JUÍZO DE PROGNOSE FAVORÁVEL
NÃO TRANSCRIÇÃO DA DECISÃO CONDENATÓRIA NO CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Sumário

I - O juízo de prognose favorável quanto à inexistência do perigo de, no futuro, o arguido cometer novos crimes exigido pelo artigo 13º, n.º 1 da lei 37/2015, de 05.05 para a não transcrição da decisão condenatória no certificado de registo criminal não se confunde com o que é formulado a propósito da suspensão da execução da pena de prisão.
II - Mantendo os recorrentes as suas actividades profissionais nos mesmos moldes em que se dedicavam aquando da prática dos factos dos autos e tendo em conta as circunstâncias concretas em que ocorreu o crime aqui em causa, temos que concluir que não se mostra preenchido o requisito material ou substancial previsto no citado artigo 13º, n.º 1 da Lei 37/2015.

Texto Integral

Processo 5095/17.5T9PRT-C.P1
Comarca do Porto
Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 10




Acordam em conferência os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:




I - RELATÓRIO


I.1. Os arguidos AA e BB vieram interpor recurso do despacho proferido em 30.09.2024 que indeferiu a não transcrição do acórdão condenatório no seu certificado do registo criminal.

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I.2. Recurso da decisão (conclusões que se transcrevem integralmente)
“I- O presente recurso, que incide sobre matéria de direito, tem por objeto o douto despacho proferido pela 1a instância em 30/09/2024, que indeferiu o requerimento dos Arguidos de não transcrição da condenação proferida nos presentes autos para os seus certificados do registo criminal efetuado ao abrigo do disposto no art.° 13.°, n.° 1, da Lei n.° 37/2015, de 5 de maio, decisão com a qual os Recorrentes não se conformam, manifestando a sua profunda e veemente discordância.
II- Não é possível protelar o momento da decisão de não transcrição ao abrigo do art.° 13.°, n.° 1 da Lei n.° 37/2015, aguardando-se pelo decurso da suspensão da pena e respetiva extinção, porque o preceito reporta a um juízo de prognose que deve ser efetuado pelo douto Tribunal com base nas circunstâncias que acompanharam o crime.
III- O art.° 13.°, n.° 1, da Lei n.° 37/2015 prevê exatamente um mecanismo de não transcrição através do qual - como a denominação indica - a sentença nunca chega a ser transcrita nos certificados de registo criminal a que se referem os n.°s 5 e 6 do art.° 10.° do diploma, por determinação do tribunal no momento da condenação ou em despacho posterior, mas não após a extinção da pena, uma vez que, nessa fase, o mecanismo aplicável não é o da não transcrição, antes sendo o cancelamento provisório previsto no art.° 12.° da Lei n.° 37/2015.
IV- Assim, e em conformidade com a jurisprudência que se debruçou sobre tal matéria, era exigível ao douto Tribunal recorrido a análise da verificação de todos os pressupostos de aplicação do mecanismo de não transcrição, realizando um juízo de prognose quanto ao pressuposto da inexistência de perigo da prática de novos crimes, o que não ocorreu.
V- Nem se pode dizer que o douto Tribunal recorrido efetuou a referida análise, ponderando a circunstância de os Recorrentes manterem a sua atividade profissional e considerando que a mesma era suficiente para se verificar o mencionado perigo, desde logo porque resulta claro da fundamentação da decisão que essa circunstância foi tida em conta somente como um elemento impeditivo de uma tomada de decisão imediata.
VI- Não colhe o entendimento de que a manutenção da atividade profissional por parte dos Recorrentes é suficiente para justificar o protelamento da decisão de não transcrição ou o seu indeferimento, por configurar uma "porta aberta" para a prática de novos crimes, pois se os Recorrentes podem alterar a sua atividade profissional para uma insuscetível da prática do crime por que foram condenados, tal possibilidade não se verifica quanto à generalidade dos crimes, em que a possibilidade de reincidência existe pelo mero facto de um indivíduo se encontrar em liberdade, tendo tal posição como efeito prático a inaplicabilidade quase total do mecanismo de não transcrição, em manifesta violação do preceituado no art.° 13.°, n.° 1, da Lei n.° 37/2015.
