I – A cláusula de remissão de natureza dinâmica que Autora e Ré fizeram constar do contrato de trabalho entre ambas firmado, deixou de produzir quaisquer efeitos jurídicos para efeitos da identificação da convenção coletiva aplicável à relação laboral dos autos, com a posterior revogação do Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho ali identificado e que de facto era o regulador da mesma até esse momento.
II - Não apenas tal revogado Contrato Coletivo de Trabalho se vê «desdobrado» em duas novas Convenções Coletivas de Trabalho como nenhuma delas, em termos de substrato pessoal, coincide e esgota as associações sindicais que originariamente, negociaram e assinaram aquele primeiro IRCT, como parecem intervir num dos seus «sucessores» Federações e sindicatos que não intervieram naquele.
III - Nessa medida, não há que falar num cenário de concorrência entre dois IRCT potencialmente aplicáveis ao vínculo laboral desta ação, em função da continuação da vigência da aludida cláusula contratual remissiva e, consequentemente, da aplicação de qualquer um deles, por força do funcionamento dos critérios de «desempate» do artigo 482.º do CT/2009.
IV - Ora, a ser assim, também não era possível invocar a aplicação direta de qualquer um daqueles dois IRCT, com recurso ao princípio da [dupla] filiação - dado apenas a Ré estar inscrita na Associação de Empregadores CNIS — CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS INSTITUIÇÕES DE SOLIDARIEDADE e já não a Autora [artigos 552 .º do CT/2003 e 496.º do CT/2009], que, por outro lado, não havia comunicado à sua empregadora a escolha de uma qualquer convenção coletiva em vigor no seio da mesma [artigo 497.º do CT/2009].
V - Logo, tal regulação por uma Convenção Coletiva da relação laboral dos autos dependia da publicação de um Regulamento ou Portaria de Extensão que abrangesse um IRCT vigente e aplicável, em termos temporais, geográficos e por referência ao setor de atividade da Ré, bem como à categoria profissional correspondente às funções desempenhadas para a mesma pela Autora [cf. artigos 573.º a 576.º do CT/2003 e 514.º a 516.º do CT/2009].
Recorrente: AA
Recorrida: FUNDAÇÃO CONDESSA DA PENHA LONGA
(Processo n.º 546/23.2T80AZ.P1 – Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo do Trabalho de ...)
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
I – RELATÓRIO
AA, devidamente identificada nos autos, veio propor, em 08/02/2023, ação declarativa de condenação com processo comum laboral contra FUNDAÇÃO CONDESSA DA PENHA LONGA, igualmente identificada nos autos, tendo para o efeito formulado, a final, os seguintes pedidos:
«a) Que seja reconhecido que a relação laboral existente entre a Autora e a Ré configura um contrato de trabalho sem termo;
b) Que seja condenada a Ré no pagamento das seguintes retribuições à Autora:
b.l - Vencimento correspondente a 14 dias de trabalho relativos ao mês de fevereiro de 2022 no montante de € 745,50.
b.2 - Salário de férias vencido a 01/01/2022, no montante de € 1.491,00;
b.3 - Subsídio de férias vencido a 01/01/2022, no montante de € 1.491,00;
b.4 - Proporcionais de subsídio de férias relativo ao trabalho que prestou em2022 no montante de € 183,82;
b.5 - Proporcionais de salário de férias relativo ao trabalho que prestou em 2022 no montante de € 183,82;
b.6 - Proporcionais de subsídio de Natal relativo ao trabalho que prestou em 2022 no montante de € 183,82;
b.7 - Crédito relativo à falta de formação - retribuição de € 550,40 relativo a 2021, € 550,40 relativo a 2020 e € 550,40 relativo a 2019, no montante global de € 1.651,20;
c) Condenada a Ré no pagamento das diferenças salariais resultantes de vencimentos que deveriam ser pagos e não o foram, e são devidos, no montante de € 24.498,72 [1];
d) Condenada a Ré no pagamento dos juros vencidos e vincendos à Autora, à taxa de juros cível, das quantias em que vier a ser condenada após a citação.»
Acresce que o instrumento coletivo do trabalho aplicável à relação laboral era o CCT entre a UIPSS - UNIÃO DAS INSTITUIÇÕES PARTICULARES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL e a FENPROF - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS PROFESSORES e outros, publicada no BTE n.º 6, I Série, de 15 de fevereiro de 2001, com as alterações subsequentes, mas entretanto, por força de Portaria de Extensão passaram a ser aplicáveis os Contratos Coletivos entre a AEEP - ASSOCIAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO PARTICULAR E COOPERATIVO e a FNE - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SINDICATOS DA EDUCAÇÃO e outros, entre a mesma associação de empregadores e o SINAPE - SINDICATO NACIONAL DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO, entre a mesma associação de empregadores e o SPLIU - SINDICATO NACIONAL DOS PROFESSORES LICENCIADOS PELOS POLITÉCNICOS E UNIVERSIDADES e, ainda, entre a mesma associação de empregadores e a FENPROF - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS PROFESSORES e outros, publicados no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 11, de 22 de Março de 2007, bem como as correspondentes alterações publicadas, respetivamente, no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 5, de 8 de Fevereiro de 2009, n.º 8, de 28 de Fevereiro de 2009, e n.º 13, de 8 de Abril de 2009, a primeira com retificação publicada no citado Boletim, n.º 14, de 15 de Abril de 2009 - Portaria de extensão n.º 462/2010, de 1 de julho; e, posteriormente, também por Portaria de Extensão, com relevo para o vencimento devido, aplicou-se o Contrato coletivo entre a CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS INSTITUIÇÕES DE SOLIDARIEDADE - CNIS e a FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SINDICATOS DOS TRABALHADORES EM FUNÇÕES PÚBLICAS E SOCIAIS - Revisão global publicado no BTE nº. 31 de 22 de agosto de 2015 e com revisão global publicado no BTE n.º 1 de 8 de janeiro de 2020 - alterado pelo contrato coletivo entre a CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS INSTITUIÇÕES DE SOLIDARIEDADE - CNIS e a FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SINDICATOS DOS TRABALHADORES EM FUNÇÕES PÚBLICAS E SOCIAIS - FNSTFPS, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), n.º 1, de 8 de janeiro de 2021, estendido por portaria n.º 184/2021 de 3 de setembro publicada no Diário da Républica.
Logo, existem valores em dívida resultantes de diferenças salariais.
Por conseguinte, a Autora tem direito aos valores pedidos.
Que a Autora denunciou o contrato sem aviso prévio, pelo que estava obrigada a pagar à Ré uma indemnização correspondente a 60 dias de retribuição.
É certo que existiam créditos a favor da Autora, que quantifica, mas esses créditos foram compensados pelo valor da indemnização.
Os valores líquidos devidos à Autora são diversos dos alegados e a formação relativa ao ano de 2019 deve considerar que apenas a partir de 1 de outubro era de 40 horas e até esse momento era de 35 horas, pelo que o número correto, nesse ano, é de 36 horas.
A Ré é filiada na CNIS e o contrato coletivo aplicável à relação laboral é o CCT celebrado entre a UIPSS (atualmente CNIS) e a FNSFP (atualmente FNSFTPS) que é uma das outras Federações de Sindicatos Outorgantes, publicado no BTE n.º 6, de 15 de fevereiro de 2001 e as suas alterações subsequentes.
