I – A sucumbência mínima a que alude o art. 629º/1, do CPCivil no excerto “a decisão seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal”, apura-se, em regra, através do cotejo entre a pretensão formulada pela parte recorrente e a situação definida pela sentença ou acórdão de que se pretende recorrer.
II – Não é admissível revista do acórdão que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível (art. 671º/3, do CPCivil).
III – A conformidade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista, nos termos do artigo 671º/3, do CPCivil, é avaliada em função do benefício que o apelante retirou do acórdão da Relação.
IV – O recurso de revista excecional não constitui uma modalidade extraordinária de recurso, mas antes um recurso ordinário de revista, com vista a permitir o recurso nos casos em que o mesmo não seria admissível em face da dupla conformidade de julgados.
V – A sua admissibilidade está igualmente dependente da verificação das condições gerais de admissão do recurso de revista.
VI – Cabe ao recorrente indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição, as razões pelas quais a revista excecional deve ser admitida (art. 672º/2/a, do CPCivil).
VII – O fundamento de admissibilidade do recurso é fixado nas respetivas alegações, não podendo ser modificado posteriormente.
VIII – A invocação dos requisitos de que depende a admissibilidade da revista excecional tem de ser feita na respetiva alegação de recurso, sob pena de rejeição, não sendo, pois, admissível a convolação de uma revista interposta como normal em revista excecional.
IX – O direito de personalidade é um direito subjetivo e deve ser observado por todos, ficando, pois, abrangidos direitos que recaem sobre bens personalíssimos, como o direito à vida, à integridade física, à imagem ou ao nome.
X – A liberdade de informação e de expressão está inscrita no quadro dos direitos, liberdades e garantias pessoais e tem por fim último garantir a plenitude da democracia, a pluralidade de opiniões e de pensamento.
XI – Entre os limites à liberdade de expressão encontram-se os direitos da personalidade, mais concretamente o direito à honra, à privacidade e à imagem, os quais, alicerçados no princípio elementar da dignidade da pessoa humana, são, em regra, absolutos.
XII – O TEDH considera que a liberdade de expressão goza de uma ampla latitude, só se justificando uma ingerência restritiva do Estado, mesmo por meio dos tribunais, desde que a restrição constitua uma providência necessária, numa sociedade democrática, entre outros objetivos, para garantir a proteção da honra ou dos direitos de outrem, em conformidade com o art. 10º/2 da Convenção, sendo que essa exceção tem de corresponder a uma “necessidade social Imperiosa”.
XIII – Se é certo que a Constituição não traça uma hierarquia dos direitos fundamentais, não se pode ignorar que a CEDH confere primazia à liberdade de informação, em detrimento do direito à honra e ao bom nome.
XIV – O TEDH vem entendendo quanto à publicação de imagens e/ou textos sobre a vida privada que o elemento preponderante na ponderação da proteção da vida privada deve residir na contribuição que as fotografias e os artigos em questão tragam para o debate de interesse geral.
XV – Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima, sob o critério objetivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjetividade inerente a particular sensibilidade humana.
RECURSO DE REVISTA | 158/18.2T8CSC.L1.S1 |
RECORRENTE | AA |
RECORRIDOS | – BB; – CC; – DD; – TVI – TELEVISÃO INDEPENDENTE, S.A. |
SUMÁRIO1 I – A sucumbência mínima a que alude o art. 629º/1, do CPCivil no excerto “a decisão seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal”, apura-se, em regra, através do cotejo entre a pretensão formulada pela parte recorrente e a situação definida pela sentença ou acórdão de que se pretende recorrer. II – Não é admissível revista do acórdão que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível (art. 671º/3, do CPCivil). III – A conformidade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista, nos termos do artigo 671º/3, do CPCivil, é avaliada em função do benefício que o apelante retirou do acórdão da Relação. IV – O recurso de revista excecional não constitui uma modalidade extraordinária de recurso, mas antes um recurso ordinário de revista, com vista a permitir o recurso nos casos em que o mesmo não seria admissível em face da dupla conformidade de julgados. V – A sua admissibilidade está igualmente dependente da verificação das condições gerais de admissão do recurso de revista. VI – Cabe ao recorrente indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição, as razões pelas quais a revista excecional deve ser admitida (art. 672º/2/a, do CPCivil). VII – O fundamento de admissibilidade do recurso é fixado nas respetivas alegações, não podendo ser modificado posteriormente. VIII – A invocação dos requisitos de que depende a admissibilidade da revista excecional tem de ser feita na respetiva alegação de recurso, sob pena de rejeição, não sendo, pois, admissível a convolação de uma revista interposta como normal em revista excecional. IX – O direito de personalidade é um direito subjetivo e deve ser observado por todos, ficando, pois, abrangidos direitos que recaem sobre bens personalíssimos, como o direito à vida, à integridade física, à imagem ou ao nome. X – A liberdade de informação e de expressão está inscrita no quadro dos direitos, liberdades e garantias pessoais e tem por fim último garantir a plenitude da democracia, a pluralidade de opiniões e de pensamento. XI – Entre os limites à liberdade de expressão encontram-se os direitos da personalidade, mais concretamente o direito à honra, à privacidade e à imagem, os quais, alicerçados no princípio elementar da dignidade da pessoa humana, são, em regra, absolutos. XII – O TEDH considera que a liberdade de expressão goza de uma ampla latitude, só se justificando uma ingerência restritiva do Estado, mesmo por meio dos tribunais, desde que a restrição constitua uma providência necessária, numa sociedade democrática, entre outros objetivos, para garantir a proteção da honra ou dos direitos de outrem, em conformidade com o art. 10º/2 da Convenção, sendo que essa exceção tem de corresponder a uma “necessidade social Imperiosa”. XIII – Se é certo que a Constituição não traça uma hierarquia dos direitos fundamentais, não se pode ignorar que a CEDH confere primazia à liberdade de informação, em detrimento do direito à honra e ao bom nome. XIV – O TEDH vem entendendo quanto à publicação de imagens e/ou textos sobre a vida privada que o elemento preponderante na ponderação da proteção da vida privada deve residir na contribuição que as fotografias e os artigos em questão tragam para o debate de interesse geral. XV – Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima, sob o critério objetivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjetividade inerente a particular sensibilidade humana. |
ACÓRDÃO
1. RELATÓRIO
AA, intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, CC, DD, EE,
FF, GG, HH, TVI - TELEVISÃO INDEPENDENTE, S.A e, M..., S.A., pedindo a:
a) Condenação solidária dos réus a pagarem-lhe o montante de 500 000,00€, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, calculados desde a citação até efetivo e integral pagamento;
b) Condenação da 8.ª e 9.ª rés a removerem de todos os sites de que sejam proprietários, designadamente http://www tvi.iol.pt/; http://www.tvi24.iol.pt., todos os conteúdos onde são relatados factos da vida privada do autor e/ou em que seja divulgada a sua imagem e identidade, em concreto, os episódios ... da reportagem “...”;
c) Condenação das 8.ª e 9.ª rés a absterem-se de difundir qualquer facto que diga respeito à vida privada, familiar e íntima do autor, nomeadamente, todo e qualquer facto que diga respeito ao seu processo de adoção;
d) Condenação de todos os réus jornalistas e diretores, quer os diretores réus, quer aqueles que lhe vierem a suceder nas funções, a absterem-se de divulgar factos ou imagens referentes à vida privada, familiar e íntima do autor, nomeadamente, todo e qualquer facto que diga respeito ao seu processo de adoção;
e) Condenação dos réus jornalistas a absterem-se de divulgarem factos ou imagens referentes à vida privada, familiar e íntima do autor, nomeadamente, todo e qualquer facto que diga respeito ao seu processo de adoção;
f) Proibição dos réus de difundirem, em qualquer suporte dos quais sejam proprietários ou colaboradores, (nomeadamente, na televisão, Internet ou imprensa escrita) factos da vida privada do autor, designadamente que digam respeito ao processo de adoção e à sua vida privada e familiar”.
Foi proferida sentença em 1ª instância que julgou parcialmente procedente a ação e, consequentemente, condenou os 1º, 2º, 3º e 8º réus, solidariamente, a pagarem ao autor a quantia de 30 000,00€, a título de danos não patrimoniais, montante já atualizado à data da presente sentença e, os 1º, 2º, 3º e 8º e 9º réus, a absterem-se [de] difundir ou divulgar factos relativos à imagem e reserva da intimidade da vida privada do autor, nomeadamente, relacionados com a seu processo de adoção, com a obrigação de removerem da reportagem denominada “...” e dos respetivos sites onde possa estar disponível, por meios técnicos adequados, as referências ao nome e imagem do autor que permitam a sua identificação e, absolveu os 4º, 5º, 6º e 7º réus, dos pedidos contra os mesmos formulados.
O autor e os 1º, 2º, 3º e 8º e 9º réus interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão que julgou parcialmente procedente o recurso e, revogou a decisão da 1ª instância no concernente à indemnização arbitrada ao autor, que fixou em 15 000,00€ (atualizada à presente data).
Inconformado, veio o autor interpor recurso de revista (excecional) deste acórdão, tendo extraído das alegações2,3 que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES4:
1. O presente recurso de revista excecional é admissível, por preenchidos os requisitos legais dispostos nas alíneas a) e b) do artigo 672.º, n.º 1 do CPC, uma vez que nos presentes autos se discute uma questão que, pela sua manifesta complexidade e relevância jurídica, se revela como merecedora de uma apreciação por parte do Supremo Tribunal de Justiça e de acentuada relevância social em razão dos direitos fundamentais em conflito.
2. A questão jurídica trazida a recurso por parte da Recorrente subsume-se, em parte, à norma vertida no artigo 672.º, n.º 1, al. a), justamente por estar em causa uma questão jurídica de assinalável complexidade, derivada do facto de a sua compreensão convocar uma fina e cuidada análise de diversos normas e institutos jurídicos que ultrapassam o ordenamento português e, per si, já exigem um esforço exegético laborioso
3. A questão ora em apreço traz à colação o confronto primordial de dois Direitos Constitucionalmente consagrados e de manifesta relevância para o Estado de Direito, porquanto reveste o Direito à liberdade de expressão um pilar essencial da democracia e com uma relevância histórica indiscutível em contraposição com o Direito primordial da dignidade da pessoa humana.
4. Convoca à ponderação do equilíbrio dos mesmos, e a distinção daquilo que é um exercício de um direito constitucionalmente consagrado e o abuso do mesmo com vista a satisfazer a mera curiosidade, o sensacionalismo em detrimento da reserva da privacidade de terceiro e da sua dignidade.
5. Embora de elevada complexidade, possivelmente acentuada face aos direitos em questão, existe escassa jurisprudência no ordenamento português, porém a sua complexidade confirma-se quando constatamos que embora parca já resultou em condenações ao Estado Português por violação do Direito à liberdade de expressão.
6. De igual forma, a complexidade que é facilmente identificável em matéria de direito, é simultaneamente marcada pela sua relevância social.
7. O escopo de atuação dos meios de comunicação social, atividade que embora de elevada relevância social não deixa de procurar o lucro, carece necessariamente de ser definido sob pena de uma lesão abusiva de Direitos fundamentais.
8. Torna-se indiscutivelmente relevante para a sociedade no geral, definir se em razão do Direito de liberdade de expressão deverão ceder institutos como o secretismo dos processos de adoção, o direito a preservar a informação clínica quando não relevante para os factos que são de interesse social, factos traumáticos vividos pelos alvos do exercício da liberdade de expressão – em especial quando não revestem relevância para o facto que se pretende dar a conhecer – e a identidade e imagem de terceiros, ser ou não preservada, quando em nada contribuem para a informação da sociedade.
9. Razão pela qual, se entende que o presente Recurso se subsume, igualmente, à norma vertida na al. b) do artigo 672, n.º 1.
10. Todas as circunstâncias acima elencadas encaminham à conclusão de que a questão jurídica em apreço, pela sua densidade, complexidade e disparidade, de entendimentos, é claramente merecedora de uma melhor apreciação por parte do Tribunal ad quem, nos termos e para os efeitos do artigo 672.º, n.º 1, al. a) e b) do CPC.
11. O acórdão recorrido violou o disposto no artigo 496º do Código Civil, ao não aplicar justa e equitativamente os critérios para valoração dos danos de natureza não patrimonial aí definidos, fixando uma indemnização manifestamente injusta e insuficiente.
12. A condenação dos Réus no parco montante indemnizatório de € 15 000,00 (quinze mil euros), não só não assume qualquer efeito dissuasor da sua conduta ilícita, como, pelo contrário, acaba por chancelar e incentivar atuações idênticas, porquanto, feita a ponderação económico-financeira entre as suas receitas e a indemnização em que ora vêm condenados, resultará economicamente mais vantajoso para os Réus continuarem a violar os direitos das vítimas, em face dos proveitos que obtêm por via dessa linha sensacionalista, jornalisticamente reprovável e ilícita.
13. Não subsistiram dúvidas quanto ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil, por efeito da violação dos direitos de personalidade do autor, nos termos gerais do art. 70.º do CC, e, em concreto, por violação do seu direito à imagem, nos termos do art. 79.º do CC, e por violação do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, nos termos do art. 80.º do CC.
14. Ficou sobejamente demonstrado que o 3.º Réu, enquanto diretor e responsável pela informação dos referidos canais televisivos, orientou e supervisionou a elaboração e execução da reportagem, a qual aprovou, e ainda que os mencionados Réus tinham conhecimento que os processos de adoção e os procedimentos que os antecedem são de conteúdo secreto e que não são de acesso ao público, tendo-lhes, inclusive, sido formalmente negada a consulta do processo de adoção do Autor.
15. Os Réus não se abstiveram de incluir na reportagem referência a factos da vida privada do Autor relacionados com o seu processo de adoção e procedimentos a ele conducentes, que se encontravam abrangidos pelo carácter secreto dos processos de adoção, de acordo com o art. 4.º do Regime Jurídico do Processo de Adoção, aprovado pela Lei n.º 143/2015, de 08/09, em vigor na data da transmissão da reportagem, e em relação aos quais se impunha a observância dos deveres de salvaguarda da reserva da intimidade da vida privada, sendo, assim, acentuado o grau de culpa dos Réus.
16. Concluiu igualmente o Tribunal a quo que os Réus, aqui Recorridos, “(…) mas que deveria ter sido preservada a reserva da vida privada do Autor quanto às suas circunstâncias de vida na infância junto da família biológica que levaram à sua retirada pela Segurança Social, à sua relação com os irmãos biológicos, aos maus tratos sofridos e à sua condição de saúde (ainda que infundada), porquanto se trata de aspetos dum núcleo basilar de privacidade por ele não divulgados e a cuja divulgação expressamente se opôs (cfr. facto 13) e que não se revelam essenciais ao conteúdo informativo da reportagem.” – vide p. 122 do acórdão recorrido.”
17. Terminando o Tribunal da Relação por reconhecer que os factos provados, “(…) denotam gravidade quanto à violação dos direitos do Autor ao nome e imagem e ainda quanto à reserva do conteúdo, de natureza privada e secreta, da sua efetiva adoção, e revelam ainda ter sido excedida a compressão legítima do direito à reserva da vida privada do Autor.” – vide p. 124 do acórdão recorrido.
18. Ficou, também, amplamente assente no acórdão recorrido que as peças jornalísticas em causa objetivamente violaram a reserva da intimidade da vida privada do A. (…) a divulgação pública, através da dita reportagem, de elementos relativos ao processo de adoção legal do A., com a identificação deste e da adotante II, não se encontra legitimada –vide p. 118 do acórdão recorrido.
19. Termos em que se concluiu que a reportagem poderia ter sido feita sem incluir imagens do Autor enquanto criança ou enquanto adulto, nem expondo o seu verdadeiro nome, sem que tal constituísse qualquer impedimento a que fosse contada a história que os Réus pretendiam, conforme, inclusive, sucedeu em relação à mãe biológica do Autor cuja imagem e nome verdadeiro foram ocultados.
20. Destarte, encontram-se preenchidos os requisitos da responsabilidade civil, não existindo quaisquer fundamentos de exclusão da responsabilidade dos Réus.
21. No que toca ao quantum indemnizatório, dispõe o artigo 494.º aplicável ex vi artigo 496.º, n.º 4 do CC que são atendíveis como elementos de ponderação o “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
22. Daqui resulta, conforme explica Menezes Leitão, que a indemnização por danos não patrimoniais em casos de abuso de liberdade de imprensa deve revestir um cariz punitivo fixado no interesse da vítima.
23. Deve atender-se na fixação da indemnização ao enriquecimento dos Réus de forma a desincentivar a repetição da prática ilícita.
24. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.06.2020, proferido no âmbito do Processo 1981/14.2TBOER.L1.S1, no qual se pode ler: “Em casos de invasão de privacidade ou de ofensa ao direito à honra cometidas pela imprensa sensacionalista, independentemente do grau de intensidade dos danos causados às vítimas pelas lesões dos seus direitos fundamentais, deve aquela ser condenada numa indemnização punitiva, por razões sancionatórias e preventivas, e, por isso, suficientemente pesada para exprimir a reprovação do direito e ter efeitos no futuro”.
25. Neste conspecto, resulta da matéria de facto provada nos presentes autos com interesse para efeitos de cálculo da indemnização compensatória devida ao Autor pelos danos não patrimoniais sofridos, designadamente: (i) a gravidade e relevância dos factos objeto de tratamento na reportagem que se referem a um núcleo essencial da privacidade relacionada com a infância e as circunstâncias da adoção, de carácter secreto, (ii) a dimensão da divulgação que mereceu a reportagem, (iii) os múltiplos e graves danos causados no bem estar da pessoa do Autor e, no nosso entender, (iv) o acentuado grau de culpa no que se refere à não salvaguarda da intimidade e da imagem do Autor, e (v) a elevada capacidade financeira e os significativos benefícios obtidos pelo Réus.
26. Concluindo o Tribunal a quo que (…) os factos 56 a 60 revelam igualmente danos não patrimoniais causados pela conduta voluntária e ilícita dos RR. – porque livre e conscientemente atuaram em desrespeito de normas que lhes impunham conduta diversa (vide p. 124 do acórdão recorrido, negrito nosso).
27. No mais, importa ter em consideração o número dos programas que compõe a reportagem, exibidos em dois canais televisivos, em horário nobre, aos quais se seguiram diversos debates televisivos a esse respeito e a repetição da exibição da reportagem e a sua divulgação noutras plataformas, e a repercussão e mediatização que teve a exibição da reportagem, nomeadamente, as audiências recorde que se verificaram, tendo chegado a números à volta de um milhão e meio de telespectadores, com o respetivo efeito em termos de receitas publicitárias que ascendem a números significativos e que comprovam a capacidade económica elevada das Rés TVI e M... (cfr. factos 61 a 64 da sentença recorrida).
28. A verdade é que se encontra amplamente documentado e provado nos presentes autos as elevadíssimas audiências efetivamente registadas no decurso da emissão da reportagem, a qual é inicialmente composta por dez episódios, num total aproximado de cinco horas, emitidas diária e consecutivamente, em prime time, no mês de Dezembro, nas semanas anteriores às festividades de Natal.
29. Tampouco se pode desmerecer a divulgação da imagem do Autor, que não se limita à transmissão da sua imagem, como também à divulgação do seu nome, da sua família e, acima de tudo, da sua história de vida, nos seus elementos mais íntimos e privados – sem mencionar natural e legalmente secretos por se tratarem de factos relacionados com o seu processo de ….
30. Importa ainda salientar as consequências que a reportagem comprovadamente teve na esfera jurídica do Autor, pelo efeito mediático e reações que se geraram no seguimento da exibição da reportagem e que, de forma inquestionável, tiveram repercussão no Autor, nomeadamente, na sua saúde mental e no seu estado anímico psicológico, tendo-se visto o Autor obrigado a reviver episódios de violência e maus tratos vividos durante a infância com a sua família biológica e, bem-assim, forçado a falar sobre o tema e a dar explicações a desconhecidos.
31. O Autor sentiu-se consternado, irritado, frustrado e impotente, vendo a sua imagem e vida privada devassadas perante largos milhares de pessoas e forçado a relembrar-se das suas memórias traumáticas de infância.
32. O Autor ficou chocado e consternado perante o conteúdo da reportagem e sentiu-se violentado na sua intimidade e na sua vida privada (vide facto 59 e 60 da sentença recorrida).
33. Passando a ser visto e reconhecido como uma criança que foi raptada pela I..., roubada à sua família biológica, e maltratada e abandonada (vide pág. 76 do acórdão recorrido), e que a associação será potencialmente permanente, assim como o seu sofrimento (vide pág. 126 do Acórdão recorrido).
34. Não existe ainda suficiente jurisprudência em matéria de liberdade de imprensa, sobretudo em casos idênticos ao dos presentes autos, para que os Tribunais possam, com segurança, fundamentar a sua decisão com base na jurisprudência existente – muito menos recente e atualizada aos dias que correm.
35. Forçando necessariamente a atender aos critérios jurisprudencialmente fixados para efeitos de ponderação do quantum da indemnização.
36. Como bem tem sido decidido na nossa jurisprudência mais recente “o quantum da indemnização por danos não patrimoniais deve ser, não irrelevante ou simbólico, mas significativo, visando propiciar compensação quanto ao dano sofrido, com fixação equilibrada e ponderada, de acordo com critérios de equidade, tendo em conta os padrões jurisprudenciais atualizados” (negrito e sublinhado nossos).
37. Os episódios da reportagem registaram uma audiência média de 1 milhão e 430 mil telespectadores e 30,7% de quota de mercado, ou seja, 31 em cada 100 pessoas que tinha a televisão ligada, estava a assistir à reportagem.
38. A TVI e a TVI 24 foram sempre os canais mais vistos quando exibiam os episódios.
39. Para além disso, os episódios foram repetidos no dia seguinte, após a hora de almoço, tendo as repetições registado uma média de 388 mil telespectadores por minuto.
40. No conjunto desta série de reportagens e das respetivas repetições, o conteúdo foi visto por mais de 5 milhões de pessoas em Portugal, ou seja, mais de 50% da população residente em Portugal Continental com 4 ou mais anos de idade.
41. Em 2017, a semana em que a TVI registou a maior quota de mercado foi de 11 a 17 de dezembro, com 23,3% de quota de mercado, quando foram exibidos os episódios.
42. Em 2017, houve um rendimento em publicidade na TV de 101 milhões de euros, nos canais TVI, TVI 24, TVI Internacional, TVI Ficção, TVI África e TVI Reality.
43. A soma do investimento a preço de tabela da TVI, TVI 24, TVI Ficção e TVI Reality foi de 2 825 milhões 563 mil euros, com destaque para a TVI (com 94% deste investimento, totalizando 2 655 milhões 132 mil euros), podendo assumir que o Grupo M... pratica um desconto comercial na ordem de pelo menos 96,5%.
