CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
ELEMENTOS TÍPICOS DO CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
INGESTÃO LIVRE E VOLUNTÁRIA DE BEBIDAS ALCOÓLICAS
REALIZAÇÃO DE RELATÓRIO SOCIAL
Sumário

I - A indicação, em sede de fundamentação de facto, das características e da certificação técnica do aparelho de medição da taxa de álcool no sangue, é irrelevante para apurar do preenchimento dos pressupostos de tipicidade, ilicitude e culpa do arguido no cometimento de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pelo que a ausência de tal indicação não constitui falta de fundamentação da sentença.
II - A realização de relatório social em fase de julgamento não é uma diligência de prova obrigatória e a sua omissão, porventura, poderá representar uma mera irregularidade a ser arguida nos termos do disposto no art. 123º/1 do Cód. de Processo Penal.
III - Não constitui exigência para o preenchimento dos elementos típicos do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, que por via do consumo alcoólico detectado o agente esteja afectado ou toldado na sua consciência e capacidade de decisão.
IV - Ainda que no momento da condução, e por via do consumo alcoólico detectado, o agente dos factos esteja afectado ou toldado na sua consciência, a jusante desse momento existiu uma acção anterior, traduzida na ingestão livre e voluntária de bebidas alcoólicas (a não ser, claro está, que se demonstre circunstancialismo contrário a tal voluntariedade). O que significa, e é isso precisamente que prevê a estatuição típica aqui em causa (art. 292º/1 do Cód. Penal) que essa acção dolosa ou negligente (consoante os casos) que tem o agente na fase inicial, se prolonga por todo o processo causal por ele provocado – devendo assim considerar–se que o colocar–se em tal estado já constitui o primeiro acto de execução do facto típico visado.

Texto Integral

Proc. nº 495/22.1GDVFR.P1

Tribunal de origem: Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira - Juiz 3

Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

No âmbito do processo comum (tribunal singular) nº 495/22.1GDVFR que corre termos no Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira - Juiz 3, em 29/04/2024 foi proferida Sentença, cujo dispositivo é do seguinte teor:

« IV. DECISÃO

Nestes termos, o tribunal julga procedente por provada a acusação pública, e decide:

- Condenar o arguido AA pela prática, como autor material e sob a forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º e 69º, nº 1, al. a) do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), no total de 330,00€ (trezentos e trinta euros);

- Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, prevista no artigo 69º, nº 1, al. a), pelo período de 3 (três) meses.


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Custas a cargo do arguido, que se fixam em 2 UC (artigo 513.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais e artigo 344º, nº 2, al. c) do Código de Processo Penal).

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Em obediência ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2013 (D.R. n.º 5, Série I de 8/01/2013), fica o arguido notificado para, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da presente decisão, proceder à entrega da sua carta de condução ou qualquer outro título que o habilite a conduzir, na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, com a advertência de que, não o fazendo, incorrerá na prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º n.º 1 alínea b) do Código Penal.

Após trânsito em julgado:

- remeta boletins ao registo criminal – artigo 6.º, al. a), 7.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, ambos da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio.

- comunique à ANSR e ao IMT - artigo 69º, nº 4 do Código Penal.


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Notifique, sendo o arguido pessoalmente. »

Notificado da decisão condenatória em 24/07/2024, e Inconformado com a mesma, dela recorreu, em 19/09/2024, o arguido AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões:

1ª – O Recorrente não se conforma com a, aliás, douta Sentença recorrida, tendo interposto o presente Recurso.

2ª – Não foi ordenada a realização do Relatório Social, também não foram relevados os factos alegados pelo arguido, tal omissão, acarreta a nulidade da sentença, pois é de tal modo grave, que afecta as garantias de defesa do arguido constitucionalmente consagradas.

3ª - A falta de fundamentação, e a omissão dos factos alegados pelo arguido e também ausência do Relatório Social, afetam o direito de defesa, o que leva à nulidade da sentença, artº. 374, nº. 1, al. d), do C.P.P. e artº. 379, nº. 1, al. a), do C.P.P.

4ª- A falta dos factos alegados pelo arguido na contestação e ausência do Relatório Social, integra, salvo o devido respeito a nulidade consubstanciada na al. a), do nº. 1, do artº. 379, por referência ao artº. 374, nº. 2, ambos do C.P.P. – tal falta de referência expressa aos factos alegados na contestação, leva à necessária conclusão de que tais factos não foram, sequer objecto de decisão, houve, quanto a eles omissão de pronúncia. O que, face à sua relevância, implica também a nulidade do artº. 379, nº. 1, al. c) do C.P.P., “quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.

5ª- Deve a douta sentença recorrida ser declarada nula e como consequência ser o processo reenviado para novo julgamento, declarando-se nulos todos os atos posteriores (artºs. 374 e 379, do C.P.P.).

6ª - Entende-se que a Sentença recorrida não fez um exame crítico das provas que permitiram formar a sua “convicção”, violando o disposto no artº 374, nº 2, do C.P.P. o que leva à nulidade da Sentença, nos termos do artº 379, nº 1, al. a), do C.P.P.

7ª - O recorrente foi seriamente afetado no seu direito de defesa, tendo sido violado o disposto no artº 32, nºs 1 e 5, da C.R.P. e o artº 97, nº 4, do C.P.P., já que o tribunal fez errada interpretação da norma constante do artº 97, nº 4, do C.P.P., interpretação essa violadora dos princípios consignados nos artºs 32, nº 1, e 205, da C.R.P., o que aqui se invoca, também com o objetivo de dar cumprimento ao disposto no artº 72, da Lei do Tribunal Constitucional.

8ª – A nulidade de falta de fundamentação quanto aos factos provados e não provados é insanável e afecta a validade da Sentença, devendo ser declarada com todas as legais consequências.

9ª – Dos factos provados, não consta que ao arguido foi dada ordem de paragem, nem ordem de efetuar o teste de despiste, quem lhe deu essa ordem, nem a homologação do aparelho utilizado.

10ª - Da Decisão recorrida, não consta a forma da Recolha, se o Alcoolímetro utilizado era de Despiste ou qualitativo, se evidencial ou quantitativo.

11ª – Na Sentença não consta a homologação do equipamento usado para a recolha e medição da Taxa, nem consta há quanto tempo tinha o mesmo sido verificado, o que acarreta nulidade da Sentença.

12ª – Também não consta se o Alcoolímetro foi sujeito a calibração (ajuste periódico recomendado), a data em que havia sido calibrado, a fim de se apurar se foram ou não cumpridas todas as formalidades legais, mormente as constantes na Lei nº 18/2007, de 17/05, na sua atual redação.

13ª – Não constando dos factos provados a forma de recolha, a homologação do alcoolímetro usado, e a data em que foi calibrado, padece a Sentença de uma nulidade insanável.

14ª - Pois, a convição do julgador deve ser objetiva e motivada de forma lógica e racional, o que, salvo o devido respeito, não acontece na decisão recorrida, padecendo, ainda, a Sentença da nulidade prevista no artº 120, nº 2, al. d), do C.P.P.

15ª – Ficou o arguido prejudicado seriamente, no seu direito de defesa, tendo sido cometida, desde logo, uma nulidade, com relevo para a decisão, que tempestivamente, se está a arguir, devendo ser declarada, com todos os efeitos legais (artºs 358 e 359; artº 379, nº 1, al. a), todos do C.P.P.).

16ª – A Sentença é totalmente omissa de fundamentação, não solicitou o Relatório Social, o modelo do alcoolímetro, a falta de calibração e homologação, que não constam na matéria de facto provada, nem na matéria de facto não provada, tal omissão acarreta a nulidade da Sentença, pois é de tal modo grave que afecta as garantias de defesa do recorrente, requerendo-se a nulidade da Sentença recorrida.

17ª – Assim, verifica-se omissão de pronúncia o que integra a nulidade consubstanciada no artº 379, nº 1, al. a), por referência ao artº 374, nº 2, ambos do C.P.P., o que, implica também a nulidade nos termos dos artºs 374 e 379, nº 1, al. c), todos do C.P.P.

18ª - Por falta de fundamentação, ausência dos factos alegados, erros e omissões, deve a Sentença recorrida ser declarada nula, por violação, entre outros, dos artºs 32, nºs 1 e 5, e 205, da C.R.P., e artº 97, nº 4, do C.P.P., já que o Tribunal fez errada interpretação das normas constantes do artº 97, nº 4, do C.P.P., interpretação essa violadora dos princípios constitucionais, o que aqui se invoca, também com o objectivo de dar cumprimento ao disposto no artº 72, da Lei do Tribunal Constitucional.

19ª - Pelo exposto: salvo melhor opinião, o Tribunal “a quo” violou o disposto no artº 374, nº 2, do C.P.P. (e no artº 205, nº 1, da C.R.P.), sendo, por isso, a douta Sentença recorrida nula, nos termos do artº 379, nº 1, al. a), do C.P.P., o que aqui se vem arguir, nos termos do nº 2, deste último artigo, deve assim ser declarada a nulidade e, consequentemente, ordenada a remessa do processo ao Tribunal “a quo” para que se proceda à elaboração de nova Sentença que contenha as apontadas menções em falta do nº 2, do artº 374, do C.P.P.

20ª - Invoca-se aqui o seguinte: é inconstitucional a norma do nº 2, do artº 374, do C.P.P., quando interpretada no sentido de que a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples conclusão dos depoimentos prestados na Audiência, não exigindo a explicitação do processo de formação da convição do Tribunal, por violação do dever de fundamentação precisa das decisões dos Tribunais previsto no nº 1, do artº 205, da C.R.P.

21ª – E se é certo, não nos ser lícito questionar, sindicar a livre convição do julgador, é preciso reafirmar que só pela via da fundamentação da decisão se pode chegar à conclusão que esta não é produto do livre arbítrio. Deve ser declarada a nulidade, com todas as legais consequências, mormente anulação de toda a Sentença e reenvio para novo Julgamento (artºs 426 e 426-A, do C.P.P.).

22ª – Faltam factos e a prova dos mesmos, para que se possa dar como provado taxa de álcool no sangue tão elevada, sem se saber as condições e circunstâncias da recolha e o estado do equipamento utilizado.

23ª - Incorreu assim o tribunal a quo no vício do erro notório e, por força dele, a violação do princípio In dubio pro reo. Verifica-se igualmente, quanto a esta matéria, não ter o Tribunal “a quo” se pronunciado sobre factos, essenciais para a decisão da causa, por isso, padece também a Sentença recorrida do vício da al. a), do nº 2, do artº 410, do C.P.P.

24ª - Trata-se de uma errada interpretação dos elementos de prova pelo Tribunal “a quo” e que levou à errada condenação do arguido ora recorrente quando o mesmo deveria ter sido absolvido dos factos pelos quais vinha acusado.

25ª - No caso concreto não existia prova bastante para condenar o Recorrente por tão elevada taxa, sem se saber a forma de quantificação e da recolha da amostra, tendo tal só sido possível por erro na formação de convição, tudo conforme melhor consta da motivação supra, cujo teor se dá aqui, por integralmente reproduzido.

26ª – A decisão recorrida padece dos vícios do artº 410, nº 2 al.s a); b) e c), do C.P.P., o que deve conduzir à nulidade e reenvio do Processo para novo Julgamento (artºs 426; 426-A, ambos do C.P.P.).

27ª – O Tribunal “a quo” não pode escudar-se no princípio da livre apreciação da prova para justificar a formação da sua convição, quanto ao preenchimento da tipicidade objetiva e subjetiva do crime pelo qual condena, porquanto não se pode deixar de temperar o sistema de livre apreciação da prova com a possibilidade de controle imposta pela obrigatoriedade de uma motivação racional da convição formada evitando-se assim a possibilidade de o julgador fazer uma avaliação arbitrária da prova.

28ª – Na dúvida, deve prevalecer o princípio “In dúbio pro reo” com a absolvição do arguido.

29ª- Deve reconhecer – se a existência dos vícios do artº. 410, nº. 2, do C.P.P., Anulando-se a Sentença recorrida e em substituição declarar–se a Acusação improcedente, por não provada e absolver-se o recorrente do crime de que estava acusado.

30ª - O arguido está integrado social, familiar e profissionalmente, que desfruta de uma dinâmica de relacionamento intra – familiar coesa e afetuosa, entre outros factos que são essenciais à apreciação da culpa do arguido e fixação da medida da pena.

