I. Segundo o art. 145.º-H, n.º 1, do RGICSF, na versão em vigor ao tempo da resolução do BES, compete ao BdP, no uso dos seus poderes discricionários, a seleção dos “ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição”. A lei não fixava outros requisitos para além dos objetivos e princípios essenciais do regime de resolução, deixando à discricionariedade do BdP a fixação concreta do perímetro de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão.
II. O FR, enquanto detentor do capital social do banco de transição, ou seja, do NB, tem por objetivo prestar apoio financeiro à medida de resolução bancária implementada pelo BdP; o FR não é uma sociedade anónima, nem está numa relação, com o NB, configurável como uma relação de grupo de sociedades. Entre o FR, criado com uma intencionalidade específica dirigida à salvaguarda da solidez financeira de certa e determinada instituição de crédito, tendo em conta o grau ou risco de incumprimento desta, e dos interesses dos depositantes na estabilidade do sistema financeiro, de um lado e, de outro, o banco de transição constituído, não existe qualquer ligação semelhante àquela que se verifica entre sociedades em relação de grupo que justifica a responsabilização de uma sociedade diretora por uma sociedade subordinada.
III. Na suportação das perdas, aos acionistas seguem-se os credores (em determinadas condições e numa certa sequência) e nenhum credor deverá assumir um prejuízo superior àquele que assumiria na hipótese de liquidação do banco resolvido (“no creditor worse-off principle”). Está igualmente em causa o princípio segundo o qual não compete a qualquer FR suportar perdas ou recapitalizar um banco de transição devido a perdas que devessem ter sido suportadas pelos credores (e, antes deles, pelos acionistas) do banco resolvido. E esse princípio subsiste ainda que essas perdas não estivessem reconhecidas, à data da resolução, no balanço da instituição resolvida.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,
I - Relatório
1. AA, residente em ..., Sonneveld X2, Joanesburgo, República da África do Sul, intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra:
- Banco Espírito Santo, S.A., pessoa coletiva n.º 500 852 367, com sede na Rua Barata Salgueiro n.º 28, 6.º Piso, 1250-044 em Lisboa (doravante BES);
- Banco de Portugal, pessoa coletiva n.º 500 792 771 com sede na Rua do Comércio n.º 148, 1100-150 em Lisboa (doravante BdP);
- Novo Banco, S.A., pessoa coletiva n.º 513 204 016, com sede na Avenida da Liberdade n.º 195, 1250-142 em Lisboa (doravante NB);
- Fundo de Resolução, pessoa coletiva n.º 510 338 461, com sede na Avenida da República, 57-2.º, 1050-189 Lisboa (doravante FR);
- CMVM – Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, com sede na Rua Laura Alves, n.º 4 Apartado 14258 1064-003 Lisboa (doravante CMVM);
- BB, residente Rua ... no ... (doravante BB).
2. Foi deduzindo o seguinte petitório:
“a presente acção ser julgada totalmente procedente por provada que ficou:
a) A responsabilidade civil dos RR., enquanto intermediários financeiros, por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do disposto no artigo 304º-A do CVM, devendo em consequência os RR. serem solidariamente condenados a pagar ao A, a quantia de € 302.726,78, acrescida de:
i) € 48.763,26 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, e calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR. das quantias monetárias do A.;
ii) Juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória;
Caso assim não se entenda:
b) A nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância de forma nos termos do disposto no artigo 321º do CVM, devendo em consequência serem os RR. solidariamente condenados a restituir ao A. a quantia de € 302.726,78, acrescida de:
i) € 48.763,26 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, e calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR. das quantias monetárias do A.;
ii) Juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória;
Mais se requer, que sejam ainda os RR. condenados a ressarcir solidariamente ao A. os danos não patrimoniais que lhe foram causados, em valor a ser calculado em sede de liquidação de sentença”.
3. Invocou, para o efeito, os seguintes fundamentos:
- é um cidadão português emigrante na África do Sul há já vários anos, sendo nesse país que tem a sua residência habitual e que desenvolve a sua atividade profissional;
- é cliente do 1.º Réu (BES) há cerca de 15 (quinze) anos, sendo titular da conta bancária n.º ...00 EUR, sedeada no departamento de Private Banking do 1.º Réu, também denominado por Sucursal Financeira Exterior - Madeira Branch;
- desde então que ao Autor foi atribuída uma Gestora de Conta, a Senhora D. BB, precisamente a 6.ª Ré;
- assim, desde que se tornou cliente do 1.º Réu que o Autor aí deposita a quase totalidade do seu dinheiro e poupanças, confiando-lhe o seu património financeiro, sendo os assuntos relacionados com aquela conta bancária e operações financeiras à mesma agregadas tratados pelo Autor junto da a 6.ª Ré;
- a 6.ª Ré que sempre aconselhou o Autor a aplicar as suas poupanças em diversos produtos financeiros que o 1.º Réu lançava em carteira, recomendando-lhe o momento da aquisição e alienação de cada um deles;
- sempre deu instruções à 6.ª Ré no sentido de não pretender aplicar o seu dinheiro em produtos que tivessem qualquer risco associado, intencionando a certeza de que tinha o capital garantido e disponível para qualquer eventualidade;
- perante estas instruções expressas e constantes, a 6.ª Ré sempre informou, para qualquer dos produtos, que o dinheiro do Autor seria aplicado em instrumentos sem risco, que aqueles produtos eram “como depósitos a prazo”, pois que se tratava eram da titularidade do 1.º Réu e, por isso, totalmente garantidos;
- assegurando, ainda, ao Autor que todos aqueles produtos financeiros eram garantidos pelo BES – 1.º Réu;
- o Autor nunca recebeu do 1.º Réu ou da 6.ª Ré qualquer prospeto, em suporte de papel ou digital, que lhe permitisse avaliar ou analisar os produtos em que estava a ser investido o seu dinheiro;
- sempre desconheceu que lhe tinha sido atribuído pelo 1.º Réu um “perfil de investidor”;
- foi assim que, no âmbito das suas funções, e numa posição de subordinação perante o 1.º Réu, a 6.ª Ré, no seio daquele departamento de private bank, aplicou o dinheiro do Autor depositado na aquisição dos seguintes produtos financeiros, atualmente incluídos na sua “Carteira de Títulos Custódia”:
• produto: Espírito Santo Fin 6,875% ISIN: XS0458566071 investimento inicial: USD/EUR € 102.726,78 VALOR EM EUR: € 102.726,78
• produto: Es Internacional SA 4% ISIN: XS0985085462 investimento inicial: USD/EUR € 200.000,00 VALOR EM EUR: € 200.000,00 TOTAL € 302.726,78 ;
- estando, assim, investido o montante total de € 302.726,78 naqueles instrumentos financeiros, em nome do Autor;
- o 1.º Réu e a 6.ª Ré sabiam que o Autor apenas queria aplicar o seu dinheiro em produtos seguros e com disponibilidade imediata de capital em caso de pedido de reembolso, mas, ainda assim, investiram-no em instrumentos que sabiam não estar abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e que não ofereciam a segurança exigida pelo Autor;
- usaram o dinheiro do Autor à revelia das suas instruções, aplicando-o em produtos de alto risco;
- em meados de 2012, tendo ouvido nos meios de comunicação social notícias, muitas vezes díspares, sobre a situação económico-financeira do 1.º Réu, o Autor procurou saber o que se passava junto da “sua pessoa” de confiança, a 6.ª Ré;
- que o tranquilizou, pois eram produtos do BES e estavam completamente garantidos;
- a 3 de agosto de 2014, o BdP - 2.º Réu -, decidiu aplicar ao 1.º Réu a medida de resolução, constituindo o NB - 3.º Réu -, cujo capital social era inteiramente detido pelo 4.º Réu – o FR;
- com a adoção dessa medida, o 2.º Réu optou pela transferência da gestão de um conjunto de ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais que se encontravam sob domínio do 1.º Réu para o 3.º Réu - o NB;
- com a resolução bancária e a seleção de ativos vantajosos, o 2.º Réu determinou a transferência da esmagadora maioria do património do 1.º Réu para o 3.º Réu, deixando, contudo, um conjunto de ativos sob a gestão do 1.º Réu, ativos que estando substancialmente desvalorizados, se encontram registados também com as devidas imparidades;
- o 1.º Réu sempre assumiu que criou expectativas de liquidez na sua rede de clientes de retalho (por oposição a clientes institucionais), entre os quais se encontra o Autor;
- já depois daquela medida de resolução, o 2.º Réu (BdP) e o 3.º Réu (NB) praticaram um conjunto de atos em que assumem a obrigação de reembolso daqueles produtos financeiros subscritos pelos clientes de retalho;
- entre o Autor, de um lado, e o 1.º, 3.º Réus e 6.ª Ré foi estabelecida uma relação bancária geral, no âmbito da qual lhe foram prestados serviços de consultoria de investimento e de gestão de carteira nos termos previstos no art. 4.º, n,º 1, do DL n.º 298/92, de 31 de dezembro (doravante RGICSF);
- tendo sido no âmbito daquela relação que o 1.º Réu e a 6.ª Ré usaram os fundos monetários pertencentes ao Autor para a subscrição de produtos financeiros que não correspondiam aos interesses e instruções do mesmo;
- uma vez que aqueles Réus prestaram ao Autor serviços de intermediação financeira, aquela relação negocial deveria ter sido reduzida a escrito, pois que o Autor é um investidor não qualificado ou não profissional;
- o 1.º Réu, por si ou através da 6.ª Ré, não celebrou qualquer contrato escrito de intermediação financeira com o Autor, pelo que se invoca a nulidade daquela relação comercial, daí resultando – arts. 280.º e 289.º do CC - a obrigação daqueles Réus de restituírem ao Autor a totalidade dos montantes depositados e por aqueles ilicitamente utilizados e investidos nos produtos financeiros em apreço;
- ainda neste quadro de atuação ilícita do 1.º Réu junto dos seus clientes, não podem esquecer-se os deveres de supervisão que legalmente competem ao 2.º Réu e à 5.ª Ré, cujo incumprimento deverá resultar na sua co-responsabilidade por aquela obrigação de resetituição dos montantes investidos, recorrendo, crê-se aos montantes sob tutela do FR - 4.º Réu;
- não obstante o dever de indemnizar do FR no caso de se vir a determinar que o crédito do Autor não ficaria prejudicado na hipótese de o 2.º Réu (BdP), a 3 de agosto de 2014, ter optado pela liquidação do 1.º Réu (BES) em lugar da sua resolução, nos termos do art. 145.º - H, n.º 16 RGICSF;
- certo é também que sobre o 1.º, o 2.º e o 3.º Réus e a 5.ª e a 6.ª Rés recaíam verdadeiros deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos conjugados do disposto nos arts. 74.º, 75.º e 77.º do RGICSF, e 289.º, 290.º, 293.º e 321.º do CVM;
- sendo o Autor um investidor não qualificado ou não profissional, pelas Rés não foram adotadas todas as diligencias de informação e esclarecimento a que estavam legalmente obrigadas perante si.
4. Citados os Réus, o BES contestou por exceção, invocando a inutilidade da lide, no que a si respeita, decorrente da declaração da sua insolvência, consubstanciada na deliberação do BCE que revogou a autorização que lhe havia sido concedida para o exercício da atividade bancária e, no mais, mediante impugnação.
5. De forma resumida, alegou o seguinte:
- na sequência da revogação da autorização para o exercício da atividade bancária, o BdP, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do art. 8.º do DL n.º 199/2006, de 25 de outubro, requereu a liquidação judicial do BES;
- a 21 de julho de 2016, foi proferido, no âmbito dos autos de liquidação judicial, despacho de prosseguimento, conforme o art. 9.º do DL n.º 199/2006, que foi publicado na plataforma “Citius” a 22 de julho de 2016;
- pelo que, independentemente de o Autor poder obter, através da presente ação, o reconhecimento do seu crédito e a condenação do BES no pagamento das quantias peticionadas - hipótese que se suscita a título meramente académico e sempre sem conceder - nunca estaria, nem está dispensado de as reclamar no processo de insolvência/liquidação judicial, se nele quiser obter pagamento;
- sendo, pois, manifesto que o expediente processual previsto nos arts. 128.º e ss. do CIRE, que constitui um verdadeiro ónus de todos quantos se arrogam credores do insolvente (art. 90.º do CIRE), retira todo e qualquer efeito útil à presente ação declarativa de condenação;
- quanto aos efeitos da declaração de insolvência nas ações para reconhecimento e condenação no cumprimento de obrigações pecuniárias em que o devedor é o insolvente, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014, de 25 de fevereiro1, estabeleceu o seguinte segmento uniformizador: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (...)”;
- sendo esta asserção válida independentemente do título ou causa jurídica do crédito, não se distinguindo entre créditos com origem contratual e créditos com fonte noutras modalidades de responsabilidade civil;
- no caso em apreço, em que se pretende, à margem do processo de insolvência, ver reconhecido um crédito contra o Réu declarado insolvente, deixou de haver necessidade de usar o presente processo, porquanto nenhuma utilidade ou efeito prático deste se poderá extrair para a esfera jurídica do Autor;
- a declaração de insolvência do BES, consubstanciada na deliberação do BCE que revogou a autorização para o exercício da atividade, com efeitos a partir das 19:00 [CET] de 13 de julho de 2016, acarreta a falta de interesse em agir do Autor contra o BES;
- a presente ação foi instaurada a 15 de fevereiro de 2017, ou seja, muito depois da deliberação do BCE e do “trânsito em julgado” da mesma;
- o que determina a impossibilidade originária da lide, que constitui exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso, conducente à absolvição do Réu da instância.
