CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
NOTIFICAÇÃO
PRAZO
Sumário

1. O prazo de impugnação da decisão condenatória da ACT pela prática de uma contra-ordenação laboral não se suspende aos sábados, domingos e feriados [artigos 6.º, n.º 1 do RGCOL (Lei n.º 107/09), 104.º, n.º 1 do CPP e 138.º, n.º 1 do CPC] nem durante as férias judiciais [art.º 6.º, n.º 2 d o RGCOL]
2. O RGCO (art.º 60.º) tem regime distinto ao dispor expressamente no seu n.º 1 que o prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa “suspende-se aos sábados, domingos e feriados”,
3. A notificação da decisão administrativa deve ser feita ao arguido e ao seu advogado (arts. 47.º do RGCO e 113.º, n.º 10, do CPP), contando-se o prazo para impugnação da decisão administrativa a partir da data da notificação efetuada em último lugar.
4. O regime de notificação previsto no artigo 9.º do RGCOL não é aplicável à notificação ao advogado do arguido da decisão administrativa que aplica a coima, sendo-o o regime do artigo 113.º, do Código de Processo Penal, subsidiariamente aplicável.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

Π
1. Relatório
1.1. A arguida XX, Lda., foi condenada por decisão administrativa proferida pela Autoridade das Condições do Trabalho no pagamento de uma coima no valor de € 2.142,00 acrescida da sanção acessória de publicidade, pela prática de uma contra-ordenação muito grave prevista nos termos do artigo 25.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto e 36.º, n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 165/2014, de 4 de Fevereiro.
1.2. Não se conformando com tal decisão, a arguida impugnou-a judicialmente.
1.3. Recebidos os autos no tribunal da 1.ª instância, a Mma. Juiz a quo proferiu despacho em que, afirmando que a impugnação foi apresentada no 3.º dia útil após o termo do prazo, determinou se notificasse a recorrente para, no prazo de 10 (dez) dias, proceder ao pagamento da multa devida, com invocação do disposto no art.º 139.º, n.º 5, al. c), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no art.º 107.º-A, al. c), do Código de Processo Penal, e com as adaptações aí previstas, por sua vez aplicável por força do disposto no art.º 6.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.
Requerendo a arguida se julgue tempestiva a impugnação judicial apresentada, não havendo lugar a pagamento de qualquer multa por prática de actos extemporâneos, por ter sido o seu advogado notificado da decisão administrativa apenas em 25 de Março de 2024, a Mma. Juiz a quo decidiu, por despacho de 10 de Setembro de 2024, que com a prolação do anterior despacho se esgotou o poder jurisdicional. Assim, e considerando não ter a arguida procedido ao pagamento da multa devida, apesar de notificada com a cominação de, não o fazendo, o tribunal não conhecer do recurso interposto, não admitiu o recurso/impugnação deduzida por força da sua extemporaneidade.
1.4. A arguida, inconformada, interpôs recurso do indicado despacho para este Tribunal da Relação, tendo formulado, a terminar a respectiva motivação, as seguintes conclusões:
“A. Em 19/06/2024, foi proferido despacho que decidiu que: (...) Ponderando o prazo de recurso que dispunha a recorrente para impugnara decisão da ACT constata-se, face à data em que lhe foi esta notificada, que a impugnação que deduziu é extemporânea1 (O prazo terminou no dia 9 de Abril de 2024, podendo o acto ser praticado até ao dia 12 de Abril de 2024). Sem prejuízo, atendendo à data da notificação do seu Il. Mandatário e à circunstância de o prazo de impugnação só começar a correr depois deste notificado (art.º 47.º, n.º 4, do RGCO), verifica-se que a impugnação foi apresentada no 3.º dia útil após termo do prazo, beneficiando, assim, a recorrente justamente deste circunstancialismo, conquanto, naturalmente, proceda ao pagamento da multa correspondente. Nesta conformidade, notifique a recorrente para, no prazo de 10 (dez) dias, proceder ao pagamento da multa devida, sob pena de o tribunal não conhecer do recurso interposto
B. Com o devido respeito a impugnação judicial foi apresentada em tempo.
C. A decisão administrativa impugnada foi proferida a 12 de março de 2024.
D. A Recorrente foi notificada da decisão administrativa de condenação, por carta registada com aviso de receção em 20.03.2024.