44. Com base no investimento por tabela na TVI em 2017, 2 886 milhões e 334 mil euros, e assumindo que o grupo Media Capital pratica o tal desconto comercial na ordem dos 96,5%, então em 2017 a TVI teve um rendimento na Publicidade na ordem dos 101 milhões de euros, o que se traduz numa média de 277 mil euros diários de rendimentos operacionais provenientes de publicidade.
45. A TVI ganhou (preço por tabela) em publicidade nos dias em que foram exibidos os episódios da Reportagem, nos breaks imediatamente após a exibição, 12 milhões 510 mil euros.
46. Mais, segundo o relatório de resultados do primeiro semestre de 2018, divulgado no site da M..., os rendimentos operacionais subiram 10%, atingindo os 86 milhões 900 mil euros no primeiro semestre de 2018.
47. O resultado líquido acumulado foi de 10 milhões 500 mil euros, 26% acima do verificado no ano anterior, sendo que no trimestre, o resultado líquido subiu 33% para 8 milhões 600 mil euros.
48. A reportagem teve, ainda, um tremendo impacto digital, tendo os episódios da reportagem ficado disponíveis online, tanto no site da TVI como no YouTube da TVI 24.
49. Assim, e conforme resulta da factualidade provada os Réus conseguiram arrecadar milhões de euros com a exibição da reportagem, assim como um incremento da popularidade e aumento generalizado das audiências da TVI.
50. Para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, em cumprimento da prescrição legal que determina que o julgamento seja feito de harmonia com a equidade, deverá, pois, atender aos fatores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada.
51. E, neste caso, o Diretor de informação viu e orientou o conteúdo da reportagem ora em apreço, dando o seu consentimento prévio e aprovando a sua emissão, razão pela qual, nos termos das Leis da Imprensa e da Televisão, o operador de televisão titular do alvará passa a responder por todos os danos causados pela atuação dos seus jornalistas e diretor, sendo a Ré TVI – cuja ampla capacidade económica se logrou demonstrar e que foi a entidade que mais beneficiou dos conteúdos emitidos – a responsável, solidariamente com o Diretor, por suportar a indemnização a pagar ao Autor.
52. A indemnização fixada não só não é adequada à reparação dos danos sofridos pelo Autor, como ainda legitima a conduta dos Réus, porquanto feito o seu balanço final, os proveitos económicos obtidos através da sua conduta ilícita, suplantam exponencialmente o montante indemnizatório que ora vêm condenados, como facilmente se entenderá ao colocar nos pratos da balança uma receita de milhões de euros, por um lado, e um “custo” de € 15.000,00 (quinze mil euros), por outro.
53. Assim, para a justa compensação dos danos sofridos pelo Autor, por tudo quanto se expôs, deveria o Tribunal a quo, ter feito um prudente e criterioso uso da equidade a que está vinculado atento o disposto no artigo 496.º do CC e, por conseguinte, ter fixado a indemnização no valor de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros) ou, ainda que assim não se entenda – o que por mera cautela de patrocínio se concede – em valor nunca inferior a € 100.000,00 (cem mil euros).
54. Pelo que, deverá a douta decisão do Tribunal a quo ser substituída por outra que, dando provimento ao presente recurso, condene os Réus a pagar ao Autor o montante de EUR 400.000,00 (quatrocentos mil euros) ou, ainda que assim não se entenda – o que por mera cautela de patrocínio se concede – em valor nunca inferior a € 100.000,00 (cem mil euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais por ele sofridos por força da atuação dos Réus, conforme factualidade provada e mantida no acórdão recorrido, mantendo-se, no restante, o já decidido.
Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V. Exas., Colendos Juízes Conselheiros, se dignem a julgar o recurso interposto pelo Autor, ora Recorrente, como totalmente procedente, por provado, alterando-se a decisão recorrida nos termos peticionados, e condenando-se os Réus no pagamento de uma indemnização ao Autor no montante de € 400 000,00 (quatrocentos mil euros), ou, ainda que assim não se entenda – o que por mera cautela de patrocínio se concede – em valor nunca inferior a € 100 000,00 (cem mil euros), sob pena de violação dos artigos 494.º e 496.º do Código Civil5.
Inconformados, vieram também os 1º, 2º, 3º e 8º réus interpor recurso de revista deste acórdão, tendo extraído das alegações6,7 que apresentaram as seguintes
B. Na presente ação encontram-se em conflito os direitos relativos ao exercício da liberdade de informação e da liberdade de imprensa (consagrados nos artigos 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa), por um lado, e os direitos de personalidade relativos à imagem e à reserva da intimidade da vida privada (consagrados nos artigos 26.º da Constituição da República Portuguesa), por outro.
C. Por não existir qualquer hierarquização entre os direitos, a resolução do conflito deverá ter em consideração os princípios gerais e constitucionais estabelecidos no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 335.º, n.º 1 do Código Civil, e atendendo aos princípios da proporcionalidade em sentido amplo e em sentido restrito, desde logo na vertente da proibição do excesso, e até ao princípio da equidade.
D. Entendem os Recorrentes que na ponderação do conflito e dos interesses em jogo, o Tribunal da Relação de Lisboa, na sua decisão de 11 de Julho de 2024, ao considerar que os Réus violaram injustificadamente o direito do Autor, em face das circunstâncias concretas do caso, fez uma incorreta aplicação do Direito, que resultou numa condenação que não deveria ter ocorrido ou, no limite, numa errada porque excessiva e desproporcionada determinação do quantum indemnizatório.
E. No caso sub judice, a reportagem “...”, não só divulgou factos relacionados com um tema de absoluto interesse público no quadro das preocupações da sociedade e merecedor de divulgação, como não ultrapassou os limites do exercício da liberdade de expressão e informação que têm sido definidos pela jurisprudência do TEDH, pelo que deveriam os direitos dos Réus ter prevalecido sobre os direitos do Autor, devendo agora, os mesmos, em consequência, ser absolvidos do pedido, o que se requer, sob pena de se promover uma cultura da censura, instilando o medo e o receio por parte do jornalismo sempre que pretende desvendar a verdade e confrontar interesses instalados ou dar a conhecer procedimentos errados.
Isto porque,
F. Do ponto de vista constitucional, existe um interesse imprescindível e irrenunciável em garantir aos jornalistas e aos órgãos de comunicação social amplos poderes de cobertura noticiosa e, estando em causa factos com claro relevo social a divulgação é legitimada pelo direito/dever de informação, que impende sobre os jornalistas e deve a todo o custo ser protegido.
G. O não reconhecimento do direito dos jornalistas em relatarem factos com interesse público, constitui uma patente violação, não só das leis nacionais como dos instrumentos internacionais a que Portugal aderiu e aos quais está vinculado.
H. Existe atualmente uma jurisprudência consolidada do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos sobre o alcance deste direito e, em particular, sobre as restrições que o n.º 2, do artigo 10.º da CEDH permite, à luz da legislação processual penal vigente entre nós.
I. Resulta desta jurisprudência que só são admissíveis restrições à liberdade de expressão se as mesmas (i) estiverem expressamente previstas na Lei; (ii) se tiverem por objetivo a obtenção dos fins legítimos enumerados no n.º 2, do artigo 10.º da CEDH e; (iii) se forem necessárias, numa sociedade democrática, para se alcançarem estes fins.
J. O último requisito não se encontra, desde logo, minimamente preenchido, por não estar em causa uma restrição ao direito de liberdade de expressão que se mostre necessária, numa sociedade democrática, para se alcançarem aqueles fins legítimos porque, o TEDH, tem decidido uniformemente que “a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e que as garantias a conceder à imprensa revestem-se pois de uma importância particular”.
K. A Doutrina e a Jurisprudência têm entendido que, desde que respeitados e preenchidos os limites definidos pelo TEDH, mesmo que a notícia divulgada na imprensa atinja qualquer direito de um terceiro, o facto não será ilícito, porque o exercício correto da liberdade de imprensa, corresponde ao exercício regular de um direito, que por sua vez, é uma causa justificativa do mesmo.
L. Em sede de ponderação dos interesses em causa e seguindo-se uma metodologia de balanceamento adaptada à especificidade do caso, é de concluir ser a liberdade de expressão que, no caso concreto, carece de maior proteção – e não os direitos de personalidade relativos à imagem e à reserva da intimidade da vida privada, como erradamente considerou o Tribunal da Relação de Lisboa.
M. Sendo que, no caso, atenta a matéria de facto apurada, o exercício da liberdade de expressão se conteve dentro dos limites que se devem ter por admissíveis numa sociedade democrática hodierna, aberta e plural, atentos os critérios de ponderação e o princípio da proporcionalidade, o que exclui a ilicitude da lesão dos direitos do Autor e Recorrido.
N. Aliás, os factos relatados foram divulgados com base numa extensa prova documental e testemunhal, que na sua aparência, eram verdadeiros e credíveis, tendo as jornalistas pautado a sua conduta pela função de informar a população, de esclarecer e avisar a opinião pública sobre um tema de incontornável interesse e significado para o público português em geral, relatando factos, sem qualquer intuito lesivo ou difamatório.
O. Nenhum jornalista captou a imagem do Autor, de propósito para o efeito, tendo a imagem do Autor sido utilizada na estrita medida do necessário (aliás, com imagens que já teriam sido divulgadas na Internet pelo próprio e pela sua família adotiva, o que só demonstra a sobriedade e o cuidado em não ir para além do estritamente necessário), para permitir a perfeita compreensão e assimilação dos factos relatados.
P. Os factos relatados na reportagem sobre o Autor foram trazidos a público através do próprio e da I..., na Internet e nas redes sociais, e estão intrinsecamente ligados à promoção da imagem e fins desta I..., sendo a imagem do Autor do conhecimento da comunidade da I... e de notório conhecimento público, que exerce as funções de ...da I..., estando associado, em termos familiares, ao líder da I... o seu avô adotivo, JJ, e à filha e genro deste, pais adotivos do Autor.
Q. Pelo que o único interesse e motivação das Rés jornalistas na investigação, tratamento e elaboração da reportagem sobre o tema referido nos autos foi exatamente o de cumprir com a sua função de jornalistas, denunciando uma situação de claro interesse público e comunitário.
R. Haverá, assim, que concluir que, no caso dos autos, devem prevalecer os direitos dos Recorrentes à liberdade de expressão e informação e à liberdade de imprensa e meios de comunicação social, em face aos direitos do Autor, pois que não foram alegados nem concretizados quais os efetivos e relevantes danos adequados à atribuição de tão elevada compensação, nem as reportagens em causa, tendo em conta os factos (claramente não ofensivos), são objetivamente adequados a provocar qualquer dano e, muito menos, tal dano.
Caso assim não se entenda,
S. Embora se possa afirmar que, em abstrato, o conflito entre os direitos em causa já foi várias vezes abordado pela jurisprudência desse Supremo Tribunal, na realidade, as especificidades do caso e a forma como se considerou violado o direito do Autor e o excessivo quantum indemnizatório fixado constituem uma novidade, que excedendo os critérios da legalidade, da proporcionalidade e da equidade, está longe do analisado e decidido na jurisprudência nacional e europeia.
T. O Acórdão recorrido condenou os Réus no pagamento da indemnização de € 15 000,00 (quinze mil euros) por danos não patrimoniais ao Autor.
U. Consideram os Recorrentes que o Tribunal da Relação, penalizou desproporcionalmente os Réus, fixando o montante indemnizatório por danos não patrimoniais ao Autor, absolutamente excessivo e contrário ao disposto nos artigos 483.º, 487.º, 496.º, n.º 3, 494.º e 562.º do Código Civil, dados os contornos do caso concreto e violando os critérios de equidade e de proporcionalidade fixados no artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
V. A indemnização visa essencialmente a reparação do dano em si mesmo considerado e não qualquer penalização aplicada ao agente. O propósito da indemnização não é, não pode, nem deve ser o de beneficiar patrimonialmente aquele que a peticiona para lá daquilo que efetivamente resultou como dano da conduta ilícita, devendo a indemnização estar limitada por esse mesmo dano e não por quaisquer considerações sem relevância jurisdicional e legal.
W. Entendem os Recorrentes que não foram alegados danos adequados à atribuição de tão elevada compensação, nem as reportagens em causa, tendo em conta os factos, são objetivamente adequados a provocar tal dano:
a. a perceção subjetiva do Autor relativamente à repercussão da revelação dos factos relatados na reportagem e aos impactos que terá criado na sua esfera jurídica, é relevante, mas não é objetivamente tão significativa;
b. o próprio Autor não reside em Portugal, mas sim no Brasil, lugar onde nem sequer foi transmitida a reportagem “...”;
c. o facto de ser abordado e de ter de dar explicações não é razão suficiente para afirmar a existência de um dano específico - aliás, o próprio Autor não concretizou o teor das alegadas mensagens que terá recebido, não se entendendo como puderam provocar um dano tão elevado, já que o próprio refere que eliminou as contas das redes sociais.
X. O padrão indemnizatório da jurisprudência portuguesa em casos de liberdade de imprensa é muito variado, existindo diversas decisões com montantes consideravelmente inferiores ao decidido na presente ação.
Y. Adicionalmente, note-se que se tomarmos por referência os Valores Orientadores de Proposta Razoável para Indemnização do Dano Corporal Resultante de Acidente Automóvel, consagrados pela Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio atualizada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, o valor arbitrado é superior ao dano moral suportado pela vítima em caso de morte ocorrida após 72h a contar do sinistro, fixado em € 7.182,00, ao dano moral por perda de feto, até 10 semanas de gravidez, para ambos os pais, ou após 10 semanas no caso de ser o segundo filho, fixado em € 7.695,00.
Z. Assim, é manifesto que o valor fixado viola os princípios da reposição natural da situação do lesado, previsto no artigo 562.º, do Código Civil, da proibição do enriquecimento do lesado e o princípio da proporcionalidade, da equidade, da igualdade e ex aequo et bono, violando o disposto nos artigos 496.º n.º 3, 494.º e 562.º do Código Civil.
Pelo que, deverá o Acórdão ser revogado, absolvendo-se os Réus ou, no limite, substituído por outro que fixe uma indemnização que se coadune com as circunstâncias concretas do caso uma vez que a indemnização arbitrada é manifestamente excessiva, devendo, em consequência, proceder-se a uma elevada redução do montante fixado, como exige a equidade e o prudente arbítrio do julgador.
Termos em que deve o presente recurso de revista ser admitido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 671.º e 674.º do Código de Processo Civil, e, em consequência, deve o Acórdão proferido ser revogado e substituído por outro que conclua pela licitude e adequação da conduta dos Recorrentes, absolvendo os mesmos do pedido, ou, no limite, que determine ilegal, excessivo e desproporcionado o quantum indemnizatório definido, por inobservância e violação do disposto nos artigos 483.º, 487.º, 494.º, 496.º e 562.º do Código Civil, sendo tal valor objeto de reapreciação e de diminuição significativa8.
Colhidos os vistos9, cumpre decidir.
QUESTÃO PRÉVIA
Admissibilidade do recurso de revista interposto pelos réus
Os réus, BB, CC, DD e, TVI - TELEVISÃO INDEPENDENTE, S.A, interpuseram recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa no concernente à indemnização arbitrada ao autor que fixou em 15 000,00€.
Vejamos a questão.
O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa – art. 629º/1, do CPCivil.
No n.º 1, faz-se depender a admissibilidade do recurso ordinário de dois requisitos: o valor da causa e o valor da sucumbência. No que concerne ao primeiro, refere-se que o recurso só é admissível nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; no que tange ao segundo, diz-se que o recurso só é admissível se a decisão impugnada for desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão contestada10.
A recorribilidade da decisão está assim dependente da verificação do condicionalismo imposto pelo valor do processo ou pelo valor da sucumbência.
Assim, para que seja admissível recurso de decisão ou de acórdão da Relação (para o Supremo Tribunal de Justiça), torna-se necessário, não só que o valor da ação seja superior a 30 000,00€, como também que o valor da sucumbência (para o recorrente), seja superior a 15 000,00€ (metade do valor da alçada da Relação)11.
Para efeito de interposição do recurso de revista nos casos de procedência parcial do pedido em 1.ª instância com a qual a parte recorrente se não conformou, o cálculo do valor da sucumbência faz-se tendo como parâmetros o valor do pedido não reconhecido ao autor em primeira instância e o valor económico fixado no acórdão do tribunal da Relação recorrido 12,13.
O valor da sucumbência, para efeitos de admissibilidade de recurso, reporta-se ao montante do prejuízo que a decisão recorrida importa para o recorrente, o qual é aferido em função do teor da alegação do recurso e da pretensão nele formulada, equivalendo, assim, ao valor do recurso, traduzido na utilidade económica que, através dele, se pretende obter14,15.
Se a parte demandada, tendo pugnado, nas instâncias, pela absolvição do pedido, ou de um dos pedidos, sofre condenação de valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão, e interpõe recurso, em cuja alegação se conforma com o sentido da decisão, discordando, apenas, do quantum da condenação, o valor da sucumbência a atender, para efeito de admissibilidade do recurso, é o da diferença entre o montante fixado na decisão recorrida e o que pretende seja fixado na decisão do recurso16.
Analisemos, pois, nos autos, se o valor da sucumbência dos recorrentes/réus, excede ou não metade do valor da alçada da Relação, isto é, 15 000,00€, para que seja admissível a interposição do recurso.
No caso, foi proferida sentença em 1ª instância que condenou os réus a pagarem ao autor a quantia de 30 000,00€, a título de danos não patrimoniais, montante já atualizado à data da presente sentença.
Por sua vez, o Tribunal da Relação de Lisboa condenou os réus a pagarem ao autor a quantia de 15 000,00€.
Temos, pois, que Tribunal da Relação de Lisboa reduziu o montante a pagar pelos réus ao autor, de 30 000,00€ para 15 000,00€.
Ora, lido e interpretado o recurso interposto pelos réus ressalta com meridiana clareza que aqueles se insurgem contra a decisão do Tribunal da Relação, na parte em que fixou como indemnização a liquidar a quantia de 15 000,00€.
Pugnaram, assim, os réus pela sua absolvição do pedido de condenação no pagamento de indemnização ou, caso assim não se entendesse, pela redução do quantum indemnizatório arbitrado ao autor.
Estando fixado o valor da alçada da Relação em 30 000,00€, os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça estão limitados, em regra, às decisões proferidas em processos cujo valor seja igual ou superior a 30 000,01€ e em que o recorrente tenha ficado vencido em valor igual ou superior a 15 000,01€17.
Como se referiu, os recorrentes insurgem-se contra o segmento decisório que diz respeito ao pedido de condenação no pagamento de indemnização que foi fixada em 15 000,00€.
Assim, como a diferença entre o montante fixado na decisão recorrida e o que pretende seja fixado na decisão do recurso (15 000,00€), não excede metade do valor da alçada do Tribunal da Relação (15 000,01€), face ao valor da sucumbência, não é admissível recurso ordinário.
Concluindo, face ao valor da sucumbência (15 000,00€)), entende-se não ser admissível recurso ordinário, pelo que, não se pode conhecer do seu objeto18.
Mas, mesmo não se entendendo ser admissível recurso ordinário face ao valor da sucumbência, também o não seria por existência de dupla conforme.
Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos – art. 671º/1, do CPCivil.
Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte – art. 671º/3, do CPCivil.
Consagra este inciso normativo a figura chamada de «dupla conforme», traduzida numa pronúncia com o mesmo sentido decisório proferido pelas (duas) instâncias hierarquicamente inferiores19.
Tal “desconformidade” terá, pois, sempre de reporta-se a matérias integradas na competência decisória (ou seja, nos poderes de cognição) do Supremo Tribunal de Justiça20.
Como requisitos para a existência dessa figura processual (inibitória do recurso de revista), três requisitos, os dois primeiros de natureza positiva e o terceiro de natureza negativa, a saber: a) confirmação pela relação, do sentido decisório (condenatório ou absolutório do pedido ou da instância) adotado pela 1ª instância; b) decisão confirmativa da Relação tirada sem qualquer voto de vencido; c) a fundamentação (jurídica) da decisão essencialmente diferente da decisão de 1ª instância21.
Se a fundamentação de ambas as decisões forem essencialmente idênticas, há dupla conforme e, portanto, é inadmissível a revista; se forem essencialmente (substancialmente) diferentes, inexiste “dupla conforme”, sendo admissível a revista22.
Assim, não é admissível revista do acórdão que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível (art. 671º/3, do CPCivil).
A interpretação desta disposição legal suscitou controvérsia na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, tendo sido proferido o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 7/202223, o qual uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: “Em ação de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito, a conformidade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista, nos termos do artigo 671º, nº. 3, do CPC, avaliada em função do benefício que o apelante retirou do Acórdão da Relação, é apreciada, separadamente, para cada segmento decisório autónomo e cindível em que a pretensão indemnizatória global se encontra decomposta”.
Apesar de o referido AUJ ter sido proferido no âmbito de uma ação de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito, a doutrina nele fixada deve aplicar-se a outras ações em que também esteja em causa a interpretação do disposto no art. 671º/3, do CPCivil24.
O AUJ seguiu assim o entendimento maioritário da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de que existe dupla conforme entre as decisões das instâncias sempre que o recorrente obtém uma decisão mais favorável, quantitativa ou qualitativamente, ainda que não tenha obtido vencimento integral do recurso25,26,27,28,29,30,31,32,33.
Com efeito, no segmento uniformizador desse AUJ consta que “a conformidade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista, nos termos do artigo 671º, nº. 3, do CPC” é “avaliada em função do benefício que o apelante retirou do Acórdão da Relação”.
Trata-se “de um critério de conformidade assente na ideia de coincidência racional, que se afasta da coincidência formal de julgados (por esta se revelar mecânica e redutora dos propósitos subjacentes à própria figura da dupla conforme face à imponderação do elemento teleológico na interpretação da norma), que inicialmente equacionado relativamente às decisões de condenação numa prestação pecuniária (ações com objetos processuais economicamente divisíveis, ainda que não se esgote nesse âmbito), parte da ideia e encontra justificação no facto de carecer de sentido admitir o recurso de revista nas situações em que o recorrente tenha obtido uma decisão mais favorável que aquela que teria com a confirmação irrestrita da decisão de 1.ª instância, inviabilizadora da revista. Por conseguinte e segundo o posicionamento onde nos situamos, levando em conta o elemento racional ou teleológico de interpretação, a sobreposição caracterizadora da conformidade decisória, não obstante partir de uma coincidência de julgados (sobreposição parcial), é aferida em função da decisão mais favorável – quantitativa ou qualitativamente -, ou seja, quando o acórdão da Relação se revela mais benéfico ao recorrente do que a proferida em 1.ª instância. (…) Na verdade, na escolha do caminho de racionalização do acesso ao STJ, pouco sentido faria inibir a parte de interpor recurso no caso de a Relação manter a condenação da 1ª instância, mas admiti-lo na situação de a parte obter uma reformatio in melius. Nestas duas situações ocorre uma identidade de razão que impõe, em termos de raciocínio lógico, o mesmo efeito impeditivo do recurso para ambas”.