Conclui o presente contestante no sentido de o Tribunal:
“(i) julgar procedente, por provada, a excepção de impossibilidade originária da lide, absolvendo-se, consequentemente, o Réu BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. - EM LIQUIDAÇÃO da instância;
Ou, caso assim se não entenda,
(ii) Julgar improcedente, por não provada, a presente ação absolvendo-se o Réu BES dos pedidos contra si formulados”.
6. Por sua vez, a Ré CMVM apresentou contestação, alegando, em suma, no que ora importa, que:
- a configuração atribuída à presente causa pelo Autor impõe se conclua que, no que à CMVM diz respeito, o litígio sub judice assume natureza jus-administrativa e, consequentemente, verifica-se a incompetência absoluta, em razão da matéria, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, uma vez que são exclusivamente competentes para a apreciação da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos dos arts 212.º, n.º 3, da CRP, 1.º, n.º 1, e 4.º, n.º 1, al. f), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, na redação introduzida pelo art. 4.º, do DL n.º 214-G/2015, de 2 de outubro (doravante ETAF).
Conclui, no sentido de o Tribunal:
“a) Julgar procedente a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa em razão da matéria e, em consequência, absolver a CMVM da presente instância, em conformidade com o disposto nos artigos 64.*, 96.*, alínea a), e 99.*, n.* 1, 576.*, n.os le 2, e 577.*, alínea a), todos do CPC
Caso assim não se entenda,
b) Julgar procedente a exceção dilatória de inadmissibilidade processual i) do litisconsórcio e da ii) coligação e, em consequência, absolver a CMVM da presente instância, em conformidade com o disposto nos artigos 32.*, 36.*, 37.*, n* 1, 576.*, n*s le 2, e 577.*, alínea f), e 578.* todos do CPC;
Caso assim não se entenda,
c) Julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva da CMVM e, em consequência, absolver a CMVM da presente instância, em conformidade com o disposto nos artigos 30.*, 576.*, n.*le 2, e 577.*, alínea e), todos do CPC.
Caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese se equaciona
d) Julgar a presente ação improcedente, por não provada, absolvendo a CMVM de todos os pedidos formulados pela Autora, desde logo em sede de saneador-sentença, em conformidade com o disposto no artigo 595.º, n.º 1, al. b), do CPC”.
7. Por seu turno, o Réu NB e a Ré BB contestaram, aduzindo, em suma:
- por exceção, a sua ilegitimidade passiva;
- por impugnação.
Concluem, nos seguintes termos:
“1- Devem o 3º e o 6º R.R. ser declarados partes ilegítimas nos presentes autos, absolvendo-se estes RR do pedido (consumpção da legitimidade pelo mérito - excepção peremptória de ilegitimidade substantiva) ou, pelo menos, da instância (artigos 278.º/1/alínea d), 576.º/2, 577.º/alínea e) do Código de Processo Civil), devendo a excepção ser conhecida no despacho saneador, na medida em que o estado do processo permite, sem mais provas, o conhecimento da excepção de ilegitimidade arguida (artigo 595.º/1 CPC); ou
2- Subsidiariamente, deverá a acção ser julgada improcedente, por não provada, com as legais consequências”.
8. Também o Réu FR apresentou contestação, referindo, em síntese, o seguinte:
- no que a si diz respeito, o fundamento que integra a causa de pedir reside na circunstância de deter integralmente o capital social do NB;
- é uma pessoa coletiva de direito público que atua no exercício de funções públicas e ao abrigo de um regime especial de direito administrativo, do qual se destaca a sujeição ao contencioso administrativo;
- age no âmbito dos poderes que lhe são conferidos pela lei e no cumprimento das determinações emitidas pelo BdP, no quadro do financiamento do mecanismo de resolução bancária;
- pelo que, tendo presente a imperativa conjugação das normas do RGICSF com o disposto no art.º 4, nº 1, al. a), do ETAF, e com o disposto no n.º 1 do art.º 3 do Cód. Proc. dos Tribunais Administrativos, conclui-se que a apreciação da conduta do FR é da competência dos Tribunais Administrativos;
- dada a relação de solidariedade consagrada no art. 4.º, n.º 2, do ETAF, o FR e o BdP surgem na presente ação ligados aos demais Réus por um vínculo de solidariedade;
- o que sempre determinaria, de acordo com aquela estatuição legal, serem os tribunais administrativos os juízos materialmente competentes para conhecer dos litígios que envolvam, solidariamente, entidades públicas e entidades privadas;
- os direitos e deveres meramente “capitalizantes” do FR perante o NB revestem-se de natureza obrigacional ou creditícia, não social ou acionista, afastando quer o regime do CSC, quer a existência de relações de efetiva influência e domínio da gestão da sociedade dominada pela sociedade dominante;
- não teve lugar a transferência do alegado crédito do Autor sobre o BES para o NB, o que sempre afastaria a responsabilidade do FR;
- pois, a existir, tal obrigação manteve-se na esfera jurídica do BES, sem se ter transmitido para o banco de transição, ou seja, para o NB.
Conclui, requerendo que:
“a) deve a excepção dilatória de incompetência absoluta dos tribunais judiciais em razão da matéria ser julgada procedente e, em consequência, ser o Fundo de Resolução absolvido da instância; e
b) se não se der provimento à excepção invocada, deve a presente acção ser julgada não provada e improcedente e, em consequência, absolver-se o Réu do pedido”.
9. Por fim, o BdP veio igualmente deduzir contestação, alegando, em suma, o seguinte:
- no que lhe diz respeito, os fundamentos que integram a causa de pedir resultariam do alegado incumprimento dos deveres de supervisão e da adoção da medida de resolução e subsequentes deliberações, as quais causaram um prejuízo aos credores, impossibilitando-os de obter a satisfação integral dos seus créditos;
- está em causa a efetivação de responsabilidade extracontratual de uma entidade pública, por ações ou omissões de gestão pública, nos termos do ETAF, na redação em vigor à data da propositura da ação; assim, é da competência exclusiva dos tribunais administrativos o conhecimento de todas as questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual de pessoas coletivas de direito público, como é o caso do BdP;
- não ocorreu qualquer transferência do alegado crédito do Autor sobre o BES para o NB, o que sempre afastaria a responsabilidade do BdP;
- pois, a existir, tal obrigação manteve-se na esfera jurídica do BES, sem se ter transferido para o banco de transição, ou seja, para o NB;
- tratar-se-ia de uma responsabilidade ou contingência que impendia inicialmente sobre o BES, e que continuou a recair sobre este Réu depois de 3 de agosto de 2014, sem se transferir para o NB.
Conclui, no sentido de que:
“a) deve a excepção dilatória de incompetência absoluta dos tribunais judiciais em razão da matéria ser julgada procedente e, em consequência, ser o Banco de Portugal absolvido da instância;
b) deve a excepção dilatória de ilegitimidade passiva do Banco de Portugal, nos termos delimitados nesta contestação, ser julgada procedente e, em consequência, ser o Banco de Portugal também absolvido da presente instância; e
c) se não se der provimento às excepções invocadas, deve a presente acção ser julgada não provada e improcedente e, em consequência, absolver-se o Réu do pedido”.
10. Notificado expressamente para tal, conforme despacho de fls. 701 (de 7 de junho de 2017), o Autor pronunciou-se sobre as exceções deduzidas - cf., fls. 712 a 737 (de 14 de junho de 2017 e de 21 de junho de 2017) -, negando pertinência àquelas invocadas pelos Réus, pugnando pela sua improcedência.
11. Fixado o valor da causa e dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido saneador - cf., fls. 748 a 761 (datado de 19 de setembro de 2017) -, do qual constam as seguintes decisões:
Relativamente à questão prévia da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao Réu BES:
- “pelo exposto, decido declarara extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto na al. e) do art.º 277º do Cód. Proc. Civil, no que respeita ao Réu Banco Espírito Santo, S.A.”.
Relativamente à suscitada (in)competência em razão da matéria:
- “pelo exposto, ao abrigo das disposições legais supra citadas e, ainda, do preceituado nos arts. 96º, al. a), 97º, 98º, 99º, 278º, nº 1, al. a), e 577º, al. a), todos do Cód. Proc Civil, julgo procedente a exceção dilatória de incompetência material deste Juízo Central Cível de ... e, em consequência, absolvo todos os Réus da instância”.
12. Não conformado, o Autor interpôs recurso de apelação, que foi admitido por despacho de 14 de novembro de 2017 - cf. fls. 850.
13. Conforme o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de fevereiro de 2018 - cf., fls. 858 a 869 -, foi julgado improcedente o recurso de apelação interposto, “confirmando-se a sentença recorrida, embora pelas razões que aqui se deixam expostas”.
14. De novo não conformado, o Autor interpôs recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça - cf. fls. 877 a 910 -, que, conforme o respetivo acórdão, de 28 de junho de 2018 - cf., fls. 1180 e 1181 -, determinou a distribuição como “revista normal”.
15. De acordo com o despacho proferido pela Senhora Relatora, datado de 11 de julho de 2018 - cf. fls. 1192 -, tal recurso não foi admitido como revista, “determinando-se o seu envio para apreciação pelo Tribunal de Conflitos”.
16. Segundo decisão singular do Tribunal de Conflitos de 29 de janeiro de 2019 - cf., fls. 1229 a 1231 -, foi determinada a revogação da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa e do Tribunal de 1.ª Instância, considerando-se “competente para o julgamento da acção, na parte que ainda subsiste, o Tribunal Judicial”.
17. De tal decisão singular reclamou para a conferência a Ré CMVM - cf. fls. 1242 a 1276.
18. O Tribunal de Conflitos, por acórdão de 23 de maio de 2019 (Conflito 39/18) -cf. fls. 1363 a 1368 -, julgou:
“procedente a reclamação do despacho do relator e, consequentemente:
a) Revogamos tal decisão;
b) Decidimos atribuir a competência, em razão da matéria, para conhecer do objecto desta acção aos tribunais judiciais, quanto a Banco Espírito Santo SA, BB, Novo Banco SA e Fundo de Resolução;
c) Decidimos atribuir a competência aos tribunais administrativos, quanto ao Banco de Portugal e Comissão de Mercado de Valores Mobiliários”.
19. Retornando os autos ao Tribunal ode 1.ª Instância, foi designada data para a realização de audiência prévia, que se veio a realizar conforme ata datada de 15 de novembro de 2019 - cf., fls. 1440 a 1442.
20. Em tal sede, foi proferido despacho que reconheceu “que a instância apenas prossegue, nesta fase, contra o Fundo de Resolução”.
21. Ulteriormente, foi proferida sentença - cf. fls. 1443 a 1457 -, em cujo dispositivo consta o seguinte:
“Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente e, consequentemente, absolvo o Réu Fundo de Resolução do pedido. Custas pelo Autor. Registe e notifique”.
22. Novamente não conformado, o Autor interpôs recurso de apelação.
23. O Réu FR apresentou contra-alegações.
24. O recurso foi admitido, conforme despacho de fls. 1480, como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
25. Por acórdão de 18 de novembro de 2021, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu o seguinte:
“Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor/Apelante AA e, consequentemente:
1. confirma-se a sentença recorrida/apelada;
2. determina-se a responsabilidade do Autor no pagamento das custas da presente instância recursória, sem prejuízo do benefício decorrente do apoio judiciário de que goza”.
26. Irresignado, o Autor interpôs recurso de revista excecional, formulando as seguintes Conclusões:
“A. Vem o Recorrente apresentar as suas alegações de recurso de revista excecional do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 18/11/2021, com a explanação a este Supremo Tribunal do sentido com que, no entender do Recorrente, as normas jurídicas adequadas ao caso deveriam ter sido aplicadas pelo Tribunal da Relação.
