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REQUERIMENTO DE ABERTURA DA INSTRUÇÃO
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
Sumário
O assistente pode requerer a abertura da instrução relativamente a factos que constituam alteração substancial relativamente aos descritos na acusação pública. Se pretender apenas aditar factos que não constem da acusação deduzida, mas não constituam alteração substancial, deverá fazê-lo deduzindo acusação subordinada nos termos do disposto no art. 284 do CPP.
(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Texto Integral
Processo n.º 293/23.5GAMLD-A.P1
1. Relatório
No processo com o nº293/23.5GAMLD que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo de Instrução Criminal de Aveiro - Juiz 2 foi em 9/09/2024 proferido o seguinte despacho: «A assistente AA veio requerer, a fls. 859 e seguintes, a abertura de instrução. Nos termos do nº 1 do artigo 286º do Código de Processo Penal, a instrução tem como finalidade a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. No caso dos autos, o Ministério Público deduziu acusação pública contra o arguido, pela prática de um crime de violência doméstica e de um crime de detenção de arma proibida, expressando a assistente a sua concordância com o despacho proferido “com a reserva de que” (…) “existem outros factos que não constam da acusação, designadamente, que o arguido partiu o dedo anelar direito à assistente, demandando internamento com cirurgia na Hospital ... no Luxemburgo” (cfr. acusação “particular” e pedido de indemnização civil formulado a fls. 807 sgs). Ou seja, a assistente, fazendo uso da faculdade que a lei lhe confere, veio apresentar, no momento processualmente adequado, a sua acusação adicional. E tais factos terão necessariamente de ser considerados em sede de julgamento. Ora, se assim é, não existe qualquer fundamento válido para ser apresentado pela assistente o requerimento de abertura de instrução que agora se aprecia (conforme acima se referiu a instrução tem somente como finalidade a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito). Com efeito, a assistente, ao abrigo do disposto no artigo 284.º do Código de Processo Penal, aderiu à acusação pública e adicionou factos àquele que não importam uma alteração substancial. Pelo exposto, o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente não se mostra legalmente admissível, devendo por isso ser rejeitado. Nestes termos, sem necessidade de outras considerações, decide-se rejeitar o presente requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal da instrução. Custas pela assistente, com taxa de justiça reduzida ao mínimo, atenta a simplicidade da questão.»
Inconformada com despacho que rejeitou o requerimento de abertura da Instrução veio a assistente interpor o presente recurso.
O teor das conclusões do recurso é o seguinte: «1. O presente recurso tem por objeto a admissibilidade legal do requerimento de abertura de instrução; 2. A abertura de instrução é legalmente admissível, impondo-se a sua admissão e revogando-se a sua rejeição; 3. A recorrente inconformada com o despacho de acusação proferido pelo Ministério Público, requereu a abertura de instrução, pedindo a prolação de despacho de pronúncia do arguido pelos factos que ali se encontram omissos, não obstante constarem dos factos carreados para o Inquérito e denunciados; 4. Dispõem os referidos arts. 287º n.º 2, parte final e 283º n.º 3, als. b) e c), ambos do Código de Processo Penal, que o requerimento para abertura de instrução do assistente deve, além do mais, narrar, de forma sintética, os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como indicar as disposições legais aplicáveis; 5. A recorrente deu cumprimento ao determinado, porquanto, identificou o arguido a quem imputa os factos, narrou os factos integradores do tipo objetivo e subjetivo do ilícito criminal, identificou devidamente os ilícitos, indicou as disposições legais aplicáveis; 6. O requerimento de abertura de instrução contém, assim, a descrição dos factos necessária ao preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos