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LIVRANÇA EM BRANCO
PACTO DE PREENCHIMENTO
PREENCHIMENTO ABUSIVO
GARANTIA BANCÁRIA
CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVERES DE COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário
I. Servindo de título executivo uma livrança entregue em branco, e sendo deduzidos embargos de executado com fundamento no seu preenchimento abusivo, radicado na nulidade do pacto que o previa - por consubstanciar cláusula contratual geral, cujo conteúdo não foi comunicado, nem esclarecido, ao executado -, cabe a este o ónus de alegar aquela natureza de cláusula contratual geral do texto que o consagrou; e cabe ao exequente, que dele se pretende prevalecer, alegar e provar que o mesmo resultou de negociação entre as partes.
II. Visando o dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais tornar possível o seu real conhecimento pelo parceiro contratual do utilizador (para que firme adequadamente a sua vontade e meça o alcance das suas decisões), a própria lei introduz elementos quanto à forma (de «modo adequado») e tempo (com a «antecedência necessária») da dita comunicação; e exige ainda que sejam tidas em conta a «importância do contrato» (v.g. prestações de valor pecuniário mais elevado deverão exigir a perenidade da informação e do suporte que a contém) e a «extensão e complexidade das cláusulas» (v.g. quanto mais cláusulas existirem e mais complexo for o seu teor mais exigente deverá ser o seu modo de comunicação).
III. Visando o dever de informação das cláusulas contratuais gerais que a contraparte de quem delas se prevalece compreenda o seu significado e as suas implicações, a própria lei esclarece que o modo e a intensidade deste dever de esclarecimento varia «de acordo com as circunstâncias» do caso concreto; e, por isso, ter-se-á que atender à natureza (v.g. pessoa singular ou colectiva) e à condição (v.g. nível de diferenciação académica e/ou cultural) do aderente, ao grau de complexidade do contrato e das suas cláusulas (v.g. exigindo-se mais esclarecimentos quanto mais difícil possa ser a compreensão das questões jurídicas e não jurídicas abrangidas pelas cláusulas), e à relevância das cláusulas no equilíbrio do contrato (v.g. devendo o aderente ser esclarecido de forma clara e categórica em relação a estas, especialmente se forem prejudiciais aos seus interesses).
IV. Em sede do regime das cláusulas contratuais gerais, a violação do dever de comunicação do predisponente é matéria de facto, com prova, ou não prova (ónus a impender sobre ele), se pelo aderente for previamente invocada essa violação; já a conclusão sobre a violação do dever de informação é, essencialmente, matéria de direito, atinente a atividade exegética a incidir sobre o teor das cláusulas pertinentes e perspectivada a lei aplicável.
V. Constando o pacto de preenchimento de uma livrança entregue em branco do clausulado do contrato de prestação de garantia bancária cujo cumprimento visava acautelar, e sendo inquestionável a natureza de cláusulas contratuais gerais das respectivas condições gerais (onde foi consagrado), vertidas num texto extenso, técnico e uniforme, já será questionável que o mesmo se possa dizer das respectivas condições particulares (onde foi repetido), vertidas num texto muitíssimo mais curto e de linguagem simples, destinado precisamente à discriminação individual e concreta das prestações e contraprestações devidas por ambas as partes.
VI. Mesmo que se qualificasse a concreta cláusula das condições particulares do contrato de prestação de garantia bancária autónoma que consagrou o pacto de preenchimento como uma cláusula contratual geral, certo é que, constando todas as condições particulares de um texto escrito, de limitada extensão e particularizando de forma simples as obrigações e direitos das partes (nomeadamente, os aqui em causa), texto esse que foi disponibilizado ao aderente para posterior assinatura por ele, se considera por esse modo devidamente cumprido o dever de comunicação do respectivo teor (que onerava a parte predisponente).
VII. Atendendo ao teor da cláusula que consagrou o pacto de preenchimento de livrança entregue em branco, limitado em extensão (consubstanciando um único parágrafo de cinco linhas) e simples na linguagem utilizada (não incluindo qualquer ou obscuridade redactorial, ou termo jurídico ou de outra natureza técnica, de apreensão limitada aos titulares de quaisquer reservados conhecimentos),tem-se o mesmo de compreensão acessível a qualquer indiferenciado contratante; e, por isso, dispensado o cumprimento de (inexistente) dever de esclarecimento.
VIII. O juízo exposto mais se justifica a propósito de um subscritor de livrança que revista a natureza de comerciante profissional, já que, não só o exercício do seu objecto social pressupõe conhecimento e natural desenvoltura no manuseamento de títulos de crédito, como a particular consciência do que envolve qualquer acto de vinculação contratual escrita (nomeadamente, quanto às consequências do eventual e futuro incumprimento das obrigações por ele assumidas).
Texto Integral
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - Fernando Manuel Barroso Cabanelas; 2.º Adjunto - João Peres Coelho.
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ACÓRDÃO
I - RELATÓRIO 1.1.Decisão impugnada 1.1.1. EMP01... - Unipessoal, Limitada, com sede no Beco ..., ..., ... (aqui Recorrente), deduziu embargos de executado (por apenso aos autos de execução que, com o n.º 3550/23...., correm termos pelo Juízo de Execução de Guimarães, Juiz ..., propostos contra si por EMP02..., S.A., para haver o pagamento coercivo da quantia de € 33.436,87, invocando como título executivo uma livrança), contra EMP02..., S.A., com sede na Rua ..., em Coimbra (aqui Recorrida), pedindo que
· fosse declarada extinta a execução, por procedência da exepção dilatória inominada de falta de integração prévia da respectiva dívida em Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento [1] (sendo, com tal fundamento, absolvida da instância executiva); ou, subsidiariamente, por procedência da excepção peremptória de preenchimento abusivo do titulo executivo (sendo, com tal fundamento, absolvida do pedido executivo).
Alegou para o efeito, em síntese, que, obrigando a lei que todas as instituições de crédito submetam previamente os clientes que se encontrem numa situação de incumprimento a um procedimento extrajudicial de regularização, não agiu a Exequente/Embargada (EMP02..., S.A.) deste modo para consigo (intentando de imediato a presente acção executiva); e, por isso, justificando-se a sua absolvição da instância executiva, por procedência desta excepção dilatória inominada (já que aquela prévia integração em PERSI constitui uma condição objectiva de procedibilidade da posterior execução).
Mais alegou ter subscrito a livrança que se executa nos autos principais no âmbito de um contrato de garantia bancária autónoma celebrado com a Exequente/Embargada (EMP02..., S.A.), por a dita garantia lhe ter sido exigida mercê de um contrato de mútuo celebrado por si com a Banco 1..., S.A. (actuando uma linha de apoio às micro e pequenas empresas, em decorrência da epidemia de COVID-19); e ter sido a dita livrança preenchida abusivamente, já que, tendo sido entregue em branco, nada lhe foi previamente comunicado e explicado quanto a um qualquer, e eventual, pacto de preenchimento (que se encontraria nas condições gerais do contrato de adesão por si assinado).
Por fim, a Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada) alegou que o contrato de prestação de garantia bancária autónoma exigia a sua prévia interpelação por carta, antes de qualquer exigência judicial de pagamento; e não ter a Exequente/Embargada (EMP02..., S.A.) procedido à mesma (antes de instaurar a acção executiva de que estes embargos são apenso). 1.1.2. Recebidos liminarmente os embargos, e regularmente notificada a Exequente/Embargada (EMP02..., S.A.), a mesma contestou, pedindo que fossem julgados totalmente improcedentes, por não provados (prosseguindo a execução os seus termos normais).
Alegou para o efeito, em síntese, não cair o seu crédito no âmbito do PERSI, não só por ela própria não ser banco ou instituição de crédito, como ainda por invocar como título executivo uma livrança (e não qualquer contrato de crédito).
Mais alegou ter sido a livrança preenchida de acordo com o previamente acordado nesse sentido no contrato escrito de prestação de garantia bancária autónoma, nas suas Condições Particulares, que a Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada) assinou.
Por fim, alegou ter procedido à prévia interpelação desta, por carta dirigida para a morada por ela indicada; e não obstar à validade e eficácia da interpelação assim feita a posterior devolução da dita carta, por motivos exclusivamente imputáveis à Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada).
1.1.3. Em sede de audiência prévia foi anunciado às partes que os autos reuniam todos elementos necessários a que se proferisse de imediato uma decisão de mérito; e as mesmas completaram, então, as alegações dos respectivos articulados.
1.1.4. Foi proferido saneador-sentença, certificando tabelarmente a validade e regularidade da instância, fixando o valor da causa em € 33.496,87 e julgando os embargos de executado totalmente improcedentes, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) IV. Decisão: Pelo exposto, julga-se totalmente improcedentes os embargos de executado e determina-se o prosseguimento da execução. Custas pela embargante. Registe e notifique, incluindo ao(à) Sr(ª) SE. (…)»
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1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos
Inconformada com esta decisão, a Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse revogada a decisão recorrida (sendo substituída por acórdão a julgar procedente a excepção de preenchimento abusivo do título executivo e, desse modo, declarada extinta a instância executiva).
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):
1. Porque o presente Recurso vem da douta Sentença de 12-07-2024, com a referência n.º ...89, a qual julgou improcedente os presentes embargos à execução e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução contra a recorrente;
2. Porque a douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, porquanto o entendimento aí sufragado viola o disposto nos artigos 1.º, 5.º, 6.º e 8.º, todos do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, constantes do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25-10; e o artigo 10.º, n.º 5, do CPC;
3. Porque os recorrentes invocaram a exceção material de preenchimento abusivo do título, por entenderem que a recorrida não poderia ter procedido ao preenchimento da livrança dada à execução, uma vez que jamais foi comunicada e/ou informada a existência de qualquer um pacto de preenchimento;
4. Porque o Tribunal a quo deveria ter aplicado, in casu, o Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, uma vez que a cláusula que prevê o pacto de preenchimento no contrato subscrito, trata-se de uma cláusula contratual geral elaborada sem prévia negociação individual, a qual não foi comunicada, pela recorrida, no momento da celebração do Contrato;
5. Porque a consequência legal desta omissão, isto é, que decorre da Lei, pelo incumprimento do dever de comunicação, é a exclusão das cláusulas gerais do contrato, nos termos do artigo 8.º, alínea a), do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais;
6. Porque os deveres de comunicação e informação decorrem, única e exclusivamente, da aplicação do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais e não dependem da natureza jurídica dos seus proponentes ou destinatários;
7. Porque não é suficiente, relativamente ao cumprimento dos deveres de comunicação e informação, dar à outra parte um exemplar do contrato, mesmo que esta o assine;
8. Porque a recorrente ser uma empresa não afasta as obrigações impostas, relativamente aos deveres de comunicação e informação, relativamente às cláusulas contratuais gerais, que impendiam sobre a recorrida;
9. Porque a recorrida não poderia ter procedido ao preenchimento da livrança dada à execução;
10. Porque face a ausência de um pacto de preenchimento, o preenchimento da livrança dada à execução é abusivo;
11. Porque face a inexistência de pacto de preenchimento, verifica-se a inexequibilidade do título executivo dado à execução;
12. Porque o Tribunal a quo, subverte, por errada interpretação e aplicação do direito, as regras constantes do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.
