FORMAÇÃO PROFISSIONAL
SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
VIGILANTE
CARTÃO PROFISSIONAL
RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR
Sumário

I - Durante o período de suspensão do contrato de trabalho por doença impeditiva da ausência do domicílio por razões não clínicas, o trabalhador não está obrigado a participar em acção de formação profissional nem a entregar ao empregador certificado do registo criminal actualizado, para renovação do cartão profissional de Vigilante.
II - Verificam-se os requisitos da responsabilidade contratual do empregador perante o trabalhador com a categoria de Vigilante, nos termos, designadamente, do art.º 323.º, n.º 1 do Código do Trabalho, quando: provou-se uma conduta ilícita do empregador, traduzida na violação do dever de proporcionar e custear formação profissional indispensável a que o trabalhador renovasse o seu cartão profissional; provou-se a negligência do empregador, posto que tinha a possibilidade de assegurar a formação profissional, por meios próprios ou recorrendo a entidade formadora credenciada; provou-se a existência de prejuízos do trabalhador, correspondentes ao valor das retribuições que deixou de auferir por não ter prestado trabalho; provou-se o nexo de causalidade entre tais prejuízos e a violação culposa do referido dever contratual, uma vez que foi esta que impossibilitou o trabalhador de prestar trabalho e receber as correspondentes retribuições.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra XX, S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe:
− € 13.176,22 de salários mensais, com subsídios de férias e de Natal;
− € 2.752,15 de retribuição de férias não gozadas;
− juros moratórios vencidos e vincendos sobre tais quantias à taxa de 4% ao ano, desde o seu vencimento e até efectivo e integral pagamento.
A Ré apresentou contestação, alegando, em síntese, no que ora interessa, que a lesão no ombro não impedia o Autor de comparecer à formação e, tendo o mesmo faltado à formação agendada pela Ré, a realização da formação pelos seus próprios meios seria a forma mais expedita de renovar o cartão profissional, uma vez que a Ré tem de assegurar formação a mais de 3000 trabalhadores.
Após audiência de julgamento, foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto julgo a ação parcialmente procedente, e, em consequência:
1) Condeno a Ré a pagar ao Autor:
a) … €807,30 (oitocentos e sete euros e trinta cêntimos) a título de retribuição relativa a 28 dias do mês de janeiro de 2023, acrescidos de juros de mora vencidos desde 31.01.2023 e vincendos até integral pagamento;
b) … €864,96 (oitocentos e sessenta e quatro euros e noventa e seis cêntimos) a título de retribuição relativa ao mês de fevereiro de 2023, acrescidos de juros de mora vencidos desde 28.02.2023 e vincendos até integral pagamento;
c) … €864,96 (oitocentos e sessenta e quatro euros e noventa e seis cêntimos) a título de retribuição relativa ao mês de março de 2023, acrescidos de juros de mora vencidos desde 31.03.2023 e vincendos até integral pagamento;
d) … €864,96 (oitocentos e sessenta e quatro euros e noventa e seis cêntimos) a título de retribuição relativa ao mês de abril de 2023, acrescidos de juros de mora vencidos desde 30.04.2023 e vincendos até integral pagamento;
e) … €864,96 (oitocentos e sessenta e quatro euros e noventa e seis cêntimos) a título de retribuição relativa ao mês de maio de 2023, acrescidos de juros de mora vencidos desde 31.05.2023 e vincendos até integral pagamento;
f) … €864,96 (oitocentos e sessenta e quatro euros e noventa e seis cêntimos) a título de retribuição relativa ao mês de junho de 2023, acrescidos de juros de mora vencidos desde 30.06.2023 e vincendos até integral pagamento;
g) … €864,96 (oitocentos e sessenta e quatro euros e noventa e seis cêntimos) a título de retribuição relativa ao mês de julho de 2023, acrescidos de juros de mora vencidos desde 31.07.2023 e vincendos até integral pagamento;
h) … €864,96 (oitocentos e sessenta e quatro euros e noventa e seis cêntimos) a título de retribuição relativa ao mês de agosto de 2023, acrescidos de juros de mora vencidos desde 31.08.2023 e vincendos até integral pagamento;
i) … €864,96 (oitocentos e sessenta e quatro euros e noventa e seis cêntimos) a título de retribuição relativa ao mês de setembro de 2023, acrescidos de juros de mora vencidos desde 30.09.2023 e vincendos até integral pagamento;
j) … €432,48 (quatrocentos e trinta e dois euros e quarenta e oito cêntimos) a título de retribuição relativa a 15 dias do mês de outubro de 2023, acrescidos de juros de mora vencidos desde 15.10.2023 e vincendos até integral pagamento;
k) … €786,33 (setecentos e oitenta e seis euros e trinta e três cêntimos) a título de subsídio de férias de 2023, acrescidos de juros de mora vencidos desde 19.02.2024 e vincendos até integral pagamento;
l) … €857,85 (oitocentos e cinquenta e sete euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de subsídio de natal de 2023, acrescidos de juros de mora vencidos desde 15.12.2023 e vincendos até integral pagamento;
m) … €2.594,88 (dois mil quinhentos e noventa e quatro euros e oitenta e oito cêntimos) a título de retribuição por 66 dias de férias não gozadas relativos aos anos de 2019, 2020 e 2021, acrescidos de juros de mora vencidos desde 19.02.2024 e vincendos até integral pagamento;
2) Absolvo a Ré do mais peticionado pelo Autor;
3) Condeno o Autor e a Ré no pagamento das custas do processo, na proporção dos respetivos decaimentos, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao Autor;
4) Absolvo o Autor do pedido de condenação por litigância de má-fé.»
