduta, os arguidos lograram ainda integrar no património da referida sociedade, a título de reembolso de IVA, o montante de 142.600,00 € (cento e quarenta e dois mil e seiscentos euros), com o qual aumentaram o seu património. ♦ Nestes termos, foi promovida a condenação dos arguidos no pagamento ao Estado do valor correspondente à vantagem por estes obtida com a prática do facto ilícito típico, nos termos do art.º 110.º, n.º 1, al. b) e n.ºs 3 a 6 do Código Penal, sem prejuízo dos direitos do lesado. Os arguidos deduziram contestação, mas não se pronunciaram expressamente quanto a esta questão. Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o artigo 110º, do Código Penal nos segmentos que importam: São declarados perdidos a favor do Estado: a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem. O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem. 3 - A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado. 4 - Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A. 5 - O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz. 6 - O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido.
Está em causa, neste momento, saber se deve ser decretada a perda de ventagens a favor do Estado com a prática do crime, como pretendeu o Mº Pº, sendo que o lesado (o Estado) não deduziu pedido de indemnização civil, sendo que esta questão tem sido amplamente debatida na jurisprudência. “Conscientes da gravidade do problema, diversas convenções internacionais (que Portugal subscreveu e se comprometeu a observar), instigam, implacavelmente, ao confisco dos instrumentos, produtos e vantagens do crime, como forma eficaz de o combater, mas também como forma de indemnizar as próprias vítimas. É o caso (no âmbito das Nações Unidas) do artigo 8.º, n.º 4, da Convenção Internacional para a Eliminação do Financiamento do Terrorismo (adotada em 9 de Dezembro de 1999), do artigo 14.º, n.º 2, da Convenção contra a Criminalidade Organizada Transnacional (adotada em 15 de Novembro de 2000) ou do artigo 57.º, n.º 3, alª c), da Convenção contra a Corrupção (adotada em 31 de Outubro de 2003), que aconselha os Estados a considerar prioritária a restituição dos bens declarados perdidos «aos seus anteriores legítimos proprietários ou a indemnização das vítimas do crime». O mesmo acontece, já noutro areópago internacional (igualmente relevante entre nós – art. 8.º da CRP), com o artigo 25.º, n.º 2, da Convenção do Conselho da Europa Relativa ao Branqueamento, Deteção, Apreensão e Perda dos Produtos do Crime e ao Financiamento do LEVY, Leonard W. A License to steal the forfeiture of property, Chapel Hill, University of North Carolina Press (1996), p. 62. Terrorismo (aberta à assinatura em 16 de maio de 2005) segundo o qual o Estado Parte que tenha declarado perdidos certos bens «deverá, na medida em que o seu direito interno o permita e se tal lhe for solicitado, procurar restituir à Parte requerente, com carácter prioritário, os bens declarados perdidos, por forma a que esta possa indemnizar as vítimas da infração ou restituir tais bens ao seu legítimo proprietário». Em ambos os casos, seja no âmbito das Nações Unidas, seja no âmbito do Conselho da Europa, o confisco é independente do pedido de indemnização civil. Intervém sempre por forma a restituir o condenado ao status patrimonial anterior à prática do crime e, desta forma, mesmo que o lesado nada faça, demonstrar que ele não compensa. Porém, se houver lesados a indemnizar, os bens assim obtidos devem ser usados para esse efeito, deste modo protegendo também os seus interesses. A União Europeia (como seria de esperar) também tem olhado para o problema com particular atenção. Recentemente, a Diretiva 2014/42/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Abril de 2014, sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime, veio prescrever que «caso, em consequência de infração penal, as vítimas possam pedir uma reparação a pessoas sujeitas a medidas de perda previstas ao abrigo da presente diretiva, os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que as medidas de perda não impeçam que as vítimas reclamem uma indemnização» (artigo 8.º, n.º 10). Para além disso, consigna no considerando 29.º«que «no âmbito de uma ação penal, os bens podem também ser congelados com vista a uma eventual restituição subsequente ou no intuito de salvaguardar a indemnização pelos danos causados por uma infração penal». Mais uma vez, sem prejuízo dos direitos da vítima, o confisco é transversal a todos os crimes, não dependendo da inexistência de lesados ou da impossibilidade destes fazerem valer os seus direitos. O pedido de indemnização civil não é uma espécie de questão prejudicial, que impeça o confisco prévio dos instrumentos, produtos e vantagens decorrentes da prática do crime” - in Comentário, da autoria de João Conde Correia, Procurador da República, e Hélio Rigor Rodrigues, Procurador-Adjunto, publicado em Abril de 2015 na Revista Julgar On Line. Seguindo de perto o Ac. do STJ de 03-10-2002, disponível em www.dgsi.pt, “a essência ou a significação político - criminal do que no artigo 111º, do Código Penal se estipula (particularizando, de algum modo, a filosofia que, no geral, informa a regulamentação da perda de instrumentos, produtos e vantagens, inserto no Capítulo VIII DO Título III – Das consequências Jurídicas do facto), alcança-se a partir de uma tonalidade ampla a conferir ao termo “vantagem” (encarada esta ao lado dos objetos, instrumentos, produtos e direitos relacionados com o ilícito praticado ou deste oriundos) ou seja numa perspetiva abrangente, quer da recompensa dada ou prometida ao agente delitivo, quer de todo e qualquer benefício patrimonial que resulte do crime (facto ilícito) em que, através dele ou por via dele, haja sido conseguido. E a alguma distinção (ou, melhor dizendo, a diferenciação em capítulo daqueles que rege o destino do ilicitamente obtido) apercebível no confronto entre o regime de perda (a favor do Estado) relativo a objetos, instrumentos e produtos, por um lado e o regime de perda de vantagens (ainda a favor do Estado) por outro, encontra plausível justificação, mesmo que sob a égide de um escopo, no fundo, comum; a legitimar a perda dos objetos, instrumentos e produtos do crime acha-se, em primeira linha, a sua perigosidade (e decorrente adequação) imediata ou potencial para a prática de crimes, ao passo que a perda de vantagens assenta, primacialmente, num desiderato ditado, não só por razões de prevenção geral da criminalidade ou da conveniência da criminalidade ou da conveniência de uma acrescida censura ao desvalor das condutas desenvolvidas mas, sobretudo, pela necessidade de se estabelecer uma efetiva (normativamente efetiva) objetividade à ideia tradicional (porém sempre atual e perdurável) de que se o crime não compensa, importa que se obste e é fundamental que se impeça que, na prática, compense ou possa compensar. “Sendo certo que nenhuma disposição legal retira propriamente imperatividade à perda a favor do Estado, prevista na primeira parte do seu n.º 2 do artigo 111º, do Código Penal e sendo igualmente certo que tal imperatividade pode ser condicionada na sua abrangência pelos “direitos do ofendido”, parecerá que a tutela desses direitos terá forçosamente de derivar (ou de depender, em termos de efetivação prática) de uma comprova (inequívoca e prévia) de que o agente do crime (e demandado cível) não satisfará de “ motu próprio” ou não se encontrará em condições de satisfazer a reparação a que, por decisão judicial, ficou adstrito. O que, no fim de contas, se reconduz - certo sendo que o Estado apenas deixará de dispor integralmente do que tiver revertido a seu favor nos precisos termos em que esse acervo deva ser indispensável a cobrir o dano sofrido pelo lesado e importando, ainda, que a reversão das vantagens para o mesmo lesado deva pautar-se por uma exata correspondência ao valor do prejuízo por aquele suportado (e a que tenha ficado com direito) – por um lado, à verificação de que o autor de facto ilícito não reparará o prejuízo que causou (reparação a que foi condenado) e ao apuramento, por outro, do valor real daquilo que haja de consubstanciar a matéria patrimonial sobre que vai incidir o direito à reparação”. Regressando ao Comentário, da autoria de João Conde Correia, Procurador da República, e Hélio Rigor Rodrigues, Procurador-Adjunto, publicado em Abril de 2015 na Revista Julgar On Line, “A vantagem patrimonial obtida pelo autor de um crime de furto corresponde, inversamente, ao prejuízo patrimonial da vítima, colocando – como já referimos – o problema da articulação prática entre o confisco das vantagens do crime e o eventual pedido de indemnização civil. Quando os bens que consubstanciam o benefício patrimonial obtido forem restituídos ao lesado (v.g. o automóvel subtraído), no decurso do processo ou na decisão final, o confisco previsto no artigo 111.º do Código Penal apenas operará se a vantagem for superior àqueles (v.g. o valor da sua utilização no período em que esteve na posse do arguido) ou o ofendido, por um qualquer motivo válido, não aceitar a restituição. O Estado não pode confiscar os bens do lesado, devendo limitar-se a restituí-los ao seu legítimo proprietário (art. 186.º, n.º 1, do CPP), assim anulando a vantagem obtida. Voltar a confiscá-la (restituição mais perda) seria uma verdadeira violação do ne bis in idem. Aliás, em bom rigor, como já não há vantagem, também não há nenhum conflito prático entre o confisco e um eventual pedido de indemnização civil (v.g. para recuperar os danos causados com a má utilização da viatura), cujas regras também são, igualmente, desnecessárias, porque se trata de restituir «o seu a seu dono» (suum cuique tribuere).
Ora, no caso dos autos, a sociedade EMP12..., na sequência da conduta dos arguidos, incorporou no seu património: - a título de subsídios indevidamente obtidos, o montante global de, pelo menos, 602.000,00 € (seiscentos e dois mil euros); - a título de reembolso de IVA, o montante de 142.600,00 € (cento e quarenta e dois mil e seiscentos euros), com o qual aumentaram o seu património. Esta quantia é devida ao Estado, que, contudo, não deduziu pedido de indemnização civil. Efetivamente, a perda de vantagem do facto ilícito a favor do Estado ou a chamada “perda clássica”, prevista no art.º 110.º do Cód. Penal, tem subjacente o princípio ético-jurídico de que “o crime nunca pode compensar”. Ora, sendo o confisco, segundo Leal Henriques e Simas Santos, in “Código Penal Anotado”, 2002, pág. 1160, “uma medida destinada a restabelecer a ordem económica conforme o direito, conduzindo a uma justa privação dos benefícios ilicitamente obtidos que só indireta e imprecisamente se poderia conseguir com a multa”, visa-se com o mesmo colocar o agente infrator no mesmo nível ou patamar patrimonial em que se encontrava antes da prática do facto ilícito, pretendendo-se, assim, evitar que o mesmo possa, por qualquer meio ou forma, direta ou indiretamente, retirar proveito da sua ação delituosa. Poder-se-á dizer que o confisco visa diretamente o agente infrator, constituindo um instrumento destinado não só a “penalizá-lo”, na medida em que a privação do benefício pretendido obter constitui, só por si, uma frustração ou agaste psicológico, mas, principalmente, a desincentivá-lo no cometimento de novas práticas, as quais, de forma ilícita, possam enriquecer o seu património, interiorizando, assim, a convicção de que o crime não o irá compensar. “O confisco visa, sempre, independentemente da dedução, ou não, de pedido de indemnização civil ou da eventual execução de um qualquer título, evitar que o agente retire quaisquer dividendos da sua acção criminosa, mesmo quando estes vão além do real e efetivo prejuízo da vítima, precavendo-se, também assim, as finalidades de prevenção geral e especial. Não pode, é, em circunstância alguma, haver “vantagem patrimonial” para o agente infrator”. – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04/04/2019, disponível no site www.dgsi.pt. No entanto, e como acentua Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao art.º 111.º do CP (Comentário do CP, Universidade Católica Editora) “a perda de vantagens é exclusivamente determinada por necessidade de prevenção. Não se trata de uma pena acessória porque não tem relação com a culpa do agente, nem de um efeito de condenação, porque também não depende da condenação. Trata-se de uma medida sancionatória, análoga à medida de segurança, pois baseia-se na necessidade de prevenção do perigo da prática de crimes “mostrando ao agente e à generalidade que, em caso de prática de um facto ilícito típico, é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito decorrente do objeto (também Figueiredo Dias, 1993:638)”. Exemplifica PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, com pertinência para a decisão dos autos, que “não há qualquer vantagem quando o agente do crime adquiriu objetos por intermédio do uso do cartão de crédito do ofendido, mas reparou inteiramente o prejuízo causado, não devendo ser declarados perdidos os objetos adquiridos”. Na mesma ordem de ideias, decidiu-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04/04/2019 acima citado que “Daí que a declaração de perdimento prevista no art.º 110.º do Cód. Penal possa, sempre, ter lugar, independentemente da formulação, ou não, de pedido de indemnização civil, ou da existência de qualquer título executivo, sendo que o confisco apenas operará na medida e na parte em que houver interesse útil, compatibilidade entre todos os institutos e não se traduza numa dupla “penalização” para o agente.” (sublinhado nosso) 5.1 - Quanto à questão da obrigatoriedade de declarar a perda de vantagens na ação penal: Do que vem sendo exposto, resulta, portanto, que “o confisco das vantagens do crime, independentemente da controvérsia relativa à definição da sua natureza jurídica, constitui uma providência que ainda integra o conceito de «ação penal», enquanto multiversum composto pelas matérias relativas à questão penal, traduzidas adjetivamente na investigação criminal, bem assim como pelas matérias relativas à questão patrimonial, com o seu equivalente funcional na investigação financeira e patrimonial. Nesta conjuntura, os imperativos constitucionais (art. 219.º da CRP), que legitimam a intervenção do Ministério Público no domínio do exercício da ação penal, determinam não só o dever da sua promoção nas matérias relativas à responsabilização penal, mas igualmente nos domínios relativos ao confisco. Assim, e concluindo, citando o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.01.2022, disponível no site www.dgsi.pt “O instituto da perda de vantagens decorrentes da prática do crime em finalidades próprias como mecanismo eficaz de dissuasão da criminalidade que visa o lucro (evitando que a prática do crime se traduza nalgum benefício económico).
II - A aplicação desse mecanismo não é eventual, facultativa ou sujeita a critérios de oportunidade. III - Tendo ficado demonstrado que o arguido obteve uma vantagem patrimonial ilícita, decorrente da prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, não pode o tribunal deixar de condená-lo no pagamento ao Estado do valor correspondente a tal vantagem (cfr. o art. 110.º, n.º 4, do Código Penal), mostrando-se irrelevante para o efeito a circunstância de ter sido deduzido pedido de indemnização civil pelo lesado (…) e que tal pedido haja sido julgado procedente. IV - Só em situações comprovadas e concretas de inutilidade (considerando que o Estado não pode receber duas vezes a mesma quantia), se poderá verificar uma específica e excecional subsidiariedade entre esses dois institutos (a perda de vantagens decorrente da prática do crime e a indemnização também decorrente dessa prática). Do que se vem acabando de expor, resulta que apesar da querela jurisprudencial, a tendência maioritária, que preconizamos, tem sido a de que, atendendo a essa diferente natureza, a perda de vantagens deve ser decretada sempre que se verifiquem os seus fundamentos, não obstando a tal, a eventual pendência de execução fiscal, pois é na sentença penal e através dela que se poderá cumprir o caráter sancionatório de tal medida, ou mesmo nos casos em que o ofendido é o próprio Estado/Administração Tributária/Segurança Social que não deduziu pedido de indemnização civil e beneficia de outros meios coercivos de obter o pagamento da quantia em causa, isso não pode afetar o exercício do poder de autoridade pública subjacente ao instituto em causa, uma vez que a lei não prevê tal distinção. Não poderá é, naturalmente, haver duplicação de pagamento (o pagamento por uma via extingue/impede a cobrança por outra via). Neste sentido, veja-se o recente acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18.01.2023 (in www.dgsi.pt, relatado por William Themud Gilman “Ainda que tenha sido deduzido pedido de indemnização civil pelo lesado, não deverá deixar de ser decretada a perda da vantagem a favor do Estado, pois que tendo o instituto da perda de vantagem uma intenção político-criminal própria que cabe ao Estado realizar no exercício da ação penal, não pode essa realização ficar ao sabor da vontade do ente particular ou público ofendido com o ilícito, sob pena de risco de frustração daquela intenção.
5.2 - Quanto à questão da declaração da perda de vantagens na ação penal relativamente ao agente do crime, independentemente de ser o seu beneficiário: Questão diversa e também pertinente no caso dos autos é a de saber se tendo os arguidos agido em representação da sociedade, também arguida, e em nome dela, a perda de vantagem apenas deve ser declarada contra aquela. A resposta a esta questão relevará, sobretudo, nos casos em que a sociedade possa já estar extinta, por encerramento da liquidação ou cancelamento da matrícula. Também quanto a este ponto não tem havido consenso na jurisprudência: Assim, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18.01.2023 (in www.dgsi.pt, relatado por William Themud Gilman) acima citado, defende-se que “O que importa para a satisfação do fundamento político-criminal que está na base do instituto da perda de vantagens do crime, a ideia de que o crime não compensa, é a perda da vantagem obtida pelo beneficiário dela. Se o arguido agiu enquanto representante da sociedade arguida e em nome da mesma, decidindo não entregar à Segurança Social as quantias devidas pelos descontos efetuados nos salários dos trabalhadores, o que veio a realizar, enriquecendo aquela, sem que nos factos provados esteja concretizado que o arguido beneficiou total ou parcialmente dessas quantias, não bastando para tanto meras afirmações confusas, genéricas e/ou conclusivas, a perda de vantagens só pode ser decretada contra a sociedade arguida e não também contra aquele.” Em sentido diverso pronunciou-se a mesma Relação, mas em acórdão de 19.04.2023, relatado por JOÃO PEDRO PEREIRA CARDOSO, disponível no site www.dgsi.pt: “I - O arguido que, na qualidade de gerente de uma sociedade, emitiu faturas falsas a outra empresa, com a qual estava conluiado, para dedução indevida de IVA por parte desta (empolamento dos custos) e diminuição da sua matéria tributável no IRC, o que implicou uma diminuição de impostos a pagar pela mesma, deve ser condenado a pagar ao Estado o montante da vantagem patrimonial assim obtida para outrem (sociedade beneficiária) - atual art.110º, nº1, al. b), do Código Penal. II - A declaração de perda do valor das vantagens do crime não depende da demonstração de um efetivo enriquecimento ou obtenção de benefício pessoal pelo autor do desvio patrimonial, antes e só que da atuação típica ilícita do arguido resultou (nexo causal) uma vantagem patrimonial para si e/ou terceiro. Justamente porque “o instituto da perda de vantagens decorrentes da prática do crime tem finalidades próprias como mecanismo eficaz de dissuasão da criminalidade que visa o lucro (evitando que a prática do crime se traduza nalgum benefício económico)”, como se afirma no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/01/2022, in www.dgsi.pt, o legislador quis “anular” a vantagem patrimonial obtida pelo agente do facto ilícito para si ou para outrem. No caso em apreço, ficou demonstrado que do comportamento típico ilícito dos arguidos resultaram vantagens económicas (traduzidas no reembolso do IRS e empolamento do subsídio) para a sociedade EMP01... no total de € 602.000,00 mais € 142.600,00. Assim, adere-se à posição jurisprudencial que defende que se exige apenas um concreto facto ilícito típico e a existência de vantagens com ele obtidas, e do nexo de causalidade entre ambos, independentemente da esfera patrimonial, para a qual resultou a vantagem, pertencer ao arguido ou a um terceiro. Verificados tais requisitos, “a perda da vantagem (ou o pagamento do valor equivalente) deve ser declarada contra aquele agente que, não obtendo para si a vantagem, possibilita e determina, com a prática do ilícito-típico, a sua obtenção por outrem”, mesmo quando esse terceiro é a sociedade da qual é gerente. Neste sentido também, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29-06-2022 (processo 638/17.7IDPRT.P2, relatora Liliana Páris Dias) igualmente disponível em www.dgsi.pt Já na doutrina, veja-se a posição defendida por Germano Marques da Silva in “A perda de vantagens”, in Direito Penal Tributário, pg.140, “a perda de vantagens tem natureza sancionatória análoga à da medida de segurança pelo que o seu decretamento deve ocorrer sempre que ocorram vantagens com a prática do crime adquiridas pelos seus agentes para si ou para terceiros. Pelo que, tendo-se provado a apropriação do valor aproximado de €744.600,00 (setecentos e quarenta e quatro mil, e seiscentos euros), prejuízo que resultou do cometimento pelos arguidos de um crime de fraude para obtenção de subsídio e um crime de burla tributária, julgo procedente o pedido de perda de vantagens, pelo que declaramos perdido a favor do Estado o valor de €744.600,00 (setecentos e quarenta e quatro mil, e seiscentos euros), nos termos do art.º 110.º do Código Penal, sempre com a ressalva de que o lesado não poderá receber duas vezes”.
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Apreciação dos Recursos
Nos termos do estatuído no art. 368.º aplicável ex vi art. 424.º n.º 2 do C.P.Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer em primeiro lugar das questões que obstem ao conhecimento do mérito da decisão.
Nessa medida, independentemente da sequência pela qual os recorrentes suscitam as questões, na sua apreciação o tribunal de recurso deve seguir uma ordem de precedência lógica que atende ao efeito do conhecimento de umas em relação às outras, tendo por referência a ordem indicada na disposição legal citada.
Assim sendo, será de começar pelas questões que podem determinar a anulação do julgamento e eventual reenvio (nulidades da decisão), seguidas daquelas que podem determinar a alteração da matéria de facto (erros de julgamento) e, finalmente, as questões de direito suscitadas.
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1. Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, nos termos previstos no art. 379º, nº 1, al. c) do CPPenal
Os recorrentes EMP01..., Lda (doravante também designada por EMP01...), AA e BB invocam a omissão de pronúncia do acórdão recorrido em virtude de terem apresentado requerimento em 07.05.2024 (Ref.ª ...97)[5], no qual se pronunciaram sobre o requerimento do Ministério Público de condenação na perda de vantagens suscitando as questões que dele constam, não tendo o tribunal a quo se pronunciado sobre as mesmas, antes fez constar do acórdão recorrido o seguinte: “Nestes termos, foi promovida a condenação dos arguidos no pagamento ao Estado do valor correspondente à vantagem por estes obtida com a prática do facto ilícito típico, nos termos do art.º 110.º, n.º 1, al. b) e n.ºs 3 a 6 do Código Penal, sem prejuízo dos direitos do lesado. Os arguidos deduziram contestação, mas não se pronunciaram expressamente quanto a esta questão” (conclusões 7ª a 10ª).
Vejamos se lhes assiste razão.
De acordo com o disposto no art. 379º, nº 1, al. c) do C.P.Penal, é nula a sentença “quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Cumpre começar por destacar que, conforme entendimento pacífico na jurisprudência, a nulidade em causa não resulta da omissão de conhecimento de argumentos ou razões invocados pela parte em apoio da sua pretensão, mas sim de questões.
Com efeito, a omissão de pronúncia só se verifica, de acordo com o texto do art. 379º, nº 1, al. c) do C.P.Penal, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deva conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, considerações, razões ou opiniões produzidos pelas partes em defesa do seu ponto de vista (cfr. Acórdão do STJ de 14.05.2009, Proc. nº 09P0096).
A este respeito o Acórdão do STJ de 11.10.2023, Proc. nº 813/22.2JABRG.G1.S1, refere que: “A omissão de pronúncia, como é sabido, constitui um vício da decisão que se verifica quando o tribunal se não pronuncia sobre questões cujo conhecimento a lei lhe imponha, sejam as mesmas de conhecimento oficioso ou sejam suscitadas pelos sujeitos processuais. Porém, como vem sendo entendimento uniforme deste Supremo Tribunal de Justiça, “a falta de pronúncia que determina a existência de vício da decisão incide sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão. Por isso, como defende este Supremo Tribunal, apenas a total falta de pronúncia sobre as questões levantadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia e, mesmo assim, desde que a decisão de tais questões não esteja prejudicada pela solução dada a outra ou outras”– Ac. STJ de 26/10/2016, Proc.122/10.OTACBC.GI-A.S”.
O Prof. Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, p. 143) ensinava, a propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúncia, que: “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
No caso em apreço, os recorrentes apresentaram um requerimento (dois dias antes da data designada para a leitura do acórdão) no qual tomaram posição e submeteram à apreciação do tribunal questões relacionadas com a análise crítica do teor da acusação, à qual apontam “incongruências e contradições”, por referência à prova documental (nomeadamente “a candidatura (Documento n.º 1 junto com a Contestação) e o próprio contrato (Documento n.º 5, junto com a Contestação)”) e testemunhal, examinada e produzida, respetivamente, em audiência de julgamento.
Por referência ao depoimento da testemunha DD, Técnico do IAPMEI, consideraram que a acusação “enquadra os factos sem consideração pela sua dinâmica própria” e, por referência ao depoimento da testemunha GG, nele se asseverou que a afirmação de que “o equipamento, que foi objeto da compra e venda celebrada entre a EMP01..., Lda. à EMP04..., Lda., titulada na Fatura de fls. 19 do processo físico, seria o mesmo equipamento que foi objeto da compra e venda celebrada entre a “EMP05...” e a EMP01..., Lda, titulada na Fatura de fls. 18 do processo físico, não têm sustentação e são contrárias à prova produzida”.
Teceram considerações acerca da credibilidade do depoimento da testemunha EE e concluiram que também ele “não sustenta a tese vertida na Acusação”.
Após reproduzirem passagens do depoimento desta testemunha concluiram que as seguintes afirmações constantes da acusação “não têm sustentação e são contrárias à prova produzida”:
a) “a compra e venda celebrada entre a EMP04..., Lda. e a EMP02... –Unipessoal, Lda., titulada na Fatura de fls. 20 do processo físico, e a compra e venda celebrada entre a EMP02... – Unipessoal, Lda. e a EMP01..., Lda., titulada na Fatura de fls. 21 do processo físico, não corresponderiam a transações reais”;
b) “o valor do equipamento, que foi objeto da compra e venda celebrada entre a EMP02... – Unipessoal, Lda. e a EMP01..., Lda., titulada na Fatura de fls. 21 do processo físico, teria sido “sobre-orçamentado” ou“sobrevalorizado”;
c) “o equipamento, que foi objeto da compra e venda celebrada entre a EMP02... – Unipessoal, Lda. e a EMP01..., Lda., titulada na Fatura de fls. 21 do processo físico, seria usado, que os Arguidos sabiam que seria usado, que não seria elegível, e que os Arguidos saberiam que não seria elegível para efeitos do projeto que foi objeto do contrato celebrado com o IAPMEI”;
d) “a EMP01..., Lda. teria recebido qualquer subsídio com base no investimento correspondente à compra e venda celebrada entre a EMP02... – Unipessoal, Lda. e a EMP01..., Lda., titulada na Fatura de fls. 21 do processo físico”.
Por fim, apreciaram a credibilidade do depoimento da testemunha FF e reproduziram passagens do seu depoimento, concluindo que também ele “não sustenta a tese vertida na Acusação” até porque, mencionando o depoimento desta testemunha tal como da testemunha GG, consideraram que as seguintes afirmações constantes da acusação “não têm sustentação e são contrárias à prova produzida”:
a) “a compra e venda celebrada entre a EMP04..., Lda. e a EMP03..., Lda., titulada na Fatura de fls. 51 do processo físico, e a compra e venda celebrada entre a EMP03..., Lda. e a EMP01..., Lda., titulada na Fatura de fls. 52 do processo físico, não corresponderiam a transações reais”;
b) “o equipamento que foi objeto da compra e venda celebrada entre a EMP04..., Lda. e a EMP03..., Lda., titulada na Fatura de fls. 51 do processo físico, seria o mesmo equipamento que foi entregue à EMP01..., Lda., no âmbito da compra e venda celebrada entre esta sociedade e a EMP03..., Lda., titulada na Fatura de fls. 52 do processo físico”;
c) “o valor do equipamento, que foi objeto da compra e venda celebrada entre a EMP03..., Lda. e a EMP01..., Lda., titulada na Fatura de fls. 52 do processo físico, teria sido “sobre-orçamentado” ou “sobrevalorizado”;
d) “o equipamento, que foi objeto da compra e venda celebrada entre a EMP03..., Lda. e a EMP01..., Lda., titulada na Fatura de fls. 52 do processo físico, seria usado, que os Arguidos sabiam que seria usado, que não seria elegível e que os Arguidos saberiam que não seria elegível para efeitos do projeto que foi objeto do contrato celebrado com o IAPMEI”.