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1.2.2. Contra-alegações
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
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1.2.3. Processamento ulterior do recurso
O recuso foi admitido pelo Tribunal a quo como «de apelação, com efeito meramente devolutivo e subida nos próprios autos», o que não foi alterado por este Tribunal ad quem.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR
2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, nºs. 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pela Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:
· Questão Única - Fez o Tribunal a quo uma erradainterpretação e aplicação do Direito,ao deixar de reconhecer o carácter abusivo do preenchimento da livrança que constitui o título executivo (nomeadamente porque, constando o pacto de preenchimento respectivo de um contrato de adesão e não tendo a Exequente/Embargada comunicado e/ou explicado o seu conteúdo à Executada/Embargante, se ter aquele primeiro excluído deste segundo) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
3.1. Factos Provados
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes os factos «com relevância para a decisão a proferir», factos esses que ficaram definitivamente assentes por falta de sindicância de qualquer das partes (aqui apenas reordenados - de forma lógica e cronológica, conforme a realidade histórica que é suposto retratarem [3] -, sem quaisquer expressões interlocutórias ou narrativas - próprias apenas dos articulados [4] - completados nos termos do art.º 607.º, n.º 4, II parte, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC, e reidentificados):
a) EMP02..., S.A. (aqui Exequente/Embargada) tem por objecto social o constante da sua «CERTIDÃO PERMANENTE» (junta por determinação judicial aos autos de embargos de executado e que aqui se dá por integralmente reproduzida), onde nomeadamente se lê: «(…) Objecto: Realização das operações financeiras abaixo indicadas e a prestação de serviços conexos, em beneficio de micro, pequenas e médias empresas, ou de entidades representativas de empresas de qualquer destas categorias que sejam seus accionistas, com vista a promover e a facilitar o seu acesso ao financiamento, quer junto do sistema financeiro, quer no mercado de capitais: a) Concessão de garantias destinadas a assegurar o cumprimento de obrigações contraídas por accionistas beneficiários, designadamente, mas sem carácter limitativo, garantias acessórias de contratos de mútuo; b) Promoção, em favor dos accionistas beneficiários, da obtenção de recursos financeiros junto de instituições de crédito ou de outras instituições financeiras, nacionais ou estrangeiras; c) Participação na colocação, em mercado primário ou em mercado secundário, de acções, obrigações ou quaisquer outros valores mobiliários, assim como de "papel comercial", desde que a entidade emitente seja accionista beneficiário, bem como de valores mobiliários que, nos termos das respectivas condições de emissão, sejam convertiveis ou permutáveis por acções representativas do capital social de accionistas beneficiários, ou que integrem a previsão do artigo 2º, nº 2 do Decreto- Lei nº 211/98, de 16 de Julho, ou de disposição legal que o venha a substituir; d) Prestação dos accionistas beneficiários de serviços de consultadoria de empresas, em áreas associadas à gestão financeira, designadamente em matéria de estrutura de capital, de estratégia empresarial e de questões conexas, bem como no domínio da fusão, cisão e compra ou venda de empresas; e) Todas as demais operações consentidas por lei às sociedades de garantia. (…)». (facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob a al. o) )
b) EMP01... - Unipessoal, Limitada (aqui Executada/Embargante) acordou com Banco 1..., S.A. nos termos do documento escrito epigrafado «CONTRATO DE MÚTUO / LINHA DE APOIO À ECONOMIA - COVID-19 7 MICRO E PEQUENAS EMPRESAS / (Operação nº ...91)», composto por «CONDIÇÕES PARTICULARES» e por «CONDIÇÕES GERAIS» (documento junto sob o n.º 4 com a petição de embargos e sob o n.º 1 com a respectiva contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob a al. d) )
c) O «CONTRATO DE MÚTUO / LINHA DE APOIO À ECONOMIA - COVID-19 7 MICRO E PEQUENAS EMPRESAS / (Operação nº ...91)» decorre de um protocolo celebrado entre «IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P.», «EMP03..., S.A.», «EMP02..., S.A.», «EMP04..., S.A.», «EMP05..., S.A.», «EMP06..., S.A.» e «Banco 1...». (facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob a al. e) )
d) No âmbito do «CONTRATO DE MÚTUO / LINHA DE APOIO À ECONOMIA - COVID-19 7 MICRO E PEQUENAS EMPRESAS / (Operação nº ...91)» a Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada) acordou com a Exequente/Embargada (EMP02..., S.A.) nos termos do documento escrito epigrafado «CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA AUTÓNOMA», composto por «I - CONDIÇÕES GERAIS DA EMISSÃO E PRESTAÇÃO DA GARANTIA AUTÓNOMA (...)», «II - GARANTIA AUTÓNOMA (...)», «III - CONDIÇÕES PARTICULARES (CP)», «IV - INFORMAÇÕES ADICIONAIS (IA)» (documento junto sob o n.º 5 com a petição inicial de embargos e sob o n.º 1 com a contestação respectiva, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob a al. f) ) e) Consta do «CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA AUTÓNOMA», das suas «I - CONDIÇÕES GERAIS DA EMISSÃO E PRESTAÇÃO DA GARANTIA AUTÓNOMA (...)», uma condição quinta, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê: «5 - Para garantia de todas as responsabilidades que para o CLIENTE emergem do presente contrato, este terá de formalizar os colaterais previstos nas CP, sendo que, quando formalizados em documento autónomo, consideram-se, para todos os efeitos legais, como parte integrante do presente contrato. 5.1. - Se dos colaterais referidos no número anterior resultar a entrega pelo CLIENTE à EMP07... de uma livrança em branco subscrita pelo CLIENTE, a referida livrança ficará em poder da EMP07..., ficando esta autorizada, quer pelo subscritor quer pelos avalistas, caso existam, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre o CLIENTE». (facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob a al. h) )
f) Consta do «CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA AUTÓNOMA», das suas «I - CONDIÇÕES GERAIS DA EMISSÃO E PRESTAÇÃO DA GARANTIA AUTÓNOMA (...)», uma condição sexta, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê: «6 - Qualquer uma das seguintes situações confere à EMP07... o direito de exigir imediatamente do CLIENTE o pagamento de todos os montantes que lhe forem devidos nos termos do presente contrato, acrescidos do valor da garantia por ela prestada ao BANCO, que nesse momento ainda subsistir, independentemente de já ter efetuado ou não o pagamento ao BANCO dos montantes garantidos, mediante interpelação dirigida por carta ao CLIENTE, para a morada constante das IA». (facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob a al. i) )
g) Consta do «CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA AUTÓNOMA», das suas «III - CONDIÇÕES PARTICULARES (CP)», uma condição sexta, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê: «6. Outras Garantias X LIVRANÇA EM BRANCO - Entregar, nesta data, à EMP07... livrança em branco subscrita pelo CLIENTE. A referida livrança ficará em poder da EMP07..., ficando esta, desde já, expressamente autorizada pelo subscritor, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre o CLIENTE». (facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob a al. l) ) h) No âmbito do «CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA AUTÓNOMA» a Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada) entregou à Exequente/Embargada (EMP02..., S.A.) um documento escrito, no qual apôs, ao lado dos dizeres impressos «ASSINATURA(S) DO(S) SUBSCRITOR(ES)», uma rubrica manuscrita por cima do carimbo com os dizeres «EMP01... - Unipessoal, Lda A Gerência», sendo essa a única menção manuscrita que o mesmo então continha (documento junto com o requerimento executivo e que aqui se dá por integralmente reproduzido). (factos provados enunciados no saneador-sentença recorrido sob as als. a) e g) )
i) A Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada) teve conhecimento que Banco 1..., S.A., executou a garantia objecto do «CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA AUTÓNOMA» reproduzido supra. (facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob a al. j) )
j) Ao abrigo da garantia prestada no âmbito do «CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA AUTÓNOMA» a Banco 1..., S.A., beneficiária da mesma, pediu o pagamento do valor de € 31.115,28 (trinta e um mil, cento e quinze euros, e vinte e oito cêntimos), que a Exequente/Embargada (EMP02..., S.A.) lhe pagou. (facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob a al. k) )
k) A Exequente/Embargada (EMP02..., S.A.) enviou à Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada) o original da carta cuja cópia é documento número 4 junto com a contestação de embargos de executado (que aqui se dá por integralmente reproduzida), datada de 06 de Março de 2023, informando-a do preenchimento da livrança, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) No âmbito da garantia n° ...00, emitida pela EMP02... S.A., a pedido de V. Exas., o beneficiário, Banco 1..., S.A., solicitou-nos até à presente data, o pagamento do(s) seguinte(s) valor(es): Garantia Estado Valor Executado Data Pagamento ...00 Executada Totalmente 31 115,28 2022-8-16 Total €31 115,28 Acontece que V. Exas. têm ainda em dívida o valor global de € 233,56, relativo a(s) seguinte(s) nota(s) de debito/fatura(s) vencida(s) e não paga(s): Garantia Empresa Documento Valor Inicial Data de Vencimento ...00 EMP01..., Unip,Lda FT2022A/...33 233,56 2022-09-02 A estes valores acresce o montante de € 1 637,23 relativo a juros de mora e respetivo imposto do selo. Nos termos do contrato subjacente a emissão da garantia n° ...00, celebrado entre V. Exas. a EMP02... e o(s) avalista(s) ai mencionado(s), V. Exas., obrigaram-se a pagar-nos, todos os montantes que viéssemos a pagar ao beneficiário em cumprimento da garantia bem como os montantes devidos a titulo de comissão e de juros de mora, respetivamente, os valores acima discriminados. Assim, de acordo com o previsto no referido contrato, procedemos ao preenchimento da livrança subscrita por V. Exas. nos seguintes ternos: Local de emissão: Coimbra Data de emissão: 6 de Março de 2023 Importância: € 32 986,07 Vencimento: 16 de Março de 2023 Local de pagamento: Rua ..., ... Coimbra Além do valor acima referido, é também devida por V. Exas. a quantia de € 164,93, relativa ao Imposto do Selo, liquidado nos termos do disposto na alínea j) do n.° 3 do artigo 3° do Código do Imposto do Selo: Tabela Geral do respetivo Código verba 23.2 (0.5%). Caso o pagamento não seja efetuado até à data de vencimento procederemos a execução judicial competente para cobrança do montante global em dívida, acrescido dos juros moratórios que sejam devidos. Simultaneamente, e para efeitos de registo na Central de Responsabilidades de Crédito, iremos comunicar ao Banco de Portugal as V. responsabilidades efetivas para com a nossa instituição, tal corno legalmente exigido. (…)» (facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob a al. m) )
m) A carta reproduzida no facto provado anterior foi enviada para a morada indicada pela Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada) no «CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA AUTÓNOMA»; e foi devolvida com a indicação «MUDOU-SE» (conforme documentos juntos com a contestação de embargos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos). (facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob a al. n) ) n) Em 16 de Junho de 2023 a Exequente/Embargada (EMP02..., S.A.) instaurou a acção executiva que constitui os autos principais, apresentando como título executivo o escrito reproduzido no facto provado enunciado sob a al. h), do qual consta, à frente da menção impressa «NO SEU VENCIMENTO PAGAREI(EMOS) POR ESTA ÚNICA VIA DE LIVRANÇA À EMP02..., S.A., OU À SUA ORDEM, A QUANTIA DE», a menção manuscrita «Trinta e dois mil novecentos e oitenta e seis euros e sete cêntimos». (facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob a al. b) )
o) Do escrito referido nos factos provados enunciados sob as als. h) e n) consta: no canto superior direito, a menção manuscrita «32.986,07»; sob a menção impressa «LOCAL E DATA DE EMISSÃO», a menção manuscrita «Coimbra 2013 03 06»; sob a menção impressa «VENCIMENTO», a menção manuscrita «2023 03 16»; sob a menção impressa «VALOR», a menção manuscrita «Titulação da garantia bancária autónoma ...00»; e sob a menção impressa «ASSINATURA(S) DO(S) SUBSCRITOR(ES)», a menção manuscrita «EMP01..., Unip. Lda / Beco ..., ... / ... ...». (facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob a al. a) )
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3.2. Factos não provados
Na mesma decisão, o Tribunal a quo considerou que, «com relevo para a decisão a tomar», não se provou que:
1) Na negociação e celebração do «CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA AUTÓNOMA» não foi informado, pela Exequente/Embargada (EMP02..., S.A.) à Executada /Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada), que havia um pacto de preenchimento; e que a qualquer momento a livrança entregue em branco poderia ser preenchida e executada.