VII- A jurisprudência entende que a lei apenas exige que não seja efetuado um juízo de prognose desfavorável ao arguido para estar verificado o requisito da inexistência de perigo da prática de novos crimes, estando os riscos da não transcrição acautelados pelo mecanismo previsto no n.° 3 do art.° 13.° da Lei n.° 37/2015.
VIII- No caso concreto inexistem elementos que permitam concluir pela verificação de perigo da prática de novos crimes e existem elementos que permitem concluir pela inexistência desse mesmo perigo, pelo que se encontram verificados os pressupostos de aplicação do mecanismo em causa, devendo o douto despacho recorrido ser revogado, por violar o preceituado no art.° 13.°, n.° 1, da Lei n.° 37/2015, impondo-se a prolação de decisão que defira a pretensão formulada pelos Recorrentes.”
Pugnam pela revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que defira o requerimento dos recorrentes ao abrigo do artigo 13º, n.º 1 da Lei 37/2015, de 05.05.
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I.3. Resposta do Ministério Público
O Ministério Público, na resposta ao recurso, sem formular conclusões, pronunciou-se pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
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I.4. Parecer do Ministério Público
Nesta Relação o Ministério Público acompanhou a argumentação constante na motivação do recurso interposto pelo Ministério junto do tribunal recorrido, pugnando pela improcedência do recurso.
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I.5. Resposta ao parecer
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público.
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I.6. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Objecto do recurso
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. acórdão do STJ, de 15.04.2010, acessível em www.dgsi.pt), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95).
Assim, da análise das conclusões dos recorrentes a questão que importa apreciar e decidir é a de saber se deve ser determinada a não transcrição do acórdão condenatório no certificado do registo criminal dos recorrentes.
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II.2. Decisão recorrida (que se transcreve integralmente)
“Requerimento sob a ref.ª nº 40003718 de 9/9, p.p., junto pelos arguidos AA e BB, através do qual e ao abrigo do disposto no art.º 13.º n.º1 da Lei nº37/2015 de 5 de Maio, requerem a não transcrição da condenação de que foram alvo para o certificado do registo criminal, a Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se nos termos da douta promoção que antecede.
Cumpre apreciar e decidir:
Pese embora os arguidos não tenham antecedentes criminais conhecidos e não tenham sido condenados em pena privativa da liberdade, na medida em que foram suspensas as suas condenações em pena de prisão, o certo é que os mesmos, salvo informação em contrário, continuam a exercer as mesmas actividades, pelo que, também se considera prematuro concluir pela inexistência de perigo da prática de novos crimes, como o dos autos, pelo que, por ora, se indefere o requerido, aguardando-se pelo decurso da suspensão da pena e respectiva extinção.
Notifique.”
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II.3. Requerimento de não transcrição do acórdão para o registo criminal dos recorrentes (que se transcreve nas partes relevantes para apreciação da questão enunciada, sem as notas de rodapé)
“(…) 3- Os Arguidos não foram condenados pela prática de nenhum tipo de crime incluído na Lei n°113/2009 ou que atente contra liberdade ou autodeterminação sexual, nem foram condenados por pena privativa de liberdade superior ou inferior a um ano ou por qualquer outro crime na mesma natureza anteriormente.
4- Por outro lado, das circunstâncias reveladas nos autos, coincidentes com a matéria de facto dada como provada, nada se infere que permita concluir pela existência de perigo da prática de novos crimes.
5 - Pelo que requerem seja decidida a não transcrição da sentença nos certificados a que se referem os n°s 5 e 6 do artigo 10.° da Lei 37/2015.”