E. A Recorrente encontra-se representada por Advogado, desde a fase administrativa, já tendo anteriormente sido exercido o direito de defesa.
F. O Mandatário da Recorrente foi notificado por correio postal simples.
G. Desconhece a Recorrente qual a data da expedição da notificação da decisão condenatória ao seu Mandatário.
H. Não se aceitando como data de expedição a data que consta do ofício.
I. Pois o ofício não é prova da expedição da carta.
J. Desconhecendo-se a data da expedição da notificação do mandatário, cuja prova supõe um documento (a assinatura do ofício, que não existe ou a prova da expedição pelo correio), não podendo o Tribunal a quo considerar que este foi notificado no dia 21.03.2024.
K. O Mandatário da ora Recorrente foi notificado na data de 25.03.2024, correspondente ao 5º dia após a data constante no ofício.
L. Dispõe o art.º 113º, nº 10 do Código do Processo Penal, aplicável por força do disposto no art.º 6º, nº 1 da Lei 107/2009, de 14.09, que a decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima deve ser notificada à Arguida, ao responsável solidário, bem como ao Mandatário, iniciando-se a contagem do prazo para a prática do ato a partir da data da notificação efetuada em último lugar.
M. Tendo ainda o mesmo entendimento o artigo 47º, nº4 do RGCO,
N. O último a ser notificado foi o Mandatário da Recorrente, no dia 25.03.2024, sendo o último dia do prazo para apresentação de impugnação judicial o dia 15.04.2024
O. Data em que a impugnação judicial foi efetivamente apresentada pela Recorrente, 
P. Sendo a data de notificação a este que deveria ter sido considerada para efeitos de contagem de prazo pelo Tribunal a quo.
Q. E já não no terceiro dia útil após o termo do prazo.
R. Termos em que, invocando-se o douto suprimento deste Venerando Tribunal, deverá o douto despacho recorrido, ser substituído por um que julgue tempestiva a impugnação judicial apresentada pela Recorrente.
S. Tudo, com as demais consequências legais.”
1.5. O Digno Magistrado do Ministério Público apresentou resposta à motivação, pugnando pela improcedência do recurso. Segundo aduz, em suma, o prazo máximo para apresentação de recurso ocorreu no dia 12 de Abril de 2024, tendo em consideração a notificação do mandatário da arguida, dispondo a arguida de 3 (três) dias úteis com pagamento de multa processual a que alude o artigo 107.º-A do CPP, ou seja, até dia 17 de Abril de 2024. E conclui que, sendo o recurso apresentado dia 15 de Abril de 2024, no 1.º dia útil decorrido o prazo de 20 dias e não tendo a arguida pago a multa processual, apesar de notificada, a impugnação é extemporânea e não merece reparo o despacho recorrido.
1.6. O recurso foi admitido.
*
1.7. Uma vez remetido o mesmo a este Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer no sentido de que o recurso interposto deve ser considerado improcedente, secundando a posição do Ministério Público na 1.ª instância.
*
1.8. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, a recorrente veio reiterar que o último dia do prazo para apresentação de impugnação judicial o foi o dia 15 de Abril de 2024.
*
1.9. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
2. Fundamentação
*
2.1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da motivação que o recorrente produziu para fundamentar a sua impugnação, onde sintetiza as razões da discordância do decidido e resume as razões do pedido – cfr. os artigos 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente por força do disposto, sucessivamente, no artigo 60.º, n.º 1 Regime Geral das Contra-Ordenações Laborais (RGCOL) aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro e nos artigos 41.º, n.º 1 e 74.º, n.º 4, do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), este com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro, pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro.
O presente recurso foi interposto nos termos do artigo 38.º, n.º 2 do RGCOL do despacho do Mmo. Juiz da 1.ª instância que rejeitou a impugnação judicial por a entender feita fora de prazo, sendo a única questão a apreciar a de saber se a impugnação judicial da decisão administrativa o recurso é tempestiva.
*
2.2. Resulta dos autos, com relevo para a apreciação da tempestividade da impugnação judicial, que:
• a decisão da autoridade administrativa foi proferida em 15 de Março de 2024 (fls. 54);
• a recorrente foi notificada dessa decisão por carta registada com aviso de recepção recebida em 20 de Março de 2024 (fls. 57-A);
• a decisão administrativa foi ainda notificada ao mandatário da arguida por carta simples, conforme ofício da ACT datado de 18 de Março de 2024 e devidamente assinado, do qual consta tal data como data da “saída” e, ainda, que “a notificação considera-se efetuada no 5.º dia posterior à data da expedição” (fls. 56);
• a arguida impugnou perante o tribunal da 1.ª instância aquela decisão da autoridade administrativa por carta remetida no dia em 15 de Abril de 2024 (fls. 58 verso).
