I - Apreciação da prova tem de ser feita no seu conjunto, e não apenas de forma parcial e individual, cabendo ao julgador, dentro do princípio da livre apreciação da prova, formar a sua convicção, e explicitá-la ou motivá-la.
II - A convicção formada pelo tribunal a quo, tem pleno cabimento na prova produzida e na apreciação global e conjunta de toda a prova, extraindo-se da fundamentação da motivação o rigor posto na apreciação dessa prova, inexistindo erro de julgamento.
III - A pena concreta de prisão e opção por esta mostra-se justa, adequada e proporcional.
IV - O legislador penal exige no caso das penas curtas de prisão uma abordagem prévia de forma a evitar o cumprimento de pequenas penas de prisão evitando problemas associados à estigmatização e ressocialização de pequenos delinquentes. Está em causa nesta fase o critério da necessidade da pena e não já o da adequação da pena do art. 70º do C.Penal.
V - Considerando personalidade do agente e as circunstâncias do facto, pode concluir-se por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente quanto à prática de futuros crimes, tendo presente que a condenação do arguido pela prática do crime de igual natureza, aqui em causa, ocorreu há mais de 10 anos e a última condenação ocorreu em janeiro de 2021 por crime de ofensas à integridade física simples, tendo ficado dispensado de pena e bem assim que nunca antes foi condenado em pena de prisão pela prática do mesmo crime, além de estar inserido na sociedade, pelo que não há necessidade da execução da pena de prisão ou da ameaça de execução da mesma subordinada a regime de prova, o que permite ao Tribunal substituir a pena de prisão de 05 meses por 120 dias de multa ao abrigo do art. 45º do Cód. Penal.
VI - Os dias de multa são determinados de forma autónoma, a partir dos critérios estabelecidos no artigo 71º do CP não havendo qualquer correspondência automática entre o tempo de prisão e a medida da pena que a substitui.
(Sumário da responsabilidade do Relator)
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia - Juiz 4
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
No âmbito do Processo sumário em epígrafe id. a correr termos no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia, por sentença foi decidido:
« Em face do exposto, e sem outras considerações, o Tribunal decide condenar o arguido AA pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, acompanhada de regime de prova e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 9 (nove) meses.
Mais se condena o arguido no pagamento das custas criminais, com taxa de justiça que se fixa em 1 UC e nos demais encargos a que a sua actividade deu causa.
“1 - AA, arguido, melhor identificado nos autos à margem referenciados, não se conformando com a douta Sentença, que o condenou pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de um ano, acompanhada de regime de prova e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 9 (nove) meses, apresenta o presente recurso.
2 - Como aqui se demonstrará, uma tal sentenciação, atenta contra os princípios e normas proclamados na Constituição da República Portuguesa, no Código Penal e no Código Processo Penal.
3 - Entende o Recorrente que a Sentença a padece de vícios que versam sobre a Matéria de facto e de Direito, a saber: Erro de Julgamento da Matéria de Facto – impugnação da matéria de facto e Escolha e Medida da Pena.
4 - ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO – impugnação da matéria de facto - A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: invocando os vícios do art. 410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, a designada “revista alargada” ou através da impugnação ampla da matéria de facto, nos termos do art. 412.º n.º 3 e 4 do Código de Processo Penal. No caso concreto, por questões de objetividade e precisão, entendemos proceder à impugnação ampla da matéria de facto.
5 - O recurso que impugne amplamente a decisão sobre a matéria de facto, destina-se, tão só, a corrigir erros manifestos de julgamento quanto aos concretos pontos de facto identificados pelo Recorrente como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o Tribunal ad quem verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo Recorrente e que este considera imporem decisão diversa.
6 - O Tribunal a quo, salvo melhor opinião em contrário, não fez uma correta análise à prova produzida em audiência, o que conduziu a uma errada convicção, o que impõe uma decisão diversa da proferida.
7 - Torna-se, assim, necessário, em cumprimento do previsto no n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, indicar os pontos da matéria de facto com as quais o Recorrente não pode deixar de demonstrar a sua discordância quando confrontados com a prova carreada e produzida nos autos, designadamente: DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO – ART. 412º Nº 3, AL .A), B) E C) DO CÓDIGO PROCESSO PENAL: A - CONCRETOS PONTOS DE FACTO QUE O RECORRENTE CONSIDERA INCORRECTAMENTE JULGADOS – ART. 412.º, N.º3 AL. A) DO CÓDIGO PROCESSO
PENAL Na perspetiva do Recorrente, não deveriam ter sido dados como provados os pontos 1, 3 e 4 da douta decisão. B - CONCRETAS PROVAS QUE IMPÕEM DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA – ART.412º, Nº3 AL. B) DO CÓDIGO PROCESSO PENAL - Depoimento de testemunha e declarações do arguido que serão transcritos infra. C – PROVAS QUE DEVEM SER RENOVADAS – ART. 412º Nº 3 AL. C) DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - Depoimento de testemunha e declarações do arguido que serão transcritos infra.
8 - Conjugando os pontos de facto que se consideram incorretamente julgados, a saber 1, 3 e 4 da decisão em causa, resulta que o ora Recorrente, no dia 30/06/2024, pelas 00h45m, conduziu o veículo de matrícula ..-..-RD, na Rua ..., em ..., concelho de Vila Nova de Gaia, depois de ter ingerido bebidas alcoólicas, bem sabendo que apresentava uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, sabendo, dessa forma, que praticava factos proibidos e punidos pela lei penal. Ora, de modo a pretender colaborar com o Tribunal em busca da verdade material, o Recorrente decidiu prestar declarações, referindo que, naquela noite, não conduziu, explicando as circunstâncias em que foi realizado o teste de alcoolemia. Vejamos as transcrições que se seguem respeitantes ao ficheiro áudio Diligencia_508-24.2PDVNG_2024-07-12_09-54-39:
(1:39 – 2:22)
Arguido: Eu nunca conduzi esse carro (…) eu fiz esse teste de álcool dentro de uma esquadra, depois de estar, ao fim de quase 30 minutos dentro de uma esquadra, onde me intimidaram que se eu não fizesse o teste de alcoolemia que iria cumprir um crime de desobediência à autoridade onde a minha situação já não estava fácil dentro dessa esquadra porque eles começaram-me a julgar pelo nome de família que eu tenho. Eu nunca conduzi esse carro, quem começou por conduzir esse carro foi a minha mulher que acabei por me chatear com ela a meio da festa que ela queria ir embora e eu não queria porque estava com um amigo a beber copos e estava-me a sentir bem e a minha mulher acabou por me virar costas e nunca me deixou ficar o carro na minha mão, eu nunca conduzi esse carro nesse dia.
(3:36 – 3:55)
Arguido: Não foi por conduzir com álcool. Foi por um bate bocas que tive com o Sr. Agente e ele disse que me ia dar ordem de prisão e eu estiquei os braços para a frente e disse “Já que me quer levar preso, leve-me preso”, mas eu não estava a conduzir carro nenhum. Eu nunca conduzi esse carro nesse dia.
Meritíssima Juíza: Pronto, vamos ver o que é que diz o senhor agente.
(7:58 – 8:02)
Meritíssima Juíza: O que me interessa saber é: No dia o senhor não pegou no carro?
Arguido: Não senhor.