A Ré interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
«a. Na douta sentença recorrida, foi a R., ora Recorrente, condenada a pagar ao A., ora Recorrido, as retribuições do período compreendido entre 4 de Janeiro de 2023 e 15 de Outubro de 2023, incluindo subsídio de férias, férias não gozadas, subsídio de Natal e juros de mora.
b. A Recorrente, considera que, ao decidir como decidiu, condenando-a nos termos expostos, o Tribunal a quo efectuou uma errada interpretação da prova, incorrendo em erro de julgamento bem como efectuou uma errada interpretação e aplicação do direito.
c. O tribunal a quo efectuou uma errada apreciação da prova relativamente aos factos 11) e 13) dos factos provados, incorrendo em erro de julgamento.
d. Em sede de factos provados, considerou o Mmº Juiz que (facto 11) “A Ré respondeu ao Autor que, por ter faltado à ação de formação em dezembro de 2021, deveria fazer a formação à sua custa e contactar a empresa logo que obtivesse o cartão de vigilante válido para retomar funções”, e que (facto 13) “A Ré respondeu ao Autor por mail de 04.01.2023 reiterando que, por ter faltado à ação de formação em dezembro de 2021, deveria fazer a formação à sua custa e contactar a empresa logo que obtivesse o cartão de vigilante válido para retomar funções;” (sublinhado nosso).
e. A Recorrente não se conforma com a apreciação da prova relativamente àqueles factos uma vez que, contrariamente ao que resulta da motivação da decisão, tais factos não foram aceites pelas partes e não resultaram dos documentos juntos aos autos.
f. Conforme resulta dos documentos juntos como documentos 13 e 14 da petição, a Recorrente apenas comunicou ao Recorrido que deveria contactar uma entidade formadora na zona de ... a fim de realizar a formação necessária, nunca se tendo pronunciado relativamente ao custo da acção.
a. Em consequência, o tribunal a quo deveria ter dado a seguinte resposta ao facto 11 dos factos provados: A Ré respondeu ao Autor que, por ter faltado à ação de formação em dezembro de 2021, deveria contactar qualquer entidade formadora na zona de ... a fim de realizar a formação necessária e contactar a empresa logo que obtivesse o cartão de vigilante válido para retomar funções.
b. De igual modo e pelo mesmo fundamento, o tribunal a quo deveria ter dado a seguinte resposta ao facto 13 dos factos provados: A Ré respondeu ao Autor por mail de 04.01.2023 reiterando que, por ter faltado à ação de formação em dezembro de 2021, deveria contactar qualquer entidade formadora na zona de ... a fim de realizar a formação necessária e contactar a empresa logo que obtivesse o cartão de vigilante válido para retomar funções.
g. O tribunal a quo efectuou uma errada apreciação da prova relativamente ao facto 6) dos factos não provados incorrendo, consequente, em erro de julgamento.
h. Na sua douta sentença, considerou o Mmº Juiz não provado o facto 6), i.e., que “A realização da formação pelos próprios meios, seria o modo mais expedito de o Autor renovar o seu cartão profissional e, consequentemente, de retomar a atividade profissional.”
c. Da concatenação dos factos dados como provados (transcritos em sede própria) com as declarações das testemunhas BB e CC, conclui-se que a Recorrente mantinha ao seu serviço uma média de 3.000 trabalhadores a quem tinha que ministrar formação profissional para renovação dos cartões profissionais, antes das respectivas datas de caducidade, que possuía uma capacidade máxima para ministrar formação de renovação dos cartões profissionais a 17 formandos por acção, com periodicidade de duas a três acções por mês que eram organizadas com vários meses de antecedência.
d. Resultou ainda provado que a Recorrente convocou o Recorrido cerca de dois meses antes da data de caducidade do seu cartão profissional, que o processo burocrático junto da Polícia para autorização das acções de formação impõe regras muito rígidas que impedem alterações ao planeamento e, consequentemente, que a forma mais expedita para o Recorrido renovar o seu cartão profissional teria sido um contacto directo, por parte daquele, com uma outra entidade formadora.
e. O Mm.º Juiz deveria ter considerado provado o facto 6) dos factos não provados, i.e., que, efectivamente, “A realização da formação pelos próprios meios, seria o modo mais expedito de o Autor renovar o seu cartão profissional e, consequentemente, de retomar a atividade profissional.”
f. O Mmº Juiz do tribunal a quo efectuou uma errada interpretação e aplicação do direito, nomeadamente das disposições ínsitas nas Cláusulas 9ª, 12ª e 13ª do CCT e artigos 95.º e 96.º do Código do Trabalho incorrendo, consequente, em erro de julgamento.