2) Sempre ficou claro que qualquer cobrança decorrente do «CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA AUTÓNOMA» seria realizada mediante interpelação dirigida por carta, à Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada), remetida pela Exequente/Embargada (EMP02..., S.A.).
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. Título executivo - Livrança 4.1.1.1. Livrança - Obrigado (subscritor)
Lê-se no art.º 10.º, n.º 5, do CPC que toda «a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva».
Mais se lê, no art.º 703.º, n.º 1, al. c), do mesmo diploma, que à execução «podem servir de base» os «títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo».
Particularizando, resulta do art.º 75.º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças (doravante LUSLL) que a livrança é um título à ordem, sujeito a certas formalidades, pelo qual uma pessoa se compromete, para com outra, a pagar-lhe determinada importância em certa data [5]. Trata-se, pois, de «uma promessa de pagamento que o emitente deve cumprir» (Abel Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças Anotada, 6.ª edição, Livraria Petrony, Lda., Lisboa, 1990, pág. 362).
Mais se lê, no art.º 77.º do mesmo diploma, que «são aplicáveis às livranças, na parte que não sejam contrárias à natureza deste escrito, as disposições relativas às letras e respeitantes a: (...) Direito de acção por falta de pagamento (art.ºs 43.º a 50.º e 52.º a 54.º).
Relativamente ao subscritor de uma livrança, lê-se no art.º 78.º da LUSLL que ele «é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra», sendo que no art.º 28.º do mesmo diploma se dispõe que «o sacado obriga-se pelo aceite a pagar a letra à data do vencimento».
Precisa-se que esta obrigação nasce exclusivamente do acto formal da sua assinatura, prometendo por ela executar a promessa de pagamento que no título se contém: deve o montante da livrança, e deve-o por efeito da promessa directa que fez ao tomador, firmando a livrança com a sua assinatura.
Compreende-se, por isso, que se afirme que o emitente da livrança (tal como o aceitante da letra) é o devedor principal, e isto porque é ele que assume o compromisso de efectuar o pagamento do título, no seu vencimento.
Deverá assim, oportunamente, proceder ao pagamento do montante inscrito na livrança, dos juros devidos desde a data do seu vencimento, dos avisos dados e de outras despesas, sem necessidade de fazer comprovar por acto formal, o protesto, a falta de pagamento no vencimento (art.ºs 48.º e 53.º, ambos do diploma citado).
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4.1.1.2. Livrança em branco
Lê-se no art.º 77.º da LUSLL que «são aplicáveis às livranças, na parte que não sejam contrárias à natureza deste escrito, as disposições relativas às letras e respeitantes a: (...) «à letra em branco (art. 10.º)».
A propósito da letra em branco, lê-se no art.º 10.º da LUSLL que «se uma letra [leia-se agora, livrança] incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé‚ ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave».
Admite-se, assim, a existência de letra ou livrança em branco, isto é, «documento, incompleto nos seus elementos essenciais, que contenha pelo menos uma assinatura extrinsecamente regular e capaz de obrigar o seu subscritor, acompanhada de uma autorização expressa ou tácita» de preenchimento (José Manuel Vieira Conde Rodrigues, A Letra Em Branco, AAFDL, 1989, pág. 17).
Logo, «para haver uma letra em branco é necessário: a) Que lhe falte algum requisito; b) Que, nela, haja pelo menos, uma assinatura, a qual tanto pode ser do sacador, como do aceitante, do avalista, como do endossante; c) Que esta assinatura conste de um título que contenha a designação impressa e expressa de “letra”; d) Que tal assinatura tenha sido feita com intenção de contrair uma obrigação cambiária» (Abel Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças Anotada, 6.ª edição,Livraria Petrony, Lisboa, 1990, pág. 71).
Precisa-se que as «letras em branco ou, mais genericamente, todos os títulos em branco são de uso frequente e desde longa data, quer na actividade comercial quer mesmo fora desta, no domínio dos negócios civis»: «o cliente que obtém um crédito no comércio bancário entrega frequentemente ao banco credor, e logo de início e como garantia do seu débito, uma letra por ele assinada, com indicação do montante ou sem ela. Este título usá-lo-á o banco conforme aos acordos estipulados» (José Manuel Vieira Conde Rodrigues, A Letra Em Branco, AAFDL, 1989, pág. 24) [6].
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4.1.1.3. Negócio cartularversus negócio subjacente.
Face ao já exposto, compreende-se que numa livrança se tenha que distinguir duas realidades: o negócio cartular e o negócio subjacente.
O negócio cartular exprime-se num crédito pecuniário, do qual é sujeito activo o legítimo portador do título e sujeito passivos todos os intervenientes no mesmo. Em consequência, o saque de uma letra ou a emissão de uma livrança constitui sempre uma atribuição patrimonial enquanto «deslocação patrimonial de uma pessoa para outra» (Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial– Títulos de Crédito, AAFDL, 1990, pág. 3).
Tal direito cartular caracteriza-se: pela literalidade da obrigação cambiária (que se reconstitui pela simples inspecção do título, sendo que a sua existência, validade e persistência não podem ser contestadas com o auxílio de elementos estranhos ao título, sendo o conteúdo, a extensão e as modalidades da obrigação cartular aqueles que a declaração objectivamente defina e revele); pela abstração da obrigação cambiária (uma vez que é independente da "causa debendi", já que o negócio cambiário pode preencher uma diversidade de funções económico-jurídicas - não tem uma causa própria, tipificada legalmente - e é independente, em cada caso concreto, da sua causa, da função determinada que visa); e pela autonomia do direito do portador, que é considerado como um credor originário, isto é, independentemente da titularidade do antecessor [7].
Contudo, subjacente ao saque de uma letra ou à emissão de uma livrança, existe sempre um negócio que determinou a sua emissão, o dito negócio subjacente (que constitui a causa daquela mesma emissão).
Assim, entre os intervenientes no título, que sejam simultaneamente partes no negócio subjacente, é sempre estabelecido um acordo quanto à função que a atribuição patrimonial desempenha relativamente o negócio subjacente, sendo tal acordo denominado pela doutrina de «convenção executiva» (a que estabelece a relação entre o negócio cartular e o negócio subjacente).
Ora, se no domínio das relações imediatas (entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato, em que ambos são concomitantemente sujeitos cambiários e sujeitos das convenções extracartulares) tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta, já no domínio das relações mediatas (entre um subscritor e um possuidor do título estranho às convenções extracartulares) aquele não pode opor a este as excepções derivadas das relações pessoais mantidas com outros portadores anteriores da letra (conforme art.º 17.º da LUSLL).
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4.1.1.4. Pacto de preenchimento
Contudo, «quando seja passada em branco, a letra [ou livrança] pode ser preenchida posteriormente e deve sê-lo antes de apresentada a pagamento.
O preenchimento posterior da letra [ou livrança] deve ser feito de acordo com o convencionado. Sempre que é emitida uma letra em branco tem que ter havido prévia ou simultaneamente à emissão um acordo quanto ao critério de preenchimento. Este acordo é uma convenção extracartular e designa-se por pacto de preenchimento.
O pacto de preenchimento é uma convenção obrigacional e informal. Tem como conteúdo a obrigação de preencher a letra de acordo com o critério estipulado e só é oponível entre as partes. Pode ser verbal ou meramente consensual, embora seja aconselhável que revista a forma escrita para evitar dificuldades de prova» (Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Títulos de Crédito, AAFDL, 1990, pág. 105).
Logo, a autorização de preenchimento será uma manifestação de vontade, expressa ou tácita, no sentido de colmatar as lacunas cuja presença prejudique a eficácia do documento. O contrato de preenchimento é, assim, «o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede de pagamento, a estipulação de juros, etc.» (Abel Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças Anotada, 6.ª edição, Livraria Petrony, Lda., Lisboa, 1990, pág. 73).
Este «poder jurídico (distinto do direito cartular que deriva da letra já preenchida) tendo por conteúdo a possibilidade de se aperfeiçoar a obrigação do subscritor, integrando os elementos faltosos», corresponde a «um poder de natureza extracartular. E o seu conteúdo não faz parte da literalidade do documento, estando, sim, dependente da relação subjacente. No entanto, esta natureza extracartular não nos deve induzir a pensar que a sua transmissão acarreta a transferência dos direitos extracartulares, emergentes da respectiva relação fundamental. Quando alguém adquire um título por preencher não fica titular das relações subjacentes que envolvem a sua criação, tal como, não ficará titular do direito cambiário que só surgirá com o preenchimento da letra» (José Manuel Vieira Conde Rodrigues, A Letra Em Branco, AAFDL, 1989, pág. 60).
Compreende-se, por isso, que, se numa letra ou numa livrança em branco for violado o contrato de preenchimento (o acordo pelo qual as partes ajustaram os termos em que deveria definir-se a obrigação cambiária, nomeadamente o seu montante e a respectiva data de vencimento), não pode essa violação ser oposta a um terceiro estranho ao pacto de preenchimento, desde que o mesmo não tenha actuado de má fé, nem haja cometido uma falta grave.
Já se a violação do contrato de preenchimento ocorrer no âmbito das relações imediatas - isto é, o título foi preenchido pelo seu primeiro adquirente -, poderá o preenchimento abusivo ser invocado como excepção ao pagamento reclamado, uma vez que a letra não entrou sequer em circulação.