dos crimes mencionados e que imputou ao arguido; 7. Menos se compreende o Tribunal a quo quando refere que, “(...) a assistente, fazendo uso da faculdade que a lei lhe confere, veio apresentar, no momento processualmente adequado, a sua acusação adicional. E tais factos terão necessariamente de ser considerados em sede de julgamento.”; 8. Referindo que está, ao que consta da acusação particular alegando “com a reserva de que” (…) “existem outros factos que não constam da acusação, designadamente, que o arguido partiu o dedo anelar direito à assistente, demandando internamento com cirurgia na Hospital ... no Luxemburgo.”; 9. Parece-nos ser manifestamente curto ou reduzido esta alegação, efectuada pela Assistente, para sustentar factos que queria levar à Acusação por via da pronúncia na Instrução; 10. E só por isso não desenvolveu os factos; 11. Por outro lado, de harmonia com o art. 311º nº 3, do CPP, a acusação considera-se manifestamente infundada: a) quando não contenha a identificação do arguido; b) quando não contenha a narração dos factos; c) se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as prova que a fundamentam; d) se os factos não constituírem crime. 12. Também o Tribunal Constitucional afirma, no Ac. nº 385/2004, de 19 de Maio de 2004, que “a estrutura acusatória do processo penal .... Impõe que o objecto do processo seja fixado com rigor e precisão adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução”. 13. Quando assim suceder, quando pela simples análise do requerimento para abertura da instrução, sem recurso a qualquer outro elemento externo, se dever concluir que os factos narrados pelo assistente jamais poderão levar à aplicação duma pena, então estaremos face a uma fase instrutória inútil. 14. Ou, conforme se refere no acórdão de fixação de jurisprudência, do STJ nº 7/2005 (D.R. nº 212 – S-A de 4-11-2005, “uma instrução que peque por défice enunciativo de factos susceptíveis de conduzir à pronúncia do arguido titularia um acto inútil que a lei não poderia admitir (art.º 137º do CPP)”. 15. O que significa que, a par de outros fundamentos da rejeição, que se reconduzem também a realidades de que deriva a inutilidade da instrução, se deva ter a instrução como legalmente inadmissível. 16. Também a jurisprudência tem considerado que “não faz sentido proceder-se a uma instrução visando levar o arguido a julgamento, sabendo-se antecipadamente que a decisão instrutória não poderá ser proferida nesse sentido”, cfr. ac. do STJ, de 22-10-2003 – Proc. n.º 2608/03-3, 17. entendendo ser de “rejeitar, por inadmissibilidade legal «vista a analogia perfeita entre a acusação e a instrução», o requerimento de abertura e instrução apresentado pelo assistente no qual este se limita a um exame crítico das provas alcançadas em inquérito ... e omite em absoluto a alegação de concretos e explícitos factos materiais praticados pelo arguido e do elemento subjectivo que lhe presidiu para cometimento do crime”, cfr. Ac. de 22-03-2006 – Proc. n.º 357/05-3 e de 07-05-2008 e Proc. n.º 4551/07-3; 18. E, mais especificamente, o Ac. de 7-12-1005 proferido no âmbito do Proc. n.º 1008/05, onde foi decidido, com um voto de vencido, que “se o requerimento do assistente para abertura da instrução não narra factos susceptíveis de integrar a prática de qualquer crime não pode haver legalmente pronúncia, cfr. art. 308º do CPP, pois a instrução seria, então, um acto inútil, cuja prática a lei proíbe (arts. 13º do CPC e 4º do CPP), e como tal legalmente inadmissível”, 19. sendo certo que a inadmissibilidade legal da instrução é uma das causas de rejeição do requerimento para abertura da instrução, nos termos do n.º 3 do aludido art.º 287º. 20. Também os tribunais da Relação vêm decidindo que a falta de indicação de factos que preencham os elementos típicos do crime produz uma situação de inadmissibilidade legal da instrução. 21. Nesse sentido, cfr. entre outros, os 1. acs. da Rel. de Lisboa de: a) 03-10-2001 – Proc. n.º 1293/00, b) 18-03-2003 – Proc. n.º 77635; c) 30-03-2004 – Proc. n.º 8701/03; d) 30-05-2006 – Proc. n.