g. Concluiu o Mmº Juiz que na douta sentença recorrida que: “É assim exclusivamente imputável à Ré a não prestação de trabalho pelo Autor entre 4 de janeiro e 15 de outubro de 2023 por não dispor o mesmo de cartão de vigilante válido, pois que injustificadamente começou por recusar assegurar a formação, determinando que fosse o Autor a suportá-la, acabando por apenas assegurar a sua realização em setembro de 2023, fazendo com que a renovação do cartão só fosse validada a partir de 16 de outubro de 2023. Desta forma deve a mesma ser responsabilizada pelo pagamento das retribuições referentes ao período compreendido entre 4 de janeiro e 15 de outubro de 2023.”
h. Ora, conforme resultou provado “Cerca de dez meses passados sobre a caducidade do cartão, em outubro de 2022 e sentindo-se melhor, começou a contactar a Ré, enviando o C.R.C. (leia-se, certificado do registo criminal) e pedindo informação sobre a ação de formação necessária para renovar o cartão e recomeçar a trabalhar;” (facto 10 dos factos provados) (sublinhado nosso e entre parenteses nosso).
i. Da Cláusula 12.ª do CCT resulta, indubitavelmente, que a não entrega do certificado do registo criminal atempadamente, i.e., antes da caducidade do cartão, faz com que o trabalhador seja responsável pela obtenção da formação necessária à renovação do cartão profissional.
j. Ora, da concatenação dos factos dados como provados e das disposições do CCT, resulta que a Recorrente apenas seria obrigada a promover a formação profissional do Recorrido, bem como a suportar o correspondente custo, caso aquele tivesse procedido à entrega da documentação necessária à renovação do cartão profissional, nomeadamente, do certificado do registo criminal, o que não sucedeu.
k. A circunstância de o Recorrido não se encontrar legalmente habilitado para desempenhar as funções de vigilante (entre 4 de Janeiro de 2023 e 15 de Outubro de 2023) decorreram de facto respeitante ao trabalhador, pelo que nos encontramos na previsão do n.º 1, do artigo 296.º do Código do Trabalho. Inexiste, em consequência direito a auferir retribuição durante aquele período.
l. que não há qualquer normativo que estipule a consequência jurídica no caso de não cumprimento da alínea b) do número 1 da Cláusula 9.ª do CCT aplicável, pelo que o não cumprimento de tal previsão apenas pode dar lugar ao pagamento dessa mesma formação, e não de qualquer outra quantia, seja a que título for.
m. a decisão é, por si só, contraditória, dado que o Recorrido estava legalmente impossibilitado de exercer tais funções, pelo que nunca poderia ser retribuído pelo exercício de funções que não as fez e que nem sequer podia fazer, por não estar legalmente habilitado para tal.
n. O Mmº Juiz deveria ter decido em sentido contrário, i.e., que por decorrer de facto imputável ao trabalhador, ora Recorrido, a não prestação do trabalho entre 4 de Janeiro de 2023 e 15 de Outubro de 2023 não é a entidade empregadora, ora Recorrente, responsável pelo pagamento das retribuições entre aquelas datas.
Termos em que, com o douto suprimento de V/ Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação e, consequentemente, revogar-se a douta decisão recorrida, absolvendo-se a Recorrente do pagamento que exceder a quantia de € 2.594,88 (dois mil quinhentos e noventa e quatro euros e oitenta e oito cêntimos) a título de retribuição por 66 dias de férias não gozadas relativos aos anos de 2019, 2020 e 2021.»
O Autor apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
Admitido o recurso com efeito suspensivo, atenta a prestação de caução, e remetidos os autos a esta Relação, foi cumprido o previsto no art.º 657.º do CPC, cabendo agora decidir em conferência.
2. Questões a resolver
Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, as questões que se colocam a este Tribunal são as seguintes:
- impugnação da decisão sobre pontos da matéria de facto;
- responsabilidade da Ré pelo pagamento ao Autor das retribuições referentes ao período compreendido entre 4 de Janeiro e 15 de Outubro de 2023.
3. Fundamentação
3.1. Os factos considerados provados são os seguintes:
1) O Autor foi admitido ao serviço da Ré através de contrato de trabalho a termo certo de 12 meses com início a 3 de Dezembro de 2018, que depois se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado;
2) Entre Janeiro e Novembro de 2023 o Autor tinha como retribuição mensal o vencimento base de € 864,96;
3) A 21 de Novembro de 2020 o Autor foi pai e gozou 5 dias de faltas justificadas por ocasião do nascimento do bebé;
4) O Autor trabalhou sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, sem interrupções, de 3 de Dezembro de 2018 até 28 de Março de 2021, data em que entrou de baixa médica, permanecendo nessa situação até 3 de Janeiro de 2023;
5) O Autor prestou serviço nos seguintes clientes da Ré: ...; ...; ...;
6) O cartão profissional do Autor, que é o documento-título que o habilita por lei para poder trabalhar como vigilante privado, caducou em Fevereiro de 2022, durante o período de baixa médica;
7) Cerca de dois meses antes da caducidade do título, em Dezembro de 2021, o Autor foi convocado pela Ré para frequentar acção de formação profissional para proceder à renovação do cartão;
8) O Autor não compareceu à formação por se encontrar de baixa médica por causa de lesão no ombro;
9) Até 04.01.2023, o Autor enviou sempre todos os certificados de incapacidade, mensalmente, por mail que a Ré recebia, e fazia constar as faltas do Autor nos recibos de vencimento que emitia;
10) Cerca de dez meses passados sobre a caducidade do cartão, em Outubro de 2022, e sentindo-se melhor, começou a contactar a Ré, enviando o C.R.C. e pedindo informação sobre a acção de formação necessária para renovar o cartão e recomeçar a trabalhar;
11) A Ré respondeu ao Autor através de e-mail de 10.10.2022, com o seguinte teor:
“Acusamos a receção do seu registo criminal.