B. No douto acórdão entende-se, em suma, que, sendo o fundamento de responsabilização do Fundo de Resolução baseado na circunstância deste ser o detentor do capital social do Novo Banco, S.A. e, portanto, seu único acionista, e não se tendo reconhecido responsabilidade do Novo Banco, S.A. neste processo, inexiste fundamento para, por tal via, se concluir pela responsabilidade do Fundo de Resolução. Mais entendeu que, para além desse fundamento, nenhum outro poderá ser utilizado para fundar a responsabilização do Fundo de Resolução, porquanto, uma vez que a relação entre o Fundo e o Novo Banco tem natureza jurídico-pública exclusivamente regulada pelo regime de resolução bancária constante do do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), fica afastada a aplicação do regime previsto no Código das Sociedades Comerciais (CSC).
C. Julgou assim totalmente improcedente a pretensão do Recorrente contra o Recorrido Fundo de Resolução, considerando que não existe direito à pretensão indemnizatória do Recorrente, mantendo a decisão proferida pela Primeira Instância de absolver o Recorrido dos pedidos.
D. De tais entendimentos discorda o Recorrente, entendendo que o fundamento da presente Revista radica em erro de interpretação e aplicação da lei substantiva, concretamente, do disposto nos artigos 84.º, 486.º, n.º 1 e n.º 2, al. a), 491.º e 501.º do Código das Sociedades Comerciais, e ainda dos artigos 145.º-D, n.º 1, al. c) e 145.º-H, n.º 16, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras
E. Em primeiro lugar porque entende o Recorrente, com o devido respeito, que é muito, que o Tribunal da Relação de Lisboa indevidamente “agregou” a responsabilidade do R. Fundo de Resolução à responsabilidade dos demais RR., quando o Recorrente peticionaram a condenação solidária de todos no pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhes foram causados, devendo a responsabilidade de cada um dos RRs. ser individualmente considerada.
F. Entende o Recorrente que o raciocínio jurídico patente no acórdão recorrido não pode ter colhimento nos presentes autos, uma vez que do mesmo decorre inevitavelmente uma denegação do direito à defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos do Recorrente, e que a discussão da matéria subjacente aos presentes autos é bem mais ampla e complexa do que uma mera questão patrimonial, tal como “resumida” naquele acórdão ora recorrido.
G. Para a decisão do presente pleito não há necessidade de recurso a qualquer norma de direito administrativo, estando a discussão centrada no plano puramente privado e civilístico, que recorde-se se prende com a responsabilização civil do Recorrido por violação dos princípios orientadores da aplicação de medidas de resolução, mormente por via do consagrado no artigo 145.º-D do RGICSF, e ainda a título de único detentor do capital do Novo Banco.
H. O pedido indemnizatório deduzido pelo Recorrente não colide, nem depende, da apreciação jurídico-administrativa dos atos que conduziram à resolução do Réu Banco BES, pelos RR. Intervenientes naquela decisão.
I.A apreciação da responsabilidade do Recorrente deve ser considerada e aferida individualmente, à luz do quadro de coresponsabilização que vem alegado pelo Recorrente na sua petição.
J. No que respeita à responsabilidade do Réu Fundo de Resolução na qualidade de único detentor do capital do Novo Banco, nada na lei impede ou ressalva a aplicação do regime de responsabilidade previsto no CSC ao Recorrido, que tendo legitimidade para figurar como detentor do capital do Novo Banco, também por maioria de razão deverá ter legitimidade para, nessa qualidade e à luz do regime previsto no CSC, ser responsabilizado perante os credores daquele.
K. O pressuposto básico da estatuição do art. 84.º do CSC é a situação de unipessoalidade, sendo irrelevante a natureza ou as características pessoais do sócio único, considerando-se unipessoalidade o caráter absoluto e universal da participação apenas por referência ao domínio integral do capital, sem a aferição de quaisquer circunstâncias subjetivas relativas ao sócio, seja ele quem for.
L. Mas ainda que este argumento não seja de acolher por este Supremo Tribunal, a verdade é que os benefícios e riscos decorrentes da atividade do Novo Banco S.A. se projetam em exclusivo na esfera do único detentor do seu capital, o Fundo de Resolução, a quem cabe a efetiva possibilidade de fazer ajustar a condução dos negócios sociais à sua perspetiva e vontade, tendo inclusivamente proposto a administração do Novo Banco, S.A., posteriormente sufragada pelo Banco de Portugal.
M. Pelo que será sempre de constatar a efetiva existência de uma influência dominante do Réu Fundo de Resolução sobre o Novo Banco, aqui operando, no entendimento do Recorrente, as presunções previstas no n.º 1 do art. 486.º do CSC, designadamente aquela que ali se encontra prevista na al.a).
N. Termos em que deve proceder a pretensão do Recorrente formulada contra o Recorrido, por forma a operar a conversão em valor pecuniário do direito indemnizatório do Recorrente.
O. Os efeitos dos últimos acontecimentos verificados na vida do sistema bancário português provocaram um abalo, quiçá, irreversível, na confiança depositada pela população nos Bancos portugueses e na banca em geral.
P. Assistir à situação legalmente equiparada de uma insolvência de um dos maiores bancos portugueses a operar em Portugal, causou um forte abalo na credibilidade do sistema bancário e acarretou o justo receio de perda definitiva de poupanças investidas e amealhadas durante uma vida, provocando sentimentos de inquietação na generalidade das pessoas que em muito extravasou o interesse do caso concreto, levando os cidadãos a colocar em causa a eficácia do direito na defesa dos seus interesses.
Q. Assim, contar com uma clara e uniforme interpretação e aplicação do Direito que salvaguarde os interesses patrimoniais da comunidade e garanta uma solução uniforme e igual para todos, sem surpresas e percalços injustificados de caminho, é questão de particular interesse social, motivo pelo qual os interesses jurídicos sindicados na presente Revista devem ser considerados de particular relevância social.
R. Pois salvo o devido respeito, que é muito, no entendimento do Recorrente, os artigos 145.º-D, n.º 1, al. c) do RGICSF e bem assim o art. 486.º, n.º 2, al. a) e 501.º, ambos do CSC, deveriam ter sido interpretados e aplicados pelo Tribunal da Relação no sentido do reconhecimento da existência da pretensão indemnizatória do Recorrente, e bem assim da sua condenação a pagar ao Recorrente a indemnização ora peticionada.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS MUI DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL SER ADMITIDO E SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, ORDENANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS CONTRA O RÉU FUNDO DE RESOLUÇÃO.
SÓ ASSIM SE FAZENDO A TÃO COSTUMADA JUSTIÇA!”
27. Por sua vez, o Réu FR apresentou contra-alegações com as seguintes Conclusões:
“a. O Acórdão objeto do presente recurso não merece qualquer reprovação por parte deste Alto Tribunal;
b. Como acima melhor se alegou e demonstrou, vindo o Fundo de Resolução demandado como alegado devedor solidário, pelo mesmo crédito reclamado do Novo Banco e que o Tribunal a quo – por decisão transitada em julgado – considerou não existir, absolvendo-o dos pedidos, a consequência é, necessariamente, também a da absolvição do Fundo relativamente aos pedidos contra si formulados;
c. Na verdade, tratando-se sempre e só de um mesmo direito de crédito e que só poderia, mesmo na tese do Autor, ora Recorrente, ser imputado ao Fundo de Resolução se o Novo Banco fosse o seu efetivo devedor, estando definitivamente assente nos autos que o Autor não é titular do direito de crédito que, contra o Novo Banco, invocou na presente ação, então, em nenhum cenário poderia o Fundo de Resolução ser responsabilizado;
d. Bem andou, portanto, o Tribunal a quo ao decidir que, “não se reconhecendo nos presentes autos responsabilidade por parte do co-Réu Novo Banco, S.A., nos termos já supra expostos (ainda que com questionável desfecho no enquadramento jurídico efectuado, mas processualmente cristalizado), inexiste qualquer fundamento, por essa via, no sentido de concluir-se pela própria responsabilidade do Fundo de Resolução, enquanto detentor do capital do Novo Banco, S.A.”;
À cautela, porém, sempre se dirá o seguinte:
e. Por outro lado, como se deixou evidenciado nestas contra-alegações, não faz sentido, nem se configura juridicamente correto, considerar-se que entre o Fundo de Resolução e o Novo Banco existe (ou existiu) uma relação de grupo societário e, consequentemente, uma relação de sociedade dominante e sociedade dominada;
f. Na verdade, a relação entre o Fundo de Resolução e o Novo Banco tem uma natureza jurídico- pública, exclusivamente regulada pelo regime da resolução bancária constante do RGICSF e é puramente instrumental: o Fundo de Resolução tem a função de disponibilizar recursos financeiros, de acordo com as determinações do Banco de Portugal, necessários à capitalização da instituição de transição (cf. artigo 153.º-M do RGICSF), sem assumir, no entanto, um estatuto acionista em sentido próprio;
g. O Fundo de Resolução é, assim, única e simplesmente o detentor formal e transitório do Novo Banco, não podendo dizer-se seu acionista, atendendo ao facto de não gozar dos direitos e dos deveres típicos dados pelo direito comercial aos acionistas de uma sociedade, entre eles, os relacionados com a responsabilização pelo passivo;
h. Por conseguinte, não se pode concluir de outra forma que não pela exclusão da aplicação dos artigos 491.º e 501.º do Código das Sociedades Comerciais às relações entre o Fundo de Resolução e o Novo Banco (banco de transição);
i. Por sua vez, também se demonstrou nestas contra-alegações que não é aplicável o disposto no artigo 84.º do Código das Sociedades Comerciais ao caso, uma vez que a aplicação desta norma está dependente da (prévia) declaração de insolvência da sociedade-filha e, mesmo nessa circunstância, o sócio único só será responsável se (i) as obrigações tiverem sido contraídas após a concentração da titularidade do capital e se (ii) se provar que nesse período não foram observados os preceitos da lei que estabelecem a afetação do património da sociedade ao cumprimento das respetivas obrigações;
j. Ora, como é bom de ver, o Novo Banco não foi declarado insolvente e, por outro lado, a alegada responsabilidade reclamada nestes autos pelo Autor, ora Recorrente, não foi constituída após a concentração da titularidade do capital no Fundo de Resolução, mas sim em momento anterior, tendendo a que os factos constitutivos do crédito dele, conforme alegados na petição inicial, se reportam a momento anterior à própria criação do Novo Banco;
k. Logo, o Tribunal a quo concluiu, como não podia deixar de ser, que “[…] resulta clara a inaplicabilidade ao [Fundo de Resolução] das enunciadas normas do Código das Sociedades Comerciais” – vide pág. 26 do Acórdão recorrido;
Mas há mais – e mais decisivo:
l. Mesmo que o Autor, ora Recorrente, tivesse razão – o que manifestamente não acontece – relativamente à alegada responsabilidade do Fundo do Resolução enquanto “acionista” do Novo Banco, isto é, mesmo que o Fundo de Resolução pudesse, em abstrato, ser chamado a responder pelas obrigações dos bancos de transição, a verdade é que o seu alegado crédito sobre o BES não foi transmitido para o Novo Banco;
m. Logo, permanecendo o crédito na esfera do BES, não pode o Recorrente vir exigir o seu cumprimento contra o Novo Banco, bem como, por maioria de razão, contra o Fundo de Resolução;
n. Como resulta claramente dos factos alegados pelo Autor na sua petição inicial (e por demais demonstrados no Acórdão objeto do presente recurso), o direito de crédito que, alegadamente, detém (originariamente) sobre o BES funda-se na prática de atos ilícitos e na violação de disposições regulatórias, designadamente na violação de deveres de informação do intermediário financeiro e na prestação de informações falsas pelo BES – não havendo assim qualquer dúvida de que, a existir esse direito de crédito, não se transferiu para a esfera jurídica do Novo Banco;
o. Assim, não se tendo transferido para o Novo Banco tal crédito, também não pode o Fundo de Resolução, nem mesmo na tese do Recorrente, ser responsável pela sua satisfação, pelo que os pedidos formulados devem necessariamente improceder;
p. Em face de tudo quanto se deixou nestas contra-alegações, não merece qualquer censura ou reprovação por este Alto Tribunal a decisão do Tribunal a quo de julgar a ação totalmente improcedente – e, consequentemente, absolver o Fundo de Resolução dos pedidos.
Nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, Senhores Conselheiros, que respeitosamente se roga, deve o recurso interposto ser julgado improcedente.”
28. Por acórdão de 22 de março de 2022, a Formação do Supremo Tribunal de Justiça, à luz do art. 672.º, n.º 1, al. b), do CPC, admitiu o recurso de revista excecional.
II – Questões a decidir
Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, está em causa a questão de saber se o Fundo de Resolução é ou não responsável perante o Autor pelos danos que lhe terão sido causados por uma eventual conduta ilícita do Banco Espírito Santo, S.A..
III - Fundamentação
A. De Facto
Foi considerada como provada a seguinte factualidade:
“1 - O Autor deu ordens de compra, através de conta aberta no BES, dos seguintes produtos que constam da sua “Carteira de Títulos Custódia”:
ESPIRITO SANTO FIN 6,875% XS0458566071 € 102.726,78 ES INTERNATIONAL SA 4% XS0985085462 € 200.000,00 num total de € 302.726,78.