31ª – É de concluir pela existência de erro notório na apreciação da prova, sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo Tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulado no artº 127 do C.P.P., este encontra no princípio “In dubio pro reo” o seu limite normativo.

32ª – O fundamento a que alude a al. a), do nº 2, do artº 410, do C.P.P., é a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, Este vício verifica-se quando há omissão de pronúncia pelo Tribunal relativamente aos factos alegados pelo recorrente, e bem assim, à forma de recolha da Amostra e ao estado do equipamento utilizado, o que aconteceu no caso dos autos.

33ª – Estes vícios inquinam a decisão recorrida, que deve ser alterada, absolvendo-se o Recorrente, ou ordenando a repetição da Audiência de Discussão e Julgamento, quanto à totalidade do seu objeto.

34ª – Acresce que, se é dado como provado que o arguido tinha uma taxa de álcool no sangue de 1,205 g/L, não pode ser dado como provado que o arguido estava livre, ciente e consciente e que detinha plena capacidade de avaliar a sua conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação.

35ª – Pois, ainda que temporariamente, a sua consciência e a sua vontade estavam toldadas e condicionadas pelo álcool.

36ª – A decisão recorrida viola o princípio da legalidade, o princípio da presunção de inocência e o princípio In dubio pro reo, constitucionalmente consagrados, que o recorrente deve presumir-se inocente; e que na dúvida deve ser Absolvido.

37ª - Deve, pois, reconhecer-se a existência dos vícios do artº 410, nº 2, do C.P.P., absolvendo-se o recorrente do crime de condução de veículo em estado de embriaguez e da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor – artº 69, nº 1, al. c), do C.P., ou declarando-se a nulidade e reenviando-se o processo para novo Julgamento.

38ª – Discorda o arguido da medida da pena de multa, por ultrapassar a medida da culpa, não concorda com a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.

39ª – O recorrente foi condenado, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de 5,50€, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de três meses.

40ª - Entendemos ao contrário da decisão recorrida, que esta pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ é excessiva e bem assim é desadequada e desproporcional à culpa, devendo esta ser reduzida para uma pena de 20 (vinte) dias de multa, à taxa diária de 5,00€.

41ª – Sendo também excessiva a pena acessória de 3 meses de proibição de conduzir veículos a motor.

42ª - Entendemos ao contrário da decisão recorrida, que a pena acessória de 3 meses de proibição de conduzir veículos a motor deve ser suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e que a simples censura do facto e a ameaça de condenação realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

43ª – Deve o Tribunal “a quo” deve fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do recorrente, no sentido de que a ameaça da pena de multa e a ameaça da pena acessória são adequadas e suficientes para realizar as finalidades de punição, assim existe um juízo de prognose favorável ao arguido, devendo ser suspensa na sua execução, pelo período de 1 ano, a pena concreta aplicada.

44ª – O recorrente, está imbuído de vontade bastante para se socializar, encontra-se inserido social, profissional e familiarmente.

45ª - A simples censura do facto e a ameaça da pena de multa e da pena acessória de proibição de condução de veículos a motor realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

46ª - O arguido encontra-se inserido social, familiar e profissionalmente, de referir que o Tribunal “a quo” não atentou, nem valorou esta inserção social, nem valorou o hiato temporal entre o crime sub judice e o crime que o arguido havia cometido há vários anos, tratando-se de crime de diversa natureza.

47ª - O arguido não tem processos pendentes, nem praticou qualquer crime posteriormente ao destes autos, razão porque é incompreensível que o Tribunal “a quo” entenda que importa prevenir a prática de crimes futuros.

48ª - O Tribunal “a quo” não solicitou o Relatório Social, para atestar o caráter e a personalidade do arguido, assim como confirma a inserção social, familiar e profissional, o arguido cumpriu a pena aplicada em outro processo anterior, o que demonstra reflexão e interiorização do desvalor praticado e vontade em afastar-se da criminalidade.

49ª - No presente caso, deve fazer-se um juízo de prognose favorável, de que o arguido, no futuro, acate a Lei.

50ª - Assim sendo, deve a pena de multa ser reduzida para 20 (vinte) dias, no valor diário de 5,00€, sendo a execução desta pena de multa, assim como a execução da pena acessória de proibição de condução de veículos a motor pelo prazo de 3 meses, ser suspensas pelo período de 1 ano.

51ª - Tudo ponderado, cremos estarem preenchidos os pressupostos de factos e de direito para a suspensão da execução da pena de multa e da pena acessória, pelo período de 1 ano.

52ª - A prevenção especial é de pouca intensidade, atento o tempo entretanto decorrido e o bom comportamento posterior ao facto ilícito típico.

53ª – Deve ser alterada a decisão recorrida, suspendendo-se a mesma na sua execução pelo período de 1 ano, este regime é mais adequado e ainda suficiente, respondendo às suas necessidades de socialização e evitando que reincida.

54ª - A pena de multa de 60 (sessenta) dias no valor de 5,50€ ao dia excessiva e desproporcional à culpa e necessidades de prevenção, sendo também excessiva a pena acessória.

55ª - O arguido, atualmente, tem ocupação laboral e estabilidade financeira, sendo o veículo e a condução deste, instrumento imprescindível ao exercício da sua atividade profissional..

56ª - Assim sendo, deve ser reduzida a pena de multa de 60 (sessenta) dias, à taxa diária de 5,50€, a uma pena de multa de 20 (vinte) dias, à taxa diária de 5,00€, sendo a mesma suspensa na sua execução, pelo período de um ano, este regime é mais adequado e ainda suficiente, respondendo às suas necessidades de socialização e evitando que reincida.

57ª - O arguido foi ainda condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, p. e p. pelo artº 69, nº 1, al. a), do C.P., pelo período de 3 (três) meses.

58ª - O arguido não se conforma com a aplicação de tal pena acessória, nos termos infra expostos, por entender ser excessiva, desproporcional e desadequada.

59ª - Na nossa modesta opinião, o artº 69, do C.P. não tem aplicação no caso dos autos.

60ª - O arguido tem 29 anos de idade, e tem hábitos de trabalho, o rendimento advindo da sua atividade é imprescindível para si, sendo que no exercício da sua atividade profissional, o arguido tem necessidade de efetuar deslocações por todo o país.

61ª - O título de condução constitui assim um instrumento essencial para o exercício da atividade profissional do arguido, pois é imprescindível para a sua deslocação, mas também para transporte de equipamento e material da empresa onde trabalha.

62ª - Pelo que carece absolutamente da habilitação legal para conduzir para exercer a sua atividade profissional e gerir a sua vida pessoal e familiar .

63ª - A aplicação da pena acessória de inibição de conduzir afigura-se demasiado gravosa e desproporcionada ao caso “sub judice”, impedindo o arguido de trabalhar e de obter o seu sustento.

64ª - Por se verificarem todos os pressupostos do artigo 74º do CP, deve determinar-se a dispensa da aplicação da pena acessória de inibição de conduzir.

65ª - A aplicação da pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 3 meses, revela-se radical e demasiado pesada face aos factos, princípios gerais e normas aplicáveis ao caso.

66ª - Ora, considerando que a inibição de conduzir pelo período de 3 meses, coloca em risco o provento dos únicos rendimentos do arguido, impedindo-o de exercer a sua atividade profissional, facilmente se conclui não haver qualquer proporcionalidade entre a aplicação da pena principal e a pena acessória, motivo pelo qual deverá a aplicação desta última ser dispensada.

67ª - A condução do veículo automóvel é para o arguido imprescindível para o exercício da profissão.

68ª - Deve ser dispensada a aplicação da pena acessória de inibição de conduzir, já que o arguido agiu sem culpa e a mesma implica para o arguido uma lesão superior à que resulta da aplicação da própria pena principal.

69ª - Não deve ser aplicada ao arguido a pena acessória de proibição de condução de veículos a motor pelo prazo de 3 meses ou, caso assim não se entenda, deverá esta ser suspensa na sua execução, pelo período de 1 ano, sendo que este regime é mais adequado e ainda suficiente, respondendo às suas necessidades de socialização e evitando que reincida.

70ª - Por via da aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, muitos jovens tiveram as suas penas amnistiadas e outros viram às suas penas ser–lhes perdoado 1 ano, o que não sucedeu com aqui condenado, assim sendo, tal situação pode configurar uma Inconstitucionalidade por violação do Principio da Igualdade previsto no artº 13º da Constituição da República Portuguesa, porquanto, não estarão todos a ser tratados de forma igual perante a Lei, em especial o aqui condenado, uma vez que se encontra a ser penalizado pela não aplicação da amnistia ao seu caso.

71ª - Gerou-se no Recorrente a legitima expectativa de que à pena de multa e à pena acessória a que o mesmo havia sido condenado pelo tribunal “a quo” lhe seria perdoada a pena de multa e a pena acessória de proibição de condução de veículos a motor, expectativas estas que com a sua condenação por via da douta sentença da qual se recorre foram completamente defraudadas, verificando-se assim uma Inconstitucionalidade por violação do Principio do Estado de Direito; Princípio da Segurança e paz Jurídica; Princípio da Confiança, princípios estes que derivam do artº 2.º da Constituição da República Portuguesa.

72ª - Esta não aplicação da Lei da Amnistia ao aqui recorrente, e o conhecimento por parte deste de que muitos outros jovens condenados como ele estão a beneficiar da amnistia e ou do perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, fará com que se gere no jovem condenado um tremendo sentimento de injustiça e de frustração o que levará a que em vez de se conseguir com esta decisão alcançar uma prevenção das necessidades especiais e uma ressocialização do condenado, se obtenha precisamente o oposto das necessidades especiais.

73ª - Assim sendo, jamais se estará a prosseguir o objetivo da ressocialização do condenado.

74ª - Para dar cumprimento aos princípios do Tribunal Constitucional, aqui expressamente se alega que é inconstitucional a não aplicação ao caso sub judice, por parte do tribunal “a quo” da Lei 38-A/2023 de 02-08 no sentido de ser perdoado ao Recorrente a pena de multa e a pena acessória de proibição de condução de veículos a que foi condenado.

75ª – Verifica-se a violação dos princípios constitucionais já referidos, inerentes a um Estado de Direito Democrático, o que aqui se deixa expresso também para cumprimento do art. 72º da Lei do Tribunal Constitucional.

76ª – Pela aplicação do Princípio da igualdade; Principio da proporcionalidade; Principio do estado de direito; Princípio da segurança Jurídica; Princípio da confiança, deve alterar a decisão recorrida sendo substituída por outra que aplique a Lei n.º 38-A/2023 de 02-08, beneficiando o arguido do perdão da pena de multa de 60 dias à taxa diária de 5,50€ e do perdão da pena acessória de proibição da condução de veículos a motor, a que foi condenado pela sentença de que ora se recorre, sendo esta a mais adequada e justa.

77ª - A decisão recorrida, para além de outras normas e princípios, violou os artºs 312; 313; 332; 119; 120; 355; 358; 359; 374; 379; 127; 163; 48; 49; 410 nº 2; 426; 426-A, todos do C.P.P., violou os artºs 14; 22, nº 1 e nº 2, al. c); 23, nºs 1 e 2, 40 nº 2; 43; 49; 50; 68; 69; 71; 73, nº 1, als. a) e c); 77; 72 e 292, todos do C.P., violou também, os princípios da Legalidade; da Acusação; da Investigação; do Contraditório; da vontade do prosseguimento criminal; In dubio pro reo, e a presunção de inocência do arguido (artº 32 nº 2 da C.R.P.), com a interpretação dada ao artº 97 nº 4 do C.P.P., violou os princípios consignados no artº 32, nº 1, e 5 e artºs 202 e 205 da C.R.P., violação que aqui se invoca, também com o objetivo de dar cumprimento ao disposto no artº 72 da Lei do Tribunal Constitucional e a Lei n.º 38-A/2023 de 02-08.

O recurso foi admitido.