Uma vez que foi convocado para a realização da formação de renovação do seu cartão profissional em 21-12-2021 e não compareceu à mesma, deverá contactar (a título particular) qualquer entidade formadora na zona de ... a fim de realizar a formação necessária.
Logo que disponha de cartão de vigilante válido, deverá contactar a empresa a fim de retomar funções.”; (alterado nos termos do ponto 3.3.)
12) Em 03.01.2023, o Autor enviou e-mail à Ré comunicando que estava pronto para voltar ao trabalho e não o podia fazer por ter o cartão caducado e que ficava a aguardar a resolução;
13) A Ré respondeu ao Autor através de e-mail de 04.01.2023, com o seguinte teor:
“Conforme email enviado a 10-10-2022, reitera-se a informação de que, uma vez que foi convocado para a realização da formação de renovação do seu cartão profissional em 21-12-2021 e não compareceu à mesma, deverá contactar (a título particular) qualquer entidade formadora a fim de realizar a formação necessária.
Logo que disponha de cartão de vigilante válido, deverá contactar a empresa a fim de retomar funções.” (alterado nos termos do ponto 3.3.)
14) No mesmo dia, o Autor remeteu à Ré e-mail afirmando “conforme já tinha dito encontrava-me de baixa sem poder sair de casa só para tratamento de fisioterapia fico a aguardar a próxima renovação”;
15) Em 11 de Agosto de 2023, o Autor foi convocado pela Ré para a frequência de formação, que ocorreu em Setembro de 2023, na sede da Ré em ..., onde o Autor também fez os testes psicotécnicos;
16) A Polícia de Segurança Pública verificou no processo de renovação do cartão que ainda faltava o atestado médico emitido pela Medicina do Trabalho da Ré, o que comunicou ao Autor por mail de 18.09.2023 – 2.ª Feira;
17) No mesmo dia, o Autor comunicou isso à Ré, pois havia prazo para observar que estava no fim e se o atestado médico não fosse emitido era preciso reiniciar de forma completa todo o processo de renovação do cartão, sendo que já tinha pago os custos de emissão do cartão;
18) A Ré respondeu por e-mail a 19.09.2023, referindo que o Autor estava ainda de baixa médica e que não lhe iam marcar a consulta de Medicina do Trabalho;
19) O Autor explicou e esclareceu a situação à Ré, referindo que já tinha ido à formação e que já não estava de baixa desde Janeiro;
20) Foi rectificado o erro e, como o prazo para submissão dos documentos no portal da PSP estava a acabar, foi rapidamente à consulta de Medicina do Trabalho na 5.ª Feira, cerca das 17 horas, na véspera do fim do prazo, tendo a Ré remetido a documentação à P.S.P. na Sexta-Feira;
21) Cerca de um mês depois, o Autor recebeu o cartão renovado em sua casa;
22) O cartão profissional do Autor foi renovado com validade a partir de 16.10.2023, encontrando-se o Autor habilitado para desempenhar funções a partir dessa data;
23) Por não dispor de cartão de vigilante válido entre 4 de Janeiro e 15 de Outubro de 2023, o Autor não podia recomeçar a trabalhar como vigilante, nem a Ré lhe poderia dar trabalho como vigilante;
24) Por e-mail enviado no dia 30 de Novembro de 2023, pelas 16h02, o Autor dirigiu à Ré a seguinte mensagem: “Envio em anexo o cartão de vigilante, fico a aguardar pela escala de serviço (…)”;
25) No dia 4 de Dezembro de 2023 (uma vez que dia 1 de Dezembro foi feriado (Sexta-feira) e os dias 2 e 3 de Dezembro coincidiram, respectivamente, com um Sábado e um Domingo), a Ré enviou, por e-mail, a seguinte resposta ao Autor: “(…) seguindo indicações do escritório inicia serviço amanhã das 8h30 às 20h30 no ...”;
26) Apesar de devidamente notificado, o Autor nunca se apresentou ao serviço no ...;
27) De 4 de Janeiro de 2023 até 4 de Dezembro de 2023, o Autor não recebeu salário;
28) Entre 3 de Dezembro de 2018 e 28 de Março de 2021 o Autor nunca gozou férias;
29) Na região de ..., a Ré dispõe de apenas uma sala de formação, autorizada pela Polícia de Segurança Publica, para ministrar cursos profissionais, que comporta unicamente 17 formandos;
30) Nos anos de 2022 e 2023, a Ré tinha ao seu serviço mais de 3000 (três mil) vigilantes a quem teve que ministrar formação antes das datas de caducidade dos cartões de cada um;
31) Em 15.02.2024, a Ré comunicou ao Autor decisão de despedimento com justa causa, proferida nessa mesma data no âmbito de processo disciplinar contra o mesmo movido, com fundamento em faltas injustificadas, tendo o Autor recebido essa comunicação no dia 19.02.2024;
32) A retribuição base mensal do Autor nos anos de 2019, 2020 e 2021 foi, respectivamente, de € 729,11, € 765,57 e € 796,16.