Daqui resultam diferenças indemnizatórias de € 1.793,70.
Em suma, a Ré reconhece um crédito total da Autora de € 6.132,13, mas deve ser compensado pelo crédito da Ré de € 2.996,00, pelo que aceita a condenação no montante de € 3.136,16, deduzindo reconvenção a pedir esta compensação.
Os autos subiram ao Tribunal da Relação do Porto onde, depois de autuados, prosseguiram a sua tramitação normal, tendo tal tribunal da 2.ª instância proferido Acórdão no dia 29 de janeiro de 2024, onde decidiu, em síntese, o seguinte:
«Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso da Autora e julgar procedente o recurso da Ré, e, em consequência substituir o valor da condenação da Ré de € 12.136,66 para € 2.728,39, correspondendo às quantias supra expostas em quadro, mantendo-se no mais a sentença recorrida.
Custas de ambos os recursos pela Autora (como Recorrente e Recorrida), com taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao RCP (cfr. artigo 7.º, n.º 2 do RCP).
Valor dos recursos: o da ação (art.º 12.°, n.º 2 do RCP).
Notifique e registe.» [2]
«1. A Autora, em síntese, em decorrência da relação laboral havida com a Ré, e após a cessação do contrato, reclama o pagamento de créditos laborais devidos vencidos de acordo com a Lei laboral e respetiva Convenção Coletiva de Trabalho aplicável e que nunca lhe foram pagos.
2. Ora o CCT acordado no contrato individual de trabalho celebrado entre as partes, correspondente ao CCT celebrado entre a UIPSS - UNIÃO DAS INSTITUIÇÕES PARTICULARES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL e a FENPROF - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS PROFESSORES E OUTROS, publicada no BTE n.º 6, I Série, de 15 de fevereiro de 2001, com as alterações subsequentes foi revogada, extinguindo os seus efeitos, o que é aceite e facto assente pela Ré, pelo Tribunal de Primeira e Segunda Instância e Digníssimo Procurador Geral Adjunto do Ministério Público junto do Tribunal da Relação.
3. Neste pressuposto, e no omisso, entendem a Autora e Digníssimo Procurador Geral Adjunto do Ministério Público junto do Tribunal da Relação, que é de se aplicar o que decorre por determinação de portaria de extensão para o Sector, e que no caso em concreto é do Contrato Coletivo entre a AEEP - ASSOCIAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO PARTICULAR E COOPERATIVO e a FNE - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SINDICATOS DA EDUCAÇÃO E OUTROS, entre a mesma associação de empregadores e o SINAPE - SINDICATO NACIONAL DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO, entre a mesma associação de empregadores e o SPLIU - SINDICATO NACIONAL DOS PROFESSORES LICENCIADOS PELOS POLITÉCNICOS E UNIVERSIDADES e, ainda, entre a mesma associação de empregadores e a FENPROF - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS PROFESSORES E OUTROS, publicados no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 11, de 22 de Março de 2007, bem como as correspondentes alterações publicadas, respetivamente, no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 5, de 8 de Fevereiro de 2009, n.º 8, de 28 de Fevereiro de 2009, e n.º 13, de 8 de Abril de 2009, a primeira com retificação publicada no citado Boletim, n.º 14, de 15 de Abril de 2009 - Portaria de Extensão n.º 462/2010, de 1 de julho, o qual foi posteriormente substituído pelo Contrato coletivo entre a CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS INSTITUIÇÕES DE SOLIDARIEDADE - CNIS e a FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SINDICATOS DOS TRABALHADORES EM FUNÇÕES PÚBLICAS E SOCIAIS - Revisão global publicado no BTE n.º 31 de 22 de agosto de 2015 e com revisão global publicado no BTE n.º 1 de 8 de janeiro de 2020 - alterado pelo contrato coletivo entre a CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS INSTITUIÇÕES DE SOLIDARIEDADE - CNIS e a FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SINDICATOS DOS TRABALHADORES EM FUNÇÕES PÚBLICAS E SOCIAIS - FNSTFPS, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), n.º 1, de 8 de janeiro de 2021, estendido por Portaria n.º 184/2021 de 3 de setembro publicada no Diário da Republica, em estreito respeito pelos artigos 482.° e 483.° do Código de Trabalho, sendo que estes CCT reportam-se, em pleno, ao sector de atividade profissional da Ré e seus trabalhadores (art.º 514.°, n.º 1 do Código de Trabalho).
4. Neste pressuposto são devidas as diferenças salariais já requeridas na Petição Inicial, e que renovam, aceitando, é certo os acertos em relação aos períodos de baixa médica da trabalhadora, que constam da Sentença da Primeira Instância e que se aceita, não obstante a Autora ter ficado prejudicada - com efeito, se declara menos, auferirá menos em sede de baixa médica e, no futuro, de reforma
Diferenças a receber | |
Ano | Valor |
2008 | 502.35 € |
2009 | 118.80 € |
2014 | 1,998.50 € |
2015 | 1,521.02 € |
2016 | 4,384.38 € |
2017 | 4,384.38 € |
2018 | 4,024.23 € |
2019 | 2,833.56 € (menos 6,14 € - período de baixa) |
2020 | 2,574.51 € |
2021 | 1,853.68 € (menos 188,52 € - período de baixa) |
2022 | 303.56 € |
Total | 24,498.97 € |
Total líquido deduzindo as baixas | 24.304,31€ |
5. Em Primeira Instância o Tribunal considerou que o CCT contratualizado foi subdividido em dois, os quais lhe sucederam, - pelo CCT celebrado entre a CNIS - CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE INSTITUIÇÕES DE SOLIDARIEDADE e a FNSFP - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SINDICATOS DA FUNÇÃO PÚBLICA, publicado no BTE n.º 17, de 9 de maio de 2006; - pelo CCT celebrado entre a CNIS - CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE INSTITUIÇÕES DE SOLIDARIEDADE e a FEPCES -FEDERAÇÃO PORTUGUESA DOS SINDICATOS DO COMÉRCIO, ESCRITÓRIO, SERVIÇOS E OUTROS, publicado no BTE n.º 26, de 15 de julho de 2006, sendo de se aplicar o CCT aplicável às relações de trabalho entre a Recorrida e a Recorrente era o CCT celebrado entre a CNIS e a FEPCES, publicado no BTE n.º 26 de 15 de julho de 2006, por ser o mais recente.
6. Por sua vez, a Ré e os Venerandos Juízes Desembargadores, entendem ser de se aplicar o CCT celebrado entre a CNIS - CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE INSTITUIÇÕES DE SOLIDARIEDADE e a FEPCES - FEDERAÇÃO PORTUGUESA DOS SINDICATOS DO COMÉRCIO, ESCRITÓRIO, SERVIÇOS E OUTROS, publicado no BTE n.º 26, de 15 de julho de 2006, por aplicação da Portaria n° 900/2006, 01 de Setembro (que entrou em vigor em 06 de Setembro de 2006) e aprovou o Regulamento de Extensão da CCT celebrada entre a CNIS e a FNSFP - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SINDICATOS DA FUNÇÃO PÚBLICA, publicado no BTE n.º 17, de 9 de maio de 2006.