Concluíram no sentido de que “deve o requerimento do Ministério Público de condenação dos Arguidos na perda de vantagem por facto ilícito típico ser julgado totalmente improcedente, por não provado, e não deverão ser aplicadas as penas acessórias indicadas na comunicação de alteração não substancial dos factos, ou quaisquer outras, por não provada a Acusação”.
Resulta do exposto que, contrariamente ao que consta do acórdão recorrido, os recorrentes, no requerimento apresentado em 07.05.2024 com a Ref.ª ...97, pronunciaram-se sobre o requerimento do Ministério Público de condenação na perda de vantagem por facto ilícito.
No entanto, consideramos que tal não se enquadra na invocada omissão de pronúncia na medida em que as questões suscitadas estão relacionadas com a apreciação que os recorrentes fazem da prova produzida em audiência de julgamento (nomeadamente através do escrutínio e reprodução de passagens de depoimentos testemunhais bem como de excertos de documentos juntos aos autos e examinados em audiência de julgamento) e que, no seu entender, conduzirão a que seja considerada não provada a factualidade constante da acusação nomeadamente a conducente à condenação dos recorrentes na perda de vantagem e nas penas acessórias.
E, todas as questões invocadas mostram-se analisadas no acórdão recorrido, em sede de motivação da matéria de facto, onde o tribunal a quo se debruçou sobre a prova documental e testemunhal (expôs o que foi dito pelas testemunhas “DD, perito nacional destacado no Fundo de Combate Europeu à Fraude, funcionário do IAPMEI em Portugal”, “GG, diretor fabril da empresa EMP04..., desde 2018”, “LL identificou-se como contabilista da empresa EMP01..., Lda, funções que exerceu no período compreendido entre 1999 e início de 2023”, “FF … gerente da empresa EMP03..., Lda, tendo mantido, com a primeira, relações comerciais, designadamente em 2013/2014”, ”EE, na qualidade de sócio-gerente da EMP02... Unipessoal, Lda, posição que ocupa desde 2005”, “CC”, ROC da sociedade arguida desde 2013/2014, e “JJ, INSPETORA TRIBUTÁRIA”), pronunciou-se acerca da credibilidade de cada um dos depoimentos bem como sobre a ponderação dos elementos que enunciou, com recurso às regras da experiência comum, por referência à factualidade que consta da acusação, para a qual remeteu o despacho de pronúncia.
Todavia, parece-nos patente que a referência a que os arguidos “não se pronunciaram expressamente quanto a esta questão”, consubstancia evidente lapso material manifesto e, como tal, suscetível de retificação (nos termos do art. 380º do C.P.Penal que permite a correção da sentença, além de outras situações ali previstas, quando: “b) a sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial”), por ser apreensível externamente.
Trata-se, portanto, de um lapso material da decisão, suscetível de correção nos termos previstos no art.º 380º, nº 1, al. b) e nº 2 do C.P.Penal, mediante a substituição da expressão “mas não se pronunciaram expressamente quanto a esta questão” pela expressão “tendo os arguidos EMP01..., Lda, AA e BB se pronunciado quanto a esta questão através do requerimento apresentado em 07.05.2024 com a Ref.ª ...97”.
Face ao exposto, concluímos pela inexistência do invocado vício decisório.
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2.Nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação e de exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal quanto aos pontos 44, 47 e 169 a 175 da matéria de facto provada, nos termos previstos nos arts. 379º, nº 1, al. a) e 374º, nº 2 do C.P.Penal
Segundo os recorrentes ”não se compreende a que concretos “documentos juntos” é que o Tribunal a quo se pretende referir na motivação para a decisão sobre o Ponto 44 dos Factos Provados, nem de que forma é que os mesmos, ou o “depoimento prestado pela inspetora tributária”, terão sido apreciados e contribuído para fundamentar essa decisão”, tal como não se compreende ”o iter cognoscitivo percorrido pelo Tribunal a quo para dar como provado o Ponto 44 dos Factos Provados” (conclusões 1ª e 2ª).
No que respeita ao ponto 47 dos factos provados sustentaram que ” não se compreende, nem o Tribunal a quo explica, a que factos indiciários se pretende referir concretamente, se todos, ou só alguns, e que relação existe entre os mesmos e a matéria constante desse ponto dos Factos Provados que, manifestamente, não diz respeito ao “foro íntimo dos arguidos” e acrescentaram que ”não conseguem, por isso, compreender o iter cognoscitivo percorrido pelo Tribunal a quo” para dar como provado o Ponto 47 dos Factos Provados, nomeadamente que os arguidos teriam logrado obter o pagamento da quantia de €142.600,00 a título de IVA e de 602.000,00 €, referente à diferença do subsídio” (conclusões 3ª e 4ª).
Por fim, alegaram que ”o acórdão recorrido não menciona qualquer fundamentação para a decisão sobre os Pontos 169, 170, 171, 172, 173, 174 e 175 dos Factos Provados (conclusões 5ª e 6ª).
Desta forma, os recorrentes pretendem arguir a nulidade do acórdão recorrido prevista no art. 379º, nº 1, al. a) do C.P.Penal, por violação do disposto no art. 374º, nº 2 do C.P.Penal.
Vejamos se assiste razão aos recorrentes.
O disposto no artº 374º, nº 2 do C.P.Penal traduz a consagração legal da imposição constante do art. 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são, sempre, fundamentadas (nos termos definidos por lei). “A fundamentação da sentença consiste, pois, na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão. As decisões judiciais, com efeito, não podem impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz (Cfr. Germano Marques da Silva, "Curso de processo penal", III, pág. 289)” – Acórdão do STJ de 16.03.2005, Proc. nº 05P662.
No entanto, tal não significa que o juiz tenha de expor, um a um, passo por passo, com inteiro detalhe, todo o seu percurso lógico dedutivo. Não se exige que, relativamente à dinâmica dos factos, o juiz explane todas as possibilidades teóricas e, muito menos, que equacione todas as possibilidades (muitas delas até desrazoáveis e, mesmo, absurdas) suscitadas, ao sabor das suas conveniências, pelos diferentes sujeitos processuais. Também não se exige ao juiz que, de forma exaustiva e meramente descritiva, referencie e analise todas as declarações e todos os depoimentos e, depois disso, vá ainda, facto a facto, pormenor a pormenor, circunstância a circunstância, explicar onde foi retirar a prova de cada um deles. O que se exige é a enunciação, especificada, dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, a referência à credibilidade que os mesmos mereceram ao tribunal, e o exame do seu valor e relevância probatórios, expondo os motivos e a construção do percurso lógico da decisão segundo as aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência comum – neste sentido Acórdão do TRE de 21.05.2024, Proc. nº 3235/15.4TDLSB.L3-5. “A necessidade de fundamentar de facto e de direito, com indicação e exame crítico das provas, não pretende vincular processualmente o juiz a efectuar uma enumeração mecânica de todos os meios de prova, mas apenas a seleccionar e a examinar criticamente os que serviram para fundamentar a sua convicção positiva ou negativa (explicitando porque deu mais relevo a uns em detrimento de outros), ou seja, aqueles que serviram de base à selecção da matéria de facto provada e não provada. Tal matéria é a que constitui objecto de prova e é juridicamente relevante para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da medida da pena aplicável (cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 30.6.1999, BMJ nº 488, p. 272 e o Ac. da Relação de Évora de 16.3.2004 proferido no âmbito do Proc. nº 1160/03.1). O que é necessário é explicitar porque é que o Tribunal deu determinados factos como provados ou não provados, ou seja, dar a conhecer os motivos que determinaram a convicção do julgador – neste sentido o Ac. do STJ de 30.01.2002, no Proc. nº 3063/01, refere que “o exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção” – Acórdão do TRL de 13.07.2023, Proc. nº 1074/21.6JAPDL.L1-5. Também neste sentido, o Acórdão do TRP de 14.06.2023, Proc. nº 246/21.8GBAMT.P1 refere que “a indicação e exame crítico das provas decorre da necessidade de potenciar a adesão dos destinatários e comunidade em geral ao teor da decisão criminal e de garantir a observância e respeito pelos princípios da legalidade, imparcialidade e independência, postergando a mera arbitrariedade em benefício do legítimo e fundado exercício da livre convicção, servindo de garante a um processo equitativo. O exame crítico da prova reveste especial relevo já que é aí que o tribunal explica a convicção adquirida e qual o caminho percorrido para a atingir. Com efeito, a citada previsão legal impõe ao dominus do processo que individualize as razões objectivas e a base racional que levou à convicção exprimida na factualidade provada e/ou não provada e bem assim os motivos que subjazem à valoração e credibilidade atribuída aos meios de prova disponíveis. E, como é bom de ver, o exame crítico só será suficiente quando exteriorize cabalmente o percurso lógico-dedutivo que presidiu à convicção firmada, não se confundindo com a simples enumeração dos meios probatórios ou sequer com a descrição – mais ou menos alargada - do seu conteúdo. Mas, para tanto, o julgador não necessita de realizar exposições doutrinárias, citações jurisprudenciais ou sequer descrever (por súmula ou desenvolvidamente) o teor de cada uma das provas produzidas. Basta que exprima com clareza e rigor as circunstâncias que determinaram a opção efectuada, tornando perceptível aos intervenientes processuais e aos cidadãos em geral as razões da sua íntima convicção e as provas que a sustentam, seja por si só ou em conjugação com as regras de experiência e normalidade de acontecer, devendo neste caso explicitar-se o respectivo âmbito de actuação. Todavia, como bem se compreende, essa tarefa comporta diferentes graus de complexidade, conforme as circunstâncias do caso, a amplitude e a unanimidade ou divergência da prova produzida. Deste modo, haverá nulidade quando perante as circunstâncias do caso, a fundamentação da convicção do tribunal for insuficiente para efectuar uma reconstituição do iter que conduziu a considerar cada facto provado ou não provado, ou seja para se perceber as razões que sustentam tal decisão”.
Percorrendo a motivação da matéria de facto exarada na decisão recorrida constatamos que o tribunal a quo fundamentou o ponto 44 dos factos provados nos documentos juntos e no depoimento prestado pela testemunha JJ, inspetora tributária.
Ora, tendo o tribunal recorrido esmiuçado anteriormente o depoimento da testemunha JJ, por referência aos documentos que aí mencionou, não lhe era exigível que o repetisse, no que respeita à concreta fundamentação deste ponto de facto, quando aí se espelha a lógica do raciocínio seguido e as razões da sua convicção a respeito do mesmo e da mesma se extrai, em conjunto com o anteriormente referido, a convicção do tribunal e o que a sustenta.
Como efeito, no que respeita ao equipamento de corte de madeira, consta da motivação da matéria de facto que a testemunha sublinhou que a máquina “adquirida em 28.05.2014 pela EMP01..., em segunda mão, a uma empresa sueca (EMP05...) por € 18.000,00” (cfr. fls. 18) é a mesma máquina que “foi vendida à EMP04... em 26.08.2014(ver fls. 1449) – por € 124.000,00 … sendo que se certificaram que era a mesma, porque foi feito o abate na contabilidade” (cfr. fls. 19), tendo “enfatizado que teria que ser uma máquina nova a integrar o projeto do IAPMEI e em nenhuma das possibilidades tal acontece” pois também o equipamento designado “secado de banda a baja temperatura” se tratava de equipamento usado. Também consta da motivação da matéria de facto que a testemunha explicou que esta máquina foi adquirida pela EMP04... à EMP06... (cfr. fls. 23 a 28) que, em 22.08.2024, a vendeu à EMP03... (cfr. fls. 51) que, por sua vez, em 27.08.2024, a vendeu à EMP01... (cfr. fls. 52), encontrando-se, em outubro de 2014 (aquando do incêndio) nas instalações da EMP04... ”aparentemente arrendada”.
Já quanto ao ponto 47 da factualidade provada consta da motivação da matéria de facto que: ”são estes fatos indiciários, devidamente conjugados que permitem provar os pontos 17 a 19, 29, 30 e 40 a 42 e, ainda, 45 a 55 dos Fatos Provados. Estes pontos da factualidade provada respeitam diretamente ao foro íntimo dos arguidos, ou seja, à intenção que esteve na base da sua atuação. Não tendo os mesmos prestado declarações, tais fatos têm de ser aferidos com base na restante factualidade provada”.
Ora, neste ponto de facto concluiu-se que a conduta dos arguidos descrita nos factos provados anteriores originou o pagamento indevido de quantias que integraram no património da sociedade EMP01..., Lda, o que, segundo consta da motivação, decorre da conjugação dos factos indiciários anteriormente descritos e retirados da prova produzida.
A este respeito, consta da motivação da matéria de facto que o tribunal a quo retirou do depoimento da testemunha EE que “tais faturas documentam operações económicas que que não são verdadeiras, porque não existem, ou, pelo menos, não existem nos exatos termos que aparentam e daí que as faturas possam ser consideradas falsas” e que “o que relevou para a sedimentação da convicção positiva do Tribunal foi a conjugação dos elementos bancários (que titulam operações financeiras reais) com as faturas acabadas de referir (que titulam compras e vendas simuladas), com o depoimento prestado por EE (que confirmou que foram os arguidos que propuseram a compra à EMP04... e subsequente venda à EMP01... como condição para que prestasse a assistência técnica, pela qual cobrou € 25.000,00, o que aceitou)”.
E, relativamente ao equipamento de corte de madeira,consta da motivação da matéria de facto que o tribunal a quo se convenceu que ”os arguidos combinaram entre si este circuito de venda da mesma máquina (EMP05... EMP04... EMP02... EMP01...), tendo em vista obter reembolso de IVA indevido, mas também para empolar os custos do reembolso do subsídio a que se candidataram, ficcionando um valor muito acima do valor real por que tinham comprado o equipamento. Recorrendo às regras da experiência comum, afigura-se que quiseram, ao criar este giro comercial, lançar uma cortina de fumo tendente a justificar uma aquisição aparentemente “ex novo” de um equipamento que tinha sido adquirido, em segunda mão, por uma empresa (EMP04...) que tinha exatamente os mesmos sócios da EMP01.... Assim, a argumentação da defesa não colhe, sendo certo que, ainda que não se tivesse provado que a máquina em causa foi a adquirida à EMP05..., mas uma outra(s) máquina(s) pré-existente(s) na EMP04..., estariam igualmente preenchidos os elementos típicos do crime imputado aos arguidos, desde logo por se tratar de equipamento em segunda mão, propositadamente inflacionado para justificar a atribuição do subsídio”.
Concluiu o tribunal a quo que: “recorrendo às regras da experiência comum, mesmo perante o silêncio dos arguidos, é inequívoco que as referidas faturas foram criadas, no interesse de todos, inclusivamente da sociedade arguida, em conformidade com um plano de que todos tinham conhecimento (a isso aludem expressamente, quer a testemunha EE, quer a testemunha FF) que visou criar um estratagema para sobrevalorizar os equipamentos, criando a aparência de que eram novos (como era exigência do IAPMEI), assim obtendo subsídios e benefícios fiscais ilegítimos. Esta inferência é a única explicação plausível para o comportamento dos arguidos BB, AA e CC, em representação da EMP01..., Lda, que apesar de cientes da forma insidiosa como fizeram constar as aquisições das suas máquinas, decidiram integrar na declaração periódica de IVA, com pedido de reembolso do IVA do período de agosto de 2014, no qual incluíram as faturas, cujo respetivo IVA ascendia ao valor de €142.600,00, apesar destas não corresponderem a transações reais. Por outro lado, também não é possível outra explicação à luz das regras de normalidade da vida e das máximas da experiência, que não seja a de que o objetivo subjacente à decisão dos arguidos de simularam as compras e vendas dos equipamentos foi obter documentação que comprovasse uma sobrevalorização, assim obtendo um subsídio mais elevado, bem como o respetivo benefício fiscal. Acresce que estas mesmas regras evidenciam que os arguidos sabiam que se tratavam de equipamentos já em uso na EMP01..., ou na EMP04..., pelo que não os poderiam integrar no projeto, nem as despesas da sua aquisição ser elegíveis”.
Cumpre ainda referir que, estando o ponto 47 incluído nos pontos “45 a 55 dos Fatos Provados”, afigura-se-nos óbvio que a referência “ao foro íntimo dos arguidos” não se reporta ao mencionado ponto 47 mas antes aos pontos 49 a 55 (inseridos nesse intervalo) relativos ao elemento subjetivo cuja prova, na ausência de confissão, se faz, por via de regra, de forma indireta, com recurso a inferências lógicas e presunções ligadas às regras da experiência comum, a partir dos factos conhecidos que são os modos de execução dos tipos de crime, associados à capacidade de discernimento e à liberdade de vontade do autor desses factos (neste sentido, cfr. Acórdão do TRP de 27.01.2021, Proc. nº 473/14.4JAPRT.P1).
Por fim, tendo por assente que não é exigível ao juiz que explique minuciosa e repetitivamente qual a prova que fundamenta cada um dos factos dos factos provados, é de concluir que não se verifica ausência de fundamentação relativamente aos pontos 169 a 175 dos factos provados na medida em que, não obstante a ausência de referência aos mesmos na fundamentação da matéria de facto, o percurso lógico explicado pelo tribunal a quo nomeadamente na fundamentação dos pontos 47 a 57 da factualidade provada (os quais se reportam, na sua essência, à mesma realidade de facto descrita nos pontos 169 a 175 - atuação dos arguidos no interesse e em representação da sociedade EMP01..., com a qual aumentaram o seu património por terem logrado obter o pagamento indevido das quantias de € 142.600,00 e € 602.000,00) é extensível à sustentação motivacional dos mencionados pontos 169 a 175.
Assim sendo, na motivação da matéria de facto mostram-se explicitadas as razões de ciência que conduziram à credibilização dos depoimentos, a concatenação entre os depoimentos, em articulação com a restante prova produzida (que os corrobora), e o raciocínio que subjaz à solução encontrada.
Com efeito, da fundamentação da decisão fáctica é apreensível o processo da convicção do tribunal, permitindo-nos acompanhar, de forma linear, as provas enunciadas, a respetiva análise e, bem assim, os raciocínios explicitados relativamente a tais provas.
Coisa diversa será saber se essas razões da convicção e o percurso lógico seguido pelo tribunal a quo merecem aceitação e se a decisão não incorre em qualquer dos vícios previsto no nº 2 do art. 410º do C.P.Penal, o que oportunamente se apreciará.
Assim sendo, consideramos que improcede, também nesta parte, o recurso em análise.
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Os recorrentes sustentam ainda que o tribunal a quo não se pronunciou sobre os reembolsos efetuados pela EMP01..., Lda para restituição das quantias recebidas a título de incentivo, constantes do email datado de 06.02.2024 (Refª ...34), os quais constituem factos relevantes para a boa decisão da causa (conclusões 13ª e 14ª).
Está em causa a informação do plano de reembolso e registo de todos os recebimentos de reembolsos prestados pela recorrente EMP01..., Lda ao IAPMEI que consta do email datado de 06.02.2024 (Refª ...34).
Segundo os recorrentes, impunha-se que o tribunal recorrido tivesse feito constar da matéria de facto provada os pagamentos e reembolsos que constam de tal documento e que, como se afirma no Parecer do Exmo Senhor Procurador-Geral Adjunto, seja consagrado que “a arguida EMP01..., Lda reembolsou integralmente o subsídio por si recebido”.
Com efeito, tais ordens de pagamento e reembolsos constituem elementos relevantes para a decisão sobre se a EMP01... reembolsou, total ou parcialmente, o subsídio por si recebido.
No segmento ”Motivação da matéria de facto”, em cumprimento do disposto no art. 374º, nº 2 do C.P.Penal, na parte que impõe ao tribunal que indique as provas que serviram para formar a sua convicção (sem deixar de proceder ainda ao seu exame crítico) o tribunal a quo fez constar que: ”Igualmente crucial foi a valoração da informação preliminar de fls. 15 e ss., que está sustentada nos seguintes documentos: (…) – elementos documentais juntos no decurso da audiência, designadamente sob a denominação “...”.
No entanto, tal documento é denominado de “...” (cfr. 964 e 991), do que decorre a conclusão de que a denominação “...” consubstancia evidente lapso material manifesto evidenciado no próprio contexto da decisão e, como tal, suscetível de correção nos termos previstos no art.º 380º, nº 1, al. b) e nº 2 do Cód. Proc. Penal, mediante a substituição da palavra “...” pela palavra “...”.
O acórdão recorrido, apesar de mencionar os “elementos documentais juntos no decurso da audiência, designadamente sob a denominação “...”” (nos quais se incluem os documentos fls. 993 a 996), não faz referência, nos factos provados, aos pagamentos e reembolsos que constam de tal documento, matéria com relevo para a ponderação da questão suscitada.
Resulta deste excerto da fundamentação que o tribunal a quo indicou tal documento como meio de prova, mas não efetuou o seu exame crítico, de forma especificada, como deveria ter feito, e consequentemente não incluiu a factualidade relevante, dele resultante, entre os factos provados (arts. 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a) do C.P.Penal).
No entanto, “a nulidade por falta de enumeração dos factos entre os provados e não provados (374º nº2 e 379º nº1 a), CPP) tem lugar apenas nos casos de omissão total da enumeração de factos ou de parte significativa deles que torne ininteligível ou duvidoso o sentido da decisão do tribunal relativamente aos factos ali omitidos, pois só nestes casos se impõe a remessa do processo ao tribunal recorrido dada a relevância do vício e a impossibilidade de sanação do mesmo pelo tribunal de recurso” (Acórdão do TRE de 29.11.2016, Proc. nº 6/15.5GBMRA.E1).
No caso presente, resulta inequivocamente da fundamentação da matéria de facto que o tribunal recorrido ponderou e considerou o teor de tal documento, sendo percetível o sentido da sua decisão, mas não fez constar o facto provado na parte da sentença expressamente mencionada para o efeito no art. 374º nº2 do CPP
Porém, tal nulidade é suprível por este tribunal superior que dispõe dos elementos necessários para o efeito.
Com efeito, tal documento (cujo conteúdo não foi posto em causa pelos sujeitos processuais) demonstra que, da quantia total de 1.270.799,56 € (recebida pela EMP01... a título de incentivo reembolsável), foi reembolsada a quantia de € 413.191,59 (através de pagamentos feitos pela EMP01... e recebidos pelo IAPMEI, o primeiro dos quais do montante de € 7.963,38, em 02.05.2017, e o último do montante € 615,60, acrescido dos respetivos juros, em 30.03.2023) e foi autorizada a atribuição de um prémio de realização correspondente à Fase A, através da conversão de incentivo reembolsável em incentivo não reembolsável no montante de € 300.162,79, e à Fase B, através da conversão de incentivo reembolsável em incentivo não reembolsável no montante de € 557.445,18 (cfr. fls. 964, 968 verso), daí constar da primeira tabela, relativamente a cada um deles, a referência ao estado de “Processada”.
Assim sendo e na medida em que resulta do que foi alegado pelos recorrentes, impõe-se completar a matéria de facto provada através da introdução de um novo facto provado: 168A. Da quantia total de 1.270.799,56 €, recebida pela EMP01..., Lda a título de incentivo reembolsável, foi reembolsada a quantia de € 413.191,59 (através de pagamentos feitos pela EMP01..., Lda e recebidos pelo IAPMEI, o primeiro dos quais do montante de € 7.963,38, em 02.05.2017, e o último do montante € 615,60, acrescido dos respetivos juros, em 30.03.2023) e foram processados os prémios de realização correspondentes às fases A e B nos montantes de € 300.162,79 e € 557.445,18 respetivamente.
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3. Vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nos termos do art. 410º, nº 2, al. b) do C.P.Penal
O recorrente CC alegou que: a) a decisão de considerar como provado que a despesa incorporada na fatura n.º ...5 não foi efetivamente suportada pela sociedade arguida está em oposição com o teor do ponto 160 dos factos provados (conclusão 6ª); b) a decisão de considerar como provado que a arguida, em momento anterior ao negócio celebrado com a EMP03..., era já proprietária do equipamento adquirido está em oposição com o teor dos pontos 35, 36, 37, 155, 156 e 157 dos factos provados (conclusão 10ª); c) a decisão de considerar como provado que o recorrente integrou no seu património qualquer fração dos pagamentos recebidos a título de IVA ou subsídio está em oposição com o teor dos pontos 169, 170 e 171 dos factos provados (conclusão 14ª); d) a decisão de considerar como provado que foi integrado no património da EMP01..., a título de subsídios indevidamente obtidos, o montante de € 602.000,00 está em oposição com o teor dos pontos 144, 145, 146 e 147 (conclusão 22ª); e) não tendo havido qualquer atribuição patrimonial à arguida de que tivesse resultado o seu enriquecimento ou de terceiros, a condenação do recorrente no pagamento de vantagens consubstancia uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão (contradição 32ª).
Antes de mais, importa relembrar os pressupostos da impugnação da matéria de facto em sede de recurso.
Os poderes de cognição dos tribunais da relação abrangem a matéria de facto e a matéria de direito (art. 428º do C.P.Penal), podendo o recurso, sempre que a lei não restrinja a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida (art. 410º, nº 1 do C.P.Penal).
Como é sobejamente sabido, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias:
a) no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no mencionado art. 410º, nº 2 do C.P.Penal;
b) através da impugnação ampla da matéria de facto.
Estabelece o art.º 410º, nº 2 do C.P.Penal que “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) O erro notório na apreciação da prova”.
Tratam-se de vícios da decisão sobre a matéria de facto que são vícios da própria decisão, como peça autónoma, e, uma vez demonstrada a existência desses vícios e a impossibilidade de se decidir a causa, o tribunal de recurso deve determinar o reenvio do processo para um novo julgamento relativamente à totalidade do objeto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio (art.º 426º, nº1 do C.P.Penal).
Estes vícios são de conhecimento oficioso, pois têm a ver com a perfeição formal da decisão da matéria de facto e decorrem do próprio texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de recurso a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo constantes do processo (neste sentido, Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal Anotado”, 17. ª ed., pág. 948). Mas, não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no art. 127º do CPP. Pois o que releva “é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função do controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410º, nº 2 do C.P.Penal, a convicção pessoalmente formada pelo recorrente e que ele próprio alcançou sobre os factos” (Cfr. Acórdão do STJ de 2008.11.19, Proc. nº 3453/08-3 referido por Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 9.ª ed., 2020, pág. 76).
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A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão. O que ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada (há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada, ou seja, quando é de concluir que não é perfeita a compatibilidade de todos os factos provados).
Simas Santos e Leal Henriques[6] afirmam que este vício traduz-se numa “incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entes este e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão. Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os factos provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente”.
Porém, “para que exista contradição insanável da fundamentação, não basta que haja contradição entre factos provados ou entre factos provados e não provados ou entre factos provados e a fundamentação da convicção formada pelo tribunal. É necessário ainda que tal contradição seja de todo em todo irreparável e insusceptível de saneamento” (Acórdão do STJ de 09.07.1998, Proc. nº 262/98).