3.2. Os factos considerados não provados são os seguintes:
1) O Autor exerceu sempre as suas funções inerentes de vigilante na ...;
2) A Ré tinha condições para atribuir ao Autor funções administrativas, designadamente nas instalações da sede, durante o período em que não tinha cartão de vigilante válido;
3) O Autor sempre esteve disponível para trabalhar depois de ter recebido o cartão renovado;
4) O Autor prestou serviço nos seguintes clientes/períodos: a) Dezembro de 2018: ...; b) Janeiro a Outubro de 2019: ...; c) Novembro e Dezembro de 2019: ...; d) Janeiro de 2020 a Fevereiro de 2021: ...; e) Março de 2021: ...;
5) A “lesão” que o Autor sofreu no ombro e que determinou a baixa médica não era impeditiva da frequência da acção de formação agendada para Dezembro de 2021;
6) (eliminado nos termos do ponto 3.3.)
3.3. A Apelante impugna a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto aos pontos 11) e 13) dos factos provados e quanto ao ponto 6) dos factos não provados.
Estabelece o art.º 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Resulta da sentença recorrida que o facto do ponto 11) foi dado como assente com fundamento no acordo das partes nos articulados e que o facto do ponto 13) foi dado como provado com base no e-mail junto à petição inicial como documento n.º 14.
A Recorrente insurge-se contra a decisão, invocando que aqueles factos não foram por si aceites e que dos documentos n.ºs 13 e 14 da petição inicial decorre apenas que a Ré comunicou ao Autor que deveria contactar uma entidade formadora na zona de ... a fim de realizar a formação necessária, nunca se tendo pronunciado relativamente ao custo da acção.
Assim, requer que tais factos sejam considerados provados nos seguintes termos:
11) A Ré respondeu ao Autor que, por ter faltado à acção de formação em Dezembro de 2021, deveria contactar qualquer entidade formadora na zona de ... a fim de realizar a formação necessária e contactar a empresa logo que obtivesse o cartão de vigilante válido para retomar funções;
13) A Ré respondeu ao Autor por mail de 04.01.2023, reiterando que, por ter faltado à acção de formação em Dezembro de 2021, deveria contactar qualquer entidade formadora na zona de ... a fim de realizar a formação necessária e contactar a empresa logo que obtivesse o cartão de vigilante válido para retomar funções.
Vejamos.
Os factos em apreço visam reproduzir as respostas que a Ré deu ao Autor através dos seus e-mails de 10.10.2022 (documento n.º 13 junto com a petição inicial) e 04.01.2023 (documento n.º 14 junto com a petição inicial), posto que dos arts. 11.º da petição inicial e 8.º da contestação decorre que não houve quaisquer outras comunicações e é nessa base que se deve entender a aceitação pela Ré do alegado pelo Autor, tanto mais que no art.º 8.º da contestação refere “realização de uma acção pelos próprios meios” e não “realização de uma acção à sua custa”.
Assim, deferem-se as alterações requeridas através da transcrição dos e-mails em causa.
Por outro lado, a Apelante sustenta que deveria ter sido dado como provado o seguinte enunciado considerado não provado:
6) A realização da formação pelos próprios meios seria o modo mais expedito de o Autor renovar o seu cartão profissional e, consequentemente, de retomar a actividade profissional.
Argumenta, em síntese, que:
«c. Da concatenação dos factos dados como provados (transcritos em sede própria) com as declarações das testemunhas BB e CC, conclui-se que a Recorrente mantinha ao seu serviço uma média de 3.000 trabalhadores a quem tinha que ministrar formação profissional para renovação dos cartões profissionais, antes das respectivas datas de caducidade, que possuía uma capacidade máxima para ministrar formação de renovação dos cartões profissionais a 17 formandos por acção, com periodicidade de duas a três acções por mês que eram organizadas com vários meses de antecedência.
d. Resultou ainda provado que a Recorrente convocou o Recorrido cerca de dois meses antes da data de caducidade do seu cartão profissional, que o processo burocrático junto da Polícia para autorização das acções de formação impõe regras muito rígidas que impedem alterações ao planeamento e, consequentemente, que a forma mais expedita para o Recorrido renovar o seu cartão profissional teria sido um contacto directo, por parte daquele, com uma outra entidade formadora.»