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III. Acórdão cuja não transcrição se pretende
i) Por acórdão proferido em 23.10.2023, transitado em julgado, cada um dos recorrentes foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de infracção de regras de construção, p. e p. pelo artigo 277º, nº1, alínea a) e nº2. do C.Penal, agravado nos termos do artigo 285º, do mesmo diploma legal, numa pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução foi suspensa na sua execução, por igual período de tempo.
ii) Nesse acórdão foram dados como provados os seguintes factos (transcritos apenas os factos relevantes para a apreciação da questão recursiva, incluindo as alterações ordenadas no acórdão do TRP proferido em 15.07.2024)
“1. Em 05 de Maio de 2016 a Fábrica da Igreja ..., representada pelo seu Presidente e Pároco ..., CC, designado por “Primeiro Outorgante”, celebrou um contrato de empreitada com a sociedade arguida “A..., Lda.”, designada por “Segunda Outorgante” representada pelos seus sócios gerentes, os arguidos AA e BB, que tinha por objecto a reabilitação da cobertura do edifício do ..., sito no Largo ..., no Porto, no qual, designadamente a Segunda Outorgante, ficou autorizada a subempreitar qualquer uma das fases ou trabalhos a qualquer indivíduo ou entidade (cláusula 5º) e cabendo-lhe a implementação das medidas de segurança em obra impostas por lei (cláusula 6º, ponto 2);
2. O plano de segurança e saúde no trabalho ficou a cargo do arguido DD, Técnico de Segurança e Saúde no Trabalho da arguida “A..., Lda.”, função que na mesma desempenhava desde 2011;
3. Ocorriam reuniões de obra com frequência entre o representante da Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia ..., do Porto e os representantes legais da “A...”, os arguidos AA, BB e o técnico de Saúde e Segurança, DD;
4. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 13.04.2017, a sociedade arguida “A..., Lda.”, celebrou um contrato de subempreitada com a sociedade arguida “B..., Lda.”, representada pelos seus sócios gerentes, os arguidos EE e FF e pelo sócio gerente GG, o qual, para além do mais, contemplava a remoção de vigas de madeira do primeiro piso para o rés do chão na obra descrita em 1;
5. Na execução do referido contrato de subempreitada, no dia 13.04.2017, cerca das 15h00m, GG, carpinteiro e sócio gerente da sociedade arguida “B..., Lda.”, juntamente com os arguidos EE e FF, também carpinteiros e sócios gerentes daquela, procediam à remoção de vigas de madeira do primeiro piso para o rés do chão, utilizando cordas que passavam sobre uma viga de um patamar superior e que suspendiam cada viga a retirar, encontrando-se a corda amarrada numa das extremidades ao elemento de madeira a descer e na extremidade oposta enrolada a outra viga (fixa) sendo manuseada a corda de forma a que a viga fosse descendo até ao rés do chão por uma abertura existente no patamar do 1.º piso;
6. Após o arguido EE, que coordenava e visualizava a descida das vigas, ter informado que poderiam proceder ao desenrolamento das cordas, quando o arguido
FF procedia ao desenrolamento da corda numa extremidade e GG procedia ao desenrolamento da corda na outra extremidade, este caiu pela abertura situada no patamar onde se encontrava e por onde a corda se movimentava a uma altura de 3,5 metros;
7. A abertura por onde GG caiu não dispunha de protecção colectiva (barreiras de protecção) que impedisse o risco de queda em altura, nem este dispunha de protecção individual (arnês de segurança) que prevenisse aquele risco;
8. Foram accionados os meios de emergência, tendo GG sido transportado numa ambulância para o Hospital ..., no Porto, onde foi submetido a intervenção cirúrgica (craniectomia descompressiva para drenagem de hematoma subdural);
9. Como consequência directa e necessária da queda, GG sofreu lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, o que determinou a sua morte no dia 19.04.2017;
10. A arguida “A..., Lda.”, na qualidade de entidade executante, não dispunha de Plano de Segurança e Saúde (PSS) que contemplasse o planeamento de prevenção dos riscos profissionais para os trabalhos que se encontravam em execução no momento do acidente, retirada de vigas do primeiro piso para o rés do chão, nem entregou, o referido PSS à arguida “B..., Lda.”, na qualidade de subempreiteiro como a tal estava obrigada por lei;