7. Ora, a Ré uma entidade que detém por principal atividade o ensino particular e corporativo não superior, como resulta do CAE declarada pela mesma nas suas Declarações - CAE 85100 - educação pré-escolar, encontrando-se registada no Ministério da Educação enquanto estabelecimento de ensino particular - consultar em www.dgert.gov.pt/estabelecimentos-de-ensino-particular-e-cooperativo e www.aeep.pt/associados, bem como dos seus Estatutos aprovados a 4 de julho de 1975, aprovados por despacho de 12 de julho de 1975, e que foram publicados no Diário do Governo n.º 183, III Série, de 09 de agosto de 1975, disponível na sua versão mais recente em http://publicacoes.mi.pt, em 16 de agosto de 2018.
8. Pelo exposto, seja de acordo com a posição da Ré, seja de acordo com a posição da Autora, encontrámo-nos perante a concorrência entre instrumentos de regulamentação coletiva - neste caso por força de aplicação de portarias de extensão, e que são aplicáveis à relação laboral da Autora e Ré.
9. Sendo que, deverá sempre de se aplicar as normas previstas no artigo 481.° e 482.° do Código de Trabalho, sendo que se entende aplicar a respeitante ao IRCT do sector de atividade que é Contrato coletivo entre a AEEP - ASSOCIAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO PARTICULAR E COOPERATIVO e a FNE - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SINDICATOS DA EDUCAÇÃO E OUTROS, entre a mesma associação de empregadores e o SINAPE - SINDICATO NACIONAL DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO, entre a mesma associação de empregadores e o SPLIU - SINDICATO NACIONAL DOS PROFESSORES LICENCIADOS PELOS POLITÉCNICOS E UNIVERSIDADES e, ainda, entre a mesma associação de empregadores e a FENPROF - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS PROFESSORES E OUTROS, publicados no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 11, de 22 de Março de 2007, bem como as correspondentes alterações publicadas, respetivamente, no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 5, de 8 de Fevereiro de 2009, n.º 8, de 28 de Fevereiro de 2009, e n.º 13, de 8 de Abril de 2009, a primeira com retificação publicada no citado Boletim, n.º 14, de 15 de Abril de 2009 - Portaria de extensão n.º 462/2010, de 1 de julho, para além do facto de que é o IRCT mais recente.
10. Ora, nestes termos, o "tribunal a quo" violou de forma direta as normas constantes dos artigos 514.°, n.º 1, 481.°, 482.°, n.º 3, al a) e todos do Código de Trabalho.
Termos em que os Venerandos Juízes,
a) Reapreciando e alterando a decisão da 2.ª Instância, condenando a Ré no pagamento integral dos pedidos deduzidos na Petição Inicial, não obstante a compensação reconhecida à Ré, nomeadamente:
b.1 Vencimento correspondente a 14 dias de trabalho relativos ao mês de fevereiro de 2022 no montante de 745,50 €.
b.2 Salário de férias vencido a 1 de janeiro de 2022, no montante de 1.491,00 €;
b.3 Subsídio de férias vencido a 1 de janeiro de 2022, no montante de 1.491,00 €;
b.4 Proporcionais de subsídio de férias relativo ao trabalho que prestou em 2022 no montante de 183,82 €;
b.5 Proporcionais de salário de férias relativo ao trabalho que prestou em 2022 no montante de 183,82 €;
b.6 Proporcionais de subsídio de Natal relativo ao trabalho que prestou em 2022 no montante de 183,82 €;
b.7 Crédito relativo à falta de formação: retribuição de 550,40 € relativo a 2021, 550,40 € relativo a 2020 e 550,40 € relativo a 2019, no montante global de 1.651,20 €;
c) Diferenças salariais resultantes de vencimentos que deveriam ser pagos e não o foram e são devidos nos termos supra descritos e calculados, no montante de 24.304,31 €.
Farão inteira JUSTIÇA...!».
«Em conclusão e pelos fundamentos expostos, nos termos dos artigos 82.º do Código do Processo do Trabalho e 643.º do Novo Código de Processo Civil, decide-se deferir a presente Reclamação, deduzida pela recorrente AA, revogando-se, nessa medida, o despacho de rejeição do recurso da Autora reclamante e substituindo-se o mesmo por um despacho de admissão da Revista, que deverá subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Sem custas.
Solicite-se, oportunamente, a subida do processo principal.
Notifique e registe. D.N.»
«Pelo exposto, e pelos motivos explanados, somos de parecer que recurso deve ser julgado improcedente, sendo mantido o douto acórdão recorrido.»
II – OS FACTOS
O tribunal da 1.ª instância considerou provados e não provados os seguintes factos [que não foram alterados pelo tribunal da 2.ª instância]:
1. A Autora foi admitida ao serviço da Ré a 09 de setembro de 2005, por contrato de trabalho por escrito a termo certo por 12 (doze) meses, para exercer, por conta e direção da Ré as funções correspondentes à categoria profissional de professor de....º Ciclo.
2. Por comunicação entregue em mão, e aceite pela Ré, sem exigência de qualquer outra formalidade, veio a Autora cessar o contrato de trabalho havido com a Ré por denúncia do mesmo em 14 de fevereiro de 2022, com efeitos a partir do dia 15 de fevereiro de 2022.
3. Na cláusula 9.ª do contrato de trabalho celebrado entre Autora e Ré constava que o Instrumento de Regulamentação coletiva de trabalho aplicável à relação laboral era o CCT das Instituições Particulares de Solidariedade Social, publicado no BTE n.º 6, I Série, de 15 de fevereiro de 2001, com as alterações subsequentes.
4. Nos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022 a Ré apenas forneceu à Autora 4 horas de formação profissional em 2021.
5. A Autora auferiu, ao longo da relação de trabalho, as seguintes retribuições base mensais:
Ano de 2005 – € 784,38;
Ano de 2006 – € 784,38;
Ano de 2007 – € 964,50;
Ano de 2008 – € 1.149,00;
Ano de 2009:
- até setembro – € 1.149,00;
- a partir de outubro – € 1.286,95;
Ano de 2010 – € 1.286,95;
Ano de 2011 – € 1.286,95;
Ano de 2012 – € 1.286,95;
Ano de 2013 – € 1.286,95;
Ano de 2014 – € 1.286,95;
Ano de 2015 – € 1.286,95;
Ano de 2016 – € 1.286,95;
Ano de 2017 – € 1.286,95;
Ano de 2018:
- até outubro – € 1.286,95;
- a partir de novembro – € 1.407,00;
Ano de 2019 – € 1.407,00;
Ano de 2020:
- até agosto – € 1.407,00;
- a partir de setembro – € 1.487,00;
Ano de 2021:
- até agosto – € 1.487;
- a partir de setembro – € 1.491,00; e
Ano de 2022 – € 1.491,00.
6. Com a cessação do contrato, a Ré emitiu recibo de vencimento da Autora com os seguintes créditos:
− € 745,50, 14 dias de trabalho do mês de fevereiro de 2022;
− € 1.491,00, férias não gozadas vencidas em 01/01/2022;
− € 1.491,00, subsídio de férias vencido em 01/01/2022;
− € 183,82, proporcional de férias não gozadas vencidas com a cessação do contrato;
− € 183,82, proporcional subsídio de férias vencido com a cessação do contrato;
− € 183,82, proporcional subsídio de Natal vencido com a cessação do contrato;
no valor global ilíquido de € 4.278,96.