Com efeito, quem emite um título de crédito em branco (v.g. uma livrança), atribui àquele a quem a entrega o direito de a preencher de acordo com certas cláusulas que entre o subscritor e o tomador hajam sido previamente convencionadas. Tal preenchimento deve pois «obedecer aos termos combinados inicialmente com o devedor e com as demais pessoas que na obrigação tenham porventura intervindo, como aquelas enfim que nela hajam aposto antecipadamente a sua assinatura; importa pois uma delegação de confiança, uma autorização para a integração do título, delegação ou relação de confiança essa que sairá traída se for desrespeitado o conteúdo de preenchimento podendo então falar-se de preenchimento abusivo» (Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial. Letra de Câmbio, Volume III, Universidade de Coimbra, 1966, págs. 124 a 127, com bold apócrifo).
Logo, no domínio das relações imediatas, o «preenchimento abusivo» constitui um facto impeditivo do direito invocado pelo exequente; e, por isso, a respectiva prova cabe ao executado, em sede de embargos, sob prévia alegação sua dos concretos termos da desconformidade do preenchimento realizado, face ao antes acordado (art.º 342.º, n.º 2, do CC) [8].
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4.1.1.5. Negócio subjacente - Garantia bancária
A garantia autónoma, isto é, não afectada pelas vicissitudes da relação principal [9], surgiu nos finais do século XIX; e foi-se generalizando, num mercado cada vez mais globalizado, harmonizando o crescente dinamismo das trocas comerciais e a necessidade de assegurar a sua fluidez, por um lado, com o aumento da confiança mútua entre os agentes económicos, por outro. Entre nós foi introduzida pela prática bancária (sendo por isso designada habitualmente por garantia bancária, já que frequentemente o papel de garante tem sido assumido por entidades bancárias) [10].
Precisa-se que a «função da garantia autónoma não é (…) a de assegurar o cumprimento dum determinado contrato. Ela visa, antes, assegurar que o beneficiário receberá, nas condições previstas no texto da própria garantia, uma determinada quantia em dinheiro» (António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 2.ª edição, Almedina, 2001, pág. 657, com bold apócrifo).
Logo, por meio dela, «o garante, perante o credor, responsabiliza-se pelo pagamento de uma obrigação própria e não pelo cumprimento de uma dívida alheia (do garantido); não se trata tanto de garantir o cumprimento da obrigação do devedor, mas antes de assegurar o interesse económico do credor beneficiário da garantia; (...) a garantia não pressupõe a existência de uma assunção de dívida, em que o banco (assuntor) assume a obrigação de pagar a dívida de outrem (antigo devedor), nos termos previstos nos artigos 595º e seguintes do Código Civil, pois o garante constitui-se devedor de uma obrigação própria, ainda que relacionada com a dívida do garantido» (Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, 4.ª edição, Livraria Almedina, 2003, pág. 119, com bold apócrifo).
Pode, assim, afirmar-se que a garantia bancária autónoma «é, no essencial, um contrato celebrado entre o interessado - o mandante - e o garante - a favor de um terceiro - o garantido ou beneficiário. Por vezes ela é configurada como um contrato celebrado entre o garante e o beneficiário; porém, é do mandante que o garante recebe a comissão» (António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 2.ª edição, Almedina, 2001, pág. 657). Logo (e tal como a fiança), não se estabelece, por negócio jurídico unilateral, mas sim por contrato, que tem natureza causal.
Dir-se-á ainda que, do ponto de vista estrutural, a garantia bancária autónoma é uma figura triangular, que pressupõe três ordens de relações: uma primeira, entre o garantido (dador de ordem) e o beneficiário; outra, entre o garantido e o garante (banco); e uma terceira, entre o garante e o beneficiário [11].
Contudo, e de forma diversa da fiança (que se caracteriza pela acessoriedade), a garantia bancária autónoma não é acessória da obrigação garantida, mas sim autónoma da dívida que garante. A autonomia significa precisamente que o garante não pode invocar em sua defesa quaisquer meios relacionados com o contrato garantido (objecções exteriores ao contrato de garantia); e esta autonomia é mesmo total (ao contrário do que sucede com o aval), pois o garante não pode valer-se, sequer, da invalidade formal da obrigação garantida. O garante assume, pois, uma obrigação própria, independente (desligada) do contrato base [12].
«Mas a mencionada autonomia não vai, obviamente, obstar a que o garante recuse o cumprimento com base em elementos constantes do próprio contrato de garantia. Deste modo, com a autonomia pretende-se que não possam ser apostas excepções relacionadas com a obrigação garantida, ou seja, óbices exteriores ao contrato de garantia, mas podem propor-se excepções próprias deste negócio jurídico, como sejam o erro na celebração do contrato de garantia ou o prazo de pagamento nele acordado» (Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, 4.ª edição, Livraria Almedina, 2003, pág. 123, com bold apócrifo).
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4.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável) 4.1.2.1. Livrança preenchida
Concretizando, verifica-se que a Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada) celebrou com a Banco 1..., S.A. um contrato de mútuo, actuando o mesmo uma linha de apoio às micro e pequenas empresas, em decorrência da epidemia de COVID-19; e que o mesmo exigia a simultânea prestação de uma garantia bancária, a favor da Mutuante, tendo por isso a Mutuária celebrado um outro contrato, desta feita com a Exequente/Embargada (EMP02..., S.A.), por meio do qual esta assumiu a obrigação de pagamento das obrigações que a Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada) viesse a incumprir no âmbito do referido contrato de mútuo.
Mais se verifica que, como garantia do bom cumprimento das obrigações que para si decorriam do contrato de garantia bancária autónoma, no momento da sua celebração a Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada) entregou à Exequente/Embargada (EMP02..., S.A.) uma livrança em branco.
Verifica-se ainda que, tendo de facto ocorrido o incumprimento do contrato de mútuo referido, a Banco 1..., S.A. acionou a garantia bancária que a beneficiava, recebendo da Exequente/Embargada (EMP02..., S.A.) a quantia de € 31.115,28 (trinta e um mil, cento e quinze euros, e vinte e oito cêntimos); e que esta, não tendo obtido posteriormente da Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada) o pagamento dessa quantia, preencheu a livrança que recebera em branco e, apresentando-a como título executivo, instaurou a acção executiva que constitui os autos principais.
Logo, a livrança que aí se executa consubstanciou, no momento da sua emissão, uma livrança em branco, subscrita pela Executada/Embargante (por isso, sua devedora principal); mas, no momento em que foi judicialmente accionada, mostrava-se já completamente preenchida.
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4.1.2.2. Existência de pacto de preenchimento
Concretizando novamente, verifica-se que, no contrato de prestação de garantia bancária autónoma se previu expressamente - quer na condição quinta, ponto um, das suas condições gerais, quer na condição sexta das suas condições particulares -, que a Exequente/Embargada (EMP02..., S.A.) ficava desde logo autorizada a completar o preenchimento da livrança quando o entendesse conveniente, «fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre» a Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada).
Dir-se-ia, deste modo, que as partes acordaram desde logo, por escrito, os termos do preenchimento futuro da inicial livrança em branco subscrita por uma delas, mercê do pacto de preenchimento respectivo, consagrado no próprio clausulado do contrato de garantia bancária cujo bom cumprimento o título de crédito garantia (consubstanciando o mesmo a relação subjacente à livrança).
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Contudo, defendendo a Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada) nos autos (nomeadamente, no presente recurso) a invalidade do pacto de preenchimento assim estabelecido (nomeadamente, por o mesmo consubstanciar uma cláusula contratual geral, cujo conteúdo não lhe teria sido nem comunicado, nem esclarecido), e encontrando-se ambas as partes no âmbito das relações imediatas subjacentes à emissão da dita livrança, importa então verificar a alegada causa de nulidade do acordo de preenchimento invocado.
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4.2. Cláusulas contratuais gerais - Deveres de comunicação e informação 4.2.1.1. Contrato de adesão - Cláusulas contratuais gerais
Face ao modelo tradicional do contrato (em que as respectivas partes acordam, de forma paritária, cada um dos aspectos da regulação dos seus interesses), e com o progressivo desenvolvimento e massificação da economia (com novos processos de produção, distribuição e fornecimento de bens e serviços), surgiu o contrato de adesão, que pressupõe a prévia estipulação, por parte de um dos contratantes, em forma geral e abstracta, das cláusulas ou condições contratuais, com vista à sua futura incorporação no conteúdo de todos os contratos de um mesmo tipo (v.g. seguro, locação, mútuo bancário). A posterior aplicação uniforme dessas mesmas cláusulas ou condições é assegurada posteriormente através da recusa do seu predisponente em negociá-las, colocando a contraparte perante a alternativa, ou de se sujeitar às condições prefixadas, ou de desistir do contrato, renunciando à pretendida prestação [13].
Optando pela sujeição, passará a «dar vida a um contrato cujo processo formativo não reproduz a sua imagem ideal» (Joaquim Sousa Ribeiro,Cláusulas Contratuais Gerais e o Paradigma do Contrato, Almedina, 1990, pág. 39); e, por isso, presume que o contrato negociado poderá corresponder apenas à vontade de uma das partes [14].
Compreende-se, por isso, a preocupação do legislador, ao editar um diploma que consagrasse expressamente a disciplina a que deverão ficar sujeitas todas essas «cláusulas contratuais gerais», isto é, «elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar» (art.º 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro [15]).
Com efeito, todas elas se caracterizam pela sua generalidade ou pré-elaboração, pela sua rigidez, e pela sua indeterminação: «são pré-elaboradas, existindo antes de surgir a declaração que as perfilha; apresentam-se rígidas, independentemente de obterem ou não a adesão das partes, sem possibilidade de alterações; podem ser utilizadas por pessoas indeterminadas, quer como proponentes, quer como destinatários» (Mário Júlio de Almeida Costa e António Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, Anotações ao Dec.-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, Almedina, Coimbra, 1987, pág. 17) [16].
Com tais características presentes, presumir-se-á que as cláusulas que as possuam não resultaram de negociação prévia entre as partes (art.ºs 1.º, n.º 2 e 2.º, ambos do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro).
Caberá, então, à parte que pretenda prevalecer-se do seu conteúdo o ónus da prova de que a cláusula contratual em causa resultou de negociação prévia entre as partes (n.º 3, do art.º 1.º, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro), isto é, «cabe ao predisponente provar que, tendo em conta as circunstâncias concretas do contrato celebrado, o destinatário poderia negociar os termos do contrato, influenciando o seu conteúdo» (Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 2014-2.ª edição, Almedina, Setembro de 2014, pág. 64).
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4.2.1.2. Deveres de comunicação e de informação 4.2.1.2.1. Dever de comunicação
Lê-se no art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, que as «cláusulas contratuais gerais, devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las» (n.º 1); e «a comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência» (n.º 2).
Logo, se é certo que a comunicação das cláusulas pode, em abstrato, ser feita através dos mais variados meios [17], certo é igualmente que a própria lei introduz elementos quanto à forma (de «modo adequado») e tempo (com a «antecedência necessária») de comunicação; e exige ainda que sejam tidas em conta a «importância do contrato» (v.g. prestações de valor pecuniário mais elevado deverão exigir a perenidade da informação e do suporte que a contém) e a «extensão e complexidade das cláusulas» (v.g. quanto mais cláusulas existirem e mais complexo for o seu teor mais exigente deverá ser o seu modo de comunicação).