11. A arguida “A..., Lda.” e os arguidos AA e BB, também na qualidade de seus representantes legais, não obstante terem subadjudicado aqueles trabalhos à arguida “B..., Lda.”, eram, por força do contrato de empreitada celebrado com a Fábrica da Igreja ..., os responsáveis por fazer cumprir as regras de segurança no local onde se executava a obra, competindo-lhes acompanhar a execução da subempreitada e do cumprimento das regras de segurança pela arguida “B..., Lda.”;
12. A arguida “A..., Lda.” e os arguidos AA e BB, também na qualidade de seus representantes legais, não fizeram cumprir as regras de segurança e saúde no trabalho que se impunham para aquela subempreitada e a que estavam obrigados:
(…)
17. Os arguidos “A..., Lda.”, AA e BB, e também na qualidade de seus representantes legais e DD conheciam as normas legais, regulamentares e técnicas aplicáveis à execução dos trabalhos em causa;
18. Não obstante, procederam aos trabalhos em desrespeito das normas de segurança aplicáveis;
19. E ainda as regras gerais de planeamento, organização e coordenação para promover a segurança, higiene e saúde para os trabalhos de construção de edifícios e de engenharia civil previstas no DL 273/2003, de 29.10;
20. Ao agirem do modo acima descrito, os arguidos não actuaram de acordo com os procedimentos a que sabiam estar obrigados por lei;
21. E representaram como consequência possível da sua conduta a colocação em perigo da vida dos trabalhadores envolvidos, conforme veio a suceder com GG, cuja morte não teria ocorrido se tivessem sido seguidas pelos arguidos as normas de segurança e saúde adequadas a evitar tal resultado;
22. Confiando, contudo, que tal não viria a suceder;
23. Os arguidos “A..., Lda.”, AA e BB, e também na qualidade de seus representantes legais e DD agiram livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
24. O arguido AA, não tem antecedentes criminais conhecidos;
25. O arguido BB, não tem antecedentes criminais conhecidos;
(…)
30. AA nasceu em França onde a família esteve emigrada. O agregado, casal e os dois descendentes, regressam definitivamente a Portugal, quando o arguido tinha 8 anos de idade e fixaram-se em .... O agregado apresentava modestos recursos socioeconómicos, assente na actividade progenitores em França, pai operário fabril e mãe empregada de limpeza, e em Portugal dedicaram-se à agricultura;
31. A dinâmica familiar foi descrita como vinculativa afectivamente embora a sua funcionalidade fosse condicionada pela incapacidade total permanente do progenitor durante mais de 20 anos;
32. Ingressou no sistema de ensino em idade própria, tendo efectuada um percurso escolar bem-sucedido;
33. Ingressou no ensino superior em 1994 no Bacharelato em Conservação e Restauro no Instituto Politécnico ..., que conclui em 1997 e conclui a licenciatura em 2001;
34. Entre 2005 e 2006 frequentou e concluiu o mestrado em Gestão e Marketing na Universidade ... e mais recentemente 2020/21 efectuou um a pós-graduação em Marketing Digital na mesma universidade;
35. Iniciou o exercício da actividade profissional em 1998 como formador na Escola Profissional ..., actividade que manteve até 2005, e paralelamente exerceu funções de restauro no Instituto Português do Património Arquitectónico do Porto (IPPAR) e foi professor na Universidade ...;
36. Em 2001 constituiu a A... Lda., juntamente com BB sócio e coarguido. Empresa que expandiram para outras áreas de actividade, designadamente para a área tecnológica à qual AA está mais ligado desde 2015; 37. Encetou uma relação afectiva com HH em 1997, com quem vive em união, desde 2003 sendo pai de duas filhas;
38. À data dos factos que desencadearam o presente processo, AA constituía agregado com companheira e a filha de ambos, actualmente com 17 anos de idade, tendo há 4 anos atrás nascido a segunda filha do casal;
39. O agregado continua a residir em habitação própria, sujeita a crédito bancário habitação, um apartamento de tipologia 3 com adequadas condições de habitabilidade inserido na área urbana da cidade de Braga;
40. A relação familiar é considerada gratificante pelos seus elementos, sendo o arguido descrito como pessoa afável e dedicada ao núcleo familiar constituído dos quais beneficia de apoio incondicional. Não obstante, os constrangimentos decorrentes das frequentes viagens do arguido estrangeiro por motivos profissionais;