2 - O Autor não conseguiu ser reembolsado do valor do capital investido, mantendo-se sem acesso àquele valor e sem receber quaisquer juros.
Ao abrigo do disposto nos artigos 607º, nºs. 3 e 4, ex vi do nº. 2, do artº. 663º, ambos do Cód. de Processo Civil, com base no teor da prova documental junta aos autos, considera-se igualmente provada a seguinte factualidade:
3 - No dia 3 de Agosto de 2014 e em sede de reunião extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, esta entidade deliberou o seguinte:
Ponto Um Constituição do Novo Banco, SA
É constituído o Novo Banco, S. A., ao abrigo do nº 5 do artigo 145º -G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, cujos Estatutos constam do Anexo 1 à presente deliberação.
Ponto Dois Transferência para o Novo Banco, S. A, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, SA
São transferidos para o Novo Banco, S. A., nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 145º - H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, conjugado com o artigo 17º - A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S. A., que constam dos Anexos 2 e 2A à presente deliberação.
Ponto Três Designação de uma entidade independente para avaliação dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos para o Novo Banco, S. A.
Considerando o disposto no n.º 4 do artigo 145.º -H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, o Conselho de Administração designa a sociedade PricewaterhouseCoopers & Associados - Sociedade de Revisores de Contas, Lda. ( P... ) para, no prazo de 120 dias, proceder à avaliação dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos para o Novo Banco, S.A..” ;
4 – Nos referenciados Estatutos do Novo Banco, SA, consta, entre o mais, o seguinte:
Artigo 12. Denominação, natureza e duração
1 - O Novo Banco, SA, é um banco constituído nos termos do nº. 3 do artigo 145~-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), aprovado pelo Decreto-Lei nº. 298/92, de 31 de Dezembro.
2 - O Novo Banco, SA, é constituído por tempo indeterminado, nos termos do nº. 12 do artigo 145º-G do RGICSF.
Artigo 32 Objeto
1 - O Novo Banco, SA, tem por objecto a administração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do Banco Espírito Santo, SA, para o Novo Banco, SA, e o desenvolvimento das atividades transferidas, tendo em vista as finalidades enunciadas no artigo 145~-A do RGICSF, e com o objectivo de permitir uma posterior alienação dos referidos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outra ou outras instituições de crédito.
(....)
Artigo 42 Capital Social
0 capital social do Novo Banco, SA, é de quatro mil e novecentos milhões de euros, sendo,
nos termos da lei, totalmente detido pelo Fundo de Resolução.
Artigo 82 Constituição da Assembleia Geral
1 - O Fundo de Resolução é representado na Assembleia Geral do Novo Banco, SA, pelo
presidente da comissão directiva ou por quem esta designe para o efeito, sem prejuízo de qualquer membro da comissão directiva poder assistir à Assembleia Geral e participar na discussão dos assuntos relacionados na ordem do dia.
(...)
Artigo 232 Dissolução e Liquidação
1 - O Novo Banco, SA, dissolve-se, por deliberação do Banco de Portugal, nos termos da alínea a) do artigo 21º do Aviso do Banco de Portugal nº. 13/2012, após a alienação da totalidade dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão que para ele tiverem sido transferidos e depois de concretizada a afetação do produto da alienação, nos termos do nº. 3 e do nº. 4 do artigo 145º-I.
2 - O Banco de Portugal pode decidir dissolver o Novo Banco, SA, em momento anterior à alienação da totalidade do património referido no nº. 1, caso conclua que a mesma não é possível, nos termos da alínea d) do artigo 21º do Aviso do Banco de Portugal nº. 13/2012.
3 - Na situação prevista no número anterior, o Novo Banco, SA, entra imediatamente em liquidação de acordo com as regras aplicáveis à liquidação extrajudicial de instituições de crédito, passando os membros do Conselho de Administração a assumir funções de liquidatários.
4 - O Novo Banco, SA, dissolve-se também através da alienação da totalidade do capital social.
5 - Por deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014, foi rectificado o anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto, considerando excluídos os seguintes:
“(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais;
(vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a acções, instrumentos ou contratos de que resultem créditos subordinados perante o BES;
(vii) Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo Espírito Santo, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais anteriores a 30 de Junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.” ;
6 - No dia 29 de Dezembro de 2015, em sessão ordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, (…) foi adoptada a seguinte deliberação (deliberação contingências) relativa ao ponto da agenda “ Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea ( b ) do n.º 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 ( 20 horas ), na redacção que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal, de 11 de Agosto de 2014 ( 17 horas )“:
“DELIBERAÇÃO
Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (RGICSF), a presente deliberação é considerada urgente, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo, não havendo lugar a audiência prévia dos interessados.
Enquadramento
1. A deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 (20:00 horas), com as clarificações e ajustamentos introduzidos pela deliberação de 11 de agosto de 2014 (17:00 horas) -doravante a “Deliberação de 3 de Agosto”, para efeitos dos considerandos seguintes - que determinou a constituição do Novo Banco, S.A. (“Novo Banco”), determinou igualmente a transferência de um conjunto de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A. (“Banco Espírito Santo” ou “BES”) para o Novo Banco, descritos no Anexo 2 da mesma Deliberação de 3 de Agosto.
2. O RGICSF estabelece, em conformidade com a legislação europeia na matéria, que os accionistas e credores da instituição objecto de resolução devem assumir os prejuízos da referida instituição.
3. Um dos princípios do RGICSF impõe que os recursos do fundo de resolução não sejam utilizados para assumir directamente os prejuízos da instituição de crédito objecto de resolução.
4. O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente conferido que pode ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do BES para o exercício da actividade ou da venda do Novo Banco, para determinar transferências adicionais de activos e passivos entre o Novo Banco e o BES (o “Poder de Retransmissão”). O Poder de Retransmissão encontra-se previsto no Capítulo III (Resolução) do Título VIII do RGICSF, tendo ficado expressamente estabelecido no número 2 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de Agosto.
Fundamentos para a clarificação e para o exercício do Poder de Retransmissão
5. A versão original da Deliberação de 3 de Agosto, publicada em 3 de Agosto de 2014,
dispunha o seguinte, na alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2:
“As responsabilidades do BES perante terceiros, que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais, serão integralmente transferidas para o Novo Banco SA, com excepção das seguintes (Passivos Excluídos) …
(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude e violação de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais.”
6. A versão alterada da Deliberação de 3 de Agosto, publicada em 11 de agosto de 2014,
dispunha o seguinte na alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2: “As responsabilidades do BES perante terceiros, que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais, serão integralmente transferidas para o Novo Banco, SA, com excepção das seguintes (Passivos Excluídos) …
(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais.”
7. O Banco de Portugal considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de Agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo Novo Banco e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo BES.
8. A legitimidade processual do BES tem vindo a ser questionada ou enjeitada em processos judiciais em que este é parte, com base na alegada transferência, para o Novo Banco, das responsabilidades que se discutem naqueles processos, em que o BES era réu a 3 de Agosto de 2014 e que respeitam a factos anteriores à aplicação da medida de resolução ao BES e por efeito da aplicação desta.
9. Importa clarificar que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução,
decidiu e considera que todas as responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES, estão abrangidas pelas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação, não tendo sido, portanto, transferidas para o Novo Banco.
10. Alguns tribunais solicitaram ao Banco de Portugal que este lhes comunicasse o seu entendimento, enquanto entidade de resolução, sobre a não transferência de responsabilidades e contingências do BES para o Novo Banco, ao abrigo das subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto.
11. Esses pedidos não foram efectuados na maior parte dos processos pendentes em tribunal, que se relacionam com responsabilidades ou contingências não transferidas para o Novo Banco.
12. Se o número de processos pendentes nos tribunais judiciais e a diferente orientação nas decisões até hoje tomadas conduzirem a que, de modo significativo, não venha a ser reconhecida adequadamente a selecção efectuada pelo Banco de Portugal (enquanto autoridade pública de resolução) dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos do BES para o Novo Banco (decisão sobre o «perímetro de transferência»), pode ficar comprometida a execução e a eficácia da medida de resolução aplicada ao BES, a qual, entre outros critérios, se baseou num critério de certeza quanto ao perímetro de transferência.
13. Foi esse critério de certeza que permitiu calcular as necessidades de capital da instituição de transição, o Novo Banco, e foi com base nesse cálculo que o Fundo de Resolução realizou o capital da instituição de transição.
14. Caso viessem a materializar-se na esfera jurídica do Novo Banco responsabilidades e contingências por força de sentenças judiciais, o Novo Banco seria chamado a assumir obrigações que, de modo algum, lhe deveriam caber e cuja satisfação não foi pura e simplesmente tida em consideração no montante do capital com que aquele banco de transição foi inicialmente dotado.
15. Este risco pode materializar-se ainda antes do trânsito em julgado das decisões judiciais se, de acordo com as regras contabilísticas, for entendido que, não obstante a decisão do Banco de Portugal, aquela materialização é provável.
16. Nos termos da lei, a decisão do Banco de Portugal sobre o perímetro de transferência só pode ser alterada através dos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, de acordo com o artigo 145.º-AR do RGICSF ( correspondente ao artigo 145.º-N do RGICSF, em vigor à data de aplicação da medida de resolução ao BES ).
17. Questionar o referido perímetro de transferência fora do contencioso administrativo constitui um desvio à competência dos tribunais administrativos, legalmente estabelecida e impede que o Banco de Portugal exerça a prerrogativa que a lei lhe confere de afastar, por motivo de interesse público, a execução de sentenças desfavoráveis, iniciando-se de imediato o procedimento tendente à fixação da indemnização de acordo com os trâmites definidos no Código do Processo nos Tribunais Administrativos.
18. Decisões de tribunais judiciais que, directa ou indirectamente, ponham em causa o perímetro de transferência neutralizam este mecanismo contencioso (e compensatório), legalmente previsto, de impugnação das decisões do Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, e comprometem a execução e a eficácia da medida de resolução. 19. Tem a presente deliberação o seguinte objectivo:
a. Clarificar o tratamento das responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES, nos termos da subalínea (v) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de Agosto;
b. Se e na medida em que quaisquer responsabilidades contingentes e desconhecidas ou incertas do BES à data de 3 de Agosto (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES e que devessem ter permanecido na sua esfera jurídica nos termos da Deliberação de 3 de Agosto, sejam atribuídas ao Novo Banco, proceder à sua retransmissão, mediante o exercício do Poder de Retransmissão, das referidas responsabilidades contingentes e desconhecidas (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais) para o BES; e c. Determinar que, de acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 145.º-P e nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 145.º-G do RGICSF, o BES e o Novo Banco tomem as medidas previstas nesta deliberação por forma a conferir-lhe eficácia plena.
20. Face ao exposto e de forma a garantir a continuidade das funções essenciais desempenhadas pelo Novo Banco, encontram-se reunidos os pressupostos para o exercício do Poder de Retransmissão, conforme previsto nesta deliberação, exercício que se afigura extremamente necessário, urgente e inadiável.
O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para seleccionar os activos e passivos a transferir para o banco de transição, delibera o seguinte:
A) Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto, não foram transferidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de Agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES;
B) Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do BES para o Novo Banco os seguintes passivos do BES:
(i) Todos os créditos relativos a acções preferenciais emitidas por sociedades-veículo estabelecidas pelo BES e vendidas pelo BES;
(ii) Todos os créditos, indemnizações e despesas relacionados com activos imobiliários que foram transferidos para o Novo Banco;
(iii) Todas as indemnizações relacionadas com o incumprimento de contratos (compra e venda de activos imobiliários e outros), assinados e celebrados antes das 20h00 do dia 3 de Agosto de 2014;
(iv) Todas as indemnizações relacionadas com contratos de seguro de vida, em que a seguradora era o BES - Companhia de Seguros de Vida, S.A.;
(v) Todos os créditos e indemnizações relacionados com a alegada anulação de determinadas cláusulas de contratos de mútuo, em que o BES era o mutuante;
(vi) Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo BES enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento; e
(vii) Qualquer responsabilidade que seja objecto de qualquer dos processos descritos no Anexo I.