*
2.3. Ao presente recurso é aplicável o Regime Geral das Contra-Ordenações Laborais (RGCOL) aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, uma vez que a contra-ordenação pela qual a recorrente foi condenada foi praticada após a sua entrada em vigor (artigo 65.º).
O artigo 6.º do RGCOL estabelece sobre a contagem dos prazos dos actos processuais na fase administrativa (Capítulo II), dispondo o seguinte:
"1 - À contagem dos prazos para a prática de actos processuais previstos na presente lei são aplicáveis as disposições constantes da lei do processo penal.
2 - A contagem referida no número anterior não se suspende durante as fêrias judiciais.".
Por seu turno o artigo 33.º do mesmo diploma, inserido na fase judicial (Secção II do Capítulo IV) estabelece sob a epígrafe "Forma e prazo" que:
"1 - A impugnação judicial é dirigida ao tribunal de trabalho competente e deve conter alegações, conclusões e indicação dos meios de prova a produzir.
2 - A impugnação judicial é apresentada na autoridade administrativa que tenha proferido a decisão de aplicação da coima, no prazo de 20 dias após a sua notificação.".
A dedução de impugnação judicial da decisão administrativa inscreve-se na fase administrativa1.
Uma vez que, por força do n.º 1 do artigo 6.º do RGCOL, se aplicam à contagem dos prazos para a prática de actos processuais previstos na lei em que o mesmo se mostra inserido as disposições constantes da lei de processo penal e, nos termos do n.º 1 do art.º 104.º do Código de Processo Penal, se aplicam “à contagem dos prazos para a prática de actos processuais as disposições da lei do processo civil", é de considerar que o prazo de 20 dias para a dedução da impugnação da decisão da ACT se mostra sujeito à regra da continuidade expressa no artigo 138.º do Código de Processo Civil2.
Além disso, nos termos do preceituado no n.º 2 do referido artigo 6.º, tal prazo “não se suspende durante as férias judicias”.
Assim, de acordo com o regime do processo das contra-ordenações laborais traçado na Lei n.º 107/2009, o prazo de impugnação da decisão da ACT que condene uma pessoa individual ou colectiva pela prática de uma contra-ordenação laboral não se suspende aos sábados, domingos e feriados [artigos 6.º, n.º 1 da Lei n.º 107/09, 104.º, n.º 1 do CPP e 138.º, n.º 1 do CPC] nem durante as férias judiciais [art.º 6.º, n.º 2 da Lei 107/09].
O acórdão para fixação de jurisprudência n.º 5/2013 de 2013.01.17, proferido já no âmbito de vigência da Lei n.º 107/09, em conformidade com este regime cujas linhas gerais acabámos de traçar, decidiu que:
«Instaurado processo de contra-ordenação laboral em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, à contagem do prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que, já na vigência deste último diploma, aplique uma coima, é aplicável o novo regime nele introduzido pelo número 1 do seu artigo 6.º, correndo o prazo de forma contínua, não se suspendendo por isso aos sábados, domingos e feriados»3.
A recente Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro aditou ao RGCOL o artigo 27.º-A, segundo o qual “[o]s prazos relativos aos atos praticados nos procedimentos contraordenacionais, bem como ao exercício do direito de audição ou de defesa em quaisquer procedimentos, exercício do direito à redução de coimas, dispensa de coima, bem como de pagamento antecipado de coimas, ou de esclarecimentos solicitados pelas instituições de segurança social ou ACT, que terminem no decurso do mês de agosto, são transferidos para o primeiro dia útil do mês seguinte”.
Ainda com relevo para aferir da tempestividade do presente recurso, cabe ter presente o disposto no 47.º do RGCO, aplicável subsidiariamente por força do preceituado no artigo 60.º do RGCOL, segundo o qual “[s]e a notificação tiver de ser feita a várias pessoas, o prazo da impugnação só começa a correr depois de notificada a última pessoa”.
