PRESENÇA DO ARGUIDO EM JULGAMENTO
RELATÓRIO SOCIAL
VÍCIO DA INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Sumário

I - A presença do arguido em julgamento, embora seja um direito fundamental, não é absoluta.
II - O tribunal pode dispensar a presença do arguido em situações específicas, desde que sejam asseguradas as garantias processuais e a decisão seja devidamente fundamentada. O caso em análise ilustra a aplicação dessa exceção, com a devida observância dos direitos do arguido e a busca por uma decisão justa e célere.
III - O tribunal, analisando o caso, concluiu que a presença do arguido não era crucial para apurar a verdade dos factos. Essa decisão baseou-se na natureza do processo – crimes de ameaça e injúria – e na avaliação de que as provas existentes seriam suficientes para formar o juízo do tribunal. Além disso, para além de ter sido notificado no endereço que o próprio forneceu aos autos no TIR prestado, arguido estava representado por uma defensora oficiosa, que não solicitou a sua audição em momento algum.
IV - A decisão do tribunal a quo de não solicitar um relatório social baseou -se numa análise criteriosa das circunstâncias do caso. A informação disponível nos autos era suficiente para determinar a pena de forma justa, sem a necessidade de um relatório social, pelo que a não realização do mesmo, neste caso específico, não configurou qualquer prejuízo para os direitos do arguido ou existência do vicio da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Texto Integral

Proc. n.º 168/22.5GCVFR.P1




Relator Paulo Costa
Adjuntos Luís Coimbra
José Quaresma





Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro- Juízo Local Criminal de ...

Acordam em conferência na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

Nos autos de processo comum n.º Proc. Nº168/22.5GCVFR, no tribunal em epígrafe identificado foi decidido:
a) Condenar o Arguido AA, pela prática de dois crimes de ameaça agravada, previsto e punido pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do CP, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, respetivamente;
b) Condenar o Arguido AA, pela prática de um crime de injúrias, previsto e punido pelo art. 181.º, n.º 1 do CP, na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de multa;

c) Em cúmulo jurídico de penas, condenar o Arguido AA na pena única de 185 (cento e oitenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 7,00, no total de € 1.295,00 (mil duzentos e noventa e cinco euros);

d) Condenar o Demandado AA no pagamento ao Demandante BB da quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, contados desde a desde a data da presente decisão até efetivo e integral pagamento;

e) Condenar o Arguido AA no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s.”

