ACIDENTE DE TRABALHO
REMIÇÃO FACULTATIVA DE PENSÃO
REQUISITOS
Sumário


É passível de remição facultativa a pensão correspondente a uma IPP inferior a 30%, com IPATH, desde que se verifiquem os requisitos prescritos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 75.º da NLAT.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães
           
I –RELATÓRIO
           
Nos presentes autos de ação especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrado AA e entidades responsáveis EMP01..., COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e BB, veio o sinistrado requerer a remição parcial da pensão até a máximo legalmente admissível.
A Seguradora e o Empregador, devidamente notificados para o efeito, em tempo, nada vieram dizer.
O Ministério Publico pronunciou-se no sentido de ser deferido o pedido de remição parcial, apesar da IPATH, desde que observados os limites do artigo 75.º n.º 2 da NLAT.
Foi proferida decisão que pôs termo ao incidente de remição de pensão, a qual terminou com o seguinte dispositivo:
“Em face de todo o exposto, decide-se não autorizar a remição facultativa da pensão anual e vitalícia, a cargo dos réus EMP01..., Companhia de Seguros, S.A. e BB, fixada nos autos principais.
Sem custas, atendendo à simplicidade do incidente.
Registe e notifique.”
Inconformado com esta decisão, dela veio o sinistrado interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:
(…)
Não foi apresentada contra-alegação.
Foi admitido o recurso na espécie própria e com o adequado efeito (devolutivo) e regime de subida e foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT., tendo a Exma. Procuradora Geral-Adjunta emitido douto parecer, no sentido da procedência do recurso.
Não foi apresentada qualquer resposta ao parecer.
Nada obstando ao conhecimento do recurso, foi dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil e foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do recorrente (artigos 653.º, n.º 3 e 639.º, n.ºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, temos que a única questão a decidir consiste em apurar se a pensão fixada nos autos ao abrigo da Lei n.º 98/2009, de 04.09 (doravante NLAT), é facultativamente remível.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A constante do relatório que antecede, a que acrescem os seguintes factos.

1. No âmbito do processo especial emergente de acidentes de trabalho que correu termos nos autos principais, em 29/04/2024 realizou-se tentativa de conciliação (cujo auto se dá aqui por integralmente reproduzido), tendo o autor, a ré EMP01... e o réu BB obtido acordo, o qual assentou nos seguintes pressupostos:
• o sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho no dia 27/12/2021, quando prestava o seu serviço de jornaleiro, sob as ordens, direcção e fiscalização do réu BB;
• o sinistrado auferia uma remuneração anual global de €12.044,00;
• em consequência do acidente o sinistrado sofreu as lesões discriminadas no relatório da perícia de avaliação do dano corporal, ficando ainda afetado de ITA nele também indicadas, além de apresentar uma I.P.P. de 28,56 %, com IPATH;
• a data da alta ocorreu em 16/06/2023;
• a título de indemnizações por I.T. o sinistrado recebeu da ré EMP01... o montante global de € 10.049,86;
• o sinistrado despendeu a quantia de €30,00 em despesas com transportes e alimentação;
• somente se encontrava transferida a responsabilidade infortunística para a ré EMP01... para uma remuneração anual de € 10.995,00;
• ficou a cargo da ré EMP01... pagar as seguintes quantias ao sinistrado:
1. o montante de €30,00, a título de reembolso de despesas, acrescido de juros de mora;
2. o montante de €1.467,90, a título de indemnização pela incapacidade temporária, acrescido de juros de mora;
3. o montante de €6.103,25, a título de pensão anual e vitalícia, acrescido de juros de mora;
4. o montante de €4.550,88, a título de subsídio de elevada incapacidade permanente, acrescido de juros de mora;
• ficou a cargo do réu BB pagar as seguintes quantias ao sinistrado:
1. o montante de €1.144,94, a título de indemnização pela incapacidade temporária, acrescido de juros de mora;
2. o montante de €606,70, a título de pensão anual e vitalícia, acrescido de juros de mora;
2. Por sentença, proferida em 06/05/2024, transitada em julgado, foi homologado o acordo vertido na acta da diligência de 29/04/2024.

