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CONEXÃO DE PROCESSOS
Sumário
I - A questão da existência de conexão processual entre processos prevista nos artigos 24.º a 26º do Código de Processo Penal, que é passível de recurso segundo a regra geral do artigo 399.º do Código de Processo Penal, cuja apreciação compete às secções criminais das relações, nos termos do artigo 12.º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal, é material e estruturalmente diversa da questão da competência do tribunal determinada pela conexão, prevista no artigo 28.º do Código de Processo Penal, que, em caso de gerar conflito, é decidida pelos presidentes das secções criminais das relações, nos termos do n.º5, alínea a) do mesmo artigo. II - No caso dos autos, como resulta do despacho que suscita o conflito, não foi interposto recurso do despacho que determinou a conexão entre o processo distribuído ao juiz 2 e o processo distribuído ao juiz 1, ambos do Juízo Local Criminal de Cascais, e a consequente apensação daquele a este. Por isso, não podia a senhora juíza 1 arrogar-se a qualidade de tribunal de recurso e revogar tal despacho, dizendo que não existem os pressupostos para a conexão processual e, com esse fundamento, declarar a sua incompetência para o julgamento, relativamente ao processo apensado. III - Essa incompetência, transitada que estava a decisão que determinou a conexão, só podia ser declarada com base num dos fundamentos previstos no artigo 28.º, do Código de Processo Penal e não é isso que se verifica no despacho em causa. IV - Não estamos, pois, perante um conflito de competência quanto ao tribunal que deverá realizar o julgamento de ambos os processos, após ter sido ordenada a sua apensação com fundamento na sua conexão, por despacho transitado em julgado, que deva ser decidido pelos presidentes das secções criminais deste tribunal da Relação em matéria penal.
Texto Integral
I –Relatório:
1. No processo n.º 653/18.3PCCSC do Juízo Local Criminal de Cascais - juiz 1-, veio a Exma. Juíza declarar-se incompetente para o julgamento do processo n.º 758/20.0PBCS, do mesmo tribunal, inicialmente distribuído ao Juiz 2 e, entretanto, mandado apensar àquele, e suscitar o presente conflito negativo de competência, a opor ao Juiz 2 do mesmo tribunal, nos seguintes termos (transcrição do despacho):
«Apresenta-se a conclusão do processo n.º 653/18.3PCCSC-B (originalmente 758/20.0PBCSC), cuja apensação ao processo n.º 653/18.3PCCSC (a correr termos neste Juízo) foi determinada pelo Juízo Local Criminal de Cascais – J2.
No segundo deles que se assume como o processo principal (653/18.3PCCSC) são arguidos AA e BB, remontando os factos a ........ 2018, encontrando-se ambos os arguidos acusados, em co-autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelos arts. 21.º, n.º 1, 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa ao referido diploma legal e ainda arts. 14.º e 26.º do Cód. Penal.
A acusação é de 25.11.2019, tendo o processo sido remetido à distribuição a 05.03.2020.
A audiência de julgamento encontrava-se agendada para o dia 29.01.2024, a qual foi dada sem efeito, por não se encontrarem juntos aos autos as provas de depósitos de ambos os arguidos, desconhecendo-se se os mesmos se encontravam ou não notificados.
No processo remetido para apenso (anterior n.º 758/20.0PBCSC – agora denominado por apenso B), é apenas arguido BB, remontam os factos a ........2020, encontrando-se o mesmo acusado da prática um crime de dano simples, p. e p., nos termos do disposto no art.º 26º, 212º, nº 1, do Cód. Penal.
A acusação foi deduzida em 08.11.2022, tendo o processo sido remetido à distribuição a 03.07.2023. Por despacho de 16.02.2024 foi determinada a remessa dos autos ao processo 653/18.3PCCSC para apensação, por se entender verificar uma situação de conexão subjetiva de processos, nos termos dos artigos 25.º, 28.º, alínea a) e 29.º do Cód. de Processo Penal.
Portanto, o que temos aqui é uma apensação de dois processos que agora estão efectivamente na mesma fase processual, até pelo facto de num deles ter sido dado sem efeito o julgamento designado em Janeiro de 2024 (despacho proferido no processo principal) afigurando-se-nos, no entanto, que se suscita uma questão nesta tramitação, pois se bem entendemos a lei processual, a conexão de tais processos não podia ter sido determinada, uma vez que não se verificam os pressupostos legais, porquanto não estamos perante qualquer das alíneas previstas no art.º 24º, n.º 1 Cód. de Processo Penal e, ao contrário do que refere o despacho que determina a conexão, também não estamos no âmbito do art.º 25º Cód. de Processo Penal, uma vez que no processo referido em segundo lugar (processo principal) não está apenas como arguido BB, como também, a arguida AA.