(8:05 – 8:40)
Meritíssima Juíza: A única coisa que me interessa saber é… aliás nós vamos ouvir a polícia a seguir… Viram ou não viram o senhor a conduzir porque o senhor tinha álcool, isso não temos dúvidas. O resto não me interessa (…)
Arguido: Mas eu não estava a conduzir Sra. Dra. Juíza.
Meritíssima Juíza: Pronto, mas é a única coisa que interessa.
(…)
Meritíssima Juíza: Ó Sra. Dra. o que fez com o que o senhor agente o levasse para a esquadra, quase de certeza, foi tê-lo visto a conduzir, de certeza!
Arguido: Não foi não.
Meritíssima Juíza: Ou dizer que o viu a conduzir, é só isso, porque ninguém lhe vai fazer um teste de álcool, ninguém o vai obrigar a fazer um teste de álcool se o senhor não for a conduzir. Portanto, é isso que o senhor agente, de certeza, vai dizer, que o viu a conduzir.
9 - O Douto Tribunal não se mostrou, de todo, interessado na versão apresentada pelo Arguido e pela Testemunha BB, que veio corroborar o que foi dito pelo Recorrente, tal como consta da transcrição infra:
Diligencia_508-24.2PDVNG_2024-07-12_10-14-23
(4:07 – 4:11)
Mandatária Arguido: Alguma vez viu o AA a conduzir o carro nessa noite?
Testemunha: Não.
10 - O ora Recorrente cooperou para a descoberta da justiça e da verdade material, no entanto, o Tribunal de que se recorre não quis valorar a sua versão dos factos. Bem sabemos que o caminho mais
fácil para o Recorrente seria uma confissão integral e sem reservas, com demonstração de arrependimento. Não obstante, pelo facto de estar a ser acusado de um crime que não praticou, sentindo-se injustiçado, o Arguido não quis seguir o caminho mais fácil, pretendendo antes expor toda a verdade sobre o que ocorreu naquela noite, acreditando, seriamente, que pudesse ser feita justiça, o que, infelizmente, não veio a suceder.
11- O Tribunal a quo decidiu valorar o depoimento da Testemunha CC, agente da PSP, em detrimento das declarações prestadas pelo Arguido e do depoimento prestado pela Testemunha BB, não apresentando, no entanto, fundamentação suficiente, na decisão em causa, que permitisse justificar valorar e credibilizar determinado elemento probatório em detrimento de outros.
12 - O Tribunal de primeira instância considera que a testemunha CC não teria qualquer interesse no desfecho do processo, mas o Recorrente teria interesse em ser condenado com uma pena mais severa do que aquela que lhe seria aplicada caso confessasse os factos e mostrasse arrependimento?
13 - Importa ainda mencionar que a Testemunha BB, mesmo depois de ter sido alertada, pelo Tribunal a quo, de que caso estivesse a mentir seria instaurado procedimento criminal contra si por falsidade de depoimento, manteve o seu depoimento, afirmando de forma assertiva, firme e segura que o ora Recorrente não conduziu o veículo automóvel naquela noite. Veja-se a transcrição que se segue:
Diligencia_508-24.2PDVNG_2024-07-12_10-14-23
(4:55 – 5:19)
Meritíssima Juíza: O senhor prestou juramento antes de prestar depoimento. O senhor tem noção que se chegarmos à conclusão, no caso eu estou convencida que o senhor está a mentir e portanto vou, a menos que o senhor se retrate, vou mandar extrair certidão para instaurar procedimento criminal por falsidade de depoimento, mas tem noção de que é um crime punido com uma pena de prisão até cinco anos, não é brincadeira.
Testemunha: Sim, sim, sim, eu venho aqui só para dizer a verdade, ponto final parágrafo.
Meritíssima Juíza: Exatamente, portanto, o senhor assegura que aquele senhor não pegou no carro, não?
Testemunha: Asseguro.
Meritíssima Juíza: Não conduziu?
Testemunha: Asseguro.
Meritíssima Juíza: Muito bem.
14 - Coloca-se assim também a pergunta: Que interesse teria a Testemunha BB que fosse extraída certidão do seu depoimento para contra si ser instaurado procedimento criminal, como efetivamente veio a acontecer?
15 - O ora Recorrente e a Testemunha BB demonstraram ser pessoas sérias que mesmo tentadas pelo Douto Tribunal a adotar a versão esperada pelo mesmo, pretenderam que a verdade vencesse, mesmo sabendo que tal lhes poderia ser prejudicial, tendo exposto exaustivamente o que, efetivamente, ocorreu naquela noite.
16 - Não obstante o Tribunal seja livre na formação da sua convicção, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, o princípio da livre apreciação da prova não é absoluto, nem significa apreciação arbitrária, tendo que existir uma fundamentação consistente para dar determinado facto, que poderá levar a uma condenação, como provado, estando ainda sujeito aos princípios estruturantes do processo penal, como o da legalidade das provas e o princípio in dubio pro reo.
17 - Deste último, enquanto exalação da imposição constitucional da presunção da inocência do arguido, na vertente de prova, nos termos do art. 32.º n.º 2 Constituição da República Portuguesa, decorre que o ónus probatório cabe a quem acusa e que em caso de dúvida, relativamente aos factos que consubstanciam a prática de um crime por parte do arguido, deve tal dúvida ser resolvida a favor deste.
18 - O juiz enquanto julgador deve procurar a verdade material, devendo a acusação fazer prova de que o Arguido cometeu determinado crime, impondo-se que, para tal, se realizem as diligências necessárias, de modo a que não restem dúvidas e seja formada uma certeza.
19 - Perante duas versões contraditórias sobre os factos, sendo que a versão do Arguido foi confirmada pela Testemunha BB e a da Testemunha CC não foi confirmada por qualquer outra pessoa senão apenas e tão só pelo próprio, entende-se, salvo devido respeito por opinião diversa, que não poderá ser formada uma certeza que não deixe qualquer margem para dúvidas
20 - Aliás, a nosso ver, a versão apresentada pela Testemunha CC sobre a forma como ocorreram os factos é, com todo o respeito, bastante dúbia, pois o mesmo refere que, alguns minutos após ter impedido a entrada do Arguido novamente no recinto, devido a desacatos, este apareceu a conduzir uma viatura, a qual parou mesmo junto a ele para falar consigo e com o seu colega de trabalho. Esta descrição não vai, de todo, ao encontro das regras de experiência comum. Quem é que conduz um carro embriagado e pára essa mesma viatura junto de dois agentes da PSP para falar com eles, mesmo depois de os mesmos o terem impedido de entrar novamente no recinto de uma festa?
21 - Tal versão não deverá ser considerada credível, apresentando várias lacunas, sendo certo que o trémulo que a testemunha CC apresentava na sua voz enquanto prestava depoimento poderá consubstanciar um fator a considerar quanto à credibilidade da sua versão.
22 - Admite-se sim que a situação em causa, quanto muito poderia levar à dúvida por parte do Tribunal de julgamento por não ser possível chegar a esse juízo de certeza que se exige, devendo o mesmo, salvo melhor opinião em contrário, ter recorrido ao princípio in dubio pro reo, o qual impõe que, em caso de dúvida ou factos incertos, se favoreça a pessoa que está a ser julgada, pois, mais vale absolver um culpado do que condenar um inocente. No entanto, o Tribunal a quo decidiu punir, severamente, o Recorrente.