Compreende-se, por isso, que se afirme que, neste dever de comunicação, «não está em causa tão só a exigência de transmitir ao aderente as condições gerais, pois essa exigência vai funcionalizada ao propósito de tornar possível o real conhecimento das cláusulas pelo parceiro contratual do utilizador». Não basta, assim, «neste contexto, a pura notícia da “existência” de cláusulas contratuais gerais, nem a sua indiferenciada “transmissão”. Exige-se ainda que à contraparte do utilizador sejam proporcionadas condições que lhe permitam aceder a um real conhecimento do conteúdo, a fim de, se o quiser, firmar adequadamente a sua vontade e medir o alcance das suas decisões» (Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, 2.ª edição revista e aumentada, Almedina, pág. 234) [18].
Logo, e dependendo das circunstâncias do caso concreto, poderá bastar, e poderá não bastar, dar à outra parte um exemplar do contrato, para que a mesma o leia e assine [19].
Contudo, este «dever de comunicação é uma obrigação de meios; não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas de desenvolver, para tanto, uma actividade razoável. Nessa linha, o nº 2 esclarece que o dever de comunicação varia, no modo da sua realização e na sua antecedência, consoante a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas. Como bitola, refere-se a lei à possibilidade do conhecimento completo e efectivo das cláusulas por quem use de comum diligência. Encontra-se aqui uma afloração do critério geral de apreciação das condutas em abstracto e não em concreto» (Mário Júlio de Almeida Costa e António Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, Anotações ao Dec-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, Almedina, Coimbra, 1987, pág. 25, com bold apócrifo) [20].
Logo, se «as cláusulas forem comunicadas de modo adequado e com a antecedência necessária e o destinatário nada fizer para as conhecer, como lhe cabe, nomeadamente, mas não só, lendo o documento que lhe é apresentado, estas integram o contrato», já que o «critério é o do cumprimento dos requisitos exigidos pelo art. 5.º e não o conhecimento das cláusulas em concreto» (Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 2014-2.ª edição, Almedina, Setembro de 2014, pág. 71 e 72).
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4.2.1.2.2. Dever de informação (ou de esclarecimento)
Mais se lê, no art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, que o «contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique».
Logo, ao anterior dever de comunicação acresce um outro, o dever de informação (ou, talvez mais propriamente, de esclarecimento): a lei não só impõe que o contratante que se prevalece das cláusulas contratuais gerais comunique o seu conteúdo à outra parte, como ainda que lhe preste os esclarecimentos necessários a que a mesma compreenda o seu significado e as suas implicações, variando novamente o modo e a intensidade deste dever das particularidades do caso concreto, face ao que seriam as necessidades sentidas por um destinatário normal, colocado na situação considerada [21].
Dir-se-á, assim, que os esclarecimentos a fazer «de acordo com as circunstâncias» pressupõem, não um «destinatário normal», mas sim «a natureza e a condição da pessoa do outro contraente, incluindo o nível cultural por este revelado durante a negociação»; e, por isso, «se o predisponente souber que a outra parte é analfabeta, a necessidade de esclarecimento das cláusulas aumenta de forma significativa». As mesmas «circunstâncias» incluem ainda: «o grau de complexidade do contrato e das cláusulas, exigindo-se mais esclarecimentos quanto mais difícil possa ser a compreensão das questões jurídicas e não jurídicas abrangidas pelas cláusulas»; e «a relevância de determinadas cláusulas no equilíbrio do contrato, devendo o aderente ser esclarecido de forma clara e categórica em relação a estas, especialmente se forem prejudiciais aos seus interesses».
Dir-se-á, por fim, que, «quem recorre a cláusulas contratuais gerais tem o dever de prestar todos os esclarecimentos que lhe sejam solicitados pela contraparte. O limite é o da razoabilidade, devendo considerar-se que este se encontra ultrapassado quando os pedidos de esclarecimento não digam respeito às cláusulas ou ao contrato em causa ou quando impliquem um desrespeito pelo princípio da boa-fé (v.g. um pedido com o objetivo dilatório de um determinado efeito jurídico)» (Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 2014-2.ª edição, Almedina, Setembro de 2014, págs. 75 e 76, com bold apócrifo).
Logo, inquestionado «que seja o dever de comunicação, o dever de informação assume, por via de regra e salvo casos de complexidade técnica ou obscuridade redatorial das cláusulas, cariz residual e parcelar» (Ac. da RC, de 26.01.2016, Carlos Moreira, Processo nº 4055/13.0TJCBR.C1 - com bold apócrifo -, onde detalha com minúcia o conteúdo de um e outro deveres, citando em seu abono diversa jurisprudência).
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Precisa-se que estes deveres de comunicação e de informação, de «esclarecimento, na íntegra, do conteúdo negocial», e não obstante especificamente «previstos nos arts. 5.º e 6.º do DL 446/85», já resultariam «directamente do princípio da boa fé contratual consagrado no art. 227.º do Código Civil, estendendo-se a todas as partes dos contratos que tenham poder de impor cláusulas negociais ao consumidor» (Ac. do STJ, de 14.04.2015, Maria Clara Sottomayor, Processo n.º 294/2002.E1.S1, com bold apócrifo).
Precisa-se, ainda, que os referidos deveres devem estar cumpridos no momento da celebração do contrato, isto é, no momento da emissão pela contraparte da declaração que a vincula (sendo em princípio irrelevante que lhe seja possibilitado, em momento ulterior, nomeadamente pela cópia das ditas condições gerais, o acesso e análise do seu clausulado). «Trata-se de, e ainda na fase de negociação, ou pré-contratual, comunicar quais as cláusulas a inserir no negócio mas, e também, prestar todos os esclarecimentos necessários, designadamente informando o aderente do seu significado e implicações» (Ac. do STJ, de 23.01.2007, Borges Soeiro, Revista n.º 4230/06, in http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/clausulascontratuauisgeraisjurisprudenciastj.pdf) [22].
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4.2.1.2.3. Ónus de alegação e de prova
Lê-se no art.º 5.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, que o «ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante determinado que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais»
Compreende-se, por isso, que no «âmbito dos contratos de adesão, para efeitos de observância do ónus de prova sobre a adequada comunicação e informação de cláusulas gerais neles inseridas, que incumbe ao proponente nos termos dos artigos 5.º e 6.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25/10», importe «distinguir esse ónus [de prova] do ónus, por parte do aderente, de alegar ou invocar a violação dos deveres de comunicação e informação de cuja preterição se pretende prevalecer»: e, por isso, «o ónus de prova que recai sobre o proponente pressupõe a invocação, pelo aderente, da violação desses deveres por parte daquele» (Ac. do STJ, de 28.09.2017, Tomé Gomes, Processo n.º 580/13.0TNLSB.L1.S1, com bold apócrifo) [23].
Compreende-se, ainda, que se afirme que, em «sede de CCG - DL nº 446/85, de 25/10 - a violação do dever de comunicação do predisponente é matéria de facto, com prova, ou não prova - ónus a impender sobre ele -, se pelo aderente for invocada; já a conclusão sobre a violação, ou não, do dever de informação é, essencialmente, matéria de direito, atinente a atividade exegética a incidir sobre o teor das cláusulas pertinentes e perspetivada a lei aplicável» (Ac. da RC, de 26.01.2016, Carlos Moreira, Processo nº 4055/13.0TJCBR.C1).
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4.2.1.2.4. Consequências da violação (dos deveres de comunicação e/ou de informação)
Lê-se no art.º 8.º, als. a) e b), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, que se consideram excluídas dos contratos singulares as cláusulas contratuais neles insertas com inobservância destas regras pré-negociais, nomeadamente «as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º», e «as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo».
É, pois, «radical a solução da nossa lei, já que determina que as cláusulas que se encontrem nessa situação não chegam sequer a fazer parte do conteúdo do contrato singular celebrado: pura e simplesmente, consideram-se dele excluídas, o mesmo é dizer que se têm como não escritas» (Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, 2.ª edição revista e aumentada, Almedina, pág. 251) [24].
Aplicada a sanção, «os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos», sendo, «todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados (...), ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé» (art.º 9.º, n.º 1 e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro) [25].
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4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável) 4.2.2.1. Contrato de adesão - Cláusulas contratuais gerais
Concretizando, verifica-se estar assente nos autos a celebração, entre a Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada) e a Exequente/Embargada (EMP02..., S.A.) de um contrato de prestação de garantia bancária autónoma, mediante o qual esta se obrigou a entregar à Banco 1..., S.A. a quantia que lhe fosse devida por aquela, mercê de prévio incumprimento de um contrato de mútuo que, por sua vez, tinham celebrado entre si.
Mais se verifica que constam do dito contrato de prestação de garantia bancária autónoma quer Condições Gerais, quer Condições Particulares; e que o texto daquelas primeiras é extenso, técnico e uniforme.
Recorda-se, a propósito, que um contrato pode conter: (i) condições gerais, que se aplicam a todos os contratos do mesmo tipo; (ii) condições especiais, que, completando ou especificando as condições gerais, são de aplicação generalizada a determinados contratos do mesmo tipo, e (iii) condições particulares, que se destinam a responder em cada caso às circunstâncias específicas dos concretos e individuais interesses das suas partes [26].
Dir-se-á, assim, que, estando deste modo suficientemente indiciado que o dito contrato de prestação de garantia bancária autónoma consubstanciaria (pelo menos numa sua parte) um contrato de adesão, uma vez invocada essa sua natureza pela Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada), não foi a mesma contestada pela Exequente/Embargada (EMP02..., S.A.), tendo ainda sido aceite pelo Tribunal a quo na sentença (nesta parte não) recorrida [27].
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4.2.2.2. Dever de comunicação - Condições Particulares (escritas)
Concretizando novamente, verifica-se que, constando o pacto de preenchimento da livrança inicialmente em branco que se executa nos autos principais do contrato de prestação de garantia bancária autónoma, veio a Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada) defender que a cláusula que o continha (que qualificou de cláusula contratual geral) não lhe foi comunicada.
Referiu expressamente para o efeito «que o pacto de preenchimento, relativamente à livrança dada à execução consta das “I - CONDIÇÕES GERAIS DA EMISSÃO E PRESTAÇÃO DA GARANTIA AUTÓNOMA (...)”», onde efectivamente se lê, na sua condição quinta, ponto um, que se «dos colaterais referidos no número anterior resultar a entrega pelo CLIENTE à EMP07... de uma livrança em branco subscrita pelo CLIENTE, a referida livrança ficará em poder da EMP07..., ficando esta autorizada, quer pelo subscritor quer pelos avalistas, caso existam, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre o CLIENTE».
Contudo, verifica-se ainda que o dito pacto de preenchimento veio igualmente a ser inserto nas «III - CONDIÇÕES PARTICULARES (CP)», do mesmo contrato de prestação de garantia bancaria autónoma, na sua condição sexta, onde, depois de se assinalar com uma cruz a opção de garantia «LIVRANÇA EM BRANCO» se lê que a «livrança em branco subscrita pelo CLIENTE (…) ficará em poder da EMP07..., ficando esta, desde já, expressamente autorizada pelo subscritor, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre o CLIENTE».