Temos, pois, que existe dupla conformidade entre as decisões das instâncias sempre que o recorrente obtém uma decisão que lhe é mais favorável, quantitativa ou qualitativamente.
E, com efeito, não faria sentido que os recorrentes ficassem impedido de lançar mão da revista normal caso o tribunal a quo houvesse confirmado integralmente o decidido pela 1ª instância, e que já o pudessem fazer numa situação em que obtiveram um melhor resultado – como sucedeu no caso sub judice.
No caso dos autos, o acórdão recorrido no segmento decisório impugnado, é claramente mais favorável aos réus do que a sentença de 1.ª instância, porquanto o valor indemnizatório liquidado pela Relação é inferior ao que foi fixado pela 1.ª instância.
Temos, pois, que o acórdão recorrido no segmento decisório respeitante ao pedido de condenação no pagamento de indemnização que foi fixada em 15 000,00€, é claramente mais favorável aos recorrentes, porquanto o valor indemnizatório é inferior ao que foi fixado pela 1.ª instância.
Concluindo, temos, pois, que o núcleo essencial da fundamentação jurídica nos seus segmentos decisórios, são idênticos em ambas as instâncias, não havendo divergências quanto aos fundamentos das decisões34,35,36,37,38.
Isto porque, só se pode considerar existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na relação tenha assentado, de modo radical ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença recorrida.
Só quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1.ª instância, é que se pode considerar existir uma fundamentação essencialmente diferente, o que não se verificou no caso sub judice.
No caso, os recorrentes obtiveram face à parcial procedência do recurso de apelação no tribunal a quo, uma decisão que lhes é mais favorável e que está, por isso, abrangida pela dupla conformidade prevista no art. 671º/3, do CPCivil.
Concluindo, para efeitos de admissibilidade do recurso de revista (normal) de acordo com as regras gerais, ocorreria também, no caso presente, o obstáculo enunciado na parte final do art. 671º/3, do CPCivil – a chamada dupla conforme.
Assim requereram a “convolação do recurso de revista inicialmente interposto para o recurso de revista excecional”.
Vejamos a questão.
Os recursos interpõem-se por meio de requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão recorrida, no qual se indica a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso interposto – art. 637º/1, do CPCivil.
Por um lado, os réus não podem pedir nesta resposta que o recurso seja convolado como de revista excecional, pois, o local e o momento próprios teriam que ser feito na 1ª vez que vieram impugnar recursivamente o acórdão da Relação, e bem como as respetivas alegações/conclusões desse recurso.
Isto porque, no requerimento de interposição de recurso, o recorrente deve indicar a espécie, o efeito e o modo de subir do recurso, ainda que tais menções não vinculem nem o tribunal recorrido, nem o tribunal ad quem39.
E, nos casos que constituem exceções à recorribilidade das decisões, no recurso de revista excecional e no recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência deverão ainda ser indicados os motivos especiais de admissibilidade40.
Assim sendo, porque os réus não indicaram no requerimento de interposição de recurso a respetiva espécie, isto é, que seria de revista excecional, e nem o fazendo a título subsidiário, como o deveriam ter feito, nos termos do art. 637º/2, do CPCivil, não o podem vir agora fazer nesta resposta, isto é, que seja convolado como recurso de revista excecional41.
Pretendendo agora os réus interpor recurso com fundamento no art. 672º/1/a/b, do CPCivil , deveriam tê-lo feito aquando da apresentação do seu requerimento de interposição de recurso, o que não o fizeram, pois limitaram-se a interpor o recurso como sendo de revista (normal) e, não como sendo de revista (excecional).
Temos, pois, que o fundamento de admissibilidade do recurso é fixado nas respetivas alegações, não podendo ser modificado/convolado posteriormente (no caso, em requerimento a pronunciar-se sobre a admissibilidade do recurso).
Mesmo que tal não se entendesse, também não poderia ser convolado o recurso interposto como de revista normal em revista excecional.
A revista excecional não é um recurso autónomo42.
Conforme orientação jurisprudencial deste tribunal, não sendo admissível a revista normal, também não é admissível a revista a título excecional43,44,45,46,47,48,49.
Assim, o acesso à revista excecional depende naturalmente da verificação dos pressupostos gerais do recurso de revista, designadamente os que respeitam à natureza ou conteúdo da decisão, em face do art. 671º/1, ao valor do processo e da sucumbência (art. 629º/1) ou, à legitimidade50,51,52,53,54,55,56,57,58.
A recorribilidade da decisão está assim dependente da verificação do condicionalismo imposto pelo valor do processo ou pelo valor da sucumbência59.
No caso, como não é admissível recurso de revista normal, também não é admissível recurso de revista a título excecional, não podendo, assim, ser convolado o recurso interposto como de revista normal em revista excecional.
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por AA, ora recorrente, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões:
1.) Saber da concordância prática entre a necessidade de restrição do direito de liberdade de expressão e de informação das rés para salvaguarda do núcleo essencial dos direitos do autor à imagem e à reserva da vida privada.
2.) Saber do nexo de causalidade entre o facto e o dano.
3.) Saber do quantum de compensação a atribuir ao autor a título de danos não patrimoniais.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA
1. A 1.ª ré BB e a 2.ª ré CC são jornalistas e desenvolveram a sua atividade profissional nos canais de televisão TVI e TVI24.
2. A 1.ª e a 2.ª rés são as jornalistas autoras e responsáveis pelo conteúdo da reportagem transmitida na TVI e TV24, denominada “...”.
3. O 3.º réu DD foi o ... das áreas de informação da TVI e da TVI24, sendo, na altura dos factos, o responsável pela informação dos referidos canais.
4. Enquanto ..., o 3.º réu era o responsável pela orientação e supervisão do conteúdo das emissões transmitidas nos canais de televisão TVI e TVI24.
5. O 3.º réu aprovou a elaboração e execução de uma grande reportagem sob o tema “...”.
6. O 3.º réu, enquanto ... da TVI e TVI 24, teve conhecimento prévio da sua existência e conteúdo da reportagem, tendo acompanhado o processo de investigação liderado pelas jornalistas.
7. O 3.º réu sabia que na reportagem se tratariam temas que implicavam o relato de situações relativas à vida e processo de adoção de crianças, incluindo do autor AA.
8. A 4.ª ré foi a apresentadora de um serviço noticioso “...” em que era feita a apresentação da reportagem.
9. A 8.ª ré TVI - Televisão Independente, S.A. é um operador televisivo com autorização para o exercício da atividade de televisão através dos serviços de programas TVI e TVI24.
10. A 9.ª ré M..., S.A. é proprietária dos sites da TVI e da TVI 24 e do portal IOL onde estão alojadas as notícias e vídeos referentes à reportagem denominada “...”, sendo a sua entidade gestora e responsável pela conservação de dados dos utilizadores do site, não tendo, contudo, responsabilidade ou influência quanto aos respetivos conteúdos.
11. Na semana que antecedeu a transmissão da reportagem objeto dos autos, a TVI e a TVI24 anunciavam num vídeo promocional, que iriam transmitir uma reportagem de grande importância e relevo.
12. No Domingo, dia ...-...-2017, na véspera da transmissão do primeiro episódio, a TVI e a TVI24 tiveram em estúdio as 1.ª e 2.ª rés jornalistas que foram explicar o conteúdo que seria revelado no decurso das semanas seguintes.
13. O 3.º réu recebeu um comunicado do autor, por meio de vídeo, informando-o que se opunha a que a referida reportagem fosse transmitida e que a mesma continha factos que este considerava atentatórios da sua privacidade.
14. Pese embora tenha tomado conhecimento do conteúdo da referida comunicação, o 3.º réu autorizou que a reportagem fosse transmitida na TVI e na TVI24 ao longo de duas semanas.
15. No dia ...-...-2017, foi iniciada a transmissão no serviço de programas TVI e TVI24 da reportagem denominada “...”, a qual foi transmitida até ao dia ...-...-2017.
16. A reportagem é constituída, inicialmente, por ... episódios e tem por objeto a divulgação de uma alegada rede de adoções ilegais de crianças levada a cabo pela I....
17. Ao longo desses ... episódios são relatadas as alegadas circunstâncias em que decorreram vários processos de adoção que são apelidados de ilegais.
18. Na reportagem, quanto a alguns dos menores adotados, são divulgadas a identidade, a sua imagem, quer enquanto crianças, quer enquanto adultos, a identidade dos adotantes e as circunstâncias de vida dessas crianças.62
19. O autor AA foi uma das crianças visadas na reportagem como tendo sido objeto de uma dessas adoções.
20. Na reportagem, o autor é identificado pelo nome AA e pelos apelidos que foi utilizando, associando ainda a sua imagem, quer enquanto criança, quer enquanto adulto.
21. Na reportagem refere-se a história familiar do autor, sendo, para o efeito, transmitidas imagens fotográficas e vídeos deste, sem que lhe tivesse sido pedida qualquer autorização.
22. Na reportagem é divulgado que o autor foi retirado da sua mãe biológica e colocado num lar de crianças da I....
23. É feita uma entrevista à mãe biológica do autor, que vem afirmar que lhe foram tirados os filhos contra a sua vontade, surgindo esta aí referida pelo nome “KK” por forma a ocultar a sua identidade.
24. Na reportagem é divulgado que o autor foi retirado da sua mãe pela Segurança Social da ... e entregue num lar de crianças da I....
25. Em concreto, no dia ...-...-2017, foi transmitido o episódio ... da reportagem, no qual se pode visualizar o seguinte:
Narradora: “Um lar ilegal, onde era possível a ... e ... da I..., escolherem as crianças que queriam adotar. Um lar ilegal onde a segurança social e até tribunais portugueses chegaram a institucionalizar crianças retiradas aos pais, como atestam estes documentos. Um lar ilegal a quem as mães desesperadas confiaram os seus filhos ainda pequenos, e de onde foram levados.”
KK – Mãe biológica das crianças: “E agora porquê? Porque é que me fizeram isto? Porque é que me prometeram ajuda e mos tiraram estes anos todos? Porquê?
Narradora – “20 anos depois, KK vê pela primeira vez, o rosto dos seus filhos já maiores de idade.”
KK – Mãe biológica das crianças: “A minha LL é linda.”
“MM” – Baby-sitter das crianças: “Eu disse-lhe, eles são lindos.”
Narradora: “LL tinha três anos e meio, AA, dois, e NN era um bebé de apenas nove meses quando chegaram ao lar da I....”
KK – Mãe biológica das crianças: “Eles disseram que me iam ajudar a ter condições para os voltar a ter, percebe? E eu acreditei que sim, porque a única coisa que eu precisava na altura era de uma creche qualquer. Para eu poder trabalhar e eles estarem em segurança, era só isso que eu precisava, mais nada.”
Narradora: “A promessa de ajuda tornou-se amarga, a família vivia com dificuldades numa casa mesmo ao lado da I... da ....”
KK – Mãe biológica das crianças: “Ao lado da nossa casa, havia uma I..., portanto ninguém me tira da cabeça que há muitas coincidências aqui.”
Narradora: “Um dia, alguém denunciou o facto de as crianças ficarem sozinhas enquanto a mãe ia trabalhar, e terão sido retiradas pela segurança social da ..., para o lar da I....” (…)
KK – Mãe biológica das crianças: “Eu não tinha feito mal nenhum, eu não estava a entregar os meus filhos a ninguém, eu pedi às assistentes sociais “ajudem-me, metam-nos numa creche porque eu tenho trabalho, ajudem-me, é só o que eu preciso para eles ficarem em segurança. E não, e não, e não, e não, e sempre me foi recusada essa ajuda. E quando ela me disse que eles iriam para esse lar, e onde eu os iria ver, todos os fins-de-semana até a situação ser reavaliada, que quando as coisas entrassem nos eixos eles iriam para mim ao fim de semana, e ia ser um processo gradual, até virem depois todos para junto de mim outra vez. E eu acreditei, eu acreditei que me iam ajudar e a única coisa que eles fizeram foi destruir a minha vida e a deles pelos vistos.”
Narradora: “Chegaram ao lar em setembro de 1995, e a mãe biológica só conseguiu vê-los no mês seguinte. Depois, e apesar de lá ir, nunca mais lhes pôs a vista em cima. Os lindos irmãos, chamaram a atenção do próprio ... JJ, ... da I..., quando visitou este centro de acolhimento naquela altura.”
“MM” – Baby-sitter das crianças: “Eles os três saem, são escolhidos pelo ... da I... para levar para a filha dele, que era a OO e o PP.”
26. Ao longo do episódio, a reportagem relata as condições de vida do autor durante a sua infância, as dificuldades que passou com a família biológica, o facto de ter sido retirado pela Segurança Social e ter sido colocado numa instituição, assim como os motivos e a forma como tal sucedeu.
27. No decorrer deste ... episódio são ainda divulgadas várias imagens do autor, da sua irmã e do seu irmão, já falecido, ainda menores, imagens que foram transmitidas sem o seu consentimento ou conhecimento prévio, de forma explícita, sem pixelização, nomeadamente nos minutos ....
28. São ainda difundidas imagens recentes do autor já maior de idade, tornando possível reconhecê-lo nos dias de hoje em qualquer local público tanto em Portugal como no estrangeiro, nomeadamente nos minutos ....
29. No dia ...-...-2017, foi transmitido o episódio ... da reportagem, no qual continua a ser feita referência aos factos da infância do autor e dos irmãos.
30. Nesse episódio, alega-se que o autor foi roubado à mãe biológica e escolhido por catálogo por ... da I..., no âmbito de um esquema fraudulento e organizado para a sua adoção ilegal.
31. No início do referido episódio é afirmado que o autor foi levado de um lar ilegal da I... para ser entregue na América à filha do JJ, podendo visualizar-se: - “um lar de onde foram levados os três irmãos para serem entregues na américa, à filha do JJ que não podia ter filhos” e ainda “Isto foi um roubo, foi roubar crianças”.
32. Após, é transmitida a ideia de que o autor foi escolhido, por sugestão do JJ, pela sua filha, OO e pelo marido, PP, e adotado de forma totalmente ilegal, e para tal sustentar é apresentada uma testemunha anónima apelidada de “MM”, descrita como ex-funcionária do Lar e Babysitter que afirma: “MM”: Recordo-me do JJ ir visitar o lar porque ainda não conhecia o lar, e tá o AA e a LL, e as crianças lá quando apareciam pessoas estranhas ou diferentes, que não eram de lá porque eramos só nós os funcionários, agarravam-se a essas pessoas. Hum… e o JJ vira-se para a QQ e diz “Olha, aqui estão umas crianças boas para o PP e para a OO” e a QQ começou-se a rir e disse “É mesmo, ele até é parecido com o PP.” Hum… e então ele dizia “é mesmo” e então começaram ali a brincar com as crianças, prontos. Aquela coisa de tentarem conhecer a criança, vá, digamos assim.” Jornalista: Na altura quando ouviu esta conversa, não houve nada que lhe parecesse estranho? “MM”: Não, não, não, não me pareceu estranho porque é assim, sabia que a filha e o genro não podiam ter filhos. O que é que a gente achou? Que os pais tinham dado a criança para adoção e daí partirem para a adoção.
33. É ainda apresentado o testemunho de RR, ex-... da I... que afirma: “Adotaram em Portugal e aproveitaram-se do facto de a instituição ela ter acesso ao lar das crianças. Essas crianças foram adotadas do lar e não seguiram os trâmites, se fizer investigação vai ver que não seguiram os trâmites que deveriam seguir”.
34. Os relatos sustentando tal tese, somam-se ao longo deste ... episódio. “MM”: São escolhidos pelo ... da I..., para levar para a filha deles, que era a OO e o PP. Daí começou o passe do AA a LL e o SS como nós lhe chamávamos a serem adotados. Narrador: Longe do radar está também este processo de retirada de LL, AA e NN do lar de ..., o primeiro local onde a I... abriu um centro de acolhimento de crianças. O lar, onde a filha do ... escolheu os meninos que queria adotar. TT: Não é admissível na nossa lei, já não era admissível na lei de 93, que houvesse uma escolha da criança por um pretenso candidato. Não era assim que os processos começavam. Narrador: Mas foi assim que tudo começou. O JJ regressa à …, já com as fotografias dos irmãos para a filha aprovar a escolha. Vinte anos mais tarde, no blog onde conta a história da sua vida, revive o preciso momento em que se depara com uma imagem de LL. Narrador: Na altura estas crianças não estavam libertas para a adoção, mas confirmada a escolha era necessário que ficassem rapidamente disponíveis. Para isso era importante construir a tese do desinteresse dos pais biológicos. “MM”: Naquela altura era-nos dito que os pais não podiam assinar o livro da receção, ou seja o livro que nós tínhamos para os pais assinarem como iam visitar os meninos.
Mãe/“KK”: Eu cheguei a perguntar por esse livro. “MM”: E era-lhe negado porque não tínhamos ordem para dar esse livro, principalmente a vocês. Daí começou o passe do AA a LL e o SS como nós lhe chamávamos, a serem adotados. Narrador: Em poucos meses estava montada a história que iria abrir caminho para uma adoção irregular, tirando os filhos a uma mãe em Portugal para os dar à filha do ..., na América. “MM”: Isto foi um roubo, foi roubar crianças, não foi mais nada. Não foi adoção, adoção é uma coisa que um pai permite ou não há um pai, não há uma mãe, não existe.
35. Na reportagem a divulgação destes factos surge associada à exposição de inúmeras imagens do autor quando era criança, da sua irmã LL e também do seu irmão já falecido, sem qualquer pixelização, conforme exibição expressa nos minutos ....
36. No dia ...-...-2017, foi transmitido o episódio ... da reportagem, no qual continua a ser feita referência aos factos da infância do autor e dos irmãos, bem como imagens fotográficas e vídeos do mesmo, desde a sua infância até à atualidade.
37. Tal sucede, nomeadamente, nos minutos: ....
38. Neste episódio, o relato é feito, entre outros, por “UU”, uma antiga criança do lar da I..., por “KK”, a mãe biológica do autor e por “MM”, a babysitter e funcionária do lar da I....
39. Neste terceiro episódio refere-se a alegada impossibilidade de a filha do JJ adotar em Portugal e ao facto de a secretária pessoal deste, II, ter avançado com o processo de adoção dos três irmãos – AA, ora autor, LL e NN –, sem que tenha sido ouvida a mãe biológica.
40. É, ainda, divulgado o alegado processo de adoção do autor, bem como a separação deste e da sua irmã LL, do seu irmão NN, terminando com alegados maus tratos dos “pais adotivos”, OO e PP, para com o autor.
41. Na reportagem refere-se que legalmente a mãe adotiva do autor é II e não OO, apesar do autor utilizar publicamente o nome VV fazendo-se passar por filho desta e do marido, o PP.
42. Nos minutos ... deste episódio pode visualizar-se: “Narradora: II é Portuguesa, e foi durante muito anos a secretária de confiança do JJ, foi ela que serviu de testa de ferro no plano de adoção dos três irmãos, LL, AA e NN. As crianças foram retiradas aos pais biológicos sem que a mãe tenha sido ouvida por um Tribunal. KK”: Nunca fomos ouvidos, não houve um juiz que dissesse, a minha senhora foi negligente, a minha senhora é negligente”. “Jornalista: Quem levou as crianças para fora do país? “WW”: Sim, que estava a secretariar o ... e que levou elas para os Estados Unidos Narradora: O novo plano terá passado por uma espécie de reserva destas crianças, usando a secretária do ... como testa de ferro “MM”: Como havia esta funcionária, como havia esta possibilidade de poder, então ela, foi ela que o fez, foi ela que os levou Jornalista: E os miúdos quando chegam aos Estados Unidos vão para casa de quem? “MM”: Vão para casa do JJ Narradora: XX, advogada do lar, que recusou dar uma entrevista à TVI, também adotou umas gémeas neste centro que acolhimento, foi ela quem pediu ao tribunal uma guarda dos irmãos para a II. O plano era a secretária do ... ficar com a guarda das crianças até que OO completasse a idade legal para os adotar. A TVI teve acesso a uma gravação em que a própria confessa todo este esquema”.
43. Por sua vez, nos minutos ...: deste episódio pode visualizar-se:
“Narradora: Esta é a história secreta, protegida por acordos de confidencialidade entre as partes, confidenciais são também os processos de adoção a que a TVI não pôde ter acesso. Certo é que estas crianças saíram de Portugal pela mão de II. Foram entregues nos Estados Unidos à filha do JJ como se de encomendas se tratasse. A TVI foi à procura das respostas legais que poderão explicar este esquema irregular. (…) Narradora: Um processo que foi feito completamente ao contrário. Neste lar usava-se e abusava-se do antigo artigo 19.º da organização tutelar de menores. Legalmente, era II secretária de JJ que tinha a guarda dos irmãos, no ... a filha do ... e o marido, contam outra versão PP: A gente decidiu de comum acordo, ao invés de trazermos filhos a este Mundo, adotar e agente adotou a LL e o AA que não nos arrependemos. Narradora: Mentira! LL e AA nunca foram legalmente adotados por OO e PP, tal como comprovam estes documentos a que a TVI teve acesso. A adoção só aconteceu oito anos depois de saírem do lar e a mãe adotiva das crianças é II, a secretária do .... MM foi a funcionária do Lar escolhida para acompanhar os três irmãos nos Estados Unidos, este é o passaporte da baby sitter. Partiu em Setembro, vestida de missionária, com um terço ao pescoço, emitido o visto a 16 de Setembro, entra por Nova Iorque um dia depois. Segue para a Califórnia e recebe as crianças um dia mais tarde. Viveu mais de dois anos na casa do ... da I...”.