A argumentação expendida evidencia bem que o que se pretende é tão somente extrair dos factos dados como provados um juízo de valor sobre a conduta que os mesmos impunham ou não a cada uma das partes, o que redunda na solução jurídica do caso, pelo que, atenta a natureza conclusiva do enunciado em apreço e a sua inerência ao thema decidendum, o mesmo não deveria sequer constar do elenco dos factos provados ou não provados.
Pelo exposto, determina-se a eliminação de tal enunciado conclusivo.
3.4. Posto isto, cabe apreciar se a Ré é responsável pelo pagamento ao Autor das retribuições referentes ao período compreendido entre 4 de Janeiro e 15 de Outubro de 2023.
Está assente que à relação laboral entre o Autor e a Ré se aplica o CCT entre a Associação Nacional das Empresas de Segurança - AESIRF e a ASSP - Associação Sindical da Segurança Privada, publicado no BTE, n.º 26, de 15/7/2019, com revisão global publicada no BTE, n.º 7, de 22/02/2023, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2023 (Cláusula 2.ª, n.º 1).
Estabelecia o CCT de 2019, no que ora interessa:
Cláusula 9.ª
Deveres da entidade empregadora
1- São deveres da entidade empregadora, quer directamente, quer através dos seus representantes, nomeadamente:
(…)
b) Promover a formação profissional adequada ao exercício da profissão, a inerente às funções que o trabalhador desempenhe, assim como a que diga respeito aos aspectos de saúde e segurança no trabalho;
Cláusula 12.ª
Deveres e condições especiais de trabalho
(…)
2- O trabalhador que exerça a profissão de pessoal de segurança privado deve obter e entregar, tempestivamente, ao empregador, certificado do registo criminal actualizado, cópia do cartão profissional e demais documentação legalmente necessária para a emissão e renovação do cartão profissional, bem como para o cumprimento dos deveres especiais previstos na lei para a entidade empregadora que impliquem comunicação ou comprovação de documentos relativos ao trabalhador.
Cláusula 13.ª
Formação profissional
1- As entidades empregadoras obrigam-se a promover o desenvolvimento e a adequação da qualificação do trabalhador, tendo em vista melhorar a sua empregabilidade e aumentar a produtividade e a competitividade das empresas e suportarão os custos inerentes à formação contínua relacionada com o exercício da profissão.
2- O trabalhador deve participar de modo diligente nas acções de formação profissional que lhe sejam proporcionadas.
(…)
4- Sobre a formação profissional legalmente obrigatória para a actividade principal desenvolvida pelo trabalhador, nomeadamente a formação necessária para a renovação do cartão profissional, as entidades empregadoras suportarão os seguintes custos relacionados com a formação contínua dos seus trabalhadores para o exercício da respectiva profissão:
a) Cursos e acções de formação profissional;
b) Retribuição do tempo despendido pelos trabalhadores nas acções ou cursos de formação profissional presencial;
c) Deslocação do trabalhador para o local onde é ministrada a formação profissional, sempre que este fique fora da área geográfica do local de trabalho do trabalhador conforme disposto na cláusula 17.ª do CCT.
Por seu turno, estabelece o CCT/2023, no que ora interessa:
Cláusula 9.ª
Deveres da entidade empregadora
1- São deveres da entidade empregadora, quer directamente, quer através dos seus representantes, nomeadamente:
(…)
b) Promover a formação profissional adequada ao exercício da profissão, a inerente às funções que o trabalhador desempenhe, assim como a que diga respeito aos aspectos de saúde e segurança no trabalho e também, assegurar ainda a formação profissional sobre as renovações dos cartões profissionais das respectivas especialidades de segurança privada;
Cláusula 12.ª
Deveres e condições especiais de trabalho
(…)
2- O trabalhador que exerça a profissão de pessoal de segurança privado deve obter e entregar, tempestivamente, ao empregador, certificado do registo criminal actualizado, cópia do cartão profissional e demais documentação legalmente necessária para a emissão e renovação do cartão profissional, bem como para o cumprimento dos deveres especiais previstos na lei para a entidade empregadora que impliquem comunicação ou comprovação de documentos relativos ao trabalhador.
(…)
7- O não cumprimento do estipulado no número 2 da presente cláusula fará com que o trabalhador seja responsável pela obtenção da formação necessária à renovação do cartão profissional.
Cláusula 13.ª
Formação profissional
1- As entidades empregadoras obrigam-se a promover o desenvolvimento e a adequação da qualificação do trabalhador, tendo em vista melhorar a sua empregabilidade e aumentar a produtividade e a competitividade das empresas e suportarão os custos inerentes à formação contínua relacionada com o exercício da profissão.
2- O trabalhador deve participar de modo diligente nas acções de formação profissional que lhe sejam proporcionadas.