Ora, se relativamente às concretas condições gerais do contrato de prestação de garantia bancária autónoma será inquestionável a sua natureza de cláusulas contratuais gerais, já será questionável que o mesmo se possa dizer das respectivas condições particulares, vertidas num texto muitíssimo mais curto e simples, e destinado precisamente à discriminação individual e concreta das prestações e contraprestações devidas por ambas as partes [28].
Vindo, então, a defender-se que a condição sexta das referidas Condições Particulares (que consubstancia o pacto de preenchimento da inicial livrança em branco que se executa nos autos principais) não revestiria a natureza de cláusula contratual geral, desde logo soçobraria a causa de invalidade invocada contra ela pela Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada), precisamente porque fundada na disciplina legal aplicável às cláusulas contratuais gerais [29].
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Dir-se-á, porém, que mesmo que se qualifique a dita condição sexta das Condições Particulares do contrato de prestação de garantia bancária autónoma como uma cláusula contratual geral, certo é que, constando todas elas de um texto escrito, de limitada extensão e particularizando de forma simples as obrigaçãos e direitos das partes, texto esse que foi necessariamente disponibilizado à Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada) para posterior assinatura por ela, se considera por esse modo devidamente cumprido o dever de comunicação do respectivo teor que então onerava a Exequente/Embargada (EMP02..., S.A.).
Com efeito, o dito suporte escrito consubstancia, no caso, «modo adequado» de comunicação das Condições Particulares; e a possibilidade de as ler antes da assinatura assegura ainda «a antecedência necessária», já que, face à sua limitada extensão e à simplicidade do seu teor, aquela leitura (desde que atenta e ponderada, como se exige de qualquer contraente) seria suficiente para assegurar o seu conhecimento completo e efectivo por quem usasse de comum diligência [30].
Enfatiza-se que, embora «considerando que o aderente está numa situação de maior fragilidade, face à superioridade e poder económico da parte que impõe as cláusulas, o legislador não tratou o aderente como pessoa inábil e incapaz de adoptar os cuidados que são inerentes à celebração de um contrato e por isso lhe exigiu também um comportamento diligente tendo em vista o conhecimento real e efectivo das cláusulas que lhe estão a ser impostas». Logo, não poderá a parte «invocar o desconhecimento dessas cláusulas, para efeitos de se eximir ao respectivo cumprimento, quando esse desconhecimento, a existir, apenas resultou da sua falta de diligência» (Ac. do STJ, de 24.03.2011, Granja da Fonseca, Processo n.º 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1).
Tem-se, assim, por cumprido qualquer dever de comunicação da condição sexta das Condições Particulares do contrato de prestação de garantia bancária autónoma que onerasse a Exequente/Embargada (EMP02..., S.A.), isto é, no pressuposto de que a dita condição sexta consubstanciaria uma cláusula contratual geral.
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4.2.2.3. Dever de informação/esclarecimento - Conteúdo inteligível
Concretizando uma derradeira vez, verifica-se que a Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada), invocando sempre e apenas a condição quinta, ponto um, das Condições Gerais do contrato de prestação de garantia autónoma, veio ainda defender, de forma genérica e conclusiva, não ter sido a mesma objecto de informação.
Dir-se-á a propósito, e regressando à condição sexta das Condições Particulares, que o seu teor é limitadoem extensão (consubstanciando um único parágrafo de cinco linhas) e simplesna linguagem utilizada (não incluindo qualquer obscuridade redactorial, ou qualquer termo jurídico ou de outra natureza técnica, de apreensão limitada aos titulares de quaisquer reservados conhecimentos); e, por isso, é de compreensão acessível a qualquer indiferenciado contratante, dispensando o cumprimento de (inexistente) dever de esclarecimento.
Dir-se-á ainda que este juízo mais se justifica a propósito da Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada), atenta a sua natureza de comerciante profissional, já que, não só o exercício do seu objecto social pressupõe conhecimento e natural desenvoltura no manuseamento de títulos de crédito, como a particular consciência do que envolve qualquer acto de vinculação contratual escrita (nomeadamente, quanto às consequências do eventual e futuro incumprimento das obrigações por ele assumidas) [31].
Precisa-se que atender deste modo à concreta pessoa da Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada), na verificação do cumprimento do dever de informação/esclarecimento do teor de uma cláusula contratual geral (como igualmente o fez o Tribunal a quo [32]), é um imperativo legal, e não qualquer automática exclusão da mesma (face à sua natureza de pessoa colectiva) do regime de protecção consagrado no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (como a própria defende nas respectivas alegações de recurso).
Tem-se, assim, por injustificado qualquerdever de informação/esclarecimento relativo à condição sexta das Condições Particulares do contrato de prestação de garantia bancária autónoma que onerasse a Exequente/Embargada (EMP02..., S.A.), sempre no pressuposto de que a dita condição sexta consubstanciaria uma cláusula contratual geral.
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Deverá decidir-se em conformidade, pela improcedência total do recurso de apelação da Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada).
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V - DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Executada/Embargante (EMP01... - Unipessoal, Limitada) e, em consequência, em
· Confirmar integralmente o saneador-sentença recorrido.
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Custas da apelação pela Executada/Embargante (art.º 527.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.
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Guimarães, 06 de Fevereiro de 2025.
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - Fernando Manuel Barroso Cabanelas; 2.º Adjunto - João Peres Coelho.
[1]O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento - doravante PERSI - foi criado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, diploma que estabeleceu princípios e regras a observar pelas instituições de créditos na prevenção e regularização das situações de incumprimento de contratos de créditos pelos clientes bancários e criou a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancário no âmbito de regularização dessa situações. [2]Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1 (in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem), onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido». [3]Neste sentido, de que os factos constantes da fundamentação de facto da decisão judicial deverão ser apresentados segundo uma ordenação sequencial, lógica e cronológica(e não de forma desordenada, consoante os articulados de onde tenham sido extraídos e reproduzindo ipsis verbis a sua redacção, incluindo interjeições coloquiais), na doutrina: . Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, I Volume, 2013, Almedina, Outubro de 2013, pág. 543 - onde se lê que os «factos que constituem fundamentação de facto devem ser integralmente descritos. O juiz deve aqui relatar a realidade histórica tal como ela resultou demonstrada da produção de prova. (…)
Não há aqui qualquer fundamento para o juiz se cingir aos enunciados verbais adotados pelas partes. O que importa é o facto, e este pode ser descrito de diversas formas. Ele é aqui o cronista, o tecelão da narrativa fiel à prova produzida, não devendo compô-la com fragmentos literais de frases articuladas, fabricando uma desconexa manta de retalhos». . Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, página 22 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença, os «enunciados de facto devem também ser expostos numa ordenação sequencial lógica e cronológica que facilite a conjugação dos seus diversos segmentos e a compreensão do conjunto factual pertinente, na perspetiva das questões jurídicas a apreciar. Com efeito, a ordenação sequencial das proposições de facto, bem como a ligação entre elas, é um fator de inteligibilidade da trama factual, na medida em que favorece uma interpretação contextual e sinótica, em detrimento de uma interpretação meramente analítica, de enfoque atomizado ou fragmentário. Por isso mesmo, na sentença, cumpre ao juiz ordenar a matéria de facto - que se encontra, de algum modo parcelada, em virtude dos factos assentes por decorrência da falta de impugnação - na perspetiva do quadro normativo das questões a resolver». . António Santos Abrantes Geraldes, «Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 10 e 11 (inhttps://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6425) - onde se lê que, na sentença, «na enunciação dos factos apurados o juiz deve usar uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção. Por isso é inadmissível (tal como já o era anteriormente) que se opte pela enunciação desordenada de factos, uns extraídos da petição, outros da contestação ou da réplica, sem qualquer coerência interna.
Este objectivo - que o bom senso já anteriormente deveria ter imposto como regra absoluta - encontra agora na formulação legal um apoio suplementar, já que o art. 607º, nº 4, 2ª parte, impõe ao juiz a tarefa de compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, o que necessariamente implica uma descrição inteligível da realidade litigada, em lugar de uma sequência desordenada de factos atomísticos». . Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, Almedina, Junho de 2014, pág. 322 - onde se lê que, «depois de concluída a produção de prova e quando elaborar a sentença, é função do juiz relatar - e relatar de forma expressa, precisa e completa - os factos essenciais que se provaram em juízo. Tal relato haverá de constituir uma narração arrumada, coerente e sequencial (lógica e cronologicamente), na certeza de que isso deve ser feito “compatibilizando toda a matéria de facto adquirida”, como prescreve a parte final do nº 4 do art. 607º».
Na jurisprudência mais recente: Ac. da RL, de 24.04.2019, Laurinda Gemas, Processo n.º 5585/15.4T8FNC-A.L1-2; ou Ac. da RL, de 02.07.2019, José Capacete, Processo n.º 1777/16.7T8LRA.L1-7. [4]Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 20 e 21 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença, os «enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a retratar com objetividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correção sintática e propriedade terminológica e semântica».
Ora, tendendo as partes «a adestrar a factualidade pertinente no sentido estrategicamente favorável à posição que sustentam no seu confronto conflitual, daí resultando enunciados, por vezes, deformados, contorcidos ou de pendor mais subjetivo ou até emotivo», caberá «ao juiz, na formulação dos juízos de prova, expurgar tais deformações, sendo que, como é entendimento jurisprudencial corrente, não se encontra adstrito à forma vocabular e sintática da narrativa das partes, mas sim ao seu alcance semântico. Deve, pois, adotar enunciados que, refletindo os resultados probatórios, sejam portadores de um sentido semântico, o mais consensual possível, de forma a garantir que a controvérsia se desenvolva em sede da sua substância factual e não no plano meramente epidérmico dos seus modos de expressão linguística». [5] Recorda-se que se lê no art.º 75.º da LULL que a «livrança contém:
1. A palavra "livrança" inserta no próprio texto do título e expressa na língua empregada para a redacção desse título;
2. A promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada;
3. A época do pagamento;
4. A indicação do lugar em que se deve efectuar o pagamento;
5. O nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga;
6. A indicação da data em que e do lugar onde a livrança é passada;
7. A assinatura de quem passa a livrança (subscritor)». [6]No mesmo sentido, Ac. da RP, de 07.01.2019, Jorge Seabra, Processo n.º 1025/18.5T8PRT.P1, onde se lê que se trata «de prática usual da banca o recurso a uma livrança em branco, com pacto de preenchimento, subscrita pela sociedade creditada e avalizada pelos sócios desta e pelos seus cônjuges, como é o caso dos autos, enquanto meio de garantir a restituição das quantias utilizadas pelo creditado e das demais contrapartidas ou despesas acordadas».