23 - Assim sendo, no nosso ponto de vista, e sempre com o devido respeito, tendo em conta a as transcrições supra referenciadas, a verdade é que, o Tribunal a quo, não podia ter decidido como decidiu, limitando-se a apresentar uma cópia fiel da Acusação. Dado o exposto, pugnamos que se verifica um manifesto erro de julgamento, pelo que, vem o Arguido recorrer e manifestar o seu total sentimento de injustiça, pois foi condenado por factos que, efetivamente, não cometeu, devendo ser absolvido dos presentes Autos. Sem prescindir e apenas para o caso de não se entender que o Arguido deverá ser absolvido, o que não se concede, apenas se admitindo por mera hipóteses académica,
24 - ESCOLHA E MEDIDA DA PENA: Importa referir, com o devido respeito, que é muito, que a pena aplicada in casu se afigura excessiva, refletindo a mesma uma injustiça e uma injustificável severidade.
« 25 - O crime imputado ao ora Recorrente é punível é com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
26 - Na escolha da pena, o julgador deve ter em atenção o critério constante do artigo 70.°, do Código Penal, o qual dispõe o seguinte: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”. Este artigo impõe a ponderação obrigatória de todas as possibilidades sancionatórias, devendo atender-se, em primeiro lugar, no caso sub judice, à possibilidade de aplicação da pena de multa, opção essa que não foi seriamente levada em consideração pelo Tribunal a quo na aplicação da pena ao aqui Recorrente.
27 - Dispõe o artigo 40º, nº 1, do Código Penal que: “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Quer isto dizer que o fundamento das penas é a prevenção na sua dupla dimensão: geral e especial.
28 - A moldura penal do crime imputado reflete a gravidade do mesmo, demonstrando que tal ilicitude penal está longe de ser dos crimes mais graves do nosso ordenamento jurídico, pelo que, o bem jurídico tutelado não será dos que possuem a maior importância a nível social.
29 - Assim sendo e analisando a prevenção geral, não se poderá afirmar que os factos aqui em causa sejam suscetíveis de disparar gravemente o alarme social, tratando-se de um ato isolado. A embriaguez em causa resultou do ambiente que se fazia sentir na celebração da festividade de S. Pedro, não se tratando de uma prática recorrente por parte do Arguido. Relativamente à prevenção especial, é importante referir que o ora Recorrente encontra-se bem integrado em termos familiares, profissionais e sociais.
30 - Atendendo ao caso sub judice, facilmente se atingem as necessidades de prevenção geral e especial através da aplicação de uma pena de multa, pelo que, deveria o Tribunal a quo ter dado preferência a tal pena alternativa, só devendo aplicar pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução, como última ratio.
31 - Face ao exposto, consideramos que a pena aplicada in casu, para além de se apresentar contrária a princípios e fundamentos legais e constitucionais, constituiu uma opressão desnecessária, pelo que se apresenta manifestamente desproporcional, excessiva e injusta.
32 - Neste sentido, e atendendo a todos os argumentos anteriormente explanados, a decisão sobre a pena mais justa e equitativa a aplicar será, salvo melhor entendimento, a pena de multa, uma vez que a mesma garante o cumprimento das necessidades de prevenção geral e especial do caso concreto. Sem prescindir e apenas para o caso de não se entender ser de aplicar uma pena de multa,
33 - Cumpre realçar que a medida concreta da pena aplicada pelo Tribunal não pode depender de uma opção discricionária. Tem, pois, o Tribunal o dever de fixar o quantum da pena dentro das regras postuladas pelo legislador, impondo-se-lhe que objetive os critérios que utilizou e que fundamente a quantificação que decidiu, nos termos do art. 71º n.º 3 do Código Penal, evitando-se assim a arbitrariedade das decisões judiciais.
34 - Nos termos do art. 71.º, n.º 2 do Código Penal, devem relevar para a determinação da pena “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.
35 - O Recorrente, como já referido, é uma pessoa bem inserida familiar, social e laboralmente. No entanto, o Tribunal a quo na parte respeitante à determinação da medida da pena, decidiu colocar relevância essencialmente no passado criminal do Arguido, por o mesmo, quando tinha os seus 19 anos, ter sido condenado pela prática do mesmo crime.
36 - O Recorrente já foi julgado e condenado, tendo cumprido a respetiva pena, sendo manifestamente injusto continuar a ser julgado por algo que ocorreu há mais de dez anos.
37 - Apenas quando se dedica à aplicação da suspensão da execução da pena prisão é que o Douto Tribunal de que se recorre reconhece que “(…) a condenação do arguido pela prática do crime aqui em causa ocorreu há mais de 10 anos, bem assim que nunca antes foi condenado em pena de prisão na sua execução pela prática do mesmo crime, além de estar inserido na sociedade (…)”.
38 - Tais factos deverão ser tidos em consideração não apenas para a verificação dos pressupostos para a aplicação da pena suspensa, mas também relativamente à escolha da medida da pena concretamente aplicável.
39 - Tendo em consideração o exposto, a aplicação de uma pena com um quantum tão excessivo revela-se desnecessária e desproporcional, devendo a pena aplicada ao Recorrente ser, salvo melhor opinião, reduzida.
40 - Com o devido respeito, que é sempre muito, não se demonstra necessário que a suspensão da execução da pena de prisão seja acompanhada de regime de prova, pois o agente já se encontra integrado na sociedade, como o próprio Tribunal reconhece, não estando verificado o requisito do artigo 53.º, n.º 1 do Código Penal, pelo que, deverá tal circunstância ser excluída.
ATENDENDO A TODOS OS ELEMENTOS SUPRARREFERIDOS, ESTAMOS EM CRER QUE O ARGUIDO DEVERÁ SER ABSOLVIDO DA PRÁTICA DO CRIME QUE LHE É IMPUTADO E, CONSEQUENTEMENTE, DA PENA ACESSÓRIA. NO ENTANTO, CASO NÃO VENHA A SER ESSE O ENTENDIMENTO DO DOUTO TRIBUNAL, É DE CRER QUE DEVERÁ SER APLICADA A PENA DE MULTA AO ARGUIDO, AINDA SEM PRESCINDIR E APENAS PARA O CASO DE NÃO SE CONCORDAR COM A APLICAÇÃO DA PENA DE MULTA, DEVERÁ A PENA DE PRISÃO SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO APLICADA SER REDUZIDA E NÃO SER ACOMPANHADA DE REGIME DE PROVA..»
« (…)entende-se justa, adequada e necessária a condenação do arguido na pena de 5 (cinco) meses de
prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, sujeita a regime de prova, tendo o tribunal “a quo” decidido corretamente e de modo a não merecer absolutamente qualquer censura por parte do Ministério Público, nesta instância, concordando-se na íntegra com a mesma.»
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
As questões que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes:
-Erro de julgamento.
-Errada valoração da prova;
-Medida da pena.
“Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 30/06/2024, pela 00h45m, o arguido circulava na Rua ..., em ..., concelho de Vila Nova de Gaia, conduzindo o veículo automóvel ligeiro com a matrícula ..-..-RD. 2. Submetido a exame quantitativo de pesquisa de álcool no sangue, através do ar expirado, o arguido apresentou uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 2,410 g/l, já deduzido o valor de erro máximo admissível.
3. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de conduzir um veículo com motor, numa via pública, depois de ter ingerido bebidas alcoólicas, bem sabendo que apresentava uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l.
4. O arguido sabia que praticava factos proibidos e punidos por lei penal.
5. O arguido aufere o salário mínimo nacional. Vive com uma companheira, que aufere o mesmo. Pagam € 600,00 mensais de renda. O arguido tem três filhos menores, pagando a dois deles € 125,00 mensais de pensão de alimentos.