Para além da arguida (artigo 8.º do RGCO), também o seu advogado deve ser notificado da decisão administrativa (artigo 9.º do RGCOL e 47.º da RGCO), contando-se o prazo para impugnação da decisão administrativa a partir da data da notificação efetuada em último lugar, conforme resulta do artigo 47º do RGCO (e também resultaria do artigo 113.º, n.º 10 do Código de Processo Penal), aplicável subsidiariamente4.
Quanto ao dies a quo para a contagem deste prazo, é que verdadeiramente se suscita a questão em análise no presente recurso.
Vejamos.
Relativamente à notificação à arguida da decisão administrativa, prescreve o artigo 8.º da Lei n.º 107/2009, de 04 de Setembro que:
1 - As notificações em processo de contraordenação são efetuadas por carta registada, com aviso de receção, nos seguintes termos:
a) Sempre que se notifique o arguido do auto de notícia, da participação e da decisão da autoridade administrativa que lhe aplique coima, sanção acessória ou admoestação;
b) Sempre que o notificando se recusar a receber ou assinar a notificação, o distribuidor do serviço postal certifica a recusa, considerando-se efetuada a notificação;
c) A notificação por carta registada considera-se efetuada na data em que seja assinado o aviso de receção ou no terceiro dia útil após essa data, quando o aviso seja assinado por pessoa diversa do notificando;
d) Se, por qualquer motivo, a carta registada for devolvida à entidade remetente, a notificação é reenviada ao notificando por via postal simples, considerando-se efetuada a notificação.
2 - As notificações referidas no número anterior podem ser efetuadas através do serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, do sistema de notificações eletrónicas da segurança social, ou da caixa postal eletrónica, equivalendo ambas à remessa por via postal registada com aviso de receção.
3 - Na impossibilidade de concretizar a notificação prevista nos números anteriores, designadamente quando a sede ou o domicílio dos destinatários se situar fora do território nacional, a mesma pode ser feita por edital, nos seguintes termos:
a) Publicitação em anúncio no sítio na Internet da ACT e da segurança social de acesso público;
b) Considera-se feita no dia da publicitação do anúncio;
c) Produz efeitos após o prazo de dilação de três dias.
O subsequente artigo 9.º, invocado pela recorrente na sua motivação recursória, estabelece, sob a epígrafe “Notificação na pendência de processo”, que:
1 - As notificações efetuadas na pendência do processo não referidas no artigo anterior são efetuadas por meio de carta simples ou correio eletrónico ou caixa postal eletrónica.
2 - Quando a notificação seja efetuada por carta simples deve ficar expressamente registada no processo a data da respetiva expedição e a morada para a qual foi enviada, considerando-se a notificação efetuada no quinto dia posterior à data ali indicada, devendo esta cominação constar do ato de notificação.
3 - (Revogado.)
4 - (Revogado.)
5 - Quando a notificação seja efetuada através do serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital ou do sistema de notificações eletrónicas da segurança social, são aplicadas as respetivas regras de perfeição da notificação.
6 - Sempre que o arguido se encontre representado por defensor legal as notificações são a este efetuadas.”
Ora, o regime de notificação previsto neste artigo 9.º não é aplicável à notificação ao defensor do arguido da decisão administrativa que aplica a coima.
Com efeito, desde logo a epígrafe anuncia que o mesmo se reporta a notificações na pendência de processo administrativo, o que não acontece com a decisão que o remata.
É igualmente o que resulta do respectivo n.º 1, que traça o âmbito objectivo da norma em termos positivos em conformidade com a epígrafe (o preceito apenas se aplica à notificação de decisões proferidas na pendência do processo) e negativos (não se aplica às notificações referidas no precedente artigo 8.º, n.º 1).
Também o modo como se mostra prevista a notificação ao defensor no n.º 6 do artigo 9.º - “Sempre que o arguido se encontre representado por defensor legal as notificações são a este efetuadas” - denota que a notificação aqui referenciada exclui a concomitante notificação ao arguido, o que, caso se considerasse que o artigo 9.º compreende a notificação ao mandatário da decisão administrativa que aplica a coima, seria contraditório com a prescrição do n.º 1 do artigo anterior, este sim claro quanto à obrigação de notificação à arguida da decisão da autoridade administrativa que lhe aplique coima, sanção acessória ou admoestação.