Conforme bem refere, a este propósito, o Acórdão do STJ, de 23.03.2022, Proc. nº 4/17.4SFPRT.P1.S1, “o vício da contradição insanável da fundamentação – al. b) do n.º 2, do art. 410.º/CPP – invocado pelo recorrente, perfectibiliza-se quando, através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os factos provados, entre estes e os não provados, ou até entre a fundamentação probatória da matéria de facto. Como se esclarece no acórdão do STJ, de 19.11.2008 (Proc. n.º 3453/08-3.ª), “a contradição insanável da fundamentação, ou entre esta e a decisão, supõe que no texto da decisão, e sobre a mesma questão, constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluem mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva de lógica interna da decisão…”. Assim, há manifesta contradição porquanto, sobre o mesmo ponto, fazem-se afirmações inconciliáveis que se excluem mutuamente”.
Por referência ao que efetivamente consta do acórdão recorrido, considerando a factualidade provada no seu conjunto, é de concluir que: a) o ponto 160 dos factos provados reporta-se ao negócio celebrado entre a EMP03... e a EMP01..., na sua vertente formal, ou seja, aos pagamentos formalmente efetuados precisamente para evitar a suspeita de faturação falsa.
Em contrapartida, a consideração de que a despesa incorporada na fatura n.º ...5 não foi efetivamente suportada pela sociedade arguida EMP01... mostra-se espelhada nomeadamente na seguinte factualidade considerada como provada:
- o preço dos equipamentos constantes do projeto de investimento apresentado pela EMP01... resultada de uma prévia combinação entre os arguidos (cfr. ponto 30 dos factos provados);
- nenhuma das sociedades vendeu qualquer bem constante das faturas nº ...5 e ...40 (cofr. Ponto 39 dos fatos provados);
- os arguidos simularam as compra e vendas a que se reportam tais faturas apenas para terem documentação comprovativa da aquisição dos equipamentos que delas constam, para assim lhes ser concedido um fundo de valor mais elevado e poderem ter benefícios ficais.
E, o tribunal a quo fundamentou esta factualidade, além do mais, da seguinte forma lapidar: ”sintomático dessa falsidade é a circunstância de a própria testemunha FF ter explicado que a própria quantia monetária para celebrar negócio foi previamente fornecida pelos arguidos. No caso concreto, e relativamente aos dois equipamentos, quer o dinheiro, quer as máquinas circularam formalmente, mas acabaram por alcançar o seu destino final, que foi serem novamente utilizados pelos Arguidos, ou seja, os mesmos responsáveis pelo início desse circuito”.
Assim sendo, não se verifica a contradição invocada. b) os pontos 35, 36, 37, 155, 156 e 157 dos factos provados reporta-se ao trajeto negocial dos equipamentos referidos ns faturas nº ...5 e ...40, resultando dos teor dos documentos que sustentam tal factualidade que apenas o equipamento constante desta última fatura havia pertencido anteriormente à EMP01... por o ter adquirido à EMP05..., pois o equipamento constante da fatura n.º ...5 havia sido adquirido pela EMP04... à EMP06....
Porém, trata-se de contradição ultrapassável por este tribunal ad quem com recurso aos elementos documentais constantes dos autos que sustentam a factualidade invocada pelo recorrente.
Nesta sequência, impõe-se alterar a redação do ponto 39 da matéria de facto provada que passará a ter a seguinte redação: 39. Na verdade, durante o período identificado, nenhuma das sociedades nelas emitentes vendeu qualquer bem constante das referidas faturas à sociedade EMP01..., Lda ou aos seus representantes, sendo que o bem constante da fatura nº ...40 já anteriormente lhe pertencia.
Consigna-se que a alteração obedece ao disposto no art. 358º, nº 2 do C.P.Penal na medida em que resulta do que foi alegado pelo recorrente. c) o teor ponto 47 dos factos provados tem que ser articulado com o teor do ponto de facto seguinte (ponto 48), onde se diz que “atuaram, em conjugação de esforços e intentos, no interesse e em representação da sociedade EMP01...”, o que surge na sequência da afirmação já constante do ponto 41 dos factos provados de que tais arguidos atuaram “em representação da EMP01..., Lda”, tudo em consonância com o que consta a este respeito nos pontos 169, 170 e 171 dos factos provados.
Posto isto e porque resulta da factualidade provada a atuação dos arguidos, no interesse e em representação da EMP01..., não se verifica a contradição invocada. d) os pontos 144, 145, 146 e 147 não podem ser considerados isoladamente. Tais pontos de facto inserem-se no âmbito do 3º Pedido de Adiantamento (nos termos da Modalidade C que correspondia a um grau de execução de 43,45%) concedido no domínio de um projeto relativamente ao qual o IAPMEI proferiu, em 31.07.2015, “DECISÃO DE CERTIFICAÇÃO DE DESPESA/PAGAMENTO/ENCERRAMENTO”, na qual concluiu pelo apuramento de um montante de despesa elegível certificada de € 1.956.420,00, correspondente a 100% das despesas elegíveis contratadas, que foram suportadas pela EMP01..., com a aquisição dos bens e serviços que compuseram o investimento, sendo o incentivo final reembolsável de € 1.270.799,56, já deduzindo a penalidade financeira aplicada de € 873,44, o que corresponde a 65% das despesas elegíveis certificadas (cfr. pontos 163 e 164 da matéria de facto provada).
Por conseguinte, tendo tais despesas sido consideradas pelo IAPMEI como elegíveis, estando as mesmas incluídas neste montante de despesa elegível certificada de € 1.956.420,00 e sendo o incentivo final reembolsável de € 1.270.799,56 (deduzida a penalidade financeira aplicada de € 873,44) correspondente a 65% das despesas elegíveis certificadas, será de considerar que a diferença entre o subsídio a que os arguidos (em representação da EMP01...) teriam direito e aquele que efetivamente receberam, por reporte a tais equipamentos, corresponde a € 403.000,00 (65% de € 620.000,00) e não a € 602.000,00 como consta dos pontos 47 e 169.
Contudo, porque se trata de contradição ultrapassável por este tribunal ad quem com recurso aos elementos documentais dos autos que sustentam a factualidade invocada pelo recorrente, impõe-se alterar os pontos 47 e 169 da matéria de facto provada que passarão a ter a seguinte redação: 47. Sucede que com a referida conduta, os arguidos BB, AA e CC, lograram obter o pagamento indevido da quantia de €142.600,00 (cento e quarenta e dois mil e seiscentos euros) a título de IVA e 403.000,00 € (quatrocentos e três mil euros), referente à diferença do subsídio a que teriam direito e aquele que efetivamente receberam em virtude das transações que simularam, que integraram no seu património e no da sociedade EMP01..., Lda. 169.Os arguidos, atuando como representantes legais da empresa e em nome desta, com a sua conduta, lograram integrar no património da sociedade EMP01..., Ld.ª, a título de subsídios indevidamente obtidos, o montante global de, pelo menos, 403.000,00 € (quatrocentos e três mil euros).
Consigna-se que as alterações obedecem ao disposto no art. 358º, nº 2 do C.P.Penal na medida em que resulta do que foi alegado pelos recorrentes (nomeadamente em sede de impugnação da matéria de facto). e) toda a argumentação do recorrente parte do pressuposto de que as faturas suportam transações reais quando não foi esse o entendimento do tribunal a quo (cfr. pontos que 41, 49 e 55 da matéria de facto provada) que, a tal respeito, considerou que: ”Esta inferência é a única explicação plausível para o comportamento dos arguidos BB, AA e CC, em representação da EMP01..., Lda, que apesar de cientes da forma insidiosa como fizeram constar as aquisições das suas máquinas, decidiram integrar na declaração periódica de IVA, com pedido de reembolso do IVA do período de agosto de 2014, no qual incluíram as faturas, cujo respetivo IVA ascendia ao valor de €142.600,00, apesar destas não corresponderem a transações reais” Daqui resulta, pois, que os arguidos simularam as compras e vendas, apenas para terem documentação comprovativa de aquisição de equipamento sobrevalorizado, para assim lhes ser concedido um fundo de valor mais elevado e poderem ter benefícios fiscais.
Acresce que o tribunal a quo considerou demonstrado que da atuação dos arguidos, em representação da EMP01..., resultou o enriquecimento ilegítimo da EMP01... à custa do Estado, cujo prejuízo patrimonial se cifrou em € 142.600,00 que integraram no giro normal da sociedade e, aquando da ponderação da “questão da declaração da perda de vantagens na ação penal relativamente ao agente do crime, independentemente de ser o seu beneficiário” expôs o seguinte: “Questão diversa e também pertinente no caso dos autos é a de saber se tendo os arguidos agido em representação da sociedade, também arguida, e em nome dela, a perda de vantagem apenas deve ser declarada contra aquela ...No caso em apreço, ficou demonstrado que do comportamento típico ilícito dos arguidos resultaram vantagens económicas (traduzidas no reembolso do IRS e empolamento do subsídio) para a sociedade EMP01... no total de € 602.000,00 mais € 142.600,00. Assim, adere-se à posição jurisprudencial que defende que se exige apenas um concreto facto ilícito típico e a existência de vantagens com ele obtidas, e do nexo de causalidade entre ambos, independentemente da esfera patrimonial, para a qual resultou a vantagem, pertencer ao arguido ou a um terceiro. Verificados tais requisitos, “a perda da vantagem (ou o pagamento do valor equivalente) deve ser declarada contra aquele agente que, não obtendo para si a vantagem, possibilita e determina, com a prática do ilícito-típico, a sua obtenção por outrem”, mesmo quando esse terceiro é a sociedade da qual é gerente. Neste sentido também, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29-06-2022 (processo 638/17.7IDPRT.P2, relatora Liliana Páris Dias) igualmente disponível em www.dgsi.pt Já na doutrina, veja-se a posição defendida por Germano Marques da Silva in “A perda de vantagens”, in Direito Penal Tributário, pg.140, “a perda de vantagens tem natureza sancionatória análoga à da medida de segurança pelo que o seu decretamento deve ocorrer sempre que ocorram vantagens com a prática do crime adquiridas pelos seus agentes para si ou para terceiros. Pelo que, tendo-se provado a apropriação do valor aproximado de €744.600,00 (setecentos e quarenta e quatro mil, e seiscentos euros), prejuízo que resultou do cometimento pelos arguidos de um crime de fraude para obtenção de subsídio e um crime de burla tributária, julgo procedente o pedido de perda de vantagens, pelo que declaramos perdido a favor do Estado o valor de €744.600,00 (setecentos e quarenta e quatro mil, e seiscentos euros), nos termos do art.º 110.º do Código Penal, sempre com a ressalva de que o lesado não poderá receber duas vezes”.
Desta forma, mostra-se sustentada a posição assumida pelo tribunal recorrido face à factualidade provada, do que se conclui pela não verificação da contradição.
Por conseguinte, a ponderação da responsabilidade do recorrente no pagamento de vantagens não se enquadra na invocada contradição insanável entre a fundamentação e a decisão que, como vimos, são coincidentes, antes será de a ponderar em sede de verificação dos pressupostos para a condenação dos arguidos no pagamento do valor equivalente à perda de vantagem, quando não obtiveram para si a vantagem mas possibilitaram e determinaram, com a prática do ilícito-típico, a sua obtenção pela EMP01....
Para além das situações supra referidas e enquadradas na contradição ultrapassável por este tribunal ad quem com recurso aos elementos documentais constantes dos autos, concluímos pela inexistência do invocado vício decisório.
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4. Erro de julgamento quanto aos pontos 17 a 20, 29, 30, 33, 34, 37, 39 a 41, 43 a 47, 49 a 58 e 169 a 174 da matéria de facto dada como provada
Os recorrentes EMP01..., Lda, AA e BB defendem que existe erro de julgamento quanto aos pontos 17 a 20, 29, 30, 33, 34, 37, 39 a 41, 43 a 47, 49 a 58 e 169 a 174 da matéria de facto provada (conclusão 15ª).
No caso da impugnação ampla da matéria de facto, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites legalmente impostos.
Quando se pretenda a impugnação ampla da decisão de facto, o recorrente tem de cumprir o aludido ónus de tríplice especificação, impondo-se que o recorrente, nos termos do disposto no art. 412º, nº 3 do C.P.Penal, especifique: “a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”.
A especificação dos “concretos pontos de facto” traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados, a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida e a especificação das “provas que devem ser renovadas” implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, o que pressupõe a existência de um dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do C.P.Penal (no atual quadro legal a renovação, na Relação, da prova que foi produzida em 1ª instância só é admitida se se verificarem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artº 410º e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo – artº 430º do C.P.Penal). “Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos), pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412.º do C.P.P.), salientando-se que o S.T.J, no seu acórdão n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 77, de 18 de abril de 2012, fixou jurisprudência no seguinte sentido: «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações». Em síntese: para dar cumprimento às exigências legais da impugnação ampla tem o recorrente nas suas conclusões de especificar quais os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, quais as provas (específicas) que impõem decisão diversa da recorrida, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as (se na acta da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados) ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos (quando na acta da audiência de julgamento se faz essa referência - o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens)” – cfr. Acórdão do TRL de 02.12.2020, proc. nº 3606/15.0T9SNT.L1-5.
Se o recorrente assim proceder pode o tribunal de recurso reapreciar a prova produzida concretamente indicada e vir a modificar a decisão quanto à matéria de facto, nos termos do artº 431º, al. b) do C.P.Penal.
Como bem refere o Acórdão do TRL de 11.03.2021, Proc. nº 179/19.8JDLSB.L1-9: “embora este Tribunal da Relação tenha poderes de intromissão em aspetos fácticos (cfr. artº 428º e 431º, al. b) do C.P.Penal), não pode sindicar a valoração das provas feitas pelo tribunal em termos de o criticar por ter dado prevalência a uma em detrimento de outra, salvo se houver erros de julgamento e as provas produzidas impuserem outras conclusões de facto. A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto. Na formação da convicção do juiz não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, referindo-se a relevância que têm para a formação da convicção do julgador «elementos intraduzíveis e subtis», tais como «a mímica e todo o aspecto exterior do depoente» e «as próprias reacções, por vezes quase imperceptíveis, do auditório» que vão agitando o espírito de quem julga (no mesmo sentido Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, vol. III, pág. 211, para acrescentar depois, a págs. 271, que «existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percebidos, apreendidos, interiorizados ou valorizados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores»). O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado». E convém referir que quando o tribunal recorrido forma a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquelas que formulem os Recorrentes. Normalmente, os erros de julgamento capazes de conduzir à modificação da matéria de facto pelo tribunal de recurso consistem no seguinte: dar-se como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem razão de ciência da mesma que permita a referida prova; dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal; dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram; dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado; dar-se como provado um facto com recurso à presunção judicial fora das condições em que esta podia operar”.
Por conseguinte, o recurso amplo da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento nem a reapreciação total dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação sobre a matéria impugnada, com base na audição ou análise das provas concretamente indicadas, sem prejuízo de o tribunal de recurso poder ouvir e visualizar outras passagens que não as indicadas (nº 6 do artº 412º do C.P.Penal), procurando indagar sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto impugnados que o recorrente especifique como incorretamente julgados.
Nessa medida, na reapreciação da prova há que articular os poderes de conhecimento do tribunal de recurso com os princípios relativos à produção e à valoração da prova no tribunal de 1.ª instância, especialmente com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127º do C.P.Penal (nos termos do qual, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente), e com princípio do in dubio pro reo (postulado do princípio da presunção de inocência – consagrado no art. 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa - que impõe a absolvição sempre que a prova não permite resolver a dúvida acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da atuação do acusado e constitui um verdadeiro limite normativo ao princípio da livre apreciação da prova, regulando o procedimento do Tribunal quando tenha dúvidas sobre a matéria de facto), princípios que valem também para o tribunal de recurso.
No entanto, nesse poder de fiscalização ou reapreciação o tribunal de recurso está condicionado pela ausência de imediação e de oralidade que acontece na grande maioria dos recursos em que tal questão é suscitada (pelo facto de não haver a produção direta da prova) e se realizam plenamente em 1ª instancia onde o tribunal “viu e ouviu o arguido, as testemunhas e os peritos, apreciou o seu comportamento não verbal, formulou as perguntas que considerou pertinentes da forma que entendeu ser mais conveniente e confrontou essas pessoas com a prova pré-constituída indicada pelos sujeitos processuais, tudo faculdades que o tribunal da Relação, pelo menos quando não é requerida a renovação da prova, não pode não beneficiar. Por isso, e não por força do princípio da livre apreciação da prova, o tribunal da 2ª instância não tem, quanto ao recurso da matéria de facto, os mesmos poderes que tinha a 1ª instância, só podendo alterar o aí decidido se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida – alínea b) do n.º3 do artigo 412.º do C.P.P.” (Acórdão do TRL de 10.10.2007, Proc. nº 8428/2007-3).
Como bem refere o Acórdão do TRL de 02.12.2020, supra referido, cumpre “não olvidar, como é jurisprudência corrente dos nossos Tribunais Superiores, que o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum. Se a decisão sobre a matéria de facto do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção”.
Face ao exposto e tendo presente estes princípios vejamos a impugnação de facto dos recorrentes.
Os recorrentes sustentaram nomeadamente que: a) nos pontos de 18, 19, 30, 39, 41, 43, 45, 47, 49, 51, 52 e 55, o tribunal a quo reporta-se às operações de compra e venda referidas nos pontos 34 e 37 da matéria de facto provada (tituladas pelas faturas de fls. 21 e 52) como tendo sido simuladas pelos arguidos, não correspondendo assim a operações reais, o que constitui matéria conclusiva e de qualificação jurídica (conclusão 16ª).
Para além disso, sustentaram que tais faturas correspondem e efetivas operações reais pois o seu teor, a não devolução das mesmas, o pagamento do respetivo preço e o teor dos pontos 157 e 159 da matéria de facto provada demonstram a perfeição das declarações de compra e venda tituladas por tais faturas e a inexistência de pacto simulatório entre os arguidos (compradores) e a EMP02... ou a EMP03... (vendedores) até porque o tribunal a quo fez constar da motivação da matéria de facto que não existiu conluio entre a testemunha EE e os arguidos (“não se provou que esta testemunha (EE) tivesse atuado de forma conluiada com os arguidos” (conclusões 18ª e 20ª).
Acrescentaram que a testemunha EE, sócio gerente da EMP02... (gravação áudio 00:01:56 a 00:02:15, 00:04:19 a 00:05:32, 00:07:21 a 00:08:56, 00:01:56 a 00:02:15, 00:04:19 a 00:05:32 e 00:07:21 a 00:08:56), assumiu que quis comprar e quis vender os equipamentos em causa perante a possibilidade de a sua empresa prestar serviços na máquina, acrescentando-lhe valor, e assim obter lucro com a respetiva venda. E que a testemunha FF, sócio gerente da EMP03... (gravação áudio 00:03:04 a 00:03:36, 00:05:02 a 00:08:02 e 00:13:45 a 00:14:15) declarou que quis comprar e comprou o equipamento à “EMP04...” e que quis vender e vendeu o equipamento à EMP01..., Lda (conclusões 21ª a 23ª). b) nos pontos 18, 29, 30, 40 e 43, o tribunal a quo concluiu que os valores dos bens referidos nas faturas de fls. 21 e 52 foram “sobrevalorizados”, “sobreorçamentados” ou “sobrefaturados”, o que não se mostra devidamente sustentado por não constar dos factos provados o valor considerado adequado ou real nem constar da fundamentação o raciocínio adotado pelo tribunal para chegar a tal conclusão bem como a quantificação da mesma, o que se mostra relevante nomeadamente para efeitos de determinação da medida da pena (conclusões 26ª a 29ª).
Quanto ao valor da máquina a que se reporta a fatura de fls. 21, a única prova produzida foi o depoimento da testemunha EE (gravação áudio 00:13:44 a 00:15:24) que afirmou que nova valeria entre 300 e 350 mil euros e usada valeria entre 40% e 60% desse valor, sendo que, no caso, a máquina estava em bom estado. E, explicou que depois de comprar a máquina à EMP04..., a EMP02... prestou serviços nessa máquina correspondentes ao valor de 25.000,00 € (cfr. ponto 34 dos Factos provados), do que se conclui que o preço de 150.000,00 € corresponde ao valor real da máquina (conclusões 30ª e 31ª).
Já, quanto à máquina a que se reporta a fatura de fls. 52, não foi feita qualquer prova relativamente ao seu valor nem o tribunal a quo mencionou em que se baseou para tal conclusão (conclusão 32ª).
Consta do ponto 40 que as faturas foram elaboradas pelos arguidos quando as mesmas foram emitidas pela EMP02... e pela EMP03... e não foi produzida qualquer prova nesse sentido (conclusão 34ª). c) nos pontos 29 e 44 consta que as faturas de fls. 21 e 52 respeitam a máquinas usadas e foi aditado no ponto 29 o seguinte segmento “e não a equipamentos novos, como se exigia na candidatura ao processo”, o qual não constava dos factos descritos na acusação, não está devidamente fundamentado nem consta do teor da candidatura nem do contrato celebrado entre a recorrente EMP01... e o IAPMEI qualquer referência ao estado dos bens adquiridos ou a adquirir no âmbito do projeto (conclusões 37ª e 38ª).
Não consta da motivação da matéria de facto a razão pela qual o tribunal a quo se convenceu que as faturas de fls. 21 e 52 respeitam a uma “máquina já em uso” pois tal mostra-se contrariado pelos depoimentos das testemunhas GG (gravação áudio 00:50:27 a 00:52:01, 00:54:05 a 00:54:28 e 00:54:40 a 00:55:54), FF (gravação áudio 00:22:56 a 00:23:01) e EE (gravação áudio 00:04:38, 00:05:36, 00:07:29, 00:09:40, 00:13:02 a 00:13:21, 00:16:09 a 00:17:02, 00:18:38 a 00:20:52 e 00:21:42 a 00:23:40).
Especificaram que, em virtude das alterações descritas por esta última testemunha, resultantes dos serviços e intervenções prestados, a mesma podia ou devia ser considerada como nova para efeitos do projeto contratado com o IAPMEI.
Por outro lado, consta ponto 163 que, em 31.07.2015, o IAPMEI proferiu decisão, em que ficou consignado que, em 25.06.2015, foi feita a verificação física, que incidiu sobre a totalidade do investimento, tendo sido aferida a adequação do projeto e consta do documento de fls. 889 verso que, no dia 25.06.2015, os técnicos do IAPMEI, HH e II, visitaram as instalações da EMP01..., procederam à verificação física de todos os equipamentos, nomeadamente os referidos nas faturas de fls. 21 e 52, e concluíram que os mesmos satisfaziam documental, contabilística e fisicamente todos os requisitos necessários para serem considerados novos e elegíveis para efeitos do projeto (conclusões 39ª a 45ª). d) consta dos pontos 33 e 34 que o equipamento a que se refere a fatura de fls. 21 seria o mesmo equipamento que a EMP01... havia adquirido à “EMP05...” (que foi objeto da fatura de fls.18) e que a fatura de fls. 21 teria sido emitida por EE, em representação da EMP02..., “a pedido dos arguidos”, o que se mostra contrariado pelos depoimentos das testemunhas GG (gravação áudio 00:17:44 a 00:19:21) e EE (gravação áudio 00:18:23 a 00:18:35) e consta do teor do documento denominado “...” que, apesar da correspondência entre o número de série indicado no formulário de visita ao local e o número de série que vem indicado na fatura de fls. 18 do processo, o modelo do equipamento indicado no formulário – “...2 MR” - não corresponde ao modelo adquirido à “EMP05...” e que consta da referida fatura – “...02...” (conclusões 47ª a 50ª).
Acrescentaram que não foi produzida, nem indicada, prova que suporte a afirmação de que os arguidos teriam pedido a EE para emitir uma fatura, quando foi produzida prova direta que contraria esses factos e as regras de experiência comum ditam que é o emissor da fatura que determina o seu conteúdo e não o destinatário da mesma (conclusão 51ª). e) consta do ponto 37 que a fatura de fls. 52 teria sido emitida “a pedido dos arguidos” por FF e que a mesma titulava “uma operação de venda do mesmo equipamento” quando não foi produzida qualquer prova relativamente às circunstâncias da emissão da fatura de fls. 52, a testemunha FF não se pronunciou sobre a sua emissão e as regras de experiência comum ditam que é o emissor da fatura que determina o seu conteúdo, e não o seu destinatário (conclusões 53ª e 54ª).
E, resulta do depoimento da testemunha GG (gravação áudio 00:50:27 a 00:52:01, 00:54:05 a 00:54:28 e 00:54:40 a 00:55:54) que, depois do incêndio ocorrido em 28.10.2014, foi adquirido um equipamento totalmente novo, que foi entregue à EMP03... que, por sua vez, o entregou à arguida EMP01..., em cumprimento do acordo celebrado entre estas, e que já não poderia ser totalmente idêntico ao que havia sido inicialmente adquirido pela EMP04... (conclusões 55ª e 56ª). f) consta dos pontos 19, 40 e 43 que os arguidos teriam elaborado faturas e simulado compras e vendas, por forma o obterem subsídios de valor mais elevado e poderem obter benefícios fiscais.
No entanto, as testemunhas CC (gravação áudio 00:11:56 a 00:16:56) e JJ (gravação áudio 00:08:43 a 00:09:54) confirmaram que as quantias que a arguida EMP01... deduziu a título de IVA são exatamente do mesmo valor que as quantias que pagou a esse título (cfr. pontos 49, 159, 160 da matéria de facto provada) – conclusões 58ª e 59ª. g) consta do ponto 46 que “em razão das falsas informações comunicadas pelos arguidos ao IAPMEI”, esta entidade teria procedido a pagamentos de valores e nas datas especificamente indicadas nesse ponto, que perfariam a quantia global de “1.270.799,56 €” e ficou a constar a referência a “fls. 120 dos autos principais” quando o tribunal a quo não fez consignar as razões pelas quais considerou que a EMP01... teria recebido essas quantias, e que estas teriam sido recebidas “em razão das falsas informações comunicadas pelos arguidos ao IAPMEI” e valorou o depoimento da testemunha DD, prestado na fase de inquérito, fora das condições e em manifesta violação do disposto nos art. 125º e 356º do C.P.Penal (conclusões 61ª a 63ª).
As “falsas informações” reportam-se aos investimentos titulados pelas faturas de fls. 21 e 52, datadas de 28.08.2014 e de 27.08.2014 respetivamente, que, tendo em consideração estas datas, era impossível que as mesmas pudessem justificar entregas de incentivos ocorridas em datas anteriores, nomeadamente as de 66.757,80 € em 31.10.2013 e de 546.471,24 € em 06.05.2014 (cfr. ponto 46 da matéria de facto provada) – conclusão 64ª. h) consta dos pontos47, 169, 170, 171, 172, 173 e 174 que os arguidos teriam logrado obter o pagamento da quantia de 142.600,00 € “a título de IVA” e da quantia 602.000,00 € a título de subsídio, com que teriam aumentado os seus patrimónios, e que essas quantias corresponderiam às “vantagens da atividade criminosa”.
Porém, as testemunhas CC (gravação áudio 00:11:56 a 00:15:56) e JJ (gravação áudio 00:08:43 a 00:09:54) confirmaram que a arguida EMP01... só solicitou a dedução do IVA que pagou e que foi entregue ao Estado ou compensado com outros créditos fiscais das vendedoras EMP02... e EMP03... (conclusões 75ª e 76ª).
Relativamente às quantias a título de subsídio não são explicadas as razões pelas quais se deu como provado que o valor do subsídio recebido pela EMP01..., em virtude dos investimentos a que se referem os Pontos 34 e 37, seria de 602.000,00 € e de que forma é que os arguidos teriam aumentado o seu património nesse montante (conclusão 78ª).
O incentivo recebido pela EMP01... teve por base essas e outras aquisições referidas no ponto 145 da matéria de facto provada, do valor de € 440.322,31 recebido em 25.11.2014. O incentivo era reembolsável e correspondia a 65% do montante das despesas consideradas elegíveis pelo que 65% do valor de € 620.000,00 (€ 150.000,00 + € 470.000,00) corresponde a € 403.000,00 e tendo a EMP01..., em virtude do investimento global de € 849.967,94 recebido o incentivo no valor global de € 440.332,31, o incentivo recebido em virtude dos investimentos a que se referem os pontos 34 e 37 da matéria de facto provada nunca poderia ser superior a € 321.178,38 (conclusões 79ª a 82ª).