44. De seguida, o referido episódio relata a separação do autor e da sua irmã LL, do seu irmão NN, nomeadamente, nos minutos ..., nos quais pode visualizar-se:
“Narradora: No final de 1996, os três irmãos, LL, AA e NN, terão partido em avião privado para o estrangeiro. Antiga funcionária do lar: as crianças saem e ela sai, ou sai logo ou sai antes que é para ir Jornalista: mas vai ali no mesmo mês? Antiga funcionária do lar: Sim! Foi na mesma altura Jornalista: Quando (…) saiu, as crianças saíram todas Antiga funcionária do lar: Sim! Também saíram Narradora: Se os três irmãos saíram na mesma altura que a baby sitter do lar, então terão saído em Setembro de 1996, altura em que MM sai para ir para os Estado Unidos. Como já vimos, o visto e o carimbo do seu passaporte comprovam a data de entrada na América, mais a baby sitter garante que as crianças chegaram a casa do JJ nos Estados Unidos, poucos dias depois de ela lá estar (…) Narradora: Como se não bastasse a filha do ... decide que só quer duas das crianças e os irmãos são separados. Contrariando as ordens do tribunal, que obrigava a que os três irmãos ficassem juntos a viver em Portugal, NN é levado para o Brasil e entregue a outro ... “MM”: Quando chegamos à América eles não querem três, só querem dois, no caso a LL e o AA “KK”: E o AA “MM”: O NN seria, seria não, foi, dado a um outro ...” (…) “MM”: Eles mantem-se separados, eles começam a fazer esta vá, lavagem cerebral à LL, que não é irmão, não é irmão, eu sou tua mãe, a…, e ela dizia que não, que pronto que tinha a mãe e o pai, porque a LL tinha memórias, porque tinha, uma menina com cinco anos tinha Narradora: No seu blog pessoal, OO não fala nem uma palavra sobre o bebé NN, nem sobre a separação dos irmãos, dá sempre a entender que existiam apenas dois, AA e LL “MM”: A OO achou gira a LL porque era parecida com o PP, e porque o AA também, e tinham cabelo negro, então ficaram eles os dois com ele, e o outro bispo com o NN
45. De seguida, são alegados maus tratos ao autor por parte dos supostos pais adotivos,
OO e o PP, nomeadamente, nos minutos ..., onde pode visualizar-se: “Narradora: longe do tribunal português, na casa do JJ nos Estados Unidos, para onde nunca deveriam ter ido, as crianças começam a ser maltratadas. MM”: e o AA fazia xixi na cama “KK”: sim, sim… MM”: a…. e eu como baby sitter deles, era eu que os, que lhes dava banho, era eu quem os vestia, era eu que fazia a cama deles, era eu que os tratava. E há um dia em que o AA faz xixi na cama e eu tiro a roupa da cama, e levo para lavar, dou banho ao AA, visto o AA, até que ela me apanha com a roupa da cama na mão e pergunta o que é que tinha acontecido… e eu falei que o menino tinha feito xixi na cama. Ela ficou possuída, de tal maneira que ela chega à cozinha pega um tacho da cozinha e dá com ele no rabo do AA. Aquilo para mim foi a revolta total. “KK”: Foi para isto que tiraram os meus filhos (interroga)
MM”: E eu disse que não, não era aquilo, a uma dada altura nós vimos a Portugal ao tribunal, que o tribunal nos chama para vir, e eu fico em casa da II com os meninos, porque temos de ficar ali, e eu dali disse à II que já não queria mais voltar para casa do JJ Narrador: Amanhã os maus tratos às crianças II: O PP, chegava a casa todo os dias, à meia-noite. O menino já estava a dormir, era uma, era, pegava no cinto e batia no menino Narrador: Os problemas no casamento da filha do ... e a rejeição dos irmãos “UU”: Quando eles iam voltar ficámos todos pasmados, porque é que se devolvia duas crianças que eram tão queridas e tão bonitas e tão amorosas Narrador: As mentiras, os documentos falsificados, e uma adoção forçada”.
46. No dia ...-...-2017, foi transmitido o episódio ... da reportagem, no qual, nomeadamente, nos minutos ..., pode visualizar-se: “(…) Narradora: Como é que tudo isto foi possível? Qual foi o papel de instituições como a Segurança Social, a Santa Casa da Misericórdia de ... e o Tribunal de Família? A TVI teve acesso a documentos que fazem parte do processo secreto de adoção. Há um relatório de cariz social assinado pela advogada do lar, XX, onde se afirma que os irmãos viviam com outros toxicodependentes para alem dos pais e que os menores eram seropositivos. Preto no branco, pode ler-se. Excerto de texto: “De referir que os menores quando deram entrada no lar eram seropositivos, situação esta que posteriormente se veio a alterar, tendo negativado”. YY (Médico Hepatologista): Negativar é impossível. Não há remissões espontâneas da SIDA. Não há testes que possam ser positivos e negativos, a não ser testes que sejam falsos ou falsamente positivos. Jornalista: Sendo as crianças seropositivas, a mãe teria de ser seropositiva? YY (Médico Hepatologista): Não há outra forma, como é óbvio. Se mãe é seropositiva, aí é difícil a gente dizer que as crianças não tiveram o vírus, mas não é possível. Jornalista: Mas a mãe é dadora de sangue… YY (Médico Hepatologista): Se a mãe é dadora de sangue, a mãe nunca foi seropositiva. (…)”
47. De seguida, no mesmo episódio, é feita referência ao autor, após ser adotado, ter sido levado para os EUA onde sofreu maus tratos por parte da filha do JJ, OO, e por parte do PP, divulgando, para o efeito, é divulgada uma conferência telefónica tida com a secretária do JJ, onde a mesma relata alegados episódios de violência vividos pelo Autor, nomeadamente nos minutos ..., onde pode visualizar-se: “(…) Narradora: Nos Estados Unidos, a babysitter de LL e AA assiste impotente a episódios de maus tratos. Chamada telefónica com II (Antiga secretaria do JJ)
II: Ela uma vez chama-me…II, vem cá…e eu fui lá na casa dela. O rabo da LL todo negro, inchado… Tivemos de pôr o rabinho dela na água quente e tudo. Interlocutor: Quem tinha batido na menina? II: A OO… a OO com o sapato. O PP chegava a casa todos os dias à meia- noite, o menino já estava a dormir…Pegava no cinto e batia no menino. Porque a OO fazia-lhe as queixas. Ele chegava, e com o menino a dormir … pumba! (…)”
48. No decorrer deste episódio são ainda divulgadas várias imagens do autor, ainda menor, identificando-o expressamente ainda menor sem o seu consentimento, de forma explícita sem pixelização, nomeadamente nos minutos ....
49. No dia ...-...-2017, foi transmitido o episódio ... da reportagem, no qual, é narrada a separação do autor e da sua irmã LL, em relação ao seu irmão NN, e os alegados maus tratos a que o autor era sujeito, fazendo menção à alegada rejeição, por este, da filha do JJ, OO, nomeadamente, no minuto ..., pode visualizar-se: “Narrador – Três irmãos, separados, maltratados. II – O PP chegava a casa todos os dias, à meia-noite, o menino já estava a dormir, era uma… era… pegava no cinto e batia no menino. Narrador – Rejeitados pela filha do JJ.”
50. Na reportagem, é divulgada a ideia de que o sonho do autor era ser jogador de futebol, mas que por manipulação do JJ seu “avô adotivo”, seguiu o caminho da I....
51. No referido episódio, acrescenta-se, ainda, que o autor apenas regressou para junto de OO e PP, porque foi comprado e manipulado pelo seu avô adotivo, JJ, nomeadamente, nos minutos ..., onde pode visualizar-se:
“II – O AA só foi porque prometeram que iam fazer pra ele… o sonho dele era ser um jogador de futebol famoso. “Eu vou ser um jogador de futebol famoso”… Estás muito enganado filho. Metes-te com essa gente tu vais ver, eles vão-te meter é dentro da I....
MM – Eles foram manipuladas, vá, comprados, digamos, pelo JJ novamente. Eles hoje, eles encontram-se juntamente com a OO e o PP. Entrevistadora – Estão a viver com eles.
MM – Estão a viver com eles porque foram… comprados. O dinheiro compra tudo.” (…)
Narradora – Em 2014, AA regressa e em menos de um mês foi batizado pelo homem que um dia o terá rejeitado. PP – Eu te batizo em nome do pai, em nome do filho, em nome do Espírito Santo para remissão dos pecados. Em nome de Jesus, que o seu nome seja escrito no livro da vida, pois nas suas mãos eu entrego o meu filho AA. Respire fundo AA. You’re a new person from this moment on Congratulations. You are, you are. Narradora – Em tempo recorde, AA torna-se no ...ZZ, nome que legalmente não existe”.
52. No decorrer deste episódio são ainda divulgadas várias imagens do autor sem o seu consentimento ou conhecimento prévio, de forma explícita sem pixelização, nomeadamente nos minutos ....
53. No dia ...-...-2017, foi transmitido o episódio ... da reportagem, no qual, são narrados factos referentes à vida do autor, como seja a sua relação com os irmãos biológicos e o seu processo de adoção.
54. No decorrer deste episódio são, igualmente, divulgadas várias imagens do autor sem o seu consentimento, de forma explícita sem pixelização, nomeadamente nos minutos ....
55.63
56. A partir da transmissão da reportagem, o autor ficou associado como uma criança que foi raptada pela I..., roubada à sua família biológica, e maltratada e abandonada.
57. O autor, na sequência da reportagem, foi identificado por desconhecidos, que o abordam e pretendem falar sobre o tema, acabando por ter que dar explicações sobre o ocorrido.
58. O autor foi ainda abordado por fiéis da I... que o questionam sobre a história contada na reportagem, sentindo-se obrigado a falar sobre o assunto diversas vezes e a explicar e a contar às pessoas a sua versão dos factos.
59. Por conta da reportagem, o autor acabou por reviver episódios da sua infância e sentiu-se exposto e violentado na sua vida privada perante milhares de pessoas.
60. O autor ficou consternado, desgostoso e frustrado perante o conteúdo da reportagem e o relato que aí era feito da sua infância e da sua vida privada.
61. A reportagem foi vista por milhares de pessoas, só o primeiro episódio foi visto por 1 milhão e 715 mil pessoas.
62. A média de audiência para todos os episódios da série foi de 1 milhão e 430 mil espectadores.
63. A subida de audiência tem impacto no incremento da popularidade da TVI e nas suas receitas de publicidade.
64. A 8.ª ré no que respeita ao exercício do ano de 2016, obteve rendimentos totais de cerca de € 142.291.940,00.
65. A investigação jornalística que deu origem à reportagem durou cerca de 7 meses, com dedicação exclusiva de alguns jornalistas, tendo recorrido a múltiplas e diversificadas fontes de informação, quer pessoais e documentais, que foram, pelo menos em parte, verificadas e cruzadas.
66. A 1.ª e 2.ª rés jornalistas nunca consultaram o processo de adoção do autor, por o respetivo acesso lhe ter sido negado pelo tribunal.
67. O autor, atualmente, utiliza na sua vida, nomeadamente, profissional o nome de AAA ou VV, e é ...da I... onde exerce as funções de ministro do respetivo culto.
68. O autor e a respetiva imagem são associados a OO e a PP, sendo conhecido, pelo menos na comunidade da I..., como “filho adotivo” destes, e como “neto adotivo” do líder e fundador da I..., JJ, assumindo-se o autor como tal.
69. OO, filha de JJ, no seu blog pessoal, que se encontrava ligado ao site da I..., no período compreendido entre Dezembro e 2015 e Abril de 2016, sob a forma de episódios, e com o título “...”, relata uma versão da história de vida do autor, e da sua irmã LL, com referências à infância, ao processo de adoção e à vida adulta do autor, acompanhada de diversas imagens deste, em criança e em adulto, num estilo de “crónicas de vida”, em termos que não correspondem à verdade dos factos de vida do autor.
70. PP, ... da I..., na sua comunicação pública, alude à qualidade de “pai adotivo” do autor, e fez igualmente uso da história de vida privada e da imagem do autor.
71. No blog pessoal de PP, com ligação ao site da I... e com referência período entre o final do ano de 2014 e ao longo do ano de 2015, eram divulgados diversos eventos da I..., nos quais o autor surgia como participante ao lado do seu “pai adotivo”, quer em Portugal, quer no estrangeiro, assumindo até a qualidade de orador perante plateias de fiéis.
72. Num desses eventos, realizado em 14-03-2015, tendo em vista a divulgação do livro “...” da autoria de JJ, o autor surge, entre outras, numa fotografia divulgada nesse blog, exibindo esse livro, na companhia dos “pais adotivos”.
73. O autor tinha conhecimento da divulgação pelos seus alegados familiares adotivos da versão que estes apresentavam da sua infância e processo de adoção, e de que esta não correspondia à verdade, e nada fez para se opor a essa divulgação.
74. O autor, antes da exibição da reportagem, mantinha contas em redes sociais, como o Facebook, e no Youtube, nas quais divulgava a sua imagem pessoal e as suas atividades ao serviço da I....
75. O autor e os seus alegados familiares adotivos utilizavam em seu proveito pessoal e profissional, bem como em benefício das atividades da I..., da divulgação dessa versão da história do autor e da difusão da imagem do autor, tanto em criança como em adulto, sendo tal acessível através dos meios de comunicação, nacionais e internacionais, de que I... dispõe e tem acesso.
76. Parte das imagens do autor, quer fotográficas, quer videográficas, utilizadas na reportagem foram retiradas das publicações do próprio autor, dos seus alegados familiares adotivos ou da I....
77. O autor e a sua irmã LL, no vídeo publicado no Youtube no dia em que ia começar a ser emitida a reportagem e no qual declararam rebater a versão da reportagem e que proibiam a divulgação do seu nome e imagem, exibiram a sua imagem e identidade, tendo enviado esse vídeo a órgãos de comunicação social portugueses e brasileiros.
78. Tal vídeo foi gravado no seguimento da “Equipa de Investigação da TVI”, por email de 07-12-2017, ter solicitado, dias antes da transmissão do episódio ..., a responsáveis da I... os contactos de 6 membros da I... a fim de serem contactados a propósito da reportagem a emitir, aí se incluindo o autor, a sua irmã LL, os seus “pais adotivos” OO e PP e o JJ, tendo, no dia seguinte, colocado diversas questões sobre os processos de adoção.
79. A mesma “Equipa de Investigação da TVI”, por email de 11-12-2017, dirigido ao mandatário e representante do autor, solicitou que o autor concedesse uma entrevista à TVI.
80. A 8.ª ré, nos seus serviços noticiosos da TVI, transmitiu, em parte, esse vídeo do Youtube.
81. Antes da transmissão da reportagem, a 1.ª ré apresentou uma participação, em 14-11-2017, junto da PGR relativamente a ter, na sequência de um trabalho de investigação apurado factos relacionados com o “desaparecimento de umas crianças portuguesas que terão sido vítimas de uma rede internacional de adoções” relativamente às crianças que identificou, e que tinham estado no Lar ..., e nas quais se incluía o autor64.
82. No teor dessa participação é feita referência às mães garantiam nunca terem sido ouvidas, ou notificadas em qualquer processo de adoção ou qualquer outro tipo de processo a respeito dos seus filhos.
83. Tal participação deu origem ao processo de inquérito n.º 704/17.9..., que correu termos na ....ª secção do DIAP de ..., no qual, após a realização de diversas diligências, foi proferido, em 14-05-2019, despacho de arquivamento no que se refere aos factos de natureza criminal relacionados, nomeadamente, com a adoção do autor, em virtude de eventuais responsabilidades criminais se encontrarem prescritas.
84. No âmbito desse inquérito foi realizada uma perícia às assinaturas da mãe biológica do autor aposta num aviso de receção de 15-02-2000 e num requerimento apresentado no processo de confiança judicial n.º .../98, tendo o Laboratório de Polícia Científica concluído, em 29-06-2018, como muitíssimo provável que a escrita suspeita seja da mãe biológica do autor.
85. Foi requerida abertura de instrução, a qual correu termos, sob o mesmo número de processo, junto do Juízo de Instrução Criminal de ... – Juiz ..., tendo em 19-11-2020, sido proferida decisão a concluir pela prescrição do procedimento criminal com os mesmos fundamentos.
86. O autor nasceu em ...-...-1993, tendo como pais BBB e CCC.
87. Em 27-09-1993, o Centro Regional da Segurança Social de ... remeteu para o Tribunal de Família e Menores de ... informação intitulada “Crianças Abandonadas”, dando conta que numa casa sita na ... se encontravam crianças abandonadas e fechadas em casa, tendo tal dado origem, em relação ao autor, ao processo tutelar n.º .../93.
88. Constam do referido processo referências às diversas diligências feitas desde a sua instauração, inclusive com a participação dos pais biológicos do autor, e ter o autor, em 04-08-1995, na companhia do seu irmão NN, e acompanhados pelo Centro Regional da Segurança Social, dado entrada na “instituição O...”, onde já se encontrava a sua irmã LL.
89. No seguimento de promoção do Ministério Público nesse sentido e da realização de diligências efetuadas tendo em vista aferir das condições da instituição que não tinha celebrado acordo de cooperação com a segurança social, em 23-02-1996, foi proferida decisão judicial no sentido de confiar provisoriamente o autor, e os seus dois irmãos, ao abrigo do art. 19.º da Organização Tutelar de Menores (OTM), aos cuidados e proteção do Centro Regional da Segurança Social de ..., embora acolhidos no Lar da ..., onde os pais os poderiam visitar sempre que quisessem, de acordo com as regras impostas pelo centro regional e pela instituição.
90. Em 21-02-1997 (não será 1996, como consta do despacho de arquivamento), o Lar ... juntou exposição através da qual deu contra que: (i) os menores nunca haviam sido visitados pelos pais; (ii) ocorreu dois casais estrangeiros se terem interessado pela adoção dos menores, sendo que as respetivas candidaturas foram porém indeferidas; (iii) entretanto, II apareceu como pessoa interessada na adoção dos menores, razão pela qual a mesma se inscrevera como candidata a tal.
91. Após a realização de diligências instrutórias, em 03-04-1997, foi proferida decisão, ao abrigo do disposto nos arts. 19.º, 25.º e 42.º da OTM, no sentido de confiar o autor, e os irmãos LL e NN, a II, com direito de visitas por parte dos pais, a acordar com a protetora, podendo esta viajar com aqueles para o estrangeiro.
92. Em 08-10-1998 deu entrada no Tribunal de Família e Menores de ..., requerimento apresentado pela Provedora da Santa Casa da Misericórdia de ..., relativo a processo de confiança judicial do autor e dos dois irmãos, que deu origem ao processo n.º .../98.
93. Juntamente com esse requerimento foi apresentado em anexo documento intitulado “Relatório”, com o carimbo do Lar ..., elaborado pela advogada XX, que foi arrolada como testemunha.
94. Em 26-04-2000, tomaram-se declarações a II, em que esta referiu a situação em que os menores se encontravam consigo, a viver e frequentar escolas nos Estados Unidos da América, e que era sua intenção adotar os menores.
95. Após a realização de diversas diligências, por decisão de 19-07-2001 foi decidido judicialmente manter a confiança dos menores a II.
96. Em 20-12-2001, junto do Tribunal de Família e Menores de ..., II instaurou processo de adoção relativamente ao autor e aos seus dois irmãos.
97. Foi apensado ao processo de adoção o processo de Confiança Judicial n.º .../98.
98. No âmbito do processo de adoção foram realizadas inúmeras diligências com respeito aos factos a que se refere a reportagem, até que, por sentença de 02-06-2004, foi proferida decisão a julgar procedente o pedido de adoção do autor e dos irmãos por II, designadamente, com fundamento nestes se encontrarem integrados no agregado familiar desta que os tratava como seus filhos biológicos.
99. Apesar de o autor ter sido confiado pelas autoridades a II, este destinava-se a viver com OO e com PP, tendo, pelo menos, na fase anterior ao decretamento da adoção, servido esta de “testa de ferro” no processo de entrega da guarda e confiança judicial.
100. A fotografia do autor quando se encontrava no Lar relacionado com a I... foi mostrada a OO e PP que se interessaram pela sua adoção e da sua irmã LL, com a concordância e apoio do JJ, sem que antes tivessem qualquer relação com o autor.
101. Foi criada perante as entidades e autoridades portuguesas competentes a aparência de estarem reunidas as condições legais de uma adoção do autor em favor de II, quando o propósito era que o autor fosse tratado como filho de OO e PP.
102. Em concretização desse propósito, o autor viveu durante cerca de três anos nos Estados Unidos da América com OO e PP como se fosse seu filho, tendo posteriormente, por alturas do ano 2000, e no seguimento de dificuldades de relacionamento entre todos, ido viver, com a sua irmã LL, com a mãe adotiva II.
103. Após alguns anos, por alturas de 2014, o autor reaproximou-se de OO e PP, e passou a apresentar-se como se fosse seu filho adotivo.
2.2. FACTOS NÃO PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA
A. No vídeo promocional da reportagem é referido que o respetivo conteúdo e importância se equiparavam ao do processo “...”, tendo o 3.º réu decidido dar destaque à reportagem fazendo essa equiparação.
B. A 4.ª ré EE e o 5.º réu, na altura ..., e o 6.º réu GG e o 7.º réu HH, na altura ..., da TVI e da TVI24, foram acompanhando a elaboração da reportagem e a informação que as 1.ª e 2.ª rés, jornalistas, iam recolhendo, tendo tomado conhecimento de que a reportagem em causa revelaria factos sobre a vida privada e íntima do autor.
C. É totalmente falso que o autor, enquanto esteve com OO e com o PP, sofreu quaisquer maus tratos, e que, pelo contrário, sempre foi bem acolhido, tratado com o carinho e o amor que uma criança merece, assim como o continua a ser nos dias de hoje.
D. O autor por causa da reportagem teve mesmo de iniciar tratamento médico.
E. A investigação jornalística que deu origem à reportagem procurou ouvir todas as pessoas com interesses atendíveis na sua divulgação.
F. Os factos relatados na reportagem a respeito da vida e infância do autor são todos factualmente corretos e correspondem à realidade histórica.
G. O processo de adoção do autor e dos seus irmãos beneficiou de relatórios com informações falsas sobre os seus progenitores biológicos e foi-lhes negado o direito de visitá-los no lar da I..., por forma a facilitar a sua desvinculação familiar e posterior adoção pela filha do JJ.
2.3. O DIREITO
Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso65 (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).
1.) SABER DA CONCORDÂNCIA PRÁTICA ENTRE A NECESSIDADE DE RESTRIÇÃO DO DIREITO DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO DAS RÉS PARA SALVAGUARDA DO NÚCLEO ESSENCIAL DOS DIREITOS DO AUTOR À IMAGEM E À RESERVA DA VIDA PRIVADA.
A presente ação visa a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais causados pela violação dos direitos à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada que resultaram, no essencial, da transmissão de uma reportagem televisiva.
Insurge-se o recorrente/autor contra a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que fixou em 15 000,00€, o montante indemnizatório a atribuir por força da violação perpetrada pelos 1º, 2º, 3º e 8º réus dos seus direitos absolutos.
Considera o autor que atenta a ilicitude da conduta imputada aos réus, a indemnização a fixar deve situar-se entre o montante de 100 000,00€ e 400 000,00€.
Assim, a pretensão deduzida convoca a análise da problemática subjacente à colisão de direitos e liberdades e à necessidade de buscar sempre, face ao caso concreto, a sua concordância prática, pois, está em causa o conflito entre o direito à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada, por um lado, e a liberdade de expressão e de informação, por outro.
Importa, assim, saber como conjugar, em caso de conflito, estes direitos/liberdades fundamentais: liberdade de expressão/direito de informação e o direito à imagem e à intimidade da vida privada.
A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação – art. 26.º da CRPortuguesa.
A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral – art. 70.º, do CCivil.
