ARRESTO
CADUCIDADE
REDUÇÃO
AVALIAÇÃO
CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
Sumário

1. – Dispõe o art.º 373º, nº 1, alínea b), do CPC, que a providência cautelar, quando decretada, caduca se, proposta a ação, o processo estiver parado mais de 30 dias, por negligência do requerente;
2. – Apesar do disposto no art.º 373º, do CPC, estamos em crer que não existe uma tipicidade taxativa de casos de caducidade do arresto, existindo outras situações atípicas igualmente geradoras da extinção ou da caducidade da providência cautelar;
3. -  Se o arrestante vem a obter uma sentença – na acção principal - de condenação do arestado no pagamento de montante que vier a ser liquidado, o protelamento da dedução do incidente de liquidação [o qual vai desencadear a renovação da instância da acção principal] pode outrossim integrar a previsão do art.º 373º, nº 1, alínea b), do CPC, para efeitos de caducidade do ARRESTO.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
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1. - Relatório.
A, intentou em 22/9/2020 providência cautelar de ARRESTO contra B, sendo que em decisão judicial de 23/10/2020 foi a providência decretada, determinando-se o seguinte :
“Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a requerida providência cautelar, determinando o arresto dos seguintes bens, tendo como limite o montante de €291.750,00:
a) Os saldos de depósitos bancários, instrumentos financeiros, títulos, etc, de que a Requerida é titular no Banco Comercial Português com o n.º …673 (ii) na Caixa de Crédito Agrícola Mutuo …960;
b) O Prédio urbano sito na Quinta …, …, em Silves, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º …, da freguesia de …;
c) O veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Audi, modelo A1, com a matrícula …-WW-...”
1.1. – Concretizado o Arresto decretado [apenas relativamente ao (i) Automóvel ligeiro de passageiros, marca Audi, modelo A1, com a matrícula …-OQ-…, com matrícula de Maio de 2014 e ii) O prédio urbano sito na Quinta ..., …, em Silves, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º …, da freguesia de …] e deduzida OPOSIÇÃO pela requerida ao mesmo, foi a oposição julgada improcedente [por decisão de 18/02/2021] e, no seguimento de pedido de reforço do ARRESTO decretado, veio este mesmo TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA [em acórdão de 16/12/2021 e revogando decisão em contrário do tribunal a quo e de 6/9/2021] a ordenar também o arresto do imóvel pertencente à Recorrida, sito na Rua …., Bairro …, …, inscrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …./19950907 e descrito na matriz predial urbana da freguesia de Belém sob o n.º....
1.2. – Já em 8/7/2024, através de instrumento ref.ª 49430215, veio B, Requerida nos autos de Arresto e ao abrigo do disposto nos arts.º 373º e 395º do C.P.C., requerer a declaração da caducidade do Arresto [invocando o decurso de mais de dois meses sobre o trânsito em julgado do último dos acórdãos do S.T.J. que incidiu sobre sentença da acção principal e sem que o Requerente/Autor tenha intentado a liquidação e subsequente execução], pretensão esta que mereceu da parte do tribunal a seguinte decisão [de 25/7/2024] “ O ora requerido será apreciado após o TRL proferir decisão sobre o recurso interposto ”.
1.3.- Uma vez proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação em 12/9/2024 [acórdão que decidiu manter o arresto sobre o veículo e os dois imóveis, julgando assim improcedente a apelação da requerida], veio novamente a requerida B [em instrumento de 19/9/2024, Refª 49887112] requerer o seguinte:
a) a declaração de caducidade do arresto nos termos dos arts.º 373º e 395º do C.P.C.; e Subsidiariamente,
b) a avaliação do prédio sito à Rua …, Bairro …, freguesia de …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz sob o art.º … e
c) a redução do arresto, libertando o veículo automóvel Audi e a fracção “B” de …, T-3, correspondente ao R/c destinado a habitação do prédio sito à Quinta ..., … Silves inscrito na matriz urbana sob o art.º … e mantendo o arresto sobre o prédio sito à Rua …, Bairro …, freguesia de …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz sob o art.º …, a qual tem valor mais do que suficiente para garantia do valor da dívida.”.
1.4. – Apreciando [após oposição do requerente do ARRESTO] o requerimento identificado em 1.3., proferiu de seguida o tribunal a quo – em 11/10/2024 e refª 439147192– a seguinte decisão:
“(…)
Começaremos por salientar que o recurso interposto pela Requerida da decisão de 30/04/2024 que indeferiu o pedido de levantamento arresto anteriormente formulado pela mesma foi já julgado improcedente (cfr. apenso E).