41. Ao nível profissional, AA é sócio da empresa A... Lda.,que direcciona maioritariamente a sua actividade para restauro e gestão de património cultural, para além dos edifícios a empresa restaura peças de arte sacra, contando no total com 150 colaboradores;
42. Refere algumas dificuldades de liquidez da empresa nos últimos dois anos, sobretudo por dificuldade em receberem dos clientes, tendo que recorrer a financiamento para cumprir os compromissos assumidos;
43. Não obstante, o arguido ultimamente estar mais direccionado para outras áreas de investimento, prevendo um alargamento da actividade empresarial para outras áreas, designadamente da área tecnológica, gestão de activos e imobiliária, projectos que se encontram em fase de implementação;
44. No exercício da actividade é habitual a contratação de outras empresas, designadamente de carpintaria, em regime de subempreitada, mantendo uma longa relação profissional com a “B... Lda.”;
45. De acordo com o arguido, a empresa preza o zelo pela segurança dos trabalhadores, investindo na prevenção e no autocuidado;
44. A sustentabilidade económica do seu agregado familiar é assegurada pelo seu vencimento mensal proveniente da A... Lda., no valor de 2742€, vencimento que recebe irregularmente, dependendo da liquidez da empresa pelo vencimento no valor 1450€ proveniente da empresa C..., Lda. que criou recentemente. A companheira aufere um rendimento ilíquido no valor de 800€ como formadora de conservação e restauro do IEPF, em regime de prestação de serviços;
45. Apresentam como principais despesas mensais, a prestação do crédito habitação no valor de 560€; 300€ referente à mensalidade do estabelecimento de ensino, ATL e demais despesas de educação das filhas, e cerca de 282€ referente ás despesas correntes da habitação (agua, electricidade, gás, internet, telecomunicações);
46. AA mantém um quotidiano focado no trabalho, no desenvolvimento de novos projectos, estudo e formação. Refere canalizar os tempos livres, para o apoio e prestação de cuidados do núcleo familiar restrito, sobretudo após o nascimento da filha mais nova. Sempre possível participa em eventos culturais;
47. Refere algumas complicações de saúde do foro hepático, diagnosticada há cerca de um ano, encontrando-se a ser seguido em consulta da especialidade no Hospital e Braga; 48. Ao nível das características pessoais, o arguido é descrito pelos familiares como pessoa reservada, detentora de hábitos de trabalho enraizados, empreendedor e estudioso. Socialmente, mantém uma interacção reservada, cordial e adaptativa com a comunidade; 49. No meio laboral não sentiu um impacto significativa, uma vez que a empresa mantém os mesmos níveis de credibilidade e a confiança dos clientes e colaboradores;
50. Considerando, em abstracto, factos de natureza similar, reconhece, a tipologia criminal, a sua ilicitude e avalia adequadamente os eventuais danos para potenciais vítimas;
51. Apesar de perspectivar a sua absolvição, demonstra abertura para a execução de sanção na comunidade, em caso de condenação;
52. No âmbito da sua actividade profissional/empresarial projecta uma imagem social favorável, com atribuições de empenho, empreendedorismo e responsabilidade;
53. Em caso de condenação é considerado que o arguido reúne condições para a execução de uma sanção na comunidade, sem necessidade de intervenção específica dos serviços de reinserção social;
54. O arguido [BB] cresceu no seio de uma família de adequados recursos socioeconómicos, assente na longa actividade do progenitor como colaborador da ... e paralelamente vicepresidente da autarquia de ..., há vários anos. A mãe foi doméstica;
55. A dinâmica familiar foi descrita pelo arguido como funcional e afectuosa destacando a cumplicidade união existente entre os 5 irmãos;
56. O arguido estudou em ... e posteriormente em ... na Escola Secundária ... onde terminou o 12º ano de escolaridade. Ingressou no ensino superior no Instituto Politécnico ..., onde se licenciou, em 2001, em conservação e restauro;
57. O arguido constituiu uma empresa com um irmão – D..., de aluguer de motas de agua e manteve durante 8 anos. O irmão prosseguiu esta actividade e criou a E... no ..., tendo o arguido mantido ainda ligação ao negocio de actividades e roteiros turísticos no ...;