º 1111/06; 2. da Rel. do Porto de: a) 15-12-2004 – Proc. n.º 3660/03; b) 01-03-2006 – Proc. n.º 5577/05; c) 21-06-2003 – Proc. n.º 1176/06; 3. e da Rel. de Coimbra de: a) 23-04-2008 – Proc. n.º 988/05.8TAACN. 22. Tudo quanto se deixou exposto permite concluir que a falta de indicação no requerimento para a abertura de instrução subscrito pelo assistente dos factos essenciais à imputação da prática de um crime a determinado agente tem como consequência necessária a inutilidade da fase processual de instrução, a qual, como é sabido, é constituída por diversos actos praticados pelo juiz de instrução, sendo um deles, obrigatoriamente, o debate instrutório. 23. Ou seja, nos casos em que exista um notório demérito do requerimento de abertura de instrução, a realização desta fase constitui um acto processual manifestamente inútil por redundar necessariamente num despacho de não pronúncia. 24. Haverá, assim, em consequência, que incluir no conceito de “inadmissibilidade legal da instrução”, além dos fundamentos específicos de inadmissão da instrução qua tale, os fundamentos genéricos de inadmissão de actos processuais em geral. 25. Ora nada disto se passa com o requerimento de abertura de instrução da Assistente nos presentes Autos – muito pelo contrário. 26. A Assistente optou por requerer a abertura de instrução, a fim de incluir factos omissos na acusação pública, para, posteriormente, deduzir pedido de indemnização cível por estes factos novos, 27. e, em abono da verdade, se não o fizesse desta forma, não poderia ter deduzido acusação particular, por se ter esgotado o prazo, em 20/05/2024, 28. sendo que só em 31 de Maio de 2024, teve acesso digital ao processo na sua totalidade. 29. O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, pela inadmissibilidade do requerimento de abertura de instrução apresentado, incorreu numa errónea interpretação jurídica dos arts. 287º, n.º 2 e 3 e als. b) e d) do n.º 3 do art. 283º do Código de Processo Penal, invalidando, sem mais, o requerimento de abertura de instrução, tempestivamente apresentado pela recorrente.»
Conclui pedindo que na procedência do recurso seja revogado o despacho recorrido e substituído por outro que ordene a abertura da fase de Instrução.
O recurso foi admitido em 22/10/2024.
Em primeira instância o MP respondeu ao recurso defendendo que não assiste razão à recorrente, pois, no caso em apreço o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido BB, imputando-lhe, para além do mais, a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido art.152 nº 1, al. a), nº 2 alínea a) e b) e nºs 4 a 6 do Código Penal.
Por sua vez, em 21.05.2024, a assistente deduziu acusação subordinada, nos termos do disposto no artigo 284, do Código de Processo Penal, aderindo à acusação pública deduzida nos autos e aditando o seguinte facto: “O arguido partiu o dedo anelar direito à assistente, demandando internamento com cirurgia no Hospital ... no Luxemburgo.”
Apesar de ter feito uso deste mecanismo legal a assistente veio requerer a abertura da Instrução pelos mesmos factos.
Os factos que a assistente imputa ao arguido na acusação subordinada, bem como no requerimento de abertura de instrução, não importam uma alteração substancial da factualidade constante do libelo acusatório dado que tal factualidade também se subsume ao crime de violência doméstica pelo qual foi deduzida a acusação pública e não agrava o limite máximo da moldura abstratamente aplicável ao aludido ilícito.
Como tal mostra-se correta a decisão da rejeição do requerimento apresentado para abertura da Instrução, por inadmissibilidade legal da instrução.
Nesta Relação a Srª Procuradora-geral-adjunta aderindo à resposta do MP em primeira instância emite parecer no sentido da improcedência do presente recurso e confirmação da decisão recorrida.
Notificada nos termos do disposto no art. 417 nº2 do CPP veio a assistente responder ao parecer alegando não ser verdade a afirmação de que só é admissível a Instrução por factos que importem a alteração substancial do libelo acusatório, pois, não é o que resulta do art. 284 do CPP.