Em face da decisão do S.T.J. proferida nos autos principais transitada em julgado e no que toca ao crédito do Requerente a garantir, temos as seguintes condenações da Ré/Requerida:
“b) Condenar a Ré a restituir ao A. os seguintes bens:
(i) Serviço de chá/café em estanho composto entre outros, por bule, açucareiro, prato oval grande;
(ii) Serviço de jantar em louça (antigo);
(iii) Fio em ouro antigo;
(iv) Uma salva de prata;
c) Condenar a Ré a pagar ao A. a quantia de €9.675,75 a que acrescem juros de mora contados à taxa legal para os juros civis, contados desde a data da citação, até integral e efectivo pagamento;
d) Condenar a Ré ao pagamento do que vier a ser liquidado, nos termos do disposto no art.º 609º, nº 2, do CPCivil, e correspondente aos seguintes valores:
- valor correspondente à proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel referido em e) e liquidação do financiamento, valor não superior a €22.500,00;
- valor correspondente à proporção do despendido pelo A., relativo ao remanescente do valor produto da venda do BMX X5, em valor não superior a €10.000,00;
- valor correspondente à proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel referido em a) e liquidação do financiamento;
- valor correspondente à proporção do despendido pelo A., na aquisição do veículo Audi.”
Como já demos nota no processo principal, para além de subsistirem pedidos ilíquidos relativamente aos quais não foi fixado tecto máximo, mantém-se o pedido de condenação da Ré na restituição de bens móveis o que obviamente também tem um conteúdo económico, para além da condenação líquida no pagamento de €9.675,75 acrescido de juros de mora desde a citação.
A providência de arresto caduca, para além das situações prevenidas no art.º 373º nº 1 do C.P.C. que claramente não se verificam, na situação acautelada no art.º 395º do C.P.C., ou seja, no caso de, obtida na ação de cumprimento sentença com trânsito em julgado, o credor insatisfeito não promover execução dentro dos dois meses subsequentes, ou se, promovida a execução, o processo ficar sem andamento durante mais de 30 dias, por negligência do exequente.
É certo que já decorreram mais de 2 meses desde o trânsito em julgado da sentença, e a Requerida ainda não intentou acção executiva, o que a nosso ver poderia fazer relativamente à parte líquida da sentença (desde logo porque não aceita qualquer compensação de créditos), seja para prestação de facto, seja para pagamento de quantia certa.
Todavia, a condenação também é parcialmente ilíquida e aqui o legislador não impôs um prazo para dedução do incidente de liquidação cuja inobservância acarretasse a caducidade da providência.
Ou seja, não tem razão o Requerente quando defende que está impedido de executar a parte líquida da sentença apenas porque uma parte é ilíquida, mas tem razão quando salienta que a parte ilíquida da sentença subsiste sem tecto máximo no seu todo, não havendo fundamento legal para declarar a caducidade do arresto com base na não dedução do incidente de liquidação, o que o Requerente até justificou com o facto de se encontrar a recolher prova para a propositura do incidente.
Quanto à requerida redução do arresto, mesmo que confinando o arresto ao crédito resultante da parte ilíquida, no pressuposto de que o Requerente pode e deve promover a execução da parte líquida, não é possível antever qual seja “o valor correspondente à proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel referido em a) e liquidação do financiamento”; ou o “valor correspondente à proporção do despendido pelo A., na aquisição do veículo Audi.”, que acrescem aos demais valores a liquidar estas com o tecto máximo total de €32.500,00 (€22.500,00+€10.000,00).
Note-se que o valor patrimonial do prédio sito em Lisboa, determinado em 2021, de acordo com a certidão matricial junta, é de €61.833,80, inferior, portanto, ao valor patrimonial do prédio arrestado sito em Silves cuja libertação se pretende.
Nesta conformidade, mesmo sendo controvertida a questão de saber qual seja o valor comercial do imóvel arrestado sito em Lisboa, para o qual sempre se teria de ter em consideração a dívida hipotecária, não vemos por ora utilidade em procedera uma avaliação pericial deste prédio quando a definição exacta do crédito a garantir depende de liquidação sem que haja tecto máximo para algumas das condenações ilíquidas.
A conclusão relativamente à utilidade da avaliação pericial do prédio arrestado sito em Lisboa pode ser diversa assim que se conheçam os termos da liquidação a promover, designadamente, o valor que o Autor entende ser devido no âmbito dos pedidos a liquidar no competente incidente. Este valor poderá funcionar como tecto máximo para efeitos de ponderação da proporcionalidade do arresto e sua eventual redução, já que do incidente de liquidação terá sempre de resultar uma quantia líquida exacta, no limite com recurso à equidade.
Assim, pelas razões expostas decide-se:
a) Indeferir o pedido de declaração de caducidade do arresto;
b) Indeferir, por ora, o pedido de avaliação do imóvel sito em Lisboa e a redução do arresto.”.
1.5. - Notificada da decisão/sentença identificada em 1.4., veio então a requerida B, porque com a mesma inconformado, interpor recurso de apelação, formulando em sede de instância recursória as seguintes conclusões:
1.ª No dia 8 de julho de 2024, a ora Recorrente requereu a caducidade da providência cautelar de arresto, com base no decurso de mais de dois meses desde o trânsito em julgado, sem que o Recorrido tivesse iniciado o incidente de liquidação ou a execução.
2.ª No dia 19 de setembro de 2024, a Recorrente, reforçou o pedido de caducidade do arresto e solicitou a redução do arresto, defendendo que os bens arrestados ultrapassam o necessário para garantir o crédito e propondo o levantamento do arresto sobre todos bens, mantendo apenas o arresto sobre o imóvel sito em Lisboa, tendo requerido a realização de perícia para se apurar o valor atual do mesmo.