7. Nesse recibo, fez incidir, sobre o montante referido, descontos legais, no montante de € 1.493,68, correspondendo:
− € 306,68 ao desconto de 11% para a Caixa Geral de Aposentações;
− € 1.187,00 a 29% de retenção de IRS.
8. Nesse recibo, a Ré descontou ainda a quantia de € 2.982,00 a título de indemnização por falta de aviso prévio.
9. A Autora nunca comunicou à Ré a sua filiação em qualquer sindicato.
10. A Autora nunca comunicou à Ré a escolha de qualquer contrato coletivo de trabalho.
11. A Ré é associada da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) desde 02 de fevereiro de 2005.
12. Pelo menos em 30 de abril de 2020, a Ré afixou em placard existente na sua secretaria uma declaração em que escolhia como instrumento de regulamentação coletiva do trabalho aplicável às relações laborais com a generalidade dos seus trabalhadores o Contrato Coletivo do Trabalho celebrado entre a CNIS e a FNSTFPS publicado no BTE n.º 1, de 08 de janeiro de 2020, resultante da Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 15 de 22 de abril de 2020.
13. Desde a data da cessação do contrato, não houve qualquer comunicação entre Autora e Ré.
14. Para além de outros períodos de baixa, a Autora esteve em situação de baixa nos seguintes períodos:
2021:
Janeiro – 11 dias.
Outubro – 05 dias.
Dezembro – 16 dias.
2019:
Março – 02 dias.
15. Em agosto de 2021, a Ré pagou à Autora, para além da retribuição referida, a quantia de € 28,00 a título de diferenças de remunerações.
Consideram-se não provados os factos que estejam em desacordo com os considerados provados.
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 679.º, 639.º e 635.º, n.º 4, todos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).
Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos autos dos quais depende o presente recurso de revista, atendendo à circunstância da instância da ação declarativa com processo comum laboral se ter iniciado no dia 08/02/2023, com a apresentação, pela Autora da Petição Inicial, ou seja, muito depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, datada de 4/9/2019 e que começou a produzir efeitos em 9/10/2019.
Tal ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.
Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Revista.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos recursórios terem ocorrido sucessivamente na vigência dos Códigos de Trabalho de 2003 e 2009, que, como se sabe, entraram respetivamente em vigor em 1/12/2003 e 17/02/2009, sendo, portanto, os regimes deles decorrentes que aqui irão ser chamados à colação em função da factualidade a considerar e consoante as normas que se revelarem necessárias à apreciação e julgamento do objeto do presente recurso de Revista.
B – OBJETO DA PRESENTE REVISTA
Neste recurso de revista está essencialmente em causa saber qual a regulamentação coletiva aplicável à relação laboral dos autos e, nessa medida, quais os efetivos valores pecuniários dos créditos laborais, a título de diferenças salariais e de outras prestações emergentes do contrato de trabalho firmado entre as partes, que são devidos pela Ré à Autora, tendo cada um das instâncias coincidido, por força da cláusula de remissão que ambas qualificaram juridicamente de dinâmica, na aplicação de uma dada convenção até à sua revogação, tendo, a partir daí, se dividido relativamente ao concreto instrumento negocial que deveria ser chamado à colação, para esse mesmo efeito, tendo a 1.ª instância subscrito, quanto a essa matéria, posição distinta das assumidas pelas partes, ao passo que a 2.ª instância acaba por adotar a tese da Ré, fazendo cada uma delas derivar dessa sua posição e em função da CCT escolhida e dos valores convencionalmente previstos para aquelas prestações laborais, a subsequente condenação da FUNDAÇÃO CONDESSA DA PENHA LONGA.
C – REGULAMENTAÇÃO COLETIVA APLICÁVEL
Chegados aqui e tendo em atenção a questão central deste recurso de Revista e que deixámos acima equacionada, importa, desde logo, chamar à colação o referido no Ponto 3. da Factualidade dada como Provada:
3. Na cláusula 9.ª do contrato de trabalho celebrado entre Autora e Ré constava que o Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho aplicável à relação laboral era o CCT das Instituições Particulares de Solidariedade Social, publicado no BTE n.º 6, I Série, de 15 de fevereiro de 2001, com as alterações subsequentes.
Deparamo-nos, sem grande margem para dúvidas, face a uma cláusula de remissão de natureza dinâmica que Autora e Ré fizeram constar do contrato de trabalho entre ambas firmado e que, em nosso entender, deixou de produzir quaisquer efeitos jurídicos para efeitos da identificação da convenção coletiva aplicável à relação laboral dos autos, com a posterior revogação do Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho ali identificado e que de facto era o regulador da mesma até esse momento [existe unanimidade entre as partes e as instâncias quanto à natureza jurídica da dita cláusula e quanto à convenção coletiva aplicável por força da mesma].
A sentença da 1.ª instância entendeu que tal cláusula de remissão dinâmica continuou a produzir efeitos jurídicos para além da cessação da vigência da referida convenção coletiva de trabalho, por força da sua revogação, vindo a considerar que entre os dois novos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho [IRCT] que lhe sucederam e que foram celebrados pela mesma associação de empregadores e por parte das associações sindicais originárias, sendo que uma delas firmou com aquela um desses Contratos Coletivos de Trabalho e as demais celebraram o outro, ocorria uma situação de concorrência de convenções coletivas de trabalho que tinha de ser decidida nos termos dos números 2 e 3 do artigo 482.º do Código do Trabalho de 2009, tendo, na ausência da escolha de uma delas pelos trabalhadores, entendido que devia ser a mais recente em termos de publicação a aplicável.
Foi o que, a tal respeito, o tribunal da 1.ª instância fez constar da seguinte parte da fundamentação da sentença por si prolatada [a numeração dos IRCT é da nossa autoria e responsabilidade]:
«Mas a questão coloca-se no referido dinamismo, ou seja, na identificação das alterações subsequentes, pois a UIPSS veio a dar origem à CNIS e o instrumento de regulamentação coletiva do trabalho identificado é substituído por, pelo menos, dois instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho, mais concretamente:
Pelo CCT entre a CNIS — CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS INSTITUIÇÕES DE SOLIDARIEDADE e a FEPCES — FEDERAÇÃO PORTUGUESA DOS SINDICATOS DO COMÉRCIO, ESCRITÓRIOS E SERVIÇOS E OUTROS, publicado no BTE n.º 26 de 15 de julho de 2006; e
Pelo CCT entre a CNIS — CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS INSTITUIÇÕES DE SOLIDARIEDADE e a FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SINDICATOS DA FUNÇÃO PÚBLICA, publicado no BTE n.º 17 de 8 de maio de 2006.