Continua a assistente a pugnar pela pronúncia do arguido pelos factos indicados no Rai rejeitado.
2.Fundamentação
A) Circunstâncias com interesse para a decisão
Para melhor entendimento dos elementos relevantes para a decisão a proferir passamos a fazer uma resenha do processado.
Em 29/04/2024 o MP deduz acusação contra o arguido BB, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, nos termos do art. 16 nº3 do CPP imputando-lhe a prática em autoria material na forma consumada de um crime de violência doméstica pp, pelo art. 152 nº1, al. a), nº2 alínea a) e c) e nºs 4 a 6 do Código Penal e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido, pelo artigo 86 nº 1 alíneas c) a e) do Regime Jurídico de Armas e Munições.
Em 21/05/2024 a assistente dá entrada de requerimento ao abrigo do disposto nos artigos 284 nº1 e 77 ambos do CPP e manifesta a vontade de deduzir acusação particular e pedido de indemnização cível contra o identificado arguido, alegando em sede de acusação particular: «1º A Assistente adere à acusação pública proferida pelo Digno Magistrado do Ministério Público, nos termos do n.º 1 e al. a) do n.º 2 do art. 284º do CPP, 2º excepto ou não concordando ou com a reserva de que, a) o crime de violência doméstica de que vem acusado, deverá sê-lo nos termos art. 152,n.º1,al. a),n.º 2, al. a) e b) (e não al. c, que não existe) e n.º 4 a 6 do CP, e que b) existem outros factos, constantes do inquérito e que não constam da acusação, designadamente, quando o Arguido partiu o dedo anelar direito à Assistente, demandando internamento com cirurgia no Hospital ... no Luxemburgo, 3º e sobre os quais vai, oportunamente, requerer a abertura da instrução, nos termos do art. 287º, n.º 1, al. b) do CPP, depois de lhe ser disponibilizado o Inquérito em suporte informático o que já foi requerido.»
Em 3/06/2024 a assistente dá entrada do RAI sobre o qual recaiu o despacho recorrido, o qual tem o seguinte teor: «I - DA QUEIXA/AUTO DE NOTÍCIA: 1 - Em 23/08/2023, e por ocasião da Assistente, então, apenas vítima ter sido inquirida na GNR ..., entre outros factos, relatou a fratura que o arguido lhe infligiu na sua mão direita, partindo-lhe o dedo anelar, 2 - o que lhe demandou tratamento hospitalar com intervenção cirúrgica, “(...) Um dia destes cego-te; enfiava os dedos nos olhos da vítima e numa dessas discussões, o suspeito agarra a mão da vítima e num movimento brusco, puxa a mão da vítima para trás, partindo o dedo anelar direito à vitima, por estes episódios a vítima recebeu tratamento hospitalar e foi inclusive operada, para “reparar” o dedo partido no Hospital ... – Luxemburgo, isto na presença da filha menor, na altura com meses, CC.” 3 – ou, conforme resulta do relatório intercalar de 25/08/2023 da GNR, em que refere que o arguido entrelaça os seus dedos nos dedos da mão direita da Assistente de modo firme e vigoroso, fraturando-lhe o dedo anelar. II – DA ACUSAÇÃO: 4 – Estes factos são totalmente omissos na Acusação. III - DA DISCORDÂNCIA QUANTO AOS FACTOS: 5 – Ora, calcorreada a Acusação não se vislumbra, que tais factos dela constem. 6 - Porquanto descreve “um dia destes cego-te”, 7 - e segundo a sequência cronológica, parece-nos que deviam constar do item 13 ou 14, passando o item 15 a ser designado de 16 e assim sucessivamente. 8 - Mas nem neste período ou em qualquer outro da Acusação constam tais factos. 9 -Parece-nos até, que tal se verificou por mero lapso da Sr.ª Procuradora da República, 10 - e é ao Tribunal, leia-se Ministério Público, que cabe indagar e averiguar da sua ocorrência. 11 - São factos que constam dos Autos e devia o Ministério Público, caso tivesse dúvidas, solicitar à vítima elementos consubstanciadores e concretizadores de tais factos. 