Com efeito, «através desta garantia, o banco creditante, além de poder satisfazer o seu crédito através do património da sociedade creditada, pode, ainda, satisfazê-lo através do património pessoal dos sócios avalistas (cfr. artigos 32º, 47º e 77º, da LULL), aumentando, pois, a garantia patrimonial do seu crédito (artigo 601º, do Cód. Civil) e, naturalmente, por força deste incremento, as probabilidades de satisfação do capital creditado e demais acréscimos convencionados». [7] Neste sentido, A. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial. Letra de Câmbio, Volume III, Universidade de Coimbra, 1966, págs. 40 a 75. [8]Neste sentido: Ac. da RP, de 19.12.2012, Teles de Menezes, Processo n.º 2295/11.5TBOAZ-A.P1; ou Ac. da RP, de 27.06.2018, Jorge Seabra, Processo n.º 4368/15.6T8LOU-A.P1. [9] Precisa-se, a propósito, que «o contrato [contrato-base, fonte das obrigações garantidas] poderá deixar de ser executado, ou ser mal executado: por ex. O empreiteiro poderá não construir a obra, ou construí-la mal. A outra parte dispõe de acções contratuais, quer para exigir que o contratante faltoso cumpra as suas obrigações, quer para fazer valer os direitos que lhe advêm da resolução do contrato. Mas o recurso a estas acções oferece graves inconvenientes, dadas as demoras, custos e complexidade dum procedimento judiciário internacional; e revela-se não raro inoperante porque o facto de a parte contrária ter faltado aos seus compromissos faz supor só por si que não está em condições de os satisfazer.
Por isso, o contraente que receie ver-se com uma situação desse tipo exige que um banco de sólida reputação internacional garanta a conveniente execução do contrato» (Inocêncio Galvão Telles, Garantia Bancária Autónoma, Parecer, O Direito, Ano 120, 1988, III-IV, Julho/Dezembro, com bold apócrifo). [10]Face à sua falta de expressa consagração legislativa, diz-se que este é um negócio legalmente atípico, mas socialmente típico, isto é, foi a prática da vida económica que lhe determinou os contornos jurídicos distintivos (António Sequeira Ribeiro, «Garantia Bancária Autónoma à Primeira Solicitação: Algumas Questões», Estudos emHomenagem ao Professor Galvão Telles, Volume II, Almedina, pág. 311). [11]Em conformidade, encontramos três actos jurídicos distintos: um primeiro, o chamado contrato base, que constitui a relação principal, causal ou subjacente, no qual são partes o dador de ordem e o beneficiário; em segundo lugar, um contrato de mandato, ao abrigo do qual o banco (garante) se obriga para com o dador de ordem, mediante certa retribuição, a prestar-lhe o serviço que se traduz no fornecimento da garantia visada; e em terceiro lugar, um contrato de garantia, (entre o garante e o beneficiário), pelo qual o garante, emitindo o competente título, se obrigou a pagar o montante convencionado. [12]Sobre o tema, ainda Almeida Costa e Pinto Monteiro, Garantias Bancárias - O Contrato de Garantia à Primeira Solicitação, CJ, Ano IX, 1986, Tomo 5, pág. 16-34; ou Francisco Cortez, A Garantia Bancária Autónoma, ROA, 52.º, II, Julho, 1992, págs. 513-609. [13]Neste sentido, Ac. do STJ, de 30.03.2017, João Trindade, Processo n.º 4267/12.3TBBRG.G1.S1, onde se lê que o «contrato de adesão, na sua forma pura, poderá definir-se como sendo aquele em que uma das partes, normalmente uma empresa de apreciável dimensão, formula unilateralmente cláusulas e a outra parte as aceita mediante a adesão ao modelo ou impresso que lhe é apresentado, não sendo possível modificar esse ordenamento negocial». [14]No mesmo sentido, António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Colecção Teses, Almedina, 1990, pág. 748, onde se lê que, quando estão em causa cláusulas contratuais gerais, «a liberdade da contraparte fica praticamente limitada a aceitar ou rejeitar, sem poder realmente interferir, ou interferir de forma significativa, na conformação do conteúdo negocial que lhe é proposto, visto que o emitente das “condições gerais” não está disposto a alterá-las ou a negociá-las; se o cliente decidir contratar terá de se sujeitar às cláusulas previamente determinadas por outrém, no exercício de um law making power de que este de facto desfruta, limitando-se aquele, pois, a aderir a um modelo pré-fixado». [15]O Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, foi depois objecto de sucessivas alterações, nomeadamente por forma a torná-lo conforme com Directivas Comunitárias editadas posteriormente. [16] No mesmo sentido, Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 2014-2.ª edição, Almedina, Setembro de 2014, pág. 61.
Defende o mesmo autor, a pág. 63, que o «DL 446/85 aplica-se, portanto, às cláusulas pré-elaboradas por uma das partes, que a outra não tenha tido a possibilidade de negociar. A chave para a determinação do âmbito desta definição está na interpretação do conceito de impossibilidade de negociar os termos do contrato. Trata-se de uma questão complexa, mas entendemos que esta impossibilidade deve ser avaliada tendo em conta o desequilíbrio entre as partes ou as circunstâncias da celebração do contrato, não bastando que o proponente e predisponente se recuse a receber contrapropostas ou que o destinatário das cláusulas as aceite sem discussão. É necessário que do ato de comunicação das cláusulas resulte que estas se encontram rigidamente predispostas, não sendo possível modificar, por negociação, o seu conteúdo». [17]Neste sentido, Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 2014-2.ª edição, Almedina, Setembro de 2014, pág. 65, onde se lê que, desde «logo, as cláusulas podem ser incluídas em documentos contratuais dirigidos ou a pessoa determinada ou ao público, podendo também resultar de uma mensagem inserida na publicidade ou rotulagem dos bens ou serviços ou ser comunicadas através da colocação de cartazes em estabelecimentos comerciais. Qualquer meio é, em princípio, apto para a comunicação de cláusulas, sendo de destacar as mensagens transmitidas pelo telefone, pela televisão ou através da Internet. Quanto à forma propriamente dita, e apesar de algumas referências a um suporte escrito (redigida, na Diretiva, e subscrever, no diploma nacional), nada impede que as cláusulas contratuais gerais possam resultar de declarações orais». [18]Não basta, assim, «a mera invocação de um “dever saber” que recairia sobre o cliente, quer no que concerne à normal utilização de condições gerais pelo proponente nos contratos que habitualmente celebra, quer no que respeita ao conteúdo dessas condições. De facto, não é isso que elimina a exigência legal de comunicação à contraparte das condições gerais, exigência que constitui, em certo sentido, como que uma “formalização” do evento da inclusão das cláusulas no contrato singular -, nem a articulada necessidade de se proporcionar ao cliente a possibilidade de uma exigível tomada de conhecimento do conteúdo do clausulado: não é o cliente quem deve, por iniciativa própria, tentar efectivamente conhecer as condições gerais, é ao utilizador que compete proporcionar-lhe condições para tal» (Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, Almedina, 2ª edição revista e aumentada, pág. 241).
Afasta-se, deste modo, a orientação - mais extrema - daqueles que entendem que, tendo o contrato sido assinado, vinculou, pela mera aposição daquela assinatura, o seu autor, já que, «quem subscreve um contrato sem o ter lido, nem ter tomado conhecimento do seu conteúdo, não pode depois, em princípio, vir alegar erro na declaração, pois se o assinou é porque quis admitir o conteúdo do documento seja qual for o seu teor literal, a não ser que contenha regulamentação que não podia em nenhum caso prever», ou se se assinou o documento julgando que o mesmo não tinha qualquer conteúdo negocial (Karl Larenz, Derecho Civil, Parte Generale, pág. 509).
Para estes autores, a vinculação do subscritor do documento, sem prévia leitura do mesmo, decorre dum princípio da responsabilidade, sendo que, se assinou sem o ler, fez - de qualquer forma - seu o contexto do documento» (José Lebre de Freitas, A Falsidade no Direito Probatório, Livraria Almedina, 1984, pág. 71, nota 156, e págs. 71/72, nota 157). [19]Decidindo de forma divergente, face aos contornos dos respectivos casos concretos, Ac. da RC, de 26.06.2018, Arlindo Oliveira, Processo n.º 46369/17.9YIPRT.C1 e Ac. da RL, de 22.06.2023, Ana Paula Nunes Duarte Olivença, Processo n.º 8911/13.7TCLRS-A.L1-8. [20]No mesmo sentido, na doutrina: . Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, 2.ª edição revista e aumentada, Almedina, pág. 234 - onde se lê «que o contraente venha a ter, na prática, tal conhecimento [das cláusulas contratuais gerais], isso já não é exigido, pois bem pode suceder que a sua conduta não se conforme com o grau de diligência legalmente pressuposto. Não obstante, deverá dar-se como cumprida, em tal circunstância, a exigência de uma comunicação adequada, tornando-se as cláusulas, por isso mesmo, parte integrante do contrato singular: aquilo a que o utilizador está vinculado é tão só a proporcionar à contraparte a razoável possibilidade de delas tomar conhecimento». . Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 2014-2.ª edição, Almedina, Setembro de 2014, págs. 71 e 72 - onde se lê que o «art. 5.º impõe uma forma e uma antecedência quer permitam, em abstrato - e tendo como referência o destinatário que use de “comum diligência” ou o “aderente medianamente diligente”, devendo a média ser avaliada tendo em conta os hábitos e o grau de cultura dos portugueses - uma decisão esclarecida, mas não constitui requisito de integração num contrato concreto o conhecimento completo e efetivo das cláusulas». Dir-se-á, mesmo, que a «solução contrária levaria a que fosse sempre mais favorável ao destinatário nada fazer para conhecer as cláusulas, ignorando todos os elementos que lhe fossem transmitidos».
Na jurisprudência, Ac. do STJ, de 19.12.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 857/08.7TVLSB.L1.S2, onde se lê que o «dever de comunicação caracteriza-se como uma obrigação de meios e impõe que o predisponente desenvolva uma atividade que, em função da importância, extensão e complexidade das cláusulas contratuais gerais por si empregues, se revele razoavelmente adequada a que o aderente tome efetivo conhecimento das mesmas, sem que, para tanto, empenhe mais do que uma comum diligência (art. 5.º, n.º 2, da LCCG)». [21]Neste sentido,Mário Júlio de Almeida Costa e António Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, Anotações ao Dec-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, Almedina, Coimbra, 1987, pág. 25.
Ainda Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 2014-2.ª edição, Almedina, Setembro de 2014, pág. 67, onde se lê que, se «o consumidor estiver numa situação de especial debilidade, e o profissional tiver conhecimento, por qualquer meio, dessa circunstâncias, há um dever especial de esclarecimento que resulta desta norma». [22]No mesmo sentido, Ac. da RC, de 30.06.2015, Maria João Areias, Processo n.º 90/12.3TBVZL.C2, onde se lê que visando «a exigência de comunicação integral a necessidade de assegurar à contraparte a possibilidade de uma tomada de conhecimento efetivo do respetivo conteúdo, só faz sentido exigir ao predisponente a prova da efetiva e adequada comunicação, se o aderente, de algum modo, alegar que, por se tratar de uma cláusula sobre a qual não houve negociação prévia e por não lhe ter sido devidamente explicada, dela não chegou a ter conhecimento em momento prévio ou contemporâneo à assinatura do contrato». [23] No mesmo sentido, Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 2014-2.ª edição, Almedina, Setembro de 2014, pág. 72, onde se lê que cabe «a quem apresentou as cláusulas provar o cumprimento dos requisitos de comunicação legalmente impostos, no caso do seu incumprimento ser alegado pela outra parte».