3.ª Em 11 de outubro de 2024, o Tribunal a quo indeferiu os pedidos de caducidade e de redução do arresto, entendendo, em suma que, enquanto o incidente de liquidação não for promovido, o arresto deve manter-se para garantir o crédito em causa.
4.ª A decisão de arresto e a condenação principal devem ser analisadas conjuntamente, considerando que a providência cautelar inicial visava garantir um crédito do Recorrido até ao limite de € 291.750,00.
5.ª A decisão de arresto incidiu sobre contas bancárias e bens imóveis da Recorrente, que seriam suficientes para garantir o valor inicialmente considerado como provavelmente devido ao Recorrido, com o objetivo de preservar o património da Recorrente até decisão final.
6.ª No processo principal, foi proferida decisão, já transitada em julgado, tendo sido a Recorrente condenada na restituição de determinados bens móveis ao Recorrido, além do pagamento de valores líquidos e de quantias ilíquidas.
7.ª As duas primeiras condenações ilíquidas incluem limites explícitos, já que foram fixados tetos máximos (€ 22.500,00 e € 10.000,00, para os valores despendidos pelo Recorrido na aquisição do imóvel sito em Lisboa e o remanescente da venda do BMW X5, respetivamente), já as outras duas condenações (referentes ao imóvel sito no Algarve e veículo Audi) incluem limites implícitos, determinados pelo valor de aquisição dos bens e empréstimos associados, com o limite temporal da convivência das Partes e valores efetivamente pagos ao Banco, no caso do imóvel, de modo a evitar que os montantes devidos ultrapassem o valor realmente despendido.
8.ª Os valores máximos definidos nas condenações limitam a liquidação e execução, garantindo que o arresto seja proporcional ao valor efetivamente devido, evitando uma restrição excessiva sobre o património da Recorrente.
9.ª Com o trânsito em julgado e os limites estabelecidos, torna-se necessária uma reavaliação do arresto para assegurar que este se mantenha apenas até ao limite necessário e respeite o princípio da menor onerosidade para a ora Recorrente.
10.ª As decisões de arresto e condenação impõe que, mesmo com parte do crédito ilíquido, os limites fixados devem guiar a manutenção e extensão do arresto, necessidade de ajustar a medida cautelar conforme os limites definidos, aplicando-se o princípio da proporcionalidade, evitando qualquer restrição patrimonial desnecessária e injustificada para a Recorrente.
11.ª No que respeita ao pedido de caducidade do arresto, o Tribunal a quo apresentou uma fundamentação limitada e incompleta, concluindo que o arresto não caducaria por falta de execução, justificando-se pela ausência de prazo para promover o incidente de liquidação no caso de condenações ilíquidas.
12.ª A conclusão do Tribunal a quo de que os pedidos ilíquidos da sentença não têm teto máximo e que, por isso, não há fundamento legal para a caducidade do arresto, é incorreta, pois desconsidera os limites máximos expressamente definidos para parte das condenações ilíquidas, que foram fixados em € 22.500,00 para o imóvel em Lisboa e € 10.000,00 para o BMWX5, e que as demais condenações, ainda que sem limites explícitos, têm limites implícitos definidos pelo valor de aquisição dos bens e do crédito associado (considerando o valor das prestações efetivamente pagas durante o período de convivência das Partes).
13.ª A falta de uma análise detalhada e a ausência de fundamentação sólida para a manutenção do arresto representam uma falha grave na decisão do Tribunal a quo, impondo-se uma fundamentação completa e rigorosa para justificar a manutenção de providências cautelares, especialmente quando tal medida implica uma restrição patrimonial contínua e potencialmente desproporcional.
14.ª A posição do Tribunal a quo, ao afirmar que o legislador não estabeleceu um prazo para a dedução do incidente de liquidação e que, portanto, o arresto deve ser mantido, ignora a interpretação sistemática do artigo 373.º, n.º 1, alínea a), do CPC.
15.ª A interpretação da alínea a) do n.º 1 do artigo 373.º do CPC deve incluir o incidente de liquidação como parte essencial da "ação da qual a providência depende". A falta de ação no sentido de promover o incidente de liquidação configura uma violação do dever de diligência do credor, essencial para justificar a continuidade da medida cautelar. Este entendimento protege o devedor de uma restrição patrimonial prolongada, conforme o princípio da economia processual, que exige celeridade e eficácia no uso de medidas cautelares.
16.ª O princípio da economia processual visa garantir que processos judiciais se desenrolem de forma célere e eficiente. O arresto deve, então, subsistir apenas enquanto o credor age com a diligência necessária, evitando uma aplicação prolongada e desproporcional da medida. Esta interpretação, em consonância com o artigo 373.º, n.º 1, alínea a), do CPC, assegura que a providência cautelar não se transforme em uma restrição indevida ao património do devedor.
17.ª O princípio da proporcionalidade exige que a aplicação de uma providência cautelar como o arresto seja adequada, necessária e equilibrada em relação ao crédito que se pretende garantir. No caso de uma sentença com parte ilíquida, a adequação do arresto permanece válida apenas enquanto o credor atua com prontidão para liquidar o valor devido e avança com a execução. A interpretação da norma deve, assim, assegurar que o arresto caduque na ausência de ação concreta do credor, uma vez que tal inércia compromete a justificação da medida e torna-a desproporcional.