Repare-se que ambos os instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho têm uma nota final que estabelece a revogação do instrumento de regulamentação coletiva do trabalho publicado no BTE n.º 6/2001, mais precisamente, a nota 10 do CCT CNIS FEPCES determina que «A presente convenção coletiva de trabalho revoga o IRCT publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 6, de 15 de Fevereiro de 2001, com as alterações introduzidas pelo Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 8, de 28 de Fevereiro de 2002»; e a nota 8 do CCT CNIS FNSFP estabelece que «o presente CCT substitui a convenção publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 6, de 15 de Fevereiro de 2001».
Por outro lado, os subscritores iniciais, do lado dos sindicatos, são os seguintes:
1) FENPROF - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS PROFESSORES;
2) FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SINDICATOS DA FUNÇÃO PÚBLICA;
3) FEPCES - FEDERAÇÃO PORTUGUESA DOS SINDICATOS DO COMÉRCIO, ESCRITÓRIOS E SERVIÇOS;
4) FESTRU - FEDERAÇÃO DOS SINDICATOS DE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS E URBANOS;
5) FESAHT - FEDERAÇÃO DOS SINDICATOS DA ALIMENTAÇÃO, BEBIDAS, HOTELARIA E TURISMO DE PORTUGAL;
6) FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SINDICATOS DA CONSTRUÇÃO, MADEIRAS, MÁRMORES E MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO;
7) FESETE - FEDERAÇÃO DOS SINDICATOS DOS TRABALHADORES TÊXTEIS, LANIFÍCIOS, VESTUÁRIO, CALÇADO E PELES DE PORTUGAL;
8) SEP - SINDICATO DOS ENFERMEIROS PORTUGUESES;
9) SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES E TÉCNICOS DA AGRICULTURA, FLORESTAS E PECUÁRIA;
10) SINDICATO DOS TÉCNICOS DE SERVIÇO SOCIAL;
11) SIFAP - SINDICATO NACIONAL DOS PROFISSIONAIS DE FARMÁCIA E PARAMÉDICOS;
12) SINDICATO DOS TRABALHADORES DA SAÚDE, SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL; e
13) SINDICATO DOS TRABALHADORES DAS INDÚSTRIAS DE CELULOSE, PAPEL, GRÁFICA E IMPRENSA.
No CCT CNIS/FEPCES os subscritores são:
3) FEPCES - FEDERAÇÃO PORTUGUESA DOS SINDICATOS DO COMÉRCIO, ESCRITÓRIOS E SERVIÇOS;
1) FENPROF - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS PROFESSORES;
4) FESTRU - FEDERAÇÃO DOS SINDICATOS DE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS E URBANOS;
5) FESAHT - FEDERAÇÃO DOS SINDICATOS DA AGRICULTURA, ALIMENTAÇÃO, BEBIDAS, HOTELARIA E TURISMO DE PORTUGAL;
[?] FEVICCOM - FEDERAÇÃO PORTUGUESA DOS SINDICATOS DA CONSTRUÇÃO, CERÂMICA E VIDRO;
8) SEP - SINDICATO DOS ENFERMEIROS PORTUGUESES; e
[?] SINDICATO NACIONAL DOS PROFISSIONAIS DE SERVIÇO SOCIAL.
Por sua vez, no CCT CNIS/FNSFP a subscritora é apenas a FNSFP — FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SINDICATOS DA FUNÇÃO PÚBLICA [2)].
Então, o instrumento de regulamentação coletiva do trabalho escolhido pelas partes como sendo aplicável à relação laboral dividiu-se em dois, sendo necessário escolher, entre estes dois, qual o instrumento de regulamentação coletiva do trabalho aplicável por força da cláusula de remissão existente no contrato.
Então, o dilema é o de escolher qual o CCT aplicável, por força de uma cláusula de remissão, que foi revogado por dois instrumentos de regulamentação coletiva diferentes, um que foi subscrito, na parte dos sindicados, pelos subscritores anteriores com exceção de um deles e outro que foi subscrito por esse subscritor.
As regras subjacentes à determinação do instrumento de regulamentação coletiva em caso de concorrência, negociais ou não negociais, subjacente aos artigos 482.º, n.º 2 e 3 (concorrência entre instrumentos negociais) e 483.º, n.º 2 (concorrência entre instrumentos não negociais), do Código do Trabalho, são as seguintes: escolha dos trabalhadores e, em caso de não haver escolha dos trabalhadores, aplicação do instrumento de regulamentação coletiva do trabalho mais recente (as regras referidas resultavam igualmente dos artigos 536.º e 537.º, do Código do Trabalho). É certo que, na origem, não estamos perante uma concorrência de instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho, mas perante uma cláusula de remissão, mas com a sua evolução subsequente vem a ocorrer uma concorrência de instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho.
No caso concreto, não houve escolha dos trabalhadores, pelo que temos de considerar aplicável o instrumento de regulamentação coletiva mais recente que, no caso, era o CCT CNIS FEPCES.
Na alegação da Ré, esta considera aplicável o CCT CNIS FNSFP com base na sua escolha; mas não resulta do contrato ou da lei a faculdade de a Ré, entidade empregadora, escolher o instrumento de regulamentação coletiva do trabalho aplicável. Esta escolha foi feita por acordo das partes e, após o acordo, perante a existência de uma situação de concorrência entre instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho potencialmente aplicáveis, os critérios legais não passam pela escolha do empregador, mas pela escolha dos trabalhadores, em conjunto e, na falta, pela aplicação do instrumento de publicação mais recente.»
Não estamos de acordo - à imagem do que aconteceu com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto e com o Parecer proferido pelo ilustre Procurador-Geral Adjunto colocado junto deste Supremo Tribunal de Justiça - com esta argumentação do Juízo do Trabalho de ..., pois entendemos que a referida cláusula de remissão, ainda que de cariz dinâmico, deixou de poder ser invocada e de produzir quaisquer efeitos jurídicos quanto à subsequente identificação do IRCT aplicável ao vínculo laboral dos autos.
Não apenas tal revogado Contrato Coletivo de Trabalho se vê «desdobrado» [digamos assim] em duas novas Convenções Coletivas de Trabalho como nenhuma delas, em termos de substrato pessoal, coincide e esgota as associações sindicais que originariamente, negociaram e assinaram aquele primeiro IRCT, como parecem intervir num dos seus «sucessores» [ainda que assim impropriamente designados] Federações e sindicatos que não intervieram naquele.
Coloca-se, por outro lado, sérias e fundadas dúvidas quanto a tal efetiva substituição, pois como sustenta o Ministério Público «Tendo em conta o âmbito de aplicabilidade das respetivas portarias de extensão, a primeira aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior, a segunda às instituições particulares de solidariedade social, conclui-se facilmente que as mesmas não são aplicáveis simultaneamente à relação laboral em causa – ou será uma ou outra –, pelo que não existe uma concorrência de portarias de extensão e, por essa via, dos correspondentes CCT’s, não sendo de chamar à colação o regime previsto no art.º 481.º e segs. do CT.»
Nessa medida, não há que falar num cenário de concorrência entre dois IRCT potencialmente aplicáveis ao vínculo laboral desta ação, em função da continuação da vigência da aludida cláusula contratual remissiva e, consequentemente, da aplicação de qualquer um deles, por força do funcionamento dos critérios de «desempate» [chamemos-lhe assim, por facilidade de expressão] do artigo 482.º do CT/2009 [3].