Decorre do depoimento da testemunha DD (gravação áudio 01:28:46 a 01:32:42, 01:35:10 a 01:36:35 e 02:10:33 a 02:11:50) e do teor do documento junto como email de 06.02.2024 que o único benefício obtido pela arguida EMP01... apenas poderia corresponder à vantagem patrimonial resultante da carência de juros desde a data da entrega até ao efetivo e integral reembolso (conclusões 84ª a 86ª). i) os pontos 17, 20, 50, 53, 54, 56, 57 e 58 contêm matéria meramente conclusiva, ou respeitante às intenções e motivações pessoais e íntimas dos arguidos, sobre as quais não foi feita prova direta, e que o tribunal a quo considerou provados com base em meras induções e presunções baseadas na restante factualidade dada como provada (nomeadamente nos pontos 18, 19, 29, 30, 33, 34, 37, 39, 40, 41, 43, 44, 45, 46, 47, 49, 51, 52 e 55).
Desta forma, os recorrentes mencionaram provas que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida quanto aos mencionados pontos de facto que consideraram terem sido incorretamente julgados e indicaram os segmentos das gravações áudio e os documentos que suportam o seu entendimento divergente, do que se conclui que cumpriram as exigências legalmente impostas no art. 412º do C.P.Penal para a impugnação ampla da matéria de facto relativa aos mencionados pontos da matéria de facto dada como provada, pelo que se conhecerá da mesma, nos termos infra expostos.
No entanto, “não basta estar demonstrada a possibilidade de existir uma solução em termos de matéria de facto alternativa à fixada pelo tribunal a quo. Na verdade, é raro o julgamento onde não estão em confronto duas, ou mais, versões dos factos (arguido/assistente ou arguido/Ministério Público ou mesmo arguido/arguido), qualquer delas sustentada, em abstracto, em prova produzida, seja com base em declarações dos arguidos, seja com fundamento em prova testemunhal, seja alicerçada em outros elementos probatórios. Por isso, haver prova produzida em sentido contrário, ou diverso, ao acolhido e considerado relevante pelo Tribunal a quo, não só é vulgar, como é insuficiente para, só por si, alterar a decisão em sede de matéria de facto. O que aqui se mostra necessário é que o recorrente demonstre que a prova produzida no julgamento só poderia ter conduzido, em sede de elenco de matéria de facto provada e não provada, à solução por si (recorrente) defendida, e não àquela consignada pelo Tribunal” (Acórdão do TRP de 10.01.204, Proc. nº 16/20.0T9STS.P1).
Nessa medida, no que concerne aos meios de prova testemunhal elencados pelos recorrentes importa, desde logo, sublinhar que os mesmos não podem ser analisados isoladamente, de forma segmentada, mas têm que ser apreciados concatenadamente (como o fez o tribunal recorrido), devendo ser conjugados e estabelecidas correlações internas entre todos os meios de prova produzidos, confrontando-os de forma que, ainda que de sinal contrário, daí resulte uma decisão linear, fazendo-se inferências ou deduções de factos conhecidos, desde que tal se justifique, e tendo sempre presentes as regras da lógica e as máximas da experiência.
A prova é analisada conjuntamente e não basta indicar provas que permitam uma diferente convicção para alterar a decisão do tribunal sobre a matéria de facto, antes exigindo a lei provas que imponham uma convicção diferente.
Na verdade, as razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras não dependem do critério de cada um, mas antes do juízo de valoração livremente realizado por quem compete julgar os factos, de acordo com a imediação (que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova) e tendo por base as regras da experiência comum.
E, a imediação confere ao julgador em 1.ª instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe. É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reações humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de fatores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc.
O exposto não significa “que o tribunal de recurso não possa pôr em causa essa credibilidade através da análise dos depoimentos prestados e com base neles escrutinar a aplicação das máximas da experiência comum que estiveram na base da opção do julgador. Ou seja, o tribunal superior não pode criticar a opção pela valoração da credibilidade de um determinado meio de prova; não pode dizer que rejeita o convencimento do juiz de 1.ª instância porque este optou por um determinado depoimento por ser mais credível. Porém, já tem o dever de analisar o depoimento prestado em si mesmo considerado e concluir se a versão que apresenta é objectivável, ou seja, se qualquer um aceitaria o raciocínio explanado como compatível com o sentido comum. Não se trata de o tribunal superior se convencer do depoimento e da sua certeza mas de o considerar como uma conclusão razoável” (cfr. Acórdão do STJ de 19.12.2007, Proc. nº 07P4203).
O que se pretende num julgamento é conhecer um acontecimento pretérito e por isso, a valoração das provas sobre o mesmo tem de traduzir uma atividade racional, objetivada e motivada, para além de toda a dúvida razoável, consistente na eleição da hipótese mais provável entre as diversas reconstruções possíveis dos factos.
Resulta do exposto que o juiz deve apreciar a prova testemunhal segundo os critérios de valoração racional e lógica, tendo em conta as regras normais de experiência, julgando segundo a sua consciência e convicção.
Portanto, o juiz é livre, no sentido mencionado de formar a sua convicção com base no depoimento de uma testemunha (ainda que familiar do arguido ou do ofendido) em detrimento de testemunhos contrários (v.g. de pessoas sem quaisquer ligações ao arguido ou ao ofendido).
Por conseguinte, de acordo com a jurisprudência, a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso, quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras de experiência comum ou o princípio in dubio pro reo.
O art. 127º do C.P.Penal indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Isto equivale a dizer que, sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador.
A avaliação da prova em primeira instância, feita de forma direta, oral e imediata, obedece a uma forma de procedimento que coloca o juiz do julgamento em melhores condições para a decisão da matéria de facto do que a avaliação feita com base na audição do registo, meramente parcial (porque despido de expressões faciais, comportamentos físicos), de provas de produção pretérita.
Reiteramos que a reapreciação da prova em recurso não pode e não deve, por isso, equivaler a um segundo julgamento.
O duplo grau de jurisdição não assegura a sujeição da acusação a dois julgamentos em tribunais diferentes, mas apenas garante que o interessado pode obter do tribunal superior a fiscalização e controlo de eventuais erros da decisão da matéria de facto, através do reexame parcial da prova.
Regressando ao caso concreto, impõe-se verificar se a formação da convicção do tribunal em relação aos apurados comportamentos dos recorrentes padece de erro sendo certo que os recorrentes incidem maioritariamente a sua argumentação na divergência entre a convicção pessoal dos recorrentes sobre a prova produzida em audiência e aquela que o tribunal recorrido firmou sobre os factos, o que se prende com a apreciação da prova em conexão com o princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do C.P.Penal).
No entanto, o facto de na análise da prova ter o tribunal a quo decidido em desfavor da tese ou versão trazida pelos recorrentes ou de ter recorrido a prova indiciária (por presunções) não representa qualquer violação dos princípios da livre apreciação da prova nem do in dubio pro reo.
O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis.
Num primeiro aspeto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a determinado meio de prova). Num segundo nível, referente à valoração da prova, intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correção do raciocínio que há de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.
Dos ensinamentos da doutrina e da jurisprudência, podemos concluir que a valoração das provas, reportada à credibilidade dos depoimentos que é eminentemente subjetiva, depende, essencial e substancialmente, da imediação, princípio que, pressupondo a oralidade, domina a recolha das provas de índole testemunhal, permite, num quadro de emissão e receção de sinais de comunicação - que não apenas de palavras, mas também de gestos ou outras formas de ação/reação, como o próprio silêncio - potenciar a adequada apreciação dos depoimentos.
Em tal matéria, cabe apenas ao tribunal de recurso verificar, controlar, se o tribunal recorrido, ao formar a sua convicção, fez um bom uso do princípio de livre apreciação da prova, aferindo da legalidade do caminho que prosseguiu para chegar à matéria fáctica dada como provada e não provada, sendo certo que tal apreciação deverá ser feita com base na motivação elaborada pelo tribunal de primeira instância, na fundamentação da sua escolha – ou seja, no cumprimento do disposto no art. 374º, nº 2 do C.P.Penal.
Cumpre referir que, quando o tribunal recorrido forma a sua convicção com provas não proibidas por lei (cfr. art. 125º do C.P.Penal), prevalece a convicção do tribunal sobre aquelas que formule o recorrente.
Tal como decorre do disposto nos arts. 349º e 351º do C.Civil, a presunção é uma “prova” reconhecida pelo ordenamento jurídico, enquanto ilação a tirar de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
No entanto, no âmbito da jurisdição penal “não operam as presunções legais, pelo que falamos, naturalmente, da possibilidade de fazer operar uma presunção natural, de facto, simples, de experiência, hominis ou judicial (praesumptiones facti ou hominis), enquanto definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos no processo penal, em que se parte de um facto conhecido (o facto base, facto indiciante ou, simplesmente, indício) para afirmar um facto desconhecido (o factum probandum ou facto consequência), recorrendo a um juízo de normalidade (de probabilidade) alicerçado em regras da experiência comum que permite chegar, sem necessidade de uma averiguação casuística, a um resultado verdadeiro. Naturalmente, as ditas presunções simples, naturais ou hominis, são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção, que cedem por simples contraprova, ou seja, prova que origine a dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto” (Acórdão do TRL de 10.05.2022, Proc. nº 1918/19.3TVD.L1-5).
A prova direta distingue-se da prova indireta ou indiciária na medida em que aquela refere-se imediatamente ao thema probandum, ou seja, o meio de prova tem em vista, de modo imediato, o facto a provar, enquanto a prova indireta reporta-se a factos diversos do tema da prova, que, com o auxílio das regras da experiência, nos termos do art. 127º do C.P.Penal, permitem uma ilação ou inferência relativamente a este. Por sua vez, o indício revela o facto probando com tanta mais segurança quanto menos consinta a inferência de factos diferentes.
É unanimemente reconhecida a possibilidade de recurso à prova indireta, em sede penal, para basear a convicção do tribunal que pode deduzir racionalmente a verdade dos factos a partir da prova indireta ou indiciária, devidamente valorada.
Já as regras da experiência “são critérios gerais, índices corrigíveis, critérios que definem conexões de relevância, orientam os caminhos da investigação e oferecem probabilidades conclusivas, que servem para produzir prova de primeira aparência, baseadas na experiência de vida, argumentos que ajudam a explicar o caso particular como instância daquilo que é normal acontecer, já se sabendo, porém, que o caso particular pode ficar fora do caso típico” (cfr. Paulo de Sousa Mendes, A prova penal e as Regras da experiência, Estudos em Homenagem ao Prof. Figueiredo Dias, III, p.1002 e, particularmente, 1011, mencionado no Acórdão do TRL de 10.05.2022, supra referido).
As presunções devem ser “graves, precisas e concordantes”. “São graves, quando as relações do facto desconhecido com o facto conhecido são tais, que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro. São precisas, quando as induções, resultando do facto conhecido, tendem a estabelecer, directa e particularmente, o facto desconhecido e contestado. São concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem, pelo conjunto e harmonia, a firmar o facto que se quer provar” (cfr. Carlos Maluf, "As Presunções na Teoria da Prova", in "Revista da Faculdade de Direito", Universidade de São Paulo, volume LXXIX, pág. 207). A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção” (cfr. Acórdão do TRL de 10.05.2022, supra referido).
No que respeita à prova indiciária, “em primeiro lugar, há que ter, um indício, plenamente demonstrado, se possível por prova direta, que corresponde à premissa menor do silogismo; em segundo lugar, tem de haver o despoletar de uma máxima de experiência ou regra de ciência que permita passar de um estado de ignorância para o esclarecimento; e, por último, em face do indício, infere-se o facto sob julgamento. Residindo a essência da prova indiciária na conexão entre o facto-base e o facto-consequência, fundamentada no princípio da normalidade conectado a uma máxima da experiência, a força probatória de um indício será tanto maior ou menor consoante seja mais ou menos estreito o nexo lógico e prático entre ele (facto indiciante) e o facto probandum. Na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido. A prova indiciária deverá obedecer, em princípio, aos seguintes requisitos: a)-Existência de uma pluralidade de dados indiciários plenamente provados ou absolutamente credíveis (embora excepcionalmente possa admitir-se um só se o seu significado for determinante); b)-Racionalidade da inferência obtida, de maneira que o facto “consequência” resulte de forma natural e lógica dos factos-base, segundo um processo dedutivo inteiramente razoável face a critérios de discernimento humano baseados na lógica e nas regras da experiência”.
Quando o valor da credibilidade do id quod e a consistência da conexão causal entre o que se conhece e o que não se apurou de uma forma direta atinge um determinado grau que permite ao julgador inferir este último elemento, com o grau de probabilidade exigível em processo penal, a presunção de inocência resulta ilidida por uma presunção de significado contrário, pelo que não é possível dizer que a utilização deste meio de prova atenta contra a presunção de inocência ou contra o princípio in dubio pro reo. O que sucede é que a presunção de inocência é superada por uma presunção de sinal oposto prevalecente, não havendo lugar a uma situação de dúvida que deva ser resolvida a favor do arguido.
A solidez do raciocínio probatório não é uma função da tipologia da prova, senão da verosimilhança dos factos e da validade das inferências deles extraídas. Nesta medida, só perante os contornos do caso concreto e os elementos probatórios disponíveis no processo se poderá aferir da maior ou menor força dos meios de prova diretos e indiretos que se tenham produzido, nada obstando à prevalência de uns sobre os outros e mesmo à possibilidade de uma prova indireta constituir fundamento suficiente para a demonstração judicial da verdade. Indispensável é que a prova indireta atinja o limiar de certeza exigível para uma condenação em processo penal.
Transpondo as considerações expostas, no que respeita ao alegado pelos recorrentes e sintetizado na al. a) supra referida (por referência aos pontos de 18, 19, 30, 39, 41, 43, 45, 47, 49, 51, 52 e 55), pode ler-se na motivação da factualidade impugnada (respeitante à alusão a operações simuladas pelos arguidos, não correspondentes a transações reais) que: ”… não se provou que esta testemunha (EE) tivesse atuado de forma conluiada com os arguidos … Apesar de a testemunha ter justificado a sua intervenção na operação com a circunstância de ter fornecido assistência técnica, admitiu que comprou e vendeu a máquina no contexto das relações negociais que mantinha e mantém com a EMP01... L.da, resultando, assim, evidente do seu depoimento, que nunca quis comprar a máquina em causa, e que o negócio estabelecido aconteceu apenas porque aceitou a proposta como condição para prestar o serviço de montagem e dotação técnica da máquina ... A testemunha EE sublinhou, ainda, que o dinheiro circulou, que foram elaboradas as faturas correspondentes e pagos os impostos devidos, mas é inequívoco, do seu depoimento, que tais faturas documentam operações económicas que não são verdadeiras, porque não existem, ou, pelo menos, não existem nos exatos termos que aparentam e daí que as faturas possam ser consideradas falsas … o que relevou para a sedimentação da convicção positiva do Tribunal foi a conjugação dos elementos bancários (que titulam operações financeiras reais) com as faturas acabadas de referir (que titulam compras e vendas simuladas), com o depoimento prestado por EE (que confirmou que foram os arguidos que propuseram a compra à EMP04... e subsequente venda à EMP01... como condição para que prestasse a assistência técnica, pela qual cobrou € 25.000,00, o que aceitou) … Ponderando todos estes elementos, o Tribunal convenceu-se de que os arguidos combinaram entre si este circuito de venda da mesma máquina (EMP05... EMP04... EMP02... EMP01...), tendo em vista obter reembolso de IVA indevido, mas também para empolar os custos do reembolso do subsídio a que se candidataram, ficcionando um valor muito acima do valor real por que tinham comprado o equipamento. Recorrendo às regras da experiência comum, afigura-se que quiseram, ao criar este giro comercial, lançar uma cortina de fumo tendente a justificar uma aquisição aparentemente “ex novo” de um equipamento que tinha sido adquirido, em segunda mão, por uma empresa (EMP04...) que tinha exatamente os mesmos sócios da EMP01...”.
Mais se pode ler que o tribunal recorrido concluiu que a venda do equipamento designado “secado de banda a baja temperatura” pela EMP04... à EMP03... é uma “venda simulada” porque além da mesma “estar indiciada pela análise conjugada dos documentos de fls. 51 e ss. (fatura n.º ... e fatura ...5) resulta provada, sem margem para dúvidas, do eloquente depoimento prestado por FF, que confirmou a emissão da fatura n.º ...5. Tendo ainda acrescentado, sem hesitações e de forma perentória, que foi abordado pelos arguidos, no sentido de aceitar comprar a máquina à EMP04... (de que eram sócios) e depois vendê-la à EMP01... L.da (também gerida pelos mesmos arguidos), sendo que, foram os arguidos que lhe transferiram previamente as quantias monetárias para assegurar a operação económica realizada. É de realçar que a testemunha enfatizou não ter dúvidas de que o negócio incidiu sobre a mesma máquina e que esta não chegou, sequer, a ser transportada para a sua empresa”.
Relativamente às operações realizadas, conjugando a prova documental e testemunhal entre si e com as regras da experiência e a normalidade do acontecer, o tribunal a quo afirmou que: “as duas testemunhasinquiridas relativamente aos negócios de aquis, ainda que de forma mais expressiva a testemunha FF, foram perentórias na afirmação de que o negócio foi propostos pelos arguidos, em representação da sociedade arguida, sendo que nem a EMP03..., nem a EMP02... venderam, de forma real, os equipamentos em causa à sociedade EMP01..., Lda ou aos seus representantes, pois que tais bens já anteriormente pertenciam a esta sociedade (ou à EMP04..., que tem os mesmos sócio-gerentes). Sendo assim, recorrendo às regras da experiência comum, mesmo perante o silêncio dos arguidos, é inequívoco que as referidas faturas foram criadas, no interesse de todos, inclusivamente da sociedade arguida, em conformidade com um plano de que todos tinham conhecimento (a isso aludem expressamente, quer a testemunha EE, quer a testemunha FF) que visou criar um estratagema para sobrevalorizar os equipamentos, criando a aparência de que eram novos (como era exigência do IAPMEI), assim obtendo subsídios e benefícios fiscais ilegítimos. Esta inferência é a única explicação plausível para o comportamento dos arguidos BB, AA e CC, em representação da EMP01..., Lda, que apesar de cientes da forma insidiosa como fizeram constar as aquisições das suas máquinas, decidiram integrar na declaração periódica de IVA, com pedido de reembolso do IVA do período de agosto de 2014, no qual incluíram as faturas, cujo respetivo IVA ascendia ao valor de €142.600,00, apesar destas não corresponderem a transações reais. Por outro lado, também não é possível outra explicação à luz das regras de normalidade da vida e das máximas da experiência, que não seja a de que o objetivo subjacente à decisão dos arguidos de simularam as compras e vendas dos equipamentos foi obter documentação que comprovasse uma sobrevalorização, assim obtendo um subsídio mais elevado, bem como o respetivo benefício fiscal… As próprias testemunhas inquiridas – quer o EE, quer o FF – estranharam a proposta de negócio que lhes foi feita, sendo que resultou evidenciado que não só não pretendiam adquirir os equipamentos, como, pelo menos no caso do representante legal da EMP03... nem sequer tinha meios para o concretizar, o que terá sido de imediato desbloqueado pelos arguidos”.
Ouvidos, na íntegra, os depoimentos das testemunhas EE e FF e analisados os documentos mencionados pelos recorrentes, desde já se adianta que as provas indicadas não impõem diferente decisão.
Cumpre, desde já, referir, que se depreende da motivação da matéria de facto que a referência efetuada pelo tribunal a quo às operações referidas nos pontos 34 e 37 da matéria de facto provada como tendo sido simuladas e não corresponderem a operações reais decorre de se ter convencido de que, sendo os arguidos sócios comuns à EMP04... e à EMP01... e pretendendo estes, no interesse da EMP01..., a obtenção de subsídio relativo a equipamentos não elegíveis e de valor superior ao que seria devido, combinaram entre si um circuito de venda dos equipamentos que se inicia na EMP04... e termina na EMP01... (EMP05... – EMP04... – EMP02... – EMP01... e EMP06... – EMP04... – EMP03... – EMP01...), tendo em vista a apresentação ao IAPMEI das faturas a que se reportam os pontos 34 e 37 da matéria de facto provada, com o objetivo de tornarem aparentemente legítimas as aquisições de tais equipamentos pela EMP01....
Efetivamente, o exposto mostra-se corroborado pela sequência documental (veja-se que consta de fls. 18 a referência ao facto de se tratar de uma máquina em segunda mão – “...” – o que não consta das faturas subsequentes de fls. 19, 20 e 21) e pelos depoimentos das testemunhas EE (sócio-gerente da EMP02...) e FF (gerente da EMP03...) que tiveram intervenção direta nos negócios e que afirmaram terem sido abordados pelos arguidos que lhes propuseram as respetivas “aquisições” dos equipamentos com o objetivo de serem vendidos à EMP01... (também gerida pelos arguidos), o que foi por eles aceite, apesar de não terem qualquer interesse nas respetivas aquisições e, como tal, não os pretenderem adquirir.
Concretizando.
A testemunha EE confirmou que o negócio celebrado respeitou a uma máquina em segunda mão que não tinha manual de instruções nem chapa de características (gravação áudio 4:50 e 7:00) e que tinha “de ser posta a funcionar na firma EMP01...” (gravação áudio 5:00). Explicou que os arguidos (gravação áudio 6:10) propuseram-lhe, ab initio (gravação áudio 9:10), comprar a máquina à EMP04... (por € 125.000,00) e vendê-la à EMP01... (por € 150.000,00) como condição de a EMP02... prestar assistência técnica (para que o equipamento correspondesse aos requisitos para ser posto a trabalhar), pela qual cobrou € 25.000,00, o que aceitou (gravação áudio 25:30).
Depreende-se do depoimento da testemunha o seu desconhecimento face às razões subjacentes ao negócio que lhe foi proposto pelos arguidos (sendo certo que, caso só tivesse prestado os serviços, cobraria € 25.000,00 – gravação áudio 24:50), nomeadamente a candidatura da EMP01... a incentivos comunitários (gravação áudio 11:48).
Resulta de tal depoimento que a testemunha, em representação da “EMP02...”, pretendeu apenas prestar os serviços solicitados e receber a remuneração correspondente (à pergunta: “nunca quis comprar a máquina?”, respondeu negativamente – gravação áudio 25:25) e, por tal motivo, aceitou a condição imposta pelos arguidos porque “quando as pessoas têm um relacionamento comercial muitas das vezes têm de fazer as coisas de acordo com o que o cliente quer“ (gravação áudio 26:53).
Por outro lado, a testemunha FF afirmou que, durante o período em que a EMP03... estava a proceder à instalação e montagem da máquina (gravação áudio 18:25), foi abordado pelos arguidos que lhe propuseram a compra da mesma e componentes, pelo valor de € 445.000,00, para vender à EMP01..., pelo valor de € 470.000,00 (gravação áudio 6:26), o que sucedeu antes da ocorrência do incêndio. Pagou com o dinheiro arranjado por eles, como adiantamento (gravação áudio 20:53), e os serviços prestados foram faturados fora do negócio (gravação áudio 16:56), encontrando-se por liquidar o valor de € 25.000,00.
Assim sendo, no contexto exposto, o facto de dinheiro ter circulado (a EMP03... inclusive pagou aos arguidos com dinheiro dos próprios enquanto gerentes de ambas as empresas), os impostos terem sido pagos (testemunha EE - gravação áudio 11:15) e a circunstância de, como refere o tribunal a quo na fundamentação, não se ter provado “que esta testemunha (EE) tivesse atuado de forma conluiada com os arguidos”, não abalam a conclusão do tribunal a quo de que tais operações não corresponderam a transações reais no sentido em que se traduzem em meros expedientes para criar a aparência da existência de transações comerciais com vista a ocultar a verdadeira origem das máquinas e de, com base nessa aparência, produzir documentação contabilística e fiscal capaz de sustentar o pedido de subsidiação.
Em suma, no caso em apreço, na conjugação da prova documental e testemunhal, aquela examinada e esta produzida em audiência de julgamento, com as regras da experiência e normalidade do acontecer, nos termos supra expostos, é de formar um juízo positivo quanto à factualidade assente que consta dos referidos factos provados, tendo resultado demonstrado que as operações a que respeitam as faturas de fls. 21 e 52 não correspondem a transações reais por documentarem aquisições fictícias.
Relativamente ao alegado pelos recorrentes e sintetizado na al. b) supra referida (por referência aos pontos de 18, 29, 30, 40 e 43) consta da motivação da factualidade impugnada (respeitante à sobrevalorização dos bens referidos nas faturas de fls. 21 e 52) que a testemunha JJ “reconheceu que não tentou apurar o valor real das máquinas no mercado, mas fundamentou as suas conclusões nas regras da experiência comum e, ainda, na circunstância de a contabilidade também espelhar que essas máquinas foram alvo de depreciações. Independentemente de ser um equipamento ou outro, ninguém iria comprar por 124.000, tratando-se de um valor muito exponenciado face ao valor de aquisição... A testemunha sublinhou que é manifestamente impossível esta valorização, quer ponderando o valor inicial de € 18.000,00, quer ponderando o valor de € 21.000,00 (que é o que a contabilidade reflete) … A este propósito, afirmou que a situação abusiva pode ter configurado duas modalidades: - não chegou a haver transmissão; - houve transmissão, mas o valor não está correto; Em qualquer dos casos é possível retirar a ilação de que o negócio foi empolado para obter o subsídio e vantagens fiscais, pelo que o circuito documental não tem sustento real…
A ser assim, pode não parecer tão impressionante a valorização de uma máquina comprada em maio por € 18.000,00 e vendida em agosto por 124.000,00. Sempre se dirá, porém, que relativamente à outra, o nível de depreciação documentado nos elementos probatórios identificados com o n.º 15, 16, e 17 também não deixaria de suscitar bastante estranheza a sua venda por 124.000,00”.
Também consta que: ” Ponderando todos estes elementos, o Tribunal convenceu-se de que os arguidos combinaram entre si este circuito de venda da mesma máquina (EMP05... EMP04... EMP02... EMP01...), tendo em vista obter reembolso de IVA indevido, mas também para empolar os custos do reembolso do subsídio a que se candidataram, ficcionando um valor muito acima do valor real por que tinham comprado o equipamento … em segunda mão, propositadamente inflacionado para justificar a atribuição do subsídio”.
Por referência a ambos os equipamento, pode ler-se na motivação que: “recorrendo às regras da experiência comum, mesmo perante o silêncio dos arguidos, é inequívoco que as referidas faturas foram criadas, no interesse de todos, inclusivamente da sociedade arguida, em conformidade com um plano de que todos tinham conhecimento (a isso aludem expressamente, quer a testemunha EE, quer a testemunha FF) que visou criar um estratagema para sobrevalorizar os equipamentos, criando a aparência de que eram novos (como era exigência do IAPMEI), assim obtendo subsídios e benefícios fiscais ilegítimos. Esta inferência é a única explicação plausível para o comportamento dos arguidos BB, AA e CC, em representação da EMP01..., Lda, que apesar de cientes da forma insidiosa como fizeram constar as aquisições das suas máquinas, decidiram integrar na declaração periódica de IVA, com pedido de reembolso do IVA do período de agosto de 2014, no qual incluíram as faturas, cujo respetivo IVA ascendia ao valor de €142.600,00, apesar destas não corresponderem a transações reais. Por outro lado, também não é possível outra explicação à luz das regras de normalidade da vida e das máximas da experiência, que não seja a de que o objetivo subjacente à decisão dos arguidos de simularam as compras e vendas dos equipamentos foi obter documentação que comprovasse uma sobrevalorização, assim obtendo um subsídio mais elevado, bem como o respetivo benefício fiscal”.