18.ª O Tribunal a quo, ao desconsiderar o princípio da proporcionalidade e o direito de propriedade do devedor previsto constitucionalmente, perpetuou uma restrição patrimonial sem fundamento legal, contrariando os objetivos de uma medida cautelar temporária.
19.ª Qualquer interpretação que sustente a continuidade do arresto sem ação viola ainda o artigo 1.º do Protocolo Adicional n.º 1 à CEDH, bem como o artigo 6.º da CEDH.
20.ª A interpretação conjunta dos artigos 373.º, n.º 1, alínea a), e 395.º do CPC reflete a necessidade de limitar a duração das providências cautelares, mantendo-as apenas enquanto o credor age de forma diligente. A ausência de ação do credor justifica a caducidade do arresto, protegendo o devedor de uma restrição prolongada e desnecessária ao seu património.
21.ª Impondo-se assim que o Despacho proferido seja revogado e substituído por uma decisão que determine a caducidade do arresto com base numa interpretação sistemática do disposto no artigo 373.º, n.º 1, alínea a), do CPC.
22.ª Caso assim não se entenda, o artigo 395.º do CPC estabelece que o arresto caduca se o credor não promover a execução no prazo de dois meses após o trânsito em julgado da sentença (ou se, uma vez instaurada a execução, o processo ficar sem andamento por mais de 30 dias devido a negligência do credor).
23.ª Esta norma reflete o compromisso legislativo em assegurar que providências cautelares, como o arresto, sejam temporárias e vigorem apenas enquanto necessárias para proteger o direito do credor, evitando prolongamentos injustificados.
24.ª Ainda que o artigo 395.º não mencione expressamente o incidente de liquidação, a interpretação sistemática, com base nos Princípios e Direitos já citados, impõe que o prazo de dois meses seja também aplicável à promoção deste incidente, quando necessário para tornar o crédito exequível.
25.ª Esta interpretação evita que o arresto se transforme numa restrição prolongada e desproporcional, harmonizando o exercício do direito de crédito com a proteção dos direitos patrimoniais do devedor e assegurando que a providência cautelar apenas persista enquanto o credor adotar as diligências necessárias para concretizar o seu direito.
26.ª Em conclusão, o Despacho proferido pelo Tribunal a quo deve ser revogado e substituído por outro que determine a caducidade do arresto, nos termos do artigo 395.º do CPC, devido à inércia do credor em promover os atos processuais necessários para efetivar o seu direito.
27.ª Caso não seja determinada a caducidade do arresto, o que apenas se equaciona por mera cautela e dever de patrocínio, sempre deverá ser apreciado o pedido de redução do arresto.
28.ª O Tribunal a quo recusou a redução do arresto, argumentando que o valor exato do crédito ilíquido ainda não está definido e, portanto, uma avaliação dos bens arrestados seria prematura e desnecessária.
29.ª O princípio da proporcionalidade exige que a medida cautelar seja adequada ao valor do crédito a garantir, limitando a restrição sobre o património do requerido ao necessário para assegurar o direito do credor, conforme consagrado na Constituição e na Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
30.ª A decisão de manter o arresto sem considerar os limites máximos das condenações viola os já citados Princípios, ao impor uma restrição excessiva sobre o património da Recorrente, ultrapassando o que é estritamente necessário para proteger o crédito.
31.ª O Tribunal a quo também errou ao considerar o valor patrimonial tributário do imóvel em Lisboa, já que este é manifestamente inferior ao valor comercial, o que seria facilmente demonstrado com a realização da perícia requerida, e evitaria a imposição de uma medida desnecessariamente onerosa para a Recorrente.
32.ª A falta de uma avaliação pericial dos bens arrestados compromete a celeridade e a economia processual, essenciais nas providências cautelares.
33.ª A decisão do Tribunal a quo de manter o arresto sem uma avaliação contradiz a possibilidade de utilização da equidade para determinar o valor do crédito. Se o Tribunal reconhece que o crédito pode ser apurado por equidade, deveria também admitir a possibilidade de reduzir o arresto ao teto máximo estimado.
34.ª Assim, o Despacho proferido deve ser revogado e substituído por outro que determine a realização de uma avaliação pericial dos bens, assegurando que o arresto seja proporcional ao crédito efetivamente devido e respeite os direitos patrimoniais da Recorrente.
Nestes termos, e nos demais de direito que V.Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, e o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine a caducidade do arresto, ou, caso assim não se entenda, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine a realização de uma avaliação pericial dos bens.
Só assim se cumprirá o Direito e se fará Justiça!
1.6. – Notificado da apelação identificada em 1.5., veio o requerente/apelado A apresentar contra-alegações, terminando-as por impetrar que seja confirmando o Douto despacho recorrido, e mantendo-se o procedimento cautelar nos exatos termos decretados.