A este recurso respondeu o Ministério Público, propugnando pela respectiva improcedência, e concluindo da seguinte forma:

I. A realização de relatório social não é uma diligência obrigatória e a sua omissão, porventura, poderá representar uma mera irregularidade a ser arguida nos termos do disposto no art.º 123º, n.º 1 do C.P.P., o que não aconteceu;

II. Resultando dos autos e da sentença que o arguido não apresentou prova, não compareceu à sessão de julgamento regularmente notificado, não requereu a sua audição noutra data e que o Tribunal através de pesquisa na base de dados apurou que ele não tinha rendimentos do trabalho declarados perante a Segurança Social e fixou um quantitativo diário muito próximo do mínimo legal, consideramos que o Tribunal fez o suficiente e o que se lhe impunha, tendo em conta o tipo de crime e a pena de multa a aplicar, para obter prova das condições pessoais do arguido;

III. A sentença não padece dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova – art.º 410º, n.º 2, als. a e c) do C.P.P.;

IV. A sentença não padece da nulidade, prevista nos art.º 374º, n.º 2 e 379º, n.º 1, als. a) e c) do C.P.P.;

V. Considerando as elevadas necessidades de prevenção geral, o elevado grau de culpa (dolo direto), a reduzida ilicitude da conduta atenta a taxa de álcool no sangue e as medianas necessidades de prevenção especial tendo em conta que não é conhecida atividade profissional ao arguido e este já tinha um antecedente criminal, entendemos que a pena de 60 dias de multa se afigura justa e proporcional à luz dos critérios previstos no art.º 71º do C.P.;

VI. De igual forma, o quantitativo diário de 5,50€, muito próximo do mínimo legal, é adequado tendo em conta as condições pessoais que o Tribunal logrou apurar relativamente ao arguido;

VII. Em matéria de penas vigora o princípio da legalidade; logo, não é possível à luz do Código Penal suspender a execução da pena de multa nem suspender a execução ou dispensar a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados;

VIII. O crime de condução de veículo em estado de embriaguez está excluído da aplicação da amnistia e do perdão de pena – cf. art.º 7, n.º 1, d), ii) da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto.

Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no parecer que emitiu propugna pela improcedência do recurso, referenciando em síntese:

Em relação ao mérito do recurso do arguido, vistos os autos, nomeadamente, a sentença recorrida quanto à matéria de facto dada como provada e sua motivação, o enquadramento jurídico dos factos provados, bem ainda, a fundamentação no que concerne à escolha e medida da pena principal e medida da pena acessória e, por fim, a argumentação constante da resposta efetuada pelo Ministério Publico, cujas conclusões transcrevi e à qual adiro, sou de parecer que o recurso deverá improceder na totalidade, mantendo-se, na íntegra, a sentença recorrida, porque correta, de acordo com os factos dados como provados e provas que os sustentam e por não padecer de qualquer nulidade, nem violar qual norma legal, constitucional ou quaisquer princípios.

Foi cumprido o disposto no artigo 417º/2 do Cód. de Processo Penal,

Nessa sequência, veio o arguido/recorrente responder ao mesmo parecer, manifestando a sua discordância do mesmo, e no essencial reiterando os termos e fundamentos do recurso.


*

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.


*

II. APRECIAÇÃO DO RECURSO

O objecto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, devendo assim a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como é designadamente o caso das nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento (previstas expressamente no art. 119º do Cód. de Processo Penal e noutras disposições dispersas do mesmo código), ou dos vícios previstos no art. 379º ou no art. 410º/2, ambos do Cód. de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995), podendo o recurso igualmente ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, cfr. art. 410º/3 do Cód. de Processo Penal.

São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – cfr. arts. 403º, 412º e 417º do Cód. de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 (proc. 91/14.7YFLSB.S1)[[1]], e de 30/06/2016 (proc. 370/13.0PEVFX.L1.S1)[[2]]. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, ‘Curso de Processo Penal’, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

Uma nota complementar nesta parte.

In casu, e como, julga–se, manifestamente patenteia a leitura das alegações (e das conclusões) do presente recurso, em grande parte das mesmas o arguido/recorrente, e salvo o devido respeito, labora em alguma confusão no que tange à destrinça dos vícios processuais que imputa à sentença recorrida, a qual se traduz numa não perfeita caracterização e destrinça dos mesmos.

É o que sucede, e resulta, em especial da circunstância de mesclar a reiterada invocação de nulidade da sentença, com o suscitar da verificação dos vícios relativos à impugnação da forma como na mesma sentença se considera a suficiência da matéria de facto provada para a decisão. Trata–se, na verdade, de vícios processuais distintos, cujas causas e efeitos não se confundem.

Pese embora o exposto, não deixarão de se apreciar os fundamentos dos vícios suscitados, em função por via da sua expressa referenciação em sede de recurso, mas em conformidade com a sua materialidade e configuração processual próprias – independentemente, portanto, da categorização dos mesmos que vem efectuada e dos momentos recursivos em que, mais ou menos reiteradamente, surjam referenciados.

A esta luz, as questões a conhecer no âmbito do presente acórdão são as de apreciar e decidir sobre:

1. se a sentença proferida padece de nulidade nos termos da alínea a) ou da alínea c) do art. 379º/1 do Cód. de Processo Penal:

2. se se verificam na sentença recorrida os vícios previstos no art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal:

3. se na sentença recorrida foram violados os princípios da livre apreciação da prova ou do in dubio pro reo ;

4. se deve ser determinada a alteração das consequências penais em que o arguido vem condenado:

4.a. quanto à pena de multa aplicada,

4.b. quanto à sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados cominada ;

5. se deve ser aplicado no caso o perdão previsto na Lei 38–A/2023, de 2 de Agosto.


*

Comecemos por fazer aqui presente o teor da decisão recorrida, na parte da mesma que releva para a presente decisão.

a. É a seguinte a matéria de facto considerada pelo tribunal de 1ª Instância:

« II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos provados

Com relevância para a boa decisão da causa, após realização do julgamento, resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 21 de Junho de 2022, pelas 02h04m, na Rua ..., ... ... – Santa Maria da Feira, o arguido AA conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca BMW, modelo ..., com a matrícula ..-HS-.., quando foi fiscalizado por militares da GNR, no exercício das respetivas funções de fiscalização de trânsito.

2. Nessa ocasião, o arguido foi submetido a exame para pesquisa de álcool no sangue através do aparelho Drager Alcotest 7110 MKIII P, ARNA-0099, aprovado e autorizado pela ANSR e acusou uma taxa de alcoolemia de 1,205 g/l, já deduzido o valor de erro máximo legalmente admissível.

3. O arguido agiu com o propósito concretizado de conduzir o veículo referido em 1., depois de ter ingerido uma quantidade indeterminada de bebidas alcoólicas, bem sabendo que conduzia numa via pública e que apresentava uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l.

4. O arguido atuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

5. O arguido não tem rendimentos registados na Segurança Social.

6. O arguido já sofreu a seguinte condenação transitada em julgado:

- PSS nº 1074/18.3GBVNG, pela prática, em 24.10.2018, de um crime de consumo de produto estupefaciente, por sentença transitada em julgado no dia 16.12.2020, na pena de 75 dias de multa, no montante diário de 6,00€, no total de 450,00€, extinta pelo cumprimento no dia 03.05.2021.


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Factos não provados

Com relevância para a boa decisão da causa, resultaram não provados os seguintes factos:

a) O arguido, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritos na acusação não era o condutor do veículo automóvel referido em 1. dos factos provados.

b) Quando foi fiscalizado pelos agentes da GNR, o arguido, o condutor e os restantes ocupantes estavam no exterior do veículo e este estava imobilizado na berma.

c) O arguido fazia transportar-se no lugar do pendura.

d) O arguido tem uma precária situação económico-financeira e não tem bens.

e) O arguido é honesto, pacato, responsável, amado e respeitado por todos que com ele convivem, pelos seus familiares e amigos, bem como, é conceituado na área de residência. »

b. É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo Tribunal de 1.ª Instância:

«Motivação de facto

O tribunal valorou a globalidade da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, conjugada com os elementos probatórios constantes dos autos, tudo ao abrigo do princípio da livre valoração da prova previsto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.

Apesar de valida e regularmente notificado, o arguido não compareceu em audiência de julgamento, restando a sua versão dos factos vertida na contestação e que, no entender do tribunal, ficou por demonstrar.

Vejamos:

Foram ouvidas as duas testemunhas da acusação, os dois militares da Guarda Nacional Republicana, BB, agente autuante e CC, que o acompanhava, que procederam à fiscalização do veículo do arguido nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas na acusação. Ambos relataram, de forma clara, objetiva, concisa e imparcial, os factos ocorridos, corroborando integralmente o teor do auto de notícia que deu origem aos presentes autos.

Assim, confirmaram que, nesse dia, estavam de patrulha e que era normal fiscalizarem a zona próxima ao café “A...”, em ..., por ser um local sinalizado pelo consumo de álcool e estupefacientes. E que, nessa sequência, quando estavam parados no entroncamento, ao avistarem o veículo aqui em causa, accionaram os sinais luminosos e depois os sinais sonoros, a fim de dar ordem de paragem ao condutor do veículo. Mencionaram que estavam quatro ocupantes na viatura e que o condutor era um rapaz jovem, sendo que ia outro rapaz e uma rapariga no banco de trás e uma rapariga no lugar da frente.

Esclareceram que o condutor do veículo, após encostar na berma, nima zona de monte, saiu do mesmo e dirigiu-se à parte de trás, segundo o mesmo para urinar, tendo, então, colaborado com os agentes de autoridade, exibido os seus documentos e feito o teste qualitativo de detecção de álcool no sangue, sem qualquer resistência. Foi o arguido foi identificado através do respetivo cartão de cidadão ou da carta de condução, sem conseguirem precisar qual dos documentos foi exibido ou ambos e que nenhuma dúvida se suscitou quanto a tal, não tendo o arguido em algum momento dito aos agentes que não era ele que ia a conduzir ou que os documentos não lhe pertenciam. Acresce que, o outro ocupante de sexo masculino apenas saiu do veículo (do banco de trás) posteriormente e “soprou ao balão” a fim de se saber se podia conduzir o veículo do amigo até à esquadra, o que aconteceu.

E mais, na esquadra, o arguido continuou a colaborar com as autoridades, realizou o teste quantitativo e sempre sem suscitar qualquer dúvida quanto à condução do veículo, tendo assinado todo o expediente.

Confrontados com a fotografia do arguido, constante do print do IMT, em audiência de julgamento, nenhuma das testemunhas reconheceu o arguido, o que, atento o lapso de tempo já decorrido e o número de pessoas fiscalizadas, é perfeitamente normal. O que é relevante e importante é que, no dia e hora em apreço, o agente autuante identificou o condutor, ora arguido, testemunhado pelo agente CC e que este nunca alegou não ser o condutor. Por outro lado, foi visto a sair da porta do condutor, sendo que, no mesmo momento, nenhum outro passageiro saiu do veículo.

Face à coerência e certeza dos depoimentos das duas testemunhas, e inexistência de prova em sentido contrário e que até suscite dúvidas na convicção do tribunal, este não teve quaisquer dúvidas em dar como provados os factos descritos na acusação.

Note-se, ainda, que o local do entroncamento onde estava parado o veículo da GNR tem iluminação pública e o local onde o veículo do arguido se imobilizou não a possui, mas ficou iluminado com as luzes dos automóveis, sendo perfeitamente possível reconhecer os presentes.

De resto, inexistem dúvidas sobre a permanência do arguido no local da fiscalização.

Já a versão apresentada pelo arguido na sua contestação, de que não era o condutor, mas sim o seu amigo, não foi corroborada pelo mesmo, nem é sustentada por qualquer prova carreada para os autos. Ao invés, tudo o que acima se expôs contraria frontalmente tal versão. Com efeito, no dia em que ocorreu a fiscalização, nem o arguido, nem o seu amigo, questionaram quem conduzia o veículo, questão essa que surgiu posteriormente, quiçá porque o amigo do arguido não acusou qualquer taxa de álcool no sangue. Além disso, o arguido sempre colaborou com as autoridades e nunca recusou ser o condutor do veículo, identificando-se devidamente e assinando todo o expediente. Acresce, ainda, que, a ser verdade a versão apresentada pelo arguido, não se entende que o verdadeiro condutor não tivesse confirmado tais factos no próprio dia ou, posteriormente, em audiência de discussão e julgamento. Daí a factualidade sob as alíneas a) a e) ter sido considerada como não provada.

O tribunal valorou, ainda, a prova documental junta aos autos, nomeadamente, o auto de notícia de fls. 9, o talão do aparelho Drager de fls. 12, que comprova a concreta taxa de álcool no sangue e respectivo certificado de verificação a fls. 13, documento comprovativo da titularidade do veículo em causa e o print da carta de condução do arguido, junto aos autos na data da audiência de discussão e julgamento.

No que tange ao elemento subjetivo, este resulta do cotejo da matéria objetiva dada como provada, a qual permite a este tribunal, com base nas regras de experiência comum e da razoabilidade, inferir a sua verificação.