IV – DA APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da remição facultativa da pensão

Antes de mais, importa consignar que atenta a data em que ocorreu acidente de trabalho (27-12-2021) o regime aplicável é o que resulta da Lei n.º 98/2009 de 04.09 (doravante (NLAT).

No que respeita à remição da pensão esta pode ser obrigatória, resultante de imposição legal, ou facultativa que é aquela que dependente da vontade dos interessados. A razão da remição é o de permitir que a compensação correspondente à pensão fixada ao sinistrado possa converter-se em capital que poderá ser eventualmente aplicado, até de um modo mais rentável do que a auferida pela mera percepção de uma renda anual.
A questão a decidir consiste em determinar se é legalmente admissível a remição parcial de pensão devida por IPP inferior a 30%, com IPATH, caso se verifiquem os demais requisitos, ou seja, que a pensão seja de valor superior a seis vezes o salário mínimo nacional e o capital de remição não seja superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%
A jurisprudência não tem sido unânime na apreciação desta questão. Assim, nos Acórdãos da Relação do Porto de 04.11.2019, relatora Rita Romeira e da Relação de Lisboa de 13.04.2020, relatora Albertina Pereira[1], não foi admitida a remição parcial de pensões calculadas com base em IPP inferior a 30%, mesmo que com IPATH. Contudo, uma outra a jurisprudência, designadamente do Tribunal da Relação de Coimbra e do Tribunal da Relação do Porto[2], tem admitido a remição parcial de pensões, com base em IPATH e ainda com IPP inferior a 30%, desde que se verifiquem os requisitos prescritos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 75 da NLAT.
Desde já, podemos dizer, que sufragamos a posição assumida por esta última jurisprudência citada, assistindo, assim, razão ao recorrente, mas vejamos:
Resulta da factualidade provada que o sinistrado foi vitima de acidente de trabalho em 27.12.2021, em consequência do qual ficou portador de uma IPP de 28,56% com IPATH, desde 16.06.2023, sendo-lhe devida a pensão anual e vitalícia no montante de €6.709,95, o qual ficou a cargo da Seguradora responsável no montante de €6.103,25 e a cargo do Empregador no montante de €606,70.
Prescreve o art.º 75º, nº 1, da NLAT que, “é obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30% e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal desde que, em qualquer dos casos, o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte.”
E resulta do n.º 2 do citado preceito legal que, pode ser parcialmente remida, a requerimento do sinistrado ou do beneficiário legal, a pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade igual ou superior a 30 % ou a pensão anual vitalícia de beneficiário legal desde que, cumulativamente, respeite os seguintes limites:
 a) A pensão anual sobrante não pode ser inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição;
b) O capital da remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30 %.”
Importa referir que o n.º 2 do citado artigo 75.º da NLAT foi declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/2014, de 18 de Fevereiro de 2014, processo 1127/13, publicado no DR, 1ª Série, de 10 de Março de 2013, “na parte em que impede a remição parcial de pensões anuais vitalícias correspondentes a incapacidade inferior a 30 %, não remíveis obrigatoriamente nos termos do nº 1 do mesmo preceito por serem de valor superior a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, mesmo quando o sinistrado assim o requeira, por violação do artigo 13º, nº 1, da Constituição.”
Por outro lado, como refere o Ministério Público, no parecer junto aos autos “Com a remição facultativa, o legislador pretendeu, tendo em conta uma IPP de grau mais elevado e consequentemente valor mais elevado da pensão, permitir aos sinistrados transformarem uma parte da mesma, com um rendimento superior em relação ao pagamento em prestações, assegurando sempre uma pensão, não inferior a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida. O critério tem, pois, por base o grau de IPP e o montante da pensão por referência a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida.”
Por fim, importa referir que o artigo 75.º da NLAT nada refere quanto à IPATH, contudo é de salientar que se trata de uma incapacidade mais grave do que a resultante de uma IPP e menos grave do que a resultante de uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, pois em relação às funções habitualmente desempenhadas a incapacidade é de 100%, o que implica mudança de profissão com a consequente readaptação profissional, a determinar uma pensão superior, tal como resulta do prescrito no art.º 48.º n.º 3 al. b) da NLAT.