6. Constam do C.R.C. do arguido as seguintes condenações:
- foi condenado, em 15.04.2009, no 4º Juízo Criminal de Matosinhos, pela prática de um crime de roubo na forma tentada, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos e 6 meses, com regime de prova;
- foi condenado, em 28.09.2009, no mesmo Tribunal, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa;
- foi condenado, em 05.07.2013, no mesmo Tribunal, pela prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público, na pena de 30 dias de multa;
- foi condenado, em 05.07.2018, no Juízo Local Criminal de Matosinhos, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
- foi condenado, em 07.03.2019, no Juízo Local Criminal de Matosinhos, pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, na pena de 2 anos de prisão, substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade;
- foi condenado, em 28.01.2021, no Juízo Central Criminal de Vila do Conde, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, tendo sido dispensado de pena.
Os factos dados como provados assentam numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto.
Assim, quanto aos factos constantes da acusação o Tribunal valorou, em conjugação com o auto de notícia de fls. 24/25 e com o talão de fls. 30, o depoimento, prestado de forma que se nos afigurou séria, coerente e isenta, de CC, agente da PSP que procedeu à fiscalização do arguido e que descreveu os factos do modo que vieram a ser dados como provados.
O arguido, é certo, negou ter conduzido nas circunstâncias em causa, circunstância que foi confirmada pela testemunha BB, seu amigo (a companheira do arguido também prestou depoimento mas não estaria no local no momento em que o arguido foi fiscalizado). Não obstante, não convenceu minimamente o Tribunal, salientando-se que a testemunha CC, que não tem qualquer interesse no desfecho do processo, foi totalmente segura e assertiva no seu relato, não deixando quaisquer dúvidas de que o arguido conduziu na ocasião.
Quanto à situação económica e familiar do arguido aceitaram-se as suas declarações.
Relativamente aos antecedentes criminais, atendeu-se ao certificado junto aos autos.
(…)
V – Determinação da pena
Importa, a este passo, determinar a natureza e medida da pena que, em concreto, e relativamente ao crime praticado, se adequa ao comportamento do arguido.
Em termos gerais e de jeito sintético temos que referir que todas as operações a realizar têm por base o disposto nos artigos 40º, 70 e 71º do Código Penal, cabendo ao Juiz, dentro do quadro oferecido pelo legislador, determinar, por um lado, a moldura penal abstracta cabida aos factos dados comos provados no processo e, dentro desta moldura penal, encontrar o quantum concreto de pena em que o arguido deve ser condenado, tendo em atenção que a culpa estabelece o máximo de pena concreta que não pode, em caso algum, ser ultrapassado e que até ao máximo consentido pela culpa é a prevenção geral positiva ou de integração que vai determinar a medida da pena, criando uma moldura de prevenção dentro da qual actuarão as finalidades de prevenção especial. Terá que atender-se, ainda, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente: “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena” (cfr. o nº 2 do artigo 71º do Código Penal).
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punido, em alternativa, com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
Antes de procedermos à determinação da medida concreta da pena teremos que proceder à escolha da pena. O problema da escolha da pena a aplicar pode colocar-se logo na fase de determinação da pena em abstracto correspondente ao crime, o que acontecerá, face ao artigo 70º do Código Penal, se a pena for cominada no tipo legal em alternativa (prisão ou multa), como sucede in casu. Nesta operação apenas devemos considerar exigências de prevenção, maxime de prevenção especial.
No caso em apreço o arguido já foi condenado em multa pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, para além de ter sido condenado em penas mais graves pela prática de outros crimes, revelando, deste modo, indiferença perante a advertência que constituíram ou deviam ter constituído as anteriores condenações. Por conseguinte, terá que concluir-se que a pena de multa não surte efeito no arguido, que esta pena já não satisfaz as exigências preventivas que constituem a finalidade da punição e que a sua aplicação redundaria num sentimento de impunidade e descrédito do Direito. A isto acresce que as exigências de prevenção geral são elevadas, atendendo ao elevado número de crimes desta natureza praticados e a que a condução com álcool é um dos factores decisivos para o aumento da sinistralidade estradal. Pelo que, neste quadro, o tribunal não poderá deixar de optar por pena privativa da liberdade.
Não se verificam, in casu, quaisquer circunstâncias modificativas da moldura penal abstracta.
Assim, na determinação da medida concreta da pena há-se seguir-se, como se disse, o critério geral do artigo 71º, nº 1 - a culpa do agente e as exigências de prevenção de futuros crimes – bem como as circunstâncias referidas no nº 2 do mesmo artigo.
Desta forma:
- as exigências de prevenção geral são significativas, atendendo a que a condução sob o efeito do álcool é um dos factores decisivos para o aumento da sinistralidade estradal;
- o grau de ilicitude, reflectido no facto e no desvio de valores impostos pela ordem jurídica, é elevado, considerando a taxa de álcool com que o arguido conduzia (2,410 g/l);
- o dolo é directo, porquanto o arguido representou claramente o facto criminoso e actuou com intenção de o realizar, tendo tal facto constituído o objectivo primeiro e final da sua conduta;
- as exigências de prevenção especial são elevadas, face aos antecedentes criminais do arguido.
Por outro lado:
- o arguido está familiar e profissionalmente inserido.
Nesta conformidade, entendemos ser justo e adequado aplicar ao arguido a pena de 5 meses de prisão. Todavia, nos termos do artigo 50º, n.º 1 do Código Penal “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”; dispondo o nº 5 do mesmo artigo que “o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”.
Pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão é que esta não seja superior a cinco anos.
Pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da pena, acompanhadas ou não da imposição de deveres e/ou regras de conduta e/ou regime de prova, são suficientes para realizar as finalidades da punição. Para a realização de tal juízo o tribunal atenderá à personalidade do agente, às condições da sua vida e à sua conduta anterior e posterior aos factos.
Tendo presente que a condenação do arguido pela prática do crime aqui em causa ocorreu há mais de 10 anos, bem assim que nunca antes foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução pela prática do mesmo crime, além de estar inserido na sociedade – pelo que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para o afastar da prática de novos crimes (desta natureza) -, o Tribunal entende suspender a execução da pena de 5 meses de prisão aplicada ao arguido por um período de 1 ano, nos termos do artigo 50º, nºs 1 e 5 do Código Penal.
Não obstante, face aos antecedentes criminais do arguido torna-se premente e fundamental para a sua ressocialização que o mesmo tenha o devido acompanhamento pela DGRS, pelo que a suspensão será, nos termos do artigo 53º, nº 1 do Código Penal, acompanhada de regime de prova.
Mas pela prática do crime de condução de veículo eme estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1 do Código Penal é ainda aplicável a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, por força do disposto no artigo 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal.
Após ponderação global de todas as circunstâncias, entende o Tribunal ser adequada a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 9 (nove) meses.“
Decidindo.
O recorrente entende que analisada a prova produzida em julgamento, as contradições existentes entre depoimentos e entre estes e prova documental, a matéria de facto considerada como provada foi incorretamente julgada porque, em síntese, o Tribunal “a quo” conferiu credibilidade às declarações do ofendido e demais testemunhas quando na sua opinião essas declarações não deveriam ser valoradas positivamente.