Inconformado, veio o arguido interpor recurso referindo, em conclusões, o que a seguir se transcreve:
Conclusões:
I - O presente recurso tem por objeto a douta Sentença proferida e que condenou o arguido, AA, pela prática de dois crimes de ameaça agravada, previsto e punido pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do CP, na pena de 110 (cento e dez) dias de
multa, respetivamente; pela prática de um crime de injúrias, previsto e punido pelo art. 181.º, n.º 1 do CP, na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de multa;
Em cúmulo jurídico de penas, na pena única de 185 (cento e oitenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 7,00, no total de € 1.295,00 (mil duzentos e noventa e cinco euros), bem como ao pagamento a BB da quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros),
a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, contados desde a desde a data da presente decisão até efetivo e integral pagamento.
II - A discordância decorre de uma questão fundamental:
III - É nula a audiência de Julgamento.
IV - O arguido foi notificado pessoalmente no dia 11.04.2024, da marcação da audiência de julgamento, ficando surpreendido uma vez que não recebeu qualquer notificação desde a altura em que foi interrogado na PSP.
V- Compulsados os autos verificou-se que o arguido foi notificado por via postal com prova de depósito para a morada constante do TIR, mas a realidade é que tais notificações nunca chegaram ao conhecimento do arguido, a que não é alheio o facto de ser frequente a confusão com o número e a Letra C, havendo já várias reclamações de extravio de correio.
VI - Ora, a realidade é que a notificação da acusação, Pedido de indemnização civil e marcação de julgamento nos termos do n.º 10 do art.º 113º do CPP têm de ser efetuadas ao arguido.
VIII - Ora, através da mera notificação ocorrida por via postal simples e até ao defensor, infere-se que a ausência de notificação pessoal configura a lesão e violação das garantias de defesa contidas nos artigos. 32º n.º1 e 20º n.º1 e 4 da CRP.
IX - Assim, verifica-se nesta parte a inconstitucionalidade do artº 113 n.º1 c) e nº 3 do CPP, por dupla violação, quer do art. 32º n.º1 quer do art. 32º nº 1 e 4 da CRP.
X - Tal significa que, tendo o arguido sido apenas notificado pessoalmente da data de julgamento, acusação e pedido de indemnização no dia 11.04.2024, ainda está em curso o prazo para a sua Defesa, seja para abrir instrução se assim entender, ou para apresentação de contestação.
XI - Ora, aberta a audiência, verificou-se a ausência do arguido, embora tivesse sido elaborado o requerimento anterior pela sua mandatária.
Foi então nomeada uma Ilustre Defensora oficiosa.
XII - Após a nomeação e já com a Ilustre Defensora presente, foi dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Publico que no uso da mesma disse: …« - encontrando-se o arguido válida e regularmente notificado para comparecer na presente sessão de julgamento, não comunicou a sua ausência nem apresentou qualquer justificação de falta, que se considere a mesma injustificada e, em consequência, seja o mesmo condenado em multa processual ao abrigo do artigo 116.º do C.P.P., devendo dar-se início à presente audiência de julgamento ao abrigo do artigo 333.º do C.P.P.. »
XIII - Em face da douta promoção do M.P. e a não oposição da Ilustre Defensora nomeada, foi proferido o seguinte despacho:
«Uma vez que o arguido se encontra válida e regularmente notificado na morada constante do T.I.R. de fls. 130 dos autos, não comunicou a impossibilidade de comparência, nem apresentou qualquer justificação da falta, julga-se a sua falta injustificada e, em consequência, condena-se o mesmo na multa processual que se fixa em duas (2) unidades de conta [€ 204,00] – art.º 116.º do C.P.P. Após considerar não se afigurar absolutamente imprescindível para a descoberta da verdade material a presença do arguido desde o início da audiência, determina-se que a mesma se inicie na sua ausência, ao abrigo do disposto no artigo 333.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.P., sem prejuízo do n.º 3 da mesma disposição legal. Mais se determina que sejam efectuadas pesquisas nas bases de dados disponíveis da Segurança
Social, a fim de aferir se o arguido é titular de rendimentos registados; assim como na base de dados de pesquisa de reclusos, a fim de acautelar eventual situação de privação da liberdade.
Notifique.»
XIV - Antes de concluída a produção de prova, o Mm.º Juiz de Direito deu a palavra ao Exmo. Sr. Procurador da República e à Ilustre Mandatária do assistente e defensora do arguido, respectivamente, tendo os mesmos dito nada mais terem a requerer.
XV - De imediato, encerrada a prova e na ausência de quaisquer requerimentos, pelo Mm.º Juiz de Direito foi concedida a palavra, sucessivamente, ao Digníssimo Representante do Ministério Público
[11h37m] e aos Ínclitos Defensores do assistente [11h42m] e do arguido [11h45m], para, em alegações orais, exporem as conclusões de facto e de direito que hajam extraído da prova produzida.
XVI - Foi logo marcado o dia 29 de Abril para leitura de sentença.
XVII - Como se escreveu no acórdão de 02.05.07, proc. n.º 1018/07, "O artigo 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa incluindo o recurso.
O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório – nº 5 do art° 32°.
- Mas o nº 6 do mesmo normativo constitucional já referido estabelece que a lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento .
- O artigo 61º nº 1 do Código de Processo Penal, que versa sobre os direitos do arguido, dispõe que o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e, salvas as excepções da lei, dos direitos
de:
a) Estar presente aos actos processuais que diretamente lhe disseram respeito,
b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte ; (. .. )
e) Ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar e, quando detido, comunicar, mesmo em privado, com ele;
f) Ser informado, pela Autoridade judiciária ou pelo órgão de polícia criminal perante os quais seja obrigado a comparecer, dos direitos que lhe assistem;
XVIII - O artigo 332° nº 1 do mesmo diploma adjectivo, referindo-se à presença do arguido em audiência, começa por dizer que é obrigatória a presença do arguido na audiência.
XIX- Mas, depois acrescenta: "sem prejuízo do disposto nos artigos 333°, nºs 1 e 2, 334°, nºs 1 e 2."
XX- Examinando o artigo 333° que se refere à falta do arguido notificado para a audiência, do seu nº 1 consta: Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável
para a descoberta da verdade material a sua presença desde início da audiência.
XXI- Daqui resulta que na data designada para a realização da audiência de julgamento, se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o tribunal, ou adia a audiência, ou toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a comparência do arguido na audiência.
XXII - Todavia, a audiência só pode ser adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material. Não sendo adiada a audiência, deve o Meritíssimo Juiz tomar as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a comparência do arguido faltoso.
XXIII - E, se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do artigo 341°, sem prejuízo da alteração que seja necessário efectuar no rol apresentado, e as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no nº 6 do artigo 117°. - v. nº 2 do artigo 333° .
XXIV - Sendo, como se referiu, obrigatória a presença do arguido, em audiência, sem prejuízo do disposto no artº 333° nºs 1 e 2, - v. artº 332° nº 1 do CPP, o mesmo, pode querer prestar declarações (embora a tal não seja obrigado e, sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo - art° 343° nº 1 do CPP), mas se prestar declarações, pode querer confessar e, porventura, beneficiar do disposto no artº 344° do CPP, caso se verifiquem os respectivos pressupostos legais, e, mesmo se não confessar os factos imputados, se o arguido se dispuser a prestar declarações, cada um dos juízes (e dos jurados quando for caso de tribunal do júri), pode fazer- lhe perguntas sobre os factos que lhe sejam imputados e solicitar-lhe esclarecimentos sobre as declarações prestadas, bem como o Ministério Público, o advogado do assistente (se o houver) e o defensor podem solicitar ao meritíssimo Juiz que formule ao arguido perguntas, conforme art° 345° nºs 1 e 2 do CPP.
XXV - Note-se, por outro lado, que se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, nos termos do artigo 333° nº 2 citado, o arguido mantém o direito a prestar declarações até ao encerramento da audiência, como estabelece o nº 3 deste art° 333°.
XXVI - É certo que o mesmo nº 3 também acrescenta: "e se ocorrer na primeira data marcada, (o encerramento da audiência), o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do artigo 312º nº 2.
XXVII- O artº 312° nº 2 do CPP, prevê, além do mais, o caso de designação de data "para audição do arguido a requerimento do seu advogado ou defensor nomeado, ao abrigo do artigo 333°, nº 3."
XXVIII - Donde poder argumentar-se se a inexistência de tal requerimento, para audição do arguido ausente, consubstanciará uma renúncia a arguição ou suprimento de eventual irregularidade havida pela não audição do arguido. É certo também que o nº 5 do artº 333° dispõe que no caso previsto nos nºs 2 e 3, havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente, o que pressupõe julgamento do arguido na sua ausência.
XXIX- Só que, de tais normas não resulta exclusão da obrigatoriedade imposta ao tribunal, quando iniciar uma audiência sem a presença do arguido notificado para a sua data de realização, de tomar as
medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência.
XXX- Somente no caso de estas medidas não surtirem efeito é que se compreende o disposto no nº 5 do artigo 333° .
XXXI- E, quanto ao nº 3 do mesmo preceito, relativamente ao requerimento para audição do arguido em nova data, apenas significa que pode haver lugar a nova data para audição do arguido, se não comparecer na primeira data da audiência e esta se ultimasse.
XXXII- Acresce que, no caso em apreço, o Digníssimo Tribunal considerou importante a presença do arguido.
XXXIII- A falta a Julgamento na ausência do arguido notificado para a audiência só é possível se o arguido der o seu consentimento à realização da audiência na sua ausência, como dispõe o nº 4 do artº 333° ao estabelecer que o disposto nos números anteriores não prejudica que a audiência tenha lugar na ausência do arguido com o seu consentimento, nos termos do artº 334º nº 2. Ou seja, o arguido pode requerer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência sempre que se encontrar praticamente impossibilitado de comparecer à audiência, nomeadamente por idade, doença
grave ou residência no estrangeiro, como resulta do disposto no art° 334° nº 2 do CPP.
XXXIV - Inexistindo consentimento do arguido, é obrigatória a presença do arguido, sem prejuízo do disposto no artigo 333° nºs 1 e 2 do CPP.
XXXV- As normas constantes dos nºs 1 e 2 do artigo 333° são de interesse e ordem pública, prendendo-se com o cerne das garantias do processo penal, e, por conseguinte, com a validade e eficácia do sistema legal processual penal. Como todo o verdadeiro direito público, tem o direito processual penal na sua base o problema fulcral das relações entre o Estado e a pessoa individual e da posição desta na comunidade . Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-9, p. 33)"
XXXVI- A via para um correcto equacionamento de evolução do processo penal nos quadros do Estado de Direito material deve partir do reconhecimento e aceitação da tensão dialéctica inarredável
entre a tutela dos interesses do arguido e tutela dos interesses da sociedade representados pelo poder democrático do Estado, (idem,, p. 50).
XXXVII- Por isso, não exclui a sua audição, nem a tomada das medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência.
XXXVIII- Daí que o nº 6 do mesmo artigo 333° explicite que é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 116°, nºs 1 e 2 e 254° (... ).
XXXIX- Sendo a responsabilidade criminal meramente individual, e estando esta a ser apreciada no pretório, a comparência obrigatória do arguido, torna-se necessária ao exercício do contraditório.
XL- Note-se por outro lado, que o encerramento da discussão da causa apenas ocorre depois das últimas declarações do arguido, pois que como resulta do art° 361° nºs 1 e 2, do CPP: "Findas as alegações, o presidente pergunta ao arguido se tem mais alguma coisa a alegar em sua defesa, ouvindo-o em tudo o que declarar a bem dela.
- Em seguida, o presidente declara encerrada a discussão (... )"
XLI- Na verdade, o arguido é sujeito processual, de direitos e de deveres, e é na audiência, mediante o exercício pleno do contraditório, que o arguido se pode - e deve -, defender, confrontado com as provas, já que a discussão da causa, vai posteriormente implicar uma decisão,
de harmonia com elas e com referência ao objecto do processo, decisão essa em que emite um juízo decisório sobre a conduta jurídico-penal imputada ao arguido, com reflexos notórios na sua vida pessoal e comunitária, pois que sendo este absolvido, fica desvinculado da imputação havida, e restaurado á normalidade anterior ao juízo incriminatório, mas se for condenado, fica sujeito às consequências jurídicas do crime. "A necessidade de dar maior fixidez e concretização ao princípio do contraditório, autonomizando-o decididamente do princípio da verdade material e do direito de defesa do arguido, leva à sua concepção como princípio ou direito de audiência, como (numa formulação intencionalmente enxuta), oportunidade conferida a todo o participante processual de influir, através da sua audição pelo tribunal, no decurso do processo .