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Thema decidendum
1.7. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem] das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir resumem-se às seguintes:
I – Aferir se importa revogar a decisão recorrida, sendo substituída por outra que declare a caducidade do arresto, por alegada inércia na promoção do incidente de liquidação;
II – Aferir da efectiva verificação da desproporcionalidade do arresto face aos pretensos e alegados limites da condenação;
III – Aferir da correcção da decisão recorrida na parte em que protela a realização de uma avaliação da pericial de imóvel com vista a desencadear a redução do arresto.
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2.- Motivação de Facto.
2.1. - Em 1.06.2021 A [ora apelado] intentou AÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO SOB A FORMA DE PROCESSO COMUM, contra B [ora apelante], deduzindo o seguinte pedido:
Nestes termos e nos mais de direito, requer-se a V. Exa. se digne julgar a presente ação procedente, por provada, e, em consequência:
a) Declarar que o A. é comproprietário, sem determinação de parte ou de direito, juntamente com a R., do imóvel sito na Quinta …, …, em Silves, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º …, da freguesia de …;
b) Declarar que o A. é comproprietário, sem determinação de parte ou de direito, juntamente com a R. da viatura automóvel, marca Audi, modelo A1, com a matrícula …-WW-…;
c) Ordenar o averbamento da compropriedade do A. sobre os bens ora em referência, no registo predial e automóvel, respetivamente;
d) Declara que o A. é comproprietário sem determinação de parte ou de direito, juntamente com a R., do dos bens móveis que compõem o recheio do imóvel referido na alínea a) supra;
e) Declarar que o A. era comproprietário, sem determinação de parte ou de direito, juntamento com a R. do imóvel sito na Rua …, n.º …, … Esq., em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …, da freguesia de …, desde a data da sua aquisição, apenas formalmente registada apenas em nome da R., em 25.11.2013 e até19.02.2020, data em que a R. o alienou sem o consentimento e contra a vontade do A.;
f) Declarar que o A. era comproprietário, sem determinação de parte ou direito, juntamente com a R. da viatura automóvel da marca BMW, modelo X6, com a matrícula …-YY-…, desde a data da sua aquisição apenas registada formalmente em nome da R., e até à data da sua venda pela A. em finais de 2019;
g) Declara que o A. é comproprietário, sem determinação de parte ou de direito, juntamento com a R., do dos bens móveis que compunham o recheio do imóvel referido na alínea e) supra;
h) Condenar a R. a reconhecer que o A. é comproprietário, juntamente com a R., sem determinação de parte ou de direito dos bens referidos nas alíneas a), b),
d) e g) e, bem assim, que foi comproprietário, sem determinação de parte ou de direito, juntamente com a R., dos bens referidos supra nas als. e) e f), no período compreendido entre a data do registo da sua aquisição pela R. e a sua alienação a terceiros, também pela R.;
i) Condenar a R. a restituir ao A., os seguintes bens pessoais deste com que se locupletou:
(i) Serviço de chá/café em estanho composto entre outros, por bule, açucareiro, prato oval grande;
(ii) Serviço de jantar em louça (antigo), de família, oferecido ao A. pelos seus pais;
(iii) Fio em ouro antigo, pertença do aqui A.;
(iv) Duas toalhas de mesa antigas, uma delas em renda, feita à mão, que pertenceu aos avós do aqui A.;
(v) Uma salva de prata, oferecida ao A. pelos seus pais.
j) Condenar a R. a conferir ao A. acesso para uso e fruição aos bens referidos nas als. a) e b), de cujo uso e fruição exclusivos se locupletou, pelo menos desde setembro de 2019, nos termos previstos no art.º 1406.º n.º 1 do CC;
k) Condenar a R. a pagar ao A., o montante de € 157.709,59 (cento e cinquenta e sete mil e nove euros e cinquenta e nove cêntimos), correspondente a ½ das mais valias auferidas com a venda do imóvel descrito na al. e) e juros de mora vencidos desde a data da alienação e até à presente data, e bem assim nos vincendos até efetivo e integral pagamento;
l) Condenar a R. a pagar ao A. a quantia de € 29.270,96 (vinte e nove mil duzentos e setenta euros e noventa e seis cêntimos) correspondente a ½ do valor investido pelo A., na aquisição da casa de Lisboa, acrescido de juros vencidos até à presente data, calculados à taxa legal em vigor aplicável às obrigações civis, desde a data da aquisição do imóvel (25.11.2013) e, bem assim, nos vincendos até efetivo e integral pagamento;
m) Condenar a R. a pagar ao A. a quantia de € 9.675,75 (nove mil seiscentos e setenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos), correspondente a ½ do montante da dívida contraída pelas partes junto dos pais do A. e que este já pagou na íntegra aos seus pais, acrescida dos juros já vencidos desde a data desse pagamento e até à presente data calculados à taxa legal em vigor aplicável às obrigações civis, desde a data do pagamento (08.04.2020) e até à presente data, e bem assim nos vincendos até efetivo e integral pagamento;
n) Condenar a R. a pagar ao A., o montante de € 10.601,64 (dez mil, seiscentos e um euros e sessenta e quatro cêntimos correspondente ao remanescente do 1/2 do produto da venda do automóvel BMX X6 realizada pela R., acrescida dos juros já vencidos desde a data desse pagamento e até à presente data calculados à taxa legal em vigor aplicável às obrigações civis desde a data estimada da alienação da viatura (01.12.2019) até à presente data, e bem assim nos vincendos até efetivo e integral pagamento;
o) Condenar a R. a pagar ao A. o montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de indemnização pelo período em que se locupletou do uso e fruição exclusivos do imóvel referido na al. a) supra, pelo menos desde setembro de 2019, acrescido do montante de € 375,00 ao mês desde a citação e até efetiva disponibilização ao A. do imóvel para seu uso e fruição previstos na al. j);
Caso se entenda que não pode ser reconhecido ao A. a qualidade de comproprietário dos bens objetos dos presentes autos,
p) Condenar a R. a pagar ao A. os montantes peticionados nas als. k), l), m), n),o) supra a título de enriquecimento sem causa acrescido do montante de €107.000,00 (centos mil euros) também a título de enriquecimento sem causa, respeitantes aos bens referidos nas als. a) e b) supra, acrescido de juros desde a citação até integral pagamento.