Com efeito, analisando o conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas, nenhuma razão há para que este tribunal não considere que o arguido agiu de modo livre, voluntário e consciente, sabendo que tinha ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a atividade de condução e que tal ingestão lhe provocaria uma taxa de alcoolemia superior a 1,2 gramas/litro. As regras da experiência comum não permitem outra conclusão que não esta.

Considerando a conduta em causa, é evidente que o arguido sabia da ilicitude da mesma e da sua punibilidade pela lei penal. Também aqui as regras da experiência comum impõem tal conclusão.

Uma vez que o arguido não prestou declarações, não foi possível apurar cabalmente as suas condições pessoais, sociais e económicas, apenas se dispondo das informações constantes na base de dados da Segurança Social, cujo resultado da pesquisa realizada a 05.04.2024 foi junto aos autos nessa data.

Para prova dos antecedentes criminais, o tribunal valorou o teor do Certificado de Registo Criminal a fls. 4.»

c. É como segue a apreciação efectuada pelo Tribunal de 1.ª Instância quanto à determinação das consequências penais no caso:

«Da pena principal

Escolha e determinação da medida da pena

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

A tutela do bem jurídico tem um sentido prospectivo, traduzido pela necessidade da tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido, sendo uma razoável forma de expressão afirmar como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime (Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, páginas 105 e 106).

Segundo o mesmo autor, é a prevenção geral positiva que fornece a moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem operar as considerações de prevenção especial (e não a culpa), as quais, de resto, vão determinar, em última instância, a medida da pena.

Na determinação da pena, o tribunal começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para, de seguida, escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida.

No que respeita à escolha da espécie das penas alternativas abstractas previstas para o crime em questão (alternativa da pena de prisão ou da pena de multa) o tribunal, apenas, pode utilizar o critério da prevenção, como determina o artigo 70º do Código Penal.

Esta norma determina que a pena de prisão só deverá ser aplicada quando outra pena, não privativa de liberdade, não consiga realizar, de modo adequado e eficaz, as finalidades da punição. Com efeito, ao momento da escolha da pena alternativa são alheias considerações relativas à culpa, a qual funciona como limite no momento da determinação da medida concreta da pena já escolhida.

Neste particular, a par das exigências de prevenção geral, positiva e de integração, na modalidade de defesa do ordenamento jurídico e de tutela das expectativas da comunidade, devem fazer-se actuar as exigências de prevenção especial, seja na sua função positiva de socialização, seja em qualquer uma das funções negativas subordinadas, de advertência individual ou de segurança ou inocuização.

O crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

Prevendo este tipo legal de crime, em alternativa, duas penas principais, importa, em primeiro lugar, proceder à escolha da espécie de pena.

No caso concreto, as exigências de prevenção geral, que dizem respeito à confiança da comunidade na ordem jurídica vigente que fica sempre abalada com o cometimento dos crimes, têm a ver com a proteção dos bens jurídicos, com o sentimento de segurança e a contenção da criminalidade, em resumo, visam a defesa da sociedade, são muito elevadas, em virtude dos elevados níveis de sinistralidade rodoviária e dos índices de mortalidade.

A condução é uma actividade intrinsecamente perigosa, perigosidade essa que é tanto maior quanto mais exigentes são as condições em que a circulação rodoviária decorre, seja por razões de intensidade de tráfego, de precariedade da conservação das vias e dos veículos, ou climatéricas. Daí que o factor humano assuma um papel essencial na mitigação dos riscos inerentes à condução de veículos, e se imponha a todos quantos empreendem essa actividade a observância de comportamentos adequados à perigosidade da mesma, sob pena de reacção da justiça contra-ordenacional e penal. Desde logo, abstendo-se de consumir bebidas alcoólicas antes de conduzir.

A condução em estado de embriaguez é, por excelência, o comportamento que a sociedade mais associa à sinistralidade rodoviária, a par da condução em excesso de velocidade. Por tais motivos, a conduta do arguido é apta a gerar um forte alarme social e uma aguda perturbação da paz individual e comunitária, que se não compadece com a possibilidade de um utente de qualquer via pública entrar em circulação com uma taxa de alcoolémia igual ou superior a 1.2 g/l. As exigências de prevenção especial, que se prendem com a capacidade do arguido de se deixar influenciar pela pena que lhe é imposta, estão ligadas à reintegração do agente na sociedade e, no caso concreto, são ainda reduzidas, uma vez que o arguido está social, profissional e familiarmente inserido e, sendo certo que já sofreu uma condenação anterior, foi-o por um crime de natureza diferente, praticado há mais de cinco anos.

Nesta medida, atendendo a que a legitimidade das penas depende da sua eficácia para evitar a prática de outros crimes, no caso concreto, as finalidades da punição ainda serão realizadas, de forma suficiente e adequada, mediante a aplicação ao arguido de uma pena de multa.


*

Da medida da pena

Escolhida a pena, importa determinar a medida da pena.

Estatui o artigo 71º, n.º 1 do Código Penal que a mesma “é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.

Como ensina Maria João Antunes (in Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra 2010-2011, página 28) “na determinação da medida da pena, o requisito legal de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção satisfaz a necessidade comunitária de punir o crime e, consequentemente, de realizar as finalidades da pena; o requisito legal de que seja considerada a culpa do agente satisfaz a exigência de que a vertente pessoal do crime, decorrente do respeito pela dignidade da pessoa do agente da prática do crime, limita as exigências de prevenção”.

Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial e a pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.

Dentro deste limite máximo, ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.

Dentro desta moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais (artigo 71º do Código Penal).

Assim, passando à determinação da medida concreta da pena, haverá que ter em consideração as circunstâncias que militam a favor e contra o arguido.

Há a considerar desfavoravelmente ao arguido:

- as significativas necessidades de prevenção geral (tutela do bem jurídico protegido e reforço da confiança da comunidade na validade da norma violada ao que acresce a necessidade de consciencialização social que demanda uma censura jurídica e penal sobre este tipo de comportamentos, acautelando devidamente o bem jurídico protegido por este tipo legal de crime), atenta a elevada sinistralidade que ocorre no nosso país;

- a intensidade do dolo, que foi direto, tendo o arguido representado o facto que preenche ambos os tipos de crime e agido com a intenção de o realizar; e o elevado grau de culpa, pois agiu em contrariedade às regras de conduta que se lhe eram impostas, sendo que lhe era exigível uma conduta diferente, pois tinha consciência e vontade de realização dos factos, sabendo que os mesmos eram proibidos por lei.

- o facto de ter antecedentes criminais, embora por crime de natureza diferente.

A favor do arguido, temos a considerar a sua inserção familiar, social e profissional, a reduzida ilicitude dos factos, considerando que a taxa de álcool no sangue apurada se encontra muito perto do limite mínimo legal, o lapso de tempo decorrido (mais de 5 anos) entre a prática deste crime e o antecedente criminal existente, não se denotando uma personalidade com tendência criminosa, antes mostrando-se tratar-se de episódios pontuais.

A moldura da pena de prisão prevista para o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tem o seu limite mínimo em 10 dias e o máximo em 120 dias.

Assim, considerando os factos apurados, tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido, que é elevado, as exigências de prevenção geral positiva e a sua carência de ressocialização, que é diminuta, atentos ainda os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, o tribunal entende como justo e adequado, condenar o arguido, na pena de 60 dias de multa.


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Do quantitativo diário da pena de multa

Para fixação do quantitativo diário, dentro dos limites do artigo 47º, nº 2 do Código Penal, o tribunal tem que ter em consideração a situação económica e financeira do arguido. Tem-se entendido que o montante da multa não poderá significar um sacrifício excessivo para o arguido, para não colocar em causa a própria legitimidade da multa enquanto pena, mas também não pode fixar-se um montante tão baixo, que não represente um sacrifício para o condenado, deixando na comunidade um certo sentimento de impunidade, o que é de afastar.

Pelo exposto, atenta a factualidade provada relativamente às condições económicas do arguido, obtida através da consulta da base de dados da segurança social, entende-se que será de fixar um quantitativo diário no montante de 5,50€ (cinco e euros e cinquenta).


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Da pena acessória

Sendo o arguido condenado pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292.º do Código Penal, impõe-se a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor a que se refere o artigo 69.º n.º 1 alínea a) do Código Penal. Trata-se de uma pena acessória igualmente sujeita a regras de determinação da sua medida e às garantias do processo criminal e fundada nos princípios de necessidade, adequação e proibição do excesso do Direito Penal, sendo a sua moldura abstracta de três meses a três anos (artigo 69º, n.º 1 do Código Penal).

E, embora a sua aplicação dependa da condenação na pena principal, a pena acessória não é “automática” – artigo 65.º do Código Penal e 30.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa – submetendo-se aos princípios gerais da pena, como os da legalidade, proporcionalidade, jurisdicionalidade, de duração variável, em função da gravidade do crime e/ou do fundamento que justifica a privação do direito.

Esta pena acessória deve ser graduada dentro dos limites legais, ou seja, entre 3 meses e 3 anos, de acordo com os critérios previstos no artigo 71.º do Código Penal, ou seja, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Vem sendo decidido pela jurisprudência (veja-se, v.g., o acórdão desta Relação de 5.06.2001, Proc. 2183), “... o doseamento da pena acessória está subordinada ao critério da culpa e ao critério da prevenção, pelo que, dada a indivisibilidade da conduta ilícita, não deve esquecer-se a lógica adotada no doseamento da pena principal para que haja uma certa proporcionalidade na graduação de ambas... há que considerar os critérios estabelecidos no art.º 71 do CP, com a limitação constante do art.º 40 n.º 2 do mesmo diploma (segundo o qual a pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa) e dando-se especial importância à prevenção especial, que visa a consciencialização e socialização do arguido, de molde a que futuramente paute as suas condutas de acordo com o prescrito na lei”.

A finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita do que a da pena principal, na medida em que esta tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral.

Ora, na operação de determinação da medida concreta da pena acessória, não pode deixar-se de ter em consideração a baixa taxa de álcool no sangue com que o arguido circulava na via pública, muito próxima do limiar mínimo, a ausência de condenações pelo mesmo crime e a inserção social, familiar e profissional de que goza arguido. Consequentemente, tendo em conta quanto se deixa exposto, e ponderando a moldura penal prevista no artigo 69º, n.º 1, al. a) do Código Penal – onde se prevê para o caso em apreço um período de proibição de conduzir de três meses a três anos – entendemos que é adequada a aplicação da pena acessória de 3 (três) meses de proibição de conduzir veículos com motor.


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Da aplicação da Lei nº 38-A/2023, de 02 de Agosto

Em alegações, a defesa requereu a aplicação da referida lei, atendendo à idade do arguido, ao facto de não ter antecedentes criminais e por não ter havido qualquer perigo em concreto.

Vejamos.

Dispõe o artigo 2º da mencionada lei, sob a epígrafe “Âmbito”, que:

“1 - Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º.

2 - Estão igualmente abrangidas pela presente lei as: a) Sanções acessórias relativas a contraordenações praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 5.º; b) Sanções relativas a infrações disciplinares e infrações disciplinares militares praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6.º.”.

Esta norma delimita o âmbito temporal (o ilícito ter sido praticado até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023) e subjectivo (entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto) da presente lei, bem como, o seu âmbito quanto às sanções relativas a infrações disciplinares e infrações disciplinares militares.

Já o artigo 7º consagra as excepções à aplicação desta lei, nomeadamente, no que respeita aos crimes cuja prática exclui qualquer perdão ou amnistia.

Ao abrigo do artigo 14º, o tribunal é competente para decidir dessa questão, cumprindo, pois, aferir da aplicabilidade da nova lei ao presente caso.

Compulsados os autos, verifica-se que o arguido nasceu em 27.09.1994 e que os factos por si praticados e pelos quais foi condenado – condução de veículo em estado de embriaguez – ocorreram no dia 21.06.2022.

Assim, na data da prática dos factos, o arguido tinha menos de 30 anos de idade e os factos ocorreram antes de 19.06.2023. No entanto, o crime aqui em causa, ao abrigo do disposto no artigo 7º, n.º 1, al. d), ii) da Lei nº 38-A/2023, de 02 de Agosto, constitui uma das excepções à aplicação do perdão.