O erro de julgamento capaz de conduzir à modificação da matéria de facto pelo Tribunal de recurso, nos termos dos artigos 412º, nº 3 e 431º, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, reporta-se às seguintes situações:
1. o Tribunal “a quo” dar como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha e a mesma nada declarou sobre o facto;
2. ausência de qualquer prova sobre o facto dado por provado;
3. prova de um facto com base em depoimento de testemunha sem razão de ciência da mesma que permita a prova do mesmo;
4. prova de um facto com base em provas insuficientes ou não bastantes para prova desse mesmo facto, nomeadamente com violação das regras de prova;
5. e todas as demais situações em que do texto da decisão e da prova concretamente elencada na mesma e questionada especificadamente no recurso e resulta da audição do registo áudio, se permite concluir, fora do contexto da livre convicção, que o tribunal errou, de forma flagrante, no julgamento da matéria de facto em função das provas produzidas.
Tendo presente as alegações de recurso no seu confronto com a decisão a quo, está sobretudo em causa a credibilidade ou não conferida à versão de uns e outros, ou seja está sobretudo colocada em causa a valoração que o tribunal fez da prova, situação que nos situa não no erro de julgamento analisado ao abrigo do art. 412º do CPP mas sobretudo na apreciação da prova que o tribunal fez e isto sem prejuízo de se poder constatar a existência de algum dos vícios do art. 410º do CPP.
Dos eventuais vicios.
Nos termos do art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P. «Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova».
Assim e como decorre expressamente da letra da lei, qualquer um dos elencados vícios tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que à dita decisão sejam exógenos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo no julgamento, salientando-se também que as regras da experiência comum “não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece” [Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, pág. 338/339], isto é, qualquer um dos referidos vícios tem de existir «internamente, dentro da própria sentença ou acórdão» [Germano Marques da Silva, op. cit., pág. 340].
No caso específico do vício decisório prevenido na al. a), a indicada insuficiência determina a formação incorreta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas. A matéria de facto (não os meios de prova que a sustêm) é insuficiente para fundamentar a solução de direito correta, legal e justa, estando, pois, associado à insuficiência da matéria de facto para a decisão, o que não se confunde com insuficiência de prova.
No segundo caso, o da “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. b), este consiste na incompatibilidade, de inviável ultrapassagem através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal vício ocorre quando um mesmo facto, obviamente com interesse para a decisão da causa, seja julgado como provado e não provado simultaneamente e logicamente anulando-se, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode prevalecer, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Por fim, o invocado “erro notório na apreciação da prova”, prevenido no inciso da al. c), ocorre quando um homem, medianamente sagaz, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente intui e percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou que efetuou uma apreciação notoriamente errada, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou inverosímeis.
Ora, analisado o texto da decisão e somente o texto da mesma, todo ele mostra-se coerente quer no que tange aos factos dados como provados e não provados quer no que tange à fundamentação e sua relação com os factos e à decisão resultante.
Relativamente ao erro de julgamento.
Importa transcrever nesta decisão parte de acórdão proferido nesta instância pela Exmª Srª Drª. Lígia Trovão, nos autos de processo nº 2885/17.2JAPRT.P1 e que se subscreve por inteiro, a propósito das competências desta instância em sede de apreciação de recurso:
“O recorrente para impugnar a matéria de facto em sede de erro de julgamento tem de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, indicar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (ex: quando o recorrente se socorra da prova documental tem que concretizar qual o concreto documento que demonstra o erro da decisão; quando se socorra de prova gravada tem que indicar o depoimento (ou depoimentos) em questão (por identificação da pessoa ou pessoas em causa), tem de mencionar a passagem ou passagens da gravação desse depoimento que demonstra erro em que incorreu a decisão e tem, conforme decorre no nº 4 atrás transcrito, que localizar esse excerto de depoimento no suporte que contém a gravação da prova, por referência ao tempo da gravação([2])) e, no caso de ser requerida a audiência (não sucede no caso presente), as provas que devem ser renovadas, nos termos do art. 412º nºs 1, 3 alíneas a) a c) e 4 do CPP devendo, em simultâneo, esclarecer o porquê da discordância, como e qual a razão por que é os meios probatórios por si especificados contrariam/infirmam a conclusão factual do Tribunal de 1ª instância, fazendo uso de um raciocínio lógico e de exame crítico com o mesmo grau de exigência que se impõe ao tribunal na fundamentação das suas decisões([3]) e enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas, pois são essas que devem ser prima facie apreciadas pelo Tribunal de recurso (que não deixará, no entanto, de tomar em consideração, para além desses específicos trechos, também outros produzidos em audiência, nos termos do nº 6 do art. 412º do CPP, conforme resulta do disposto no art. 412º nº 4 do CPP, “sob pena do recorrente escolher a passagem que mais lhe convém e omitir tudo o mais que não lhe interessa, assim se defraudando a verdade material”([4])).
Ou seja, depois de indicar os concretos pontos de facto sobre os quais incide a discordância, impõe-se ao recorrente nos termos do citado art. 412º nº 3 b) do CPP, que indique concretamente em que documentos e/ou trechos/passagens das declarações e/ou dos depoimentos das testemunhas, ouvidos em audiência de julgamento, baseia a sua impugnação.
No caso destes autos, tendo sido documentados através de gravação áudio as declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento (cfr. arts. 363º e 364º do CPP) e por reporte ao ónus de especificação da prova pessoal gravada imposto ao recorrente, haverá que ter presente o decidido pelo AUJ do STJ nº 3/2012 de 18/04/2012, relatado por Raúl Borges, publicado no D.R. nº 77, I Série, segundo o qual “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412º nº 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/ excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”.
Sobre este concreto ónus de especificação (art. 412º nº 3 b) do CPP), escreveu-se a dado passo no recente Ac. da R.P. de 25/09/2024([5]) que “…não é uma qualquer divergência que pode levar o Tribunal ad quem a decidir pela alteração do julgado em sede de matéria de facto. Quando, no artigo 412º/3/b) do Cód. de Processo Penal se alude às «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida», deve distinguir-se essa situação daquelas em que as provas em causa, sem imporem decisão diversa, admitiriam decisão diversa da recorrida na base de um outro juízo sobre a sua fidedignidade.
Assim, para que a impugnação possa proceder, as provas que o recorrente invoque, e a apreciação que sobre as mesmas se faça recair, em confronto com as valoradas pelo tribunal a quo ou com a valoração que esse tribunal efectuou, devem não apenas revelar que os factos foram incorrectamente julgados, como antes devem determinar a convicção de que se impunha decisão diversa da recorrida em sede do elenco dos factos provados e não provados.
Notar–se–á que a remissão para o verbo impor, especificamente estipulada no art. 412º/3/b) do Cód. de Processo Penal, consubstancia a exigência de verificação de uma obrigação impreterível, de um imperativo, de um dever mandatório inquebrável e sem alternativas. Assim, não basta estar demonstrada a possibilidade de existir uma solução em termos de matéria de facto alternativa à fixada pelo tribunal a quo. Na verdade, é raro o julgamento onde não estão em confronto duas, ou mais, versões dos factos (arguido/assistente ou arguido/Ministério Público ou mesmo arguido/arguido), qualquer delas sustentada, em abstracto, em prova produzida, seja com base em declarações do arguido, seja com fundamento em prova testemunhal, seja alicerçada em outros elementos probatórios.
Por isso, haver prova produzida em sentido contrário, ou diverso, ao acolhido e considerado relevante pelo Tribunal a quo não só é vulgar, como é insuficiente para, só por si, alterar a decisão em sede de matéria de facto.