(…)
4- Sobre a formação profissional legalmente obrigatória para a actividade principal desenvolvida pelo trabalhador, nomeadamente a formação necessária para a renovação do cartão profissional, as entidades empregadoras suportarão os seguintes custos relacionados com a formação contínua dos seus trabalhadores para o exercício da respetiva profissão:
a) Cursos e acções de formação profissional;
b) Retribuição do tempo despendido pelos trabalhadores nas acções ou cursos de formação profissional presencial;
c) Deslocação do trabalhador para o local onde é ministrada a formação profissional, sempre que este fique fora da área geográfica do local de trabalho do trabalhador conforme disposto na cláusula 17.ª do CCT.
A questão foi apreciada pelo tribunal recorrido nos seguintes termos:
«Resulta assim inequívoco que de acordo com qualquer das versões do CCT em apreço, impende sobre o empregador a obrigação de suportar os custos da formação profissional dos trabalhadores, nomeadamente da necessária à renovação do cartão profissional, incluindo não apenas os custos da própria formação, mas também a retribuição devida aos trabalhadores durante o tempo de formação e as despesas de deslocação suportadas para comparência à formação quando não se realize na área geográfica do local de trabalho.
No caso em apreço nos autos, em dezembro de 2021, cerca de dois meses antes da caducidade d cartão profissional do Autor (que ocorria em fevereiro de 2022) a Ré convocou o Autor para receber a formação que era necessária à renovação do cartão.
Contudo, quando tal sucedeu o Autor encontrava-se de baixa médica já há vários meses, mais concretamente desde 28.03.2021 - o que era do conhecimento da Ré, pois que o Autor lhe enviava os certificados de incapacidade – encontrando-se, portanto, o contrato de trabalho suspenso (cfr. artigo 296º, n.º 1, do Código do Trabalho).
De acordo com o artigo 295º, n.º 1, do Código do Trabalho, durante a suspensão do contrato apenas se mantêm os direitos e os deveres das partes que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho. Ora, em nosso entender, a comparência à formação deve para tal efeito ser equiparada à prestação efetiva de trabalho (não sendo assim exigível), tanto mais que, como já referido, é inclusivamente devida aos trabalhadores retribuição durante o tempo de formação, pelo que, tanto bastaria para se concluir que não estava o Autor obrigado a comparecer à formação na data indicada pela Ré.
Mas mesmo que assim se não entendesse, o mero facto do Autor se encontrar de baixa médica, atestada por certificados de incapacidade que consignam que o Autor apenas se podia ausentar da residência por motivos clínicos – o que é demonstrado pelos certificados juntos com a p. i. – sempre seria suficiente para justificar a não comparência do Autor à referida formação, sendo por isso absolutamente injustificadas as alegações da Ré no sentido de que uma mera lesão no ombro não seria impeditiva da comparência à formação, arrogando-se de avaliadora médica da lesão sofrida pelo Autor, mesmo quando tinha na sua posse os certificados de incapacidade que atestavam que o Autor apenas se podia ausentar da residência por motivos clínicos!
É, assim igualmente injustificável, a posição assumida pela Ré no sentido de transmitir ao Autor que, por ter faltado à formação de dezembro de 2021, deveria fazer a formação a expensas do próprio, em completa violação do dever que lhe era imposto pelo CCT.
Veja-se que, mesmo que fosse provada (que não foi) e fosse de atender à alegação – feita apenas na contestação e não antes transmitida ao Autor – que dessa forma o Autor poderia obter a formação de forma mais célere face às limitações que a Ré teria para assegurar a formação a todos os seus trabalhadores, o mínimo que se exigiria era que a Ré se prontificasse a pagar a formação ainda que a mesma fosse ministrada noutro lado e não foi isso que a Ré fez pois que, em mais do que uma ocasião – cfr. pontos 11) e 13) dos factos provados – disse ao Autor que o deveria fazer à sua custa.
Por outro lado, verifica-se que o Autor teve o cuidado de informar a Ré que já se sentia melhor e perspetivava recomeçar a trabalhar e pediu informação sobre a formação, logo em outubro de 2022 ou seja, cerca de dois meses antes de terminar a baixa, o que desde logo teria possibilitado à Ré, com antecedência, começar a diligenciar pela inclusão do Autor nas listas de formação, tendo a mesma, pelo contrário, assumido de imediato a recusa em assegurar a formação, dizendo ao Autor que a deveria suportar a suas expensas, o que voltou a fazer no dia 04.01.2023 depois do Autor lhe ter comunicado no dia anterior o termo da baixa e que estava pronto para regressar ao trabalho aguardando a resolução da situação relativa à formação necessária à renovação do cartão.
É assim exclusivamente imputável à Ré a não prestação de trabalho pelo Autor entre 4 de janeiro e 15 de outubro de 2023 por não dispor o mesmo de cartão de vigilante válido, pois que injustificadamente começou por recusar assegurar a formação, determinando que fosse o Autor a suportá-la, acabando por apenas assegurar a sua realização em setembro de 2023, fazendo com que a renovação do cartão só fosse validada a partir de 16 de outubro de 2023. Desta forma deve a mesma ser responsabilizada pelo pagamento das retribuições referentes ao período compreendido entre 4 de janeiro e 15 de outubro de 2023.»