Posto isto, nos termos do disposto nos artigos 2º, n.º 1 e 7º, n.º 1, al. d), ii) da Lei nº 38-A/2023, de 02 de Agosto, atenta o tipo de crime aqui em causa, o arguido não poderá beneficiar do perdão de penas. »

Apreciemos então as questões suscitadas, pela ordem de prevalência processual sucessiva que revestem – isto é, por forma a que, por via da sucessiva apreciação de cada uma, se vá alcançando, na medida do necessário, um progressivo saneamento processual que permita a clarificação do objecto das seguintes.

1. De saber se a sentença proferida padece de nulidade nos termos da alínea a) ou da alínea c) do art. 379º/1 do Cód. de Processo Penal.

Parte da pretensão do recorrente assente numa propugnada nulidade da sentença proferida nos autos, reportando a mesma a três causas cujos fundamentos, por um lado, em parte se sobrepõem, e, por outro, noutra parte se crê respeitarem mais ao (também invocado) vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão.

Sendo que deste último mais adiante se cuidará, atentemos, neste primeiro segmento recursório, à propugnada nulidade da sentença por via de, alegadamente, na mesma se verificar omissão de pronúncia e falta de fundamentação de facto ; ou ainda, enfim, por nela faltar o devido exame crítico das provas.

Começando pelos primeiros aspectos, considera, pois, o recorrente que a sentença padece do vício de omissão de pronúncia sobre questões que deveria ter conhecido, e também de falta de fundamentação de facto, tudo nos termos nos termos das disposições conjugadas das alíneas a) e c) do art. 379º/1 do Cód. de Processo Penal, e do art. 374º/2 do mesmo diploma.

E assim considera, alega, em virtude de na sentença não haverem sido considerados os factos alegados pelo arguido na sua contestação, em especial aqueles pelos quais explicou as circunstâncias inerentes à prática dos factos, e bem assim os atinentes às suas condições pessoais, e ainda porque não foi ordenada a realização de relatório social. Ademais, prossegue, dos factos provados não constam os seguintes aspectos: a propriedade do veículo automóvel, se ao arguido foi dada ordem de paragem ou ordem de efectuar o teste de despiste, quem lhe deu essa ordem ; a forma da recolha e se o alcoolímetro utilizado era de despiste ou qualitativo, se evidencial ou quantitativo ; a homologação do equipamento usado para a recolha e medição da taxa, e há quanto tempo tinha o mesmo sido verificado ; se o alcoolímetro foi sujeito a calibração (ajuste periódico recomendado), ou a data em que havia sido calibrado, a fim de se apurar se foram ou não cumpridas todas as formalidades legais.

Vejamos.

O artigo 205º/1 da Constituição da República Portuguesa consagra que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. Sublinhe-se que a necessidade de fundamentar as decisões judiciais se traduz num elemento de transparência da justiça inerente a qualquer acto processual.

Aquele princípio constitucional encontra consagração nos termos do disposto no art. 379º do Cód. de Processo Penal, que prevê em especial os motivos pelos quais a sentença penal pode ser afectada de nulidade.

Ora (e aqui chegamos à distinção que se mostra pouco clara na alegação do recorrente), e por um lado, o nº1, alínea a) do citado art, 379º do Cód. de Processo Penal, comina de nula a sentença que não contiver as menções referidas no art. 374º/2/3/b), do mesmo código. Na parte que aqui importa considerar, o art. 374º do Cód. de Processo Penal, versando sobre os requisitos da sentença, estipula no seu referido nº2 o chamado dever de fundamentação da sentença, determinando que em tal sede «ao relatório segue-se a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».

Por outro lado, a alínea c) do nº1 do mesmo art. 379º do Cód. de Processo Penal, trata da chamada omissão de pronúncia, que existirá, tornando igualmente nula a sentença, quando nesta «O tribunal deixe de pronunciar–se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

Sumariamente se dirá que o dever de fundamentação vem plasmado desde logo no art. 97º/5 do Cód. de Processo Penal, onde se estipula que «Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão», encontrando, como acaba de se enunciar, concretização reforçada no que tange às sentenças penais nos termos do disposto nos aludidos arts. 374º/2 e 379º/1/a) do Cód. de Processo Penal.

Por seu turno, a omissão de pronúncia verifica–se quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe o tribunal conheça, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar – havendo que excepcionar as questões cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outra ou outras (cfr. também art. 660º/2 do Cód. de Processo Civil).

A falta de pronúncia que determina a nulidade da sentença incide, pois, sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais. Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/02/2012 (proc. 131/11.1YFLSB)[[3]], «A nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão. ».

Revertendo ao caso presente, terá de se concluir que a circunstância de o tribunal a quo, em sede de sentença, não fazer referência aos concretos factos neste segmento do recurso aludidos, e que vem suscitada como alicerce da nulidade por qualquer das vias em questão, não configura processualmente a verificação de qualquer delas.

Desde logo porque, e na imediata sequência de quanto acima acaba de ficar dito, a não menção dos mesmos (factos) em sede de acórdão não configura a omissão de tratamento de questão sobre que devesse pronunciar–se o tribunal a quo – sendo que as questões aqui em causa sempre seriam as do preenchimento da tipicidade criminal imputada ao arguido e, no pressuposto do mesmo, a graduação da respectiva culpa e das concretas consequências penais decorrentes da sua actuação.

E é fora de qualquer dúvida que essas questões são objecto da devida e imposta análise e pronúncia em sede de sentença recorrida.

Na verdade, o mecanismo processual adequado a sindicar a omissão de consideração em sede de sentença de factos que o recorrente repute de relevantes para a melhor decisão da causa, será tão apenas a invocação da nulidade da mesma sentença por falta de fundamentação de facto, como prevista por via da já caracterizada conjugação entre os arts, 379º/1/a) e 374º/2 do Cód. de Processo Penal.

Pois bem, apreciada a questão assim suscitada sob a perspectiva da invocada falta de fundamentação, desde logo cumpre deixar assente que a sentença recorrida é clara no elenco da matéria de facto (provada e não provada) nela considerada, donde, não é manifestamente em virtude de uma falta absoluta da indicação dos motivos de facto que fundamentam a decisão que estamos perante o vício aqui suscitado – sendo certo também, abone–se, que não em tais termos radicais que o recorrente o configura.

Não o é também, não obstante, por via da alegada falta de enunciação daquele elenco de factos concretamente invocado pelo recorrente nos termos expostos.

Por três ordens de razões.

A primeira tem a ver com a constatação de que a alegação de ausência de pronúncia quanto a tal elenco de factos se revela parcialmente desprovida sequer de correspondência com a realidade processual.

Na verdade, percorridos os termos da contestação do arguido, e aqueles do enunciado da matéria de facto provada e não provada em sede de sentença recorrida, facilmente se verifica que nesta última se mostram efectivamente vertidos os alegadamente ausentes factos relativos às circunstâncias em que o arguido foi abordado e às suas condições pessoais e sócio–económicas tal como vinham alegadas em sede de contestação – vejam–se os pontos a) a e) da matéria de facto não provada.

A segunda ordem de razões, refere–se à circunstância de que em tudo o mais alegado – reportado em especial à propriedade do veículo, aos termos da ordem de paragem do veículo e às características e certificação do aparelho de medição da taxa de álcool no sangue –, estamos perante circunstâncias de facto em absoluto irrelevantes para o preenchimento dos pressupostos de tipicidade, ilicitude e culpa do arguido, e bem assim para determinar as consequências penais da sua actuação criminalmente relevante.

Como já vimos, de acordo com o disposto no nº 2 do art. 374º do Cód. de Processo Penal, a fundamentação da sentença consta, nomeadamente, da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.

Por seu lado, em face do disposto no art. 368º/2 do Cód. de Processo Penal, a enumeração dos factos provados e dos factos não provados traduz-se na tomada de posição por parte do tribunal sobre todos os factos sujeitos à sua apreciação e sobre os quais a decisão terá de incidir, isto é, sobre os factos constantes da acusação ou da pronúncia, da contestação e do pedido de indemnização, e ainda sobre os factos com relevância para a decisão que, embora não constem de nenhuma daquelas peças processuais, tenham resultado da discussão da causa – resultando do nº 4 do art. 339º do Cód. de Processo Penal que a discussão da causa tem exactamente por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência.

Quanto ao critério de acordo com o qual deve aferir–se se determinado facto é ou não relevante para a decisão da causa, temos desde logo o vislumbre do mesmo no art. 124º/1 do Cód. de Processo Penal, onde se prevê que «Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis» – complementando o nº2 que «Se tiver lugar pedido civil, constituem igualmente objecto da prova os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil».

É este critério da relevância de determinado facto que se encontra também presente, por exemplo, no art. 283º/1/3/b)c) ou no art. 308º/1 do Cód. de Processo Penal, quando se definem os pressupostos de que depende, respectivamente, a dedução de acusação pelo Ministério Público ou a prolação de decisão instrutória de pronúncia ; ou ainda no já aludido art. 368º/2 do Cód. de Processo Penal quando se define o âmbito necessário do exercício de deliberação probatória por parte do tribunal de julgamento.

Pois bem, à luz desta orientação assim imposta processualmente, não se vislumbra em que releve para apurar de qualquer dos apontados factores de criminalização e punibilidade, ter de se expressar que ao arguido foi dada ordem de paragem, e ordem de efectuar o teste de despiste, ou quem lhe deu essa ordem – algo que, ademais, se tem por absolutamente inerente, em termos de elementar lógica, nos pontos 1) e 2) da matéria de facto provada, onde se prescreve que o arguido «conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca BMW, modelo ..., com a matrícula ..-HS-.., quando foi fiscalizado por militares da GNR, no exercício das respetivas funções de fiscalização de trânsito [e] Nessa ocasião, o arguido foi submetido a exame para pesquisa de álcool».

Exactamente nesta perspectiva mais se considera (por referência a alegação enxertada pelo arguido neste segmento recursivo) que não ficaram por realizar quaisquer «diligências [probatórias] que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade», atenta a apontada irrelevância material dos factos que o arguido alega deverem ter sido objecto de apuramento por via daquelas – pelo que afastada se mostra a verificação da nulidade processual prevista no art. 120º/2/d) do Cód. de Processo Penal.

No que tange às características e certificação do aparelho de medição da taxa de álcool no sangue, é também esta uma questão completamente irrelevante para apurar do preenchimento dos pressupostos de tipicidade, ilicitude e culpa do arguido.

Permita–se a comparação, seria como exigir que em sede de fundamentação de facto numa condenação por crime de tráfico de estupefacientes, se exigisse a explicitação das características dos aparelhos e testes utilizados para determinar as características da droga.

Quando muito tal questão, nos termos assim suscitados, poderá relevar em sede de validade do meio de prova em causa.

Curiosamente, diga–se, in casu a questão, assim configurada, foi oportunamente suscitada pelo arguido em sede de contestação, tendo sido objecto de apreciação e decisão por despacho judicial datado de 14/07/2023 (refª 128255626) – que concluiu que «ainda que a arguição da aludida nulidade fosse tempestiva, sempre teria o tribunal de concluir pela sua não verificação no caso em concreto. Pelo exposto, julgo improcedente a nulidade invocada pela defesa.» –, decisão que não foi objecto de impugnação e, assim, transitou em julgado.

A terceira ordem de razões, atinente em especial à alegação de que da falta de elaboração de relatório social derivaria uma ausência de fundamentação relativa aos factos pessoais do arguido, tem a ver com a circunstância de, como bem assinala o Ministério Público na sua resposta ao recurso, se constatar que em sede de sentença se mostram assentes factos relativos às condições pessoais e percurso de vida do arguido – cfr. pontos 5. e 6. da matéria de facto provada – que revestem suficiência para preencher os aludidos critérios de fundamentação decisória, e que inclusive decorre da averiguação oficiosa efectuada pelo tribunal a quo na base de dados disponíveis, máxime da Segurança Social.

É de recordar o arguido não esteve presente em audiência, apesar de regularmente notificado, esteve sempre assistido por Defensor, não apresentou qualquer prova relativa às condições pessoais que entendesse relevante, nem sequer requereu ser ouvido em audiência para daquelas falar – citando a resposta do Ministério Público, «Se o arguido entendia que existiam outros fatores da sua vida que deveriam ser atendidos na determinação da sanção, deveria ter dado conhecimento disso ao Tribunal ou comparecido ao julgamento, para que pudesse ser ponderada a necessidade ou não de ser realizado o citado relatório social.».

Sendo que, sempre se dirá, a realização de relatório social não é uma diligência obrigatória e a sua omissão, porventura, poderá representar uma mera irregularidade a ser arguida nos termos do disposto no art. 123º/1 do Cód. de Processo Penal, o que aqui não sucedeu.