12 – Desde logo: a) Concretizar os factos espácio-temporalmente; b) Concretizar a motivação; c) Quem presenciou; d) Quais as consequências. 13 – O que não fez. 14 - A prova é apreciada segundo as regras da experiência comum, nos termos do art. 127º do CPP. 15 - Assim por um lado o julgador há-se decidir segundo a sua íntima convicção, formada pelo confronto dinâmico das provas e 16 - por outro, tal convicção há-se ser formada com base em regras técnicas e de experiência comum sem, contudo, qualquer sujeição a critérios de valoração de cada um dos meios probatórios, legalmente predeterminados. 17 - A livre apreciação da prova tem, assim, de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão da experiência e dos conhecimentos científicos que permita objectivar a apreciação. 18 - Livre apreciação, não se confunde com arbitrariedade. 19 – Porém, aqui nem se fala de arbitrariedade do Ministério Público, porque simplesmente os factos não existem. 20 - Deste modo o depoimento da denunciante, poderá vir a revelar-se uma importante e não a única fonte de prova pelo julgador se é que há dúvidas assente na imediação e na oralidade, que não pode ser coarctada de forma arbitrária, 21 - dado que no nosso sistema processual, não se rege pelo velho brocardo latino, segundo o qual testis uno testis nullum. 22 - Deve, desta forma o Tribunal ouvir a Denunciante, prova que se crê basilar, 23 – e mais, ouvir as testemunhas presenciais de tais factos, que se pretendem provar, ainda que indiciariamente, então ocorridos e que abaixo se identificam, 24 - Assim, como admitir a junção de pedido de relatório clínico que a Assistente efectuou, no dia 17 de Maio de 2024, cfr. Doc. 1que se junta, 25 - e que aguarda receber a qualquer momento. 26 - Porém, entende que deverá ser o tribunal a solicitar tais docs. empregando maior celeridade à sua obtenção. 27 - Deste modo, mal andou o Ministério Público ao omitir tais factos da Acusação. 28 - O Arguido, agiu livre, deliberada, consciente e voluntariamente, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e punida por lei, ofendendo bens jurídicos alheios, 29 - designadamente, a sua integridade Física, 30 - integrada no Crime de violência doméstica de que veio acusado. 31 - Cometeu pois, o Participado, ilícito civil e criminal, 32 - não prescindindo do direito de posteriormente deduzir pedido de indemnização cível, em função do Despacho de Pronúncia. 33 - Assim, deve ser o Arguido pronunciado, 34 - por em data e hora, por enquanto, não concretamente apurada, no apartamento da vítima, no Luxemburgo, mais propriamente no corredor de acesso à casa de banho e na sequência de mais altercações por parte do arguido, ter este fraturado o dedo anelar direito à Assistente, sem motivos aparentes e lógicos, 35 - resultado de ter entrelaçado dos dedos dele, nos dedos dela de modo firme e vigoroso, 36 - o que lhe demandou várias intervenções cirúrgicas do Hospital ..., no Luxemburgo, 37 – e a levou a um estado notório de depressão clínica, motivando o seu tratamento médico com regularidade, de forma ininterrupta e persistente. 38 - O Arguido, agiu livre, deliberada, consciente e voluntariamente, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e punida por lei, ofendendo bens jurídicos alheios, designadamente a sua integridade física. 39 – Os factos supra descritos, devem ser tidos em conta ou adicionados ao rol de factos que permitiram a acusação de violência doméstica ao arguido, em autoria material e na forma consumada p. e p. pelo art. 152, n.º 1, al. a), n.º 2, al. a) e c) e n.º 4 e 6 do Código Penal, 40 – constituindo esta uma acusação adicional, como resulta do Ac. da Relação de Évora de 24/10/2023 – Proc. n.º 519/21.0GHSTC.E1. Termos em que e nos mais de Direito, requer a V.