2.2. – Da sentença proferida em 15/7/2022 [no Processo identificado em 2.1. e com o nº 13609/21.0T8LSB], consta o seguinte excerto decisório:
4. Decisão
Em face do exposto, o tribunal decide julgar a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, consequentemente, decide:
a) Julgar improcedentes os pedidos formulados sob as alíneas a) a h) e j) a o), deles se absolvendo a Ré;
b) Condenar a Ré a restituir ao A. os seguintes bens:
(i) Serviço de chá/café em estanho composto entre outros, por bule, açucareiro, prato oval grande;
(ii) Serviço de jantar em louça (antigo);
(iii) Fio em ouro antigo;
(iv) Uma salva de prata;
c) Condenar a Ré a pagar ao A. a quantia de €9.675,75 (nove mil, seiscentos e setenta e cinco mil e setenta e cinco cêntimos), quantia a que acrescem juros de mora contados à taxa legal para os juros civis, contados desde a data da citação, até integral e efectivo pagamento;
d) Condenar a Ré ao pagamento do que vier a ser liquidado, nos termos do disposto no art.º 609º, nº 2 do CPCivil, e correspondente aos seguintes valores:
- valor correspondente às mais valias auferidas com a vendado imóvel descrito na al. e), na proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel e liquidação do financiamento, valor não superior a €150.000,00;
- valor correspondente à proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel referido em e) e liquidação do financiamento, valor não superior a €22.500,00;
- valor correspondente à proporção do despendido pelo A., relativo ao remanescente do valor produto da venda do BMX X5, em valor não superior a €10.000,00;
- valor correspondente à proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel referido em a) e liquidação do financiamento;
- valor correspondente à proporção do despendido pelo A., na aquisição do veículo Audi, quantias a que acrescerão juros de mora contados à taxa legal para os juros civis, desde a data da notificação da Ré para os termos do incidente de liquidação;
e) Absolver a R. do mais que lhe vinha pedido.
Custas provisoriamente fixadas em partes iguais, a cargo das partes.
Notifique.”.
2.3. – Interposta APELAÇÃO da sentença identificada em 2.2., veio o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 15/6/2023, a decidir nos seguintes termos:
IV – Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) julgar improcedente a apelação do autor;
b) julgar parcialmente procedente a apelação da ré, absolvendo-a do pedido referente às mais valias auferidas com a venda do imóvel descrito, e em consequência, revoga-se a sentença quanto ao segmento constante em d) do dispositivo «valor correspondente às mais valias auferidas com a venda do imóvel descrito na al. e), na proporção do despendido pelo A., na aquisição do imóvel e liquidação do financiamento, valor não superior a €150.000,00» e confirma-se no restante;
c) não condenar o autor como litigante de má fé.
Custas da apelação do autor, por este.
Custas da apelação da ré, por ambas as partes na proporção de vencido.
Lisboa, 15 de Junho de 2023”.
2.4. – Interposta REVISTA [por ambas as partes] do Acórdão identificado em 2.3, veio o STJ [em Acórdão de 27/2/2024] a decidir nos seguintes termos:
    “ III. DECISÃO
Pelo exposto:
1.º Julgam-se improcedentes as revistas interpostas pelo A. e pela R., mantendo-se o acórdão recorrido;
2.º Pelas custas devidas por cada uma das duas revistas, condena-se o respetivo recorrente, sem prejuízo do que vier a ser decidido no caso de ser admitida a revista excecional subsidiariamente interposta pela R.;
3.º Determina-se que os autos sejam apresentados à Formação prevista no art.º 672.º n.º 3 do CPC, nos termos e para os efeitos aí previstos.”.
2.5. – No seguimento do decidido no Acórdão do STJ de 27/2/2024 [identificado em 2.3.], deliberou [Em conferência] o STJ e por Acórdão de 3/4/2024, nos seguintes termos:
III – Decisão
Pelo exposto, decide-se na Formação do Supremo Tribunal de Justiça não admitir o recurso de revista excecional.
Custas pela recorrente.
Notifique e comunique ao Juiz Conselheiro Relator.