C) Na medida em que, não obstante as clarificações acima efectuadas, se verifique terem sido efectivamente transferidos para o Novo Banco quaisquer passivos do BES que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de Agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do Novo Banco para o BES, com efeitos às 20 horas do dia 3 de Agosto de 2014;
D) O Conselho de Administração do BES e o Conselho de Administração do Novo Banco praticarão todos os actos necessários à implementação e eficácia das clarificações e retransmissões previstos na presente deliberação. Em particular e de acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 145.º-P e nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 145.º-G do RGICSF, o Novo Banco e o BES devem:
(a) Adoptar as medidas de execução necessárias à adequada aplicação da medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao BES, bem como de todas as decisões do Banco de Portugal que a complementam, alteram ou clarificam, incluindo a presente deliberação;
(b) Praticar todos os actos, sejam estes de natureza procedimental ou processual, nos processos em que sejam parte de modo a dar adequada execução às decisões do Banco de Portugal referidas em (a), incluindo aqueles que sejam necessários para reverter actos anteriores que tenham praticado contrários aquelas decisões;
(c) Para efeito de cumprimento do disposto na alínea (b), requerer a imediata junção da presente deliberação aos autos em que sejam parte;
(d) Adequar os seus registos contabilísticos ao disposto nas decisões do Banco de Portugal referidas em (a); e
(e) Abster-se de qualquer conduta que possa por em causa as decisões do Banco de Portugal referidas em (a).
E) Aprovar a ata da presente deliberação em minuta, com vista à sua execução imediata, nos termos do nº 4 e para os efeitos do n.º 6 do artigo 34.º do Código do Procedimento Administrativo.”
7 - No dia 29 de Dezembro de 2015, em sessão ordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, foi adoptada a seguinte deliberação (deliberação perímetro) relativa ao ponto da agenda “Transferências, retransmissões e alterações e clarificações ao Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto de 2014 (20.00h)”:
“ DELIBERAÇÃO
Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (RGICSF), a presente deliberação é considerada urgente, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo, não havendo lugar a audiência prévia dos interessados. Esta dispensa é igualmente justificada à luz do disposto nas alíneas c) e d) do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
Enquadramento
1. A deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 (20:00h), com as clarificações e ajustamentos introduzidos pela deliberação de 11 de Agosto de 2014 (17:00 horas) - doravante a “Deliberação de 3 de Agosto” para efeitos dos considerandos seguintes - que determinou a constituição do Novo Banco, S. A. (“Novo Banco”), determinou igualmente a transferência de um conjunto de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S. A. (“Banco Espírito Santo” ou “BES”) para o Novo Banco, descritos no Anexo 2 à mesma Deliberação de 3 de Agosto.
2. Após 3 de Agosto e à medida que tem vindo a ser disponibilizada informação adicional, o Banco de Portugal, na qualidade de autoridade de resolução, tem vindo a aprofundar o conhecimento da situação financeira do conjunto de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Novo Banco.
3. O RGICSF estabelece, em conformidade com a legislação europeia na matéria, que os accionistas e credores de uma instituição objecto de medida de resolução devem suportar os prejuízos dessa mesma instituição.
4. Um dos princípios do RGICSF impõe que os recursos do fundo de resolução não sejam utilizados para assumir directamente os prejuízos da instituição de crédito objecto de resolução.
5. O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente estabelecido que poderá ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do BES para exercício da actividade ou da venda do Novo Banco, para determinar transferências adicionais de activos e passivos entre o Novo Banco e o BES (o “Poder de Retransmissão”). O Poder de Retransmissão encontra-se previsto no Capítulo III (Resolução) do Título VIII do RGICSF, tendo ficado expressamente previsto no número 2 do anexo 2 da Deliberação de 3 de Agosto.
6. São necessárias clarificações adicionais quanto aos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos do BES para o Novo Banco e alterar o Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto para reflectir estas clarificações.
7. É desejável clarificar que quaisquer contingências fiscais passivas, quer presentes ou futuras, resultantes de dívidas fiscais, constituídas ou por constituir, relativas a factos tributários anteriores a 3 de Agosto de 2014 deverão permanecer na esfera jurídica do BES.
8. Sem prejuízo das deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 22 de Dezembro de 2014, de 11 Fevereiro de 2015 e de 15 de Setembro de 2015, todas relativas à «Responsabilidade Oak Finance » (tal como definida na deliberação de 15 de Setembro de 2015), o Banco de Portugal deve adicionalmente determinar que, por se tratar de uma responsabilidade de natureza equiparável a obrigações, dirigida a, e subscrita por, investidor(es) qualificado(s), tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) deve permanecer na esfera jurídica do BES, pelo que na eventualidade de, por decisão transitada em julgado, se determinar que a Responsabilidade Oak Finance não se encontra abrangida pela subsubalínea (c) da subalínea (i) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de Agosto ou se determinar que essa responsabilidade pertence ao Novo Banco, tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas ) é retransmitida para o BES.
9. Na medida em que, e não obstante as clarificações e alterações constantes desta
deliberação, um activo ou passivo tenha sido transferido para o Novo Banco que devesse ter permanecido na esfera jurídica do BES, ou tenha permanecido na esfera jurídica do BES, mas que devesse ter sido transferido para o Novo Banco, o Poder de Retransmissão é exercido para conferir eficácia às clarificações e alterações constantes desta deliberação.
10. Considerando que, desde a aplicação da medida de resolução ao BES e também na presente data foram tomadas pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal várias deliberações que produziram efeitos na selecção de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos para o Novo Banco, a qual estava originalmente expressa no Anexo 2 da Deliberação de 3 de Agosto, revela-se oportuno e adequado proceder-se a um esforço de consolidação, actualizando o referido Anexo 2 às mencionadas deliberações.
O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para seleccionar os activos e passivos a transferir para o banco de transição e do disposto no n.º 2 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de Agosto, delibera o seguinte:
A) A subalínea (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 passa a ter a seguinte redacção:
“Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo de contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v), que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respectivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respectivo vencimento) já se ter verificado, e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de Junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do BES e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”
B) A alínea (d) do n.º 1 do Anexo 2 passa a ter a seguinte redacção:
“São transferidos na sua totalidade para o Novo Banco SA todos os restantes elementos extrapatrimoniais do BES, com excepção dos relativos ao Banco Espírito Santo Angola SA, ao Espírito Santo Bank (...), ao Aman Bank (...) e dos relativos às entidades cujas responsabilidades perante o BES não foram transferidas nos termos da subalínea (v) da alínea (a) do n.º 1 e, com efeitos a partir de 29 de Dezembro de 2015, ao BES Finance, Limited;”
C)É aditado um n.º 10, com a seguinte redacção:
“Transferem-se ainda para o Novo Banco quaisquer créditos já constituídos ou por constituir reportados a factos tributários anteriores a 3 de Agosto de 2014, independentemente de estarem ou não registados na contabilidade do BES.”
D) A Administração do BES deve, para efeitos de cumprimento de quaisquer formalidades que se julguem necessárias, exercer as suas competências, praticar os actos e tomar as iniciativas adequadas para garantir as transferências de valores a receber e créditos para o Novo Banco decorrentes das contingências fiscais activas, actualmente identificadas ou futuras, resultantes de créditos fiscais já constituídos ou por constituir, reportados a factos tributários anteriores a 3 de Agosto de 2014, independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade.
E) É aditado um novo n.º 11, com a seguinte redacção:
“O disposto nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do presente Anexo devem ser interpretadas à luz das clarificações constantes do Anexo 2C”.
F) É aditado um novo Anexo 2C à deliberação de 3 de Agosto, com a redacção constante da deliberação relativa à “ Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 ( 20 horas ), na redacção que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 ( 17 horas )”, adoptada pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal na presente data;
G) Sem prejuízo das deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 22 de Dezembro de 2014, de 11 Fevereiro de 2015 e de 15 de Setembro de 2015, todas relativas à «Responsabilidade Oak Finance» (tal como definida na deliberação de 15 de Setembro de 2015), o Banco de Portugal determina adicionalmente que, por se tratar de uma responsabilidade de natureza equiparável a obrigações, dirigida a, e subscrita por, investidor(es) qualificado(s), tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) deve permanecer na esfera jurídica do BES, pelo que na eventualidade de, por decisão transitada em julgado, se determinar que a Responsabilidade Oak Finance não se encontra abrangida pela subsubalínea (c) da subalínea (i) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de Agosto ou se determinar que essa responsabilidade pertence ao Novo Banco, tal responsabilidade ( bem como todas as responsabilidades com esta conexas ) é retransmitida para o BES;
H) É aditada uma subalínea (ix) à alínea (b) ao n.º 1 do Anexo 2, com a seguinte redacção: “ A Responsabilidade Oak Finance”.
I) Na medida em que qualquer activo, passivo ou elemento extrapatrimonial que, nos termos de qualquer das alíneas anteriores, devesse ser transferido para o Novo Banco, mas que, de facto, tenha permanecido na esfera jurídica no BES, são, pela presente, os referidos activos, passivos ou elementos extrapatrimoniais transferidos do BES para o Novo Banco, com efeitos a 3 de Agosto de 2014 (20.00h);
J) Na medida em que qualquer activo, passivo ou elemento extrapatrimonial que, nos termos de qualquer uma das alíneas anteriores, devesse ter permanecido na esfera jurídica do BES mas que foram, de facto, transferidos para o Novo Banco, são, pela presente, os referidos activos, passivos ou elementos extrapatrimoniais retransmitidos do Novo Banco para o BES, com efeitos a 3 de Agosto de 2014 (20.00h);
K) O Conselho de Administração do BES e o Conselho de Administração do Novo Banco devem tomar todas as medidas necessárias à execução eficaz das clarificações, ajustamentos, transferências e retransmissões previstos na presente deliberação.
L) É anexada à presente deliberação uma versão revista e consolidada do Anexo 2 da Deliberação de 3 de Agosto de 2014, a qual incorpora:
a. As clarificações e alterações constantes da presente deliberação;
b. As deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal, adoptadas na presente data, relativas à “ Retransmissão de obrigações não subordinadas do Novo Banco, S.A., para o Banco Espírito Santo, S.A. ” e à “ Retransmissão das acções representativas da totalidade do capital social do BES Finance, Limited do Novo Banco, S.A., para o Banco Espírito Santo, S.A. ”;
c. As deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 22 de Dezembro de 2014, de 11 Fevereiro de 2015 e 15 de Setembro de 2015, todas relativas à Responsabilidade Oak Finance, e de 13 de Maio de 2015, relativa a eventuais obrigações contraídas e garantias prestadas perante terceiros pelo BES, relacionadas com a comercialização de instrumentos de dívida do GES;
d. O Anexo 2 da Deliberação de 3 de Agosto será alterado e rectificado de modo a revestir a forma estabelecida no anexo da presente deliberação, incluindo o aditamento dos Anexos 2B e 2C.
M) Aprovar a ata da presente deliberação em minuta, com vista à sua execução imediata, nos termos do nº 4 e para os efeitos do n.º 6 do artigo 34.º do Código do Procedimento Administrativo.”
8 - No dia 29 de Dezembro de 2015, em sessão ordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, foi adoptada a seguinte deliberação (deliberação retransmissão) relativa ao ponto da agenda “Retransmissão de obrigações não subordinadas do Novo Banco, S.A., para o Banco Espírito Santo, S.A.”:
“DELIBERAÇÃO
Nos termos do n.° 1 do artigo 146.° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 298/92, de 31 de dezembro (RGICSF), a presente deliberação é considerada urgente, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo do artigo 124.° do Código do Procedimento Administrativo, não havendo lugar a audiência prévia dos interessados. Esta dispensa é igualmente justificada à luz do disposto nas alíneas c) e d) do artigo 124.° do Código do Procedimento Administrativo.
Enquadramento
1. A deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20:00h), com as clarificações e ajustamentos introduzidos pela deliberação de 11 de agosto de 2014 (17:00 horas) doravante a "Deliberação de 3 de agosto", para efeitos dos considerandos seguintes - que determinou a constituição do Novo Banco, S.A. ("Novo Banco"), determinou igualmente a transferência de um conjunto de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A. ("Banco Espírito Santo" ou "BES") para o Novo Banco, descritos no Anexo 2 da mesma Deliberação de 3 de agosto.
2. Após 3 de agosto de 2014, e face à informação complementar entretanto disponibilizada, o Banco de Portugal, na qualidade de autoridade de resolução, tem vindo a aprofundar o conhecimento da situação financeira do conjunto de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Novo Banco e do respetivo justo valor em 3 de agosto de 2014, nomeadamente através dos processos que adiante se descrevem.
3. Desde a transferência efetuada nos termos da Deliberação de 3 de agosto, a sobrevalorização significativa dos ativos do BES (mesmo após terem sido ajustados para efeitos da Deliberação de 3 de agosto) nos seus registos contabilísticos tornou-se inequívoca. A existência de sobrevalorizações substanciais ainda superiores às já identificadas no âmbito da auditoria da P..., Lda. ("P..., Lda."), realizada na sequência da medida de resolução, revela-se agora evidente.
4. O RGICSF, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 298/92, de 31 de dezembro estabelece, em conformidade com a legislação europeia na matéria, que os acionistas e credores da instituição objeto de resolução devem assumir os prejuízos da referida instituição.
5. Um dos princípios do RGICSF impõe que os recursos do Fundo de Resolução não sejam utilizados para assumir diretamente os prejuízos da instituição de crédito objeto de resolução e o valor dos passivos e elementos extrapatrimoniais a transferir para um banco de transição não deve exceder o valor total dos ativos transferidos.