Como refere José Augusto Cruz de Carvalho[3], ainda que a propósito, da Base XVI, nº 1, al. b), da então Lei n.º 2127, de 3.08.65, com inteira pertinência em relação ao art.º 48.º, nº 3, al. b), da NLAT, “a fixação do regime especial para os casos da al. b), resultou da consideração lógica (consagrada em legislação estrangeira) de que a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual é sempre mais grave do que uma diminuição parcial da mesma amplitude fisiológica, não só pela necessidade de mudança de profissão, como pela dificuldade de reeducação profissional, exigindo por isso uma compensação maior”.
Com a atribuição de IPATH o sinistrado não fica impossibilitado de obter outros meios de subsistência, para além da pensão a que tem direito, mas fica impossibilitado de exercer a profissão que habitualmente exercia, afigurando-se-nos de equilibrado e ajustado, que estando assegurado o mínimo de subsistência considerado pelo legislador (o correspondente a seis salários mínimos), o sinistrado possa exercer a sua autonomia de vontade relativamente à pensão vitalícia, em igualdade de circunstâncias com os outros sinistrados cuja a IPP é superior a 30%, ao dispor, nestas circunstâncias do remanescente, em forma de capital de remição, para dele conseguir obter um melhor rendimento, isto desde que se respeitem os limites quanto à pensão sobrante.
Em suma, estando verificados os requisitos prescritos nas alíneas a) e b) do artigo 75.º da NLAT não vislumbramos qualquer obstáculo à remição parcial da pensão, pois para além da interpretação do n.º 2 do art.º 75.º da NLAT na parte que impede a remição parcial de pensões anuais e vitalícias correspondentes a incapacidade permanente  inferior a 30% ter sido declarada a sua inconstitucionalidade com força obrigatória geral[4], por outro lado estamos perante uma IPATH, que por se tratar de uma incapacidade mais grave do que uma IPP, sendo também, por isso, a pensão mais elevada, sempre seria de admitir a remição facultativa de forma a salvaguardar o direito do sinistrado a poder dispor do capital de remição para dele eventualmente conseguir retirar melhor rendimento[5].
É passível de remição facultativa a pensão correspondente a uma IPP inferior a 30%, com IPATH, desde que se verifiquem os requisitos prescritos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 75.º da NLAT
Revertendo agora ao caso dos autos temos por certo que o pedido de remição facultativa foi formulado 25/06/2024; a remuneração mínima mensal garantida em 2024 era de €820,00; o sinistrado auferia, à data do acidente, a retribuição anual de €12.044,00, e à data do pedido de remição a pensão anual global auferida pelo sinistrado era de €7.112,54 (atualizada em 2024 pela Portaria n.º 423/23 de 11.12), sendo €6.469,44 a cargo da seguradora e €643,10 a cargo do empregador.
A pensão sobrante não pode ser inferior seis vezes a remuneração mínima mensal garantida, o que ascende com referencia ao ano de 2024, ao montante de €4.920,00, ou seja, €820,00 x 6.
Assim, tendo em atenção o valor anual e atualizado da pensão fixada nos autos teremos de concluir que o capital que eventualmente possa ser remível é o que resulta da diferença entre o valor atual da pensão auferida pelo sinistrado €7.112,54 e o montante de €4.920,00, (pensão sobrante), ou seja, o capital eventualmente remível ascende ao montante de €2.192,54 (€7.112,54 - €4.920,00).
Por fim, há que verificar, procedendo a cálculo aritmético se o valor referente ao capital eventualmente a remir é inferior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%.
No caso em apreço o valor da pensão calculado com base numa incapacidade de 30% ascende ao montante de €2.529,24.
Assim sendo, teremos de concluir que o valor acima encontrado como sendo o do capital eventualmente remível é inferior ao que resultaria de uma pensão fixada com base numa incapacidade de 30%, pelo que se mostram assim verificados os requisitos previstos no citado artigo 75º da NLAT.
Em face do exposto e porque se mostram verificados os requisitos previstos no artigo 75.º n.º 2 da Lei n.º 98/2009, de 04/09 admito a requerida remição parcial da pensão fixada atualmente, deixando consignado que o valor do capital a remir é no montante de €2.192,54 e o valor da pensão sobrante é de €4.920,00, que fica a cargo das entidades responsáveis na proporção da sua responsabilidade.
Procede o recurso, sendo de revogar a decisão recorrida.