A tutela da personalidade compreende, no que aqui releva, a tutela dos direitos à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada.
O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela – art. 79.º/1, do CCivil.
Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didáticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente – art. 79.º/2, do CCivil.
O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada – art. 79.º/3, do CCivil.
Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem – art. 80.º/1, do CCivil.
O direito à imagem e direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, enquanto direitos fundamentais de personalidade, são inatos, inalienáveis, irrenunciáveis e absolutos, no sentido de que se impõem, por definição, ao respeito de todas as pessoas66,67.
No que ao direito à imagem concerne, trata-se da defesa da pessoa contra a exposição, reprodução ou comercialização do seu retrato, sem o seu consentimento68,69,70.
Não se proíbe a colheita de imagens mas a respetiva difusão (exposição, reprodução, divulgação e lançamento no comércio do retrato de uma pessoa) em termos não consentidos. O núcleo de proteção centra-se pois na “possibilidade de oposição” à utilização – máxime na que consubstancie exploração económica – e/ou na autodeterminação da imagem exterior de cada um71.
No respeitante ao direito à intimidade da vida privada, a dignidade da pessoa exige que lhe seja reconhecido um espaço de privacidade em que possa estar à vontade, ao abrigo da curiosidade dos outros, sejam eles simplesmente os vizinhos, ou sejam as autoridades públicas ou os meios de comunicação social, ou sejam quaisquer outras pessoas72,73.
O direito à privacidade obsta à devassa da vida privada de cada um74,75. O direito à privacidade da vida privada utiliza para delimitação do conteúdo do direito à privacidade, a teoria das três esferas concêntricas, que compreende a existência da esfera da vida íntima, da esfera da vida privada e da esfera da vida pública76,77,78.
Ora, as ofensas à privacidade cometidas através da comunicação social são sempre de uma brutal gravidade, recaindo, portanto, sobre os meios de comunicação social um dever agravado de prudência na divulgação de comunicações que possam agredir a privacidade79,80,81.
Só uma necessidade imperiosa de interesse público pode tornar lícita a ofensa82.
A ofensa é lícita quando o interesse público em jogo seja de tal modo ponderoso e a necessidade da ofensa seja de tal modo imperiosa que o exercício do direito à privacidade se torne abusivo, quando “exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” 83,84.
É ilícita a agressão à privacidade quando o interesse que a impulsiona seja eticamente pouco relevante como o simples interesse de lucro, de tiragem ou de audiência, ou eticamente negativo, como o sensacionalismo, a inveja, o ódio, ou os intuitos de difamar ou de injuriar85.
É pacífico na doutrina e jurisprudência que a simples consideração de alguém como figura pública (e uma difusa consideração de interesse público na divulgação) , o que sucederá sempre que esteja em causa alguém com notoriedade pública, não justifica a dispensa de consentimento para o aproveitamento económico da sua imagem86,87,88.
A compressão da esfera da privacidade que eventualmente possam sofrer só pode fundar-se na publicidade e relevância do interesse em questão e nunca pode resultar simplesmente da notoriedade da pessoa.
A divulgação de informação pessoal e até íntima pela própria pessoa, nomeadamente através das redes sociais, não pode significar uma renúncia definitiva à sua riservatezza, tanto mais que as limitações aos direitos de personalidade consentidas pelo titular são sempre revogáveis e não podem pôr em causa a ordem pública89.
Isto, por um lado.
Por outro, importa considerar que, nos termos do art. 37.º da CRPortuguesa, “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações”.
No artigo 37º, da CRPortuguesa, estão reconhecidos dois direitos (ou melhor: dois conjuntos de direitos) distintos, embora concorrentes: o direito de expressão do pensamento e o direito de informação90.
O direito à liberdade de expressão é um direito fundamental de todos os seres humanos, estendendo-se igualmente às pessoas coletivas91.
Deve sublinhar-se a dupla dimensão deste direito. A dimensão substantiva compreende a atividade de pensar, formar a própria opinião e exteriorizá-la. A dimensão instrumental, traduz a possibilidade de utilizar os mais diversos meios adequados à divulgação do pensamento92.
A liberdade de informação e de expressão está inscrita no quadro dos direitos, liberdades e garantias pessoais e tem por fim último garantir a plenitude da democracia, a pluralidade de opiniões e de pensamento.
Subjacente ao direito à liberdade de expressão está um princípio fundamental de subjetividade e autonomia da valoração, assente na observação histórica de que as pretensas valorações objetivas se reconduzem, em muitos casos, à subjetividade dos mais poderosos93.
A liberdade de expressão não cobre apenas a razão pública ou a razão comunicativa, mas também a emoção pública e a emoção comunicativa. As palavras, mesmo as palavras ofensivas, constituem um barómetro dos sentimentos, e, como tais, têm uma importância substancial como expressão94.
Um entendimento amplo da liberdade de expressão está naturalmente aberto à pluralidade de conteúdos, de formas e de motivações95.
Em termos genéricos, poder-se-á dizer que a liberdade de expressão lato sensu se compõe de três elementos básicos:
– A liberdade de expressar a opinião – que consiste na difusão de ideias ou pensamentos produto de uma combinação do substrato ideológico e interpretação da realidade; o direito de não ser impedido de exprimir-se.
– A liberdade à expressão e o direito de acesso aos meios de expressão/ informação – que se desdobra no sentido de obtenção de informação e na apreciação do que usualmente se entende por opinião pública sobre uma questão concreta.
– A liberdade ideológica ou de pensamento – prévia às outras liberdades, constitui um núcleo substancial do qual deriva a possibilidade da formação das ideias e pensamentos próprios do indivíduo ou grupos sociais96.
É incontroverso que a liberdade de imprensa, enquanto manifestação da liberdade de expressão e de informação é essencial ao funcionamento do Estado de Direito «como meio por excelência para a defesa da liberdade e para transmitir valores, criar espaços de reflexão e de debate, denunciar abusos ou desvios do poder, posicionando-se como guarda avançada no combate a todas as formas de criminalidade, abusos e descriminação e defesa da “res publica”» e tem, tal como o direito ao bom nome e reputação, inscrição constitucional, como decorre dos arts. 37º e 38º da CRP, sendo certo que a liberdade de imprensa «implica a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores» - 38º/2 al a) CRP.97.
Todavia, não estamos em presença de um direito absoluto, pois a lei ordinária pode restringi-la nos casos expressamente previstos na Constituição, limitando-a ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art. 37º/3, da CRPortuguesa)98.
E entre os limites à liberdade de expressão encontram-se os direitos da personalidade, mais concretamente o direito à honra, à privacidade e à imagem, os quais, alicerçados no princípio elementar da dignidade da pessoa humana, são, em regra, absolutos.
Do n.º 3 do art. 37º, conclui-se, porém, que há certos limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento, cuja infração pode conduzir à punição criminal ou administrativa. Esses limites visam salvaguardar os direitos e interesses constitucionalmente protegidos de tal modo importantes que gozam de proteção, inclusive, penal. Entre eles estarão designadamente os direitos dos cidadãos à sua integridade moral, ao bom nome e reputação (art.º 26.º)99.
Ora, no plano do Direito internacional tem vindo a ser dispensada uma especial atenção à densificação do conteúdo e limites do direito à informação e à liberdade de expressão.
O direito de liberdade de expressão e de informação goza ainda de reconhecimento no Direito Internacional, como é o caso dos artigos 18.º100 e 19.º101 da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) e art. 10.º/1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), e no âmbito da lei ordinária (art.º 22.º/a, da Lei n.º 2/99, de 13/01 – Lei de Imprensa).
Também a CDFUE (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) consagra no seu art. 11.º a liberdade de expressão e de informação, prescrevendo que “Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras”.
O Estado Português aderiu à Convenção Europeia dos Direitos Humanos102 e declarou, para os efeitos previstos no seu art.º 46.º (reconhecimento, pela Parte Contratante, da obrigatoriedade da jurisdição do TEDH para todos os assuntos relativos à interpretação e aplicação da Convenção), reconhecer como obrigatória a jurisdição daquele tribunal para todos os assuntos relativos à interpretação e aplicação da Convenção103.
A CEDH vigora na ordem jurídica portuguesa desde 1978 e goza (pelo menos) de força supralegal prevalecendo sobre as leis ordinárias, por força do artigo 8º/2 da CRP. Por esta razão, as instâncias nacionais dos Estados Contratantes são a primeira instância de aplicação da CEDH, como decorre do seu artigo 13º. Consequentemente, preceitua o artigo 35º da CEDH que só uma vez esgotadas todas as vias de recurso internas, poderá o Tribunal de Estrasburgo intervir104.
Mas é no âmbito da aplicação do art.º 10.º/1 da Convenção para Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH) que o conteúdo e limites ao exercício do direito de expressão tem assumido maior relevância, desde logo pela interpretação que dele é feita pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia – art. 10º/1, da CEDH.
O exercício desta liberdade, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicia – art. 10º/2, da CEDH.
Esta disposição é um pilar fundamental da constituição europeia da comunicação. A evolução posterior do direito europeu neste domínio tem-se baseado na densificação do direito à liberdade de expressão e na sua aplicação às tecnologias de rádio e de televisão, de um modo não alheio às mudanças das perspetivas político-económicas dominantes105.
A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sem prejuízo do disposto no art. 10.º/2, é válida não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou ofendem. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há «sociedade democrática». Tal como estabelece o art. 10.º da Convenção, o exercício desta liberdade está sujeito a exceções que devem interpretar-se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente. A condição do carácter «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal averiguar se a ingerência litigiosa correspondia a uma «necessidade social imperiosa»106,107.
O TEDH reafirmou esta orientação, relembrando “os princípios fundamentais que decorrem da sua jurisprudência relativa ao artigo 10.º”108,109, sendo manifesto que os tribunais portugueses, e em especial este Supremo Tribunal de Justiça, têm vindo, ainda de forma não linear, a seguir os parâmetros decisórios propugnados pelo TEDH.
Assim, a liberdade de opinião goza de uma proteção quase absoluta, no sentido de serem inaplicáveis as possíveis restrições permitidas pelo § 2º do citado art.10º, por se revelarem incompatíveis com a sociedade democrática, sendo que tal proteção impede os Estados de discriminarem cidadãos com base nas suas opiniões, não podendo os mesmos sofrer consequências negativas em virtude delas110.
Porém, certo é que a dita interpretação não tem o valor de uma norma jurídica, nem é atribuída ao Tribunal europeu dos Direitos do Homem a prerrogativa de proceder a uma interpretação autêntica das normas da Convenção Europeia dos Direitos do Homem111.
Aqui chegados, temos por incontornável o recurso à jurisprudência do TEDH sobre esta matéria.
Efetivamente, o TEDH foi já várias vezes chamado a apreciar decisões dos tribunais portugueses, em que estes emitiram condenações por uso abusivo/ilícito da liberdade de expressão, onde estava em causa a eventual violação do art. 10.º da Convenção.
Nessas decisões, o TEDH reiterou o seu entendimento, expresso em anteriores acórdãos, de que “a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sob reserva do n.º 2 do artigo 10.º, é válida não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou ofendem. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há «sociedade democrática». Tal como estabelece o artigo 10.º da Convenção, o exercício desta liberdade está sujeito a exceções que devem interpretar-se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente. A condição do carácter «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal averiguar se a ingerência litigiosa correspondia a uma «necessidade social imperiosa». Os Estados Contratantes gozam de uma certa margem de apreciação para determinar se existe uma tal necessidade, mas esta margem anda de par com um controlo europeu que incide tanto na lei como nas decisões que a aplicam, mesmo quando estas emanam de uma jurisdição independente”112,113,114.
Qualquer condenação judicial, seja de natureza cível, seja de natureza criminal, constitui ingerência no direito à liberdade de expressão, se for baseada em atuação ocorrida no exercício dessa liberdade115.
A questão é saber se tal ingerência é necessária, numa sociedade democrática, para, no caso, se proteger a honra da pessoa visada pela referida atuação.
No exercício do seu poder de controlo, o Tribunal aprecia a ingerência litigiosa à luz do caso no seu conjunto, atendendo ao conteúdo das afirmações imputadas ao requerente e ao contexto em que foram proferidas. Incumbe-lhe, em particular, determinar se a restrição à liberdade de expressão dos requerentes era «proporcional ao fim legítimo prosseguido» e se as razões apresentadas pelas jurisdições portuguesas para a justificar eram «pertinentes e suficientes»116.
O direito à liberdade de expressão é um direito fundamental, constituindo condição essencial da promoção e expressão da autonomia individual, pressuposto da dignidade da pessoa humana, na sua dimensão de ser relacional, inserido numa sociedade hipercomplexa em que a comunicação constitui um impulso vital, de tal forma que, segundo alguma doutrina, e partindo da ideia de que o direito à liberdade de expressão compreende hoje um conjunto de direitos fundamentais que se reconduzem à categoria genérica de liberdades comunicativas ou liberdades da comunicação, denominável de liberdade de expressão em sentido amplo ou liberdade de comunicação117.
Necessário é construir as liberdades de comunicação com um âmbito de proteção alargado, fincando a ideia de que a liberdade é a regra e a restrição é a exceção118.
Assim, nessa visão das coisas, um determinado conteúdo expressivo só deixará de ser protegido se se demonstrar, e na medida em que ficar demonstrado, que o mesmo atenta de forma desproporcionada contra direitos e interesses constitucionalmente protegidos119.
A eficácia justificadora da liberdade de expressão perde razão de ser quando se exercite em relação a condutas privadas carentes de interesse público, e cuja difusão e juízo públicos são desnecessários para a formação da opinião pública em atenção à qual se reconhece a sua importância120.
Em síntese, “a liberdade de expressão em sentido amplo pretende desbloquear os canais da comunicação em todos os domínios da vida social, em nome da autonomia individual e coletiva, da voluntariedade da interação social e da descentralização da autoridade até à unidade mais pequena com capacidade de decisão: o indivíduo”121.
Feito este enquadramento, importa saber como conjugar, em caso de conflito, os direitos/liberdades fundamentais: liberdade de expressão e de informação e o direito à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada122.
À luz da Constituição, a liberdade de expressão e a honra têm o mesmo valor jurídico, inviabilizando-se qualquer princípio de hierarquia abstrata entre si123.
Sendo os direitos de liberdade de informação e à imagem e vida privada, de igual hierarquia constitucional, o primeiro não pode, em princípio, atentar contra o segundo, devendo procurar-se a harmonização ou concordância pública dos interesses em jogo, por forma a atribuir a cada um deles a máxima eficácia possível, em obediência ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, vinculante em matéria de direitos fundamentais124.
Nesta conflitualidade, sendo embora os dois direitos de igual hierarquia constitucional, é indiscutível que o direito de liberdade de expressão e informação, pelas restrições e limites a que está sujeito, não pode, ao menos em princípio, atentar contra o bom nome e reputação de outrem, sem prejuízo, porém, de em certos casos, ponderados os valores jurídicos em confronto, o princípio da proporcionalidade conjugado com os ditames da necessidade e da adequação e todo o circunstancialismo concorrente, tal direito poder prevalecer sobre o direito ao bom nome e reputação125.
O critério normativo que deve presidir à ponderação em caso de conflito entre liberdade de expressão e o direito à honra, bom-nome e reputação, é o da adequação da informação ao cumprimento do fim (interesse público) de informar126,127,128.
Tem-se admitido que, em casos especiais, pode dar-se prevalência ao direito de liberdade de informação em detrimento do direito de personalidade, mas, para que se imponha tal solução há que submeter o conflito concreto ao crivo de três critérios de análise: o critério da verdade, o critério do interesse público e o critério da proporcionalidade e adequação129.
Se é certo que a Constituição não traça uma hierarquia dos direitos fundamentais, não se pode ignorar que a CEDH confere primazia à liberdade de expressão, em detrimento do direito à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada130, direitos que não gozam de uma proteção autónoma no âmbito daquela Convenção.
Dispõe o artigo 203º da CRP que os tribunais apenas estão sujeitos à lei, vigorando entre nós um sistema jurídico de matriz romano-germânica em oposição à regra do precedente obrigatório131.
Sob esse prisma, os precedentes instituídos pelo TEDH não vinculam diretamente as instâncias nacionais, excetuando os litígios em que o Estado Português seja parte, por força do artigo 46º/1, da CEDH, o que se traduz na possibilidade de revisão de sentenças nacionais conforme dispõe o artigo 449º/1/g, do CPP132.
Contudo, a jurisprudência sedimentada do TEDH vincula indiretamente os tribunais portugueses na aplicação das normas que afetem os direitos humanos consignados na Convenção133.
Apesar da jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo não ser uma fonte de direito, é, pelo menos, um desenvolvimento jurisprudencial privilegiado do direito vivo consignado na Convenção134.
O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido ser de exigir um juízo de prognose sobre a hipotética decisão que o TEDH adotaria se o caso lhe tivesse sido submetido, no sentido de se verificar se é de admitir como muito provável que, se a questão viesse a ser colocada ao TEDH, tal órgão jurisdicional entenderia que os artigos em causa extravasariam os limites toleráveis do exercício da liberdade de expressão e informação135,136.
Assim, a análise a efetuar obriga naturalmente a convocar, não apenas as normas constitucionais e legais internas, mas também as que integram a CEDH, tal como vêm sendo reiteradamente interpretadas e aplicadas pelo órgão jurisdicional especificamente criado pela Convenção para zelar pela respetiva interpretação e aplicação137,138.
Poder-se-ão delinear as seguintes proposições que o TEDH vem mobilizando para apreciar os casos em que se suscita uma relação de conflitualidade de direitos no contexto de publicações de imagens e/ou textos sobre a vida privada:
– Não obstante a liberdade de expressão também se estender a fotografias, esta é uma área na qual a proteção do direito à honra e ao bom nome ganha especial importância (caso Von Hannover c. Alemanha (n.º 2)139; caso MGN LIMITED c. Reino Unido §143140);
- O direito à imagem integra em si mesmo o direito de controlar o uso que é feito de imagens (caso Reklos and Davourlis v. Greece141; caso Von Hannover c. Alemanha (n.º 2);
- A prévia divulgação pelo interessado de imagens e de informação pode ser divulgada pela comunicação social, desde que a mesma não seja desvirtuada ou retirada de contexto (Egeland and Hanseid v. Norway142; caso Couderc and Hachette Filipacchi Associés v. France143);
– Há sempre que averiguar a contribuição feita pelas fotos ou artigos para um debate de interesse público (caso News Verlags GmbH & Co. KG c. Austria144, §§ 52, caso Krone Verlag GmbH & Co. KG c. Austria145, §§ 33 e caso Von Hannover contra Alemanha146, §60);
– A questão de interesse público para este efeito deve ser uma questão que afete o público de molde a que este possa legitimamente interessar-se pela mesma, atraindo a sua atenção ou preocupando-o de forma significativa; que afete o bem-estar dos cidadãos ou a sua vida em comunidade; que seja suscetível de suscitar uma controvérsia considerável por dizer respeito a uma questão social importante; que implique um problema sobre o qual o público teria interesse em ser informado (casos Couderc And Hachette Filipacchi Associés c. França147 §103, Erla Hlynsdόttir c. Islândia148 § 64, The Sunday Times c. Reino Unido, § 62, Barthold c. Alemanha § 58 e Tønsbergs Blad A.S. and Haukom c. Noruega149, § 87);
– A publicação de fotografias e artigos com o propósito único de satisfazer a curiosidade de uma determinada franja de leitores acerca dos detalhes da vida privada de uma figura pública não pode ser considerada como contribuindo para qualquer debate de interesse público para a sociedade, ainda que em causa esteja uma figura pública; nestas condições, há que fazer uma interpretação mais restrita do âmbito da liberdade de expressão (casos de Campmany y Diez de Revenga and Lopez Galiacho Perona c. Espanha 150; MGN LIMITED c. Reino Unido §143151;152;
– Para que se considere que um artigo contribui para o interesse público não é necessário que tal interesse lhe esteja subjacente na integralidade, podendo bastar que o artigo revele preocupação com o mesmo interesse e contenha um ou mais elementos demonstrativos de tal preocupação (casos Couderc And Hachette Filipacchi Associés c. França153 §110, Lillo-Stenberg and Sæther c. Norway154, § 37, Ojala and Etukeno Oy c. Finlândia155 § 54 e Ruusunen c. Finlândia156 § 49).
Resulta, assim, que o TEDH sedimentou nas suas decisões no que tange à publicação de imagens e/ou textos sobre a vida privada, os seguintes critérios de aferição do equilíbrio dos direitos concorrentes:
i. A contribuição para um debate de interesse público;
ii. O grau de notoriedade da pessoa visada;
iii. O objeto da publicação;
iv. O comportamento prévio da pessoa em causa;
v. O conteúdo, a forma e as consequências da publicação;
vi. A forma como a informação foi obtida e a sua veracidade;
vii. Se, e for caso disso, as circunstâncias em que as fotografias foram tiradas157,158.
Temos, pois, que o TEDH entende quanto à publicação de imagens e/ou textos sobre a vida privada que o elemento preponderante na ponderação da proteção da vida privada deve residir na contribuição que as fotografias e os artigos em questão tragam para o debate de interesse geral159,160,161.
Entende ainda o TEDH que o público não tem interesse em saber onde está o requerente e como se comporta em geral na sua vida privada, mesmo que apareça em locais que não possam ser sempre qualificados como isolados, e isto apesar da sua notoriedade162.
Temos, pois, que perante uma orientação jurisprudencial estabilizada junto do TEDH, os tribunais portugueses não poderão deixar de se influenciar pelo paradigma europeu dos direitos humanos163.
Enuncia tal norma que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Tal norma vem estabelecer uma cláusula de responsabilidade civil subjetiva, fazendo depender a constituição da obrigação de indemnização da existência de uma conduta do agente (facto voluntário), a qual represente a violação de um dever imposto pela ordem jurídica (ilicitude) sendo o agente censurável (culpa), a qual tenha provocado danos (dano), que sejam consequência dessa conduta (nexo de causalidade entre o facto e o dano)164.
São, assim, pressupostos de que depende o direito de indemnização assente nesta modalidade da responsabilidade civil: o facto; a ilicitude; a culpa; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano165.
A lei ao proteger os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, encontrando-se esta tutela geral de personalidade integrada por direitos como, v.g., o direito à vida, à integridade física, à liberdade, ao bom nome, à honra, à reserva da sua vida íntima e familiar, à saúde, à intimidade à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, ao repouso e ao descanso.
Assim, todos os comportamentos e atuações lesivas desses direitos são suscetíveis de sancionamento ao abrigo do disposto nos arts. 483° e 484°, do CCivil.
Podem, no entanto, ocorrer situações em que aqueles dois direitos - de liberdade de expressão/liberdade de imprensa versus o direito ao bom nome, honra e imagem pessoal - entrem em conflito ou colisão.