Ora, a ser assim, também não era possível invocar, em alternativa e por tal não resultar minimamente da Matéria de Facto dada como Provada e dos demais elementos resultantes dos autos, a aplicação direta de qualquer um daqueles dois IRCT [4], com recurso ao princípio da [dupla] filiação - dado apenas a FUNDAÇÃO Ré estar inscrita na Associação de Empregadores CNIS — CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS INSTITUIÇÕES DE SOLIDARIEDADE [que antes era denominada de UIPSS – UNIÃO DAS INSTITUIÇÕES PARTICULARES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL], o que já não ocorria com a Autora, por referência à sua inscrição em qualquer sindicato [artigos 552 .º do CT/2003 e 496.º do CT/2009].
A mesma Autora, por outro lado, não havia comunicado à sua empregadora a escolha de uma qualquer convenção coletiva em vigor no seio da mesma [artigo 497.º do CT/2009] [5].
Logo, tal regulação por uma Convenção Coletiva da relação laboral dos autos dependia da publicação de um Regulamento ou Portaria de Extensão que abrangesse um IRCT vigente e aplicável, em termos temporais, geográficos e por referência ao setor de atividade da Ré, bem como à categoria profissional correspondente às funções desempenhadas para a mesma pela Autora [cf. artigos 573.º a 576.º do CT/2003 e 514.º a 516.º do CT/2009].
Os factos que se encontram descritos no Ponto 12. [Pelo menos em 30 de abril de 2020, a Ré afixou em placard existente na sua secretaria uma declaração em que escolhia como instrumento de regulamentação coletiva do trabalho aplicável às relações laborais com a generalidade dos seus trabalhadores o Contrato Coletivo do Trabalho celebrado entre a CNIS e a FNSTFPS publicado no BTE n.º 1, de 08 de janeiro de 2020, resultante da Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 15 de 22 de abril de 2020.] nada significam nesta matéria, caso não se mostrem devidamente legitimados, perante os factos assentes e nos moldes antes sintetizados, quer quanto ao Contrato Coletivo de Trabalho aí identificado, como quanto à Portaria de Extensão aí igualmente mencionada.
O período temporal que está em causa nos autos situa-se entre setembro do ano de 2008 e março do ano de 2021 e as convenções coletivas que estão em contraponto, de acordo com cada uma das partes, são as seguintes, segundo a feliz síntese do Parecer do Ministério Público já antes transcrito:
«A Autora defende a aplicabilidade do CCT entre a AEEP - ASSOCIAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO PARTICULAR E COOPERATIVO e a FNE - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SINDICATOS DA EDUCAÇÃO E OUTROS, entre a mesma associação de empregadores e o SINAPE – SINDICATO NACIONAL DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO, entre a mesma associação de empregadores e o SPLIU - SINDICATO NACIONAL DOS PROFESSORES LICENCIADOS PELOS POLITÉCNICOS E UNIVERSIDADES e, ainda, entre a mesma associação de empregadores e a FENPROF - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS PROFESSORES E OUTROS, publicados no BTE, 1.ª série, n.º 11, de 22.03.2007, bem como as correspondentes alterações, publicadas, respetivamente, nos BTE n.º 5, de 08.02.2009, n.º 8, de 28.02.2009, e n.º 13, de 08.04.2009, e Portaria de Extensão n.º 462/2010, de 1.07.
Esta Portaria de Extensão estipula no seu art.º 1.º:
«1 - As condições de trabalho em vigor constantes dos contratos coletivos entre a AEEP - Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SINDICATOS DA EDUCAÇÃO E OUTROS, entre a mesma associação de empregadores e o SINAPE - SINDICATO NACIONAL DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO, entre a mesma associação de empregadores e o SPLIU - SINDICATO NACIONAL DOS PROFESSORES LICENCIADOS PELOS POLITÉCNICOS E UNIVERSIDADES e, ainda, entre a mesma associação de empregadores e a FENPROF - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS PROFESSORES E OUTROS, publicados no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 11, de 22 de Março de 2007, bem como as correspondentes alterações publicadas, respetivamente, no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 5, de 8 de Fevereiro de 2009, n.º 8, de 28 de Fevereiro de 2009, e n.º 13, de 8 de Abril de 2009, a primeira com retificação publicada no citado Boletim, n.º 14, de 15 de Abril de 2009, são estendidas, no território do continente, às relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior não filiados na associação de empregadores outorgante e não abrangidos pela Portaria 1483/2007, de 19 de Novembro, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais neles previstas.».
A Ré invoca a aplicação do CCT entre a celebrado entre a CNIS e a FNSFPS – FEDERAÇÃO NACIONAL DA FUNÇÃO PÚBLICA E SOCIAIS, publicada no BTE n.º 6, de 15.02.2001, com PE n.º 900/2006, de 01.09, com as alterações subsequentes publicadas nos BTE’s n.ºs 17, de 08-05-2006, n.º 6, de 15-02-2008, n.º 35, de 29-09-2009, n.º 15, de 22-04-20011, n.º 31, de 22-08-2015, n.º 21, de 08-06-2018, n.º 1, de 08-01-2020, n.º 1, de 08-01-2021, e n.º 44, de 29-11-2021, e respetivas PE’s.
A Portaria de Extensão n.º 900/2006, no seu art.º 1.º, dispõe:
«1 - As condições de trabalho constantes dos contratos coletivos de trabalho entre a CNIS - CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS INSTITUIÇÕES DE SOLIDARIEDADE e a FNE - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SINDICATOS DA EDUCAÇÃO E OUTROS e entre a mesma Confederação e a FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SINDICATOS DA FUNÇÃO PÚBLICA publicados, respetivamente, no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.ºs 25, de 8 de Julho de 2005, e 17, de 8 de Maio de 2006, são estendidas, no território do continente:
a) Às relações de trabalho entre instituições particulares de solidariedade social que prossigam as atividades reguladas pelas convenções não filiadas na Confederação outorgante, exceto as santa casas da misericórdia, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais neles previstas;
b) Às relações de trabalho entre instituições particulares de solidariedade social filiadas na Confederação outorgante e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções não representados pelas associações sindicais outorgantes.».
Face a tais cenários convencionais, em sede de Regulamentação Coletiva, há que averiguar em qual deles se enquadra, por um lado, a Ré FUNDAÇÃO, em termos da sua natureza jurídica, objeto e atividade social, área de desenvolvimento desta última e, por outro, a Autora, atendendo à sua categoria profissional ou funções exercidas e espaço temporal em que foram desenvolvidas.
Os Factos com relevância para tal problemática são os seguintes:
1. A Autora foi admitida ao serviço da Ré a 09 de setembro de 2005, por contrato de trabalho por escrito a termo certo por 12 (doze) meses, para exercer, por conta e direção da Ré as funções correspondentes à categoria profissional de professor de ....º Ciclo.
3. Na cláusula 9.ª do contrato de trabalho celebrado entre Autora e Ré constava que o Instrumento de Regulamentação coletiva de trabalho aplicável à relação laboral era o CCT das Instituições Particulares de Solidariedade Social, publicado no BTE n.º 6, I Série, de 15 de fevereiro de 2001, com as alterações subsequentes.