XLII- Desta conceção são exemplos alguns instrumentos de direito internacional vigentes em Portugal (v. g. o nº 10 da Declaração Universal dos Direitos do Homem), que desta forma destacam a substância do princípio do contraditório . Figueiredo Dias (ibidem, p. 111) (…)
XLIII - Assim, dando o tribunal início à audiência, deveria ter tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, uma vez que, "a realização da audiência nos sobreditos termos contende com o exercício pleno do direito de defesa do arguido e princípio da procura da verdade material que se impõe ao julgador."
XLIV - Por outro lado, há que considerar a relevância dos princípios da oralidade e imediação na audiência de julgamento.
XLV - Desde o momento em que - sobretudo por efeito do influxo das ideias de prevenção especial - se reconheceu a primacial importância da consideração da personalidade do arguido no processo penal, não mais se podia duvidar da absoluta prevalência a conferir aos princípios da oralidade e da imediação.
XLVI - Só estes princípios com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais concretamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.
E, só eles permitem, por último, uma plena audiência destes mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na
declaração do direito do caso.- Figueiredo Dias, ibidem, p. 160.
XLVII - Dispõe o artigo 118° nº 1 do CPP que a violação ou inobservância das disposições da lei do Processo Penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.
XLVIII - Ora, o artigo 119° estabelece que constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:
c) A ausência do arguido (... ), nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.
É o caso sub judicio, objecto do recurso, pois que realizou-se o julgamento do arguido - do qual saiu condenado - na sua ausência, apesar de estar notificado da data da audiência e a esta ter faltado, sendo
obrigatória a sua presença. "
XLIX - Em suma:
- no caso destes autos, o arguido prestou termo de identidade e residência (art.º 196.º ) e foi regularmente notificado da data da audiência de julgamento (e da segunda data, em caso de adiamento) por via postal simples, com prova de depósito;
- não tendo estado presente, iniciou-se a audiência, sem que haja registo do tribunal ter tomado as diligências necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência. (art.º 333.º, n.º 1., do C.P.P.), posto que, neste quadro, era obrigatória a sua presença ;
- não há notícia, sequer, de se haver tentado a notificação do arguido para a segunda sessão da audiência, designada para cerca de um mês depois (aliás, em substituição da «segunda data», designada pelo juiz ao abrigo do artigo 312.º, n.º 2., do C.P.P.) (2) .
XLVI - Pelo que é nula a audiência de julgamento, efetuada na ausência do arguido - devidamente notificado para o efeito – sem que o Meritíssimo juiz tenha tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência.
XLVII - Tal implica a invalidade da audiência de julgamento e dos actos que dela dependem (designadamente, a sentença condenatória), devendo o mesmo tribunal proceder à respectiva repetição (art.º 122.º, n.ºs 1. e 2., do C.P.P.) .
XLVIII- A Douta Sentença recorrida enferma de Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
XLIX- Se o arguido está ausente, a prova dos factos relativos à sua situação pessoal pode fazer-se por via do relatório social ou por outro meio de prova lícito.
L- E que, na ausência de relatório social, este será dispensável quando a prova daqueles mesmos factos transcorra das declarações do arguido ou de outro meio legal de prova. Na falta de factos relativos à personalidade do arguido, aceita-se que o tribunal decida sobre a pena, quando tentou, mas não logrou, obter tais elementos.
LI - No caso, procedeu-se ao julgamento na ausência, de acordo com a disciplina do art. 333º do Código de Processo Penal.
LII- Os autos não contêm relatório social nem qualquer outra prova sobre a situação pessoal do arguido, prova que o tribunal não procurou obter.
LIII -- A própria sentença não revela sentir sequer a carência de factos pessoais do arguido, não fazendo a mínima referência sequer a essa falta.
LIV- A respeito da legalidade do julgamento na ausência do arguido, e aceitando a jurisprudência no sentido fixado pelo Supremo Tribunal de Justiça, dir-se-á que, uma coisa é a legalidade estritamente formal dos procedimentos, outra, a compreensão do modelo de processo como garantia do julgamento justo.
LV- A questão da determinação da sanção, no que à prova dos atinentes factos se refere, é tratada no art. 369º do Código de Processo Penal. Este preceito, numa disciplina próxima da césure, constitui claro sinal do protagonismo que a pena assume no processo e na decisão justa do caso.
LVI- Uma vez comprovados os factos relativos à questão da culpabilidade, como bem nota Maia Gonçalves, o tribunal “entra na tramitação destinada à individualização da pena. Aqui, e só agora, são tomados em conta os elementos respeitantes aos antecedentes criminais do arguido, as perícias sobre a personalidade e o relatório social.
Os elementos já apurados podem ser bastantes e então entra-se logo na escolha da pena (…). Mas se suceder serem tais elementos insuficientes, e ser indispensável prova complementar, reabre-se a audiência procedendo à produção dos meios de prova necessários, ouvindo-se, sempre que possível, (…) quaisquer pessoas que possam depor com relevo sobre a personalidade e as condições de vida do arguido” (Código de Processo Penal anotado, 2009, p. 837).
LVII- Este protagonismo adjectivo deriva (ou é resultado) da correlativa importância material da pena, no contexto da decisão condenatória.
LVIII- O art. 71º do Código Penal, na determinação concreta da pena, manda atender, ao que ora releva, “as condições pessoais do agente e a sua situação económica” (al. d)), a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime” (al. e)), e “a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto” (al. f)).
LIX- Na lição de Jescheck, “as condições pessoais e económicas do agente influem primordialmente nas repercussões que a pena tem sobre a integração social daquele (prevenção especial), Daí que o tribunal tenha que esclarecer suficientemente tais condições pessoais para poder ajuizar o alcance que o cumprimento de uma pena (…) tem para a vida pessoal e privada do autor (Tratado de Derecho Penal, Parte Geral, Granada, 2002, p. 939). Chama ainda a atenção para a “importância da sensibilidade individual do autor frente à pena” – o que implicaria ter de conhecer o autor – e para a problemática dos “prejuízos de natureza extra penal que para o autor podem derivar da condenação” – o que também o demandaria.
LX - Anabela Rodrigues elucida que os “factores que relevam para a medida da pena da culpa e que têm a ver com a personalidade (…) são (…) aqueles que o legislador considera sob o designativo de
«condições pessoais do agente e sua situação económica» (alínea d)) e a «gravidade da falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto» (alínea f)) (…). O que de mais relevante haverá a considerar a propósito do factor da medida da pena que se refere à «gravidade da falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto», é que desta forma o legislador quis chamar autonomamente a atenção para a relevância da personalidade para a medida da pena da culpa. (…) A personalidade releva para o juízo de culpa” (A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, 1995, pp. 665-667). E acaba por concluir que “a generalidade dos factores relativos à personalidade do agente poder-se-á dizer que relevam para a medida da pena preventiva, geral e especial. É assim que, não só as condições pessoais e económicas do agente, como as qualidades da personalidade, ganham relevo neste contexto” (loc. cit. p. 678).
LXI - Também Lourenço Martins destaca que “essencial para a individualização da pena, quer da perspectiva da culpa quer da prevenção, é a personalidade do arguido”; assinala a “ambivalência das condições pessoais e económicas” (Medida da Pena, Finalidades Escolha, 2010, pp. 511-513).
LXII - Na mesma linha, a jurisprudência tem-se pronunciado no sentido da relevância dos factos pessoais (do arguido) para a determinação da pena – assim, TRP 18/11/2009 (Olga Maurício) “Ocorre omissão de diligência essencial a configurar o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada se o tribunal não cuidou de providenciar para obter os elementos relativos à situação pessoal e económica do arguido”; TRP 02/12/2010 (Carmo Dias) “Do vício enferma a sentença que condenou o arguido numa pena (no caso, pena de prisão) sem que o tribunal tivesse investigado factos susceptíveis de revelarem, v.g., a personalidade do arguido, as suas condições pessoais e situação económica e profissional, o seu posicionamento em relação ao crime cometido ou o seu comportamento posterior”; TRE 01- 07-2010 (António Latas) “Não tendo o tribunal diligenciado pelo apuramento de factos relativos à personalidade, condições pessoais e económicas do arguido, ocorre insuficiência de factos para uma cabal e fundamentada decisão sobre a escolha e determinação da pena, que impõe o reenvio parcial para novo julgamento”
LXIII- A literatura regista igualmente a perplexidade – “Como é possível saber- se (…) sobre uma pessoa sem nunca ter falado com ela?” (Dinis Machado, O que diz Molero, p. 161)
LXIV - Acresce que às decisões condenatórias são reconhecidas especiais exigências de fundamentação; logo, também (ou sobretudo) no que à pena respeita.
LXV - Quando encerra a produção da prova e avança de imediato para a elaboração da sentença, o tribunal prescinde de (tentar) obter informação sobre o arguido. O que poderia ter alcançado se tivesse designado nova data para a audição, se tivesse solicitado relatório social do arguido ou sondado a defesa sobre outras possíveis provas dos factos pessoais, assim dotando a sentença dos restantes elementos necessários à boa decisão. Note-se que o Acórdão de fixação de jurisprudência nº 9/2012 não altera este entendimento, como já dissemos, pois não é esta a questão objecto da jurisprudência fixada.
LXVI - Quando encerrou a discussão da causa, o tribunal não podia deixar de já saber que iria proferir decisão condenatória. O que implicaria a fixação de uma pena e, para tanto, a avaliação das exigências de prevenção especial, a ponderação da personalidade do arguido repercutida no facto e a determinação do grau de culpa pelo facto.
LXVII - O tribunal constitucional tem chamado a atenção para o facto de não serem “uniformes as exigências constitucionais de fundamentação de todo o tipo de decisões em matéria penal, (…) que as decisões condenatórias devem ser objecto de um dever de fundamentar de especial intensidade, mas que não se verifica o mesmo noutro tipo de decisões” (Ana Luísa Pinto, A Celeridade no Processo Penal: O Direito à Decisão em Prazo Razoável, p. 75 e Acs TC 680/98, 281/2005 e 63/2005 aí cit.).
LXVIII- Como bem nota Ana Luísa Pinto, “a celeridade não afasta a necessidade de o processo se conformar de modo adequado a assegurar, designadamente, o contraditório, a igualdade de armas, a produção de prova e a fundamentação da decisão. De igual modo, não pode a celeridade prejudicar a averiguação da verdade material nem a ponderação da decisão. (…)
A celeridade processual, sendo um valor positivo, não constitui um objectivo, por si só, do processo. Ela só é desejável na medida em que traz eficácia ao processo, permitindo-lhe cumprir plenamente o seu objectivo de realização da justiça. (…) A celeridade tem que ser perspectivada em função de outros valores fundamentais, designadamente a defesa do arguido. (…) Quando a Constituição determina que o arguido deve ser julgado “no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa” está a impor a compatibilização entre a celeridade e os direitos de defesa do arguido.” (loc. cit., p. 70).
LXIX - No caso, a discussão da causa não devia ter sido encerrada sem que se cumprisse o mandado de esgotante averiguação/apreciação de todos os factos relevantes para a sentença que, quando condenatória, abrange também a decisão sobre a pena.
LXX - A decisão sobre a pena envolve o conhecimento dos factos relativos à pessoa do arguido.
“Garantir a possibilidade de conhecimento do agente é vital para uma actividade de medida da pena crescentemente estruturada sobre mecanismos de prognose” (Anabela Rodrigues, loc. cit., p. 562).
LXXI - E a indispensabilidade do conhecimento da personalidade do condenado não diminui na razão inversa da dimensão do seu passado criminal. Pelo contrário, um passado pesado é também revelador da desadequação das sanções anteriormente proferidas.
A pena adequada será também a pena eficaz.
LXXII - A pena eficaz dificilmente se proferirá no desconhecimento da pessoa do arguido. A sentença não pode bastar-se com o conhecimento dos antecedentes criminais do condenado.
LXXIII - Ao proferir decisão condenatória com omissão de factos relevantes para a determinação da sanção, o tribunal lavrou sentença ferida do vício de insuficiência da matéria de facto provada, do art.
410º, nº2, al. a) do Código de Processo Penal, com as consequências previstas no art. 426º, nº1 do Código de Processo Penal.
LXXIV– Em consequência, a Douta Sentença recorrido, violou por errada interpretação o disposto nos art.ºs 113º 127º, 196º, 333º, 374º, 379º, 70 e 71º do C.P.P; e art.º 20ç n.º 1 e 4, 32º e 205º da CRP.
Pelo exposto a douta sentença recorrida deve ser revogada.