Da audição, na íntegra, do depoimento da testemunha EE resulta que, apesar de ter afirmado que a máquina nova valia entre € 300.000,00 e € 350.000,00 (gravação áudio 14:40), teceu considerações genéricas sobre o valor da máquina em estado de uso e acabou por concluir que “a máquina estava em bom estado” (gravação áudio 15:23) sem que se tenha pronunciado sobre o valor da mesma.
Ora, tal como resulta da motivação da matéria de facto, a sobrevalorização do equipamento descrito na fatura de fls. 21 decorreu da circunstância objetiva de ter sido adquirido pela EMP01... à EMP05..., pelo valor de € 18.000,00, tendo a EMP01... o adquirido novamente, apenas três meses depois, por € 150.000,00 (o que consubstancia um acréscimo de € 132.000,00), quando resultou da prova produzida (cfr. depoimento da testemunha EMP13...) que apenas foram prestados serviços de assistência pela EMP02... que ascenderam a € 25.000,00, sendo significativo também que a máquina foi ficticiamente “adquirida” pela EMP04... à EMP01... no mesmo dia em que aquela ficticiamente a “vendeu” à EMP02..., a qual, por sua vez, apenas em dois dias, a voltou a “vender” ficticiamente à EMP01... (do que se conclui que, apesar de todo este circuito, nunca deixou de pertencer verdadeiramente à EMP01... evidenciando-se que os pagamentos efetivamente realizados mais não foram do que uma forma de financiar a circulação formal e contabilística das máquinas e criar uma aparência de realidade).
A conjugação desses factos, nomeadamente a discrepância de uma improvável e inverosímil valorização com a desvalorização inerente ao decurso de um período temporal de apenas três meses entre ambos os negócios e com a circunstância de tal equipamento, no estado de usado, ter sido utilizado na obtenção de um incentivo comunitário (para o qual era exigível um equipamento novo) permite concluir, sem qualquer dúvida, em conformidade com o assumido tribunal recorrido, que se trata de equipamento sobrevalorizado, posto que indemonstrada qualquer circunstância excecional que justificasse essa valorização exponencial.
No que respeita ao equipamento descrito na fatura de fls. 52 mostra-se documentalmente demonstrado que foi adquirido pela EMP04..., em 2013, por € 445.000,00, foi objeto de uma operação financeira, em agosto de 2014, com a EMP03..., pelo mesmo valor, que, por sua vez, foi objeto de nova operação financeira, no mesmo mês, com a EMP01... pelo valor de € 470.000,00.
Resulta do depoimento da testemunha FF (gravação áudio 18:25), que, aquando da celebração do negócio com a EMP03..., esta já andava a prestar serviços de instalação e montagem da máquina, do que se conclui, em conjugação com o exposto e com as regras da experiência e normalidade do acontecer e ainda com a circunstância de tal equipamento, no estado de usado (quando era exigível um equipamento novo para a candidatura), ter sido utilizado na obtenção de um incentivo comunitário (sendo o modus operandi comum a ambos os negócios), que o acréscimo de € 25.000,00 corresponde a uma sobrevalorização, tal como considerou o tribunal recorrido.
Em suma, na conjugação da prova documental e testemunhal, aquela examinada e esta produzida em audiência de julgamento, com as regras da experiência e normalidade do acontecer, nos termos supra expostos, é de formar um juízo positivo quanto à factualidade assente que consta dos referidos factos provados, tendo resultado demonstrado que as operações financeiras a que respeitam as faturas de fls. 21 e 52 reportam-se a bens sobrevalorizados.
Todavia, na sequência da emissão das faturas pela EMP02... e pela EMP03... respetivamente, e da prova produzida impõe-se alterar o ponto 40 da matéria de facto provada que passará a ter a seguinte redação: “40. As referidas faturas foram elaboradas no interesse de todos, inclusivamente desta sociedade, em conformidade com o referido plano entre todos desenhado, para sobrevalorização dos bens por aquela obtidos e obtenção de subsídios e benefícios fiscais ilegítimos”.
Consigna-se que a alteração obedece ao disposto no art. 358º, nº 2 do C.P.Penal, na medida em que resulta do que foi alegado pelos recorrentes, e é de todo irrelevante para a decisão da causa (sem implicações ao nível da qualificação jurídica).
Os recorrentes alegaram, em conformidade com o sintetizado na al. c) supra referida, que foi aditado no ponto 29 da matéria de facto provada a expressão “e não a equipamentos novos, como se exigia na candidatura ao processo”, o que contraria a prova existente, pois não consta dos documentos qualquer referência ao estado dos bens adquiridos ou a adquirir no âmbito do projeto.
Mostra-se documentado nos autos que, na sequência do Aviso para Apresentação de Candidaturas n.º 02/SI/2012 (cfr. fls. 146 segts do Apenso C), a EMP01... apresentou candidatura, através de requerimento subscrito pelo arguido BB, enquanto seu sócio-gerente (Aviso ...12 de fls. 13 segts do Apenso B), no qual consta, no ponto 3. relativo às “Condições Específicas de Elegibilidade do Promotor do Projecto”, a seleção da resposta afirmativa no item “Tomei conhecimento das condições específicas de elegibilidade do promotor e do projecto de acordo como Regulamento do Sistema de Incentivos à Inovação”.
Este regulamento foi criado ao abrigo do Enquadramento Nacional dos Sistemas de Incentivos, aprovado pelo DL nº 287/2007, de 17 de agosto (alterado e republicado pelo DL nº 65/2009, de 20 de março) que, concretizando a estratégia definida, veio criar o Enquadramento Nacional de Sistemas de Incentivos ao Investimento nas Empresas, o qual vincula não só o QREN e os seus programas operacionais, mas também a política nacional neste domínio, independentemente das suas fontes de financiamento.
E, consta do art. 14º, nº 1, g) do DL nº 287/2007, de 17 de agosto que não são elegíveis despesas com aquisição de bens em estado de uso.
Resulta do exposto que bem andou o tribunal a quo quando considerou como provado que a candidatura exigia equipamentos novos.
Mais alegaram os recorrentes (por referência ao ponto 44) que a circunstância de as máquinas a que se referem as faturas de fls. 21 e 52 serem máquinas já em uso mostra-se contrariada pelos depoimentos das testemunhas GG, FF e EE pois a máquina que a EMP02... vendeu à EMP01..., em virtude das alterações descritas pela testemunha EE, não era a mesma que a EMP02... havia comprado à EMP04... e o equipamento entregue à EMP03..., na sequência da sua substituição após o incêndio, era totalmente novo, tendo sido este que foi entregue à EMP01....
Como vimos, resulta da motivação da matéria de facto (sustentada nomeadamente nos depoimentos das testemunhas FF e EE) que não foi entregue qualquer equipamento à EMP03... nem à EMP02... pois nenhuma delas os quis verdadeiramente comprar (a testemunha NN afirmou não ter quaisquer dúvidas de que o negócio incidiu sobre a mesma máquina que não chegou sequer a ser transportada para a sua empresa – gravação áudio 8:06 – e a testemunha EE afirmou que a máquina nunca chegou a ir para as suas instalações – gravação áudio 6:39).
No que respeita ao depoimento da testemunha GG, o tribunal a quo, baseando-se em opção assente na imediação e na oralidade, considerou que ”evidenciou algum calculismo, tendo o mesmo procurado responder exclusivamente o necessário e escudando-se na circunstância de não conhecer a parte negocial que envolveu a EMP01..., Ld.ª” e classificou-o de “contido”, tendo avançado a explicação provável de existir da sua parte “algum comprometimento com a posição dos arguidos, atentas as funções que exerceu e ainda exerce na EMP04...”.
Assim sendo, a circunstância de a máquina a que se reporta a fatura de fls. 21 ter sido adquirida em maio de 2014 já no estado de usada e a natureza da intervenção realizada pela testemunha EE na mesma (fornecer manual de instruções, fazer a assistência – gravação áudio 5:15), conjugadas com as regras da experiência e a normalidade do acontecer, conduzem à conclusão de que os serviços e intervenções prestados não são obviamente idóneos a transformá-la num bem em estado de novo, seja para que efeito for e ainda menos para o efeito da candidatura da EMP01... ao financiamento. Quando muito, será um equipamento recondicionado, adaptado, modernizado mas nunca um equipamento novo.
Por fim, relativamente à máquina a que se reporta a fatura de fls. 52 (cujas operações tituladas pelas faturas de fls. 51 e 52 ocorreram finais de agosto de 2014, tendo o incêndio ocorrido em 28.10.2014, isto é, dois meses depois - cfr. 916), o tribunal a quo afirmou assertivamente que o que é relevante é que “toda a negociação e preparação da candidatura assentou no pressuposto de que seria esta a máquina a integrar o projeto, sendo irrelevante que a mesma tenha sido pelo menos parcialmente substituída por força do incêndio acontecido em outubro 2014”.
Não obsta ao exposto o teor do documento de fls. 989 verso, do qual consta que: “em 25.06.2015, na presença dos técnicos do IAPMEI (HH e II) e o responsável da Empresa Sr. BB foi efetuada visita à empresa … Verificou-se a adequação da implementação do projeto, face à verificação documental e contabilística, e a coerência entre a faturação dos bens afetos ao projeto com a sua existência física, e que os mesmos foram adquiridos em estado de novo e que se encontram em pleno funcionamento…”.
Com efeito, dele resulta que os técnicos do IAPMEI concluíram que os bens afetos ao projeto eram adequados à sua implementação e que chegaram a tal conclusão apenas com base na verificação documental, contabilística e na observação da existência física dos bens, o que, como vimos, consubstancia a “encenação” criada pelos arguidos, sustentada em negócios formalmente válidos, para que tais técnicos concluíssem, através da análise dos documentos e da observação das máquinas em funcionamento, que se tratavam de equipamentos novos, adquiridos pela EMP01..., através de transações reais, quando tal não correspondia à verdade nem era possível constatar de forma direta e imediata.
Conforme se mostra supra explicitado, na conjugação da prova documental e testemunhal, aquela examinada e esta produzida em audiência de julgamento, com as regras da experiência e normalidade do acontecer, nos termos supra expostos, é de formar um juízo positivo quanto à factualidade assente que consta dos referidos factos provados, tendo resultado demonstrado que as faturas de fls. 21 e 52 respeitam a máquinas usadas.
Os recorrentes sustentaram, em conformidade com o sintetizado na al. d) supra referida (por referência aos pontos 33 e 34), que, tal como resulta do depoimento da testemunha GG, o equipamento a que se refere a fatura de fls. 21 não era o mesmo que foi adquirido pela EMP01... à EMP05... e que não foi produzida prova de que tal fatura foi emitida por EE, em representação da EMP02..., “a pedido dos arguidos”.
Como se mostra supra referido, o tribunal a quo considerou que esta testemunha ”evidenciou algum calculismo, tendo o mesmo procurado responder exclusivamente o necessário e escudando-se na circunstância de não conhecer a parte negocial que envolveu a EMP01..., Ld.ª” e classificou-o de “contido”.
No entanto, conforme consta da motivação da matéria de facto, a testemunha limitou-se a suscitar dúvidas a tal respeito pois, na sequência do confronto com a fatura de fls. 21, foi ”questionado se podia ser o mesmo equipamento que a EMP04... vendeu à EMP02... argumentou que, em princípio, não, mas reconheceu que as descrições em si são muito próximas. No entanto, ressalvou que não teve conhecimento deste negócio” e, ouvida a gravação, na íntegra, constatamos que a testemunha reconheceu que “pela descrição é difícil tirar conclusões, as descrições em si são próximas” (gravação áudio 22:15).
A motivação da matéria de facto também menciona que a testemunha JJ ”sublinhou que foi feito o pagamento contabilisticamente, ou seja, o negócio foi titulado por faturas e isso integrou a contabilidade de ambas as empresas, mas argumentou que tais faturas são falsas. A fatura inicial da aquisição de máquina reporta-se a uma compra de uma empresa sueca pelo valor de € 18.000,00, sendo a máquina vendida, em agosto, à EMP04... por € 124.00, sendo que se certificaram que era a mesma, porque foi feito o abate na contabilidade … esta testemunha defendeu, em audiência, que a fatura inicial se reporta a uma compra de uma máquina a uma empresa sueca pelo valor de € 18.000,00, sendo esta máquina vendida à EMP04... por € 124.00. Sustentou que se certificaram que era a mesma máquina porque foi feito o abate na contabilidade”.
Menciona ainda: ”acresce que a prova de que a máquina em causa é a mesma que a EMP04... adquiriu à EMP05... está evidenciada no documento ... junto no decurso da audiência, concretamente a fls. 990, onde consta um Formulário de Visita ao Local, elaborado em 25.06.2015, e onde expressamente se refere quanto à rubrica 1 (Linha de serração – equipamento de corte de madeira que o mesmo foi adquirido em 28.08.2014, no estado de novo (?) à EMP02... – Unipessoal L.da, sendo certo que a testemunha EE foi claro, no seu depoimento, ao referir que o equipamento foi adquirido em segunda mão a uma sua representada. Mas, se tal não bastasse, no campo reservado às Observações, consta expressamente que se trata de um Equipamento da marca ..., modelo ...2 MR, com o número de série /...25 e ano de fabrico de 2014, que é precisamente o mesmo número de série expressamente indicado na fatura da EMP05... a fls. 18. Ponderando todos estes elementos, o Tribunal convenceu-se de que os arguidos combinaram entre si este circuito de venda da mesma máquina (EMP05... EMP04... EMP02... EMP01...), tendo em vista obter reembolso de IVA indevido, mas também para empolar os custos do reembolso do subsídio a que se candidataram, ficcionando um valor muito acima do valor real por que tinham comprado o equipamento. Recorrendo às regras da experiência comum, afigura-se que quiseram, ao criar este giro comercial, lançar uma cortina de fumo tendente a justificar uma aquisição aparentemente “ex novo” de um equipamento que tinha sido adquirido, em segunda mão, por uma empresa (EMP04...) que tinha exatamente os mesmos sócios da EMP01...”.
Neste contexto, tendo resultado do depoimento da testemunha EE que os negócios incidiram sobre a mesma máquina e atenta a conjugação de factos objetivos concordantes, a apontada desconformidade entre o código do modelo (o qual não é exclusivo de cada bem) não assume a relevância pretendida pelos recorrentes na medida em que o que é efetivamente importante é o número de série por ser este que identifica o bem (consiste num identificador exclusivo de um determinado bem), o qual é coincidente.
Quanto ao demais alegado cumpre referir que, tendo resultado demonstrado que o negócio celebrado com a testemunha EE, em representação da EMP02..., foi proposto pelos arguidos que fixaram os seus termos (desconhecendo a testemunha as razões subjacentes ao negócio), a emissão da fatura é a consequência lógica da “encenação” criada pelos arguidos, os quais, para darem veracidade formal ao negócio e sustentarem o pedido de financiamento junto do IAPMEI, necessitavam da intervenção de um terceiro (por forma a obstar à celebração de um negócio entre duas empresas com sócios comuns) e de um documento justificativo que o legitimasse, em termos formais.
Assim sendo, tal raciocínio só pode conduzir à conclusão a que chegou o tribunal a quo de que a fatura foi emitida a pedido dos arguidos, sustentando-a nos seguintes termos: ”não é possível outra explicação à luz das regras de normalidade da vida e das máximas da experiência, que não seja a de que o objetivo subjacente à decisão dos arguidos de simularam as compras e vendas dos equipamentos foi obter documentação que comprovasse uma sobrevalorização, assim obtendo um subsídio mais elevado, bem como o respetivo benefício fiscal”.
Contudo, conjugando a qualidade de sócio-gerente da testemunha EE com a sua afirmação de que “eu não faço faturas … lá no escritório” (gravação áudio 18:33), impõe-se alterar o ponto 34 da matéria de facto provada que passará a ter a seguinte redação: “34. Por sua vez, a pedido dos arguidos BB, AA e CC, EE, em representação da EMP02..., Unipessoal, Lda, solicitou ao escritório da sua empresa a emissão, com data de 28.08.2014, da fatura n.º ...40, que titula uma operação de venda do mesmo equipamento de novo à EMP01..., Lda., pelo valor de 150.000,00 €, acrescido de IVA no valor de 34.500,00 €, tendo a diferença correspondido ao valor da assistência técnica e colocação de manuais que prestou concretamente para essa máquina.- fls. 21”.
Consigna-se que a alteração obedece ao disposto no art. 358º, nº 2 do C.P.Penal, na medida em que resulta do que foi alegado pelos recorrentes, e é de todo irrelevante para a decisão da causa (sem implicações ao nível da qualificação jurídica).
Em suma, na conjugação da prova documental e testemunhal, aquela examinada e esta produzida em audiência de julgamento, com as regras da experiência e normalidade do acontecer, nos termos supra expostos, é de formar um juízo positivo quanto à factualidade assente que consta dos referidos factos provados, tendo resultado demonstrado que o equipamento a que se refere a fatura de fls. 21 é o mesmo equipamento a que se refere a fatura de fls. 18, tendo aquela fatura sido emitida a pedido dos arguidos.
Os recorrentes alegaram, em conformidade com sintetizado na al. e) supra referida (por referência ao ponto 37), que não foi produzida qualquer prova quanto às circunstâncias da emissão da fatura de fls. 52 e que resulta do depoimento da testemunha MM que, na sequência do incêndio, o equipamento que dela consta não poderia tratar-se de equipamento totalmente idêntico ao que havia sido inicialmente adquirido pela EMP04....
Como já supra referido, o tribunal a quo considerou que esta testemunha ”evidenciou algum calculismo, tendo o mesmo procurado responder exclusivamente o necessário e escudando-se na circunstância de não conhecer a parte negocial que envolveu a EMP01..., Ld.ª” e classificou-o de “contido”.
Ainda assim, a testemunha admitiu que “pode haver componentes em comum” (gravação áudio 55:35).
Nessa medida, o tribunal a quo fez constar da motivação da matéria de facto que: ”a venda simulada desta máquina à empresa EMP03..., além de estar indiciada pela análise conjugada dos documentos de fls. 51 e ss. (fatura n.º ... e fatura ...5) resulta provada, sem margem para dúvidas, do eloquente depoimento prestado por FF, que confirmou a emissão da fatura n.º ...5. Tendo ainda acrescentado, sem hesitações e de forma perentória, que foi abordado pelos arguidos, no sentido de aceitar comprar a máquina à EMP04... (de que eram sócios) e depois vendê-la à EMP01... L.da (também gerida pelos mesmos arguidos), sendo que, foram os arguidos que lhe transferiram previamente as quantias monetárias para assegurar a operação económica realizada. É de realçar que a testemunha enfatizou não ter dúvidas de que o negócio incidiu sobre a mesma máquina e que esta não chegou, sequer, a ser transportada para a sua empresa. Pelo que, por força da conjugação destes elementos probatórios, o Tribunal deu como provada a matéria constante dos pontos 35 a 37. Não obstante, no caso deste equipamento impõe-se uma ressalva. O Tribunal também deu como provado que houve um incêndio nas instalações da EMP04..., que afetou este equipamento. A testemunha GG esclareceu, a tal respeito, que, efetivamente, a EMP04... também comprou à EMP06... um secador de banda de baixa temperatura no valor de € 445.000,00 e enquanto a máquina estava nas instalações da EMP04... sofreu um incêndio que a inutilizou. Quando tal aconteceu, o equipamento já tinha sido vendido à EMP03... por € 470.000,00. Nessa sequência, a venda foi anulada, tendo o equipamento sido substituído por outro, da mesma marca e caraterísticas, igualmente adquirido à EMP06... e tendo o pagamento sido garantido pela seguradora e alegando que, após a venda à EMP03..., deixou de acompanhar o negócio (…) Na verdade, as duas testemunhas inquiridas relativamente aos negócios de aquis, ainda que de forma mais expressiva a testemunha FF, foram perentórias na afirmação de que o negócio foi propostos pelos arguidos, em representação da sociedade arguida, sendo que nem a EMP03..., nem a EMP02... venderam, de forma real, os equipamentos em causa à sociedade EMP01..., Lda ou aos seus representantes, pois que tais bens já anteriormente pertenciam a esta sociedade (ou à EMP04..., que tem os mesmos sócio-gerentes)”.
Por conseguinte, resulta do depoimento da testemunha FF que o negócio que lhe foi proposto pelos arguidos visava a compra fictícia de um equipamento à EMP04... e a sua revenda à EMP01..., tratando-se, assim do mesmo equipamento que não chegou a ser transportado para a sua empresa (em conformidade com o proposto pelos arguidos) e que veio posteriormente a sofrer um incêndio (dois meses após a celebração dos negócios a que se reportam as faturas de fls. 51 e 52).
Tendo resultado demonstrado que o negócio celebrado com a testemunha FF, em representação da EMP03..., foi proposto pelos arguidos que fixaram os seus termos (inclusive disponibilizaram o dinheiro como adiantamento – “eles é que me arranjaram o dinheiro … eles foram-me pagando, como se fosse um adiantamento”, gravação áudio 20:54), a emissão da fatura é a consequência lógica da “encenação” criada pelos arguidos, os quais, para darem veracidade formal, fiscal e contabilística ao negócio e sustentarem o pedido de financiamento junto do IAPMEI, necessitavam da intervenção de um terceiro (por forma a obstar à celebração de um negócio entre duas empresas com sócios comuns) e de um documento justificativo que o legitimasse, em termos formais, perante aquela entidade.
Assim sendo, tal raciocínio só pode conduzir à conclusão a que chegou o tribunal a quo de que a fatura foi emitida a pedido dos arguidos, sustentando-a nos seguintes termos: ”não é possível outra explicação à luz das regras de normalidade da vida e das máximas da experiência, que não seja a de que o objetivo subjacente à decisão dos arguidos de simularam as compras e vendas dos equipamentos foi obter documentação que comprovasse uma sobrevalorização, assim obtendo um subsídio mais elevado, bem como o respetivo benefício fiscal”.
Contudo, considerando a qualidade de sócio gerente da testemunha NN de uma empresa com 19 trabalhadores e a referência à contabilidade (gravação áudio 14:35 e 24:54), impõe-se alterar o ponto 37 da matéria de facto provada que passará a ter a seguinte redação: “37. Por seu turno, na sequência do plano concertado entre os arguidos BB, AA e CC, e a pedido destes, FF, em representação da sociedade EMP03..., Lda, solicitou à contabilidade da sua empresa a emissão da fatura n.º ...5 de 27.08.2014, titulando uma operação de venda do mesmo equipamento, alterando no entanto a designação na fatura para “Linha para Biomassa” à EMP01..., Lda., pelo valor de 470.000,00 € acrescido de IVA, no valor de 108.100,00 €.- fls. 52”.
Consigna-se que a alteração obedece ao disposto no art. 358º, nº 2 do C.P.Penal, na medida em que resulta do que foi alegado pelos recorrentes, e é de todo irrelevante para a decisão da causa (sem implicações ao nível da qualificação jurídica).
Em suma, na conjugação da prova documental e testemunhal, aquela examinada e esta produzida em audiência de julgamento, com as regras da experiência e normalidade do acontecer, nos termos supra expostos, é de formar um juízo positivo quanto à factualidade assente que consta dos referidos factos provados, tendo resultado demonstrado que o equipamento a que se refere a fatura de fls. 52 é o mesmo equipamento a que se refere a fatura de fls. 51, tendo aquela fatura sido emitida a pedido dos arguidos.
Os recorrentes invocaram, em conformidade com o sintetizado na al. f) supra referida (por referência aos pontos 19, 40 e 43) que as testemunhas CC e JJ confirmaram que as quantias que a arguida EMP01... deduziu a título de IVA são exatamente do mesmo valor que as quantias que pagou a esse título pelo que a EMP01... não obteve e nunca poderia obter quaisquer benefícios fiscais ou prejudicar o Estado.
Consta da motivação da matéria de facto que a testemunha CC afirmou que: ”as compras efetuadas tendentes à concretização do projeto junto do IAPMEI não encontraram nenhuma irregularidade, nem no âmbito do IVA, nem de IRC, tendo feito a análise do fluxo de dinheiro, sendo que as máquinas foram pagas por transferência bancária e os documentos permitem aferir o percurso financeiro” e considerou-se tal depoimento “algo supérfluo e generalista”.
Já o depoimento da testemunha JJ foi considerado “claro e esclarecedor … convincente e coerente”, tendo tal depoimento insistido na circunstância de as faturas de fls. 21 e 52 serem falsas por não se reportarem a transmissões efetivas apesar de “contabilisticamente e documentalmente estar tudo certo” (gravação áudio 36:13).
Face à prova produzida, “o Tribunal convenceu-se de que os arguidos combinaram entre si este circuito de venda da mesma máquina (EMP05... EMP04... EMP02... EMP01...), tendo em vista obter reembolso de IVA indevido … Esta inferência é a única explicação plausível para o comportamento dos arguidos BB, AA e CC, em representação da EMP01..., Lda, que apesar de cientes da forma insidiosa como fizeram constar as aquisições das suas máquinas, decidiram integrar na declaração periódica de IVA, com pedido de reembolso do IVA do período de agosto de 2014, no qual incluíram as faturas, cujo respetivo IVA ascendia ao valor de €142.600,00, apesar destas não corresponderem a transações reais. Por outro lado, também não é possível outra explicação à luz das regras de normalidade da vida e das máximas da experiência, que não seja a de que o objetivo subjacente à decisão dos arguidos de simularam as compras e vendas dos equipamentos foi obter documentação que comprovasse uma sobrevalorização, assim obtendo um subsídio mais elevado, bem como o respetivo benefício fiscal ... Para prova do benefício concreto obtido, quer a título de IVA, quer da diferença de subsídio – que se deu como provado no ponto 44 dos Fatos Provados – atendeu-se aos documentos juntos e ao depoimento prestado pela inspetora tributária.”
Ora, a pretensão dos recorrentes assenta no pressuposto de que tais faturas não são fictícias, o que, conforme já supra se disse, se mostra contrariado pela prova produzida pois a EMP01... requereu e obteve reembolsos de IVA com base em faturas formalmente válidas mas que não respeitam a transações reais, as quais constituíram meros instrumentos, nomeadamente, para contornar a transmissão dos bens da EMP04... para a EMP01... (o consequente circuito do dinheiro entre empresas com sócios comuns), fazendo crer que a EMP01... havia adquirido tais bens a terceiros em estado de novo. Assim sendo, é forçoso concluir que, dos reembolsos obtidos do IVA, resultou para a EMP01... um necessário enriquecimento.
Em suma, na conjugação da prova documental e testemunhal, aquela examinada e esta produzida em audiência de julgamento, com as regras da experiência e normalidade do acontecer, nos termos supra expostos, é de formar um juízo positivo quanto à factualidade assente que consta dos referidos factos provados.
No que respeita ao alegado pelos recorrentes e sintetizado na al. g) supra referida (por referência ao ponto 46) cumpre referir que resulta da redação deste facto que a referência a fls. 120 respeita apenas ao quadro que consta de fls. 121 (e não ao depoimento escrito da testemunha), o qual também consta do documento “...” junto pela testemunha em 06.02.2024 (cfr. fls. 972 verso).
Com efeito, as datas e os valores que constam do ponto 46 reproduzem tal quadro e a circunstância de tais pagamentos terem ocorrido “em razão das falsas informações comunicadas pelos arguidos ao IAPMEI” não se mostra sustentada no depoimento da testemunha que, conforme é referido pelo tribunal a quo“não acompanhou a candidatura” e “limitou-se a relatar os procedimentos que habitualmente ocorrem em candidaturas desta natureza”.
Percorrendo a motivação da matéria de facto depreende-se que tais equipamentos já constavam da candidatura apresentada pela EMP01... (cfr. fls. 25 Apenso B).