A previsão legal do dever de notificação da decisão administrativa ao mandatário do arguido não pode excluir a notificação ao próprio arguido referida no n.º 1, do artigo 8.º, com os formalismos aí enunciados, o que evidencia que o regime do artigo 9.º do RGCOL não se aplica à notificação ao mandatário da decisão administrativa que aplica a coima.
Assim, no que concerne à notificação do mandatário da arguida da decisão administrativa, uma vez que a mesma se não mostra especificamente prevista no RGCOL, impõe-se apelar ao regime subsidiariamente aplicável, no caso, o Decreto Lei nº 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), aplicável ex vi do disposto no artigo 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro5.
Nos termos do preceituado no artigo 46.º, n.º s 1 e 2 do RGCO, “[t]odas as decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas serão comunicadas às pessoas a quem se dirigem” e, tratando-se de medida que admita impugnação sujeita a prazo, “a comunicação revestirá a forma de notificação, que deverá conter os esclarecimentos necessários sobre admissibilidade, prazo e forma de impugnação”. E o artigo 47.º, n.º 2, do mesmo Decreto-Lei prescreve que “[a] notificação será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao defensor nomeado”.
Por seu turno o artigo 113.º n.º 10 do Código de Processo Penal, subsidiariamente aplicável às contra-ordenações por via do disposto no artigo 41.º n.º 1 do RGCO, estabelece que “[a]s notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à contestação, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado, sendo que, neste caso, o prazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efetuada em último lugar”.
De acordo com o artigo 113.º, n.º 11, do Código de Processo Penal, “[a]s notificações ao advogado ou ao defensor nomeado, quando outra forma não resultar da lei, são feitas por via eletrónica, nos termos a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, ou, quando tal não for possível, nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 1, ou por telecópia.”
É o seguinte o teor do artigo 113.º, n.º 1:
“1 - As notificações efectuam-se mediante:
a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado;
b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados;
c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos; ou
d) Editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente o admitir.”
Os n.ºs 2 a 4 do preceito enunciam as datas em que se presumem feitas as notificações por via postal registada ou por via postal simples, do seguinte modo:
“2 - Quando efetuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, devendo a cominação aplicável constar do ato de notificação.
3 - Quando efectuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.
4 - Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.
(…)”
Retornemos ao caso sub judice.
Iniciando-se o prazo para interpor o recurso de impugnação judicial a partir da notificação efectuada em último lugar, e sabendo-se que, no caso vertente, a notificação da arguida foi efectuada em 20 de Março de 2024 (data da assinatura do aviso de recepção – artigo 8.º, n.º 3, primeira parte do RGCOL), cabe ver quando se deve considerar efectuada a notificação do seu mandatário.
Ora, compulsados os autos, estes não fornecem os elementos necessários a aferir qual o momento em que se deve considerar notificado o mandatário da arguida.
Resulta de fls. 56 que a decisão administrativa foi notificada ao mandatário da arguida por carta simples, conforme ofício da ACT datado de 18 de Março de 2024, do qual consta tal data como data da “saída”.
Ao invés do que alega a recorrente, tal ofício encontra-se devidamente assinado pelo funcionário respectivo.
Simplesmente, não se evidenciando que a carta remetida ao advogado tenha sido uma carta registada com aviso de recepção6 cabe lançar mão do regime prescrito no artigo 113.º do Código de Processo Penal para a notificação por via postal simples – vide os n.ºs 1.al. c), 3, 4 e 11 do preceito.
A lei processual penal faz depender a data em que a notificação por via postal simples se presume efectuada, essencialmente, da data do depósito da correspondência na caixa do correio do destinatário, ao estabelecer no n.º 3, do artigo 113.º, que se considera a notificação efectuada “no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal”.
Assim, apesar de no ofício da ACT se dizer que “a notificação considera-se efetuada no 5.º dia posterior à data da expedição” (fls. 56), não sendo de convocar a prescrição do artigo 9.º, n.º 2, do RGCOL, irreleva saber em que data se situa o “5.º dia posterior” à data indicada no processo como a da expedição no âmbito do regime do artigo 113.º do Código de Processo Penal, interessando saber, isso sim, qual a data do depósito da carta na caixa do correio do notificando.
Ora, para além daquela data da expedição que, como vimos, não tem interferência na localização da data em que a notificação do mandatário da recorrente se considera efectuada, nada mais consta dos autos, desconhecendo-se em absoluto qual a data em que o distribuidor do serviço postal depositou a carta na caixa de correio do notificando.