ª Ex.ª se digne declarar aberta a Instrução, produzida a prova indicada para que seja proferido Despacho de Pronúncia, pelos factos supra alegados, incorporando-os adicionalmente em Acusação de violência doméstica pela p. e p. pelo art. 152º, n.º 1, al. a), n.º 2, al. a) e c) e n.º 4 e 6 do Código Penal. Prova: a) Declarações da Assistente: - AA, residente na Rua ..., ... ... .... b) Testemunhal: - DD, residente em ..., ..., LUXEMBURGO, e, - EE, residente em ..., ..., LUXEMBURGO. c) Documental: - Comunicação enviada ao Hospital em 17 de Maio de 2024 - Doc. 1. - a demais documentação que resultar ao pretérito pedido. d) Requer: - se digne admitir que as testemunhas supras citadas, sejam ouvidas via webex, atenta a sua residência no Luxemburgo, para o que indica os seus e.mail`s, respectivamente: 1 – ..........@..... 2 – ..........@..... - se digne ordenar o envio do Relatório Clínico a partir do Luxemburgo. Junta: 1 Doc. Consigna: que a Assistente está isenta do pagamento da Taxa de Justiça, nos termos conjugados, do art. 14.º, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro conjugado com o art.4.º, n.º 1, alínea z), do RCP.»
B) Fundamentação de direito
É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
No caso concreto a questão a apreciar consiste em saber se a dedução ao abrigo do disposto no art. 284 do CPP do requerimento denominado acusação particular nos termos em que foi feito nestes autos, obsta a que a assistente requeira a Instrução por factos não constantes da acusação pública.
Cumpre apreciar!
Os factos descritos no RAI são os seguintes: «34. por em data e hora, por enquanto, não concretamente apurada, no apartamento da vítima, no Luxemburgo, mais propriamente no corredor de acesso à casa de banho e na sequência de mais altercações por parte do arguido, ter este fraturado o dedo anelar direito à Assistente, sem motivos aparentes e lógicos, 35. resultado de ter entrelaçado dos dedos dele, nos dedos dela de modo firme e vigoroso, 36. o que lhe demandou várias intervenções cirúrgicas do Hospital ..., no Luxemburgo, 37. e a levou a um estado notório de depressão clínica, motivando o seu tratamento médico com regularidade, de forma ininterrupta e persistente. 38. Arguido, agiu livre, deliberada, consciente e voluntariamente, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e punida por lei, ofendendo bens jurídicos alheios, designadamente a sua integridade fisica.»
Estes factos não constam da acusação pública oportunamente deduzida nos autos pelo MP e ao abrigo do art. 284 do CPP a assistente limitou-se a aderir à acusação pública fazendo a ressalva relativa a factos dela não constantes e, desde logo, expressou nesse mesmo requerimento a sua intenção de requerer a Instrução para indiciação de tais factos – pontos 2º e 3º do requerimento de acusação particular e pedido de indemnização cível.
Cremos que não assiste razão à recorrente.
Na verdade, o art. 284 do CPP confere ao assistente a faculdade de deduzir acusação particular, o que lhe permite colaborar de forma ativa no ius puniendi do Estado, quando o procedimento criminal é respeitante a crimes semipúblicos ou públicos. Nestes casos o assistente pode deduzir acusação pelos factos acusados pelo MP, só por alguns deles ou por outros, que não constando da acusação pública, não importem alteração substancial.
Em relação à possibilidade de requerer a abertura da instrução o assistente apenas terá legitimidade para o fazer nos casos de crime semipúblico ou público pelo qual o MP não tenha deduzido acusação, porque tratando-se de crime particular, a acusação é deduzida pelo assistente nos termos previstos no art. 285 do CPP. – confrontar o art. 287 nº1 al b) do CPP.