V -DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do CPT. e 663.º do CPC., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso e consequentemente defere-se o pedido de remição parcial e facultativa da pensão do sinistrado e fixa-se a pensão remível no montante de €2.192,54, sendo €1.994,30 a cargo da EMP01..., COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e €198,24 a cargo do Empregador BB.
Sem custas.
Notifique.

6 de Fevereiro de 2025

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Maria Leonor Barroso


[1] Ambos disponíveis em www.dgsi.pt
[2]  Ac. RC de 20-02-2019, relator Jorge Manuel Loureiro, no qual se admite a remição de uma pensão correspondente a uma IPATH e Ac. RP de 22.03.2021, Proc n.º 2342/18.0T8OAZ.P1, relator Rui Penha, com o seguinte sumário: “É parcialmente remível a pensão por IPP inferior a 30%, superior a seis vezes o salário mínimo nacional, ainda que com IPATH.”
[3] Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª Edição, 1983, Livraria Petrony, pág. 97
[4] Ac. TC n.º 172/2014, de 10.03
[5] Conforme se refere no acórdão do Tribunal Constitucional nº 172/2014, de 18 de Fevereiro de 2014: “a exigência de que a pensão anual sobrante não seja inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição – prevista na alínea a) – visa colocar o trabalhador a coberto dos riscos de aplicação do capital de remição, obviando a que estes possam redundar na perda de uma renda vitalícia – que afinal terá de assegurar a subsistência mínima de quem está afetado por uma substancial redução das capacidades de trabalho (de acordo com o corpo do artigo 75º, nº 2, uma incapacidade permanente parcial igual ou superior a 30 %) e de, através dele, auferir rendimentos. Porém, se, no juízo legal, quem sofre de tal redução da capacidade de trabalho, pode exercer a sua autonomia de vontade relativamente à pensão, desde que o montante da pensão sobrante não seja inferior ao mencionado valor, por maioria de razão, quem sofre de uma redução das capacidades de trabalho menos gravosa (designadamente de uma incapacidade permanente parcial inferior a 30 %) deve igualmente poder exercer a sua autonomia de vontade relativamente à pensão vitalícia, desde que se continuem a aplicar os mesmos limites quanto à pensão sobrante. Isto é, não se vislumbra, em face do interesse tutelado pela definição do limite atinente à pensão sobrante, nenhum motivo materialmente fundado para que assim não seja. No que se refere ao respeito da exigência de que o capital da remição não seja superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30 % – prevista na alínea b) –, a mesma estará sempre, e à partida, assegurada no caso da remição de pensões vitalícias correspondentes a uma incapacidade permanente parcial inferior a 30 %. É que, não só a remição é por força do corpo do nº 2 do artigo 75º necessariamente parcial, como ainda tem de respeitar o limite máximo correspondente ao valor da pensão sobrante exigido pela alínea a) do mesmo número.”