Dela consta que, quanto aos equipamentos que, concretamente, foram identificados pelos arguidos na candidatura,a testemunha DD “referiu serem os seguintes: I - uma destroçadora para biomassa ... (da EMP03...) (- também aparece com o nome máquina de secar); comprovante 24 – foi verificado; linha para biomassa; II – um equipamento de corte (EMP02...) – correspondente ao comprovante 28 - a equipa verificou esse equipamento e respetivo n.º de série”.
Nessa medida, é de concluir que as falsas informações comunicadas pelos arguidos ao IAPMEI não se reportam às faturas de fls. 21 e 52 (emitidas em datas posteriores a alguns dos pagamentos a que o IAPMEI procedeu) mas às informações erróneas sobre factos importantes para a concessão do financiamento consubstanciadas na inclusão destes equipamentos na candidatura, como sendo elegíveis, criando, assim, nos responsáveis do IAPMEI a convicção (falsa) de que estavam verificados os pressupostos de facto substanciais e formais para atribuição do subsidio correspondente a 65% do valor que viesse a constar das faturas justificativas da aquisição desses equipamentos, o que foi determinante para a sua validação e pagamento.
Na sequência do exposto, impõe-se alterar o ponto 46 da matéria de facto provada que passará a ter a seguinte redação: 46. Em razão das falsas informações comunicadas pelos arguidos ao IAPMEI, no âmbito do projeto de candidatura a fundos comunitários n.ºs Norte – 07 – 0403– FEDER – ...88, tal entidade procedeu ao pagamento da quantia de € 403.000,00, correspondente a 65% do valor constante das faturas de fls. 21 e 52.
Consigna-se que a alteração obedece ao disposto no art. 358º, nº 2 do C.P.Penal na medida em que resulta do que foi alegado pelos recorrentes.
Quanto ao alegado pelos recorrentes e sintetizado na al. h) supra referida (por referência aos pontos 47, 169, 170, 171, 172, 173 e 174), desde já se remete para as considerações supra tecidas, a este propósito, e que aqui se reproduzem novamente:a pretensão dos recorrentes assenta nos pressupostos de que tais faturas não são fictícias, o que, conforme já supra se disse, se mostra contrariado pela prova produzida pois a EMP01... requereu e obteve reembolsos de IVA com base em faturas formalmente válidas mas que não respeitam a transações efetivamente realizadas, as quais constituíram meros instrumentos, nomeadamente, para contornar a transmissão dos bens da EMP04... para a EMP01... (o consequente circuito do dinheiro entre empresas com os mesmos sócios) , fazendo crer que a EMP01... havia adquirido tais bens a terceiros em estado de novo. Assim sendo, é forçoso concluir que dos reembolsos obtidos do IVA resultou para a EMP01... um necessário enriquecimento.
E, acrescentamos que o enriquecimento perfaz o valor de € 142.600,00 correspondente ao montante de IVA indevidamente reembolsado.
No que respeita ao valor de € 602.000,00 mencionado no ponto 47 dos factos provados do acórdão recorrido verificamos que tal valor consta da informação preliminar de fls. 15 e segts mencionada na motivação da matéria de facto e corresponde à soma das quantias constantes das faturas de fls. 21 e 52 (€ 150.000,00 + € 470.000,00), deduzida a quantia constante da fatura de fls. 18 (€ 18.000,00) que foi efetivamente despendida pela EMP01... com a primitiva aquisição do equipamento a que se reporta a fatura de fls. 21.
Porém, na sequência de ter sido considerada verificada contradição sanável por este tribunal ad quem, já foi supra determinada a alteração da redação dos pontos 47 e 169 da matéria de facto provada pelo que, nada há que acrescentar, nesta sede, a tal respeito.
Os recorrentes pretendem que se conclua que a quantia total de € 1.270.799,56, recebida pela EMP01... a título de incentivo reembolsável, mostra-se integralmente reembolsada pela EMP01... ao IAPMEI.
Todavia, não resulta da prova produzida em audiência de julgamento que a EMP01... já procedeu à restituição integral do incentivo reembolsável que recebeu.
Com efeito, resulta do teor dos documentos de fls. 964 a 991 e 993 a 996 que foi autorizada a atribuição de um prémio de realização correspondente à Fase A, através da conversão de incentivo reembolsável em incentivo não reembolsável no montante de € 300.162,79, e à Fase B, através da conversão de incentivo reembolsável em incentivo não reembolsável no montante de € 557.445,18 (cfr. fls. 964, 968 verso).
Porém, a atribuição do prémio de realização depende da avaliação do desempenho (cfr. Anexo B da Portaria n.º 1464/2007, de 15 de novembro com a redação introduzida pelas Portarias n.º 353-C/2009, de 3 de abril e n.º 1103/2010, de 25 de outubro) que pressupõe o cumprimento do contrato nº ...88.
Ora, está demonstrado que o projeto apresentado pela EMP01... foi aprovado pelo IAPMEI que procedeu ao pagamento da quantia € 403.000,00 (integrada na quantia global de € 1.270.799,56 e correspondente a cerca de 1/3 desta), com base em informações falsas comunicadas pelos arguidos, em representação da EMP01.... Resulta, assim, evidente que, apesar de autorizada e processada a atribuição dos prémios de realização correspondentes às Fases A e B, estes não poderão ser considerados como créditos a que a EMP01... tem direito nomeadamente para o efeito de os refletir nos reembolsos efetuados pela EMP01... ao IAPMEI, porquanto o processo de candidatura fica inquinado com a referida prestação de falsas informações e o adiantamento do subsídio relativo a estes equipamentos fica também ele inquinado por ter sido feito com base em faturas falsas, não se podendo concluir que a EMP01... os possa legitimamente receber.
Por fim, quanto ao alegado pelos recorrentes e sintetizado na al. i) supra referida (por referência aos pontos 17, 20, 50, 53, 54, 56, 57 e 58), importa atentar que resultam demonstrados os seguintes factos conhecidos e inquestionáveis:
a) desde a sua constituição que os arguidos se encontram nomeados como gerentes da EMP01...;
b) em 2014 os arguidos eram sócios da EMP04... juntamente com KK e GG;
c) em 26.04.2012, a EMP01... apresentou uma candidatura ao SI Inovação (Inovação Produtiva), ao abrigo do Aviso de abertura da Fase 02/2012, com um projeto de investimento do montante global de 1.956.420,00 € (fls. 13ss do Apenso B) e no “Quadro de Investimentos” constante dessa candidatura, indicou, discriminadamente, os bens e serviços que previa adquirir e que formavam o investimento, com indicação individualizada da respetiva designação e estimativa do respetivo custo, com base em orçamentos apresentados por diversos fornecedores e indicou, entre outras:
- a rubrica “Nº 1”, com a “Designação” “Linha completa de serração”, correspondente a “Investimento” com o valor de “286.750,00 €”; e
- a rubrica “Nº 7”, com a “Designação”“Destroçadora para biomassa …”, correspondente a “Investimento” com o valor de “324.780,00 €”;
d) a EMP01... adquiriu, em maio de 2014, um equipamento de corte de madeira pelo valor de € 18.000,00, o qual está descrito na fatura de fls. 18 como sendo “...…”;
e) no dia 26.08.2014 (por referência à data aposta na fatura n.º ...49) foi realizada uma operação titulada na fatura como sendo de venda de um equipamento de corte de madeira da EMP01... à EMP04..., pelo valor de € 124.000,00, acrescido de IVA no valor de € 28.520,00 (fls. 19);
f) nesse mesmo dia (por referência à data aposta na fatura n.º ... ½) foi realizada uma operação titulada na fatura como sendo uma operação de venda do mesmo equipamento da EMP04... à EMP02..., pelo valor de € 125.000,00, acrescido de IVA no valor de €28.750,00 (fls. 20);
g) a pedido dos arguidos BB, AA e CC, EE, em representação da EMP02... emitiu, com data de 28.08.2014, a fatura n.º ...40, que titula uma operação de venda do mesmo equipamento de novo à EMP01..., pelo valor de € 150.000,00, acrescido de IVA no valor de € 34.500,00 (fls. 21);
h) a EMP04... adquiriu, em data não concretamente apurada do ano de 2013, um equipamento designado “secado de banda a baja temperatura” pelo valor de € 445.000,00 à EMP06... (fls. 23ss);
i) com data de 22.08.2014 foi emitida a fatura n.º ..., titulando uma operação de venda do mesmo equipamento pela EMP04... à EMP03..., pelo valor de € 445.000,00, acrescido de IVA no valor de € 102.350,00 (fls. 51);
j) a pedido dos arguidos BB, AA e CC, FF, em representação da EMP03... emitiu, com data de 27.08.2014, a fatura n.º ...5, que titula uma operação de venda do mesmo equipamento, alterando no entanto a designação na fatura para “Linha para Biomassa” à EMP01..., pelo valor de € 470.000,00, acrescido de IVA, no valor de € 108.100,00 (fls. 52);
k) tais equipamentos constavam da candidatura da EMP01... à obtenção de financiamento junto do IAPMEI e foram incluídos, tal como os valores que constam das faturas, no mapa de “Pedido de Pagamento – Investimentos” de fls. 34 do Apenso B, tendo as faturas de fls. 21 e 52 sido apresentadas ao IAPMEI que pagou o valor de € 403.000,00, correspondente a 65% do valor que consta das faturas;
l) tratam-se de equipamentos usados;
m) a candidatura ao processo exigia equipamentos novos;
n) os arguidos, em representação da EMP01..., incorporaram tais faturas na contabilidade da EMP01... como se de verdadeiros custos se tratassem e integraram na declaração periódica de IVA nº ...60 o pedido de reembolso do IVA do período de agosto de 2014, no qual incluíram tais faturas, apesar de não corresponderem a transações reais;
o) este pedido foi deferido pela AT e o reembolso à EMP01... foi integralmente efetuado.
Não tendo os recorrentes admitido a prática dos factos, houve da parte do tribunal a quo recurso a prova indireta, sendo as inferências produzidas as únicas que podem considerar-se consentâneas com os factos objetivos apurados de forma direta e com as regras de experiência comum e o normal acontecer das coisas.
Com efeito, da conjugação da prova direta que fundamentou tais factos com os depoimentos das testemunhas EE e FF e considerando o modus operandi dos arguidos (comum ao trajeto de ambos os equipamentos objeto de transações fictícias tituladas por faturas datadas de 27.08.2014 e 28.08.2014) resulta, desde logo, evidente que os arguidos, enquanto sócios comuns à EMP01... e à EMP04... e aproveitando-se das funções de gerentes que desempenhavam em ambas as sociedades, criaram um esquema com o propósito de criar a aparência de que a EMP01... havia adquirido tais equipamentos que constavam da candidatura ao sistema de incentivos à inovação (quando não eram despesas elegíveis).
Porque tal implicava a necessária interposição de terceiros envolveram ficticiamente a EMP02... e a EMP03... no circuito de transmissão dos equipamentos e fizeram constar das faturas valores empolados, por forma a criarem a aparência de que se tratava de equipamentos novos e assim obterem uma subsidiação de valor mais elevado.
Mais agiram com o propósito de obterem, para a EMP01..., benefícios fiscais ilegítimos pois integraram na declaração periódica de IVA o pedido de reembolso do IVA do período de agosto de 2014, no qual incluíram as faturas que titulavam tais operações financeiras fictícias.
Tudo articulado com as regras da lógica e da experiência comum, também é de concluir pela exclusão da probabilidade de hipóteses concorrentes.
Com efeito, só se compreende que os arguidos tenham criado, na mesma ocasião, esta “encenação”, destinada a forjar elementos relevantes para atribuição das ajudas relativas aos dois equipamentos, tendo em vista integrá-los no projeto (pois já os haviam feito constar da candidatura), apesar de não reunirem as condições para o efeito, para, desta forma, obterem um valor de subsídio mais elevado e benefícios fiscais consubstanciados no reembolso do IVA relativo a transações fictícias.
Examinada toda a prova, temos de concordar que esta é a única explicação aceitável e credível para que os equipamentos tenham sido objeto de operações financeiras que envolveram a interposição de terceiros por forma a ocultar o trajeto direto entre a EMP04... e a EMP01... (no caso do equipamento adquirido à EMP06...) e a possibilitar que a EMP01... adquirisse um equipamento que já havia sido por si adquirido, um ano antes, à EMP05....
Conforme já foi supra exposto, o entendimento do tribunal a quo quanto à valoração da prova e à fixação da matéria de facto mostra-se assente não apenas na prova testemunhal e documental elencada, mas também nas regras de experiência comum, na lógica e no normal suceder das coisas.
As provas produzidas sustentam a decisão tomada pelo tribunal a quo e não se vislumbra qualquer violação de normas de direito probatório (nelas se incluindo as regras da experiência e/ou da lógica).
Resulta da fundamentação e do conjunto exposto o raciocínio lógico percorrido para alcançar as conclusões plasmadas na matéria de facto provada a que se reporta a supra referida al. i), pelo que não existe qualquer justificação para que a mesma seja alterada por este tribunal.
Os recorrentes não lograram demonstrar que a solução por que optou o tribunal recorrido, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum.
Por conseguinte, com as alterações supra mencionadas, foi possível formar um juízo positivo quanto à factualidade assente que consta dos pontos 17 a 20, 29, 30, 33, 34, 37, 39 a 41, 43 a 47, 49 a 58 e 169 a 174 da matéria de facto provada, com base na conjugação da prova documental e testemunhal produzida e examinada em audiência de julgamento, com as regras da experiência e normalidade do acontecer, nos termos supra expostos.
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5. Erro de julgamento quanto aos pontos 19, 35 a 37, 39, 47, 169, 170 e 171 da matéria de facto dada como provada
O recorrente CC argumentou que:
a) resulta da prova documental junta com a contestação sob os números 36 a 50 que a EMP01... suportou a despesa, no montante de € 578.100,00, incorporada na fatura n.º ...5;
b) o ponto 19 mostra-se contrariado pelo teor dos seguintes documentos: faturas n.ºs ...2..., de 01.07.2013, 5E, de 26.02.2014, 24E, de 16.12.2013, 6E, de 02.04.2024, 25E, de 16.12.2013, ..., de 02.04.2014, emitidas pela 10/13 EMP06..., S.L (cfr., fls. 24 e ss), fatura n.º ..., de 22.08.2014, emitida pela sociedade EMP04... (cfr., fls. 51) e fatura ...5, de 27.08.2014, emitida pela sociedade EMP03..., Lda (cfr. fls 52), dos quais resulta que a despesa incorporada na fatura n.º ...5 foi suportada pela EMP01...;
c) as declarações IVA entregues pelas sociedades EMP02... e EMP03... e os documentos elaborados pela AT que comprovam o pagamento do imposto apurado nessas declarações, impõem decisão diversa da recorrida, isto é, que a quantia obtida a título de reembolso de IVA não aumentou o património da EMP01...;
d) os pontos 169 e 170 mostram-se contrariados pelo teor dos seguintes documentos: o contrato de concessão de incentivos financeiros no âmbito do Sistema de Incentivos à Inovação n.º ...88, celebrado entre a sociedade arguida e o IAPMEI (documento n.º 5 junto com a contestação); os pedidos de Adiantamento contra fatura (documento n.ºs 6, 9, 13 juntos com a contestação); as decisões de certificação de despesa (documentos n.ºs 7, 8, 10, 11, 14 e 55 juntos com a contestação); pedido de reembolso final (documento n.º 53 junto com a contestação) e o documento comprovativo do pagamento, pelo IAPMEI, no âmbito contrato de concessão de incentivos financeiros no âmbito do Sistema de Incentivos à Inovação n.º ...88, da quantia global de € 1.270.799,56 (cfr., fls. 120 dos autos principais).
Tais documentos impõem decisão diversa da recorrida, ou seja, que se decida julgar provado que, aquando da obtenção do subsídio (indevidamente recebido), apenas foi integrado no património da EMP01... montante de € 403.000,00.
Tendo presentes os princípios supra expostos no ponto 5. da apreciação dos recursos, vejamos se o recorrente cumpriu as exigências legalmente impostas no art. 412º do C.P.Penal para a impugnação ampla da matéria de facto.
Resulta do alegado pelo recorrente a sua intenção de recorrer da matéria de facto. Contudo, manifestamente, confundiu a invocação dos vícios decorrentes do art. 410º, nº 2 do C.P.Penal com as exigências de especificação que a impugnação ampla da matéria de facto exige.
Veja se, a tal propósito e antes de mais, que a ponderação desta última questão se mostra prejudicada por já ter sido apreciada no ponto 4. da Apreciação dos Recursos e nesse âmbito se ter imposto a alteração da redação dos pontos 47 e 169 da matéria de facto provada, com os fundamentos aí especificados.
Quanto ao demais alegado pelo recorrente constatamos que (suportado apenas na prova documental junta aos autos e referindo outros pontos da factualidade provada) expõe a divergência entre a sua convicção pessoal sobre a prova produzida em audiência e aquela que o tribunal recorrido firmou sobre os factos.
No entanto, a prova é analisada conjuntamente e não basta indicar provas que permitam uma diferente convicção para alterar a decisão do tribunal sobre a matéria de facto, antes exigindo a lei provas que imponham uma convicção diferente.
Com efeito, “não basta estar demonstrada a possibilidade de existir uma solução em termos de matéria de facto alternativa à fixada pelo tribunal a quo. Na verdade, é raro o julgamento onde não estão em confronto duas, ou mais, versões dos factos (arguido/assistente ou arguido/Ministério Público ou mesmo arguido/arguido), qualquer delas sustentada, em abstracto, em prova produzida, seja com base em declarações dos arguidos, seja com fundamento em prova testemunhal, seja alicerçada em outros elementos probatórios. Por isso, haver prova produzida em sentido contrário, ou diverso, ao acolhido e considerado relevante pelo Tribunal a quo, não só é vulgar, como é insuficiente para, só por si, alterar a decisão em sede de matéria de facto. O que aqui se mostra necessário é que o recorrente demonstre que a prova produzida no julgamento só poderia ter conduzido, em sede de elenco de matéria de facto provada e não provada, à solução por si (recorrente) defendida, e não àquela consignada pelo Tribunal” (Acórdão do TRP de 10.01.2024, Proc. nº 16/20.0T9STS.P1).
Ora, o recorrente, suportado apenas na prova documental junta aos autos e referindo outros pontos da factualidade provada, analisou-os isoladamente, de forma segmentada, e de acordo com a sua pessoalíssima visão dos acontecimentos, descrevendo os negócios a que se reportam as faturas de fls. 21 e 52 como reais. Desta forma, desatendeu à demais prova produzida, nomeadamente à testemunhal, e desconsiderou a prova indireta.
Esta é a opinião do recorrente, mas não foi esta a perspetiva acolhida pelo tribunal recorrido – e, como já se deixou dito, não constitui forma de impugnação válida a sobreposição da respetiva convicção àquela que foi a do julgador, imparcial e isento.
Por conseguinte, o que realmente resulta das conclusões do recurso, é a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o tribunal recorrido firmou sobre os factos, o que se prende com a apreciação da prova em conexão com o princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do C.P.Penal).
E, como já referimos, quando o tribunal recorrido forma a sua convicção com provas não proibidas por lei (cfr. art. 125º do C.P.Penal), prevalece a convicção do tribunal sobre aquelas que formule o recorrente.
Aliás, o tribunal recorrido apreciou concatenadamente todos os meios de prova produzidos conjugando-os com as regras da experiência e a normalidade dos acontecimentos da vida.
Ponderou os elementos bancários com tais faturas e com os depoimentos prestados pelas testemunhas EE e FF e concluiu que os arguidos combinaram entre si um circuito de venda de cada uma das máquinas com vista à obtenção do reembolso indevido do IVA e a empolar o custos do reembolso do subsídio a que a EMP01... se havia candidatado, ficcionando um valor muito acima do valor real porque as máquinas haviam sido adquiridas.
Na fundamentação da matéria de facto, o tribunal a quo afirmou, de forma transparente, reportando-se ao depoimento da testemunha EE que resulta “evidente do seu depoimento que nunca quis comprar a máquina em causa, e que o negócio estabelecido aconteceu apenas porque aceitou a proposta como condição para prestar o serviço de montagem e dotação técnica da máquina ... A testemunha EE sublinhou, ainda, que o dinheiro circulou, que foram elaboradas as faturas correspondentes e pagos os impostos devidos, mas é inequívoco, do seu depoimento, que tais faturas documentam operações económicas que não são verdadeiras, porque não existem, ou, pelo menos, não existem nos exatos termos que aparentam e daí que as faturas possam ser consideradas falsas … o que relevou para a sedimentação da convicção positiva do Tribunal foi a conjugação dos elementos bancários (que titulam operações financeiras reais) com as faturas acabadas de referir (que titulam compras e vendas simuladas), com o depoimento prestado por EE (que confirmou que foram os arguidos que propuseram a compra à EMP04... e subsequente venda à EMP01... como condição para que prestasse a assistência técnica, pela qual cobrou € 25.000,00, o que aceitou) … Ponderando todos estes elementos, o Tribunal convenceu-se de que os arguidos combinaram entre si este circuito de venda da mesma máquina (EMP05... EMP04... EMP02... EMP01...), tendo em vista obter reembolso de IVA indevido, mas também para empolar os custos do reembolso do subsídio a que se candidataram, ficcionando um valor muito acima do valor real por que tinham comprado o equipamento. Recorrendo às regras da experiência comum, afigura-se que quiseram, ao criar este giro comercial, lançar uma cortina de fumo tendente a justificar uma aquisição aparentemente “ex novo” de um equipamento que tinha sido adquirido, em segunda mão, por uma empresa (EMP04...) que tinha exatamente os mesmos sócios da EMP01...”.
No que respeita ao depoimento da testemunha FF, descreveu-o como ”eloquente” e referiu que por ele foi dito ”sem hesitações e de forma perentória, que foi abordado pelos arguidos, no sentido de aceitar comprar a máquina à EMP04... (de que eram sócios) e depois vendê-la à EMP01... L.da (também gerida pelos mesmos arguidos), sendo que, foram os arguidos que lhe transferiram previamente as quantias monetárias para assegurar a operação económica realizada”.
Por fim, no que concerne às operações realizadas, o tribunal a quo afirmou que: “as duas testemunhasinquiridas relativamente aos negócios de aquis, ainda que de forma mais expressiva a testemunha FF, foram perentórias na afirmação de que o negócio foi propostos pelos arguidos, em representação da sociedade arguida, sendo que nem a EMP03..., nem a EMP02... venderam, de forma real, os equipamentos em causa à sociedade EMP01..., Lda ou aos seus representantes, pois que tais bens já anteriormente pertenciam a esta sociedade (ou à EMP04..., que tem os mesmos sócio-gerentes)”.
Também resulta da fundamentação da matéria de facto a demonstração do juízo da co-autoria através do recurso a prova indiciária ou indireta, por presunções: ”… recorrendo às regras da experiência comum, mesmo perante o silêncio dos arguidos, é inequívoco que as referidas faturas foram criadas, no interesse de todos, inclusivamente da sociedade arguida, em conformidade com um plano de que todos tinham conhecimento (a isso aludem expressamente, quer a testemunha EE, quer a testemunha FF) que visou criar um estratagema para sobrevalorizar os equipamentos, criando a aparência de que eram novos (como era exigência do IAPMEI), assim obtendo subsídios e benefícios fiscais ilegítimos. Esta inferência é a única explicação plausível para o comportamento dos arguidos BB, AA e CC, em representação da EMP01..., Lda, que apesar de cientes da forma insidiosa como fizeram constar as aquisições das suas máquinas, decidiram integrar na declaração periódica de IVA, com pedido de reembolso do IVA do período de agosto de 2014, no qual incluíram as faturas, cujo respetivo IVA ascendia ao valor de €142.600,00, apesar destas não corresponderem a transações reais. Por outro lado, também não é possível outra explicação à luz das regras de normalidade da vida e das máximas da experiência, que não seja a de que o objetivo subjacente à decisão dos arguidos de simularam as compras e vendas dos equipamentos foi obter documentação que comprovasse uma sobrevalorização, assim obtendo um subsídio mais elevado, bem como o respetivo benefício fiscal… As próprias testemunhas inquiridas – quer o EE, quer o FF – estranharam a proposta de negócio que lhes foi feita, sendo que resultou evidenciado que não só não pretendiam adquirir os equipamentos, como, pelo menos no caso do representante legal da EMP03... nem sequer tinha meios para o concretizar, o que terá sido de imediato desbloqueado pelos arguidos”.
Como vimos, as presunções naturais, válidas também no processo penal, constituem um meio ou processo lógico de aquisição de factos, em que o juiz, valendo-se de um certo facto, e associando-o a um princípio empírico ou às regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto até então desconhecido.
Praticamente toda a atividade probatória nos coloca perante a necessidade de desenvolver um raciocínio lógico (fundado em qualquer outro elemento probatório ou em regras da experiência comum) que permita determinar a verosimilhança de determinada atuação.
Isto não significa que a ausência de prova direta de um facto nos deixe sem possibilidade de demonstração positiva desse facto. Significa apenas que o julgador, nessas circunstâncias, colocado perante a totalidade do acervo probatório obtido, tudo deverá tomar em consideração, ponderando cuidadosamente e com muito bom senso.
É certo que não pode descurar-se o risco de algum subjetivismo neste tipo de análise, sendo imperioso que se afaste a arbitrariedade.
Do que se afirma decorre a quase forçosa circunstancialidade de cada elemento probatório que, não obstante, apreciado no conjunto e em correlação com os outros meios de prova, nos permitirá alcançar a dimensão daquilo que efetivamente ocorreu, com recurso ao raciocínio lógico e à formulação de ilações, decorrentes das regras de experiência comum.
A apreciação da prova não é feita por segmentos isolados, estanques, opacos e incomunicáveis entre si, mas antes através da análise de todo o acervo produzido e da sua ponderação à luz dos critérios estabelecidos no art. 127º do C.P.Penal.
E, o convencimento pelo tribunal de que determinados factos estão provados só se poderá alcançar quando a ponderação conjunta dos elementos probatórios disponíveis permitirem excluir qualquer outra explicação lógica e plausível, ou seja, quando os elementos de prova não permitirem uma construção alternativa assente em raciocínios razoáveis.
No âmbito do ponto 5. da apreciação dos recursos foi demonstrado que a valoração da prova e a fixação da matéria de facto mostra-se assente não apenas na prova testemunhal e documental elencada, mas também nas regras de experiência comum, na lógica e no normal suceder das coisas.
Também foi demonstrado que o tribunal a quo não se ficou pela análise objetiva da prova documental. Contextualizou-a e articulou-a com os depoimentos das testemunhas EE e FF e concluiu que foi criada a aparência da aquisição pela EMP01... de tais equipamentos como novos 8correspondentes às rubricas 1 e 7 da candidatura), o que não aconteceu.
Assim, o tribunal recorrido alicerçou uma convicção sobre a verdade dos factos, com consistência bastante para passar além da dúvida razoável, sendo certo que a hipótese probatória alternativa avançada pelos recorrentes (de que as faturas respeitam a transações reais), como já se deixou exposto, não apresenta igual verosimilhança e razoabilidade. Também foi demonstrada a única explicação aceitável para as operações financeiras a que se reportam as faturas de fls. 21 e 52.
Por conseguinte, atento o exposto e remetendo para o explanado no ponto 5. da Apreciação dos Recursos, é de concluir que foi possível formar um juízo positivo quanto à factualidade assente que consta dos pontos impugnados pelo recorrente (com exceção das alterações supra determinadas quanto aos pontos 34, 37, 47 e 169 da matéria de facto provada), com base na conjugação da prova documental e testemunhal produzida e examinada em audiência de julgamento, com as regras da experiência e normalidade do acontecer, nos termos supra expostos.