Não obstante tal circunstância, como bem refere a Exma. Procuradora, o processo 758/20.0PBCSC foi apensado para julgamento ao processo 653/18.3PCCSC, por se ter entendido que se estava perante uma situação de conexão de processos – arts. 24º e 25º do Cód. de Processo Penal (competência por conexão).
Salvo o devido respeito pela posição assumida, entende-se que não existe qualquer situação de conexão entre os dois processos, porquanto se encontra afastada a aplicação do disposto nas diversas alíneas do art.º 24º do Cód. de Processo Penal, desde logo porque, segundo os factos descritos em ambas as acusações, não estamos perante uma situação em que o mesmo agente cometeu vários crimes através da mesma acção ou omissão, ou em que os crimes foram cometidos pelo mesmo agente ou agentes, na mesma ocasião ou lugar e entre eles exista um relacionamento recíproco.
Pelo contrário, como refere a Exma. Procuradora, os crimes imputados aos arguidos no processo 653/18.3PCCSC não têm qualquer relação com o crime imputado ao arguido BB no processo n.º 758/20.0PBCSC.
Por outro lado, também se encontra afastada a possibilidade de aplicação do disposto no art.º 25º Cód. de Processo Penal, pelo simples facto de a arguida AA não assumir a qualidade de arguida no processo 758/20.0PBCSC (Apenso B).
De acordo com a interpretação integrada do sistema processual penal e das regas de competência por conexão, a aplicabilidade da norma do art.º 25º do Cód. de Processo Penal está naturalmente limitada a processos nos quais é apenas um o agente de múltiplos crimes cujo julgamento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca (excluindo-se, assim, aqueles em que, verificado este último condicionalismo, exista também diversidade de arguidos nos diversos processos).
Ou seja, como se fez constar da promoção antecedente no apenso B, a cujos fundamentos, se adere por facilidade e pela clareza de exposição, a conexão subjectiva prevista no art.º 25º do Cód. de Processo Penal apenas se verifica quando existe uma pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo agente, para cujo conhecimento sejam competentes tribunais com sede na mesma comarca – vide neste sentido, entre muitos outros, Acs. do Tribunal da Relação do Porto de 06.07.2005 e de 08.03.2017 proferidos nos processos 0443684 e 5544/11.6TAVNG-U.P1, Ac. da Relação de Coimbra de 10.07.2018 e as decisões dos Srs. Presidentes de Secções Criminais da Relação do Porto de 04.07.2014 (proc. 589/12.1GAVNF-B.P1), e da Relação de Évora de 21.05.2015 (proc. 52/15.9YREVR), todos publicados in www.dgsi.pt e , na doutrina , Sima Santos e Leal Henriques , in Código de Processo Penal Anotado , Vol I , 2ª Edição , 1999 , pág. 192 , e Maia Gonçalves , Código de Processo Penal Anotado , 17ª edição , 2009 , em anotação ao aludido art.º 25º.
A não ser o sistema interpretado neste sentido, resultaria desde logo, incompreensivelmente, sacrificado o basilar princípio da economia e celeridade na gestão e decisão de processos, o qual deve ter uma evolução dinâmica com vista a alcançar a decisão final, não se podendo, por isso, aquilatar a viabilidade/conveniência de uma apensação, a qual poderá vir a traduzir-se, materialmente, num "aglomerado" de um total de inúmeras causas a julgar simultaneamente e com recurso a extensos meios de prova.
A interpretação alargada da conjugação dos respectivos normativos, conduziria seguramente ao julgamento conjunto de uma imensa multiplicidade de processos (para além do critério adoptado pelo Legislador), com um cortejo infindável de arguidos, em que as situações fácticas reveladas não teriam nenhuma relação entre si e por factos sem qualquer relação palpável, sendo o Tribunal «obrigado» a apreciar complexas realidades simultaneamente multi-pessoais e multi-factuais sem outra relação, podendo esta situação multiplicar-se por número considerável de processos, bastando a existência de um mesmo agente (como sucederia in casu).
Destarte, por se considerar inexistente uma conexão relevante, nos termos das disposições supra enunciadas, reconhece-se e declara-se a incompetência material deste Juízo Local Criminal (J1) para o julgamento dos aludidos processos nos termos da conexão (que não existe) determinada pelo Juízo Local Criminal (J2). Atendendo a que o despacho proferido pelo Juízo Local Criminal (J2) que determinou a apensação já transitou em julgado, afigura-se não restar alternativa senão a de, posta a questão como antecede, suscitar o conflito negativo de competência, nos termos dos arts. 34º e 35º do Cód. de Processo Penal, o que se faz desde já.»