Nessa eventualidade, e por aplicação do disposto no art. 335º do CCivil, há que entender que a liberdade de expressão não possa (e não deva) atentar, contra o direito ao bom nome e reputação, salvo quando estiver em causa um interesse público que se sobreponha àqueles e a divulgação seja feita de forma a não exceder o necessário a tal divulgação.
Casos esses em que, devidamente sopesados os valores jurídicos em confronto, e atento o princípio da proporcionalidade, tal direito de liberdade de expressão e de informação possa prevalecer sobre o direito à imagem e à reserva sobre a vida privada.
Ora, tendo por referência a factualidade provada, cumpre afirmar sem hesitações que se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, por violação de direitos absolutos do autor, em concreto, pela violação do seu direito à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada.
Efetivamente, resulta da matéria de facto provada que, no âmbito da transmissão da reportagem intitulada “...”, exibida ao longo de vários meses, visou-se a divulgação de uma alegada rede de adoções ilegais de crianças levada a cabo por pessoas de grande destaque no seio da I....
Relata-se, na dita reportagem, que, ao longo de diversos anos, diversos membros da I..., entre os quais o seu ..., lograram levar a cabo a adoção de diversas crianças, sem que tal decisão tivesse passado por qualquer controlo jurisdicional e sem que os respetivos progenitores tivessem disso conhecimento ou tivessem, para isso, dado consentimento.
Ora, como asseveraram as instâncias, a matriz informativa subjacente à reportagem em análise assume, a todos os níveis, um inegável interesse público.
Efetivamente, segundo o que se relata na reportagem, estão em causa um conjunto de menores que, à margem dos procedimentos legais aplicáveis, foram entregues a famílias adotivas, sendo legítimo concluir que a comunidade em geral tem o direito de tomar conhecimento de tais factos, para o que não é irrelevante a circunstância de estar em causa a intervenção de uma igreja cuja penetração na sociedade portuguesa não se mostra despicienda.
Dito isto, e no que releva à análise do caso concreto, resultam dos factos provados que, ao longo da referida reportagem são divulgadas informações atinentes à identidade dos menores adotados, sua imagem, quer na fase adulta, quer ainda da sua infância, dados relativos aos adotantes e progenitores biológicos e ainda dados relativos à saúde das pessoas visadas.
O autor/recorrente é uma dessas crianças (facto provado nº 19).
Efetivamente, a visualização dessa reportagem permitiu tornar do conhecimento público que o autor:
i) Se trata de uma criança que foi alvo de um processo de adoção ilegal;
ii) Foi retirado da sua família biológica à revelia dos seus progenitores;
iii) Foi colocado num lar da I...;
iv) Foi separado dos seus irmãos;
v) Foi sujeito a maus tratos por parte dos seus pais adotivos/de acolhimento;
vi) Foi rejeitado pelos pais adotivos e mais tarde reintegrado na família;
vii) Nasceu seropositivo, tendo negativado mais tarde;
viii) Foi adotado/acolhido pela filha do responsável máximo da I....
Ora, se se aceita que alguns dos dados mencionados possam ter interesse público (nomeadamente a intervenção de pessoas ligadas à cúpula da I... e com especiais responsabilidades por força da posição que ocupavam naquela instituição), o que é certo é que a ligação de tais informações/dados à pessoa concreta do autor e à sua imagem torna tal divulgação inequivocamente ilícita.
Efetivamente, não se vislumbra que a divulgação do nome, identidade e imagem do autor pudesse assumir, naquele contexto, qualquer relevância, na ótica do interesse público subjacente à reportagem, até porque o foco da reportagem assenta na circunstância de uma igreja ter logrado implementar um sistema de adoções ilegais, à margem da lei aplicável.
Saber quem foi adotado, por que provações concretas passou, de que doenças padecia e/ou padece, é totalmente irrelevante no plano do direito a informar.
Veja-se que tais elementos só assumem relevância no plano do voyeurismo, configurando, em nossa perspetiva, uma afetação do âmago da pessoa humana.
De facto, estas informações concretas visam apenas, em nossa perspetiva, alimentar a curiosidade do público e tornar mais apelativa a reportagem, sem que as mesmas assumam, em si mesmas consideradas, qualquer relevância ou interesse objetivo para o público.
A identidade biológica, clínica e familiar configura o núcleo da intimidade da vida privada, sendo manifesto que, no quadro que se traçou, a referência a estes elementos não surge justificada ou proporcional ao fim visado (fim de informação do público em geral).
É que o juízo de ilicitude não é tanto sobre a natureza da informação disponibilizada ao público, mas sim a sua associação clara e inequívoca à pessoa concreta do autor.
Essa personalização torna a divulgação injustificada, não sendo admissível que uma pessoa concreta veja a sua história – sofrida – de vida divulgada publicamente.
Neste quadro, de identificação clara quanto ao nome e imagem, o autor viu devassada a sua infância e vida adulta, tendo ficado acessível ao público em geral que não só o autor foi adotado ilegalmente, como foi sujeito a maus-tratos quer por parte da família biológica, quer por parte da família adotiva, tendo ainda sido divulgados dados de saúde, como a circunstância de o mesmo ser seropositivo.
Como é evidente, a notícia que se pretendia veicular não ficaria desprovida de sentido ou de utilidade caso os réus tivessem omitido o nome e imagem do autor.
De facto, nesse cenário sempre seria possível informar o público sobre a alegada existência de uma rede de adoções ilegais que, envolvendo membros máximos da I..., logrou, ao longo de vários anos, levar a cabo um conjunto de adoções nos termos descritos na factualidade provada.
No limite, poder-se-ia admitir ainda que se informasse o público que a filha do ... da I... teria tido participação ativa no referido esquema, adotando uma criança.
Seja como for, o que nos parece inequívoco é que a divulgação da imagem, nome, histórico de maus-tratos e dados clínicos de uma das crianças que acabou – supostamente – por ser adotada no âmbito do referido esquema não assume qualquer interesse público, nem se mostra proporcional ao objetivo de informação visado pelos réus.
É que, ainda que se vislumbrasse um interesse público na divulgação de uma situação de maus-tratos na sequência de uma tal adoção, a verdade é que a associação de tal informação a uma cara e a um nome torna tal divulgação desproporcional face ao interesse a prosseguir.
Como é evidente, o nome e imagem do autor não se mostrava essencial para a compreensão dos factos divulgados, do que resulta que a devassa da vida privada se mostra, no caso dos autos, desproporcional.
Ademais, importa deixar expresso que o autor não é uma figura pública, no sentido de ser conhecido pela generalidade das pessoas166.
Efetivamente, trata-se de um ...da I... que, sendo conhecido pelas pessoas que frequentam tal igreja, não é, de maneira nenhuma, conhecida do público em geral, não gozando de notoriedade pública.
Isto, por um lado.
Por outro, como sintetizou o tribunal da 1.ª instância, resultou demonstrado que “o autor e os seus alegados familiares adotivos utilizavam em seu proveito pessoal e profissional, bem como em benefício das atividades da I..., da divulgação dessa versão da história do autor e da difusão da imagem do autor, tanto em criança como em adulto, sendo tal acessível através dos meios de comunicação, nacionais e internacionais, de que I... dispõe e tem acesso”.
Há, assim, que ponderar se o comportamento prévio do autor justifica, de alguma maneira, a conduta imputada aos réus.
Pensamos que não.
O direito à proteção da imagem de alguém pressupõe, como vimos, o direito do indivíduo de controlar o uso dessa imagem, incluindo o direito de recusar sua publicação, conclusão essa, que não surge abalada pela circunstância de o autor ter, ele próprio, divulgado tais imagens.
Como é evidente, a divulgação da imagem do autor e de factos relativos à sua vida no contexto de uma determinada narrativa, não autoriza – nem pode autorizar – que terceiros procedam à divulgação de tais dados como suporte a uma outra narrativa por si criada e que o autor não pretende ver associada à sua pessoa.
Assim, reitera-se, a circunstância de o autor ter – por sua iniciativa – revelado imagens e vídeos não autoriza os réus a fazê-lo, até por que, diga-se, uma estação de televisão tem, em condições de normalidade, um potencial de divulgação que não se mostra sequer equiparado com o potencial de divulgação de um simples cidadão.
Atente-se que estamos perante dados que se inscrevem no âmbito da esfera privada, do que resulta a sua divulgação perante um conjunto restrito de pessoas, e não ao público em geral.
Temos, pois, de concluir que a conduta dos réus é ilícita porque violadora dos direitos à imagem e à reserva sobre a vida privada.
Tal conduta dos réus é ilícita e culposa, sendo manifesto que se impunha aos mesmos que não divulgassem o nome verdadeiro do autor e as suas imagens, bem sabendo que a tal divulgação se seguiria a devassa do seu nome, história e imagem.
Assim, impunha-se aos réus que adotassem uma conduta de salvaguarda da reserva sobre a vida privada do autor, não o associando à história relatada, nos termos em que o fizeram.
Em conclusão, a divulgação dos dados descritos nos autos não se mostra justificada pelo interesse público subjacente à reportagem.
Apesar de ser inegável o interesse público subjacente à reportagem, tal interesse público cinge-se à existência de uma rede de adoções ilegais, que veio a ser, inclusivamente, objeto de investigação criminal, sendo manifesto que as informações pessoais relativas ao autor em nada relevam para se mostrar acautelada a liberdade de informação.
Verifica-se, igualmente, o pressuposto da culpa.
2.) SABER DO NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O FACTO E O DANO.
A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria se não fosse a lesão – art. 563.º do CCivil.
Segundo o que constitui o entendimento doutrinário167,168 e jurisprudencial169,170,171,172,173 dominante, a citada norma consagra, pelo menos no âmbito da responsabilidade civil extracontratual subjetiva, a chamada doutrina da adequação (concretamente, na sua formulação negativa), segundo a qual o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercedam no caso concreto.
Ora, atenta a factualidade provada, resulta manifesto que o nexo de causalidade se mostra verificado nos autos.
Efetivamente, resulta demonstrado que o autor, por força da reportagem transmitida pela TVI, passou a estar associado à imagem de uma criança raptada pela I... e sujeita a maus-tratos e abandono, sendo manifesto que todos os danos que se encontram demonstrados decorreram da transmissão da reportagem da responsabilidade dos réus, que corresponde, tudo visto, ao ato ilícito praticado por aqueles réus.
3.) SABER DO QUANTUM DE COMPENSAÇÃO A ATRIBUIR AO AUTOR A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS.
Resta apreciar a fixação do quantitativo de compensação, a atribuir ao autor a título de danos não patrimoniais, que o recorrente qualifica como inadequado.
Vejamos a questão, nomeadamente em face dos parâmetros jurisprudenciais internacionais aplicáveis
Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – art. 496º/1, do CCivil.
O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores – art. 496º/4, do CCivil.
Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem – art. 494º, do CCivil.
Os danos de natureza não patrimonial são, por natureza, insuscetíveis de avaliação pecuniária, uma vez que atingem bens que não integram o património material do lesado e, exatamente porque assim é, o seu ressarcimento deve assumir uma natureza fundamentalmente compensatória e acessoriamente sancionatória, não servindo para aqui o chamado dano de cálculo174.
A lei não enumera os casos de danos não patrimoniais que justificam a atribuição de uma indemnização, limitando-se a esclarecer que esta apenas deve abarcar aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, nos termos do previsto pelo artigo 496º/1, do CC, ou seja, a reparação apenas se justifica se a especial natureza dos bens lesados o exigir, ou quando as circunstâncias que acompanham a violação do direito de outrem forem de molde a determinar uma grave lesão de bens ou valores não patrimoniais175.
Danos não patrimoniais serão os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização176,177.
No âmbito da fixação de danos não patrimoniais são ressarcíveis aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496.º/1 do CCivil).
Em relação a estes, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com a equidade (art. 496.º/4 do CCivil), funcionado esta como único recurso.
Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos tribunais na decisão de questões como devem ser indemnizadas as ofensas à honra, à privacidade, à imagem, ou outras que causem à vítima sofrimento interior, reside, por um lado, na demonstração da ocorrência desse sofrimento e, por outro, no da sua intensidade178.
A psiquiatria permite o diagnóstico da “dor da alma”, do sofrimento moral, das lesões psicológicas causadas por humilhações, pelo medo, pela sensação de desprezo, próprio ou alheio, pela sensação de rejeição, pela necessidade, por vezes compulsiva, de autojustificação, etc.. Os psiquiatras conseguem fazer diagnósticos muito apurados, quer das lesões, quer das suas causas, quer ainda da sua gravidade179,180.
O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção: (i) grau de culpabilidade do agente; (ii) situação económica do agente e do lesado; (iii) e demais circunstâncias do caso, entre as quais não se poderá deixar de contar a natureza, gravidade e dimensão da lesão ou a importância do bem jurídico violado (art. 496º/4, do CCivil).
Embora o artigo 496º do CC faça referência expressa à atribuição de uma indemnização pela verificação de danos não patrimoniais resultantes do ato lesivo de terceiro, segundo Jorge Sinde Monteiro e Júlio Gomes a doutrina nacional tem sido unânime ao referir que, perante impossibilidade de valoração pecuniária dos bens em causa, não estaremos aqui perante uma verdadeira indemnização, mas sim uma compensação. Esta compensação terá como finalidade primacial a satisfação do lesado pelo sofrimento causado pelo evento traumático atendendo, no entanto, à natural dificuldade em fixar um valor primário idêntico ao bem lesado até porque, na maioria das vezes e tendo em conta a natureza dos bens jurídicos que estão aqui em causa, verifica-se não uma dificuldade na quantificação do dano, mas sim uma natural impossibilidade de atribuir um valor à dor ou vida humana181.
A satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão, pretendendo apenas atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação pelo dano sofrido, uma vez que este, sendo apenas moral, não é suscetível de equivalente.
Um dos casos em que a lei prevê o recurso à equidade na decisão consiste na determinação da indemnização por danos não patrimoniais, a fixar, nos termos do art. 496.º/4, do CCivil, equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo Código.
O art. 496.º/1, do CCivil atribui ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, não em função da adição de custos ou despesas, mas, no intuito de arbitrar à vítima a importância de valores de natureza não patrimonial em que o lesado se viu afetado e, daí que, os danos não patrimoniais não possam sujeitar-se a uma estrita e precisa medição quantitativa, mas sim, a uma valoração compensatória.
Na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo certo que o respetivo montante será estabelecido, equitativamente, pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, que, na hipótese de responsabilidade baseada na mera culpa, aquele montante poderá ser inferior ao que corresponderia ao valor dos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem, em conformidade com o preceituado pelos arts. 496º/1/3 e 494º, ambos do CCivil182.
A indemnização por danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento, mas sim compensar de alguma forma o lesado pelas dores físicas ou morais sofridas e também sancionar a conduta do lesante.
A gravidade do dano não patrimonial tem que ser aferida por um critério objetivo, tomando-se em consideração as circunstâncias do caso concreto, e não, através de um critério subjetivo, devendo o montante da indemnização ser fixado, segundo padrões de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica, à do lesado e titular da indemnização, e às flutuações do valor da moeda, proporcionalmente, à gravidade do dano, nos termos do disposto pelo artigo 496º/3, do CC183,184.
Para que o dano não patrimonial seja reparável, parece de exigir que ele tenha determinada gravidade, que represente um prejuízo bastante sério e de tal natureza que se justifique a sua satisfação ou compensação pecuniária185,186.
O legislador fixou como critérios de determinação do quantum da indemnização por danos não patrimoniais: a equidade (artigo 496º, n.º 3 do CC); o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (artigo 494.º, aplicável ex vi da primeira parte do n.º 3 do artigo 496.º, do mesmo Código). A respeito do critério atinente à consideração da situação económica do lesante e do lesado, tal critério só tem relevância quando ocorre uma “(…) verdadeira desproporção (lesado rico/lesante pobre, mas já não a inversa”, só aí se justificando atender às situações económicas, tanto mais que, o bem “vida” não é compaginável com critérios de índole económica como o proposto no artigo 494.º do CC187,188.
Além destes elementos, deverá o julgador ter ainda em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, na decorrência do disposto no art. 8.º/3, do CCivil189.
Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em quatro planos, de acordo com o que tem constituído a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal de Justiça190.
Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável.
Tal juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade191,192,193.
No caso sub judice, quanto aos danos sofridos pelo autor, como sintetizou o tribunal a quo: “A reportagem divulgou a história de vida do Autor e as circunstâncias em que o mesmo foi retirado à sua família biológica e colocado num Lar de crianças da I..., associando-o a um processo de adoção ilegal, sendo a sua história e a dos seus irmãos biológicos contada ao longo de ... episódios, mencionando o nome verdadeiro do Autor e exibindo a sua imagem sem qualquer distorção, incluindo imagens do mesmo em criança e em adulto, permitindo a sua identificação por terceiros e a associação a essas trágicas circunstâncias. O conteúdo da reportagem relatou factos acerca da situação social e familiar desfavorecida que justificou a retirada do Autor da família biológica pela Segurança Social e ao comportamento ilícito da pessoa que o veio a adotar e do casal que hoje vê como seus pais adotivos. O relato da descrição da vida de infância do Autor, das circunstâncias em que este foi retirado da família biológica, da falta de contactos com os progenitores por imposição de terceiros, da sua alegada condição de seropositivo de HIV depois negativado, da sua relação com os irmãos biológicos, da referência às circunstâncias penosas de afastamento de um dos irmãos que acabou por falecer, e de maus tratos que lhe teriam sido infligidos pelas pessoas que hoje considera seus pais adotivos, tudo isto associado à exibição de múltiplas imagens do Autor, em criança e em adulto, permitindo o seu reconhecimento por terceiros associando-o como uma criança que foi raptada pela I..., roubada à sua família biológica, e maltratada e abandonada, configuram-se como danos de uma gravidade intensa, pelo sofrimento indelével que acarretam. E o Autor chegou mesmo a ser identificado por desconhecidos que o abordam e pretendem falar sobre o tema, acabando o mesmo por ter que dar explicações sobre o ocorrido, além de ter sido também abordado por fiéis da I... que o questionam sobre a história contada na reportagem, sentindo-se obrigado a falar sobre o assunto diversas vezes e a explicar e a contar às pessoas a sua versão dos factos, o que, obviamente, potencia o sofrimento vivenciado pela exposição da sua história de vida e que se renova em cada situação em que vislumbre esse tipo de abordagem por parte de terceiros. Devido à reportagem, o Autor acabou por reviver episódios da sua infância e sentiu-se exposto e violentado na sua vida privada perante milhares de pessoas; ficou consternado, desgostoso e frustrado perante o conteúdo da reportagem e o relato que aí era feito da sua infância e da sua vida privada. Sentimentos que o acompanharão perante a incerteza de quantas pessoas tiveram e terão conhecimento de aspetos da sua vida que deveriam ter sido resguardados”.
Temos, pois, que os danos não patrimoniais sofridos pelo autor assumem uma gravidade avultada, sendo manifesto que a transmissão continuada da reportagem, associada à sua imagem, contribuiu, em grande medida, para que o autor revivesse a sua história de vida, cujos contornos são de difícil gestão emocional, para que o mesmo fosse associado ao caso relatado e ainda para que a sua história de vida ficasse a ser conhecida por toda a comunidade.
Ademais, não é possível ignorar que a especial ligação do autor a membros da cúpula da I... determinou que a sua imagem assumisse, no contexto da reportagem, um papel central e de grande destaque, o que potenciou, em grande medida, a sua exposição.
Esta circunstância associada ao facto de o autor assumir a posição de ...da I..., torna evidente que a devassa de que foi alvo foi geradora de danos relevantes que não podem ser relativizados.
Do ponto de vista da condição económica do lesado e dos lesantes, subscreve-se o entendimento do tribunal de 1.ª instância quando afirma que “apenas se provou ser o autor, atualmente, ...da I... em favor de quem exerce o seu ministério, enquanto os réus, pessoas singulares, são jornalistas ou exerceram funções de ... na TVI, enquanto esta ré é um operador de televisão de grande relevo e capacidade económica, cabendo aqui, em especial, ponderar as elevadas audiências que a transmissão da reportagem, a sua repercussão pública, e projeção tiverem na sociedade e o benefício que tal gerou para esta. De resto, o incremento que se verificou em termos de popularidade e receitas de publicidade em consequência da exibição da reportagem nos canais da TVI, e sendo um facto notório o relevo e impacto que esta teve no público em geral, cabe realçar a projeção que tal trouxe à 8.ª ré, como operador de televisão, repercutidas na ulterior divulgação da reportagem na internet e nas redes sociais, o que não pode deixar de ser ponderado no caso presente, senão em termos de responsabilidade punitiva, pelo menos no cálculo do montante indemnizatório ressarcitório definido com base também na sua elevada capacidade económica”.
Tendo em vista uma aplicação uniforme do direito, ponderando a jurisprudência análoga dos últimos anos (art. 8º/3, do CCivil), consideramos que o valor alcançado não se mostra razoável face ao dano verificado194,195,196,197,198.
Efetivamente, tendo em atenção os critérios que pelo TEDH têm sido perfilhados na matéria, cremos que o montante de 30 000,00€, se apresenta como uma interferência não desproporcional no direito à liberdade de informação dos réus, não infringindo o art. 10.º da CEDH199.
Temos, pois, que a quantia de 30 000,00€ a título de danos não patrimoniais mostra-se ajustada, tendo em conta a lesão objetiva de bens da personalidade, valorada à luz dos padrões jurisprudenciais utilizados em casos relativamente análogos, numa análise comparativa atualista e dinâmica.
Tal valor traduz um adequado equilíbrio entre a culpa elevada dos rés e a extensão relevante das consequências da conduta ilícita.
Do mesmo modo, tal valor não se mostra excessivo, não apresentando, pelo seu caráter desproporcional, o risco sistémico de dissuadir a imprensa de cumprir o seu papel de “cão de guarda” do Estado de Direito Democrático que lhe é repetidamente cometido pelo TEDH em assuntos de interesse público200.
Concluindo, afigura-se-nos equitativamente adequada, equilibrada e justa uma compensação no valor de 30 000,00€ (trinta mil euros), para a reparação dos danos não patrimoniais, atualizada nesta data, pelo que os juros de mora só podem vencer-se a partir do presente acórdão, por força do AUJ nº4/202, de 09-05-2002201.
Destarte, procede parcialmente o recurso de revista interposto pelo recorrente.
3. DISPOSITIVO
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça em:
a) Não admitir o recurso de revista interposto pelos réus, BB; CC; DD e, TVI – TELEVISÃO INDEPENDENTE, S.A., porquanto o valor da sucumbência não excede metade do valor da alçada do Tribunal da Relação;
b) Julgar parcialmente procedente a revista do autor, AA e, consequentemente, em condenar-se os réus, BB; CC; DD e, TVI – TELEVISÃO INDEPENDENTE, S.A., a pagar-lhe a quantia de 30 000,00€ (trinta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora, contados à taxa legal, desde a data do presente acórdão e até integral e efetivo pagamento.