6. O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente conferido que pode ser exercido a todo o tempo, antes da revogação da autorização do BES para o exercício da atividade ou antes da venda do Novo Banco, para determinar transferências adicionais de ativos e passivos entre o Novo Banco e o BES (o "Poder de Retransmissão"). O Poder de Retransmissão encontra-se previsto no Capítulo III (Resolução) do Título VIII do RGICSF, tendo ficado expressamente estabelecido no número 2 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto.
7. Em conformidade com o exercício do Poder de Retransmissão, esta deliberação:
a. Determina a retransmissão, do Novo Banco para o BES, das emissões de instrumentos de dívida não subordinada enumerados no Anexo I, originariamente transferidos do BES para o Novo Banco na sequência da Deliberação de 3 de agosto; e
b. Dispõe sobre determinadas matérias complementares à retransmissão.
Sobrevalorização à data da medida de resolução dos ativos transferidos do BES para o Novo Banco 8. Para os efeitos da avaliação dos ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais transferidos no âmbito da medida de resolução, o número 5 do Anexo 2 aditou o seguinte à Deliberação de 3 de agosto: "os ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais são transferidos pelo respetivo valor contabilístico, sendo os ativos ajustados em conformidade com os valores constantes do Anexo 2A, por forma a assegurar uma valorização conservadora, a confirmar na auditoria prevista no Ponto Três". E estabeleceu no número 6 do mesmo anexo que "Em função desta valorização, apuram-se necessidades de capital para o Novo Banco, SA, de 4.900 milhões de euros".
9. A auditoria mencionada no número 3 para efeitos da avaliação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos, reportados à data da medida de resolução, foi realizada pela P..., Lda. e refletida na elaboração do balanço de abertura do Novo Banco, publicado a 3 de dezembro de 2014. Na referida avaliação, determinou-se que os ativos transferidos para o Novo Banco tinham um valor inferior ao valor contabilístico ajustado, com base no qual se determinou o correspondente valor das responsabilidades do BES a transferir para o Novo Banco, através da Deliberação de 3 de agosto.
10. Acresce que, desde a Deliberação de 3 de agosto e da auditoria referida no número 3, o Novo Banco tem vindo a registar significativas imparidades nos seus ativos e ajustamentos negativos nas suas contas, imputáveis a factos anteriores e/ou a riscos gerados antes a 3 de agosto de 2014. Se os referidos factos fossem conhecidos e as imparidades e ajustamentos tivessem sido identificados em data anterior a 3 de agosto de 2014, o valor contabilístico ajustado atribuído aos ativos correspondentes do BES teria sido inferior e, em conformidade, o montante de responsabilidades transferido para o Novo Banco teria sido inferior.
11. Nas contas reportadas a 31 de Dezembro de 2014, o Novo Banco reconheceu imparidades e ajustamentos negativos, imputáveis a factos anteriores a 3 de agosto de 2014, no montante aproximado de 699 milhões de euros. Nas contas reportadas ao primeiro semestre de 2015, o Novo Banco reconheceu imparidades e ajustamentos negativos adicionais, imputáveis a factos anteriores a 3 de agosto de 2014, no montante aproximado de 270 milhões de euros.
12. O Banco de Portugal prevê que o Novo Banco possa ter de vir a reconhecer imparidades e ajustamentos negativos adicionais nas suas contas anuais reportadas ao exercício de 2015.
13. É ainda importante notar que a transferência em causa se enquadra no propósito subjacente à decisão da Comissão Europeia n.° SA.39250 (2014/N) - Portugal de 03.08.2014 e assegura o respeito pelos respetivos termos.
14. Em consequência do acima referido, o nível real de prejuízos do BES a 3 de agosto de 2014 não foi integralmente absorvido pelos acionistas e credores do BES, tendo o nível dos passivos transferidos para o Novo Banco em 3 de agosto de 2014 sido excessivo, atendendo ao valor real dos ativos correspondentes transferidos para o Novo Banco. Deste modo, a retransmissão de determinados passivos do Novo Banco para o BES no montante aproximado de 2 mil milhões de euros, mediante o exercício do Poder de Retransmissão, revela-se necessária e razoável, por forma a permitir que os prejuízos do BES revelados apenas após o balanço de abertura do Novo Banco sejam absorvidos de acordo com o disposto no RGICSF. O exercício do Poder de Retransmissão, conforme estabelecido na presente deliberação, afigura-se ainda extremamente necessário, urgente e inadiável por forma a garantir a continuidade de funções essenciais e evitar um impacto negativo de relevo no sistema financeiro em Portugal.
Instrumentos de dívida não subordinada emitidos pelo BES e transferidos a 3 de agosto de 2014 para o Novo Banco
15. As emissões de obrigações que são retransmitidas do Novo Banco para o BES, de acordo com o disposto nos considerandos anteriores, constam do Anexo I desta deliberação.
16. O Banco de Portugal considera que a seleção das referidas séries de obrigações se justifica por motivos de interesse público e é proporcional aos riscos que agora se abordam pelas seguintes razões:
a. São obrigações originariamente emitidas pelo BES diretamente a investidores qualificados, nos termos do artigo 30.° do Código dos Valores Mobiliários e não a investidores de retalho, para além de que foram emitidas com denominações unitárias de 100 mil euros e portanto tipicamente não dirigidas, mesmo em mercado secundário, a pequenos investidores;
b. Tal seleção contribui de forma relevante para a manutenção da confiança da generalidade dos investidores, nomeadamente dos não qualificados, e, assim, assegura, na medida máxima possível, as condições para a continuidade da atividade do Novo Banco sem mais sobressaltos ou efeitos adversos na estabilidade do sistema;
c. Acresce que, o tratamento diferenciado entre obrigacionistas em dívida não subordinada e outros tipos de credores comuns, titulares de créditos não garantidos, quanto à absorção de perdas da instituição objeto de resolução tem sido a via seguida noutros Estados Membro da União Europeia e aprovada a nível da União Europeia; e
d. A absorção de perdas por parte de investidores em obrigações emitidas para o retalho, depositantes, credores comerciais, contrapartes de derivados, responsabilidades interbancárias e outras categorias de responsabilidades perante credores comuns, titulares de créditos não garantidos, afetaria de forma séria e grave o franchise do Novo Banco e/ou a sua estabilidade e a estabilidade do sistema bancário português. Nos termos do disposto no RGICSF e ao abrigo do disposto no n.° 2 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, o Conselho de Administração do Banco de Portugal delibera o seguinte:
A) Todos os direitos e responsabilidades do Novo Banco decorrentes dos instrumentos de dívida não subordinada enumerados no Anexo I desta deliberação (excluindo os detidos pelo Novo Banco), juntamente com todos os passivos, contingências e elementos extrapatrimoniais, na medida em que estejam relacionados com os referidos instrumentos de dívida incluindo (i) a emissão, comercialização e venda dos mesmos, e (ii) decorrentes de documentos contratuais ou outros instrumentos, celebrados ou emitidos pelo banco e com conexão com esses instrumentos, incluindo documentos de programa ou subscrição, ou quaisquer outros atos do banco praticados em relação a esses instrumentos, em data anterior, simultânea ou posterior à data das respetivas emissões são, pela presente, retransmitidos do Novo Banco para o BES, com efeitos a partir da data da presente deliberação.
B) O Conselho de Administração do BES e o Conselho de Administração do Novo Banco devem praticar todos os atos necessários à execução eficaz das retransmissões previstas na presente deliberação.
C) A retransmissão ora determinada não pretende conferir a quaisquer contrapartes e terceiros quaisquer novos direitos nem permitir o exercício de quaisquer direitos que, na ausência da referida retransmissão, não existissem nem pudessem ser exercidos relativamente aos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Novo Banco, do BES ou os assim transferidos do Novo Banco para o BES, incluindo quaisquer direitos de cessação, resolução ou direitos de determinar reembolsos antecipados, convenções de compensação ou netting/compensação, ou resultar em (i) qualquer incumprimento, (ii) alteração de condições, direitos ou obrigações, ou (iii) sujeitar a aprovação, (iv) direito a acionar garantias, (v) direito de efetuar retenções ou netting/compensação entre quaisquer pagamentos ou créditos decorrentes dos referidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão. D) Aprovar a ata da presente deliberação em minuta, com vista à sua execução imediata, nos termos do n° 4 e para os efeitos do n.° 6 do artigo 34.° do Código do Procedimento Administrativo”.
B. De Direito
Enquadramento
1. Está em causa apenas e tão somente a posição do demandado FR.
2. Com efeito, no que respeita aos restantes Réus, decidiu-se o seguinte:
- BES: o Tribunal de 1.ª Instância julgou, por inutilidade superveniente da lide, extinta a instância, nos termos do art. 277.º, al. e), do CPC ; essa decisão, ainda que com diferentes fundamentos, acabou por ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 8 de fevereiro de 2018, que julgou extinta a instância, mas por impossibilidade originária da lide, determinante de decisão de absolvição da instância;
- CMVM, BdP e FR: o Tribunal de 1.ª Instância julgou procedente a exceção dilatória de incompetência material, com a consequente absolvição da instância; esta decisão foi confirmada pelo referenciado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa; interposto recurso, e no que concerne ao BdP e à CMVM, o Tribunal de Conflitos confirmou-a, ao atribuir competência aos tribunais administrativos; no que toca ao FR, o mesmo Tribunal de Conflitos atribuiu competência aos tribunais judiciais, o que implicou a revogação do decidido pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e implicou o conhecimento da responsabilidade desse Réu pelo Tribunal de 1ª Instância;
- NB e BB: o Tribunal de 1ª Instância julgou igualmente procedente a exceção dilatória de incompetência material, com a consequente absolvição da instância; o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de fevereiro de 2018 alterou tal decisão, julgando, relativamente a esses Réus, extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, em conformidade com o art. 277.º, al. e), do CPC, o que não mereceu posterior alteração. Quanto ao NB, após análise das Deliberações do BdP, considerou-se, na decisão do Tribunal da Relação de Lisboa transitada em julgado, o seguinte:
“Em face de tudo o exposto, a potencial imputação de qualquer responsabilidade que pudesse decorrer em razão da eventual violação de deveres por parte do BES na comercialização e intermediação financeira, nomeadamente violação do dever de informação, em data anterior a 03/08/2014, mostra-se, em todo e em qualquer caso, por via das deliberações tomadas pelo Banco de Portugal, absolutamente excluída, qualquer o título de responsabilização em que se pretendesse fundar a correspondente pretensão.
Por outro lado (….), as deliberações ultimamente proferidas, configuram uma verdadeira “interpretação autêntica” do teor da Medida de Resolução, proferida pelo órgão competente da autoridade reguladora com competência legal para o efeito.
De todo o modo, não poderá considerar-se que as deliberações “Contingência” e “Perímetro” são ilegais, designadamente, porque violam o disposto no artigo 145º-O, nº 1, 5 e 6, e na medida que atingem, interpretam e alteram as Deliberações de 03.08.2014 e 11.08.2014, também estas estão feridas de ilegalidade.
Terminando, para concluir, importa declarar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide quanto aos réus Novo Banco, SA e BB, em conformidade com o disposto no artigo 277º alínea e) do Código de Processo Civil”.
3. No que respeita ao NB, existe, pois, decisão proferida nos presentes autos, transitada em julgado, que julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide.
4. Reitere-se que a responsabilidade imputada ao Réu FR radica única e exclusivamente na circunstância de o capital social do NB ser inteiramente por si detido. Assim, a responsabilidade do NB como que se transferiria para o FR.
5. Contudo, mesmo que existisse, a responsabilidade do BES não se transmitiu para o NB e, por conseguinte – se outros argumentos não houvesse -, para o FR.
6. Nesta sede, importa, ainda, levar em devida linha de conta o seguinte:
- após enunciar as Deliberações do Conselho de Administração do BdP, de 3 de agosto de 2014, de 11 de agosto de 2014 e de 29 de dezembro de 2015, o Tribunal analisou a medida de resolução como figura específica do direito bancário, e a sua não confundibilidade com a figura da “cisão de sociedades”, prevista nos arts. 118.º e 119.º do CSC;
- excluíram-se da transmissão para o NB todas as responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES;
- segundo o art. 145.º-H, n.º 1, do RGICSF, na versão em vigor ao tempo da resolução do BES, compete ao BdP, no uso dos seus poderes discricionários, a seleção dos “ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição” (o mesmo se prevendo no art. 40.º, n.º 1, da Diretiva 2014/59/UE e no art. 154.º-Q, n.º 1, do RGICSF, na sua versão atual).