*

O Ministério Público apresentou resposta pugnando pela improcedência do recurso, referindo em conclusões:
“I. As notificações ao arguido foram efetuadas por via postal simples com prova de depósito, enviadas para a morada do TIR validamente prestado por ele nos autos, razão pela qual as mesmas consideram-se válidas e regulares – cf. art.ºs 113º, n.º 1, als. b), c) e d) e n.º 3 e art.º 196º, n.º 2 e n.º 3, al. c) do C.P.P.;
II. O arguido foi ainda notificado da data do julgamento do dia 15/04/2024 por contato pessoal no dia 11/04/2024 – cf. ref. 16042835 de 19/04/2024 – e não arguiu tempestivamente qualquer irregularidade relativamente às anteriores notificações nem juntou prova para ilidir a presunção legal dessas notificações;
III. Face ao exposto conclui-se que não existe qualquer vício que inquine a validade das notificações e termos subsequentes do processo, designadamente a invocada nulidade insanável, a que se reporta o artigo 119.º, al. c) do Código de Processo Penal;
IV. O arguido foi regularmente notificado da data de julgamento e não compareceu nem justificou a sua falta; o Tribunal “a quo” considerou que a sua presença não era imprescindível para a descoberta da verdade material; o arguido devidamente representado na audiência por Defensora Oficiosa não requereu a tomada de declarações noutra data; o arguido foi notificado para a continuação da audiência de julgamento e não compareceu nem apresentou qualquer justificação;
V. «Notificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente á mesma, se o tribunal considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do n.º 1 do artigo 333.º do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo.» - AUJ do STJ n.º 9/2012, de 10-12-2012, DR, I Série de 10-12-2012.;
VI. O Tribunal “a quo” não violou o disposto no art.º 333º, n.ºs 1 a 3 do C.P.P.;
VII. A realização de relatório social não é uma diligência obrigatória e a sua omissão, porventura, poderia representar uma mera irregularidade que não foi tempestivamente arguida, nos termos do disposto no art.º 123º, n.º 1 do C.P.P.;
VIII. O Tribunal “a quo” recorreu às informações existentes na base de dados disponíveis nos tribunais para apurar a situação pessoal do arguido;
IX. A elaboração do relatório social era irrelevante para a escolha da pena, pois atendendo à inserção social do arguido, antecedentes criminais e tipo de crimes, não se cogitaria a aplicação de uma pena de prisão, mas apenas de multa;
X. O Tribunal apurou oficiosamente que o arguido auferia até Fevereiro de 2024 o valor mensal de 820,00€ e fixou o quantitativo diário em 7,00€, ou seja, próximo do mínimo legal de 5,00€, o qual é reservado apenas para quem não tem quaisquer tipo de rendimentos, o que não era o caso do arguido;
XI. A sentença não padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – art.º 410º, n.º 2, al. b) do C.P.P.”
*

Neste Tribunal o Digno Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos, tendo emitido parecer pugnando pela improcedência do recurso, argumentando ainda relativamente à ausência de requisitos legais para invocar a inconstitucionalidade das normas questionadas no recurso.
*
Deu-se cumprimento ao disposto no art.º 417.º n.º 2 do C.P.P., não tendo havido contraditório.
Foram os autos aos vistos e procedeu-se à conferência, importando, pois, apreciar e decidir.
*
Questões a decidir:
Conforme jurisprudência recorrente e pacífica, o âmbito de qualquer recurso é delimitado pelas conclusões que sobrevêm às alegações do recorrente, sem prejuízo do conhecimento, ainda que oficioso, dos vícios da decisão a que se alude no n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P. (cfr. art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2 e 410.º, n.º 2, als. a) a c) do C.P.P. e Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, de 19.10).
No caso, vistas as conclusões apresentadas em sede recursória, constitui objeto do recurso, apreciar:
a) Da nulidade insanável prevista no art.º 119º, al. c) do C.P.P. e da violação do disposto no art.º 333º, n.ºs 1 a 3 do C.P.P.
b) Do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – art.º 410º, n.º 2, al. b) do C.P.P.
*

II.

Diligências e Despachos pertinentes para apreciação da causa.

O arguido foi notificado pessoalmente da data de julgamento no dia 11.04.2024 afirmando não ter disponibilidade para se deslocar ao tribunal.
O arguido foi notificado por carta para o seu endereço prestado no TIR da acusação e pedido de indemnização bem como para contestar e das datas de julgamento.
A sua advogada mandatada no processo foi igualmente notificada e nunca compareceu às audiências.
Aberta a audiência, verificou-se a ausência do arguido.
Teor da ata:

ACTA DE AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO
Data e hora: 15 de Abril de 2024, pelas 09h15m
Local: Sala de Audiência n.º 1, do Núcleo (do Palácio da Justiça) de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juiz de Direito: Dr. CC
Magistrado do Ministério Público: Dr. DD
Oficial de Justiça: Dr. EE
***

Sendo a hora marcada, publicamente e de viva voz, identifiquei os presentes autos de Processo Comum (Tribunal Singular), em que são:
Autor: Ministério Público;
Assistente/Demandante/Ofendido: BB;
Arguido/Demandado: AA,
e de imediato procedi à chamada de todas as pessoas que nele devem intervir, após o que comuniquei verbalmente ao Mm.º Juiz de Direito, o rol dos presentes e dos faltosos (art.º 329º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, a seguir C.P.P.), a saber:
PRESENTES:
Assistente: BB,
Mandatários do Assistente: Dr. FF e GG;
1 Defensor com substabelecimento, com reserva, junto aos autos – cfr. ref.ª n.º 159.686.65, de 04-04-2024 do processo electrónico [P.E.]
2 Defensora [Senior Partner] da Sociedade de Advogados «A.... R.L.», com procuração junta aos autos a seu favor – cfr. ref.ª n.º 134.102.36, de 01-09-2022 do P.E.
Defensora Oficiosa do Arguido: HH;
3 Ilustre Defensora, portadora da Cédula Profissional n.º 49077p, já nomeada por ordem do Mm.º Juiz na anterior sessão de julgamento (entretanto dada sem efeito a sua presença naquela sessão em virtude do adiamento da mesma), mantendo-se a nomeação na presente data, uma vez que a mandatária do arguido, a causídica II, apesar de válida e regularmente notificada, não compareceu nem apresentou qualquer justificação para a sua ausência, encontrando-se incontactável – cfr. ref.ªs n.º 132.432.603 [despacho de (re)agendamento de julgamento] e 132.433.370 [notificação da defensora constituída do arguido: actividade inserida em 04-04-2024, pelas 15h29m22s e lida em 04-04-2024, pelas 23h39m46s, conforme certificação Citius], ambas de 04-04-2024 do P.E.
4 Testemunha comum ao Assistente.
7 Cfr. ref.ª n.º 160.050.69, de 11-04-2024 do P.E.
8 Vd. ref.ª n.º 132.660.022, de 15-04-2024 do P.E.
9 Cfr. ref.ª n.º 132.433.370, de 04-04-2024 do P.E.
Testemunha arrolada pelo Ministério Público: JJ;
Testemunhas arroladas pelo Assistente: KK e LL.
FALTOSOS:
Arguido: MM,
Mandatária do Arguido: II.
5 Válida e regularmente notificado – vd. ref.ªs n.º 132.433.403, de 04-04-2024 [nossa notificação por via postal simples com prova de depósito na morada do T.I.R.]; 132.433.914 e 132.434.233, ambas de 04-04-2024 [nossa notificação pessoal do arguido por O.P.C.]; 160.050.69, de 11-04-2024 [prova de depósito], todas do P.E.
6 Válida e regularmente notificada – cfr. ref.ª n.º 132.433.370 [notificação da defensora constituída do arguido: actividade inserida em 04-04-2024, pelas 15h29m22s e lida em 04-04-2024, pelas 23h39m46s, conforme certificação Citius] de 04-04-2024 do P.E.
*
Logo de imediato, não se encontrando presentes o arguido e a sua Ilustre Mandatária na hora designada para a audiência de julgamento, consignamos o seguinte:
relativamente ao arguido, apesar de válida e regularmente notificado na morada constante do T.I.R.7, contactado telefonicamente [n.º ...80, pelas 09h56m04s]8, informou que em face da sua residência em ..., não tinha como se deslocar ao Tribunal, razão pela qual não poderia comparecer; quanto à sua Defensora, a Sr.ª Dr.ª II, encontrando-se válida e regularmente notificada9, tentámos por diversas vezes estabelecer contacto telefónico com a mesma [n.º ...43, pelas 09h23m44s, 09h24m19s, 09h24m56s e 09h28m04s]10, mas tal não se mostrou exequível, porquanto nunca atendeu nenhuma das nossas tentativas de chamada;
no que toca à nomeação (por ordem expressa do Mm.º Juiz de Direito) de novo Defensor ao arguido: o não sendo possível a efectivação da nomeação através da plataforma de apoio aos Tribunais - Citius, uma vez confrontados com a mensagem de «indisponível ou incontactável»;

o tentámos contactar a linha de apoio telefónico da Ordem dos Advogados (Lisboa) disponibilizada para o efeito (apoio judiciário, através do n.º ...64, pelas 09h46m16s, 09h47m53s, 09h51m13s, 09h53m42s, 09h53m55s e 10h04m14s)11, mas também não se mostrou possível, em virtude daquela linha se apresentar sempre com sinal de ocupado (efeito sonoro audível que indica falha na tentativa de conexão de uma chamada telefónica);

o nesse sentido, recorrendo à linha de apoio telefónico da Ordem dos Advogados do Conselho Regional do Porto [n.º ...70, pelas 09h51m45s e 09h52m20s]12, deparámo-nos com a mesma situação – sinal de ocupado;

o desse modo, e como último recurso, recorrendo à Delegação da Ordem dos Advogados de ... (com o n.º ...56 ...78 ...55, pelas 10h04m32s)13, foi-nos transmitido que se mantinha a nomeação efectuada para a última sessão de julgamento (entretanto dada sem efeito em virtude do adiamento da mesma), na pessoa da Sr.ª Dr.ª HH (caso se verificasse disponibilidade da mesma);

10 Vd. ref.ª n.º 132.660.095, de 15-04-2024 do P.E.
11 Vd. ref.ª n.º 132.660.132, de 15-04-2024 do P.E.
12 Vd. ref.ª n.º 132.660.174, de 15-04-2024 do P.E.
13 Vd. ref.ª n.º 132.660.205, de 15-04-2024 do P.E.
▪ assim sendo, contactada a Ilustre Defensora agora nomeada, confirmou a sua disponibilidade para comparecer em audiência de discussão e julgamento, demorando cerca de vinte minutos.