11. A Ré é associada da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) desde 02 de fevereiro de 2005.»
Sendo tal factualidade manifestamente insuficiente, interessa ainda averiguar, como bem fez o Acórdão recorrido [bem como, aliás, o Parecer do Ministério Público já referido], o seguinte: «De acordo com o Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social (EIPSS) – cfr. DL n.º 172-/2014, de 14 de novembro, que, alterando o referido Estatuto, republicou o mesmo em anexo –, [s]ão instituições particulares de solidariedade social, adiante designadas apenas por instituições, as pessoas coletivas, sem finalidade lucrativa, constituídas exclusivamente por iniciativa de particulares, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de justiça e de solidariedade, contribuindo para a efetivação dos direitos sociais dos cidadãos, desde que não sejam administradas pelo Estado ou por outro organismo público.
Ora, não está provado que a Ré se trate de uma IPSS [eventualmente fundação de solidariedade social – cfr. art.ºs 2.º, n.º 1, al. d), 77.º e 77.º-A do EIPSS], mas tal decorre dos factos provados pois está provado que a Ré é associada da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) – ponto 11. dos factos provados –, o que leva a concluir tratar-se a Ré de uma IPSS, porquanto, como resulta do EIPSS, a Confederação é um agrupamento de uniões e federações de instituições (se não fosse uma IPSS não seria associada [6]/[7]).
[…]
Sendo a Ré associada da CNIS, há que ver, então, se a situação dos autos se enquadra na al. b) do n.º 1 do art.º 1.º da PE, designadamente se estamos perante trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções.
Ora, dos factos provados apenas consta que a Autora exercia as funções correspondentes à categoria profissional de professor de ....º Ciclo, encontrando-se no CCT que foi consignado no contrato de trabalho ser aplicável [até à revogação, como se viu], entre os «trabalhadores com funções pedagógicas», o professor como sendo aquele que exerce atividade docente em estabelecimentos de ensino particular.
Assim, e porque no CCT agora em causa encontramos, entre os «trabalhadores com funções pedagógicas», o professor como sendo aquele que exerce atividade pedagógica em estabelecimentos socioeducativos, poderá o CCT invocado pela Ré ser aplicável.
Abre-se um parêntesis para referir que a Portaria em causa [n.º 900/2006] também estende o âmbito de aplicação do CCT celebrado entre a CNIS – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS INSTITUIÇÕES DE SOLIDARIEDADE e a FNE – FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SINDICATOS DA EDUCAÇÃO E OUTROS, mas não se pondera aqui a sua aplicação dado ser o celebrado com FNSFP [FNSTFPS] o mais recente [cfr. art.ºs 483.º, n.º 2 e 482.º, n.º 3, al. a) do Código do Trabalho].
Mas, serão aplicáveis os CCT’s invocados pela Autora?
Como se disse, invoca a Autora a Portaria n.º 462/2010, de 01 de julho e a Portaria n.º 184/2021, de 03 de setembro.
Quanto à primeira, prevendo que as condições de trabalho constantes dos CCT’s aí referidos são estendidas, no território do continente, às relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior não filiados na associação de empregadores outorgante e não abrangidos pela Portaria n.º 1483/2007, de 19 de novembro, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais neles previstas (sublinhou-se), não constando dos factos provados [nem se alcança que estivesse alegado que assim fosse, apenas sendo feito apelo a CCT outorgado pela ASSOCIAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO PARTICULAR E COOPERATIVO – AEEP] que a Ré detenha um estabelecimento de ensino desses, não se vê como se possa aplicar.
Assim, não existem fundamento para aplicar os CCT’s que invoca no período de setembro de 2008 a março de 2021.
Quanto à segunda, está em causa a aplicação de CCT que a Ré também aplicou (entre outros), a saber CCT celebrado entre a CNIS – Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e a FNSTFPS – Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais [BTE n.º 31, de 22/08/2015, BTE n.º 1, de 08/01/2020 e BTE n.º 1,de 08/01/2021 [8], donde ser consensual.»
Este Supremo Tribunal de Justiça concorda em absoluto com a análise efetuada pelo Aresto recorrido e prolatado pelo Tribunal da Relação do Porto, afigurando-se-nos, de facto, que o único IRCT que poderia ser aplicado à relação laboral dos autos no que se refere ao período temporal em causa na ação foi o defendido pela Ré empregadora e determinado pela 2.ª instância
O Parecer do Procurador-Geral Adjunto colocado junto deste Supremo Tribunal de Justiça suscita ainda uma outra razão para ser esse IRCT o aplicável ao vínculo laboral dos autos:
«Mas, mesmo que houvesse dúvidas sobre a natureza jurídica da Ré, sempre se teria de ter em conta o seguinte:
Tem sido discutido na doutrina, em relação à eficácia pessoal, se uma portaria de extensão pode abranger trabalhadores ou empregadores inscritos, respetivamente, em associações sindicais ou patronais subscritoras de outro CCT.
A doutrina divide-se, encontrando-se, e nomeadamente [9]:
Em sentido positivo: LUÍS GONÇALVES DA SILVA, em anotação ao art.º 514.º do Código do Trabalho Anotado; PEDRO ROMANO MARTINEZ e OUTROS, 7.ª edição, Almedina, 2009, p. 1092, MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, in Tratado de Direito do Trabalho, Parte III – Situações Laborais Coletivas, 2.ª edição, Almedina, março de 2015, pp. 389-390, e ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, in Direito do Trabalho, 21.ª edição, Almedina, março de 2022, p. 955.
Em sentido negativo: JOSÉ BARROS MOURA, in Convenção Coletiva entre as fontes de Direito do Trabalho, Almedina, 1984, pp. 219 a 222; MENEZES CORDEIRO, in Direito do Trabalho I, Direito Europeu, Dogmática Geral, Direito Coletivo, Almedina, 2019, p. 764, PEDRO ROMANO MARTINEZ, in Direito do Trabalho, 10.ª ed., Almedina, março de 2022, p. 1185, BERNARDO LOBO XAVIER, in Manual de Direito do Trabalho, 2.ª ed., Rei dos Livros, 2014, pp. 280-281, e JÚLIO GOMES in A contratação coletiva in peius e a representatividade sindical, Congresso Mediterrâneo de Direito do Trabalho, Lisboa, 14-15 Abril, 2015, Crise Económica: Fim ou Refundação do Direito do Trabalho?, AAFDL, 2016, pp. 91 e ss.
A jurisprudência sobre a matéria não é abundante, mas este Supremo Tribunal tem-se pronunciado em sentido negativo, como se pode verificar dos acórdãos do STJ de 20-06- 2018, proc. n.º 3910/16.0T8VIS.C1.S1[10], e STJ de 22-06-2022, proc. n.º 1842/19.9T8FAR.E1.S1 [11].
Sintetiza o acórdão do STJ de 22-06-2022:
«No fundamental, extraem-se deste aresto, cuja argumentação integralmente se perfilha, as seguintes linhas jurisprudenciais:
- Uma portaria de extensão não pode determinar a aplicabilidade duma convenção coletiva a trabalhadores não filiados na organização sindical outorgante que estejam filiados numa organização sindical diferente.
- A entender-se doutro modo, ficariam em causa os valores da liberdade sindical do trabalhador, entendida como liberdade de filiação, ou de não filiação, em determinado sindicato.