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6. Incorreta ponderação do enquadramento jurídico-penal dos factos
Os recorrentes alegam que o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção não se aplica à situação dos autos porque os subsídios recebidos pela EMP01... enquadram-se no âmbito do programa FEDER, respeitante a fundos comunitários e, aquando da criminalização de tais condutas (pelo DL 28/84, de 20.01), Portugal nem sequer pertencia à Comunidade Europeia (mais tarde União Europeia) pelo que a autorização legislativa prevista na Lei nº 12/83, de 24.08 não podia atribuir competência ao governo para legislar sobre a criminalização de condutas contra os interesses financeiros da União Europeia (conclusão 97ª). Concluem que a interpretação do tribunal a quo padece de inconstitucionalidade orgânica por violação do disposto no art. 165º, nº 1, al. c) (anterior art. 168º) da CRP.
Mais alegam que o acórdão recorrido não identifica qualquer norma legal que preveja que determinado facto é condição necessária para a autorização, concessão, reembolso, renovação ou manutenção de uma subvenção, subsídio ou vantagem, ou seja, que considere determinado facto importante para a concessão de um subsídio ou subvenção (conclusão 91ª) e o bem jurídico que a previsão do crime de fraude na obtenção de subsídio visa proteger foi totalmente salvaguardado, as finalidades para que foram concedidos os incentivos à EMP01... foram totalmente prosseguidas por os incentivos terem acabado por ser aplicados no financiamento de máquinas totalmente novas e inquestionavelmente ilegíveis (conclusão 104ª).
Atendendo a que a subsunção jurídica é feita mediante a matéria de facto fixada, vejamos se lhe assiste razão.
Dispõe o art. 36º do DL n.º 28/84, de 20.01 (regula as Infrações Antieconómicas e contra a Saúde Pública), sob a epígrafe “Fraude na obtenção de subsídio ou subvenção”, que: “1 - Quem obtiver subsídio ou subvenção: a) Fornecendo às autoridades ou entidades competentes informações inexactas ou incompletas sobre si ou terceiros e relativas a factos importantes para a concessão do subsídio ou subvenção; b) Omitindo, contra o disposto no regime legal da subvenção ou do subsídio, informações sobre factos importantes para a sua concessão; c) Utilizando documento justificativo do direito à subvenção ou subsídio ou de factos importantes para a sua concessão, obtido através de informações inexactas ou incompletas; será punido com prisão de 1 a 5 anos e multa de 50 a 150 dias. 2 - Nos casos particularmente graves, a pena será de prisão de 2 a 8 anos. 3 - Se os factos previstos neste artigo forem praticados em nome e no interesse de uma pessoa colectiva ou sociedade, exclusiva ou predominantemente constituídas para a sua prática, o tribunal, além da pena pecuniária, ordenará a sua dissolução. 4 - A sentença será publicada. 5 - Para os efeitos do disposto no n.º 2, consideram-se particularmente graves os casos em que o agente: a) Obtém para si ou para terceiros uma subvenção ou subsídio de montante consideravelmente elevado ou utiliza documentos falsos; b) Pratica o facto com abuso das suas funções ou poderes; c) Obtém auxílio do titular de um cargo ou emprego público que abusa das suas funções ou poderes. 6 - Quem praticar os factos descritos nas alíneas a) e b) do n.º 1 com negligência será punido com prisão até 2 anos ou multa até 100 dias. 7 - O agente será isento de pena se: a) Espontaneamente impedir a concessão da subvenção ou do subsídio; b) No caso de não serem concedidos sem o seu concurso, ele se tiver esforçado espontânea e seriamente para impedir a sua concessão. 8 - Consideram-se importantes para a concessão de um subsídio ou subvenção os factos: a) Declarados importantes pela lei ou entidade que concede o subsídio ou a subvenção; b) De que dependa legalmente a autorização, concessão, reembolso, renovação ou manutenção de uma subvenção, subsídio ou vantagem daí resultante”.
E, a definição de subsídio ou subvenção encontra-se consagrada no art. 21º do mencionado diploma legal que tem o seguinte teor: “Para os efeitos deste diploma, considera-se subsídio ou subvenção a prestação feita a empresa ou unidade produtiva, à custa de dinheiros públicos, quando tal prestação: a) Não seja, pelos menos em parte, acompanhada de contraprestação segundo os termos normais do mercado, ou quando se tratar de prestação inteiramente reembolsável sem exigência de juro ou com juro bonificado; e b) Deva, pelo menos em parte, destinar-se ao desenvolvimento da economia”.
Apesar da publicação do DL nº 28/84, de 20.01 ser anterior à entrada de Portugal na CEE (atual União Europeia), este art. 21º não estabelece qualquer distinção relativa à origem ou proveniência do subsídio ou subvenção, nele cabendo claramente os subsídios concedidos pela União Europeia ao Estado Português através do FEDER (Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional) que constitui um dos principais instrumentos financeiros da política de coesão da UE com vista à redução dos desequilíbrios entre os níveis de desenvolvimento das regiões europeias e para a melhoria do nível de vida nas regiões menos favorecidas.
A entidade pagadora foi o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação (IAPMEI) que é “um instituto público de regime especial, nos termos da lei, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio” (art. 1º do DL nº 266/2012, de 28.12), de cujo erário saíram os montantes concedidos, não se verificando, assim, a invocada de inconstitucionalidade orgânica. Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ de 27.11.1997, Proc. nº 97P699.
O tribunal a quo, relativamente ao bem jurídico que se visa proteger com a incriminação, referiu que: “Como resulta claramente da inserção e da conformação normativa da infração em causa, estamos face a um crime contra a economia, preordenado à tutela de bens jurídico-económicos supra-individuais, que correspondem a valores, objetivos e funções essenciais do Estado, enquanto tal, e, por vezes, também como membro da União Europeia, visando o funcionamento, desenvolvimento e aperfeiçoamento do sistema económico, encarado também na sua coordenação com outros sistemas, nomeadamente o social”.
Em síntese, o bem jurídico corresponde à confiança necessária à vida económica e à correta aplicação dos dinheiros públicos no domínio económico.
Na sequência da análise do tipo legal de crime pelo qual os arguidos vinham pronunciados, e que considerou estar verificado, após explicações certeiras reportadas à factualidade provada respeitante ao equipamento de corte de madeira, o tribunal recorrido concluiu que: ”é possível inferir, com segurança, analisando os fatos acabados de referir, que quer a EMP01..., quer os três sócios gerentes, com estas operações, conseguiram empolar o valor do equipamento. Embora o procedimento acabado de descrever esteja documentado contabilisticamente, constando também dos autos elementos bancários que o comprovam, é certo que o mesmo se afigura insidioso relativamente à entidade que geria a concessão dos fundos comunitários (IAPMEI), uma vez que quem vendeu (a EMP02...) não é a entidade que comprou (EMP01...). Com isto, a EMP01... pretendeu dissimular o empolamento do valor do equipamento e evitar que o IAPMEI, ao analisar as contas correntes conseguisse rastrear a operação”.
E, após explanar o trajeto negocial do "Secado de banda a baja temperatura”, concluiu que: ”é inequívoco que os arguidos, aproveitando-se do exercício de funções de gerentes, que desempenhavam – quer na EMP01..., quer na EMP04... – e da facilidade de relacionamento decorrente dessa circunstância decidiram criar um esquema por forma a que máquinas que já estavam previamente na posse de uma destas empresas passasse a integrar a candidatura ao projeto do IAPMEI, dessa forma empolando o seu preço (e assim conseguindo quer vantagens tributárias, quer a obtenção de um subsídio maior) … É inequívoco que este circuito existiu, mas não se provou qualquer outra utilidade para o mesmo que não fosse o de efetivamente empolar o preço das máquinas, e, porventura fazer crer que a mesma tinha sido adquirida no estado de nova, como era exigência do IAPMEI”.
Na sequência da referência ao Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência nº 2/2006 (Proc. nº 603/03)[7] considerou que ”o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção previsto pelo legislador penal português é desenhado como um crime de dano e de resultado ou material, visto que a sua consumação depende do efetivo recebimento do subsídio ou subvenção … Prestação feita não pode deixar de ser prestação realizada e esta, quando tem natureza pecuniária, só o está quando é entregue” e concluiu “nesta tese, sustentada pelo acórdão de fixação de jurisprudência citado, a falsificação de documentos consubstanciada na apresentação de faturas falsas (neste caso concreto, as faturas ...40 e ...5) entregues ao IAPMEI para assim obter a quantia em falta, ainda é abrangido pela tutela da norma em apreço. Considera-se, assim, que a norma tutela não só a fraude na concessão formal e prévia do subsídio como também na disponibilização ou entrega material das quantias subsidiadas, sendo esta a posição por nós sufragada”.
Acrescentou que: “Ora, dos elementos objetivos que nos são garantidos pela prova documental contextualizada, enquadrada e materializada pelos esclarecimentos prestados pelas testemunhas, temos por certo que foi, efetivamente, criada a aparência de aquisição destes dois equipamentos como novos – correspondentes às rubricas 1 e 7 - o que não aconteceu, e tivesse sido libertada, nessa sequência, a última parcela do subsídio. E é isto que releva para efeitos de Fraude na obtenção do subsídio, por configurarem manobras fraudulentas que antecederam a concessão do subsídio e a predeterminam causalmente … Face ao exposto, e porque no caso dos autos, os arguidos e sociedade arguida receberam a parcela do subsídio em causa com recurso à utilização a faturas falsas (porque não titulando operações reais), mostram-se preenchidos os elementos objetivos e subjetivos típicos do crime de fraude na obtenção de subsídio”.
Vejamos.
São elementos do tipo legal de fraude na obtenção de subsídio:
a) a existência de uma (ou mais) entidade de direito público, prestadora do subsídio ou subvenção (sujeito enganado e lesado);
b) a existência de uma empresa ou unidade produtiva (beneficiária do subsídio ou subvenção);
c) a obtenção de um subsídio ou subvenção através de três formas típicas - fornecimento de informações inexatas ou incompletas; ocultação e factos importantes; uso de documento falso;
d) a verificação de erro da entidade concedente do subsídio ou subvenção;
e) a conduta fraudulenta causadora daquele erro;
f) o dolo ou, nos casos das alíneas a) e b) do n.º 1, a negligência.
Relativamente ao momento da consumação, vem sendo entendido que, mesmo à luz da jurisprudência fixada pelo mencionado Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência nº 2/2006 que comete o crime de fraude na obtenção de subsídio quem utiliza os artifícios fraudulentos previstos nas diversas alíneas do seu n.º 1 não só na concessão formal e prévia do subsídio como também para a posterior disponibilização ou entrega material das quantias subsidiadas.
Trata-se de um crime de resultado pois não basta que a ação ou omissão incidam sobre os factos declarados importantes, é necessário que sejam adequados a produzir o resultado típico e, logo, determinantes da concessão do subsídio.
Trata-se também de um crime de execução vinculada pelo que, como bem refere o Acórdão do TRC de 10.07.2024, Proc. nº 1161/17.5T9VIS.C1: “a conduta do agente em ordem à obtenção do subsídio terá de assumir uma das três formas típicas e abstractamente descritas: a) Fornecimento de informações inexactas ou incompletas Pune-se a obtenção de subsídio ou subvenção através de afirmações inexactas ou incompletas, ou seja, de informações desconformes com a realidade. Neste caso, o documento que contém as afirmações é verdadeiro nos seus requisitos externos ou materiais, mas o que nele se diz é inexacto ou incompleto. Há genuinidade formal do escrito, mas não há veracidade intelectual do conteúdo. Estas informações devem dizer respeito ao sujeito activo ou a terceiro e recair sobre factos essenciais ou determinantes da concessão do subsídio ou subvenção. b) Ocultação de factos importantes Comete-se o delito com a omissão de factos importantes para a concessão do subsídio ou subvenção, contanto que sobre o agente recaia o dever legal de informar. c) Uso de documento falso O agente serve-se de documento falsificado (falsificação material e/ou ideológica) para obter o deferimento da sua pretensão. A actividade do agente consiste em apresentar como genuíno o documento, se ele foi materialmente falsificado, ou como verídico, se foi ideologicamente falsificado. Nestas três modalidades típicas, nos termos do nº 8, do artigo 36º, consideram-se importantes para a concessão de um subsídio ou subvenção os factos: a) declarados importantes pela lei ou entidade que concede o subsidio ou a subvenção; b) de que dependa legalmente a autorização, concessão, reembolso, renovação ou manutenção de uma subvenção, subsídio ou vantagem daí resultante. As manobras fraudulentas empreendidas pelo agente, tal como reflexamente o erro por elas induzido, terão de incidir não sobre aspectos do regime legal de subsídio, mas antes e exclusivamente sobre os pressupostos de facto da sua concessão”.
Perscrutada a matéria de facto que resulta assente verificamos que resultou provado que:
1. os arguidos são sócios das sociedades EMP01... e EMP04...;
2. a EMP01... candidatou-se junto do IAPMEI à obtenção de um subsídio e no “Quadro de Investimentos” constante dessa candidatura, indicou, discriminadamente, os bens e serviços que previa adquirir e que formavam o investimento, com indicação individualizada da respetiva designação e estimativa do respetivo custo, com base em orçamentos apresentados por diversos fornecedores e indicou, entre outras:
- a rubrica “Nº 1”, com a “Designação” “Linha completa de serração”, correspondente a “Investimento” com o valor de “286.750,00 €”; e
- a rubrica “Nº 7”, com a “Designação”“Destroçadora para biomassa …”, correspondente a “Investimento” com o valor de “324.780,00 €”;
3. a EMP01... adquiriu, em maio de 2014, um equipamento de corte de madeira pelo valor de € 18.000,00; no dia 26.08.2014 (por referência à data aposta na fatura n.º ...49) foi realizada uma operação titulada na fatura como sendo de venda de um equipamento de corte de madeira da EMP01... à EMP04..., pelo valor de € 124.000,00, acrescido de IVA no valor de € 28.520,00 (fls. 19); nesse mesmo dia (por referência à data aposta na fatura n.º ... ½) foi realizada uma operação titulada na fatura como sendo uma operação de venda do mesmo equipamento pela EMP04... à EMP02..., pelo valor de € 125.000,00, acrescido de IVA no valor de € 28.750,00 (fls. 20) e, a pedido dos arguidos BB, AA e CC, EE, em representação da EMP02... emitiu, com data de 28.08.2014, a fatura n.º ...40, que titula uma operação de venda do mesmo equipamento de novo à EMP01..., pelo valor de € 150.000,00, acrescido de IVA no valor de € 34.500,00 (fls. 21);
4. a EMP04... adquiriu, em data não concretamente apurada do ano de 2013, um equipamento designado “secado de banda a baja temperatura” pelo valor de € 445.000,00 à EMP06... (fls. 23ss); com data de 22.08.2014 foi emitida a fatura n.º ..., titulando uma operação de venda do mesmo equipamento pela EMP04... à EMP03..., pelo valor de € 445.000,00, acrescido de IVA no valor de € 102.350,00 (fls. 51) e, a pedido dos arguidos BB, AA e CC, FF, em representação da EMP03... emitiu, com data de 27.08.2014, a fatura n.º ...5, que titula uma operação de venda do mesmo equipamento, alterando no entanto a designação na fatura para “Linha para Biomassa” à EMP01..., pelo valor de € 470.000,00, acrescido de IVA, no valor de € 108.100,00 (fls. 52);
5. tais equipamentos constavam da candidatura da EMP01... à obtenção de financiamento junto do IAPMEI e foram incluídos, tal como os valores que constam das faturas, no mapa de “Pedido de Pagamento – Investimentos” de fls. 34 do Apenso B, tendo as faturas de fls. 21 e 52 sido apresentadas ao IAPMEI;
6. a candidatura ao financiamento exigia equipamentos novos mas os equipamentos a que se referem as faturas são usados e estão sobrevalorizados, destinando-se as mesmas a criar a aparência da aquisição, como novos, destes dois equipamentos (correspondentes às rubricas nº 1 e 7 da candidatura), empolando o seu preço com vista à obtenção de um subsídio maior;
7. os arguidos lograram, desta forma, obter do IAPMEI o subsídio correspondente a tais equipamentos por este estar erroneamente convencido de que tais equipamentos haviam sido efetivamente adquiridos pela EMP01... no estado de novos e pelos valores que constam das faturas.
Cumpre, antes de mais, referir que o dever de declaração resulta “do regime legal da própria subvenção, portanto de qualquer norma que disponha sobre a concessão do subsídio ou subvenção pretendidos” (Acórdão do TRP de 25.09.2002, Proc. nº 0240396). In casu, resulta do Regulamento do Sistema de Incentivos à Inovação, criado ao abrigo do Enquadramento Nacional dos Sistemas de Incentivo, do qual a EMP01... tomou conhecimento, aquando da subscrição do requerimento de apresentação da candidatura.
Aquando da candidatura da EMP01... à obtenção do subsídio já haviam sido indicados os equipamentos (correspondentes às rubricas nº 1 e 7 da candidatura) que vieram posteriormente a constar das faturas destinadas a criar a aparência da aquisição pela EMP01..., como novos, de tais equipamentos, empolando o seu preço com vista à obtenção de um subsídio maior.
São as falsas informações que constam da candidatura que determinam a decisão do IAPMEI de considerar tais equipamentos como elegíveis e são as faturas (destinadas a criar a aparência da sua aquisição, como novos, pela EMP01..., empolando o seu preço com vista à obtenção de um subsídio maior) que determinam a consequente decisão de disponibilização do subsídio correspondente.
Tais faturas, utilizadas pelos arguidos, documentam aquisições ilusórias por parte da EMP01... e constituem documentos certificativos de factos que são de tal modo importantes/essenciais (para a concessão do financiamento relativo aos equipamentos que delas constam) que só através delas e da sua comunicação foi possível a atribuição do valor correspondente, no pressuposto de que a EMP01... havia efetivamente adquirido tais equipamentos, no estado de novos e pelos valores que delas constam.
Provou-se que as faturas utilizadas pelos arguidos eram falsas porque reproduziam factos e informações juridicamente relevantes e que não tinham correspondência à realidade (cfr. arts. 255º e 256º do C.Penal), porquanto as sociedades que constam das faturas como tendo vendido os equipamentos à EMP01... (EMP02... e EMP03...) não os pretendiam efetivamente adquirir nem os vender, de forma real, sendo também fictícios os valores que delas constam.
Por terem persuadido o IAPMEI de que os valores indicados (sustentados nas faturas de fls. 21 e 52) eram verdadeiros (o que os arguidos sabiam ser falso), a EMP01... recebeu a quantia de € 403.000,00 referente a investimentos que não havia efetuado e, como tal, nunca originariam o pagamento daquele subsídio porque, apesar dos equipamentos constarem da candidatura, não eram elegíveis.
Porque está em causa um daqueles casos que a lei entende por particularmente graves, mostra-se, assim, preenchido o elemento típico vertido no n.º 2 do art. 36º, por referência ao nº 5, al. a).
No que se refere ao tipo subjetivo de ilícito também o mesmo se mostra preenchido, atendendo a que se provou que os arguidos sabiam que as faturas não correspondiam a transações reais, realizaram as operações contabilísticas, por elas sustentadas, com o propósito conseguido de falsear os resultados da EMP01... apresentados à Agência para o Desenvolvimento e Coesão, IP., que sabiam ser fictícios e empolados.
Mais sabiam não terem direito à quantia recebida e que tal sucedeu graças à faturação falsa e à falsas declarações que prestaram no âmbito do projeto comunitário, em que anunciavam a aquisição de bens em estado de novo, quando não correspondia à verdade.
Desta forma, agiram com o propósito conseguido de criar a aparência de que tinham adquirido o equipamento que constava na candidatura da EMP01... e pelo falso valor declarado nas faturas, sabendo que tal não correspondia à realidade, que dele dependia o pagamento dos reembolsos e que assim criavam falsamente, junto do IAPMEI, a aparência e a convicção de que as quantias em causa eram devidas à EMP01.... Determinaram, com base em informações falsas, a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, IP a atribuir lhes os valores em causa, que aqueles integraram no giro normal da sociedade, obtendo esta enriquecimento a que não tinha direito. Mais sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e que ainda assim agiram livre, voluntária e conscientemente. Os arguidos agiram, assim, com dolo direto.
Não se verificam quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, pelo que, se conclui que os arguidos AA, BB e CC praticaram, em co-autoria material e na forma consumada, o crime agravado de fraude na obtenção de subsídio ou de subvenção, p. e p. pelo art. 26º do C.Penal, em conjugação com o art. 36º, nº 1, al. a), nº 2, nº 5, al. a) e nº 8, al. b), todos do DL nº 28/84, de 20 de janeiro, e a sociedade arguida EMP01..., Lda praticou o crime agravado de fraude na obtenção de subsídio ou de subvenção, p. e p. pelo art. 11º, nº 2, al. a) do C.Penal, em conjugação com os arts. 3º, 7º e 36º, nº 1, al. a), nº 2, nº 5, al. a) e nº 8, al. b), todos do DL nº 28/84, de 20 de janeiro
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Quanto ao crime de burla tributária, os recorrentes alegam que não existiu qualquer enriquecimento da EMP01... ou de terceiros, nem qualquer empobrecimento do Estado ou de terceiros, tendo-se limitado a deduzir o IVA que foi pago, em cumprimento do princípio da neutralidade do IVA (conclusões 108ª e 111ª) e que, caso os factos fossem suficientes para sustentar uma decisão de condenação, sempre se reconduziriam à previsão do crime de fraude fiscal e não ao crime de burla tributária (conclusão 112ª).
Uma vez que os recorrentes defenderam que não se mostram preenchidos os elementos típicos do crime de burla tributária qualificada, decorrente de não ter existido enriquecimento da arguida EMP01..., importa apurar se, face aos factos dados como provados, estão ou não preenchidos todos os elementos constitutivos do crime de burla tributária agravada e, mais precisamente, o de saber se houve um enriquecimento. Também se impõe apurar o suscitado enquadramento dos factos provados no crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103º, nº 1, al. c) e 104º, nº 2, al. b) do RGIT
O art. 87º do RGIT (Lei n.º 15/2001, de 5 de junho), sob a epígrafe, “Burla tributária” dispõe que: “1 - Quem, por meio de falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos, determinar a administração tributária ou a administração da segurança social a efectuar atribuições patrimoniais das quais resulte enriquecimento do agente ou de terceiro é punido com prisão até três anos ou multa até 360 dias. 2 - Se a atribuição patrimonial for de valor elevado, a pena é a de prisão de 1 a 5 anos para as pessoas singulares e a de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas. 3 - Se a atribuição patrimonial for de valor consideravelmente elevado, a pena é a de prisão de dois a oito anos para as pessoas singulares e a de multa de 480 a 1920 dias para as pessoas colectivas. 4 - As falsas declarações, a falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou a utilização de outros meios fraudulentos com o fim previsto no n.º 1 não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber. 5 - A tentativa é punível”.
Trata-se de um crime de dano, punível com as mesmas penas que a burla comum, “que pressupõe a utilização de meios fraudulentos, em princípio não autonomamente puníveis, que têm de determinar a administração tributária ou a administração da segurança social a efectuar atribuições patrimoniais das quais resulte o enriquecimento do agente ou de terceiro” (Isabel Marques da Silva, 2007, pp. 79 e 118, referida por Ana Paula Rocha in JULGAR Online, maio de 2018, pág. 9) e está estruturado como um crime de resultado, em que o processo típico é de execução vinculada.
O bem jurídico protegido com a presente incriminação é o património tributário do Estado. “São elementos constitutivos deste crime de burla tributária: - Uso de erro ou engano sobre os factos, provocado por meios fraudulentos, como falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante; - Que sejam aptos ou idóneos a determinar a administração tributária ou a administração da segurança social a efectuar atribuições patrimoniais das quais resulte enriquecimento do agente ou de terceiro” (Acórdão deste TRG de 19.12.2023, Proc. nº 1430/19.0T9BRG.G1).
É exigido, num primeiro momento, uma conduta astuciosa comissiva que, diretamente, induza em erro ou engano e, num segundo momento, a ocorrência de atribuição patrimonial de que resulte, para o sujeito ativo ou para terceira pessoa, um enriquecimento ilegítimo, por este se entendendo a vantagem que não tem, objetiva ou subjetivamente, qualquer correspetivo em direito.
Também se exige um duplo nexo de imputação objetiva, entre a conduta enganosa do agente e a prática, pela vítima, dos atos de diminuição do seu património e entre estes e o prejuízo patrimonial ocorrido.
O meio enganoso tem de ser a causa efetiva pela qual a administração se encontra em erro.
A consumação pressupõe ainda o enriquecimento do agente ou de terceiro obtido à custa do património fiscal do Estado.
O elemento subjetivo reconduz-se ao dolo genérico (art. 14º do C.Penal).
Os recorrentes suscitam o enquadramento dos factos provados no crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103º, nº 1, al. c) e 104º, nº 2, al. b) do RGIT
Preceitua o art. 103º do RGIT, sob a epígrafe “Fraude”, que: “1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por: a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável; b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária; c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas. 2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 15000. 3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária”.
Os interesses protegidos pela norma são a verdade e a transparência das relações fiscais, o interesse estadual na obtenção de receitas fiscais (neste sentido, Paulo Dá Mesquita in “Sobre os crimes de fraude Fiscal e burla”, págs. 142 e 143 - https://revistas.ucp.pt/index.php/direitoejustica/article/view/11142/10781).
Relativamente à integração do comportamento fiscal fraudulento nos crimes de fraude fiscal ou burla tributária, Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão (in “Estudos em Homenagem a Rui Machete”, pág. 417 - https://apps.uc.pt/mypage/files/nbrandao/1471) afirmam, por referência à burla tributária, que: “nesta, como Germano Marques da Silva logo procurou esclarecer, “já não se trata apenas de não pagar [impostos], trata-se de enriquecer à custa daqueles que pagam”, ainda hoje sustentando que o que separa a fraude fiscal da burla tributária é que “na fraude o agente visa o não empobrecimento, na burla o enriquecimento”. Por muito questionável que possa parecer o intuito de radicar a contraposição entre fraude fiscal e burla tributária numa paralela contraposição entre não empobrecimento e enriquecimento, devemos concordar que todos os dados se conjugam agora na direção de que o tipo incriminador da burla tributária foi desenhado na base dessa dicotomia enriquecimento vs. não empobrecimento, circunscrevendo a matéria punível apenas ao primeiro termo da alternativa. No sentido desta conclusão depõem os antecedentes históricos da incriminação, o contexto social em que ela apareceu, a referida “interpretação autêntica” que o autor do anteprojeto do RGIT manifestou logo aquando da sua entrada em vigor e ainda, decisivamente, a concatenação do elemento típico “enriquecimento” com a explicitação típica da deslocação patrimonial penalmente relevante em sede de burla tributária. Uma deslocação que, como vimos, deve consistir em “efetuar atribuições patrimoniais”.
Os tipos de crime de burla tributária e fraude fiscal têm elementos comuns, mas é desde logo diverso o elemento relativo ao propósito da atuação: enquanto que a burla tributária pressupõe, como vimos, o enriquecimento do agente ou de terceiro obtido à custa do património fiscal do Estado, na fraude fiscal a ação do agente visa a diminuição das receitas tributárias.
Atenta a factualidade provada, é manifesto que a conduta dos arguidos visou a obtenção de um benefício, através da encenação de uma relação tributária, consubstanciado no desapossamento do Estado das quantias relativas ao reembolso do IVA, e integra-se no tipo de ilícito de burla tributária já que se verificam todos os seus elementos: a inclusão das faturas (relativas a negócios fictícios decorrentes de operações económicas simuladas) no pedido de reembolso do IVA; com o intuito de obterem o reembolso de IVA e o inerente enriquecimento patrimonial ilegítimo para sociedade EMP01..., a que sabiam não ter direito; o nexo causal entre a inclusão das mesmas na declaração fiscal e os pagamentos efetuados pela administração fiscal; o enriquecimento ilegítimo da EMP01... à custa desta última, cujo prejuízo patrimonial se cifrou em € 142.600,00 que integraram no giro normal da sociedade e o dolo específico, consistente em querer que o Estado/Administração Tributária fizesse essas atribuições patrimoniais a que sabiam que a EMP01... não tinha direito.