*

Face ao exposto, este Tribunal aguardou a chegada da Ínclita Defensora Oficiosa nomeada ao arguido na presente data.
*

Após a requestada e necessária consulta dos presentes autos pela agora Defensora Oficiosa nomeada ao arguido, quando eram 10 horas e 43 minutos14, pelo Meritíssimo Juiz de Direito foi declarada aberta a audiência de discussão e julgamento.
14 E não antes em virtude de este Tribunal aguardar a chegada da Ilustre Defensora nomeada ao arguido e, nesse sentido, de a mesma ter solicitado o tempo necessário à consulta dos autos.
*

De imediato [10h43m], dada a palavra ao Insigne Magistrado do Ministério Público para se pronunciar quanto à falta de comparência do arguido, no uso da mesma, PROMOVEU (nos termos e com os fundamentos constantes da gravação), em síntese:
- encontrando-se o arguido válida e regularmente notificado para comparecer na presente sessão de julgamento, não comunicou a sua ausência nem apresentou qualquer justificação de falta, que se considere a mesma injustificada e, em consequência, seja o mesmo condenado em multa processual ao abrigo do artigo 116.º do C.P.P., devendo dar-se início à presente audiência de julgamento ao abrigo do artigo 333.º do C.P.P.
*
Dessarte, a fim de se pronunciarem quanto ao ora promovido, dada a palavra:
- [10h44m] ao Digno Mandatário do assistente, no uso da mesma, DISSE (nos termos e com os fundamentos constantes da gravação), em síntese, nada ter a opor, aderindo aos fundamentos elencados pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público;
- [10h44m] à Ilustre Defensora do arguido, no uso da mesma, DISSE (nos termos e com os fundamentos constantes da gravação), em síntese, nada ter a opor.
*

Por conseguinte, pelo Mm.º Juiz de Direito foi proferido [10h44m] o seguinte:
DESPACHO
«Uma vez que o arguido se encontra válida e regularmente notificado na morada constante do T.I.R. de fls. 130 dos autos, não comunicou a impossibilidade de comparência, nem apresentou qualquer justificação da falta, julga-se a sua falta injustificada e, em consequência, condena-se o mesmo na multa processual que se fixa em duas (2) unidades de conta [€ 204,00] – art.º 116.º do C.P.P.
Após considerar não se afigurar absolutamente imprescindível para a descoberta da verdade material a presença do arguido desde o início da audiência, determina-se que a mesma se inicie na sua ausência, ao abrigo do disposto no artigo 333.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.P., sem prejuízo do n.º 3 da mesma disposição legal.
Mais se determina que sejam efectuadas pesquisas nas bases de dados disponíveis da Segurança Social, a fim de aferir se o arguido é titular de rendimentos registados; assim como na base de dados de pesquisa de reclusos, a fim de acautelar eventual situação de privação da liberdade.
Notifique.»
*

Concomitantemente:
- foram todos os presentes notificados do douto Despacho que antecede, como é devido;
- e, em conformidade, consignamos os resultados das respectivas pesquisas previamente realizadas aquando da preparação dos trabalhos para a anterior sessão de julgamento - cfr. ref.ªs n.º 159.293.30 («Consulta Beneficiário Segurança Social») e 159.293.97 («Pesquisa On Line de Recluso»), ambas de 25-03-2024 do P.E.
*

De seguida, o Mm.º Juiz de Direito deu a palavra ao Insigne Procurador da República e aos Ilustres Defensores do assistente e do arguido, respectivamente, tendo os mesmos dito nada terem a requerer e prescindirem das exposições introdutórias.
*

Após ter feito uma exposição sucinta sobre o objecto do processo, nos termos do art.º 339.º do C.P.P., o Mm.º Juiz de Direito deu a palavra ao Digno Procurador da República e aos Distintos Advogados presentes, para cada um deles indicar, se assim o desejassem, sumariamente, os factos que se propunham provar; tendo todos dessa prerrogativa prescindido.
*

In continenti, o Mm.º Juiz de Direito passou a ouvir o depoimento do(…)”

A Srª mandatária do arguido apresentou um requerimento que deu entrada na véspera desta audiência cujo teor foi:
“AA, arguido nos autos supra identificados, vem muito respeitosamente expor e requerer a V. Exa. O seguinte:
O arguido foi notificado pessoalmente no passado dia 11.04.2024, da marcação da audiência de julgamento, ficando surpreendido uma vez que não recebeu qualquer notificação desde a altura em que foi interrogado na PSP.
Compulsados os autos verifica-se que o arguido foi notificado por via postal com prova de depósito para a morada constante do TIR, mas a realidade é que tais notificações nunca chegaram ao conhecimento do arguido, a que não é alheio o facto de ser frequente a confusão com o número e a Letra C, havendo já várias reclamações de extravio de correio.
Ora, a realidade é que a notificação da acusação, Pedido de indemnização civil e marcação de julgamento noa ternos do n.º 10 do art.º 113º do CPP têm de ser efetuadas ao arguido.
Ora, através da mera notificação ocorrida por via postal simples e até ao defensor, infere-se que a ausência de notificação pessoal configura a lesão e violação das garantias de defesa contidas nos artigos. 32º n.º1 e 20º n.º1 e 4 da CRP.
Assim, verifica-se nesta parte a inconstitucionalidade do artº 113 n.º1 c) e nº 3 do CPP, por dupla violação, quer do art. 32º n.º1 quer do art. 32º nº 1 e 4 da CRP.
Tal significa que, tendo o arguido sido apenas notificado pessoalmente da data de julgamento, acusação e pedido de indemnização no dia 11.04.2024, ainda está em curso o prazo para a sua Defesa, seja para abrir instrução se assim entender, ou para apresentação de contestação.
Assim, requer-se muito respeitosamente a V. Exa. se digne dar sem efeito as datas já designadas, permitindo ao arguido o exercício do seu direito de defesa.
Pede e espera de V. Ex.a. Deferimento.
A ADVOGADA,”