A Apelante insurge-se contra a decisão, sustentando (conclusões f. a k.) que era o Autor o responsável pela obtenção da formação necessária à renovação do cartão profissional, nos termos da Cláusula 12.ª do CCT, uma vez que só remeteu o certificado de registo criminal à Ré em Outubro de 2022, cerca de dez meses passados sobre a caducidade do cartão.
Em 1.º lugar, diga-se que apenas no CCT de 2023, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 2023, se veio estabelecer expressamente, com o aditamento do n.º 7 à Cláusula 12.ª, que o não cumprimento do estipulado no n.º 2 da mesma (dever de obtenção e entrega, tempestivamente, ao empregador, certificado do registo criminal actualizado, cópia do cartão profissional e demais documentação legalmente necessária para a renovação do cartão profissional) faz incorrer o trabalhador na responsabilidade pela obtenção da formação necessária à renovação do cartão profissional.
Em 2.º lugar, trata-se de questão nova, não suscitada na contestação, pois o que a Ré aí alegou, em conformidade com o teor dos seus e-mails de 10.10.2022 e 4.01.2023, é que, tendo o Autor faltado à formação agendada pela Ré em Dezembro de 2021, a realização da formação pelos seus próprios meios seria a forma mais expedita de renovar o cartão profissional, uma vez que a Ré tem de assegurar formação a mais de 3000 trabalhadores.
Não se discutiu, pois, se a Ré dispunha ou não em seu poder de certificado de registo criminal actualizado do Autor quando agendou a formação em Dezembro de 2021 ou quando o cartão profissional do Autor caducou em Fevereiro de 2022, pelo que não pode ter-se como adquirida a correspondente matéria de facto (embora se possa concluir que, qualquer que fosse, não foi impeditiva daquele agendamento pela Ré), nem, de qualquer modo, pode conhecer-se da questão em sede de recurso.
De qualquer modo, acolhe-se o que na sentença, nos sobreditos termos, se diz relativamente a não estar o Autor obrigado a participar em acção de formação profissional por efeito da suspensão do contrato de trabalho por doença que o impedia de se ausentar do domicílio por razões não clínicas, que a Apelante não impugna no recurso. E, assim sendo, uma vez que o dever do trabalhador é de obter e entregar, tempestivamente, ao empregador, certificado do registo criminal actualizado para a renovação do cartão profissional, tem de concluir-se que este dever não existia enquanto o Autor não pudesse participar na indispensável acção de formação profissional, uma vez que de nada serviria que o trabalhador entregasse um certificado do registo criminal em momento anterior que entretanto caducasse.
Assim, resultando do CCT a obrigação de o empregador promover e custear a formação profissional do trabalhador necessária à renovação do cartão profissional, cabia à Ré, perante a factualidade provada sob os pontos 10) e 12), diligenciar pela mesma no que se refere ao Autor, fosse através de meios próprios, fosse – designadamente pela alegada incapacidade de a assegurar desse modo em tempo útil – através do contacto, marcação e pagamento a qualquer entidade formadora credenciada, convocando o Autor em conformidade e pagando-lhe a retribuição correspondente e as despesas de deslocação, se fosse o caso.
A mera comunicação ao Autor de que “(…) deverá contactar (a título particular) qualquer entidade formadora a fim de realizar a formação necessária”, sem quaisquer outros esclarecimentos ou diligências, não é suficiente para que se mostre cumprida a obrigação da Ré de lhe assegurar a formação profissional nas mencionadas condições previstas no CCT.
Nos termos do art.º 323.º, n.º 1 do Código do Trabalho, a parte que faltar culposamente ao cumprimento dos seus deveres é responsável pelo prejuízo causado à contraparte.
Trata-se da particularização, a nível do contrato de trabalho, do princípio geral em matéria de cumprimento e não cumprimento das obrigações, estabelecido no art.º 798.º do Código Civil, de acordo com o qual o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor. Nos termos do art.º 799.º do mesmo diploma legal, com a epígrafe «Presunção de culpa e apreciação desta», incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (n.º 1), sendo a culpa apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil (n.º 2), ou seja, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (art.º 487.º, n.º 2 do citado Código). Por seu lado, o art.º 563.º do Código Civil, com a epígrafe «Nexo de causalidade», dispõe que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Do exposto decorre que se verificam os requisitos da responsabilidade contratual da Ré perante o Autor, porquanto:
- provou-se uma conduta ilícita da mesma, traduzida na violação do dever de proporcionar e custear formação profissional indispensável a que o Autor renovasse o seu cartão profissional;
- provou-se a negligência da Ré, posto que tinha a possibilidade de assegurar a formação profissional, por meios próprios ou recorrendo a entidade formadora credenciada;
- provou-se a existência de prejuízos do Autor, correspondentes ao valor das retribuições que deixou de auferir por não ter prestado trabalho;
- provou-se o nexo de causalidade entre tais prejuízos e a violação culposa do referido dever contratual, uma vez que foi esta que impossibilitou o Autor de prestar trabalho e receber as correspondentes retribuições.
Improcede, pois, o arrazoado constante das conclusões l. a n., e, em suma, o recurso na sua totalidade.
4. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2025
Alda Martins
Sérgio Almeida
Leopoldo Soares