O que aqui se mostra necessário é que o recorrente demonstre que a prova produzida no julgamento só poderia ter conduzido, em sede de elenco de matéria de facto provada e não provada, à solução por si (recorrente) defendida, e não àquela consignada pelo Tribunal“.
Convém no entanto assinalar que a apreciação a efetuar pelo Tribunal de recurso (alargada à prova produzida em audiência, se documentada), contém-se nos limites assinalados pelo recorrente em face do ónus de especificação que lhe é imposto nos termos do citado art. 412º nºs 3 e 4 do CPP, não visando a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, como se o primeiro julgamento realizado pelo Tribunal de 1ª Instância não tivesse existido, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente([6]).
Por sua vez o Tribunal de recurso, só poderá alterar a decisão sobre a matéria de facto, fora do contexto da livre convicção, se constatar que o Tribunal de 1ª instância errou, de forma flagrante, no julgamento da matéria de facto em função das provas produzidas ou, nas palavras do Ac. da R.E. de 25/09/2012([7]), se verificar que “a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas recolhidas “, ou ainda nas palavras do recente Ac. da R.L. de 06/02/2024([8]), “A forma de descortinar o erro de julgamento não passa pela mera alegação da discordância, antes tem que passar pela demonstração inequívoca – nos mesmos moldes de fundamentação que se exige ao julgador - de que o Tribunal desdizeu as exigidas regras da experiência e afrontou princípios basilares do direito probatório “. Deste modo, “I - Se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objectivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção – obtida com o benefício da imediação e da oralidade – apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum. II - Torna-se necessário que demonstre que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais, ou seja, que demonstre não só a possível incorrecção decisória mas o absoluto da imperatividade de uma diferente convicção “([9]).
Concluindo, ao Tribunal da Relação só pode pedir-se que efetue um controlo do julgamento, e não que repita ou reproduza o julgamento. Os seus poderes de decisão de facto estão direcionados para a (sindicância da) sentença de facto, e sempre de acordo com a impugnação do recorrente([10]).
A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação da prova pelo juiz.
Este princípio da livre apreciação da prova está consagrado no art. 127º do CPP nos seguintes termos «... a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».
E embora este Tribunal da Relação tenha poderes de intromissão em aspetos fácticos (arts. 428º e 431º/b) do CPP), não pode sindicar a valoração das provas feitas pelo tribunal em termos de o criticar por ter dado prevalência a uma em detrimento de outra, salvo se houver erros de julgamento e as provas produzidas impuserem outras conclusões de facto([11]).
Os erros de julgamento capazes de conduzir à modificação da matéria de facto pelo tribunal de recurso (cfr. arts. 428º e 431º do CPP) consistem no seguinte: dar-se como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem razão de ciência da mesma que permita a referida prova; dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal([12]); dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram([13]); dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado; dar-se como provado ou não provado um facto com base em presunção judicial erradamente aplicada([14]).
Por último, refira-se que a decisão de facto só deve ser alterada quando seja evidente que as provas a que se faz referência na fundamentação não conduzem à decisão impugnada (cfr. art. 431º b) do CPP).
(…)”
Ora, a decisão mostra-se perfeitamente coerente na interligação das suas diferentes partes e devidamente sustentada como fundamentado.
O Recorrente põe em causa a forma como foi formada a convicção do Tribunal, a qual passa sempre por uma ponderação da prova na sua globalidade.
Esta convicção não se confunde com a impressão, ideia ou juízo pessoal, profundamente arbitrário uma vez que tem por base as convicções de cada um, os pré-conceitos, as experiências e estruturas cognitivas individuais.
No que toca à apreciação da matéria e convicção gerada no julgador a quo, podemos, desde já, dizer que a sentença fez uma análise crítica das provas e especificou os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, fazendo a correta subsunção jurídica.
O julgamento da matéria de facto enuncia de modo claro e inteligível, os elementos de prova de que o tribunal a quo se socorreu para a análise crítica dos factos e para a decisão tomada quanto aos mesmos.
A apreciação da prova foi feita no seu conjunto, e não apenas de forma parcial e individual, cabendo ao julgador, dentro do princípio da livre apreciação da prova, formar a sua convicção, e explicitá-la ou motivá-la.
A convicção formada pelo tribunal a quo, tem pleno cabimento na prova produzida e na apreciação global e conjunta de toda a prova, extraindo-se da fundamentação da motivação o rigor posto na apreciação dessa prova, não colocando em causa as regras da experiência.
Os factos dados como provados e não provados encontram respaldo na prova produzida, conforme fundamentação explanada, constando da decisão os concretos meios probatórios considerados e quais as razões, objetivas e racionais, pelas quais tais meios obtiveram credibilidade ou não, sendo perfeitamente acessível e compreensível o itinerário cognoscitivo seguido no julgamento da matéria de facto.
Com o princípio da livre apreciação da prova, vinculado ao princípio da descoberta da verdade material – contrariamente ao sistema probatório fundado nas provas tabelares ou tarifárias que estabelece um valor racionalizado a cada prova – possibilita-se ao juiz um âmbito de discricionariedade na apreciação de cada uma das provas atendíveis que suportam a decisão. Mas uma discricionariedade assente num modelo racionalizado, na medida em que implica que o juiz efetue as suas valorações segundo uma discricionariedade guiada pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação, o que manifestamente aconteceu.
De facto, a sentença recorrida revelou adequadamente e com suficiência como chegou à fixação da matéria de facto provada e não provada, tendo apreciado a versão apresentada pelo arguido e pelas testemunhas, cujos depoimentos, explanando as razões do seu crédito ou descrédito.
Também conciliou a prova testemunhal com a documental extraindo conclusões lógicas, válidas e admissíveis.
Nada obsta a que a convicção do Tribunal se forme apenas com base no depoimento de uma única testemunha, desde que o seu relato, atentas as circunstâncias e modo como é prestado, mereça credibilidade ao tribunal. A propósito ver Ac. Rel. Évora de 03/02/2015, Proc. N.º 485/09.0GEALR.E1, Relator Alberto Borges.
Sendo certo que a testemunha na qual se sustentou o tribunal é um agente de autoridade que descreveu o modo da sua atuação e contexto em que ocorreu, nada transparecendo de toda a prova produzida nem o arguido conseguiu fazê-lo que tal agente tivesse algum motivo escuso, persecutório ou ínvio para indicar como sendo o autor da infração o arguido. Já para não olvidar que que auto de notícia faz fé em juízo quanto à ocorrência em si.
O artigo 127.º do Código de Processo Penal consagra o princípio da livre apreciação da prova, não se encontrando o julgador sujeito às regras rígidas da prova tarifada, o que não significa que a atividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais. Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Nesta matéria, apesar da minuciosa regulamentação das provas, continua assim a vigorar o princípio fundamental de que na decisão da “questão de facto”, a decisão do Tribunal assenta na livre convicção do julgador, ainda que devidamente fundamentada, devendo aparecer como conclusão lógica e aceitável à luz dos critérios do art. 127.º do Código de Processo Penal.
Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o Tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este, limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o Tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão”3 confere ao julgador em 1.ª instância, meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe. É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reações humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de fatores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc.
As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
Ora, “a censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”- Acórdão do Tribunal Constitucional 198/2004 de 24.03.2004, DR, II S, de 02.06.2004
Como se procurou demonstrar acima não se vislumbra, na decisão recorrida, qualquer descoordenação factual que, essa sim, poderia fazer com que houvesse qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova.