58. Em 2001 criou a A... Lda., juntamente com AA, sócio e co-arguido;
59. BB encetou uma relação afectiva com uma colega de trabalho, há 15 anos, resultando desta união o nascimento de duas filhas, gémeas;
60. Tendo por referencia a data dos factos, o arguido constituía agregado com a companheira e filhas, enquadramento familiar que mantém, apontando o relacionamento conjugal como gratificante;
61. O arguido continua a ser sócio da empresa A... Lda., constituída há 20 anos, e que direcciona a sua actividade para restauro e gestão de património cultural. Para além dos edifícios a empresa restaura peças de arte sacra, contando com mais de 150 colaboradores;
62. No exercício da actividade é habitual a contratação de outras empresas, designadamente de carpintaria, em regime de subempreitada, mantendo uma longa relação profissional com a “B... Lda.”;
63. De acordo com o arguido, a empresa preza o zelo pela segurança dos trabalhadores, continuando a investir nessa área;
64. O arguido apontou algumas dificuldades económicas durante a pandemia, pela falta de mão de obra e pelas dificuldades económicas das Paroquias, principias clientes da empresa. Neste contexto a empresa recorreu a financiamento bancário, cujos empréstimos conseguiram cumprir, não existindo dividas, segundo expressa;
65. Economicamente o agregado subsiste com os rendimentos do trabalho na empresa A..., sendo que o arguido continua a sinalizar um ordenado de 2500 € e a companheira de 1400€. O casal despende 450 € na prestação relativa ao credito à habitação, 400 € no credito para aquisição de viatura, 350 € no infantário das filhas e cerca de 125 € nas despesas correntes (agua, electricidade, gás internet), não sinalizando alterações no seu contexto económico e que descreve como adequado às necessidades pessoais e do agregado familiar;
66. O arguido ocupa o tempo livre disponível no convívio com a família constituída, bem como com a família alargada com quem mantem, nomeadamente com os pais e irmãos laços de união. Quinzenalmente a família reúne-se em casa dos pais, em ...;
67. Socialmente e em meio profissional, quer o arguido quer a empresa beneficiam de uma imagem positiva, sendo o arguido considerado pessoa que valoriza os colaboradores e estabelece uma relação muito próxima com os mesmos;
68. Perante a problemática criminal em causa, ainda que em abstracto, o arguido revela capacidade para reconhecer a ilicitude, bem como a existência de potenciais de vitimas;
69. O arguido aponta como principal repercussão dos presentes autos a vivencia de algum desgaste emocional e preocupação;
70. É considerado que, em caso de condenação e se a pena concretamente aplicável o permitir, o arguido reúne condições para garantir a exequibilidade de sanção na comunidade, sem necessidade de intervenção especifica por parte deste serviço;”
iii) No segmento da determinação da medida concreta das penas exarou-se o seguinte (transcrição das partes relevantes):
“Utilizando os critérios que se vêm de enunciar, tendo em atenção as finalidades da pena, consagradas no artigo 40º, do Código Penal, importa ponderar os seguintes, quanto ao arguido AA:
- A circunstância de, enquanto representante legal da sociedade a quem foi adjudicada a empreitada, lhe incumbir garantir a segurança na obra, não tendo tomado qualquer precação para precaver e evitar o perigo;
- O desvalor do resultado, uma vez que da sua actuação omissiva decorreu a perda de uma vida humana;
- As elevadas necessidades de prevenção geral atentos os bens jurídicos protegidos;
- A sua postura em julgamento, declarando-se alheio a qualquer responsabilidade, não revelando, consequentemente, qualquer tipo de arrependimento; (…)
Quanto ao arguido BB:
- A circunstância de, enquanto representante legal da sociedade a quem foi adjudicada a empreitada, lhe incumbir garantir a segurança na obra, não tendo tomado qualquer precação para precaver e evitar o perigo;
- O desvalor do resultado, uma vez que uma vez que da sua actuação omissiva decorreu a perda de uma vida humana;
- As elevadas necessidades de prevenção geral atentos os bens jurídicos protegidos;
- A sua postura em julgamento, declarando-se alheio a qualquer responsabilidade, não revelando, consequentemente, qualquer tipo de arrependimento; (…).”