3.2. REGIME DE CUSTAS202
a) Custas no recurso de revista interposto pelos réus, BB; CC; DD e, TVI – TELEVISÃO INDEPENDENTE, S.A., inteiramente a cargo dos mesmos;
b) Custas no recurso de revista interposto pelo autor, AA, na proporção de 2/3 para este, e 1/3 para os réus, BB; CC; DD e, TVI – TELEVISÃO INDEPENDENTE, S.A..
(Nelson Borges Carneiro) – Relator
(Anabela Luna de Carvalho) – 1º adjunto
(Maria Clara Sottomayor) – 2º adjunto
_____________________________________________
2. Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.↩︎
3. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.↩︎
4. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎
5. Depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial – RUI PINTO, Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 293.↩︎
6. Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.↩︎
7. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.↩︎
8. Depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial – RUI PINTO, Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 293.↩︎
9. Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎
10. AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., p. 99.↩︎
11. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 484.↩︎
12. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-02-28, Relator: AGUIAR PEREIRA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
13. Em face do que foi decidido no AcUJ nº 10/15, não é de admitir recurso de revista interposto pelo Autor de acórdão da Relação que condenou o Réu no pagamento da quantia de € 8.426,64, depois de o Autor se ter conformado com a sentença de 1ª instância que condenou o Réu no pagamento da quantia € 21.343,57, uma vez que a diferença entre esses valores, que traduz a sucumbência do Autor em face do acórdão recorrido, é inferior a metade da alçada da Relação – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-05-12, Relator: ABRANTES GERALDES, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
14. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-09-26, Relator: VASQUES DINIS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
15. A sucumbência mínima a que alude o art. 629º/1, do CPCivil no excerto “a decisão seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal”, apura-se, em regra, através do cotejo entre a pretensão formulada pela parte recorrente e a situação definida pela sentença ou acórdão de que se pretende recorrer – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-02-28, Relator: AGUIAR PEREIRA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
16. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-07-13, Relator: VASQUES DINIS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
17. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-07-13, Relator: RAIMUNDO QUEIRÓS, Processo 2255/17.2T8FAR.E1.S1.↩︎
18. Não se mostra necessário notificar os recorrentes para se pronunciarem sobre a inadmissibilidade de recurso de revista, pois já alegaram no ponto 5 das suas alegações, que as decisões de primeira instância e de segunda instância se encontram em divergência (designadamente no montante arbitrado a título de indemnização por danos não patrimoniais), não constituindo dupla conforme, e sendo a sucumbência superior a metade da alçada da Relação, nos termos previstos no artigo 678.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.↩︎
19. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 572.↩︎
20. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 574.↩︎
21. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 574.↩︎
22. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 574.↩︎
23. Diário da República n.º 201/2022, Série I de 2022-10-18.↩︎
24. O critério fixado no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/2022, de 20 de Setembro de 2022, deve aplicar-se, a pari, à responsabilidade fundada no risco. Face ao acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/2022, de 20 de Setembro de 2022: deve averiguar-se se há segmentos decisórios autónomos e cindíveis; em caso afirmativo, e em relação a cada um dos segmentos decisórios autónomos e cindíveis, deve averiguar-se se o acórdão do Tribunal da Relação confirma a decisão do Tribunal de 1.ª instância; em caso afirmativo, e em relação a cada um dos segmentos decisórios autónomos e distintos em que o acórdão da Relação confirme a decisão do Tribunal de 1.º instância, deve averiguar-se o confirma sem fundamentação essencialmente diferente – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-12-15, Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
25. No caso dos autos, na parte em que a decisão da Relação difere da decisão da 1.ª instância, tal decisão é mais favorável ao recorrente pelo que, de acordo com a orientação consolidada da jurisprudência do STJ, ocorre quanto a ela o obstáculo da dupla conforme previsto no n.º 3 do art. 671.º do CPC. – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-09-12, Relatora: MARIA DA GRAÇA TRIGO, https://www. dgsi.pt/jstj.↩︎
26. Não é admissível recurso de revista nos casos em que o acórdão da Relação confirme sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diversa, a decisão produzida pelo primeiro grau, cfr. art. 671.º, n.º 3, do CPC. Embora a matéria de facto tenha sido alterada, assim como a taxa de juros, a qual passou de 4% para 2%, mantem-se a conformidade das decisões – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-03-15, Relatora: ANA PAULA BOULAROT, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
27. A condenação nos juros de mora sobre o montante indemnizatório, na responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, de acordo com a redação do art.º 805.º n.º 3 CCiv, tem a ver apenas com a depreciação do valor do pedido, face à data da sentença; não sendo esse o caso de ponderação do dano no processo, os juros devem contar-se a partir da data da sentença ou a partir da data do acórdão em 2.ª instância, consoante os casos, por aplicação da doutrina do AUJ n.º 4/2002, de 9/5/2002 – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-02-10, Relator: VIEIRA E CUNHA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
28. Sempre que a Relação pronuncie uma decisão que é mais favorável ao apelante – tanto no aspeto quantitativo, como no aspeto qualitativo – do que a decisão proferida pela 1.ª instância, está-se perante duas decisões conformes – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-01-12, Relator: VIEIRA E CUNHA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
29. Na hipótese em que o acórdão recorrido se traduz, por cotejo com a sentença da 1.ª instância, numa situação qualitativa ou quantitativamente mais favorável ao recorrente (o que implica uma redução da sucumbência), é de considerar, por coerência na interpretação do conceito de dupla conforme, que o acórdão da Relação não admite recurso de revista. É que, se as decisões fossem integralmente sobreponíveis, não admitiria igualmente recurso – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-12-14, Relatora: MARIA CLARA SOTTOMAYOR, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
30. Verificando-se que o autor obteve decisão (acórdão) que lhe é mais favorável do que se fosse confirmação integral da sentença, conforme entendimento quer a doutrina, quer a jurisprudência, em situações como a que se verifica nos autos há dupla conforme, para efeitos do previsto no art. 671º, nº 3 do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-10-07, Relator: JORGE DIAS, https://www. dgsi.pt/jstj.↩︎
31. Existe dupla conformidade entre as decisões das instâncias sempre que o Apelante obtém uma decisão que lhe é mais favorável, quantitativa ou qualitativamente, posto que não faria sentido que o mesmo ficasse impedido de lançar mão da revista normal caso o TR houvesse confirmado integralmente o decidido pela 1.ª instância e que já o pudesse fazer numa situação em que obteve melhor resultado – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-10-19, Relatora: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
32. É de equiparar à dupla conforme os casos em que o acórdão recorrido, não sendo inteiramente coincidente com a decisão da 1.ª instância, divirja dela em sentido mais favorável ao recorrente – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-11-17, Relator: FERNANDO SAMÕES, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
33. Há dupla conforme impeditiva de recurso de revista se o apelante obteve na Relação uma decisão que lhe é mais favorável, tanto no aspeto quantitativo, como no aspeto qualitativo, do que a decisão proferida pela 1ª instância – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-05-24, Relatora: ROSA RIBEIRO COELHO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
34. A alusão à natureza essencial ou substancial da diversidade da fundamentação determina que sejam desconsideradas para o efeito as discrepâncias marginais ou secundárias que não constituam um enquadramento jurídico alternativo – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 579.↩︎
35. A admissão do recurso de revista interposto de um acórdão da Relação que confirmou a decisão da 1ª instância, depende da verificação de uma situação em que o núcleo essencial da fundamentação jurídica é diverso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 579.↩︎
36. O conceito de fundamentação essencialmente diferente (art. 671.º, n.º 3, do CPC) não se basta com qualquer modificação ou alteração da fundamentação, sendo antes indispensável que o âmago fundamental do enquadramento jurídico seguido pela Relação seja completamente diverso daquele que foi seguido pela 1.ª instância – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-03-31, Relator: FERNANDO BAPTISTA, Revista: 14992/19.2T8LSB.L1.S1.↩︎
37. Tratando-se de um conceito vago/indeterminado fornecido pelo legislador, o conceito de “fundamentação essencialmente diferente” deve ser densificado/concretizado no sentido de entender que “há fundamentação essencialmente diferente” quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radical ou profundamente inovatório, em 179 normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão recorrida, sendo de desconsiderar as discrepâncias marginais, secundárias ou periféricas, que não representem efetivamente um percurso jurídico diverso, e bem como ainda o mero reforço argumentativo levado a cabo pela Relação para fundamentar a mesma solução alcançada pela decisão apelada ou até o aditamento porventura de outro fundamento jurídico, que não tenha sido considerado, desde que não saia do âmbito/perímetro normativo/ substancial/ material em que se moveu a decisão recorrida – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-02-15, Relator: ISAÍAS PÁDUA, Revista: 16399/ 15.1T8LSB-A.L1.S.↩︎
38. Para que se esteja perante uma fundamentação essencialmente diferente é necessário que as instâncias divirjam essencialmente no iter jurídico conducente à mesma decisão – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-01-21, Relator: TÁVORA VICTOR, Revista: 5838/11.0TBMAI.P1.S1.↩︎
39. ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 791.↩︎
40. ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 791.↩︎
41. A invocação dos requisitos de que depende a admissibilidade da revista excecional tem de ser feita na respetiva alegação de recurso, sob pena de rejeição, não sendo, pois, admissível a formulação de qualquer convite à conversão de uma revista interposta como normal em revista excecional – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-01-21, Relator: LOPES DO REGO, Revista: 12626/13.8T2SNT.L1-A.S1.↩︎
42. Segundo jurisprudência pacífica deste STJ “o recurso de revista excecional não constitui uma modalidade extraordinária de recurso, mas antes um recurso ordinário de revista criado pelo legislador, na reforma operada ao Código de Processo Civil, com vista a permitir o recurso nos casos em que o mesmo não seria admissível em face da dupla conformidade de julgados, nos termos do artº 671º, nº 3, do CPC, e desde que se verifique um dos requisitos consagrados no artº 672º, nº 1, do mesmo Código – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-11-23, Relatora: LEONOR CRUZ RODRIGUES, http:// www.dgsi.pt/jstj.↩︎
43. A revista excecional não é uma espécie diferente de recurso de revista; constitui antes uma revista “normal” que seria impedida apenas pelo pressuposto negativo da dupla conformidade. Logo, não ocorrendo este impedimento, tem lugar a revista “normal”, o que inviabiliza a revista excecional – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-05-05, Relator: PINTO DE ALMEIDA, http://www.dgsi. pt/jstj.↩︎
44. A revista excecional, além dos requisitos específicos cuja verificação é da exclusiva competência da Formação prevista no artigo 672.º n.º 3, está igualmente sujeita aos requisitos gerais de qualquer recurso ordinário, designadamente em matéria de alçada e de sucumbência (n.º 1 do artigo 629.º do CPC) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-10-13, Relator: JÚLIO GOMES, http://www. dgsi.pt/jstj.↩︎
45. Da conjugação do disposto no art.º 672.º, n.º 1, com o disposto no art.º 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o recurso de revista excecional pressupõe, para além da existência de dupla conforme, que se verifiquem os pressupostos de admissão da revista normal – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-11-11, Relator: CHAMBEL MOURISCO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
46. A admissibilidade da revista excecional depende da verificação dos pressupostos comuns, designadamente os respeitantes ao valor da causa ou da sucumbência (artigo 629. º n.º 1 do CPC) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-02-22, Relator: JÚLIO GOMES, Processo: 682/20.7T8BRG.G1.S1.↩︎
47. A admissibilidade do recurso de revista excecional pressupõe não só o preenchimento dos pressupostos específicos previstos no artigo 672.º, do CPC, mas também o dos pressupostos gerais de admissibilidade da revista, nomeadamente os previstos no artigo 629º, do mesmo diploma – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-09-23, Relator: MÁRIO BELO MORGADO, http://www.dgsi. pt/jstj.↩︎
48. Não sendo admissível a revista, por motivo distinto da conformidade de julgados, encontra-se excluída a admissibilidade da revista excecional – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-07-14, Relator: OLIVEIRA ABREU, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
49. A sua admissibilidade está igualmente dependente da verificação das condições gerais de admissão do recurso de revista, como sejam o valor da causa e o da sucumbência, enunciados pelo nº 1, do artº 629º, do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-11-23, Relatora: LEONOR CRUZ RODRIGUES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
50. A revista excecional não é uma espécie diferente de recurso de revista; constitui antes uma revista “normal” que seria impedida apenas pelo pressuposto negativo da dupla conformidade. Logo, não ocorrendo este impedimento, tem lugar a revista “normal”, o que inviabiliza a revista excecional – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-05-05, Relator: PINTO DE ALMEIDA, http://www.dgsi.pt/ jstj.↩︎
51. A admissibilidade da revista excecional depende da verificação dos pressupostos comuns, designadamente os respeitantes ao valor da causa ou da sucumbência (artigo 629. º n.º 1 do CPC) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-02-22, Relator: JÚLIO GOMES, Processo: 682/20.7 T8BRG.G1.S1.↩︎
52. A revista excecional, além dos requisitos específicos cuja verificação é da exclusiva competência da Formação prevista no artigo 672.º n.º 3, está igualmente sujeita aos requisitos gerais de qualquer recurso ordinário, designadamente em matéria de alçada e de sucumbência (n.º 1 do artigo 629.º do CPC) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-10-13, Relator: JÚLIO GOMES, http:// www.dgsi.pt/jstj.↩︎
53. Da conjugação do disposto no art.º 672.º, n.º 1, com o disposto no art.º 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o recurso de revista excecional pressupõe, para além da existência de dupla conforme, que se verifiquem os pressupostos de admissão da revista normal – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-11-11, Relator: CHAMBEL MOURISCO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
54. A admissibilidade do recurso de revista excecional pressupõe não só o preenchimento dos pressupostos específicos previstos no artigo 672.º, do CPC, mas também o dos pressupostos gerais de admissibilidade da revista, nomeadamente os previstos no artigo 629º, do mesmo diploma – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-09-23, Relator: MÁRIO BELO MORGADO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
55. O incumprimento pelo Recorrente dos ónus previstos no nº 2 do artigo 672.º do CPC determina a rejeição do recurso de revista excecional – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-12-16, Relator: JÚLIO GOMES, http://www.dgsi.pt/jstj↩︎
56. ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 840.↩︎
57. A revista excecional, cujos requisitos específicos estão previstos no n.º 1 do art.º 672.º do mesmo Código, depende da prévia verificação dos pressupostos gerais da revista – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-10-13, Relator: FERNANDO SAMÕES, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
58. O recurso de revista excecional não constitui uma modalidade extraordinária de recurso, mas antes um recurso ordinário de revista, criado pelo legislador, na reforma operada ao Código de Processo Civil, com vista a permitir o recurso nos casos em que o mesmo não seja admissível em face da dupla conformidade de julgados, nos termos do art. 671º, nº 3, do CPC, e desde que se verifique um dos requisitos consagrados no art. 672º, nº 1, do mesmo Código. Por conseguinte, a sua admissibilidade está igualmente dependente da verificação das condições gerais de admissão do recurso de revista, como sejam o valor da causa e o da sucumbência, exigidas nos termos enunciados pelo nº 1, do art. 629º, do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-12-20, Relatora: ANA LUÍSA GERALDES, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
59. A lei processual civil consagra, quanto à admissibilidade de recurso, um regime que o faz depender, cumulativamente, do valor da causa (alçada) e do valor da sucumbência (da perda, do decaimento relativamente ao(s) pedido(s) formulado(s)), relevando, no entanto, apenas aquele, em caso de fundada dúvida sobre este – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-12-20, Relatora: ANA LUÍSA GERALDES, https:// www.dgsi.pt/jstj.↩︎
60. Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.↩︎
61. O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, p. 139.↩︎
62. Alterado pelo Tribunal da Relação.↩︎
63. Os Réus poderiam ter feito a reportagem sem incluir imagens do autor enquanto criança ou
enquanto adulto, permitindo o seu reconhecimento por terceiros – Eliminado pelo Tribunal da Relação.↩︎
64. Nos casos de erros de escrita ou quaisquer inexatidões devidas a lapso manifesto, a retificação possa ser corrigida oficiosamente pelo tribunal superior (V., FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 443 e, LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 4ª ed., p. 732).