- sem prejuízo, naturalmente, do leque de proibições de transferência de obrigações do banco resolvido para o banco de transição, estabelecidas no art. 145.º-H, n.º 2, do RGICSF, e relacionadas com a própria natureza das obrigações em causa, assim como com a relação de proximidade dos respetivos credores com o banco resolvido;
- a lei não fixava outros requisitos para além dos objetivos e princípios essenciais do regime de resolução, deixando à discricionariedade do BdP a fixação concreta do perímetro de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão. De resto, de acordo com o considerando 89 da Diretiva 2014/59/UE: “[a]s medidas de gestão de crises tomadas pelas autoridades nacionais de resolução podem requerer avaliações económicas complexas e uma grande margem de discricionariedade. As autoridades nacionais de resolução estão especificamente dotadas das competências necessárias para realizar estas avaliações e para determinar a utilização apropriada da margem de discricionariedade. Por conseguinte, importa assegurar que as avaliações económicas complexas realizadas pelas autoridades nacionais de resolução nesse contexto sejam utilizadas pelos tribunais nacionais como base para o exame das medidas de gestão de crises em causa”.
- o FR, enquanto detentor do capital social do banco de transição, ou seja, do NB, tem por objetivo prestar apoio financeiro à medida de resolução bancária implementada pelo BdP;
- apesar de o art. 145.º-P, n.º 10, do RGICSF, que consagra a aplicação aos bancos de transição do CSC, com as adaptações necessárias aos objetivos e natureza destas instituições, não pode aplicar-se ao FR o regime de responsabilidade do acionista único;
- efetivamente, o FR não é uma sociedade anónima, nem está numa relação, com o NB, suscetível de ser configura como uma relação de grupo de sociedades comerciais;
- acresce que não foi o FR que constituiu o NB; o FR não tem igualmente competência para lhe transmitir ordens ou orientações, nem consolida contas com o NB, nem dele recebe dividendos - id est, o FR não apresenta as características típicas do acionista único;
- não existe, outrossim, entre o FR e o NB (banco de transição) a relação de domínio/influência dominante a que se reporta o art. 486.º, n.º 1, do CSC, nem tão pouco lhes são aplicáveis as presunções previstas no n.º 2 do mesmo preceito;
- pelo que não se pode falar de uma relação de domínio total, para efeitos do art. 488.º, do CSC, pois, conforme mencionado supra, não foi o FR que constituiu o banco de transição (NB);
- assim, o FR, demandado (apenas) porquanto detentor do capital do NB, não pode ser sujeito de responsabilidade civil perante o Autor.
FR
1. Segundo o RGICSF, na redação vigente ao tempo da aplicação da medida de Resolução ao BES (redação decorrente do DL nº. 63-A/2013, de 10 de maio):
“Artigo 153.º-B
Criação e natureza do Fundo de Resolução
1 - É criado o Fundo de Resolução, adiante designado por Fundo, pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira.
2 - O Fundo tem sede em Lisboa e funciona junto do Banco de Portugal.
3 - O Fundo rege-se pelo presente diploma, pelos seus regulamentos e, subsidiariamente, pela lei-quadro dos institutos públicos”.
“Artigo 153.º-C
Objecto do Fundo de Resolução
O Fundo tem por objecto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adoptadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas.”
2. Esta disciplina encontra-se, no essencial, reproduzida nos arts. 2.º e 3.º, n.º 1, do Regulamento do Fundo de Resolução, aprovado pela Portaria n.º 420/2012, de 21 de dezembro.
3. O DL n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro, ao abrigo da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 58/2011, de 28 de novembro, conferiu poderes ao BdP para intervir em instituições sujeitas à sua supervisão em situações de desequilíbrio financeiro, criando um FR e um procedimento pré-judicial de liquidação para essas instituições, sendo ainda alterados outros aspetos relacionados com o processo de liquidação e introduzidas modificações ao RGICSF.
4. Deste modo, a definição da medida de Resolução passou a estar enunciada nos arts. 145.º-A a 145.º-O, do RGICSF, importando agora, sobretudo, os arts. 145.º-F e 145.º-G, que prevêem a alienação total ou parcial da atividade e a transferência parcial ou total da atividade para bancos de transição.
5. Para fazer imediatamente face à sua falta de liquidez e de solvibilidade e evitar que entrasse numa liquidação desordenada, o Conselho de Administração do BdP, por Deliberação a 3 de agosto de 2014, decidiu resolver o BES. De acordo com a respetiva ata, esta Deliberação é constituída por quatro pontos, que respeitam à (i) constituição do banco de transição, a que foi dada a designação de Novo Banco, S.A.; (ii) delimitação do perímetro de ativos, passivos, elementos patrimoniais e ativos sob gestão do BES, transferidos deste para o NB; (iii) designação de uma entidade independente para avaliação dos bens, direitos e obrigações transferidos; (iv) nomeação dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização do BES.
6. A resolução bancária constitui um domínio típico em que é exigido ao BdP, enquanto Autoridade de Resolução, a elaboração de valorações e juízos próprios do exercício da função administrativa, e onde, portanto, o princípio da separação de poderes impõe limites à função judicial de fiscalização. Na verdade, pela enorme tecnicidade das questões financeiras que suscita, pela urgência que necessariamente rodeia a adoção de medidas no contexto da resolução, pela natureza extremamente sensível do setor em causa e as repercussões que o mesmo tem sobre o funcionamento da economia em geral, pela constante necessidade de ponderar efeitos e implicações de interesse público em domínios tão importantes e sensíveis como a estabilidade do sistema financeiro ou a confiança nele depositada pela generalidade dos operadores económicos, nomeadamente pelos depositantes, a lei atribuiu ao BdP uma ampla e justificada discricionariedade decisória.
7. Por Deliberação de 11 de agosto de 2014, o Conselho de Administração do BdP procedeu à clarificação e ajustamento do perímetro de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão que tinham (e também dos que não tinham) sido transferidos para o NB pela sua anterior Deliberação de 3 de agosto de 2014, fazendo para o efeito uso dos poderes conferidos pelos arts. 145.º-G, n.º 1 e 145.º-H, n.os 1 e 5, do RGICSF.
8. Os Estatutos do NB, que figuram no Anexo 1 a tal Deliberação, prevêem no art. 4.º, sob a epígrafe “Capital Social”, que “o capital social do Novo Banco, SA, é de quatro mil e novecentos milhões de euros, sendo, nos termos da lei, totalmente detido pelo Fundo de Resolução”, acrescentando o art. seguinte (55) ser tal capital social “representado por quatro mil e novecentos milhões de acções nominativas, com o valor nominal de um euro por ação”.
9. Acresce que segundo o art. 3.º dos mesmos Estatutos, respeitante ao “Objeto” de tal banco de transição, “a administração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do Banco Espírito Santo, SA, para o Novo Banco, SA, e o desenvolvimento das atividades transferidas, tendo em vista as finalidades enunciadas no artigo 145º-A do RGICSF, e com o objetivo de permitir uma posterior alienação dos referidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outra ou outras instituições de crédito” - cf. factos provados sob os n.os 3 e 4.
10. No que respeita ao FR, a demanda do Autor baseia-se, exclusivamente, na sua detenção da totalidade do capital social do NB, ou seja, ser o único acionista deste banco de transição.
11. Não se reconhecendo, nos presentes autos, qualquer responsabilidade do NB, conforme mencionado supra, não existe desde logo qualquer fundamento, para, por essa via, concluir pela responsabilidade do FR enquanto detentor do capital social do NB.
12. Id est, ainda que se entendesse que o mero facto de ser detentor do capital social do NB, enquanto banco de transição (no início, em exclusividade, o que, atualmente, já não sucede) seria, por si só, suficiente para, por mero efeito consequencial ou reflexo, determinar a responsabilidade do FR, o não reconhecimento da responsabilidade do NB, implicaria, necessária e forçosamente, a ausência de responsabilidade daquele.
Por outro lado,
1. Segundo o art. 488.º, n.os 1 e 2, do CSC, “uma sociedade pode constituir uma sociedade anónima de cujas acções ela seja inicialmente a única titular”, devendo “ser observados todos os demais requisitos da constituição de sociedades anónimas”.
2. De acordo com o art. 501.º, n.º 1, do CSC (aplicável por força da remissão contida no art. 491.º do mesmo corpo de normas), “a sociedade directora é responsável pelas obrigações da sociedade subordinada, constituídas antes ou depois da celebração do contrato de subordinação, até ao termo deste”, acrescentando o n.º 1 do art. 502.º que “a sociedade subordinada tem o direito de exigir que a sociedade directora compense as perdas anuais que, por qualquer razão, se verifiquem durante a vigência do contrato de subordinação, sempre que estas não forem compensadas pelas reservas constituídas durante o mesmo período”. Porém, conforme o n.º 2 da mesma disposição legal, tal responsabilidade “só é exigível após o termo do contrato de subordinação, mas torna-se exigível durante a vigência do contrato, se a sociedade subordinada for declarada falida”. Por fim, o art. 84.º, do mesmo corpo de normas, a propósito da responsabilidade do sócio único, estabelece o seguinte: “1 - Sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo anterior e também do disposto quanto a sociedades coligadas, se for declarada falida uma sociedade reduzida a um único sócio, este responde ilimitadamente pelas obrigações sociais contraídas no período posterior à concentração das quotas ou das acções, contanto que se prove que nesse período não foram observados os preceitos da lei que estabelecem a afectação do património da sociedade ao cumprimento das respectivas obrigações. 2 - O disposto no número anterior é aplicável ao período de duração da referida concentração, caso a falência ocorra depois de ter sido reconstituída a pluralidade de sócios”.
3. Considerando a finalidade e o princípio orientador da aplicação das medidas de resolução – arts. 145.º-A, 145.º-B e 145.º-C, do RGICSF (na redação vigente ao tempo da aplicação da medida de Resolução ao BES) -, o âmbito da transferência total ou parcial da atividade para os bancos de transição, assim como o legalmente previsto para o respetivo financiamento - arts. 145.º-G e 145.º-H do mesmo diploma legal -, a forma como se procede à alienação do banco de transição e se distribui o produto daí resultante – art. 145.º-I, do mesmo diploma -, a natureza e finalidades subjacentes à constituição do FR – arts. 153.º-B e 153.º-C do mesmo diploma -, as instituições participantes no mesmo Fundo – art. 153.º-D do mesmo diploma -, a forma como são obtidos os recursos financeiros do mesmo Fundo – arts. 153.º-F a 153.º-L do mesmo diploma - e o modo como estes são disponibilizados e afetos mediante determinação do BdP – arts. 153.º-M e 153.º-N do mesmo diploma -, resulta clara a inaplicabilidade, ao caso sub judice, das normas do CSC referidas pelo Autor/Recorrente.
4. Com efeito, entre o FR, criado com uma intencionalidade específica dirigida à salvaguarda da solidez financeira de certa e determinada instituição de crédito, tendo em conta o grau ou risco de incumprimento desta, e dos interesses dos depositantes na estabilidade do sistema financeiro - art. 139.º do RGICSF -, de um lado e, de outro, o banco de transição constituído (NB), não existe qualquer ligação semelhante àquela que se verifica entre sociedades em relação de grupo que justifica a responsabilização de uma sociedade diretora por uma sociedade subordinada.
5. Não se configurando o FR como uma sociedade anónima, não se aplicam normas de natureza jus-privatística (CSC), porquanto estão em causa atos constitutivos, de relacionamento, de articulação e de vinculação de natureza jurídico-pública e, em especial, administrativa. Isto acarreta a ausência, entre o FR e o banco de transição (NB), de relações jurídico-comerciais ou societárias de acionista, não lhe sendo aplicáveis os regimes estabelecidos no CSC para as sociedades de domínio total ou de grupo, nomeadamente no que respeita à responsabilidade da sociedade diretora ou dominante pelas obrigações contraídas pela sociedade subordinada, dominada ou dirigida junto dos seus credores.
6. Ou seja, fundamentando o Autor a responsabilidade do FR no facto de este deter do capital social do NB, uma eventual responsabilidade deste (já afastada por anterior decisão do Tribunal da Relação de Lisboa) sempre determinaria a sua concreta e efetiva responsabilidade, que não uma responsabilidade indireta ou reflexa do FR, enquanto detentor transitório do capital social daquele, dada a inexistência de lastro legal suscetível de refletir uma qualquer responsabilidade solidária ou conjunta com o banco de transição. De resto, o eventual financiamento do banco de transição (como, configurando facto notório, efetivamente veio a ocorrer após a aplicação da medida de resolução e criação do NB) sempre implicaria um acréscimo no financiamento necessário, mediante a adoção dos mecanismos legalmente previstos, e não propriamente a assunção de uma obrigação específica e concreta perante um determinado credor.
7. Aliás, a aplicação dos recursos do FR na capitalização dos bancos de transição, mediante comando e determinação do BdP, de natureza imperativa ou vinculativa para o FR, que este não pode pôr em causa, torna-o credor daqueles (beneficiando de privilégio creditório). O FR não o faz, por conseguinte, na qualidade de acionista do banco de transição - art. 153.º-M, n.os 1 e 2, do RGICSF.