iv) No segmento da suspensão da execução da pena de prisão aplicada desse acórdão consignou-se o seguinte (transcrição das partes relevantes):
“No caso concreto a decisão a tomar, abrange todos os arguidos, pende claramente para considerar que a ameaça da pena e a censura dos factos serão suficientes para acautelar o cometimento de novos, crimes, pois todos estão profissional e familiarmente integrados, perfeitamente integrados na sociedade e não têm qualquer antecedente criminal conhecido, o que é relevante atentas as respectivas idades. Assim decide-se suspender as respectivas penas em que cada um dos arguidos foi condenado, por igual período de tempo, o que se determina, ao abrigo do disposto nos artigos 50º, do C.Penal, não as substituindo (as penas aplicadas aos arguidos EE e FF), ao abrigo do disposto no artigo 58º, do C.Penal, por penas de prestação de trabalho a favor da comunidade, pois e atendendo às circunstâncias de vida de cada um deles, julga-se que tal substituição não alcançaria de forma mais eficaz as finalidades punitivas.”
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II.3. Apreciação do recurso
§1. Os recorrentes sustentam que se mostram verificados todos os pressupostos de aplicação do mecanismos preceituado no artigo 13º, n.º 1 da lei 37/2015, de 05.05, inexistindo elementos que permitam concluir pela verificação de perigo da prática de novos crimes.
Acrescentam que o tribunal a quo não poderá esperar para ver se os arguidos cometeram algum crime no decurso da suspensão da execução da pena aplicada
Invocam como norma violada o artigo 13º, n.º 1 da lei 37/2015, de 05.05.
Adiantamos, desde já, que os recorrentes não têm razão.
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§2. Estabelece o artigo 13º, n.º 1 da Lei 37/2015, de 05.05, sobre as decisões de não transcrição, que:
“1- Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º”
A ratio do artigo ora transcrito, conforme se escreveu no acórdão do TRE de 05.12.2017, relatado por Renato Barroso (acessível em www.dgsi.pt) é a de “evitar a estigmatização de quem sofreu uma condenação por um crime de diminuta gravidade, ou sem gravidade significativa, e as repercussões negativas que a publicidade ou divulgação dessa condenação, podem acarretar para a reintegração social do condenado, nomeadamente no acesso ao emprego.”
A aplicação daquela norma pressupõe a verificação dos seguintes requisitos formais:
i) Não ter o arguido sido condenado por crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, em que as vítimas sejam crianças menores de idade;
ii) A pena aplicada a pessoa singular tem de ser não privativa da liberdade ou, sendo de prisão, terá de se fixar até 1 ano;
iii) O arguido não pode ter sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza.
E ainda exige o preenchimento de um requisito material ou substancial que se traduz em não decorrer das circunstâncias que acompanharam o crime o perigo de prática de novos crimes.
A propósito deste último requisito, o citado acórdão do TRE de 05.12.2017 refere que (com sublinhado aposto) “É sabido que o fundamento do juízo de prognose, favorável ou desfavorável, quanto à existência, ou não, do perigo de, no futuro, o arguido cometer novos crimes só pode fundar-se em conclusões extraídas das circunstâncias que acompanharam o crime.
Aliás, da fórmula negativa usada pelo legislador, “não se puder induzir perigo de prática de novos crimes”, deve concluir-se que a lei apenas exige que não seja efectuado um juízo de prognose desfavorável, de aferição das hipóteses de não verificação do perigo, o que é diferente de outras expressões utilizadas, como, por exemplo, a do nº 1 do Artº 50 do C. Penal – “concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”- que denunciam a necessidade de um juízo de prognose favorável.
Daí que seja correcto afirmar que este juízo de prognose favorável não se confunde com o que é formulado a propósito da suspensão da execução da pena, não só porque o tribunal não está obrigado a determinar a não transcrição da sentença sempre que esta não seja superior a 1 ano de prisão ou tenha a sua execução suspensa, mas também por tal diferença se compreender por a medida prevista no Artº 13, nº 1, da Lei n.º 37/2015, ser de carácter administrativo e precária, dado o teor do seu n.º 3 onde se diz que ”o cancelamento previsto no n.º1 é revogado automaticamente, ou não produz efeitos, no caso de o interessado incorrer, ou já houver incorrido, em nova condenação por crime doloso posterior à condenação onde haja sido proferida decisão”, o que quer dizer que o legislador criou um mecanismo de correcção automática da decisão tomada ao abrigo do nº 1 do Artº 13, em caso de frustração do juízo de prognose efectuado pelo juiz”.