Assim, por se tratar de lapso manifesto, atenta a data do mail enviado pela 1ª ré, retifica-se o facto provado, lendo-se “14-11-2017”, onde se lia “14-11-1997”.↩︎
65. Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, deve ser assegurado o contraditório, nos termos do art. 3º/3, do CPCivil.↩︎
66. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2005-06-14, Relator: NUNO CAMEIRA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
67. Se nenhumas dúvidas existem quanto à dignidade constitucional do princípio fundamental da liberdade de expressão e do direito de informação ("liberdade de informar", "de se informar" e "de ser informado"), também se perfila como não menos relevante o princípio da salvaguarda do bom nome e reputação individuais, e o direito à imagem e reputação – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2005-03-03, Relator: FERREIRA DE ALMEIDA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
68. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 67.↩︎
69. O direito à imagem é expressamente protegido pelo legislador civil no art. 79º do CCivil enquanto um direito a controlar a captação e a divulgação dos eu “retrato”, abrangendo-se aqui qualquer aspeto físico que permita identificar a pessoa retratada – MARIA RAQUEL GUIMARÃES, A tutela da Pessoa e da sua Personalidade: Algumas questões relativas aos direitos à imagem, à reserva da vida privada e à reserva da pessoa íntima ou direito ao caracter, Centro de Estudos Judiciários, 2017, p. 28.↩︎
70. O direito à imagem, traduzindo-se no poder que o titular tem de controlar os sinais visuais de identificação da pessoa, refere-se ao retrato, que não tem de se restringir ao rosto de uma pessoa – Mafalda Miranda Barbosa, Lições de Teoria Geral do Direito Civil, p. 366.↩︎
71. LUÍSA NETO in ANA PRATA (Coord.), Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição, p. 120.↩︎
72. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 62.↩︎
73. A reserva da privacidade deve ser considerada a regra e não a exceção – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-01-13, Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
74. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 62.↩︎
75. O direito à reserva da vida privada integra uma “projeção vital” do direito à inviolabilidade pessoal – MARIA RAQUEL GUIMARÃES, A tutela da Pessoa e da sua Personalidade: Algumas questões relativas aos direitos à imagem, à reserva da vida privada e à reserva da pessoa íntima ou direito ao caracter, Centro de Estudos Judiciários, 2017, p. 31.↩︎
76. LUÍSA NETO in ANA PRATA (Coord.), Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição, p. 124.↩︎
77. Tem sido tentado um critério de determinação do conteúdo do direito à privacidade assente sobre a distinção de três esferas concêntricas: a esfera da vida íntima, a esfera da vida privada e a esfera da vida pública – PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 63.↩︎
78. A tutela do direito à intimidade da vida privada desdobra-se em duas vertentes: a proteção contra a intromissão na esfera privada e a proibição de revelações a ela relativas – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2003-09-25, Relator: OLIVEIRA BARROS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
79. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 64.↩︎
80. O direito à privacidade colide frequentemente com o direito à liberdade de expressão, principalmente com a liberdade de imprensa – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-01-13, Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
81. O direito da liberdade de imprensa tem como limite intransponível, entre outros, a salvaguarda do direito à reserva da intimidade da vida privada e à imagem dos cidadãos – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2005-06-14, Relator: NUNO CAMEIRA, https://www. dgsi.pt/jstj.↩︎
82. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 64/5.↩︎
83. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 65.↩︎
84. O direito à privacidade só pode ser licitamente agredido quando – e só quando – um interesse público superior o exija, em termos tais que o contrário possa ser causa de danos gravíssimos para a comunidade – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-01-13, Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
85. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, p. 65.↩︎
86. LUÍSA NETO in ANA PRATA (Coord.), Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição, pp. 120/21.↩︎
87. Não obstante o direito à imagem ser um direito indisponível, no plano constitucional, a lei permite, dentro de determinados limites, a captação, reprodução e publicitação da imagem, desde que o titular do direito anua ou consinta essas atividades – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-06-07, Relator: GABRIEL CATARINO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
88. As pessoas famosas também são protegidas na sua privacidade. É verdade que a sua esfera de privacidade está limitada em relação às demais pessoas, sobretudo porque são elas próprias que procuram a exposição pública, da qual depende o seu sucesso pessoal e profissional, não podendo depois reivindicar o mesmo grau de proteção dos que não são conhecidos: é o chamado peso da fama. Não obstante, isto não implica que a sua esfera de privacidade se apague. Designadamente, a esfera de segredo mantém-se inalterada e a esfera pessoal continua a ser protegida – MAFALDA MIRANDA BARBOSA, Lições de Teoria Geral do Direito Civil, 2021, p. 370.↩︎
89. MARIA RAQUEL GUIMARÃES, A tutela da Pessoa e da sua Personalidade: Algumas questões relativas aos direitos à imagem, à reserva da vida privada e à reserva da pessoa íntima ou direito ao caracter, Centro de Estudos Judiciários, 2017, p. 31.↩︎
90. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., p. 572.↩︎
91. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, pp. 391/92.↩︎
92. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 417.↩︎
93. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 418.↩︎
94. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 418.↩︎
95. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 418.↩︎
96. MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, pp. 33/34.↩︎
97. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-02-12, Relatora: FÁTIMA GOMES, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
98. A liberdade de expressão ― como, de resto, os demais direitos fundamentais ― não é um direito absoluto, nem ilimitado. Desde logo, a proteção constitucional de um tal direito não abrange todas as situações, formas ou modos pensáveis do seu exercício. Tem, antes, limites imanentes. O seu domínio de proteção para ali onde ele possa pôr em causa o conteúdo essencial de outro direito ou atingir intoleravelmente a moral social ou os valores e princípios fundamentais da ordem constitucional. Depois, movendo-se num contexto social e tendo, por isso, que conviver com os direitos de outros titulares, há de ele sofrer as limitações impostas pela necessidade de realização destes. E, então, em caso de colisão ou conflito com outros direitos ― designadamente com aqueles que se acham também diretamente vinculados à dignidade da pessoa humana [v.g. o direito à integridade moral (artigo 25º, nº 1) e o direito ao bom nome e reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26º, nº 1)]―, haverá que limitar-se em termos de deixar que esses outros direitos encontrem também formas de realização – Ac. do Tribunal Constitucional nº 81/84, de 18-07-1984, Relator: Messias Bento, https://www.tribunalconstitucional.pt/.↩︎
99. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., p. 575.↩︎
100. Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos – art. 18º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.↩︎
101. Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão – art. 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.↩︎
102. Aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13 de outubro.↩︎
103. Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros – Direcção-Geral dos Negócios Políticos, publicado no D.R., II série, de 06.02.1979.↩︎
104. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “Liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome”, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 138.↩︎
105. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 299.↩︎
106. CASO ALMEIDA AZEVEDO/PORTUGAL (Queixa 43924/02) - Acórdão de 23 de janeiro de 2007.↩︎
107. CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) - Acórdão de 21 junho de 2016.↩︎
108. CASO URBINO RODRIGUES/PORTUGAL (Queixa 75088/01) - Acórdão de 29 de novembro de 2005.↩︎
109. CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) - Acórdão de 21 junho de 2016.↩︎
110. IOLANDA DE BRITO, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, p. 65.↩︎
111. FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Ilicitude Extracontratual (umas breves notas), CEJ, Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil, p. 30.↩︎
112. CASO COLAÇO MESTRE E SIC – SOCIEDADE INDEPENDENTE DE COMUNICAÇÃO, S.A./ PORTUGAL (Queixas n.ºs 11182/03 e 11319/03) – Acórdão de 26 de abril de 2007, n.º 22.↩︎
113. CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) – Acórdão de 21 junho de 2016, onde o tribunal reitera o entendimento que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e uma das condições básicas para seu progresso e para a autorrealização de cada indivíduo.↩︎
114. CASO LARANJEIRA MARQUES DA SILVA / PORTUGAL (Queixa nº 16983/06) – Acórdão de 19 de janeiro de 2010, onde o tribunal reitera o entendimento que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática.↩︎
115. CASO FELDEK/SLOVAQUIE (Queixa n.º 29032/95) – Acórdão de julho de 2001, n.º 51.↩︎
116. CASO COLAÇO MESTRE, citado, n.º 24.↩︎
117. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 373.↩︎
118. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, pp. 373/378.↩︎
119. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 424.↩︎
120. MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 34.↩︎
121. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 1130.↩︎
122. A liberdade de expressão e a honra conformam dois direitos fundamentais, que, dada a sua relevância, mereceram a consagração constitucional – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-12-02, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
123. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-01-31, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
124. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-02-26, Relator: ARAÚJO BARROS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
125. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-02-26, Relator: ARAÚJO BARROS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
126. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-06-28, Relator: GRANJA DA FONSECA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
127. Existindo verdadeiro “interesse público” (e não meramente um “interesse do público”) em que a comunidade seja informada sobre certas matérias, o dever de informação prevalece sobre a discrição imposta pelos interesses pessoais; porém, a divulgação só justificará a ofensa dos direitos de personalidade fundamentais na medida em que da mesma sobressaia o referido interesse, esbatendo-se a identificação das pessoas envolvidas – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-03-30, Relator: JOÃO TRINDADE, http://www.dgsi. pt/jstj.↩︎
128. O ato de recolher e divulgar informação não autorizada, criminalmente punido por decisão transitada em julgado, não suscita qualquer conflito entre o direito ou liberdade de informação, por um lado, e direito à honra ou ao bom nome, por outro, pois trata-se de um comportamento que (pelo seu sancionamento criminal) está indubitavelmente para além dos limites da liberdade de informação – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-05-24, Relatora: OLINDA GARCIA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
129. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-05-08, Relator: MOREIRA ALVES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
130. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome”, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 144 e nota 75.↩︎
131. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 151.↩︎
132. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 151.↩︎
133. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 151.↩︎
134. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 151.↩︎
135. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-12-09, Relatora: FÁTIMA GOMES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
136. A metodologia a adotar pelos tribunais nacionais (que se encontram sujeitos à autoridade interpretativa do TEDH) na análise do caso concreto, passará por formular um juízo de prognose sobre a interpretação que certa norma convencional provavelmente irá merecer se o caso for ulteriormente colocado ao TEDH, partindo, na medida do possível, de uma análise da jurisprudência mais recente e atualizada desse órgão jurisdicional internacional, proferida a propósito de situação materialmente equiparável à dos autos – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-06-22, Relator: FERNANDO BAPTISTA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
137. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-07-13, Relator: LOPES DO REGO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
138. A tendência predominante na nossa jurisprudência foi, durante longos anos, a de claramente privilegiar, no caso de conflito de direitos, os direitos fundamentais individuais – à honra, ao bom nome e reputação, vistos como ligados à própria dignidade da pessoa humana- sobre o exercício do direito de liberdade de imprensa - continuando o entendimento, que já vinha de longe, de que, por regra, a ofensa à honra (e usamos esta palavra em sentido lato, abrangendo o que a lei, sem uniformidade terminológica, chama “honra”, “honra e bom nome”, “reputação”, “consideração” e “crédito”) integrava um ato ilícito a demandar, consoante os casos, sanção criminal, indemnização ou ambas. A regra seria a afirmação daquele direito, que só cederia, em casos justificados, que, doutrina e jurisprudência, se encarregaram de ir precisando. Outrossim, nos casos em que a cedência recíproca não resolvesse a questão, havia que dar preferência à honra porque integrante de direito de personalidade – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-06-30, Relator: JOÃO BERNARDO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
139. Processos n.º 40660/08 e 60641/08, de 07-02-2012, https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-109029%22]}↩︎
140. Processo n.º 39401/04, de 18-01-2011, https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22],%22itemid %22:[%22001-102965%22]}.↩︎
141. Processo n.º 1234/05, de 15-01-2009, https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22appno%22:[%221234/05%22],%22itemid%22:[%22001-90617%22]}.↩︎
142. Processo n.º 34438/04, de 07-02-2012, https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-109029%22]}.↩︎
143. Processo n.º 404507, de 10-11-2015, https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22tabview%22:[%22document%22],%22itemid %22:[% 22001-158861%22]};↩︎
144. Acórdão de 14-12-2006, processo n.º 10520/02), https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate% 20Descending%22],% 22itemid%22:[%22001-78571%22]}.↩︎
145. Acórdão de 26-02-2002, 2rocesso n.º 34315/96), https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending% 22], % 22itemid%22:[%22001-60173%22]}.↩︎
146. Processo n.º 59320/00, de 24-06-2004, disponível em https://hudoc.echr.coe.int/fre#{%22itemid%22:[%22001-61853%22]}↩︎
147. Acórdão de 10-11-2015, processo n.º 40454/07, https://hudoc.echr.coe.int/fre#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22],% 22itemid%22:[%22001-158861%22]}.↩︎
148. Acórdão de 10-07-2012, processo n.º 43380/10, https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22],% 22itemid%22:[%22001-112088%22]}.↩︎
149. Acórdão de 01-03-2007, processo n.º 510/04, https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22],% 22itemid%22:[%22001-79659%22]}.↩︎
150. Processo n.º 54224/00, https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22],%22 display%22:[2],%22 languageisocode%22:[%22ENG%22],%22appno%22:[%2254224/00%22],%22itemid%22:[%22001-22204%22]}↩︎
151. Processo n.º 39401/04, de 18-01-2011, https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22],% 22itemid% 22:[%22001-102965%22]}.↩︎
152. Tendo a publicação como único objeto satisfazer a curiosidade de um certo público sobre os detalhes da vida privada de uma pessoa, qualquer que seja a sua notoriedade, não pode ser considerado para contribuir para qualquer debate de interesse para a sociedade – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-05-08, Relator: ALVES VELHO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
153. Acórdão de 10-11-2015, processo n.º 40454/07, https://hudoc.echr.coe.int/fre#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22],%22 itemid%22:[%22001-158861%22]}.↩︎
154. Acórdão de 16-01-2014, processo n.º 13258/09), https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22],% 22itemid%22:[%22001-140015%22]}.↩︎
155. Acórdão de 14-01-2014, processo n.º 69939/10, https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22],% 22itemid%22:[%22001-139991%22]}↩︎
156. Acórdão de 14-01-2014, processo n.º 73579/10), https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22sort%22:[%22kpdate%20Descending%22],% 22itemid%22:[%22001-139989%22]}.↩︎
157. CASO VON HANNOVER V. ALEMANHA (n.º 2) §§109-113 – Acórdão de 07-02-2012, processo n.º 39954/08, https://hudoc.echr.coe.int/.↩︎
158. CASO Axel Springer AG V. Alemanha §§ 90-95 – Acórdão de 07-02-2012, processo n.º 39954/08, https://hudoc.echr.coe.int/.↩︎
159. CASO VON HANNOVER V. ALEMANHA in PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Direito de Personalidade, p. 98.↩︎
160. Foi considerado não existir violação da CEDH por parte dos tribunais nacionais ao impedirem a publicação de fotografias da princesa Carolina do Mónaco e seu marido, tiradas sem o seu consentimento, que retratavam cenas da vida quotidiana da princesa que não exercia funções oficiais, por tal publicação não contribuir para um debate de interesse geral, entendendo-se ter sido realizado um adequado balanceamento entre o direito o direito de liberdade de expressão das publicações e o direito ao respeito pela vida privada e familiar – CASO VON HANNOVER V. ALEMANHA (n.º 2).↩︎
161. Entendeu-se existir violação do art. 10.º/1 da CEDH num caso em que os tribunais nacionais proibiram posteriores publicações de um artigo sobre a detenção de um popular ator de uma série de televisão num festival de cerveja por posse de cocaína. Considerou-se que os artigos publicados poderiam ter um certo grau de interesse público por serem relativos a factos judiciais públicos; foi, ainda, feito notar que o ator era suficientemente conhecido para ser qualificado como figura pública e que, embora a natureza da infração fizesse com que a mesma não fosse publicitada se tivesse sido cometida por um cidadão comum, a circunstância de o ator ser detido em público, conjugado com o facto de ter procurado os holofotes revelando detalhes sobre a sua vida privada em várias entrevistas, implicam uma restrição da sua legítima expectativa de que a sua vida privada fosse efetivamente protegida – CASO AXEL SPRINGER V. ALEMANHA, processo n.º 39954/08, https://hudoc.echr.coe.int/eng.↩︎
162. CASO VON HANNOVER V. ALEMANHA in PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Direito de Personalidade, p. 98.↩︎
163. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-01-31, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
164. MENESES LEITÃO, Direito das Obrigações, 5.ª ed., vol. I, p. 285.↩︎
165. Vide, neste sentido, ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 7.ª ed., p. 483; ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 10.ª ed., vol. I, p. 526 e, RUI DE ALARCÃO, Direito das Obrigações, 1983, p. 238.↩︎
166. Figura pública será uma pessoa que se encontra numa posição em que, pelo seu protagonismo social, está focada a atenção pública – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-05-08, Relator: ALVES VELHO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
167. Neste sentido, Antunes Varela, Direito das Obrigações, Vol. I, Coimbra, Almedina, 10.ª edição, 2000, pp. 898-901 e, Henrique Sousa Antunes, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Universidade Católica Portuguesa, 2018, p. 555.↩︎
168. Dentro do quadro geral que acima descrevemos e que corresponde à interpretação que acolhemos da doutrina da causalidade adequada, na formulação em que a mesma foi acolhida no art. 563º do CCivil, para que um facto seja causa de um dano é, em primeiro lugar, necessário que no plano naturalístico ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado sendo, por sua vez e em segundo lugar necessário que, em abstrato, seja causa adequada do dano – ANA PRATA in ANA PRATA (Coord.), Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição, p. 759↩︎
169. No nexo de causalidade entre o facto e o dano, a nossa lei adotou a doutrina da causalidade adequada, que impõe, num primeiro momento, um nexo naturalístico e, num segundo momento, um nexo de adequação. Por mais criteriosa, deve reputar-se adotada pela nossa lei a formulação negativa da teoria da causalidade adequada, segundo a qual o facto que atuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, atípicas, excecionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto. Por isso, não basta que o evento tenha produzido, naturalisticamente, certo efeito, para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é ainda necessário que o evento danoso seja uma causa provável desse efeito – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2003-07-01, Relator: AZEVEDO RAMOS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
170. O artigo 563º do Código Civil acolheu a doutrina da causalidade adequada. A fórmula aí usada deve interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, adequada, desse efeito. Sendo certo que o aludido preceito comporta qualquer das variantes da formulação da teoria da causalidade adequada, provindo a lesão de facto ilícito, deverá ter-se por acolhida a sua formulação negativa segundo a qual só deixará de haver nexo causal adequado se o facto que atua como condição, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para surgir um tal dano, e só se tornou condição dele em resultado de outras circunstâncias extraordinárias que intervieram no caso concreto – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-01-27, Relator: MOREIRA CAMILO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
171. O nexo de causalidade encontra-se normativamente configurado em termos de causalidade adequada, princípio geral que se concretiza em duas formulações, uma positiva e uma negativa. Na modalidade positiva da causalidade adequada, um facto é causa de um efeito danoso quando é previsível - atendendo às circunstâncias em que o agente atuou, e conhecidas deste - que o facto provoque aquele efeito danoso. Na modalidade negativa, prescindindo-se da noção de previsibilidade, de imediação ou exclusividade, um facto que atua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excecionais. Esta variante negativa da causalidade adequada está mais próxima da teoria da equivalência das condições ou da condição sine qua non em que o facto é causal de um dano se for uma das várias condições da sua produção. O art. 563.º do CC, ao consagrar a formulação negativa da causalidade adequada, admite o que a doutrina e jurisprudência francesa designam de implicação, conceito lato segundo o qual um veículo implicado num acidente participa ou intervém materialmente, de qualquer forma e a qualquer título, na produção dos danos, ainda que não haja contacto, bastando que o condutor de um perturbe a circulação do outro (por ambos se encontrarem no mesmo perímetro de espaço e de tempo) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-12-18, Relator: FERNANDO BENTO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
172. O artigo 563.º do Código Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele , que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excecionais ou extraordinárias. De acordo com essa doutrina, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2010-11-02, Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
173. No nexo de causalidade entre o facto e o dano, a nossa lei adotou a doutrina da causalidade adequada, que impõe, num primeiro momento, um nexo naturalístico e, num segundo momento, um nexo de adequação Por mais criteriosa, deve reputar-se adotada pela nossa lei a formulação negativa da teoria da causalidade adequada, segundo a qual o facto que atuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, atípicas, excecionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto. Por isso, não basta que o evento tenha produzido, naturalisticamente, certo efeito, para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é ainda necessário que o evento danoso seja uma causa provável desse efeito – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2003-01-13, Relator: AZEVEDO RAMOS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
174. Vide, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 1º Volume, 9ª edição, p. 630.↩︎
175. PINTO MONTEIRO, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, 2003, pp. 88/89, e nota (164).↩︎
176. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, 6ª ed., volume l°, p. 571.↩︎
177. Danos não patrimoniais são aqueles que correspondem à frustração de utilidades não suscetíveis de avaliação pecuniária, como o desgosto resultante da perda de um ente querido – MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, volume I, 14ª edição, p. 328.↩︎
178. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Direito de Personalidade, p. 152.↩︎
179. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Direito de Personalidade, p. 152.↩︎
180. A determinação pericial da “dor da alma” permite ajudar a resolver as grandes dificuldades em geral sentidas pelos tribunais, quer no que respeita ao nexo de causalidade, quer ainda à apreciação da gravidade das lesões – PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Direito de Personalidade, p. 152.↩︎
181. ANA AMORIM, A responsabilidade do médico enquanto perito, Centro de Direito Biomédico, 26, pp. 107/08↩︎
182. O montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, objetivamente, apreciado, e não à luz de critérios subjetivos, em função da tutela do direito, tomando-se em consideração, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem que a equidade impeça o julgador de referir o processo lógico através do qual chegou à liquidação do dano – VAZ SERRA, Reparação do Dano Não Patrimonial, BMJ nº 83, nº 2.↩︎
183. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 1987, pp. 497, 499 a 501 e, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, volume I, 1970, pp. 428/29.↩︎
184. Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima, sob o critério objetivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjetividade inerente a particular sensibilidade humana – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-07-13, Relator: SALVADOR DA COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
185. A gravidade do dano deve medir-se por um padrão objetivo e não de acordo com fatores subjetivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado, sendo tais danos compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, e tratando-se mais de uma satisfação do que de uma indemnização, a ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc. – ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 6ª ed., p. 571.↩︎
186. Dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excecional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade”. Um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-05-24, Relator: ALVES VELHO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
187. MARIA MANUEL VELOSO, Danos Não Patrimoniais, Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, III Vol., Direito das Obrigações, pp. 540-542.↩︎
188. O critério que a lei enuncia para a fixação da indemnização (compensação) por danos não patrimoniais é o da equidade, a qual operará dentro dos limites que tiverem sido dados por provados pelo tribunal (art. 566º, nº 3), sendo atendíveis o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado e do titular do direito à indemnização (artigo 496º, nº 4), bem como quaisquer outras circunstâncias especiais que no caso concorram (como se extrai da remissão para o artigo 494º), critério geral aplicável a quaisquer danos desta natureza, independentemente da fonte da obrigação de indemnizar – BRUNO BOM FERREIRA, Dano da morte: Compensação dos danos não patrimoniais à luz da evolução da conceção de família, pp. 101/02.↩︎
189. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, volume I, p. 577 e, ANA PINHEIRO LEITE, A Equidade na Indemnização dos Danos Não Patrimoniais, FDUNL, Lisboa, 2015.↩︎
190. Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal de Justiça deve averiguar se estavam preenchidos os pressupostos do recurso à equidade. Em segundo lugar, se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados — se, p. ex., no caso da indemnização por danos não patrimoniais, foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado. Em quarto lugar, o Supremo deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados. Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-11-20, Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
191. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2009-05-11, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
192. Quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, ao Supremo não compete a determinação exata do valor pecuniário a arbitrar em função da ponderação das circunstâncias concretas do caso, - já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», - mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação da individualidade do caso concreto «sub juditio» – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2010-10-28, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
193. A equidade traduz-se no critério decisivo para a fixação do montante da compensação por danos cujo valor exato não possa ser averiguado. Trata-se da equidade como padrão de justiça do caso concreto, da decisão ex aequo et bono (segundo a equidade). Porém, a decisão segundo a equidade não exclui o pensamento analógico. Uma solução individualizadora que assuma todas as circunstâncias do caso concreto não pode encontrar-se sem a comparação de hipóteses. Está em causa o princípio da igualdade, que manda “tratar o igual de modo igual e o diferente de modo diferente, na medida da diferença” – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-05-25, Relatora: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
194. O tribunal considerou equitativa a indemnização de €40.000,00 atribuída a título de danos não patrimoniais, num caso em que do teor das notícias em causa, que foram vistas e ouvidas por cerca de 2.000.000 de pessoas, decorria, para o telespectador comum, que o autor, deputado, estava implicado em atos qualificáveis como crime e que, por isso, estava a ser objeto de inquérito pela Polícia Judiciária, que chegara a realizar buscas em sua casa, para tentar apurar factos concernentes a essa implicação; que a imagem dada, do autor, através das mesmas, diminuiu o seu crédito, como homem e como deputado; nos dias subsequentes à transmissão das notícias, o autor foi contactado por familiares, amigos, colegas de partido e membros de diversos grupos parlamentares, que se mostravam incomodados e chocados com o conteúdo daquelas; as declarações constantes das mencionadas notícias foram tema de conversa em todo o país e criaram, em muitas pessoas, um clima de desconfiança em relação ao autor; por efeito da difusão de tais notícias, o autor sofreu desgosto, revolta, indignação, humilhação e angústia; em virtude da emissão de tais notícias, o autor ficou vexado e ofendido no seu “pundonor” e no bom nome e reputação; a emissão das notícias e o respetivo impacto provocou no autor perturbações que se prolongaram no tempo – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2010-04-29, Relator: OLIVEIRA ROCHA, Processo: 5583/04.3TBOER.S1, inédito.↩︎
195. O tribunal considerou adequada a atribuição de uma compensação de cerca de €25.000,00 pela causação de danos não patrimoniais ao autor, cuja mulher foi visada por artigos imputando-lhe a prática de adultério, tendo o lesado passado a ser alvo de observações jocosas dos seus colegas de trabalho e de alguns clientes que o conheciam devido à vida pública que levava, pedido uma licença sem vencimento como única forma de se furtar aos incómodos e ultrajes de que passou a ser alvo e acabando por se separar da sua mulher - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-02-26, Relator: ARAÚJO BARROS, http:// www.dgsi.pt/jstj.↩︎
196. O STJ considerou ajustada a indemnização de € 10 000,00 atribuída a título de danos não patrimoniais pela publicação de notícia televisiva em que o autor foi, falsamente, indicado como sendo um dos detidos em determinada investigação criminal – Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 2022-05-24, Relatora: MARIA OLINDA GARCIA, http://www.dgsi.pt/jstj;↩︎
197. O STJ considerou adequada a atribuição de uma compensação de cerca de €25.000,00 pela causação de danos não patrimoniais ao autor por publicação de artigo ofensivo relativo ao autor – Ac. STJ de 02-12-2020, Relatora: Fátima Gomes, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
198. O STJ considerou que não era excessiva a indemnização de € 35 000,00 por danos morais causados ao autor, cujo interrogatório foi registado, sem autorização, e transmitido numa televisão – Ac. STJ de 24-05-2022, Relatora: MARIA OLINDA GARCIA, http://www.dgsi.pt/jstj.
Porém, o TEHD por acórdão de 05-11-2024 considerou excessiva a indemnização de €35.000,00 atribuída pelo STJ a título de danos não patrimoniais sofridos pelo autor, por considerar, em suma, que da decisão não resulta demonstrados danos suficientes para justificar tal montante indemnizatório, processos n.ºs 33203/20 e 45884/22, disponível em https://hudoc.echr. coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-237791%22]};↩︎
199. O TEHD por acórdão de 27-07-2021 considerou excessiva a indemnização de €50 000,00 atribuída pelo STJ a título de danos não patrimoniais sofridos pelo autor, num caso em que foi divulgada por uma estação de televisão uma notícia que dava conta da existência de uma rede de pedofilia nos Açores, e em que o jornalista identificou o demandante, por lapso, como pertencendo ao grupo dos 12 suspeitos detidos pela Polícia Judiciária no âmbito do mencionado processo. Isto, num quadro em que existiu uma retificação da notícia feita pelo canal televisivo horas mais tarde e em que o demandante retomou o seu papel na política pouco tempo depois – Processo 29856/13, disponível em https://hudoc.echr.coe.int/fre#{%22sort%22: [%22kpdate %20Descending%22],%22itemid%22:[%22001-211572%22]}.
Neste âmbito, o Supremo Tribunal de Justiça, em sede de recurso de revisão, fixou o quantitativo de tais danos na quantia de 10 000,00€ (a indemnização reportava-se a factos ocorridos em 2004, sendo essa a data fixada para o seu computo, pese embora a data em que foi proferido o acórdão) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2024-04-10, Relator: NELSON BORGES CARNEIRO, http://www.dgsi. pt/jstj.↩︎
200. Acórdão de 21-09-2006, relativo à queixa n.º 73604/01 (caso Monnat c. Suíça).↩︎
201. Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação.↩︎
202. A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito – Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 303/2010, de 2010-07-14 e, nº 708, de 2013-10-15, https://www. tribunalconstitucional.↩︎
203. A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.↩︎
204. Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.↩︎