Sobre esse requerimento incidiu despacho judicial com o seguinte teor:
“Por requerimento de 15/04/2024, vem o Arguido AA alegar que, no âmbito destes autos, apenas foi notificado pessoalmente no dia 11/04/2024 da data designada para audiência de julgamento, porquanto apesar de ter sido notificado por via postal com prova de depósito para a morada constante do Termo de Identidade e Residência (doravante, TIR), tais notificações nunca chegaram ao conhecimento do Arguido por um erro frequente no número e letra da residência deste, requerendo, por isso, dar sem efeito as datas designadas para audiência de julgamento de forma a permitir o exercício do seu direito de defesa.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido do Arguido se considerar regularmente notificado para a morada do TIR.
Cumpre apreciar e decidir.
Determina o art. 113.ºdo Código de Processo Penal (doravante, CPP) que “1 – As notificações efetuam-se mediante: a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado; b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados; c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos; ou d) Editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente o admitir.
[…]
3 – Quando efetuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exato do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efetuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do ato de notificação.
[…]
10 – As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à contestação, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado, sendo que, neste caso, o prazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efetuada em último lugar”.
Por sua vez, o art. 196.º do CPP prevê que “1 – A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250.º.
2 – Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.
3 - Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:
[…] c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, exceto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento”.
Sobre esta forma de notificação ao arguido o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro discorre que “[a] aplicação das normas do Código de Processo Penal revela que ainda persistem algumas causas de morosidade processual que comprometem a eficácia do direito penal e o direito do arguido «ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», nos termos do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, tornando-se assim imperioso efectuar algumas alterações no processo penal de forma a alcançar tais objectivos. […] Assim sendo, como a constituição de arguido implica a sujeição a esta medida de coacção [TIR], justifica-se que as posteriores notificações sejam feitas de forma menos solene, já que qualquer mudança relativa a essa informação deve ser comunicada aos autos, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento. Deste modo, assegura-se a veracidade das informações prestadas à autoridade judiciária ou policial pelo arguido […]”.
Ora, a prestação do TIR está diretamente relacionada com a utilização de um procedimento de notificação mais ágil e expedito, com vista a obstar delongas ou entraves nesse âmbito e que poderia entorpecer a normal tramitação processual, sem que fiquem prejudicados os princípios da segurança e certeza nesse domínio.
Com a prestação do TIR, o arguido é advertido de que posteriores notificações no âmbito do processo serão realizadas por via postal para a morada por ele indicada, exceto se comunicar outra morada na pendência do processo.
No caso em concreto, o Arguido prestou TIR (a fls. 130) indicando como morada para notificações a Rua ..., ... ....
Compulsados os autos, constata-se que o Arguido foi notificado na morada por si indicada no TIR, com prova do depósito:
- da dedução de acusação pública e particular (a fls. 179);
- do despacho de recebimento de acusação e para apresentar contestação e rol de testemunhas (ref. n.º 14808388);
- do despacho de marcação de audiência de julgamento (ref. n.º 15307488);
- do despacho para apresentar contestação quanto ao pedido de indemnização civil pelo crime de injúrias (ref. n.º 15855249) e
- do despacho de nova marcação de audiência de julgamento (ref. n.º 16005069).
É consabida a obrigatoriedade da notificação ao próprio arguido do despacho de acusação, do despacho para apresentação de contestação e do despacho que designa data para audiência de julgamento.
E do requerimento apresentado pelo Arguido, este não coloca em causa que foram expedidas para a morada indicada no TIR a notificação da acusação, do despacho de recebimento e ordenou a sua notificação para contestar e ainda do despacho que designou data para audiência, sendo que isso mesmo resulta comprovado dos autos como supra exposto.
Aliás, este nem sequer coloca em causa que as notificações tenham sido depositadas no recetáculo existente na morada indicada no TIR, alega sim – e de forma abstrata –, que “tais notificações nunca chegaram ao conhecimento do arguido, a que não é alheio o facto de ser frequente a confusão com o número e a Letra C, havendo já várias reclamações de extravio de correio”.
Diga-se que, indubitavelmente se mostra cumprido o determinado no art. 113.º, n.º 3 do CPP, dado que as cartas expedidas foram depositadas no recetáculo existente no endereço postal indicado pelo Arguido e, de igual forma, se mostra verificada a observância do art. 113.º, n.º 10 do CPP, não existindo qualquer violação destes normativos.
Quanto ao alegado desconhecimento efetivo do Arguido das notificações note-se que, “[o] facto de, após o depósito no receptáculo postal do domicílio indicado no TIR, ter ocorrido a devolução da carta, designadamente com a indicação de ser “desconhecido na morada”, não é relevante, pois que foram cumpridos os procedimentos legais da notificação. E tanto basta para que a notificação se considere regularmente efectuada, não se exigindo a confirmação de que a carta/notificação chegou efectivamente ao conhecimento do arguido. Se existisse a exigência de confirmação do conhecimento do teor da notificação por parte do arguido, seu destinatário, naturalmente que o legislador não teria adoptado este tipo de procedimento para a notificação. E nesse caso o TIR não passaria de uma mera formalidade, pois não serviria para nada. O que releva é ter-se efectuado o depósito da carta de notificação, nos termos legais, de modo a que o destinatário pudesse ter conhecimento do seu conteúdo. E neste caso a notificação considera-se efectuada, independentemente de esse conhecimento se ter verificado. A exigência legal é que a carta seja depositada, assim a fazendo chegar à esfera de conhecimento do destinatário” (cfr. Acórdão do Tribunal da relação do Porto de 17/05/2023, proferido no âmbito do processo n.º 7/18.1GAOBR-A.P1 e, no mesmo sentido, inter alia, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04/06/2015, proferido no âmbito do processo n.º 3/03.3IELSB.L1-9, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18/12/2008, proferido no âmbito do processo n.º 08P2816 e de 31/01/2008, proferido no âmbito do processo n.º 07P3272, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Por conseguinte, tendo em consideração que o arguido se considera notificado mesmo nos casos em que a notificação, devidamente depositada nos termos do art. 113.º, n.º 3 do CPP, é devolvida, por maioria de razão tem de se considerar notificado o Arguido que, tendo as notificações sido devidamente depositadas na caixa postal existente na morada por si indicada no TIR, não tendo estas sido devolvidas, o Arguido considera-se validamente notificado de todas as notificações endereçadas para a morada por si indicada no TIR.
Aliás, preconizar o entendimento do Arguido acarretaria uma manifesta e propositada inviabilização do TIR, desvalorizando e relegando para um plano secundário as obrigações a que aquele se encontra adstrito e as advertências que lhe são dirigidas aquando da prestação de tal medida de coação, designadamente a expressa no art. 196.º, n.º 3, al. c) do CPP.
Em face de todo o exposto, indefere-se o requerido mantendo-se toda a tramitação já realizada.
Notifique.”
O despacho foi notificado ao arguido e não foi alvo de recurso por parte do mesmo.
Antes de concluída a produção de prova, o Mm.º Juiz de Direito deu a palavra ao Exmo. Sr. Procurador da República e à Ilustre Mandatária do assistente e defensora do arguido, respetivamente, tendo os mesmos dito nada mais terem a requerer.
De imediato, encerrada a prova e na ausência de quaisquer requerimentos, pelo Mm.º Juiz de Direito foi concedida a palavra, sucessivamente, ao Digníssimo Representante do Ministério Público
[11h37m] e aos Ínclitos Defensores do assistente [11h42m] e do arguido [11h45m], para, em alegações orais, exporem as conclusões de facto e de direito que hajam extraído da prova produzida.
Foi logo marcado o dia 29 de Abril para leitura de sentença, para cuja data foi a sua mandatária notificada e o arguido notificado pessoalmente e também por via postal para o endereço constante do TIR.
Nem um nem outro compareceram.
O arguido foi notificado pessoalmente da sentença no endereço entretanto apurado pela autoridade policial.

Apreciando.

O texto apresenta recurso argumentando que a audiência de julgamento foi nula devido à ausência do arguido, apesar de notificado, sem que o tribunal tivesse tomado medidas para garantir a sua comparência. A defesa alega violação dos direitos de defesa e do princípio do contraditório, questionando a validade da condenação e da pena aplicada, por falta de investigação sobre a situação pessoal do arguido, essencial para a individualização da pena. Sustentando a necessidade de anulação da sentença e repetição do julgamento. A falta de relatório social e a omissão de diligências para apurar a situação pessoal do arguido são apontados como vício processual da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Argumenta-se que a conduta do tribunal lesou as seguintes garantias de defesa do arguido:
Direito à defesa: O arguido foi notificado da acusação e do julgamento por via postal, mas alega que nunca recebeu as notificações, pelo que a falta de notificação pessoal violou o direito à defesa, garantido pelos artigos 32º n.º 1 e 20º n.º 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Direito a estar presente nos atos processuais: O artigo 332º do Código de Processo Penal (CPP) estabelece que a presença do arguido na audiência é obrigatória. Apesar da ausência do arguido, o tribunal deu início à audiência sem tomar medidas para garantir a sua comparência, pelo que violou o direito do arguido a estar presente nos atos processuais que lhe dizem respeito, previsto no artigo 61º n.º 1 do CPP.
Princípio do contraditório: A ausência do arguido na audiência impediu o exercício pleno do contraditório, essencial para a garantia de um julgamento justo. O arguido não teve a oportunidade de se defender, confrontar as provas e influenciar o curso do processo.
Princípio da oralidade e imediação: A realização da audiência na ausência do arguido impediu o contacto direto do tribunal com o mesmo, prejudicando a avaliação da sua personalidade e a credibilidade das declarações prestadas.
Direito a uma decisão fundamentada: Ao proferir a sentença condenatória sem obter informações sobre a situação pessoal do arguido, violou o direito a uma decisão fundamentada. A falta de elementos sobre a personalidade do arguido impossibilitou a individualização da pena e a ponderação das exigências de prevenção especial.

Da nulidade.
A invocação desta nulidade sustenta-se no facto de o arguido afirmar que, apesar de notificado por via postal, não teve conhecimento da acusação, do pedido de indemnização civil e da marcação do julgamento. Sustenta que a falta de notificação pessoal constitui violação das garantias de defesa, nomeadamente o direito à defesa e o direito a estar presente nos atos processuais.
O facto de o tribunal ter dado início à audiência mesmo com a ausência do arguido, sem tomar medidas para garantir a sua comparência traduz uma violação do artigo 333º do CPP, que obriga o juiz a tomar medidas para a comparência do arguido em caso de falta.
A realização da audiência na ausência do arguido impediu o exercício pleno do contraditório, prejudicando a sua defesa. A falta de contacto direto com o arguido também prejudicou a avaliação da sua personalidade e a produção de prova sobre a sua situação pessoal, essencial para a individualização da pena.
A violação destas garantias de defesa configuraria nulidade insanável, conforme previsto no artigo 119º do CPP, devendo o tribunal proceder à repetição da audiência de julgamento.