O Tribunal a quo, limitou-se a valorar justificadamente e de encontro com as regras da experiência, livremente, as declarações do arguido e o depoimento das testemunhas e demais documentação, dando prevalência ao depoimento do Sr. Agente, que considerou, na sua globalidade, suficientes, quando conjugados com os demais elementos probatórios (e até também por causa deles), para a condenação, sem margem para quaisquer dúvidas do arguido.
E como não teve dúvidas, concluiu pela prática do crime em causa. O texto da decisão concluiu nesse sentido, o confronto dos depoimentos ouvidos não gerou dúvidas ao julgador a quo quanto à autoria dos factos e nós ouvida a prova também não ficamos com qualquer dúvida, pelo que não pode invocar-se o princípio do in dúbio pro reo só porque arguido e testemunha por si apresentada apresentaram diferente versão da considerada válida e mais plausível encontrada pelo tribunal e sustentada no auto de notícia e no depoimento do agente.
Do enquadramento jurídico.
O recorrente não colocou em causa o enquadramento realizado.
Da medida da pena.
Questiona o recorrente a sua excessividade, pugnando por uma multa.
Alega violação dos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal, nomeadamente dos princípios da necessidade e proporcionalidade, enquanto princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável.
As finalidades da punição reconduzem-se, nos termos do art. 40.º, do Cód. Penal, à proteção de bens jurídicos (prevenção geral), e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
Quanto à medida da pena, esta deve ser graduada pelo Juiz, dentro da moldura fixada nos termos do art. 71.º, do Cód. Penal, ou seja, em função dos factos praticados, das circunstâncias do seu cometimento, da culpa do arguido e das exigências de prevenção, quer geral, quer especial, ponderando-se, para esse efeito, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor do arguido ou contra ele.
A este propósito, o Prof. Figueiredo Dias assinala que toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial; a pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos, e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; e dentro desta moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva, de integração ou de socialização, excecionalmente negativa ou de intimidação.
Assume, assim, a referida prevenção geral positiva - de reforço da consciência jurídica
comunitária e do sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida, o primeiro lugar como finalidade da pena. Como refere Roxin, a prevenção geral positiva implica três efeitos: o ensino pedagógico-socialmente motivado o qual deve provocar a aprendizagem da fidelidade ao direito; o efeito de confiança que se produz quando o cidadão vê que o direito se impõe; e o efeito de satisfação que se apresenta quando o delinquente já foi penalizado de uma forma que a consciência jurídica geral tranquiliza-se perante a infração ao direito e considera solucionado conflito com o autor.
No caso em apreço, em primeira linha, há que atender à moldura penal abstrata do tipo de ilícito de condução de veículo em estado de embriaguez pp. art. 292º. nº 1, do Cód. Penal, que é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
E considerando a ponderação que o tribunal a quo faz a propósito da opção por uma pena privativa da liberdade “Antes de procedermos à determinação da medida concreta da pena teremos que proceder à escolha da pena. O problema da escolha da pena a aplicar pode colocar-se logo na fase de determinação da pena em abstracto correspondente ao crime, o que acontecerá, face ao artigo 70º do Código Penal, se a pena for cominada no tipo legal em alternativa (prisão ou multa), como sucede in casu. Nesta operação apenas devemos considerar exigências de prevenção, maxime de prevenção especial.
No caso em apreço o arguido já foi condenado em multa pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, para além de ter sido condenado em penas mais graves pela prática de outros crimes, revelando, deste modo, indiferença perante a advertência que constituíram ou deviam ter constituído as anteriores condenações. Por conseguinte, terá que concluir-se que a pena de multa não surte efeito no arguido, que esta pena já não satisfaz as exigências preventivas que constituem a finalidade da punição e que a sua aplicação redundaria num sentimento de impunidade e descrédito do Direito. A isto acresce que as exigências de prevenção geral são elevadas, atendendo ao elevado número de crimes desta natureza praticados e a que a condução com álcool é um dos factores decisivos para o aumento da sinistralidade estradal. Pelo que, neste quadro, o tribunal não poderá deixar de optar por pena privativa da liberdade.”
Consideramos que a análise está correta e devidamente ponderada quanto a esta opção considerando os antecedentes criminais do arguido e as demais exigências de prevenção. A opção pela prisão satisfaz de forma mais vantajosa o ponto de vista preventivo especial.
Analisados os fundamentos da decisão posta em crise e a moldura abstratamente aplicável ao crime praticado pelo arguido foram respeitados os princípios da necessidade e proporcionalidade, enquanto princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável, pelo que a dosimetria da pena aplicada não merece qualquer reparo.
O tribunal a quo considerou:
“Não se verificam, in casu, quaisquer circunstâncias modificativas da moldura penal abstracta. (…)Desta forma:
- as exigências de prevenção geral são significativas, atendendo a que a condução sob o efeito do álcool é um dos factores decisivos para o aumento da sinistralidade estradal;
- o grau de ilicitude, reflectido no facto e no desvio de valores impostos pela ordem jurídica, é elevado, considerando a taxa de álcool com que o arguido conduzia (2,410 g/l);
- o dolo é directo, porquanto o arguido representou claramente o facto criminoso e actuou com intenção de o realizar, tendo tal facto constituído o objectivo primeiro e final da sua conduta;
- as exigências de prevenção especial são elevadas, face aos antecedentes criminais do arguido.
Por outro lado:
- o arguido está familiar e profissionalmente inserido.
Nesta conformidade, entendemos ser justo e adequado aplicar ao arguido a pena de 5 meses de prisão.
Seguidamente o tribunal passou logo a equacionar a possibilidade da suspensão da pena de prisão, concluindo ser lícito ao Tribunal efectuar um prognóstico favorável sobre os seus futuros comportamentos.
Referindo: “Tendo presente que a condenação do arguido pela prática do crime aqui em causa ocorreu há mais de 10 anos, bem assim que nunca antes foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução pela prática do mesmo crime, além de estar inserido na sociedade – pelo que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para o afastar da prática de novos crimes (desta natureza) -, o Tribunal entende suspender a execução da pena de 5 meses de prisão aplicada ao arguido por um período de 1 ano, nos termos do artigo 50º, nºs 1 e 5 do Código Penal.
Não obstante, face aos antecedentes criminais do arguido torna-se premente e fundamental para a sua ressocialização que o mesmo tenha o devido acompanhamento pela DGRS, pelo que a suspensão será, nos termos do artigo 53º, nº 1 do Código Penal, acompanhada de regime de prova.”
Ora, o tribunal a quo esqueceu-se de equacionar a aplicação dos arts. 45º e 58ºdo Cód. Penal, operações necessárias e prévias à abordagem da eventual ponderação da suspensão da execução da pena de prisão.
O legislador penal exige no caso das penas curtas de prisão uma abordagem prévia de forma a evitar o cumprimento de pequenas penas de prisão evitando problemas associados à estigmatização e ressocialização de pequenos delinquentes.
Está em causa nesta fase o critério da necessidade da pena e não já o da adequação da pena do art. 70º do C.Penal.