Razão por que não podem computar-se os cinco dias posteriores à data em que o distribuidor do serviço postal indicou ao tribunal ter procedido aquele depósito, tal como prescreve o n.º 3, do artigo 113.º, do Código de Processo Penal, sendo impossível fixar o termo inicial de contagem do prazo para impugnação da decisão administrativa, o que, naturalmente, impede se conheça e, muito menos, se considere ultrapassado, o seu termo final.
Deve, pois, ter-se como tempestiva a impugnação deduzida pela arguida em 15 de Abril de 2024, por então não se poder ter como completado o prazo de 20 dias prescrito no n.º 2 do artigo 33.º do RGCO por reporte à data da notificação do mandatário da arguida.
*
3. Decisão
*
Pelos fundamentos expostos, revoga-se a decisão sob recurso que rejeitou a impugnação da decisão da ACT deduzida pela ora recorrente XX, Lda., e determina-se que o tribunal da 1.ª instância conheça da impugnação, seguindo-se os ulteriores termos previstos nos artigos 39.º e ss do RGCOL, se outro fundamento a tal não obstar.
*
Sem custas.
*
(Documento elaborado pela relatora e revisto por quem o subscreve – artigo 94.º, n.º 2 do CPP)

Lisboa, 29 de Janeiro de 2025
Maria José Costa Pinto
Sérgio Almeida
Francisca Mendes
_______________________________________________________
1. Apesar de o artigo 33.º que rege sobre a sua forma e prazo estar inserido na secção relativa à fase judicial, a verdade é que a mesma ainda se não iniciou, correndo o processo na entidade administrativa.
2. Assim não é no RGCO, cujo artigo 60.º estabelece regime distinto ao dispor expressamente no seu n.º 1 que o prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa “suspende-se aos sábados, domingos e feriados”, o que tem levado a jurisprudência dos tribunais criminais a considerar que o modo de contagem deste prazo é diferente do previsto no direito processual civil, aplicável subsidiariamente ao processo penal (em que, por regra, os prazos são contados de forma contínua e apenas se suspendem nas férias judiciais - art.º 104.º, nº 1 do CPP) e a considerar que o prazo de impugnação judicial aludido no art.º 60.º não tem natureza judicial, mas administrativa (tal como decidiu o AUJ n.º 2/1994, de 10.03, publicado no DR, 1.ª série, de 7 de Maio de 1994), não havendo razão para lançar mão da remissão geral do art.º 41º do RGCO para o processo penal como lei subsidiária e este, por sua vez, para o processo civil – vide, entre outros, os Acórdãos da Relação de Lisboa 2011.10.19 (processo n.º 6197/06.9TFLSB.L1-3, in www.dgsi.pt) e de 2013.01.13 (Proc. 1596/11.7FLSB.L1, 9ª Secção, in www.pgdlisboa.pt). O RGCOL estabelece regime distinto, afastando-se do disposto no n.º 1 do artigo 60.º do RGCO, e consequentemente, da natureza administrativa do referido prazo que fora anteriormente afirmada no acórdão para Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 2/1994.
3. In Diário da República I-A, de 15 de Fevereiro de 2013.
4. Assim, tem constituído jurisprudência uniforme e reiterada, como se constata designadamente, dos seguintes arestos: Acórdãos da Relação de Évora de 22 de Outubro de 2020, processo n.º 1777/19.5T8TMR.E1, de 7 de Junho de 2023, processo n.º 319/22.0T8PTG.E1 e de 2 de Março de 2023, processo n.º 3339/22.0T8FAR.E1, e o Acórdão da Relação de Coimbra de 13 de Dezembro de 2023, processo n.º 709/23.0T8GRD.C1, todos in www.dgsi.pt.
5. Assim entendendo, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2020.12.18, Processo 3422/20.7T8CBR.C1, o Acórdão da Relação de Coimbra de 13 de Dezembro de 2023, processo n.º 709/23.0T8GRD.C1, e o Acórdão da Relação de Lisboa de 2024.03.20, Processo n.º 11609/23.4T8SNT.L1, os dois primeiros in www.dgsi.pt e o último inédito, tanto quanto nos é dado saber.
6. Como temos visto suceder noutras situações de notificação da decisão administrativa no termo da fase administrativa do processo de contra-ordenação, em recursos que chegam ao Tribunal da Relação.