2.6. - Em 12/01/2024 B [ora apelante] requereu nos autos de ARRESTO “que seja libertado do arresto o veículo automóvel e ainda o imóvel do Restelo por ter sido o último a ser arrestado em ampliação sem qualquer fundamento porque com base em pressupostos de facto e de direito errados”,      o que foi indeferido pelo tribunal a quo por despacho de 30/4/2024 [Refª 435039106].
2.7. – Interposta apelação do despacho identificado em 2.6., veio este Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 12/9/2024, a decidir nos seguintes termos:
IV – Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) julgar nula a decisão recorrida;
b) manter o arresto sobre o veículo e os dois imóveis, julgando assim improcedente a apelação.
Custas pela apelante
Lisboa, 12 de Setembro de 2024”.;
2.8. – Em 30/4/2024 [certificação citius] foi A notificado, relativamente ao processo de ARRESTO, que a decisão que ordenou a providência, devidamente notificada, transitou em julgado no dia 09/03/2021.
***
3.- Motivação de Direito.
3.1. - Se ao não declarar a caducidade do arresto, por alegada inércia do ora apelado/arrestante na promoção do incidente de liquidação, incorreu o Primeiro Grau em erro de julgamento.
Decorre do relatório do presente Acórdão, que a amparar a decisão apelada de indeferimento da requerida declaração de CADUCIDADE do ARRESTO, mostram-se fundamentalmente os seguintes pressupostos:
Primus : Caducando a providência de arresto no caso aas situações prevenidas no art.º 373º nº 1 do C.P.C., certo é que nenhuma delas se verifica, designadamente as no referido dispositivo indicadas sob as alíneas a) e b) [a) Se o requerente não propuser a ação da qual a providência depende dentro de 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a haja ordenado; b) Se, proposta a ação, o processo estiver parado mais de 30 dias, por negligência do requerente]:
SecundusNão se olvidando o caso especial de caducidade do art.º 395º, do CPC [O arresto fica sem efeito não só nas situações previstas no artigo 373.º mas também no caso de, obtida na ação de cumprimento sentença com trânsito em julgado, o credor insatisfeito não promover execução dentro dos dois meses subsequentes, ou se, promovida a execução, o processo ficar sem andamento durante mais de 30 dias, por negligência do exequente.], certo é que o processado provado não permite também considerar verificado qualquer dos fundamentos de caducidade no art.º 395 º previstos e isto porque:
i) Sendo certo que já decorreram mais de 2 meses desde o trânsito em julgado da sentença, e a Requerida ainda não intentou acção executiva - o que poderia fazer relativamente à parte líquida da sentença -, ocorre que a sentença integra dois excertos condenatórios, tendo um por objecto uma parte líquida (para prestação de facto e para pagamento de quantia certa) e outro uma parte ilíquida;
ii) Tendo presente o referido em i) (ou seja, o sentenciado tem por objecto uma parte ilíquida), certo é que o legislador não impôs um prazo para dedução do incidente de liquidação cuja inobservância acarretasse a caducidade da providência;
iii) Acresce que a não dedução do incidente de liquidação pelo Requerente mostra-se de alguma forma justificada, e isto porque estará – como alegou - a recolher prova para a propositura do incidente.
Dissentido do entendimento do tribunal a quo no que à decisão de indeferimento da caducidade do ARRESTO concerne, vem a apelante, em rigor, esgrimir os seguintes argumentos:
Em primeiro lugar: considerando a ratio da caducidade de uma providência cautelar [evitar que a providência seja mantida indefinidamente sem ação concreta por parte do credor para efectivar o seu direito, o que seria prejudicial para o devedor, ao sujeitá-lo a uma restrição patrimonial prolongada e potencialmente desproporcional], deve o conceito de "ação da qual a providência depende" [previsto na alínea a), do nº1, do art.º 373º, do CPC], ser interpretado de forma abrangente, incluindo não apenas a ação principal, mas também o incidente de liquidação;
Em segundo lugar – a interpretação aludida é outrossim aquela que se mostra consentânea com o princípio da economia processual (que é um dos princípios basilares do ordenamento jurídico português e das normas processuais civis em particular), impondo limites à duração da providência cautelar e impedindo uma restrição prolongada e indefinida ao património do devedor sem ação concreta do credor;
Em terceiro lugar - a interpretação aludida é ainda imposta pelo princípio da proporcionalidade, pois que determina este último que qualquer intervenção restritiva sobre os direitos fundamentais ou patrimoniais seja adequada (adequação que só existe caso a providência for seguida por uma atuação diligente do credor), necessária e equilibrada em relação ao fim que se pretende atingir, protegendo o indivíduo contra restrições injustificadas ou desproporcionais;
Em quarto lugar : a interpretação defendida quanto ao alcance da alínea a), do nº 1, do art.º 373º, do CPC, é a única que se harmoniza com os artigos 1.º e 6º do Protocolo Adicional n.º 1 à Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), estabelecendo o primeiro o direito à proteção da propriedade, afirmando que “toda a pessoa tem direito ao respeito dos seus bens” e, consagrando o segundo, o direito a um julgamento justo e a um processo equitativo, o que inclui o direito a que o processo decorra num prazo razoável e de forma justa para ambas as partes;
Em quinto lugar : Impondo também o artigo 395.º do CPC [“ O arresto fica sem efeito não só nas situações previstas no artigo 373.º mas também no caso de, obtida na ação de cumprimento sentença com trânsito em julgado, o credor insatisfeito não promover execução dentro dos dois meses subsequentes, ou se, promovida a execução, o processo ficar sem andamento durante mais de 30 dias, por negligência do exequente”] que o arresto deve ser temporário e de que a sua manutenção indefinida, sem diligência processual do credor, configura uma violação do princípio da proporcionalidade e do direito fundamental à propriedade do devedor, então da interpretação conjunta do artigo 373.º, n.º 1, alínea a) e do artigo 395.º, ambos do CPC, resulta que deve igualmente o credor promover em igual prazo o incidente de liquidação;
Em sexto lugar: Vedado estava ao tribunal a quo valorar a alegação do Recorrido de que se encontra a recolher prova para intentar o incidente de liquidação, e isto porque além de não ter sido demonstrado, então a aceitação de tal justificação desacompanhada de qualquer evidência, seria conceder ao Recorrido a possibilidade de manter o arresto por tempo indefinido, o que configura uma situação de flagrante injustiça para a Recorrente;
Por último e em sétimo lugar - Uma aplicação adequada e sistemática do artigo 395.º, do CPC, obriga também a que o prazo de dois meses nele previsto, embora aplicável de forma direta à execução, deve ser interpretado de modo a abranger a promoção do incidente de liquidação nos casos em que este é imprescindível para tornar o crédito exequível.