Então como compaginar o art. 284 com o art. 287 nº1 al b), ambos do CPP.
Terá o assistente a faculdade de deduzir acusação subordinada ao MP e ao mesmo tempo requerer a abertura da instrução como fez a assistente nos presentes autos? Cremos que não, e passamos a citar Pedro Soares de Albergaria em anotação ao art. 287, in “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Tomo III, pág. 1249, sobre as possibilidades de o assistente requerer a Instrução: «Para além do caso óbvio do arquivamento previsto no ar. 277, cremos que com esta formulação se quis abranger as hipóteses em que esse arquivamento surge de forma por assim dizer “implícita” e, seguramente, as espécies em que o assistente pretende conformar o objeto do processo com factos que alterem substancialmente (e que estejam de algum modo conexionados com) os que o MP verteu na acusação. Esta última hipótese resulta de resto evidenciada no confronto com o que se dispõe no art. 284º, que para o caso de o assistente pretender apenas uma alteração não substancial dos factos constantes da acusação pública estipula o dever de formular tal pretensão através de acusação subordinada.»
Também no sentido de que assim deve ser interpretada a conjugação dos artigos 284 e 287 nº1 al b), ambos do CPP, veja-se a nota nº4 ao art. 287 do Código de Processo Penal, comentado, por António Henriques Gaspar, José António Henriques dos Santos Cabral, Eduardo Maia Costa, António Jorge de Oliveira Mendes, António Pereira Madeira e António Pires Henriques da Graça, editado pela Livraria Almedina, 2014 que passamos a citar na parte que releva para esta decisão: «Se o assistente pretender que sejam imputados ao arguido factos que constituem uma alteração substancial dos constantes da acusação do Ministério Público, deverá requerer a instrução. Caso os factos constituam apenas uma alteração não substancial da acusação, deverá deduzir acusação autónoma.»
No caso concreto a assistente requer a instrução por factos que complementam a acusação pública, mas não importam alteração substancial daqueles que constam da peça processual elaborada pelo MP, na medida em que não permitem a qualificação jurídica como crime diverso ou importam alteração dos limites máximos das sanções aplicáveis. – art. 1º al f) do CPP, interpretado a contrario.
Assim sendo, no caso concreto, deveria a assistente ter concretizado mais detalhadamente os factos na acusação subordinada e não vir requerer a abertura da fase de Instrução. Porém, e tendo feito referência ao facto determinante, ou seja, à fratura dedo anelar direito da assistente, o que demandou internamento com cirurgia no Hospital ... no Luxemburgo; tais factos serão levados em conta no julgamento a realizar, não carecendo a assistente nesta situação de alegar o elemento subjetivo do ilícito, dado que este já consta da acusação pública.
Como tal nem sequer se vislumbra o interesse da assistente na realização da Instrução para indiciação de um facto que por si foi indicado e introduzido no thema probandum através da acusação subordinada; pelo que, se nos afigura que no caso concreto, a assistente nem sequer tem legitimidade para requerer a abertura da Instrução com vista a incluir num eventual despacho de pronúncia, um facto que já consta da acusação subordinada que deduziu. Na verdade, não se vislumbra que a posição da assistente fique prejudicada de alguma forma pela não realização da fase de instrução, porquanto, o facto que pretende que seja levado a julgamento foi inserido no objeto do processo pela via do disposto no art. 284 do CPP.
Em face do exposto, nenhuma censura temos a efetuar ao despacho recorrido dado estarmos perante uma inadmissibilidade legal da Instrução por via da falta de interesse da assistente em requerer a abertura da Instrução, como ficou explanado. – art. 287 nº3, parte final, do CPP.
3. Decisão:
Tudo visto e ponderado, com base nos argumentos que ficaram expostos, acordam os juízes na 1ª secção criminal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso interposto pela assistente AA.
Custas a cargo da recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.
Porto, 29/1/2025
Paula Guerreiro
Maria Luísa Arantes
Pedro M. Menezes