Uma primeira nota para referir que o arguido não reagiu atempadamente ao despacho que indeferiu a pretensão do mesmo sustentada na sua não notificação.
Efetivamente na sequência do requerimento apresentado pelo arguido, o tribunal a quo em despacho devidamente fundamentado e cujo teor se subscreve por evidenciar a correta interpretação das normas legais em vigor nele mencionadas e jurisprudência pertinente que se subscreve decidiu e bem que a pretensão do arguido era de indeferir.
De todo o modo sempre se dirá que a decisão do tribunal, ao prosseguir com o julgamento na ausência do arguido, baseia-se em jurisprudência que permite o julgamento sem a presença do arguido quando esta não é essencial à descoberta da verdade e as garantias de defesa são asseguradas.
O processo legal português inclui mecanismos específicos para proteger os direitos do arguido, mesmo quando este está ausente do julgamento.
O arguido tem o direito de ser notificado de todos os atos processuais importantes, como a acusação e a data do julgamento. A lei prevê a notificação por via postal simples com prova de depósito para a morada indicada pelo arguido no Termo de Identidade e Residência (TIR). Mesmo que a carta seja devolvida por "morada insuficiente" ou "mudou-se", a notificação é considerada válida, pois o ónus de manter o tribunal informado sobre qualquer mudança de morada recai sobre o arguido. Esta regra visa evitar atrasos processuais e responsabilizar o arguido pelo bom andamento do processo, vide arts. 113º, n º 1, 3 e 10 e art. 196º, n º 1, 2, 3, al. c) ambos do CPP.
Embora a presença do arguido no julgamento seja a regra, o tribunal pode, em certas circunstâncias, considerar a sua presença desnecessária para a descoberta da verdade. Neste caso, o julgamento pode prosseguir na ausência do arguido, desde que este tenha sido devidamente notificado e seja representado por um defensor. O defensor tem o direito de solicitar a audição do arguido numa data posterior, caso considere a sua presença essencial para a defesa.
Ora de acordo com os documentos, as notificações são válidas e regulares.
De facto, o arguido prestou Termo de Identidade e Residência (TIR) indicando uma morada para futuras notificações. A lei processual penal portuguesa (artigo 196º, nºs 2 e 3, alínea c) permite que as notificações subsequentes sejam feitas por via postal simples para a morada indicada no TIR, a menos que o arguido comunique uma alteração. No caso em análise, as notificações foram enviadas por via postal simples com prova de depósito para a morada indicada no TIR.
A jurisprudência portuguesa tem o entendimento pacífico de que, mesmo que as cartas enviadas por via postal simples com prova de depósito sejam devolvidas com menções como "endereço insuficiente", "ausência de recetáculo" ou "mudou-se", as notificações continuam a ser consideradas válidas. Isto porque o ónus de comunicar qualquer alteração de morada ao tribunal recai sobre o arguido. No caso não houve sequer devolução.
De todo o modo a alegação pelo arguido recorrente de que haveria confusão de endereços, não foi acompanhada de qualquer tipo de prova que pudesse suscitar alguma dúvida ao tribunal acerca do destino das cartas enviadas. As cartas foram devidamente depositadas e nada foi demonstrado por parte do arguido que tivessem sido extraviadas.
O artigo 113º do Código de Processo Penal estabelece uma presunção iuris tantum de que a notificação por via postal simples foi efetuada. Cabe ao arguido, portanto, o ónus de provar que não recebeu a notificação por razões que não lhe são imputáveis. No caso em questão, o arguido não conseguiu ilidir essa presunção, limitando-se a alegar que era frequente a confusão com o número e a letra da sua morada.
Mas mais, o arguido foi notificado pessoalmente da data do julgamento. Mesmo que houvesse alguma irregularidade nas notificações anteriores, essa irregularidade estaria sanada nos termos do artigo 123º do Código de Processo Penal, pois o arguido não a alegou tempestivamente (foi notificado da acusação e para contestar o pedido cível) na pessoa também da sua advogada e nada veio alegar a propósito e nem apresentou prova de que as notificações não foram efetuadas. Mas mesmo o requerimento do arguido apresentado na véspera da audiência tendo sido alvo de despacho judicial que indeferiu a pretensão daquele, notificado não foi alvo de impugnação pelo que transitou em julgado.
Em conclusão, as notificações enviadas ao arguido são consideradas válidas, mesmo com a possibilidade de devolução das cartas. A lei processual penal portuguesa atribui ao arguido a responsabilidade de manter o tribunal informado sobre a sua morada correta e impõe-lhe o ónus de provar que não recebeu as notificações por motivos alheios à sua vontade.
Doutra banda sendo a presença do Arguido em Julgamento um Direito Fundamental, o mesmo admite Exceções.
De facto, a presença do arguido em julgamento é um direito fundamental no sistema jurídico português, garantindo o contraditório, a ampla defesa e a possibilidade de o arguido participar ativamente na sua defesa. No entanto, a lei prevê exceções a essa regra.
O artigo 332º, nº 1 do Código de Processo Penal português estabelece a regra da obrigatoriedade da presença do arguido na audiência de julgamento. Contudo, os artigos 333º e 334º do mesmo código apresentam exceções a essa obrigatoriedade.
O caso sub judice encaixa-se na exceção prevista no artigo 333º, nº 2 do Código de Processo Penal. O tribunal, considerando a natureza do processo e a ausência injustificada do arguido, decidiu que a presença do arguido não era essencial para a descoberta da verdade e para uma justa decisão da causa.
Contudo, mesmo com a dispensa da presença do arguido, diversas garantias processuais foram asseguradas, desde logo:
-O arguido foi devidamente notificado da data do julgamento, tanto por via postal como por contacto pessoal.
-O arguido foi representado por uma defensora oficiosa durante todo o processo, garantindo a sua defesa técnica e mesma não colocou em causa a realização do julgamento na ausência do arguido.
A defensora oficiosa poderia ter requerido a audição do arguido numa data posterior, caso entendesse ser crucial para a defesa, o mesmo sucedendo com a sua mandatária que foi sendo notificada para os diferentes atos.
Por sua vez, o Acórdão Uniformizador de jurisprudência nº 9/2012 de 08.03.12, in DR de 10.12.2012 do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) reforça a validade da decisão do tribunal no caso em análise. O STJ afirmou que, se o arguido for regularmente notificado e faltar injustificadamente ao julgamento, o tribunal pode dar início ao julgamento sem tomar medidas adicionais para garantir a sua presença.
Se o arguido, estando regularmente notificado, (bastará a notificação por via postal simples, com prova de depósito, para a morada indicada no termo de identidade e residência, cf. art 196º faltar á audiência de julgamento, sem que tenha comunicado e justificado a falta de comparência (nos termos do art. 117º1-2-3) presume-se a falta injustificada (com a inevitável condenação no pagamento de multa e das despesas, conforme prevê o art. 116º).
Seguidamente, o presidente, faz um obrigatório juízo de avaliação (ouvido o M.P. e os advogados) sobre se a presença do arguido é ou não «absolutamente indispensável» á descoberta da verdade desde o inicio da audiência.
Se tal juízo for negativo, não considerando «absolutamente indispensável a presença do arguido, deve iniciar imediatamente o julgamento, sem a presença do arguido (quer ele tenha justificado ou não a sua falta, nos termos do art. 117º podendo finalizá-lo na mesma sessão com prolação da sentença, exceto se o defensor requerer a audição do arguido na segunda data designada, nos termos do n.º 3.
Durante muito tempo, entendeu-se que mesmo nestas circunstâncias, devia o Juiz ordenar todas as diligências necessárias a obter a comparência do arguido no julgamento, na sessão de julgamento seguinte, sob pena de nulidade, o que até parece contraditório. O acórdão infra do STJ, pôs termo a essa interpretação afirmando:
«Notificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente à mesma, se o tribunal considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do nº 1 do artigo 333º do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do n.º3 do mesmo artigo».
A falta de tomada de medidas, coativas para obter o comparecimento do arguido, por parte do Tribunal, não é cominada pela lei com qualquer sanção, donde não constitui nulidade (art. 118º-1 e 120º-1 CPP) e muito menos insanável, dado que a lei permite (art. 332º-1 CPP) e até impõe (art. 333º-1-2 CPP) a realização do julgamento do arguido na sua ausência em caso de regular notificação e prestação de TIR e se porventura se pudesse considerar uma irregularidade, ela não foi tempestivamente arguida, como não afeta o valor do julgamento realizado (art. 123º CPP)” (Ac. TRP de 27.05.2009, in, www.pgdlisboa.pt).

“A ausência do arguido ou do seu defensor só constitui a nulidade (insanável) prevista na al. c), do art. 119º, do CPP, pelo recorrente invocada, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência. Tal questão apenas poderia colocar-se se a Ilustre Defensora do arguido tivesse requerido a audição deste ou o tribunal a considerasse necessária para a descoberta da verdade.” (Ac. TRL de 24.01.2008, proc. 10744/07-9, in, www.dgsi.pt).

O julgamento na ausência, nessas condições, estando o arguido representado por defensor oficioso e sendo respeitadas as demais exigências legais impostas pelos nºs. 1, 2 e 3 do artigo 333º do CPP, garantindo-se além disso, o direito ao recurso com a exigência de notificação pessoal do arguido (pela sua voluntária apresentação ou através da sua detenção), não viola o essencial dos direitos de defesa, de presença e de audição, como se ponderou nos Acórdãos do TC n.º 206/2006, de 22.03, processo n.º 676/2005, e n.º 465/2004, de 23.06, processo n. 249/2004. (Ac. STJ de 31.01.2008, proc. n.º 3272/07.

“1- Seja porque o tribunal considere que a presença do arguido desde o início da audiência não é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material, seja porque a falta do arguido tem como causa os impedimentos enunciados nos nºs. 2 a 4 do artigo 117º (nos quais se inclui a doença), a consequência é sempre a mesma: a audiência não é adiada (nº 2 do artigo 333.º do CPP). 2- Em ambas as situações o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, e se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido, pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do artigo 312.º, nº 2, do CPP, como resulta do nº 3 do artigo 333º, do CPP. Vale isto por dizer que a lei equipara as duas situações para aqueles efeitos. 3-A ausência do arguido ou do seu defensor só constitui a nulidade (insanável) prevista na alínea c) do artigo 119º do CPP, pelo recorrente invocada, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência. Tal questão apenas poderia colocar-se se a Ilustre Defensora do arguido tivesse requerido a audição deste ou o tribunal a considerasse necessária para a descoberta da verdade. (Ac. do TRL de 14.9.2009, proc. n. 100744/07).”

No equilíbrio entre a necessidade de celeridade processual e a garantia dos direitos do arguido, a decisão de dispensar a presença do arguido foi tomada com cautela, considerando todas as circunstâncias do caso e as possíveis implicações para a defesa.
A presença do arguido em julgamento, embora seja um direito fundamental, não é, pois, absoluta.
O tribunal pode dispensar a presença do arguido em situações específicas, desde que sejam asseguradas as garantias processuais e a decisão seja devidamente fundamentada. O caso dos presentes autos ilustra a aplicação dessa exceção, com a devida observância dos direitos do arguido e a busca por uma decisão justa e célere.
O tribunal, analisando o caso, concluiu que a presença do arguido não era crucial para apurar a verdade dos fatos. Essa decisão baseou-se na natureza do processo – crimes de ameaça e injúria – e na avaliação de que as provas existentes seriam suficientes para formar o juízo do tribunal. Além disso, o arguido estava representado por uma defensora oficiosa, que não solicitou a sua audição em momento algum.
Donde pode concluir-se que não existe qualquer nulidade processual a respeito.