Seja como for, crê–se que a matéria de facto provada revela suficiente e adequada fundamentação quanto à situação pessoal do arguido, encontrando adequado reflexo na natureza e medida da sanção penal aplicada, não se mostrando necessária a elaboração de relatório social para sanar qualquer relevante omissão de fundamentação.

Em conclusão, não se verifica a invocada nulidade da sentença, seja por via de omissão de pronúncia quanto a questões que devessem ter sido objecto de apreciação, quer por falta de fundamentação de facto.

De igual modo também não se verifica a existência de tal nulidade por via da também invocada falta de exame crítico das provas, nos termos ainda das disposições conjugadas dos arts, 379º/1/a) e 374º/2 do Cód. de Processo Penal.

Em sede de fundamentação de facto, é no momento da explicitação e exame crítico probatório levado a cabo pelo julgador que se poderá avaliar a consistência, objectividade, rigor e legitimidade do processo lógico e subjectivo da formação da sua convicção, do mesmo passo se viabilizando a possibilidade de controlo da decisão, de forma a impedir a avaliação probatória caprichosa ou arbitrária e deve ser conjugada com o sistema de livre apreciação da prova.

Isto é, a fundamentação da decisão deve nesse passo obedecer a uma lógica de convencimento que permita a sua compreensão pelos destinatários, mas também pelo tribunal de recurso, essa lógica de convencimento e de possibilidade de controlo por via de recurso apenas se impõe na medida do necessário para a compreensão da decisão, da sua lógica intrínseca, de modo que não possa apresentar-se como arbitrária ou injustificada – não porque o fosse, mas porque indemonstrada a sua justificação.

No presente caso, constata–se que a sentença, além de ser clara no elenco da matéria de facto ali considerada, também patenteia de forma evidente o exame crítico da prova produzida em audiência de julgamento, sendo a partir da leitura da mesma (sentença) possível reconduzir racionalmente as razões probatórias que determinaram que o tribunal a quo formasse a sua convicção e percepcionar as conclusões jurídicas a que chegou.

Ali verificamos que o tribunal a quo, reportando-se às concretas provas consideradas, efectuou uma exposição em que deu conta de forma perceptível para quem a lê do processo lógico e racional seguido na formação da sua convicção, indicando a prova analisada, a valoração que fez da mesma, o grau de credibilidade que lhe reconheceu e a demonstração de factos que logrou alcançar através daquela, permitindo assim, aos destinatários da decisão (entre os quais agora este tribunal de recurso) conhecer de forma bastante as provas e as razões que estiveram na base da formação da convicção quanto à sustentação probatória daquela factualidade.

Resulta, assim, inequívoco do exercício de fundamentação levado a cabo no âmbito da exigência plasmada no art. 374º/2 do Cód. de Processo Penal, quais os elementos probatórios em que a convicção do tribunal a quo assentou no que respeita nomeadamente aos pressupostos da responsabilidade criminal do arguido e da respectiva concretização punitiva, e em termos cuja apreensão não suscita qualquer dificuldade – nem em bom rigor, diga–se, o recorrente aponta a propósito de que circunstância concreta, imanente do teor da sentença recorrida, se suscita esta sua alegação.

Não merece acolhimento, pois, esta primeira questão suscitada pelo recorrente.

2. De saber se se verificam na sentença recorrida os vícios previstos no art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal.

Vem seguidamente o recorrente impugnar a sentença proferida nos autos em sede de recurso da decisão da matéria de facto consignada na mesma, o que faz referindo que na decisão recorrida existe insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, apontando ainda a existência de erro notório na apreciação da prova, mas acabando por aludir, por atacado, mostrarem–se verificados na sentença os vícios «do artº 410, nº 2 al.s a); b) e c), do C.P.P.», assim integrando também na sua alegação o vício de contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão.

Abreviadamente se dirá (porque se tem por consabido) que, no que tange à arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido art. 410º do Cód. de Processo Penal, estabelece esta disposição que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ;

b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ;

c) o erro notório na apreciação da prova.

Em qualquer das apontadas hipóteses – e tendo o vício de resultar da decisão recorrida por si mesma, ou conjugada com as regras da experiência comum – não é admissível apelar a elementos estranhos àquela para as fundamentar, tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.

Serão, pois, falhas que hão-de resultar da própria leitura da decisão devendo ser patentes e perceptíveis à leitura do restrito teor da decisão, revelando juízos ilógicos ou contraditórios.

Sucintamente se caracterizam (e distinguem) os vícios em causa nos seguintes termos.

A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” (art. 410º/2/a) do Cód. de Processo Penal) ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito, ou quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova: «com efeito, aqui, e num momento logicamente anterior, é a prova produzida que é insuficiente para suportar a decisão de facto ; ali, no vício, é a decisão de facto que é insuficiente para suportar a decisão de direito», cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/12/2014 (proc. 155/13.4PBLMG.C1)[[4]].

Assim, Para que se verifique o vício da alínea a) do nº 2, do art. 410º do Cód. de Processo Penal, «é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada» (cfr. Prof. Germano Marques da Silva in “Curso de Processo Penal”, vol. III, p. 339/340), só se tendo por verificado «quando o tribunal de recurso se vê perante a impossibilidade da própria decisão, ou decisão justa, por insuficiência da matéria de facto provada». Tal vício só se concretizará quando os factos recolhidos pela investigação do tribunal ficam aquém do necessário para concluir pela decisão jurídica adoptada nos termos em que o é.

A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão” (art. 410º/2/b) do Cód. de Processo Penal), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados, entre os meios de prova invocados na fundamentação de facto, ou entre a fundamentação e a decisão. Tal ocorre maxime quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado simultaneamente como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou ainda quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.

Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova” (cfr. art. 410º/2/c) do Cód. de Processo Penal) verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, “Recursos em processo penal”, 5.ª edição, pág. 61 e seguintes).

Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª Ed., pág. 341).

Como adverte o Acórdão do S.T.J. de 23/09/2010 (proc. 427/08.0TBSTB.E1.S2)[[5]], «O vício da al. c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP – erro notório na apreciação da prova (…) tem também que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente um entendimento que possa traduzir-se numa leitura que se mostre possível, aceitável, ou razoável da prova produzida».

No caso da presente alegação de recurso, começa o recorrente por alegar que a matéria de facto considerada em sede de fundamentação é insuficiente para a decisão de direito, uma vez que não consta dos factos provados a enunciação de que tenha sido dada uma ordem legítima de paragem, nem porque não foi realizada contraprova por análise ao sangue, nem a forma de recolha, nem o alcoolímetro utilizado – donde, no seu entender «da decisão recorrida não constam factos que demonstrem a prática do facto ilícito típico».

Ou seja, vem afinal repristinar parte da alegação anterior através da qual sustentou o vício mesclado de omissão de pronúncia e de falta de fundamentação.

A assim tentada diversa configuração processual da putativa falta de factualidade essencial à decisão não colhe, contudo, provimento – e aqui até, se possível, com mais acentuada nitidez.

Como já acima se referenciou, e ao contrário daquilo que insistente e reiteradamente vem alegado, nenhuma das circunstâncias de facto aqui (re)invocada é essencial ao preenchimento dos pressupostos de tipicidade, ilicitude e culpa do arguido, nem à determinação das consequências punitivas do caso.

E percorrido ainda e sempre o teor da decisão recorrida, facilmente se constata que a matéria de facto provada ali considerada é, em absoluto, suficiente para sustentar com completude a decisão jurídica adoptada pelo tribunal a quo a jusante da respectiva fixação.

Ou seja, não só a factualidade invocada consubstancia requisito para poder ser proferida a decisão jurídico–penal que vem adoptada, como também – e mais relevantemente – esta última decisão se sustenta em suficiente e adequada fundamentação de facto.

Inexiste, pois, qualquer insuficiência para a decisão adoptada da matéria de facto provada.

Quanto ao erro notório na apreciação da prova, também não se percepciona, de todo, de onde o mesmo decorra.

A alegação do recorrente assenta a verificação deste vício nos seguintes termos: «Mesmo, que alguma dúvida existisse, tal devia, por força do princípio In dubio pro reo, ser resolvida a favor do arguido, no sentido de não considerar provados tais factos. Essa dúvida não podia resultar em prejuízo do arguido, uma vez que, não existe em processo penal o ónus de alegação e de prova, face ao princípio da investigação que o domina sem contradição, com o princípio da acusação e da estrutura basicamente acusatória que o caracteriza - Cf. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Vol. I, pág. 191e segs. e 211 e segs., Germano Marques da Silva, Curso de Processo penal, Vol. II, 1999, págs 108 e seguintes. Assim, deve reconhecer-se a existência do vicio do erro notório e, por força dele, a violação do princípio in dúbio pró reo. ».

Ou seja, o recorrente entende verificado o erro notório por não haver sido valorada devidamente a dúvida que, no seu entender, se deveria impôr quanto à prática dos factos.

Ora, percorrida a decisão recorrida não se vislumbra qualquer indício de que ao tribunal a quo se haja suscitado qualquer dúvida sobre a prática dos factos por parte do arguido – como melhor veremos mais adiante.

Pelo que nem por tal via se detecta o flagrante desrespeito pelas regras da experiência, nem o juízo ilógico, arbitrário ou contraditório, que poderia (rectius, deveria) sustentar a verificação do vício em causa.

Donde, inexiste também qualquer erro notório na apreciação da prova.

Finalmente, e como se disse, alude o arguido ainda à verificação também do vício previsto na alínea b) do art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal, isto é, de contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão.

Percorridos os termos do recurso, a única circunstância que se divisa como podendo consubstanciar esta alegação surge quando o recorrente conclui que se é dado como provado que o arguido tinha uma taxa de álcool no sangue de 1,205 g/l, não pode ser dado como provado que o arguido estava livre, ciente e consciente e que detinha plena capacidade de avaliar a sua conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação, «[p]ois, ainda que temporariamente, a sua consciência e a sua vontade estavam toldadas e condicionadas pelo álcool».

Não se considera, manifestamente, que aqui estejamos perante qualquer contradição, atenta a configuração típica prevista no art. 292º/1 do Cód. Penal, que exactamente prevê a conduta de quem «pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l».

E assim se considera por duas ordens de razões.

A primeira, e desde logo, porque como acabamos de verificar não constitui sequer exigência para o preenchimento dos elementos típicos aqui em causa que por via do consumo alcoólico detectado o agente esteja afectado ou toldado na sua consciência e capacidade de decisão – e nem no presente caso isso decorre da matéria de facto assente nos autos.

E depois, sempre não se poderá perder de vista que, ainda que assim suceda, isto é, esse estado toldado do agente, a jusante desse momento existe uma acção anterior ao facto típico criminal, traduzida na ingestão livre e voluntária de bebidas alcoólicas (a não ser, claro está, que se demonstre circunstancialismo contrário a tal voluntariedade). O que significa, e é isso precisamente que prevê a estatuição típica aqui em causa, que essa acção dolosa ou negligente (consoante os casos) que tem o agente na fase inicial, se prolonga por todo o processo causal por ele provocado – devendo assim considerar–se que o colocar–se em tal estado já constitui o primeiro acto de execução do facto típico visado.

Neste conspecto, nem por esta alegada via, nem por qualquer outra que se descortine, a suscitada deficiência lógica de contradição insanável se verifica na sentença recorrida.

Concluindo, não pode proceder também esta parte do recurso do arguido.

3. De saber se na sentença recorrida foram violados os princípios da livre apreciação da prova ou do in dubio pro reo.

Na sua alegação propugna ainda o recorrente haver o tribunal a quo desrespeitado os princípios da livre apreciação da prova, e bem assim o do in dubio pro reo – por esta via, aliás, sustentando também, como vimos a alegada existência de erro notório na apreciação da prova

Ora, como já se antecipa de quanto fica exposto acima, complementarmente se dirá que manifestamente se julga não haverem sido violados os princípios processuais em causa.

Começando pelo princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual a decisão do Julgador quanto à matéria de facto que considere resultar como provada em sede de audiência de julgamento, e em processo criminal, assenta sempre na sua livre convicção – é esse o princípio expresso no art. 127º do Cód. Processo Penal, que exactamente prevê que «salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».

Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/07/2021 (proc. 343/18.7SMPRT.P1)[[6]] «O conceito de liberdade na convicção probatória, significa que o julgador não está vinculado a conceções políticas ou ideológicas predefinidas ou a prova tarifada, podendo ajuizar as probabilidades das máximas da experiência necessárias à prova indirecta, exigindo-lhe que se liberte dos seus processos psicológicos e da sua moral pessoal, e se coloque numa posição imparcial». Como contraponto, a livre apreciação da prova tem sempre de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão de modo a que seja possível, por qualquer pessoa, entender porque é que o tribunal se convenceu de determinado facto.

Como diz o Prof. Figueiredo Dias (em ‘Direito Processual Penal’, 1º Vol., págs. 202/203), «a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo».

Ou seja, estamos perante um princípio basilar que, não obstante, não pode fazer perder de vista os próprios limites inerentes ao mesmo - e que determinam, acima de tudo, que não se está perante um poder discricionário, a usar pelo mesmo julgador sem qualquer critério.

Porém, “Se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objectivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção – obtida com o benefício da imediação e da oralidade – apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03/06/2015 (proc. 12/14.7GBSRT.C1)[[7]].

Efectuadas estas considerações, e contemplado a sentença de que se recorre e a correspondente valoração que da prova aí foi feita pelo tribunal a quo, crê–se manifesto que a convicção alcançada por este se mostra suficientemente objectivada e motivada, e capaz, portanto, de se impor.

No âmbito da sua decisão sobre a matéria de facto, o tribunal explana de forma criteriosa o processo de formação da sua convicção, o que se traduz não apenas na indicação dos meios de prova utilizados, como na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas produzidas – ou seja, de tudo o que o julgador privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio que seguiu e das razões da sua convicção.

Mostra–se assim possível aferir uma correcta utilização do princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do Cód. de Processo Penal, tendo em vista a verdade prático-jurídica baseada numa convicção objectivável e motivável.

Não se verifica, pois, que a sentença recorrida haja desrespeitado o princípio de livre apreciação probatória.

Quanto ao princípio in dubio pro reo, constitui o mesmo decorrência do princípio da presunção da inocência, consagrado no art. 32º/2 da Constituição da República Portuguesa, e dá resposta às situações de dúvida quanto à verificação de determinado facto, impondo que o non liquet em matéria de prova seja valorado a favor do arguido, conforme ensina o Professor Figueiredo Dias (“Direito Processual Penal”, 1º Volume, pág. 213).

O princípio geral de processo penal ora em análise é aplicável apenas nos casos em que, apesar de toda a prova recolhida, continuam os factos relevantes para a decisão a não poderem considerar-se como provados por continuar a subsistir dúvida razoável do tribunal.

No caso, e lida a sentença recorrida – em particular o que nela se escreveu quanto à motivação de facto –, não resulta que o tribunal a quo tenha ficado num estado de dúvida quanto aos factos constantes da matéria de facto provada, nem que apesar desse estado os tenha considerado demonstrados ; e também já decorre de quanto se analisou supra não se impor esse estado dubitativo por força dos fundamentos em que o recorrente assenta a sua impugnação.

Pelo que não havia – nem há – que lançar mão do princípio in dubio pro reo, destinado, como vimos, a fazer face aos estados dubitativos do julgador e não a dar resposta às dúvidas da recorrente sobre a matéria de facto, no contexto da valoração probatória por ele efectuada e com base na qual pretende ver substituída a convicção formada pelo tribunal a quo.

Fica, deste modo, afastada também a invocada violação do princípio in dubio pro reo.

4. De saber se deve ser determinada a alteração das consequências penais em que o arguido vem condenado.

Vem subsequentemente o arguido recorrer, já em sede de decisão jurídico–penal, relativamente à determinação as consequências penais fixadas em sede de sentença – o que faz por reporte quer à pena principal de multa, quer à pena acessória de proibição do exercício da condução de veículos motorizados.

Vejamos quanto a cada um desses momentos

4.a. De quanto respeita à pena de multa aplicada.

Vem o arguido/recorrente condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º/1 do Cód. Penal, na pena principal de 60 (sessenta) dias de multa à razão diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos).

Entende o recorrente que a medida penal assim concretamente aplicada se revela afigura-se excessiva, quer quanto ao quantitativo dos dias de fixado, quer quanto ao quantitativo diário fixado para a mesma.

Apela o recorrente à devida consideração das suas condições socioeconómicas, à sua plena colaboração com as autoridades, ao seu bom comportamento anterior e posterior aos factos, e enfim à TAS acusada (1,205g/l), sendo esta tão próxima do limite de 1,200 g/l.

Vejamos.

De acordo com o art. 40º do Cód. Penal, as finalidades das penas são a protecção de bens jurídicos e a socialização do agente do crime, determinando-se que a culpa constitui o seu limite.

Como factores de escolha e graduação da pena concreta há a considerar os parâmetros dos arts. 70º e 71º do Cód. Penal.

A primeira destas disposições – que aqui concretamente não releva, por não vir sindicada a opção penal pela multa – determina que «se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

Já o art. 71º do Cód. Penal estabelece que tal determinação deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção da prática de condutas criminalmente puníveis, devendo atender-se a todas as circunstâncias que - não fazendo parte do tipo de crime - depuserem a favor ou contra o arguido.

Assim, determinada a natureza da sanção a aplicar, o respectivo limite máximo da punição do caso concreto deve fixar-se na medida considerada como adequada para a protecção dos bens jurídicos e para a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência das normas infringidas, ainda consentida pela culpa do agente, enquanto o limite inferior há-de corresponder a um mínimo, ainda admissível pela comunidade para satisfação dessas exigências tutelares. Por fim, entre tais balizas assim determinadas, o tribunal deve fixar a pena num quantum que traduza a concordância prática dos valores decorrentes das necessidades de prevenção geral com as exigências de prevenção especial que se revelam no caso concreto, quer na vertente da socialização, quer na de advertência individual de segurança ou dissuasão futura do delinquente

Nesta tarefa de individualização assim imposta, o tribunal dispõe dos critérios de vinculação na escolha da medida da pena constantes do já citado art. 71.º do Código Penal, designadamente os susceptíveis de “contribuírem tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento) ao mesmo tempo que transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/04/2008, cit. por A. Lourenço Martins, ‘Medida da Pena’, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 242).

Assim, na escolha e determinação da medida da pena não poderá ultrapassar-se a medida da culpa, mas não poderá também ficar–se aquém do exigido pelos ditames da prevenção geral (centrados na tutela de bens jurídicos), abaixo dos quais não pode optar–se por ou fixar-se determinada sanção, sob pena de perda de confiança da comunidade no restabelecimento da vigência da norma violada.

In casu, o tribunal a quo optou pela aplicação de pena de multa, questão que não se mostra controvertida nesta sede – centrando–se a discordância do recorrente no exercício de concretização da pena de multa aplicada.

Ora, desde logo cumpre salientar que, como é consabido e resulta de pacífico critério jurisprudencial, o recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso. Donde, e em tal sede, a intervenção correctiva do tribunal superior só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada.

Neste sentido, por todos, veja–se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/05/2009 (proc. 09P0484)[[8]], com profusa referenciação jurisprudencial – sufragando–se ter plena aplicação aos tribunais de segunda instância a jurisprudência, relativa à intervenção do STJ na determinação concreta das penas, que ali vem exarada.

Tendo tal perspectiva presente, o primeiro aspecto que, no caso concreto dos autos, cumpre realçar, é o de que na sentença ora recorrida foi objecto de ponderada apreciação o elenco dos elementos com relevo na determinação da medida concreta da pena aplicada – em termos que acima ficaram já transcritos e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

Ora, à luz daquele elenco, considera–se, na verdade, que o tribunal recorrido aborda todos os factores susceptíveis de ponderação na determinação da medida concreta da pena de multa aplicada, incluindo aqueles que o recorrente alega haverem sido desconsiderados, se bem que, naturalmente, sopesando–os de forma distinta daquela por si pretendida.

E à luz da ponderação dos factores assim atendíveis, e ali enunciados, tendo em atenção a moldura penal para o ilícito penal em causa, não pode deixar de se considerar que a pena de multa aplicada de modo algum se pode ter por desproporcionada à culpa do arguido por excessividade.

Sendo certo que a taxa de álcool detectada está no limiar mínimo criminalmente punível, que o arguido, inserido socialmente, não regista antecedente pela prática de ilícito criminal da mesma espécie – embora o registe por ilícito de outra diversa natureza –, e que tais circunstâncias abonam em seu favor – como ademais o consigna a sentença –, não deixa de se assinalar em todo o caso que em sede de exigências preventivas sempre releva acentuar a consciencialização do arguido para a necessidade de continuado e devido respeito pelos valores pessoais e comunitários aqui colocados em crise.

Tendo em conta a gravidade dos factos e o juízo de censura penal que incide sobre a conduta do arguido e sua correspondência nas necessidades de protecção dos transcendentes bens jurídicos (de natureza pessoal e patrimonial) feitos perigar pela mesma, fixar uma pena em medida concreta inferior à aplicada, mormente aquela quase irrisória de 20 dias propugnada, seria uma reacção, essa sim, absolutamente desajustada à salvaguarda das necessidades da punição aqui impostas.

Não tem, pois, acolhimento a censura que o recurso efectua dos fundamentos em que se estriba a determinação da concreta pena de multa aplicada, devendo o mesmo improceder nesta parte.

2. De saber se o quantitativo diário fixado para a mesma pena de multa é excessivo.

Entende ainda o recorrente que o valor do quantitativo monetário diário que vem determinado para a pena de multa aplicada se mostra desproporcionada face à sua situação económica.

Propugna que tal valor diário, que vem fixado em €5,50, deverá ser no mínimo legal de €5,00.

Vejamos.

Nos termos do disposto no art. 47º/2 do Cód. Penal (aplicável nos casos de cominação de pena de multa em substituição de pena de prisão, como previsto na segunda parte do nº1 do art. 45º do Cód. Penal), cada dia de multa corresponde a uma quantia entre €5,00 e €500,00, «que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais».

Ou seja, não estamos já perante critérios de graduação de ilicitude ou culpa que devam presidir na fixação do quantitativo diário da pena de multa.

Como já vimos, in casu na decisão recorrida fixou–se a taxa diária da multa aplicada em €5,50, ou seja, constata–se que o quantitativo diário que vem fixado pelo tribunal a quo para a pena de multa já se situa quase no limiar mínimo legalmente aplicável, sendo certo que a fixação deste último – que é, afinal, aquele por que pugna a recorrente –, e sob pena de se desvirtuar a essência da pena de multa e se criarem injustiças relativas, deverá estar reservada a situações de pobreza extrema, em que o condenado não aufere qualquer rendimento ou apoio social nem dispõe de qualquer património.

Ora, não é essa a situação evidenciada nos autos.

E sempre se dirá, em todo o caso, que o Mmo. Juiz a quo não deixou de ponderar a fragilidade económica e financeira do recorrente e por isso mesmo, fixou aquela taxa diária, como já se assinalou bem próxima do limite mínimo legal.

Acresce que a fixação da pena de multa necessita de criar na vida do condenado um sacrifício para o seu cumprimento, já que de outra maneira jamais cumpriria as suas finalidades.

Em face do exposto, julga–se que a fixação do quantitativo monetário diário da multa que vem decidido se mostra efectuada de forma adequada.

Pelo que deverá improceder também este segmento da petição recursória.

Uma palavra final – mas muito breve –, ainda no âmbito do presente segmento do recurso, para a também requerida, pelo recorrente, suspensão da pena de multa em que o arguido vem condenado.

E tão só para referir que não pode, manifestamente, ser atendida tal pretensão, por liminar inviabilidade legal.

Na verdade, e como de forma explicita e clarividente (ou pelo menos assim se julga…) decorre do disposto no art. 50º do Cód. Penal, o instituto da suspensão penal apenas é aplicável à pena de prisão.

Donde, é evidente não poder proceder esta vertente da pretensão recursiva.

4.b. De quanto respeita à sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados cominada.

Além da cominação de uma pena principal, resulta do disposto no art. 69º/1/a) do Cód. Penal que é ainda condenado na proibição de conduzir veículos com motor, por um período fixado entre três meses e três anos, quem for punido (designadamente) pela prática do crime previsto no artigo 292º do mesmo Cód. Penal.

Ou seja, prevê a lei penal que ao agente de factos típicos, ilícitos e culposos que integrem a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no art. 292º/1 do Código Penal, e ao qual seja aplicada uma pena principal (de prisão ou de multa), deverá ser também aplicada a pena acessória aqui em causa.