Na jurisprudência: Ac. do STJ, de 24.02.2005, Araújo de Barros, Processo n.º 04B4826; Ac. da RP, de 19.10.2011, Abílio Costa, Processo n.º 3532/10.9YYPRT-A.P1; Ac. do STJ, de 30.03.2017, João Trindade, Processo n.º 4267/12.3TBBRG.G1.S1; Ac. da RC, de 26.06.2018, Arlindo Oliveira, Processo n.º 46369/17.9YIPRT.C1; Ac. da RC, de 28.09.2020, Falcão de Magalhães, Processo n.º 5401/16.0T8VIS-A.C1; Ac. da RL, de 22.06.2023, Ana Paula Nunes Duarte Olivença, Processo n.º 8911/13.7TCLRS-A.L1-8; ou Ac. da RP, de 26.09.2023, Maria da Luz Seabra, Processo n.º 1634/21.5T8PRT.P1. [24]Precisa-se, porém, que esta sanção, «prevista no nº1 do artigo 8º do RCCG para a falta de comunicação de uma cláusula contratual geral - exclusão do contrato individual - integra uma invalidade mista, que não é de conhecimento oficioso pelo tribunal nem poderá ser invocada pela proponente» (Ac. da RC, de 30.06.2015, Maria João Areias, Processo nº 90/12.3TBVZL.C2, com bold apócrifo). Logo, só relativamente àquelas concretas cláusulas contratuais gerais invocadas pelo aderente - como não tendo sido objecto de comunicação ou de informação/esclarecimento - é que poderá operar, e não presuntivamente sobre todas as demais por ele não referidas. [25]Compreende-se, por isso, que se afirme que, «em princípio a invalidade de determinadas cláusulas incluídas em contratos singulares ditaria a não subsistência destes, excepto quando se pudesse operar com o instituto da redução; ele implica a manutenção do negócio sem a parte viciada (art. 292º do Código Civil). Atento aos valores em apreço e com o escopo de não prejudicar o aderente às cláusulas contratuais gerais, optou o legislador pela manutenção dos contratos singulares atingidos. Na parte afectada, devem vigorar, então, as normas supletivas afastadas pelas cláusulas contratuais gerais e, sempre que necessário, com recurso aos critérios genéricos (art. 239º do Código Civil) e específicos (ex: arts. 539º, 542º, nº 2, e 883º do Código Civil) de integração dos negócios jurídicos. Assim dispõe o nº 1.
Porém, no nº 2, são previstas duas hipóteses de não subsistência dos contratos singulares atingidos, determinando-se a sua nulidade. (...) No primeiro caso, verifica-se uma aplicação das normas gerais. Recordemos que o negócio jurídico cujo objecto se mostre indeterminável é nulo, como dispõe o artigo 280º, nº 1, do Código Civil. Ao passo que, no segundo caso, ocorre uma disposição de cautela: a não inclusão, num contrato singular, de apenas alguma ou algumas das cláusulas contratuais gerais para ele previstas, mantendo-se as restantes, pode conduzir a distorções acentuadas na lógica interna dos negócios em causa. Quando daí resulte um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé, o contrato é nulo» (Mário Júlio de Almeida Costa e António Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, Anotações ao Dec-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, Almedina, Coimbra, 1987, p. 28, com bold apócrifo). [26] Neste sentido, Ac. do STJ, de 04.12.2014, Granja da Fonseca, Processo nº. 919/13.9TVLSB.L1.S1, com bold apócrifo, a propósito do contrato de seguro e citando José Vasques. [27]Lê-se, a propósito, na sentença recorrida: «Resulta dos autos que à questão relativa à subsunção das cláusulas do contrato em apreço ao regime das C.C.G. tem de responder-se afirmativamente. Não obstante não ser na íntegra um contrato de adesão, o contrato reflecte a aposição de várias cláusulas que são previamente elaboradas, não tendo sido alegada a prévia negociação para a sua elaboração». [28] Neste sentido, e para condições especiais, Ac. do STJ, de 28.09.2017, Tomé Gomes, Processo n.º 580/13.0TNLSB.L1.S1, onde se lê que, estando «em causa, como no caso presente, a interpretação a dar ao segmento de uma cláusula constante de condições especiais contratadas entre as partes, não lhe é aplicável o disposto nos artigos 5.º, 6.º e 8.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25/10, já que não se traduz numa cláusula contratual geral, inserida sem negociação prévia, nos termos definidos no artigo 1.º, n.º 1 e 2, do mesmo diploma».
Precisa-se, porém, que o exposto não equivale a dizer que todas as condições particulares de um qualquer contrato não poderão, ipso facto, assumir a natureza de cláusulas contratuais gerais.
Com efeito, ainda «quando se apure terem sido objecto de negociação algumas das cláusulas que constituem o núcleo do contrato, não está imediatamente excluída a aplicação ao caso do regime das CCG, desde que se verifique quanto ao contrato individual apreciando que as cláusulas que o integram: a) se desenham como cláusulas pré-elaboradas, existindo disponíveis antes de surgir a declaração que as perfilha; b) apresentam-se rígidas, sem possibilidade de alterações ao regime ou esquema delineado, sem prejuízo de acertamentos pontuais e concretos; c) e podem ser utilizadas por pessoas indeterminadas, quer como proponentes, quer como destinatários» (Ac. da RP, de 10.10.2024, Isabel Peixoto Pereira, Processo n.º 785/23.6T8MAI-A.P1). [29] Neste sentido: . Ac. do STJ, de 10.05.2007, João Bernando, Processo n.º 07B841 - onde se lê que, previamente «à demonstração a que os ónus da prova previstos no Dec. Lei nº 446/85, de 25/10 (arts. 1º nº 3 e 5º nº 3) se reportam, tem de haver a demonstração a cargo da parte que quer beneficiar da invalidade das cláusulas contratuais gerais, de que estamos no terreno próprio destas». . Ac. da RP, de 10.10.2024, Isabel Peixoto Pereira, Processo n.º 785/23.6T8MAI-A.P1- onde se lê que, encontrando-se «uma cláusula inserida nas condições gerais de um contrato padronizado, é sobre a parte que dela pretende prevalecer-se, e de modo exclui-la do regime da LCCG, que incumbe o ónus de prova de que a mesma resultou de negociação prévia entre as partes». [30] No mesmo sentido: . Ac. do STJ, de 24.03.2011, Granja da Fonseca, Processo n.º 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1 - onde se lê que a «presença dos contratos assinados pressupõe que a recorrente os entendeu e, em conformidade com o disposto no art. 6º, a exequente apenas teria que informar a outra parte dos aspectos cuja aclaração se justificasse, e prestar os esclarecimentos solicitados».
Defendeu, por isso, que «o cumprimento do dever de comunicação a que se reporta o art. 5.º, bastou-se com a entrega da minuta do contrato, que continha todas as cláusulas (incluindo as gerais), com a antecedência necessária, em função da extensão e complexidade das mesmas, na medida em que, com a entrega dessa minuta, a recorrente teve a efectiva e real possibilidade de ler e analisar todas as cláusulas e de pedir os esclarecimentos que entendesse necessários para a sua exacta compreensão». . Ac. da RG, de 25.05.2017, Alexandra Rolim Mendes, Processo n.º 4064/12.6TBGMR-A.G1 - onde se lê que sendo «os Embargantes pessoas com experiência na área das operações bancárias e não sendo os contratos em causa extensos ou especialmente difíceis de entender, devemos considerar que o dever de comunicação estabelecido no art. 5º do DL nº 446/85 foi cumprido ao possibilitar aos contraentes que, usando de comum diligência, tomassem conhecimento integral e efetivo do teor das cláusulas e pedissem esclarecimentos sobre aquelas que lhes suscitassem dúvidas, tanto mais que o Embargado sempre se disponibilizou a clarificar o teor das cláusulas dos contratos e acordos celebrados com os mesmos». . Ac. do STJ, de 02.11.2023, Fernando Baptista, Processo n.º 7605/19.4T8LSB.L2.S1 - onde se lê que a «apreciação do cumprimento do dever de comunicação ínsito no RJCCG não prescinde de uma análise casuística, ponderadas todas as circunstâncias concretamente relevantes na situação particular». . Ac. da RP, de 10.10.2024, Isabel Peixoto Pereira, Processo n.º 785/23.6T8MAI-A.P1 - onde se lê que as «cláusulas em questão foram objecto de comunicação; os enunciados do contrato e pacto de preenchimento não se apresentam como extensos; têm uma apresentação gráfica adequada, com letra de tamanho normal e espaçada. Os aderentes e garantes são profissionais do ramo de atividade a que respeita o negócio (fornecimento de café a estabelecimentos de venda a retalho deste), tendo, por isso, conhecimentos suficientes para perceber o sentido das cláusulas - o qual, diga-se, é de fácil apreensão. Acresce a demonstração efectiva do conhecimento, que não apenas da cognoscibilidade (para um contraente normalmente diligente), do clausulado questionado». [31] Neste sentido, Ac. do STJ, de 02.11.2023, Fernando Baptista, Processo n.º 7605/19.4T8LSB.L2.S1, onde se lê que o «conteúdo do dever de informação, bem como os termos em que deve ser feita a comunicação prévia das cláusulas contratuais gerais, dependem das circunstâncias, sendo de considerar, designadamente, o facto de existirem já anteriores relações contratuais ou de o aderente ser uma empresa ou um simples consumidor final». [32] Lê-se, a propósito, na sentença recorrida: «Atenta a natureza dos serviços em causa e a qualidade da embargante – empresa, cliente de negócios bancários com terceiro e não desconhecedora do meio negocial em questão – não se exigiria do contraente credor que a comunicação das cláusulas passasse por uma leitura integral e uma explicação cláusula a cláusula, sendo, no nosso entender, suficiente que ao mesmo seja dada oportunidade de ler e a possibilidade de suscitar dúvidas, como, de resto, resulta do art. 6º do diploma vindo de referir. (…) Por outro lado, o teor da norma – cláusula 6 das condições gerais - é de fácil entendimento, tanto mais considerando, repete-se, a natureza comercial da actividade da executada. Queremos com isto dizer que não requer especiais conhecimentos a percepção do sentido das consequências do incumprimento, mormente o preenchimento da livrança. Temos entendido que, mesmo quando os consumidores são pessoas singulares, pese embora o cuidado e a especial protecção que merecem na celebração dos contratos com as entidades financeiras, não se podem demitir das responsabilidades que igualmente sobre os mesmos recaem.— No caso em que, como o presente, o contraente supostamente “mais fraco” assume a natureza de empresa, julgamos que a protecção especial deixa de fazer sentido. São entidades cujo giro comercial lhes exige um particular cuidado na negociação, não se coadunando com a leviandade que a arguição do desconhecimento dos clausulados evidencia. Além disso, não podemos ignorar que foi a executada que primeiro juntou o clausulado – ao qual, por isso, tinha acesso – e que aceita ter celebrado o contrato».