Na sequência do comportamento dos arguidos, ocorreu deferimento pela AT e o reembolso à EMP01... foi integralmente efetuado.
É precisamente na demonstração de que os arguidos atuaram com o propósito de obterem o enriquecimento da arguida EMP01... (e não com o propósito de obterem o não empobrecimento da arguida EMP01...), à custa de terem determinado a administração a efetuar atribuições patrimoniais (consistentes no reembolso do IVA), que reside a verificada incriminação da burla tributária e a não verificação dos elementos do tipo de crime da fraude tributária (nomeadamente o propósito do obter o não empobrecimento em virtude de a conduta praticada causar diminuição das receitas tributárias).
Por último, considerando o valor da atribuição patrimonial indevidamente paga (€ 142.6000,00), dúvidas não restam da verificação da circunstância agravante prevista no nº 3 do art. 87º do RGIT.
Tendo resultado demonstrado que os arguidos atuaram em nome e no interesse da sociedade EMP01..., de modo livre, voluntário e consciente, com o propósito conseguido de obter a título de subsídio e reembolso de IVA quantias a que não tinham direito, também a identificada sociedade incorreu na prática de um crime de burla tributária, a qual se cumula com a responsabilidade individual dos arguidos AA, BB e CC, nos termos do disposto no art. 87º nº 1 e 3 do RGIT.
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Os recorrentes entendem que a decisão de condenação dos arguidos pela prática do crime de burla tributária qualificada viola o princípio da igualdade, consagrado no art. 13º, nº 1 da CRP, e o princípio do caso julgado, por referência ao despacho de arquivamento proferido em 13.12.2022, nomeadamente na abordagem à situação das sociedades EMP02..., da EMP03... e da EMP04... e dos respetivos gerentes.
Sustentam ainda que a condenação pela prática do crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção e pela prática do crime de burla tributária qualificada fundamentaram-se nos mesmos factos (conclusão 94ª), invocando, assim, a violação do princípio constitucional ne bis in idem.
O princípio ne bis in idem ou o também chamado princípio da proibição do duplo julgamento ou da dupla incriminação, não encontrando previsão expressa na lei ordinária, tem assento constitucional no art. 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa que dispõe “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.
É posição unânime na nossa doutrina que a expressão “mesmo crime”“não deve ser interpretada, no discurso constitucional, no seu estrito sentido técnico-jurídico, “mas antes entendido como uma certa conduta ou comportamento, melhor como um dado de facto ou acontecimento histórico que, porque subsumível em determinados pressupostos de que depende a aplicação da lei penal, constitui um crime.” - Ac Rel Coimbra de 28-05-2008, Rel. Alberto Mira”. Nestes termos, o que transita em julgado é o acontecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação de um tribunal. Isto significa que todos os factos praticados pelo arguido até à decisão final que directamente se relacionem com o pedaço de vida apreciado e que com ele formam a aludida unidade de sentido, ainda que efectivamente não tenham sido conhecidos ou tomados em consideração pelo tribunal, não podem ser posteriormente apreciados”- Frederico Isasca, idem, pág. 242 e 229,- apud, sublinhado nosso” (Acórdão do TRC de 09.03.2016, Proc. nº 48/15.0GBLSA.C1).
Esta proibição do duplo julgamento pelos mesmos factos, como efeito processual da decisão transitada em julgado, assenta em razões de segurança jurídica, impedindo que o que nela se decidiu seja atacado quer dentro do mesmo processo (caso julgado formal), quer noutro processo (caso julgado material).
A proibição do ne bis in idem mais não é do que a manifestação substantiva do princípio do caso julgado, enquanto garantia básica de que ninguém pode ser submetido a um processo duas vezes pelo mesmo facto, seja de forma simultânea ou sucessiva, e seja qual for a qualificação jurídica que lhes é atribuída (sendo indiferente que estes possam ser contemplados de distintos ângulos penais, formal e tecnicamente distintos[8]).
Cumpre, de antemão, lembrar que o despacho de arquivamento, por não se reportar aos recorrentes, não assume qualquer relevância para os invocados efeitos do caso julgado nem da alegada violação do princípio da igualdade, não merecendo a presente argumentação qualquer relevância jurídica nesta sede de recurso.
Por outro lado, face ao argumento invocado pelos recorrentes de que a condenação pela prática do crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção e pela prática do crime de burla tributária qualificada fundamentaram-se nos mesmos factos, importa saber se estamos perante a “prática do mesmo crime” ou perante um concurso efetivo de infrações, quer este concurso seja real, quer seja ideal.
Como bem se diz no Acórdão do TRC de 10.07.2024, Proc. nº 1161/17.5T9VIS.C1: ”É que, sendo o concurso de crimes efetivo, e não meramente aparente, a dupla penalização não viola o princípio constitucional do ne bis in idem. E isto, porque as sanções, que cada uma das normas penais que se encontram em concurso prevê, se destinam, cada uma delas, a punir a violação de um bem jurídico diferente; ou, então, porque o bem jurídico, que a mesma conduta viola por mais do que uma vez, é um bem jurídico eminentemente pessoal. Em ambos os casos, não se está em presença do mesmo crime, embora se esteja em presença do mesmo facto ou da mesma ação delituosa. O que vale por dizer de uma mesma conduta naturalística. O apuramento da violação do princípio constitucional do ne bis in idem pressupõe que as normas em causa sancionem - de modo duplo ou múltiplo - substancialmente a mesma infração. A contrariedade ao princípio ne bis in idem depende assim da identidade do bem jurídico tutelado pelas normas sancionadoras concorrentes, ou do desvalor pressuposto por cada uma delas – neste sentido, vide ac. TC n° 244/99 …”.
Transpondo as considerações expostas impõe-se equacionar se os factos integradores dos crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção e burla tributária se sobrepõem na tutela jurídica.
Analisados os factos provados, constatamos que os primeiros concernem a informações e a faturas, ambas não coincidentes com a realidade, e ao recebimento de fundos públicos indevidamente pagos com base em tais informações e faturas, enquanto que os segundos respeitam ao pedido de reembolso de IVA com inclusão dessas mesmas faturas como se correspondessem a transações reais.
Como vimos, estão em causa tipos penais distintos (cfr. art. 30º do C.Penal) que punem a violação de um bem jurídico diferente: o bem jurídico protegido com a incriminação prevista para o crime de fraude na obtenção de subsídio é a confiança necessária à vida económica e à correta aplicação dos dinheiros públicos no domínio económico, já o bem jurídico protegido com a incriminação prevista para o crime de burla tributária é o património tributário do Estado (a efetiva arrecadação deste imposto por parte do erário público).
Apesar de, em ambos os casos, estarem em causa dinheiros públicos, consideram-se momentos e perspetivas completamente diferentes pois o crime de fraude para obtenção de subsídio ou subvenção respeita ao momento da sua aplicação no apoio à atividade económica, já o crime de burla tributária respeita ao momento do reembolso pelo Estado.
Em suma, não será de acolher o entendimento dos recorrentes e consequentemente impõe-se concluir que os crimes de fraude para obtenção de subsídio ou subvenção e de burla tributária se encontram numa relação de concurso efetivo, do que resulta que a condenação dos arguidos pela prática dos mesmos não viola o princípio constitucional ne bis in idem.
Assim sendo, não merece censura a decisão recorrida, quer na parte que respeita ao enquadramento jurídico-penal dos factos a respeito dos crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção e de burla tributária quer na parte relativa à condenação dos recorrentes pela prática de tais crimes pelo que impõe-se concluir pela improcedência do recurso também neste segmento recursivo.
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7.Pressupostos da declaração de perda de vantagens
Os recorrentes EMP01..., Lda, AA e BB alegaram que a única vantagem recebida pela EMP01... foi a resultante da carência de juros desde a data da entrega das quantias a título de incentivo reembolsável até à sua efetiva e integral restituição que inclusive já ocorreu (conclusão 119ª) e que, com as declarações tributárias, a EMP01... não obteve nem poderia obter qualquer vantagem patrimonial (conclusão 23ª).
O recorrente CC também alegou que, uma vez que as vantagens decorrentes da prática dos crimes se integram exclusivamente no património da EMP01..., apenas esta, e não também os arguidos/recorrentes, poderia ser condenada na perda de vantagens a favor do Estado (conclusões 33ª e 34ª).
O tribunal de primeira instância condenou todos os recorrentes no pagamento ao Estado do valor equivalente à vantagem obtida, correspondente ao montante de €744.600,00.
Importa apreciar se, no caso em apreço, deve ou não ser declarada perdida a favor do Estado a vantagem patrimonial obtida pelos arguidos e em que medida.
É inequívoco e mostra-se empenhadamente explicado, que as vantagens patrimoniais obtidas em sede de IVA, mediante utilização de faturas falsas, no quadro da comissão de um crime de burla tributária, constitui vantagem (no montante de € 142.600,00) que pode ser declarada perdida a favor do Estado.
Também resulta demonstrado que o incentivo reembolsável recebido pela EMP01... não se mostra restituído, na íntegra, ascendendo a vantagem obtida, nessa sede (decorrente das alterações introduzidas à factualidade provada), a € 403.000,00.
A este propósito, o acórdão recorrido refere: ”adere-se à posição jurisprudencial que defende que se exige apenas um concreto facto ilícito típico e a existência de vantagens com ele obtidas, e do nexo de causalidade entre ambos, independentemente da esfera patrimonial, para a qual resultou a vantagem, pertencer ao arguido ou a um terceiro. Verificados tais requisitos, “a perda da vantagem (ou o pagamento do valor equivalente) deve ser declarada contra aquele agente que, não obtendo para si a vantagem, possibilita e determina, com a prática do ilícito-típico, a sua obtenção por outrem”, mesmo quando esse terceiro é a sociedade da qual é gerente”.
Com a reforma do Código Penal levada a cabo pela Lei nº 48/95, de 15 de março, o capítulo IX, do título III, livro I, do Código Penal, passou a regular nos arts. 109º a 112º, a “perda de instrumentos, produtos e vantagens”, tendo a Lei n.º 32/2010, de 2 de setembro, alterado posteriormente, o n.º 2 do art.º 111º do C.Penal, suprimindo o advérbio “directamente”.
Todas as normas do Código Penal relativas a esta matéria foram, entretanto, objeto de alteração pela Lei n.º 30/2017, de 30 de maio, que transpôs a Diretiva 2014/42/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia, tendo entrado em vigor a 3 de maio de 2017.
Nos termos do art. 111º do C.Penal (na versão da Lei nº 32/2010, de 02.09, vigente à data dos factos objeto dos presentes autos, que equivale à atual redação do art. 110º, nº 1, al. b), nº 3 e 4): “1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado. 2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie. 3 - O disposto nos números anteriores aplica-se às coisas ou aos direitos obtidos mediante transacção ou troca com as coisas ou direitos directamente conseguidos por meio do facto ilícito típico. 4 - Se a recompensa, os direitos, coisas ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor”.
No Código Penal Português prevêem-se três modalidades de perda de bens: de instrumentos, de produtos e de vantagens.
São estas últimas que, in casu, interessam, as quais “correspondem aos benefícios ou proventos que resultaram para o agente da prática do facto ilícito e que se traduzem no incremento patrimonial da sua situação económica … A noção de ‘produto’ na generalidade dos diplomas internacionais, é entendida com significado idêntico ao conceito de ‘vantagens’ utilizado na legislação portuguesa. A Directiva 2014/42/UE classifica como produto qualquer vantagem económica resultante, directa ou indirectamente, de uma infracção penal; pode consistir em qualquer tipo de bem e abrange a eventual transformação ou revestimento posterior do produto directo assim como qualquer ganho quantificável (art.º 2.º, n.º 1). Trata-se de um conceito amplo que inclui tudo o que resulta do crime e que, em termos nacionais, integra os ‘productum sceleris’, as recompensas e os ‘fructum sceleris’. Alguns diplomas nacionais têm vindo a definir o produto do facto ilícito típico como “[…] qualquer vantagem económica resultante das infracções penais, podendo consistir em qualquer bem […]” – vd. Lei n.º 88/2009, de 31 de Agosto” (Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência de 11.04.2024, Proc. nº 1105/18.7T9PNF.P1-A.S1).
Todas as modalidades assentam em necessidades de prevenção. Todavia, na perda de instrumentos e objeto está em causa a perigosidade imediata da sua adequação para a prática de factos ilícitos típicos, enquanto que na perda de produtos e vantagens está em causa a prevenção da criminalidade (geral e especial) ligada à ideia de que o “crime não compensa”, o que não tem sido conseguido exclusivamente com a aplicação da pena.
Na criminalidade económica, a perda de vantagens desenvolve um papel fundamental no combate à criminalidade pois só se consegue o efeito dissuasor pretendido privando os infratores, de forma efetiva, dos bens, serviços e benefícios que a atividade criminosa lhes proporciona, ou seja, garantindo que não beneficiam economicamente da sua prática.
E, a comunidade não compreende nem aceita que o crime possa ser uma fonte de enriquecimento pessoal para o condenado.
A respeito da natureza jurídica da perda de vantagens, Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português, Parte Geral II - As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 638) esclarece que não se define como uma pena acessória porque não possui qualquer ligação com a culpa e, também, não é efeito da pena ou da condenação, mas, antes, “uma providência sancionatória de natureza análoga à da medida de segurança ... no sentido em que é sua finalidade prevenir a prática de futuros crimes, mostrando ao agente e à generalidade que, em caso de prática de um facto ilícito-típico, é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito; e que, por isso mesmo, esta instauração se verifica com inteira independência de o agente ter ou não actuado com culpa”.
Noutro sentido, Hélio Rigor Rodrigues (in “II – O Confisco das Vantagens do Crime: Entre os Direitos dos Homens e os Deveres dos Estados A Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em Matéria de Confisco”, págs. 51, 53 e 54) considera que ”o que está em causa é uma medida de não tolerância com uma situação patrimonial ontologicamente ilícita, ou por outras palavras, de uma medida tendente a impedir um lucro ilícito. Neste caso, como sugere Mapelli Caffarena trata-se de uma medida muito próxima da responsabilidade civil, uma vez que não responde aos fins retributivos e preventivos do sistema penal, bem como porque a sua abrangência não se determina com base em critérios estabelecidos para as consequências do crime ... A posição que assumimos nesta matéria é clara: o confisco das vantagens assume natureza civil – nem penal, nem administrativa, nem sequer minimamente sancionatória, mas puramente civil. O princípio subjacente ao confisco das vantagens é o da necessidade de evitar o enriquecimento ilícito causado pela infracção criminal … Visa-se apenas, com o confisco das vantagens, colocar o agente precisamente na mesma situação em que estaria se o crime não tivesse sido cometido … corresponde a uma reconstituição natural, que não implica qualquer sanção ou sequer qualquer prejuízo para o visado. Salvo para quem defenda que o crime é título aquisitivo da propriedade”.
No mencionado Acórdão do STJ de 11.04.2024 conclui-se que “a perda de vantagens se trata de uma providência sancionatória, com propósitos de prevenção, quer geral, quer especial, na medida em que funciona como um verdadeiro travão à prática de novos factos ilícitos típicos, uma vez que retira aquilo que, por vezes, é o principal estímulo do crime – o lucro. Por outro lado, permite transmitir de forma clara e evidente à comunidade a mensagem de que o crime não pode compensar”.
São pressupostos do seu decretamento a prática de um facto ilícito típico (e não de um crime, enquanto facto típico, ilícito, culposo e punível) e a existência de proventos económicos. É suficiente que o facto ilícito típico tenha sido cometido (independentemente da punição do seu autor ou da sua atuação culposa) e é irrelevante a aplicação de uma pena ou sequer a existência de um juízo de condenação, devendo ser decretada sempre que ocorram vantagens adquiridas pelo agente, para si ou para terceiros, decorrentes da prática do facto ilícito.
Aqui chegados, impõe-se tomar posição acerca da divergência jurisprudencial exposta no acórdão recorrido – cfr. ponto 5.2.
Como bem se refere no Acórdão do STA de 29.11.2011, Proc. nº 0701/10 “II - A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente. III - O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico). IV - O elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação. A letra da lei tem duas funções: a negativa (ou de exclusão) e positiva (ou de selecção). A primeira afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão); a segunda privilegia, sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem. V - Mas além do elemento literal, o intérprete tem de se socorrer algumas vezes dos elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a sua lógica. Estes elementos lógicos agrupam-se em três categorias: a) elemento histórico que atende à história da lei (trabalhos preparatórios, elementos do preâmbulo ou relatório da lei e occasio legis [circunstâncias sociais ou políticas e económicas em que a lei foi elaborada]; b) o elemento sistemático que indica que as leis se interpretam umas pelas outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo, parte do sistema; c) elemento racional ou teleológico que leva a atender-se ao fim ou objectivo que a norma visa realizar, qual foi a sua razão de ser (ratio legis)”.
Em consonância com a tese sufragada no acórdão recorrido, defendemos que a perda da vantagem (ou a condenação no pagamento do valor equivalente) não depende da demonstração de um efetivo enriquecimento ou obtenção de benefício pessoal pelo autor do desvio patrimonial e deve ser declarada contra aquele agente que, através de uma atuação típica e ilícita, possibilitou e determinou, com a prática do ilícito-típico, a sua obtenção para si ou para outrem (neste sentido, Acórdãos deste TRG de 14.01.2019, Proc. nº 240/16.0IDBRG.G1 e de 08.11.2021, Proc. nº 4/19.0T9VNC.G1, Acórdãos do TRP de 03.04.2024, Proc. nº 2390/18.0T9AVR.P1, de 29.06.2022, Proc. nº 638/17.7IDPRT.P2 e de 19.04.2023, Proc. nº 2460/20.4T8VFR.P1).
Esta interpretação é, desde logo, inculcada pelo elemento literal (cfr. art. 111º do C.Penal, na versão da Lei nº 32/2010, de 02.09, que equivale à atual redação do art. 110º, nº 1, al. b), nº 4) até porque a exigência de demonstração de obtenção direta da vantagem patrimonial pelos autores do crime equivale a uma restrição do funcionamento dos mecanismos do confisco que não se encontra legalmente prevista e que, para além disso, colide com a sua natureza e finalidade marcadamente preventivas (quer de prevenção geral quer de prevenção especial).
O confisco não é uma pena, visa apenas corrigir uma situação patrimonial ilícita, que não goza de tutela jurídica, estando-lhe subjacente “uma necessidade de restauro necessidade de restauração da ordem patrimonial dos bens correspondente ao direito vigente”[9].
Com efeito, como bem se diz no Acórdão do TRP de 03.04.2024, Proc. nº 2390/18.0T9AVR.P1 (que aqui se seguirá de perto) “no modelo, que é o nosso, de mera restauração de uma ordem patrimonial conforme ao direito, o confisco não é uma pena. Está em causa, apenas, corrigir uma situação patrimonial ilícita, que não goza de tutela jurídica. Portanto, o confisco não tem caráter sancionatório – ou não o tem primordialmente -, assumindo-se, antes, quer como um simples mecanismo preventivo análogo à medida de segurança (perda de instrumentos e de produtos), quer como um mero mecanismo civil enxertado no processo penal (confisco das vantagens, das recompensas e do património incongruente) de tutela de uma ordem patrimonial conforme ao direito (neste sentido, cf. João Conde Correia, “«Non-Conviction Based Confiscations» no Direito Penal Português Vigente”, Revista Julgar nº 32, Maio-Agosto 2017, pág. 94)”. A imposição do confisco ao autor do crime, independentemente da demonstração de um efetivo ganho patrimonial ou enriquecimento na sua esfera jurídica, vem sendo reconhecida pelos tribunais superiores italianos, como nos dá conta Tommaso Trinchera [89]. E a redação do art.º 110.º, n.º 1, alínea b) do CP sugere que esta interpretação é a mais correta, pois nele se prescreve que são perdidas a favor do Estado “as vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem”.
Retornando ao caso concreto, resulta da matéria de facto provada (inclusive das alterações nela introduzidas) que o desvio patrimonial que o legislador pretende corrigir com o instituto da perda de bens ou vantagens foi determinado pelo comportamento ilícito dos arguidos AA, BB e CC que atuaram de forma concertada e possibilitaram a obtenção de uma vantagem indevida pela sociedade arguida.
Por tal motivo, são todos eles solidariamente responsáveis pelo pagamento ao Estado do valor equivalente ao da vantagem ilicitamente obtida que ascende a € 545.600,00 (€ 403.000,00 + € 142.600,00), uma vez que o incentivo reembolsável não se mostra restituído, na íntegra, e a EMP01... enriqueceu, no montante equivalente ao reembolso indevido do IVA, à custa do património fiscal do Estado.
Paralelamente, todos os arguidos teriam de ser condenados solidariamente com a sociedade arguida no pagamento da indemnização devida ao Estado, nos termos próprios da responsabilidade civil extracontratual, caso tivesse sido formulado pedido de indemnização civil, o que ocorreria independentemente da indagação e prova da obtenção de qualquer benefício patrimonial (direta ou indiretamente) pelos próprios arguidos.
Atente-se que, mesmo que os arguidos fossem “terceiro” (o que não se verifica, na medida em que são co-autores dos crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção e de burla tributária), a perda (ou pagamento ao Estado do respetivo valor) poderia ser decretada, desde que estivesse prevista qualquer uma das situações contempladas no nº 2 do art. 110º do C.Penal (na versão da Lei nº 32/2010, de 02.09, que equivale à atual redação do art. 111º, nº 2). E é manifesto que estas hipóteses não se restringem às situações em que o terceiro retirou benefícios do facto ilícito cometido por outrem.
Presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. art. 9 nº 3 do C.Civil), certamente não faria incidir sobre os terceiros consequências patrimoniais mais gravosas do que as que decorreriam para os autores do crime.
Na sequência do exposto, tendo em consideração a letra da lei, o processo legislativo que a precedeu e a intenção do legislador, atentos os padrões de racionalidade, entendemos que, a admissão da tese de que a perda de vantagem apenas poderia ser declarada contra quem obtenha para si a vantagem, equivaleria a fazer incidir sobre os terceiros consequências patrimoniais mais gravosas do que as que decorreriam para os autores do crime, o que não faz sentido e não pode ter sido pretendido pelo legislador por, além do mais, ser violador dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
Assim sendo, é de condenar a totalidade dos arguidos no pagamento ao Estado do valor equivalente à vantagem indevidamente obtida pela sociedade arguida, isto é, € 545.600,00.
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IV- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que integram a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, após conferência, em:
1. Proceder à correção dos seguintes lapsos materiais constantes do acórdão recorrido:
a) o quarto parágrafo do item “V. Da declaração da perda da vantagem patrimonial” passa a ter a seguinte redação: “Os arguidos deduziram contestação, tendo os arguidos EMP01..., Lda, AA e BB se pronunciado quanto a esta questão, através do requerimento apresentado em 07.05.2024 com a Ref.ª ...97”;
b) substituir a palavra “...” várias vezes repetida no acórdão recorrido pela palavra “...”;
2. Conceder parcial provimento aos recursos interposto pelos arguidos EMP01..., Lda, AA e BB e pelo arguido CC e consequentemente determinar:
a) a alteração da decisão recorrida quanto à matéria de facto, nos moldes explicitados no ponto 2. do presente acórdão que aqui se dá por integralmente reproduzido;
b) a alteração da redação dos factos provados constantes dos pontos 34, 37, 40 e 46 do elenco dos factos provados, os quais passam a ter a redação supra referida no ponto 4. do presente acórdão que aqui se dá por integralmente reproduzido;
c) a alteração da decisão recorrida quanto à matéria de facto constante dos pontos 39, 47 e 169 do elenco dos factos provados, nos moldes explicitados no ponto 3. do presente acórdão que aqui se dá por integralmente reproduzido;
d) a alteração do valor da vantagem patrimonial, declarada perdida a favor do Estado e no pagamento da qual os arguidos foram condenados, que se fixa no valor de € 545.600,00 (quinhentos e quarenta e cinco mil e seis centos euros).
4. Manter, no mais, o decidido.
Sem custas.
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Guimarães, 28 de janeiro de 2025
Luísa Oliveira Alvoeiro (Juíza Desembargadora Relatora)
Paulo Almeida Cunha (Juiz Desembargador Adjunto)
Florbela Sebastião e Silva (Juíza Desembargadora Adjunta)
[1]A propósito da desconsideração, na enunciação da matéria de facto, de afirmações conclusivas e juízos valorativos (bem como, quando seja o caso, de conceitos jurídicos sem o suporte fáctico correspondente alegado), - cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2015 e de 1 de Outubro de 2019, do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 2016 e do Tribunal da Relação de Lisboa 28 de Abril de 2021, todos acessíveis, como os demais arestos adiante citados, em www.dgsi.pt). [2]É certo que os factos respeitantes aos elementos volitivos e intelectuais (como os factos atinentes ao dolo) são inferências que se retiram dos restantes factos provados, sabido que o dolo é uma realidade que não é apreensível diretamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum [ensina Cavaleiro Ferreira – in “Curso de Processo Penal”, Vol. II, 1981, pág. 292 – que existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são suscetíveis de prova indireta, como são todos os elementos de estrutura psicológica, os relativos ao aspeto subjetivo da conduta criminosa; também Malatesta – in “A Lógica das Provas em Matéria Criminal”, págs. 172 e 173 – defende que, excetuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indiretas (“percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita e, dessas coisas, passa-se a concluir pela sua existência”)]. [3]Ireneu Cabral Barreto, na sua Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, a fls. 139, em anotação ao artigo 6º, transcreve passagem do acórdão do TEDH John Murray, do seguinte teor e da maior pertinência para a análise da prova indireta: “O tribunal nacional não pode concluir pela culpabilidade do arguido simplesmente porque este decidiu guardar silêncio. Apenas quando as provas da acusação requererem uma explicação que o arguido está em condições de fornecer, dessa omissão se poderá concluir, por um simples raciocínio de bom senso, que não existe nenhuma explicação possível e que o arguido é culpado.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/09/2017, disponível no site www.dgsi.pt) [4] A jurisprudência dos tribunais superiores tem sufragado o entendimento sobre o que deve considerar “relações especiais” para efeitos do citado artigo 57.º do CIRC. Citamos o acórdão deste TCA de 18/12/2008, proferido no processo n.º 02515/08, do qual se transcreve a seguinte passagem: Embora o citado normativo não defina o que deve entender-se por "relações especiais", a doutrina fiscal vem considerando que tais relações existem quando haja situações de dependência, nomeadamente no caso de relações entre a Sociedade e os sócios, entre empresas associadas ou entre sociedades com sócios comuns ou ainda entre empresas mães e filiadas.(sublinhado nosso) [5] Na sequência do despacho proferido em 29.04.2024 (Ref.ª ...86). [6] In “Recursos Penais”, 9ª ed., pág. 78. [7] No sentido de que “o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção previsto no artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, consuma-se com a disponibilização ou entrega do subsídio ou subvenção ao agente”. [8] Cfr. Acórdão do TRC de 15.05.2019, Proc. nº 76/17.1GDCBR.C1. [9] Neste sentido, Acórdão do Tribunal Constitucional nº 392/2015, de 12.08: “Um Estado de Direito não pode deixar de preocupar-se em reconstituir a situação patrimonial que existia antes de alguém através de condutas ilícitas ter adquirido vantagens patrimoniais indevidas, mesmo que estas não correspondam a um dano de alguém em concreto”