Do alegado vício da decisão.

Nos termos do art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P. «Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova».
Assim e como decorre expressamente da letra da lei, qualquer um dos elencados vícios tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que à dita decisão sejam exógenos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo no julgamento, salientando-se também que as regras da experiência comum “não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece” [Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, pág. 338/339], isto é, qualquer um dos referidos vícios tem de existir «internamente, dentro da própria sentença ou acórdão» [Germano Marques da Silva, op. cit., pág. 340].
No caso específico do vício decisório prevenido na al. a), a indicada insuficiência determina a formação incorreta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas. A matéria de facto (não os meios de prova que a sustêm) é insuficiente para fundamentar a solução de direito correta, legal e justa, estando, pois, associado à insuficiência da matéria de facto para a decisão, o que não se confunde com insuficiência de prova.
No segundo caso, o da “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. b), este consiste na incompatibilidade, de inviável ultrapassagem através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal vício ocorre quando um mesmo facto, obviamente com interesse para a decisão da causa, seja julgado como provado e não provado simultaneamente e logicamente anulando-se, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode prevalecer, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Por fim, o invocado “erro notório na apreciação da prova”, prevenido no inciso da al. c), ocorre quando um homem, medianamente sagaz, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente intui e percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou que efetuou uma apreciação notoriamente errada, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou inverosímeis.

No acaso em apreço invoca-se o vicio da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão porquanto não foi junto ao processo relatório social atinente ao arguido.
Com bem refere Fernando Gama Lobo em Código Processo Penal anotado, 2ª ed. 2017. “A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada: É um vicio endógeno da sentença, que se encontra previstos no art. 410º-2- a), isto é, tem que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum. Conforme o seu nomem júris, é um erro que tem assento exclusivamente na matéria de facto considerada provada; já não na não provada. Nada tem a ver com erro de julgamento em matéria de facto, que analisámos supra (confusão tantas vezes feita nos recursos). Em todo o caso, entre o erro/nulidade de "omissão de pronúncia" e este erro/vicio, existe uma relação de causa e consequência.
É unânime a jurisprudência no sentido de que só existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando do acervo de factos vertidos na sentença se constata faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados e julgados (provados ou não provados), são necessários para se formular um juízo seguro de condenação (ou absolvição) e se determinar a natureza e a medida da sanção; ou, noutra formulação, quando a matéria de facto considerada provada na sentença, é insuficiente para fundamentar a solução de direito correta, legal e justa, o que se verifica quando o tribunal recorrido deixou ou não conseguiu apurar matéria de facto que lhe cabia apurar dentro do objeto do processo, tal como este está configurado pela acusação e pela defesa, o que conduz à formação incorreta de um juízo, porque a conclusão ultrapassa as premissas ou nelas não se ancora. É, em suma, um problema lacunar de raciocínio, Na alegação deste vício da sentença, importa que o recorrente invoque a factualidade considerada provada (não releva a não provada) e a confronte com a decisão sobre a matéria de facto evidenciando a falta de elementos para a conclusão, sem invocação de elementos exteriores. O vício é puramente lacunar e puramente endógeno da sentença. Obviamente, nada tem a ver com o entendi- mento pessoal do recorrente sobre a prova produzida. Não deve ele confundir o que foi considerado provado, com aquilo que ele recorrente, considerará ter-se provado (se quiser assim proceder, terá de ir pela via do erro de julgamento).
Em suma; se as premissas da sentença, no que toca á matéria de facto, são suficientes para se alcançar a conclusão condenatória que se alcançou, então não há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; se os factos reportados na sentença como provados, não constituem um acervo factual de elementos, inclusivamente de ordem típica, que consubstanciem o necessário e suficiente para se chegar á conclusão condenatória a que se chegou, então, há insuficiência para a decisão da matéria de facto considerada provada.
"o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão exige que deixe de ser apurada matéria factual relevante, não se mostrando elencado o imprescindível núcleo de factos que o concreto objecto do processo reclama face a equação jurídica a resolver no caso" (Ac. TRL de 23.03.2006, Proc. n.° 06P959, in, www.dgsi.pt.).”

Da análise do texto decisório não se verifica que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito. E só existe se o tribunal deixar de investigar o que devia e podia, tornando a matéria de facto insuscetível de adequada subsunção jurídico-criminal, “pressupondo a existência de factos constantes dos autos ou derivados da causa, que ainda seja susceptivel apurar, sendo esse apuramento necessário para a decisão a proferir. (Ac. do STJ de 18.11.98, in, proc. n. 855/98).

Tudo o que havia para investigar foi investigado sendo que este vicio se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito. (Ac. TRC de 30.03.2011, proc. 10/10.0ÐÅÑÒB.Cl, in, www.dgsi.pt).

Ora, o relatório social visa informar o tribunal sobre as condições pessoais do arguido, mas o mesmo não é obrigatório em todos os casos. A sua necessidade é avaliada caso a caso, considerando a natureza do crime, a pena em causa e as informações já disponíveis nos autos.
No caso em questão, o tribunal considerou desnecessário o relatório social, pois o arguido tinha emprego, apenas um antecedente criminal antigo e os crimes em causa (ameaça e injúria) não justificavam pena de prisão.
A decisão de não realizar o relatório social pode ser contestada pelo arguido ou seu defensor, caso discordem da sua desnecessidade.
Contudo, no momento em que o tribunal decidiu dispensá-lo nada foi requerido em contrário.
E de facto o mesmo não era essencial para a determinação da pena.
Isto porque o arguido estava inserido profissionalmente, pois a averiguação que o tribunal determinou constatou que o mesmo estava empregado, demonstrando estabilidade profissional.
O arguido tinha apenas uma condenação anterior por um crime de ofensa a pessoa coletiva, ocorrido em dezembro de 2015.
Os crimes pelos quais o arguido foi condenado (ameaça e injúria) são puníveis com pena de prisão ou multa.
Considerando os fatores mencionados, a aplicação de pena de prisão seria desproporcional e inadequada, como aliás concluiu o tribunal a quo, pois se o entendesse de outra forma teria reaberto a audiência e solicitado o relatório como estipula o art. 371º do CPP.
As características do caso tornavam a pena de prisão uma possibilidade remota, tornando o relatório social desnecessário para a escolha da pena.
Por sua vez, não era necessário relatório social para determinar a medida da pena de multa, porquanto o tribunal, através de pesquisas nas bases de dados, apurou que o arguido recebia um salário mensal de 820,00€ até fevereiro de 2024.24.
E com base nessa informação, o tribunal fixou a taxa diária da multa em 7,00€, valor próximo do mínimo legal (5,00€), que se aplica a indivíduos sem rendimentos.
O tribunal a quo já dispunha, pois, de informação suficiente para determinar a pena de multa de forma justa, sem a necessidade de um relatório social.
A acrescer a realização de relatório social não é obrigatória, mas sim uma faculdade do tribunal, art. 370º do CPP.
O arguido, tendo sido notificado sobre as pesquisas realizadas pelo tribunal, teve ainda a oportunidade de apresentar informações adicionais sobre sua situação pessoal caso considerasse necessário e não o fez.
O arguido e a sua defensora, presente durante todo o processo e até ao encerramento da audiência de julgamento, não contestaram a decisão de não realizar o relatório social.
Tendo presente que o arguido AA foi condenado pela prática de:
Dois crimes de ameaça agravada previstos e punidos pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal (CP).
A pena aplicada para cada um dos crimes foi de 110 dias de multa.
Um crime de injúria previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1 do CP.
A pena aplicada foi de 45 dias de multa.
Em cúmulo jurídico, o arguido condenado a uma pena única de 185 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, a decisão do tribunal a quo de não solicitar um relatório social baseou -se numa análise criteriosa das circunstâncias do caso. A informação disponível nos autos era suficiente para determinar a pena de forma justa, sem a necessidade de um relatório social, pelo que a não realização do relatório social, neste caso específico, não configurou qualquer prejuízo para os direitos do arguido.
Assim se conclui que em face do texto da decisão nenhum vício se verifica.

Relativamente à constitucionalidade das normas penais em apreço -artigo 113.º, n.º 1, alínea c) e n.º 3 do Código de Processo Penal (CPP) devido à notificação da acusação por via postal simples por alegada dupla violação do artigo 32.º da CRP.
Pelas razões supra expostas pode constatar-se que nenhum direito fundamental se mostra violado na interpretação que das mesmas se fez. Mostra-se garantido o justo equilíbrio entre os valores em causa.
Acresce como bem refere o Sr. PGA esta questão de constitucionalidade não tem densidade normativa suficiente para desencadear uma fiscalização concreta da constitucionalidade.
A fiscalização de constitucionalidade é normativa, ou seja, incide sobre normas jurídicas e sua conformidade com a Constituição e não sobre processos ou decisões.


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Decisão:
Por todo o exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e em:
-Manter a decisão recorrida.

Custas da responsabilidade do arguido/recorrente que fixo em 4ucs.
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Sumário da responsabilidade do relator.
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Porto, 15 de janeiro 2025

Relator Paulo Costa
Adjuntos Luís Coimbra
José Quaresma