2. Cumprido que foi o disposto no artigo 36.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, apenas a Exma. Procuradora-Geral Adjunta se pronunciou no sentido de que, por aplicação dos artigos. 24º e 25º, do CPP, se deve concluir não estarem reunidos os requisitos legais para a determinação da conexão processual subjetiva, devendo decidir-se pela separação e julgamento autónomo dos processos 653/18.3 PC CSC e 758/20.0PBCSC e pela atribuição de competência ao Juízo Local Criminal de Cascais- Juiz 2 para o julgamento deste último processo.
3. Sendo este o tribunal competente para conhecer do conflito, nos termos do artigo 12.º, n.º 5, alínea a) do Código de Processo Penal, cumpre apreciar e decidir.
II - Apreciação
Estabelece o artigo 34.º do Código de Processo Penal:
«1. Há conflito, positivo ou negativo, de competência quando, em qualquer estado do processo, dois ou mais tribunais, de diferente ou da mesma espécie, se considerarem competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo crime imputado ao mesmo arguido».
2. O conflito cessa logo que um dos tribunais se declarar, mesmo oficiosamente, incompetente ou competente, segundo o caso.»
A lei é clara quanto aos pressupostos legais do conflito. Traduz-se numa divergência entre dois ou mais tribunais em relação ao conhecimento de um feito jurídico-criminal, e surge quando mais do que um tribunal da mesma espécie (v.g. tribunal judicial) ou de espécie diversa (v.g. tribunal judicial e tribunal não judicial) se reconhecem ou não se reconhecem competentes para conhecer quanto à existência de um crime cuja prática é atribuída ao mesmo arguido.
Se todos os tribunais em oposição se arrogam competentes estamos perante conflito positivo; se declinam a competência ocorre conflito negativo.
Citando decisão de anterior presidente desta secção no processo n.º 9436/21.2T8LSB-A (não publicada) «o que define uma situação de conflito é que, o dispositivo, ou seja, o conteúdo decisório de duas decisões, e não apenas na definição dos respectivos fundamentos, traduza que ambas decidem negar a sua própria competência para um determinado acto, atribuindo tal competência ao outro juiz».
O fundamento da declaração de incompetência por parte da Senhora juíza 1 do Juízo Local Criminal de Cascais relativamente ao julgamento do processo n.º 758/20.0PBCSC, do mesmo tribunal, assenta no facto de a mesma considerar que não existe uma conexão relevante que determine a apensação desse processo ao processo n.º 653/18.3 PC CSC, do qual a mesma é titular.
Ora, não constitui finalidade do presente incidente decidir quanto à verificação ou não dos pressupostos para a conexão entre os processos em causa e sua apensação, à luz dos artigos 24.º e 25 do Código de Processo Penal, como parece entender o Ministério Público.
A questão da existência de conexão entre ambos os processos foi determinada, bem ou mal, pela Senhora juíza titular do processo n.º 758/20.0PBCSC, por despacho proferido a 2/10/2023, despacho esse susceptível de recurso segundo a regra geral do artigo 399.º do Código de Processo Penal. Só em sede de recurso, cuja apreciação compete às secções criminais das relações, nos termos do artigo 12.º, n.º3, alínea b) do Código de Processo Penal, poderia ter sido apreciado o mérito dessa decisão, o que é material e estruturalmente diverso da questão da competência determinada pela conexão, prevista no artigo 28.º do Código de Processo Penal, que, em caso de gerar conflito, é decidida pelos presidentes das secções criminais das relações, nos termos do n.º5, alínea a) do mesmo artigo.
No caso dos autos, como resulta do despacho que suscita o conflito, não foi interposto recurso do despacho da Senhora juíza 2, que determinou a conexão entre ambos os processos e a sua apensação. Por isso, não podia a senhora juíza 1arrrogar-se a qualidade de tribunal de recurso e revogar tal despacho, dizendo que não existem os pressupostos para a conexão processual e, com esse fundamento, declarar a sua incompetência para o julgamento, relativamente ao processo n.º 758/20.0PBCSC.
Essa incompetência, transitada que estava a decisão que determinou a conexão, só podia ser declarada com base num dos fundamentos previstos no artigo 28.º, do Código de Processo Penal e não é isso que se verifica no despacho em causa.
Não estamos, pois, perante um conflito de competência quanto ao tribunal que deverá realizar o julgamento de ambos os processos, após ter sido ordenada a sua apensação com fundamento na sua conexão, por despacho transitado em julgado, que deva ser decidido pelos presidentes das secções criminais deste tribunal da Relação em matéria penal.
III – Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, uma vez que não se está perante um conflito negativo de competência entre dois tribunais que mútua e reciprocamente a atribuam para a realização do julgamento de ambos os processos em resultado da sua conexão, determinada por despacho transitado em julgado, decide-se não conhecer do mesmo.
Sem tributação.
Cumpra-se o artigo 36.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
Lisboa, 27/08/2024
(processei e revi – art.º 94, n.º 2 do C.P.P.)
Maria José Machado