No caso concreto dos autos, o tribunal a quo fixou a medida concreta da pena acessória em causa, na medida concreta mínima aplicável de 3 meses.

Contra esta concreta determinação da sanção acessória aqui decidida vem insurgir–se o arguido, pugnando em primeira análise por que deve ser dispensada a aplicação da pena acessória ; e, caso assim não se entenda, então que seja a mesma objecto de suspensão.

Apreciando, e de forma muito sucinta, também nesta parte tão apenas se dirá carecer a pretensão do recorrente de qualquer tipo de suporte legal.

Na verdade, e por um lado, o instituto da dispensa de pena previsto no art. 74º do Cód. Penal apenas é aplicável às penas principais de prisão e de multa, e não às sanções acessórias – como, por todos, se consigna no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/03/2019 (proc. 157/18.4GDCBR.C1)[[9]], «A dispensa de pena só está prevista para as penas principais de prisão e de multa pelo que, a sua aplicação às penas acessórias, designadamente, à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, consubstanciaria uma violação do princípio da legalidade».

Mas mesmo que assim se não entendesse – como parece não entender o recorrente –, sempre não se mostraria verificado no presente caso desde logo o liminar requisito imposto no nº1 da aludida disposição legal, pois que o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no art. 292º/1 do Cód. Penal, não é «punível com pena de prisão não superior a 6 meses, ou só com multa não superior a 120 dias».

No que tange à subsidiariamente peticionada suspensão da sanção acessória fixada, também aqui valem os considerandos acima expostos, isto é, decorre de forma clara do disposto no art. 50º do Cód. Penal, que o instituto da suspensão penal apenas é aplicável à pena principal de prisão.

Donde, e em suma, é evidente não poder proceder esta vertente da pretensão do recorrente.

Não suscita provimento, portanto, nenhuma das questões suscitadas pelo recorrente a propósito das consequências penais que vêm fixadas na sentença recorrida.

5. De saber se deve ser aplicado no caso o perdão previsto na Lei 38–A/2023, de 2 de Agosto.

A última questão suscitada pelo recorrente reconduz-se a saber se deverá o mesmo beneficiar do perdão previsto na Lei n.º 38-A/23, de 2 de Agosto, atendendo a que à data dos factos ainda não completara 30 anos de idade.

Cumpre apreciar.

Em termos muito sucintos se faz presente que a Lei 38–A/2023, de 2 de Agosto – que entrou em vigor em 1 de Setembro de 2023 –, estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude – cfr. art. 1º.

Como é consabido, a amnistia, enquanto medida de graça e pressuposto negativo da punição, é aplicada em função do tipo de ilícito, como que “apagando” a natureza criminal do facto ; por seu turno, o perdão genérico, igualmente uma medida de graça e pressuposto negativo da punição, é aplicado em função da pena e, nessa medida, pode ser total ou parcial, conforme seja perdoada a totalidade ou apenas uma parte da pena (implicando que a pena ou a medida de segurança não sejam, total ou parcialmente, cumpridas) – cfr. arts. 127º/1 e, respectivamente, nºs 2 e 3 do art. 128º do Cód. Penal.

Voltando em específico à Lei 38–A/2023, estão abrangidas pela mesma, no que agora releva, as infracções e sanções penais (nomeadamente) relativas aos ilícitos que, reunidos os demais pressupostos por ela estabelecido, tenham sido praticados até ao final do dia 18 de Junho de 2023 ; por outro lado, apenas poderão beneficiar das medidas de clemência em causa os agentes que, à data dos factos ilicitamente relevantes em causa, tenham entre 16 e 30 anos de idade, inclusive – tudo cfr. art. 2º/1.

No caso dos autos, está pacificamente adquirida a verificação dos pressupostos de idade e temporalidade do facto atrás referidos.

No que em particular respeita à medida de perdão, temos que art. 3º/2/a) da referida Lei dispõe que são perdoadas «As penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão».

Ademais, o art. 4º da mesma Lei prevê que «São amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa».

Entretanto, o art. 7º/1 da Lei 38–A/2023 elenca um extenso rol de tipos criminais relativamente aos quais, estando em causa uma condenação pelos mesmos, se mostra excepcionada (e, assim, afastada) a aplicação do benefício do perdão e de amnistia à pessoa aí condenada.

Assim, no que aqui especificamente releva, nos termos do art. 7º/1/d)ii) da lei 38–A/2023, de 2 de Agosto, as medidas previstas nesta lei não se aplicam a condenados «No âmbito dos crimes contra a vida em sociedade, os condenados por … Crimes de condução perigosa de veículo rodoviário e de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previstos nos artigos 291.º e 292.º do Código Penal».

Ora, como bem assinala o Ministério Público na sua resposta ao recurso, nem o arguido, nem qualquer outro cidadão com a idade e em situação idêntica ao arguido, pode beneficiar da amnistia ou do perdão das penas aplicadas pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pois que no caso não suscita dúvidas mostrar–se preenchida a excepção acabada de assinalar.

Nesta exacta sequência, e por directo reporte à alegação do recorrente, deixa–se claro que na exclusão da aplicabilidade da amnistia e do perdão em causa na Lei 38–A/2023 à infracção criminal do arguido, tal como tipicamente se configura a mesma, não existe qualquer violação do princípio constitucional da igualdade.

O art. 13º da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da igualdade, estipulando o nº1 que «Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei», e concretizando o nº2 que «Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual».

Sobre o âmbito de protecção desta norma escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira – em “Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição revista e ampliada, 1º volume, pág.149 – que «O âmbito de protecção deste princípio abrange na ordem constitucional portuguesa os seguintes dimensões: (a) proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, constitucionalmente relevantes, quer o identidade de tratamento poro situações manifestamente desiguais; (b) proibição de descriminação, não sendo legítimos quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseados em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias..., (c) obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe o eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural» ; porém, logo referem os mesmos autores que este princípio da igualdade «exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes».

Este tem sido também o entendimento do Tribunal Constitucional no sentido de que “A aplicação deste princípio orientador envolve a proibição do arbítrio, donde decorre a inadmissibilidade de diferenciação de tratamento sem justificação razoável, afastando simultaneamente o tratamento idêntico de situações manifestamente desiguais” (cfr. Ac. Tribunal Constitucional nº 386/2005, DR II Série, nº 200, de 18/10/2005) ou ainda que “se é verdade que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impede, contudo, qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante. (cfr. Ac. Tribunal Constitucional nº 14/2011 proferido no processo nº 637/10).

Como se escreveu no Ac. do Tribunal Constitucional nº 25/2000, “De acordo com a jurisprudência corrente do Tribunal Constitucional, as soluções normativas relativas às chamadas medidas de graça ou de clemência não estão subtraídas ao crivo do princípio da igualdade. Como se afirmou no acórdão nº 444/97 (Diário da República, II Série, de 22 de Julho de 1997, sobre a Lei nº 9/96, de 23 de Março, 'o princípio de igualdade, tratando-se aqui da definição de direitos individuais perante o Estado, que pela amnistia, como pelo perdão, são alargados – como são restringidos pela aplicação das sanções – impede desigualdades de tratamento.

A diferenciação de tratamento que por elas seja estabelecida não deve ser arbitrária, materialmente infundada ou irrazoável (cf. o acórdão nº 42/95, Diário da República, II Série, de 27 de Abril de 1995, a propósito da exclusão de certas infracções do âmbito do perdão de penas concedido pela Lei nº 15/94; v. também os acórdãos 152/95, Diário da República, II Série, de 20 de Junho de 1995, e 160/96, não publicado, ambos sobre normas extraídas da mesma Lei).

Por outro lado, situações substancialmente diferentes exigem um regime diverso. A desigualdade de tratamento para diferentes situações é ainda uma dimensão essencial do princípio da igualdade.

Embora não directamente a propósito da Lei e norma aqui em causa, mas no sentido do aqui entendido, também o S.T.J., no seu recente Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 2/2023, de 01/02/2023 [[10]] consigna em expressivo resumo, que «a jurisprudência do Tribunal Constitucional afirma que o princípio da igualdade nas leis de amnistia e de perdão genérico "só recusa o arbítrio, as soluções materialmente infundadas ou irrazoáveis" (Acórdão n.º 42/95), entendendo que as diferenças de tratamento legal traduzem uma diferenciação arbitrária apenas quando não sejam concretamente compreensíveis ou quando não seja possível encontrar uma justificação razoável para a diferenciação, ligada à natureza das coisas (Acórdão n.º 152/95) ».

Nesta medida, «a proibição de discriminação nos termos do artigo 13, n.º 2, da Constituição da República, não significa uma igualdade absoluta em todas as situações, mas apenas exige que as diferenciações de tratamento sejam materialmente fundadas e não tenham por base qualquer motivo constitucionalmente improprio. As diferenciações de tratamento podem ser legitimas quando se fundamentarem numa distinção objectiva e se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas a realização da respectiva finalidade ».

Como tal, e nesta linha de entendimento, «embora a concessão do perdão genérico [...] seja efeito de um acto político, que pode ter por causa as mais diversas motivações [...], como sejam a magnimidade por occasio publicae laetitia excepcional, razões de política geral de apaziguamento ou outras, de correcção de determinadas ponderações anteriores efectuadas pelo direito ou do modo da sua aplicação pela jurisprudência ou pela administração, ela expressa-se através de uma lei em sentido material. Ora, cabendo a sua edição na competência do legislador ordinário, tomada no campo da política criminal, não pode deixar de se lhe reconhecer discricionariedade normativo-constitutiva na conformação do seu conteúdo.»

Nesta medida, «o Tribunal Constitucional vem entendendo, com significativa reiteração, que, nos óbvios parâmetros do Estado de direito democrático, a liberdade de conformação legislativa goza de alargado espaço onde têm lugar preponderantes considerações não necessariamente restritas aos fins específicos do aparelho sancionatório do Estado, mas também outras ditadas pela conveniência pública que, em última instância, entroncam na raison d'Etat».

Donde, e como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21/05/2024 (proc. 1764/18.0T9STR-A.E1)[[11]], «o legislador da clemência tem liberdade de estabelecer os critérios e a forma de determinar o perdão, mantendo uma significativa margem de discricionariedade, de forma a cumprir os objetivos que lhe estão subjacentes». Como tal, e retornando ao citado AFJ, «cabe na discricionariedade normativa do legislador ordinário eleger, quer a medida do perdão de penas - o quantum do perdão -, quer, em princípio, as espécies de crimes ou infracções a que diga respeito a pena aplicada e perdoada, quer a sujeição ou não a condições, desde que o faça de forma geral e abstracta, para todas as pessoas e situações nela enquadráveis».

Resulta de quanto assim fica exposto que com a fixação de determinadas infracções criminais como expressamente excluídas da aplicação da amnistia e do perdão instituídos pela Lei 38–A/2023 – e sendo certo que nos critérios utilizados para tal fixação não se descortina qualquer discriminação ofensiva da protecção devida por igual aos direitos de personalidade de qualquer cidadão –, não se vislumbra contrariedade de natureza constitucional.

É evidente que se pode discordar da concessão da amnistia (desta ou de outra qualquer) ou dos termos concretos em que a mesma se consubstancie, mas isso é outro patamar de análise que não tem que ver com a sua conformidade constitucional.

Em suma, improcede integralmente esta derradeira vertente do recurso interposto.


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III. DECISÃO

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em não conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas da responsabilidade do recorrente, fixando-se em 5 (cinco) U.C.´s a taxa de justiça (cfr. art. 513º do Cód. de Processo Penal e 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último).


*
Porto, 29 de Janeiro de 2025
Pedro Afonso Lucas
Castela Rio
Lígia Trovão

(Texto elaborado pelo primeiro signatário como relator, e revisto integralmente pelos subscritores – sendo as respectivas assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo da primeira página)
_________________
[1] Relatado por Nuno Gomes da Silva, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[2] Relatado por Arménio Sottomayor, acedido em https://www.stj.pt
[3] Relatado por Oliveira Mendes, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[4] Relatado por Vasques Osório, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[5] Relatado por Souto de Moura, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[6] Relatado por Nuno Pires Salpico, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[7] Relatado por Fernando Chaves, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[8] Relatado por Raúl Borges, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[9] Relatado por Vasques Osório, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[10] Relatado por Paulo Ferreira da Cunha, e publicado no Diário da República nº 23/2023, Série I de 01/02/2023, págs. 22/41.
[11] Relatado por Nuno Garcia, acedido em www.dgsi.pt/jtre.nsf