E o acórdão do TRC de 02.02.2022, relatado por Paulo Guerra (acessível em www.dgs.pt) sustentou que “Só não se decide pela não transcrição da sentença, quando, das circunstâncias que rodearam a prática do ilícito, se não puder concluir que não existe perigo da prática de novos crimes.
Dito de outra forma:
Tendo em consideração as circunstâncias da prática do crime, a não transcrição da sentença em certos certificados do registo criminal pode ordenar-se desde que não se conclua que há perigo de o agente praticar novos crimes, o que implica não um juízo valorativo positivo, mas antes que não se faça um juízo negativo sobre o comportamento futuro.
Tentando densificar melhor o conceito, o Acórdão da Relação de Guimarães datado de 20/1/2014 (Pº 1454/00.0TBBRG-A.G1) doutrinou que tal juízo de prognose deverá, assim, ter por base as circunstâncias que acompanharam o crime, isto é, a culpa do arguido, as exigências de prevenção e a sua atitude perante os factos pelos quais foi condenado.”
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§3. Revertendo ao caso concreto, dúvidas não há que se verificam os pressupostos formais acima enunciados conforme concluiu o tribunal recorrido.
Resta-nos assim aferir se está verificado o pressuposto material como sustenta os recorrentes ao contrário do que foi decidido pelo tribunal a quo.
Cada um dos recorrentes foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de infracção de regras de construção, p. e p. pelo artigo 277º, nº1, alínea a) e nº2. do C.Penal, agravado nos termos do artigo 285º (agravado pelo resultado morte), do mesmo diploma legal, numa pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução foi suspensa na sua execução, por igual período de tempo.
Da factualidade apurada acima transcrita constata-se que os arguidos continuam a ser sócios e gerentes da Sociedade A..., Lda., que direcciona maioritariamente a sua actividade para restauro e gestão de património cultural, para além dos edifícios a empresa restaura peças de arte sacra, contando no total com 150 colaboradores, sendo habitual no exercício dessa actividade a contratação de outras empresas, designadamente de carpintaria, em regime de subempreitada, mantendo uma longa relação profissional com a “B... Lda.”. Ou seja, ambos os recorrentes mantêm as suas actividades profissionais nos mesmos moldes em que se dedicavam aquando da prática dos factos dos presentes autos, sendo que o crime aqui em questão pelo qual foram condenados e do qual resultou a morte de um dos trabalhadores envolvidos foi perpetrado precisamente no âmbito dessa mesma actividade profissional conforme decorre dos factos provados sob os pontos 1º a 12º e 17º a 22º acima transcritos.
Do acórdão acima transcrito resulta ainda que aos recorrentes, enquanto representantes legais da sociedade a quem foi adjudicada a empreitada, incumbia-lhes garantir a segurança na obra, não tendo os mesmos tomado qualquer precaução para precaver e evitar o perigo. Além disso, em sede de julgamento, os recorrentes declararam-se alheios a qualquer responsabilidade.
Donde, mantendo os recorrentes a mesma actividade profissional e tendo em conta as circunstâncias em que ocorreu o crime aqui em causa, nada nos garante que os mesmos tomem de facto todas as precauções a que estão obrigados para precaver e evitar o perigo inerente à execução do tipo de obras a que se dedicam.
Neste contexto, aferidas em concreto as circunstâncias que acompanham o crime, não se pode concluir que delas não decorre a indução do perigo da prática de novos crimes por parte dos recorrentes, pelo que, os mesmos não podem beneficiar da não transcrição no registo criminal da condenação em apreço, para os fins a que se referem os nºs 5 e 6 do citado artigo 10º da Lei n.º 37/2015.
Improcede o presente recurso.
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III- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos AA e BB, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo dos recorrentes, fixando a taxa de justiça individual em 3 UCS (artigo 513º, nº 1, do CPP e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III anexa).
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Porto, 29.01.2025

Maria do Rosário Martins (relatora)
Luís Coimbra (1º Adjunto)
Pedro Menezes (2º Adjunto)