8. Acresce, ainda, não ser a unipessoalidade ou responsabilidade do sócio único que se encontra prevista no art. 84.º do CSC.
9. É que o FR não assume um estatuto acionista em sentido verdadeiro e próprio.
10. Não só não se preenchem os pressupostos aí enunciados - desde logo, a declaração de insolvência, ou condição semelhante, por parte do NB, enquanto alegada sociedade reduzida a um único sócio -, como resulta claro que o FR, não possuindo efetivos poderes de gestão ou administração do banco de transição que também não constituiu (mas antes financia por imposição jurídico-administrativa), nunca poderia ser chamado diretamente a responder por alegadas obrigações contraídas diretamente por este junto de um determinado e concreto credor.
11. Na verdade, “(…) o art. 84º, que trazia para o direito nacional as (então vigentes) prescrições dos arts. 236.º (e 249.º, 2º §) do Codice Civile italiano, intentava neutralizar o propósito de uma só pessoa adoptar (rectius, aproveitar) um desses tipos de sociedades para conseguir o benefício da responsabilidade limitada, prevendo que, quando a pluralidade se perdesse porque todas as quotas ou acções se concentrassem num único dos sócios originários ou subsequentes da sociedade, ela devesse responder ilimitadamente pelas suas vinculações”2.
12. Considerada com reservas a constituição de empresas individuais de responsabilidade limitada, tal preceito legal visava dificultar ao empresário singular realizar o mesmo objetivo mediante a constituição de uma sociedade totalmente detida por si, exercer o comércio sem arriscar nessa atividade mais do que os valores investidos no estabelecimento.
13. Conforme mencionado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que se tem acolhido, a aplicação dessa norma pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
“– a existência e a produção de efeitos de um facto jurídico que torne a sociedade plural em sociedade unipessoal e a subsequente não reconstituição da pluralidade de sócios;
- a inobservância pelo sócio único, durante a ocorrência da unipessoalidade, dos “preceitos da lei que estabelecem a afectação do património da sociedade ao cumprimento das respectivas obrigações”; em suma, que haja mistura ou indissociação abusiva das esferas jurídicas (nomeadamente patrimoniais) da sociedade unipessoal e do sócio único;
- a declaração judicial de insolvência da sociedade unipessoal superveniente”.
14. O art. 84.º do CSC aplica-se apenas a casos de unipessoalidade superveniente e não originária: id est, a sociedade constituída por uma pluralidade de sócios mas que, por qualquer vicissitude, se tornou unipessoal num momento subsequente.
15. Afigura-se igualmente necessário que durante o período de unipessoalidade não tenham sido “observados os preceitos da lei que estabelecem a afectação do património da sociedade ao cumprimento das respectivas obrigações”, assim como a declaração judicial de insolvência da sociedade unipessoal derivada, dispondo para tal o preceito: ”e for declarada falida uma sociedade reduzida a um único sócio…”.
16. Exige-se outrossim que o sócio restante tenha desrespeitado os deveres que lhe são impostos por essa mesma qualidade. No entanto, o legislador não refere quais os “preceitos da lei que estabelecem a afectação do património da sociedade” que poderão estar em causa. Nesse sentido, a doutrina tem entendido que se enquadram no âmbito dessa norma situações como a confusão patrimonial entre as esferas jurídicas do sócio restante e da sociedade comercial.
17. No caso em apreço, tal nunca poderia ocorrer, pois, conforme referido reiteradamente, o juízo formulado nos autos foi o de não responsabilização do Réu NB, desde logo por se ter considerado não lhe ter sido transmitida, por via das Deliberações adotadas pelo BdP, qualquer putativa ou eventual responsabilidade que pudesse ser reconhecida como recaindo sobre o BES.
18. Recorde-se, ainda, a este propósito, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça3:
“I – O Fundo de Resolução, criado pelo DL n.º 31-A/2012, de 10-02, que alterou o RGICSF, com vista a apoiar financeiramente as medidas de resolução decretadas pelo Banco de Portugal não é responsável pela satisfação dos créditos resultantes da subscrição de produtos financeiros do BES, SA.
II - Não lhe são aplicáveis as disposições dos arts. 84.º, 486.º, 491.º e 501.º do CSC por o Fundo não ser uma sociedade comercial, mas sim uma pessoa colectiva de direito público, cuja relação com o Novo Banco se rege exclusivamente pelo regime da resolução bancária constante do RGICSF. “
19. Importa referir também a jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa:
“I – Fundando-se a responsabilidade do Fundo de Resolução, no facto de este ser o detentor da totalidade do capital social do Novo Banco, S.A., em caso de não reconhecimento da responsabilidade deste, inexiste qualquer fundamento para responsabilizar aquele.
II – Entre o Fundo de Resolução, criado com intencionalidade específica e própria, direcionada à salvaguarda da solidez financeira de determinada instituição de crédito, tendo em conta o grau ou risco de incumprimento desta, e dos interesses dos depositantes na estabilidade do sistema financeiro e o banco de transição criado, inexiste qualquer relação semelhante ao relacionamento privatístico entre sociedades em relação de grupo, donde decorra a responsabilização de uma alegada sociedade diretora perante uma sociedade subordinada.
III – Não se configurando o Fundo de Resolução como uma sociedade anónima, em vez de observância de diretrizes de natureza comercial privatística, com inscrição no Código das Sociedades Comerciais, estamos antes perante atos constitutivos, de relacionamento, de articulação e de vinculação de natureza de direito público administrativo.;
IV – Do que decorre a inexistência entre o Fundo de Resolução e o banco de transição, de relações jurídico-comerciais de acionista, nem lhe sendo aplicável os regimes estabelecidos no Código das Sociedades Comerciais para o âmbito do relacionamento acionista para as sociedades de domínio total ou de grupo, nomeadamente no que concerne à responsabilidade da sociedade diretora ou dominante perante as obrigações contraídas pela sociedade subordinada, dominada ou dirigida junto dos seus credores.
V – No âmbito de tal relacionamento entre o Fundo de Resolução e o Novo Banco, S.A., não é igualmente aplicável o prescrito no art. 84º, do CSComerciais, que prevê acerca da unipessoalidade ou responsabilidade do sócio único.”4.
“I.- O Fundo de Resolução, criado pelo D.L. n.º 31-A/2012, de 10/02, não é uma sociedade comercial, mas uma pessoa coletiva de direito público, com a função instrumental de prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adotadas pelo Banco de Portugal (art.ºs 153-B e 153.º-C do RGICSF).
II.- Sobre ele não recai, por conseguinte, a responsabilidade pela satisfação dos créditos ou pelo ressarcimento dos prejuízos decorrentes da subscrição de produtos financeiros junto do Banco Espírito Santo, S.A, à luz das disposições constantes dos art.ºs 84.º, 486.º, 491.º e 501.º do CSC, apesar de titular universal do capital social do Novo Banco, S.A., que àquele sucedeu como instituição de transição.”5.
20. Por último, na suportação das perdas, aos acionistas seguem-se os credores (em determinadas condições e numa certa sequência) e nenhum credor deverá assumir um prejuízo superior àquele que assumiria na hipótese de liquidação do banco resolvido (“no creditor worse-off principle”).
21. É isto mesmo que se encontra estabelecido no art. 145.º-B, n.º 1, do RGICSF, na versão em vigor ao tempo da adoção da medida de resolução, assim como na Diretiva 2014/59/UE e na versão atual do RGICSF.
22. Conforme o art. 145.º-B, n.º 1, do RGICSF, na versão então em vigor, “Na aplicação de medidas de resolução, procura assegurar-se que os credores da instituição de crédito assumem de seguida, e em condições equitativas, os restantes prejuízos da instituição em causa, de acordo com a hierarquia de prioridade das várias classes de credores” (que é diferente da anterior, de acordo com a qual, ”os accionistas e os credores da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa, de acordo com a respectiva hierarquia e em condições de igualdade dentro de cada classe de credores”).
23. De acordo com o art. 34.º, n.º 1, da Diretiva, “Os Estados-Membros asseguram que, na aplicação dos instrumentos e no exercício dos poderes de resolução, as autoridades de resolução tomem todas as medidas adequadas para assegurar que as medidas de resolução sejam tomadas de acordo com os seguintes princípios: a) Os acionistas da instituição objeto de resolução são os primeiros a suportar perdas; b) Os credores da instituição objeto de resolução suportam perdas a seguir aos acionistas em conformidade com a ordem de prioridade dos créditos no quadro dos processos normais de insolvência, salvo disposição expressa em contrário na presente diretiva […]; f) Salvo disposto em contrário na presente diretiva, os credores de uma mesma categoria são tratados de forma equitativa; g) Nenhum credor deve suportar perdas mais elevadas do que as que teria suportado se a instituição ou a entidade referida no artigo 1.º, n.º 1, alíneas b), c) ou d), tivesse sido liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência de acordo com as salvaguardas previstas nos artigos 73.º a 75.º”.
24. Por seu turno, segundo a redação atual do art. 145.º-D, n.º 1 do RGICSF, “Na aplicação de medidas de resolução, para prossecução das finalidades previstas no artigo anterior: a) Os acionistas da instituição de crédito objeto de resolução suportam prioritariamente os prejuízos da instituição em causa; b) Os credores da instituição de crédito objeto de resolução suportam de seguida, e em condições equitativas, os prejuízos da instituição em causa, de acordo com a graduação dos seus créditos; c) Nenhum acionista ou credor da instituição de crédito objeto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação […]”.
25. Assim, a seguir aos acionistas, as perdas são suportadas pelos credores subordinados e, depois, pela generalidade de outros credores (categoria esta que não inclui, por exemplo, os depositantes garantidos pelos mecanismos de garantia de depósitos).
26. O princípio de alocação de perdas aos acionistas e credores do banco resolvido é também realizado pelo art. 101.º, n.º 2, da Diretiva, segundo o qual “o mecanismo de financiamento da resolução não pode ser utilizado diretamente para absorver as perdas de uma instituição ou de uma entidade referida no artigo 1.º, n.º 1, alíneas b), c) ou d) [onde vem referida a instituição de transição], nem para recapitalizar essa instituição ou entidade.” Trata-se do princípio segundo o qual não compete a qualquer FR suportar perdas ou recapitalizar um banco de transição devido a perdas que devessem ter sido suportadas pelos credores (e, antes deles, pelos acionistas) do banco resolvido. E esse princípio subsiste ainda que essas perdas não estivessem reconhecidas, à data da resolução, no balanço da instituição resolvida. Apenas assim se cumpre a regra - conforme com o princípio da alocação de perdas aos acionistas e credores da instituição resolvida - de que “o valor dos passivos e elementos extrapatrimoniais a transferir para o banco de transição não deve exceder o valor total dos ativos transferidos da instituição de crédito originária” (art. 145.º-H, n.º 8 do RGICSF à data da resolução, art. 40.º, n.º 3 da Diretiva e art. 145.º-Q, n.º do RGICSF atualmente em vigor). Só assim se realiza o objetivo de minimizar o impacto no erário público e o volume de eventual auxílio de Estado na capitalização do banco de transição.
27. Em abstrato – independentemente da questão de saber se tal seria válido à luz do quadro legal vigente –, poderiam ter arcado com as referidas responsabilidades o NB, o FR, enquanto seu acionista único (na redação então em vigor), ou o Estado Português (direta ou indiretamente) e os contribuintes. Todavia, havia que respeitar o princípio subjacente ao art.145.º-B do RGICSF, que impõe que as perdas verificadas não pudessem deixar de recair sobre os credores do BES, o banco resolvido, não podendo impender sobre o FR ou sobre o Estado.
28. Improcede, pois, o recurso de revista interposto pelo Autor.
IV – Decisão
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso de revista interposto pelo Autor AA, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelo Autor/Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que possa beneficiar.
Notifique-se.
11.02.2025
Maria João Vaz Tomé (Relatora)
António Magalhães
Jorge Leal
_____________________________________________
2. Cf. Ricardo Costa, A responsabilidade do sócio único: revisitação do art. 84º do CSC, in www.ricardo-costa.com, pp. 4-6.↩︎
3. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de junho de 2022 (Ferreira Lopes), proc. n.º 18476/16.2T8LSB.L2.S1 – disponível para consulta in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f3ca18b779de1a9a8025885b0032de85?OpenDocument.↩︎
4. Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de maio de 2022 (Nelson Borges Carneiro), proc. n.º 18605/16.6T8LSB.L2-2 – disponível para consulta in http://www.gde.mj.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/c3977fb1d46bbf578025886a003c9a9d?OpenDocument.↩︎
5. Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de junho de 2024 (José Manuel Monteiro Correia), proc. n.º 19184/16.0T8LSB.L3 – disponível para consulta in https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/c7a92efc822721f480258b4200387260?OpenDocument.↩︎