Era preciso que no caso em apreço, avaliasse da necessidade da execução da prisão na medida em que aquela fora fixada em 05 meses, apurando se se mostrava possível (atenta a concreta pena aplicada) substituir a pena de prisão por pena de multa nos termos do artigo 45.º, n.º 1 do Código Penal, ou, nos termos do disposto no artigo 58.º, n.º 1 do Código Penal, a substituição da pena de prisão, não superior a 2 anos, pela prestação de trabalho a favor da comunidade (cfr. Artigo 58.º, n.º 5 do Código Penal).
Ora, considerando personalidade do agente e as circunstâncias do facto, pode concluir-se por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente quanto à prática de futuros crimes, tendo presente que a condenação do arguido pela prática do crime de igual natureza, aqui em causa, ocorreu há mais de 10 anos e a última condenação ocorreu em janeiro de 2021 por crime de ofensas à integridade física simples, tendo ficado dispensado de pena e bem assim que nunca antes foi condenado em pena de prisão pela prática do mesmo crime, além de estar inserido na sociedade.
Assim cremos, não haver necessidade da execução da pena de prisão ou da ameaça de execução da mesma subordinada a regime de prova porquanto corresponde satisfatoriamente ás exigências de proteção dos bens jurídicos e de tutela das expectativas da comunidade que o caso concreto evidencia, o que permite ao Tribunal substituir a pena de prisão de 05 meses por multa ao abrigo do art. 45º do Cód. Penal concedendo que aquela surtirá efeito no processo de ressocialização do arguido.
A medida concreta da pena de substituição é determinada de forma autónoma, a partir dos critérios estabelecidos no artigo 71º do CP. Não há qualquer correspondência automática entre o tempo de prisão ou os dias de multa e a medida da pena que a substitui. Isto mesmo decorre do disposto nos artigos 45º, nº 1, 2ª parte, 46°, nº 1, 50º, nº 5, e 60º do CP.
Com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 48/95 deixou de valer a regra segundo a qual a pena de prisão não superior a seis meses era substituída pelo número de dias de multa correspondente (cf. artigo 43º, nº 1, da versão primitiva do CP). A determinação da medida da pena de multa de substituição é agora levada a cabo de forma autónoma, sendo este o sentido da remissão que a 2ª parte do nº 1 do artigo 45º do CP faz para o artigo 47º.
Através do Ac. nº 8/2013 o STJ fixou jurisprudência no sentido de "a pena de multa que resulte, nos termos dos atuais artigos 43º, nº 1, e 47º do Código Penal, da substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, deve ser fixada de acordo com os critérios estabelecidos no nº 1 do artigo 71º e não, necessariamente, por tempo igual ou proporcional ao estabelecido para a prisão substituída" (cf., ainda, Ac. do STJ de 21-07-2009, Proc. 513/06). Assim sendo, os dias de multa de substituição são determinados dentro da moldura dada pelo nº 1 do artigo 47º - limite mínimo de dez dias e máximo de trezentos e sessenta, de acordo com os critérios estabelecidos no nº 1 do artigo 71º, correspondendo a cada dia uma quantia ente €5 e € 500, fixada em função da situação económica financeira do condenado e dos seus encargos pessoais (cf. nº 2 do artigo 47º do CP). Através do Ac. nº 63/2017, o TC entendeu que "não viola a Constituição a aplicação e determinação da medida da pena de multa em substituição da pena principal de prisão com autonomia e sem relação com a pena de multa prevista como pena principal alternativa, nem com os seus limites, obedecendo aos critérios gerais de determinação da medida da pena, no âmbito de uma moldura legal certa, previamente fixada por lei e em si mesma não desproporcional". A propósito vide Penas e Medidas de Segurança de Maria João Antunes, ed. Almedina 2018.
Assim sendo pelas razões supra referidas a propósito das exigências de prevenção geral e especial consideramos adequados 120 dias de multa.
Tendo presente os seus rendimentos e condições de vida e despesas fixas e presentes os limites mínimo e máximo da taxa diária fixado no art. 47º. nº 2 do C.P bem como a ideia de que a taxa mínima é fixada para agentes que auferiam parcos rendimentos próximos da indigência e que a multa não pode deixar de ser vista como uma pena que deverá implicar algum sacrifício, consideramos adequada a taxa de €6,00 perfazendo o total de € 720,00.
Não foi questionada a pena acessória de acessória de proibição de conduzir fixada ao arguido recorrente.
Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto decide conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo recorrente AA e, em consequência, confirmar a sentença recorrida relativamente à autoria dos factos que lhe forma imputados e pena concreta de prisão fixada.
Revogar a decisão a quo relativamente à suspensão da execução da pena de prisão.
Substituir a pena de 05 meses de prisão por 120 dias de multa nos termos do artigo 45.º, n.º 1 do Código Penal, à taxa de €6,00, perfazendo o total de € 720,00.
Manter no demais a decisão a quo.
Sem custas a cargo do recorrente.
Notifique – cfr. art. 425º nº 6 do CPP.
Sumário da responsabilidade do relator.
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Porto, 29 de janeiro de 2025
(Texto elaborado e integralmente revisto pelo relator, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas eletrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico [Declaração:
"Voto a Decisão.
Embora considere que a pena escolhida em 1ª instância, era ponderável, face aos riscos apurados nos autos."]
Paula Natércia Rocha
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[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Cfr. Ac. da R.P. de 24/01/2024, no proc. nº 957/23.3PRPRT.P1, relatado por Paulo Costa, não publicado.
[3] Cfr. Acs. da R.P. de 13/09/2023 no proc. nº 1138/21.6T9AVR.P1, relatado por Pedro Afonso Lucas, não publicado e da R.C. de 12/07/2023 no proc. nº 982/20.6PBFIG.C1, relatado por Luís Teixeira, acedido in www.dgsi.pt
[4] Cfr. Ac. do STJ de 01/07/2010, publicado na C.J., Ano XVIII, Tomo II, pág. 219.
[5] Cfr. proc. nº 135/22.9PCMTS.P1, relatado por Pedro Afonso Lucas, ainda não publicado.
[6] Cfr. Ac. da R.C. de 09/09/2009 no proc. nº 112/08.2GDCBR.C1, relatado por Jorge Raposo, acedido in www.dgsi.pt
[7] Cfr. proc. nº 77/07.8GFSTB.E1, relatado por Gilberto Cunha, acedido in www.dgsi.pt
[8] Cfr. proc. nº 1381/22.0PBBRR.L1-5, relatado por Manuel José Ramos da Fonseca, acedido in www.dgsi.pt
[9] Cfr. Ac. da R.C. de 04/05/2016, no proc. nº 721/13.8TACLD.C1, relatado por Fernando Chaves, acedido in www.dgsi.pt
[10] Cfr. Ac. da R.E. de 07/12/2012, no proc. nº 197/10.1TAMRA.E1, relatado por Ana Barata Brito, acedido in www.dgsi.pt
[11] Ac. da R.E. de 11/09/2024, no proc. nº 1601/21.9PBCBR.C1, relatado por João Abrunhosa, acedido in www.dgsi.pt
[12] Cfr. Ac. da R.P. de 04/02/2016, relatado por Antero Luís, no proc. nº 23/14.2PCOR.L1-9, acedido in www.dgsi.pt
[13] Cfr. Ac. da R.C. de 25/10/2017, relatado por Inácio Monteiro, no proc. nº 444/14.0JACBR.C1, acedido in www.dgsi.pt
[14] Cfr. Ac. da R.L. de 14/07/2022, relatado por João Abrunhosa, no proc. nº 103/22.0PWLSB.L1, não publicado na www.dgsi.pt