- E ficaria também em causa o direito de contratação coletiva do sindicato concorrente, ao ver eventualmente frustrado o seu direito de celebrar uma convenção coletiva própria com o empregador ou com a associação empregadora, caso a contratação coletiva celebrada por outro sindicato se estendesse (através duma portaria de extensão) aos seus filiados, coartando a sua autonomia contratual.
- Uma portaria de extensão também não pode determinar a aplicabilidade duma convenção coletiva a empregadores filiados em associação de empregadores diversa daquela que subscreveu tal convenção, sob pena de violação do direito (e liberdade) de contratação coletiva.»
Acresce que a portaria de extensão só pode ser emitida (e só pode valer) relativamente a relações de trabalho não abrangidas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho negocial (princípio da subsidiariedade).».
Conforme dilucida PEDRO ROMANO MARTINEZ, in Ob. Cit., p. 1186, que «se a associação de empregadores não quis celebrar ou aderir àquela convenção coletiva ou decisão arbitral, parece que não poderá depois, por via de uma portaria de extensão, aplicar-se o sobredito instrumento coletivo aos seus membros. Pelas razões invocadas, a extensão só deverá valer relativamente a quem não esteja sindicalizado ou a quem não esteja filiado em nenhuma associação de empregadores, porque de outra forma, mediante a portaria de extensão, o Governo poderia pressionar os sindicatos e as associações de empregadores, que não queriam determinada convenção coletiva, a, indiretamente, aceitá-la.».
Transpondo-se esse entendimento para o caso em apreciação, e tendo sido dado como provado que a Ré encontra-se inscrita na CNIS, e não na AEEP, sempre o IRCT aplicável ao caso, no período temporal de setembro de 2008 a março de 2021, é o CCT celebrado entre a CNIS e a FNSTFPS, publicado no BTE n.º 6, de 15.02.2001, com as alterações supra referidas.
Em consequência do IRCT aplicável à relação de trabalho existente entre as partes, importa concluir que a autora apenas tem direito às retribuições consignadas no acórdão recorrido – sublinhe-se que a recorrente nem apresentou qualquer justificação para a sua discordância em relação aos valores apurados no período posterior a março de 2021.».
Logo, pelo conjunto de argumentos deixados expostos, tem este recurso de Revista de ser julgado improcedente, assim se confirmando o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
IV – DECISÃO
Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 679.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o presente recurso de Revista interposto pela Autora AA, confirmando-se, nessa medida, o recorrido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
Custas do presente recurso a cargo da recorrente - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Lisboa, 12 de fevereiro de 2025
José Eduardo Sapateiro – Juiz Conselheiro relator
Mário Belo Morgado – Juiz Conselheiro 1.º Adjunto
Júlio Gomes – Juiz Conselheiro 2.º Adjunto
_____________________________________________
1. «Embora no final do articulado refira € 24.948,97, quando faz a soma das quantias parcelares refere € 24.498,97 [artigos 23.° e 24.° da petição inicial], donde se considerar ter havido troca de algarismos (lapso), e como tal se corrigiu.» - NOTA DE RODAPÉ CONSTANTE DO RELATÓRIO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, COM O NÚMERO [1].↩︎
2. Este Aresto possui o seguinte Sumário:
«I) Atenta a natureza consensual dos contratos (incluído o contrato de trabalho) - art.º 405.° do Código Civil -, nada obstará a que empregador e trabalhador, não havendo CCT aplicável, acordem que a regulação do contrato se faça por referência ao regime constante de CCT relativo ao respetivo setor de atividade e profissional, usufruindo, por essa via, o trabalhador das vantagens, e eventuais desvantagens, gerais decorrentes do regime do CCT escolhido.
II) Porém, se o CCT em causa vier a ser considerado derrogado, não vigorando entre os seus subscritores, deixa de se poder considerar que algum CCT esteja considerado como aplicável por acordo [consensual era a aplicação daquele que foi derrogado], havendo que ver se algum é aplicável por via de Portaria de Extensão.
III) O crédito prescrito só não pode ser objeto de compensação quando a prescrição já podia ser invocada no momento em que se tornou compensável (art.º 850.° do Código Civil), pelo que não estando prescrito o crédito quando o contrato de trabalho cessou, embora estivesse prescrito quando foi apresentada reconvenção em que é pretendida a compensação de créditos, a prescrição entretanto ocorrida não obsta à compensação.»↩︎
3. Como se diz no mencionado Parecer do Ministério Público «Conforme refere o acórdão recorrido, resulta da própria redação deste artigo, que a remição aí constante apenas é realizada para aquele CCT, e respetivas atualizações, e não para os IRCT’s que eventualmente lhe pudessem suceder – até porque, naturalmente, nessa data seria absolutamente imprevisível o teor dos mesmos.
Pelo que, afastando-se os dois IRCT’s que o substituíram, a questão sobre a aplicabilidade simultânea daqueles CCT’s à relação jurídico-laboral em causa encontra-se ultrapassada, centrando-se a problemática em saber se os dois CCT’s invocados pelas partes são aplicáveis, ou, em caso negativo, qual dos dois deve abranger aquela situação laboral».↩︎
4. Que revogaram o CCT das Instituições Particulares de Solidariedade Social, publicado no BTE n.º 6, I Série, de 15 de fevereiro de 2001, com as alterações subsequentes.↩︎
5. Cf. a respeito destes diversos aspetos, os seguintes Pontos de Facto:
«9. A Autora nunca comunicou à Ré a sua filiação em qualquer sindicato.
10. A Autora nunca comunicou à Ré a escolha de qualquer contrato coletivo de trabalho.
11. A Ré é associada da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) desde 02 de fevereiro de 2005.».↩︎
6. «Associada de base, como referem os Estatutos da CNIS (art.º 6.º).» - NOTA DE RODAPÉ CONSTANTE DA FUNDAMENTAÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, COM O NÚMERO [11].↩︎
7. «Em consonância, a “declaração” junta como doc. 2 com a contestação (declaração comprovativa de filiação CNIS-UDIPSS-Aveiro) refere “a Instituição Fundação Condessa de Penha Longa é associada…”).» - NOTA DE RODAPÉ CONSTANTE DA FUNDAMENTAÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, COM O NÚMERO [12].↩︎
8. «No quadro constante do artigo 71.º da contestação existe lapso ao ser referido 01/08/2021, como se alcança do confronto com o artigo 69.º da contestação.» - NOTA DE RODAPÉ CONSTANTE DA FUNDAMENTAÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, COM O NÚMERO [14].↩︎
9. «Cf. resenha constante no acórdão do STJ de 20-06-2018, a seguir citado.» - NOTA DE RODAPÉ CONSTANTE DO PARECER TRANSCRITO, COM O NÚMERO [1].↩︎
10. «Acessível em:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8d92715a3e668f43802582b40030351c?OpenDocument» - NOTA DE RODAPÉ CONSTANTE DO PARECER TRANSCRITO, COM O NÚMERO [2].↩︎
11. «Consultável em:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a0f207d1664eb8258025886e0036d7f7?OpenDocument» - NOTA DE RODAPÉ CONSTANTE DO PARECER TRANSCRITO, COM O NÚMERO [3].↩︎