Já o apelado e requerente do ARRESTO, no essencial, socorre-se dos fundamentos pelo Primeiro Grau aduzidos na decisão recorrida e os quais a suportam, considerando-os pertinentes e adequados.
APRECIANDO
Pacífico é que as providências cautelares, uma vez decretadas, estão sujeitas à EXTINÇÃO (qual modo de extinção da subjacente relação jurídico-processual) e à CADUCIDADE (a qual respeita à providência concreta decretada no âmbito do procedimento), o que pode decorrer v.g. do decurso de um certo período de tempo em estado de inactividade (1) (2).
Estando a providência cautelar do ARRESTO sujeita a causas gerais (estabelecidas no art.º 373º, ex vi do nº1, do art.º 376º, ambos do CPC) e especiais de CADUCIDADE, as primeiras justificam-se de modo a obstar a que o requerido fique sujeito, por tempo excessivo ou indeterminado, aos efeitos danosos e nefastos de uma providência cautelar que, por assentar num juízo sumário, urgente e provisório, pode ser injusta ou ilegal. (3)
Ou seja, o instituto da caducidade de uma providência, como bem salienta MIGUEL TEIXEIRA de SOUSA (4), assenta no pressuposto indiscutível de que “as medidas provisórias não podem eternizar-se e, por essa via, fornecer ao requerente uma tutela tão eficaz e duradoura como a que resultaria de um composição definitiva, pois que o requerido não pode permanecer indefinidamente na incerteza quanto á verdadeira situação perante o requerente ”.
Dito de uma outra forma [cfr. v.g. JOSÉ ALBERTO DOS REIS (5)], “compreende-se perfeitamente que a vida ou a eficácia da providência preventiva esteja condicionada à propositura imediata da causa principal. O requerente foi favorecido por uma providência que se traduz numa intromissão grave na esfera jurídica do seu adversário (…); e conseguiu esse efeito mediante uma instrução resumida e um julgamento superficial, que não podem dar garantias de segurança e justiça. Não faria sentido que o efeito se mantivesse indefinidamente sobre base tão precária; a urgência, expressa no periculum in mora justifica a providência a titulo provisório; não justifica, porém, que sobre o património ou a esfera jurídica do adversário fique pesando definitivamente a restrição que se lhe impôs. Urge que ao julgamento ligeiro e sumário se substitua um julgamento profundo e ponderado, que dê garantias completas de actuação do direito objectivo; urge que a reação litigiosa seja submetida e exame consciencioso, demorado, reflectido, a fim de que o réu seja libertado do peso que se lhe impôs, se a análise amadurecida da relação jurídica revelar que o autor não tem razão”.
Após breves considerações doutrinais sobre a ratio do instituto da CADUCIDADE, vejamos de seguida se in casu se verifica alguma das situações contempladas no nº 1, do art.º 373º, do CPC [sendo que, ostensivamente, as únicas em tese suscetíveis de verificação são as descritas nas respectivas alíneas a) e b)] ou, então, o caso especial de caducidade contemplado no art.º 395º, do CPC.
Comecemos pelo caso especial de caducidade.
Reza o art.º 395º, do CPC, que “O arresto fica sem efeito não só nas situações previstas no artigo 373.º mas também no caso de, obtida na ação de cumprimento sentença com trânsito em julgado, o credor insatisfeito não promover execução dentro dos dois meses subsequentes, ou se, promovida a execução, o processo ficar sem andamento durante mais de 30 dias, por negligência do exequente.
O art.º 395º, do CPC, e expressis verbis [com resulta desde logo da respectiva “epígrafe”], contempla um caso específico de caducidade, explicando-se o mesmo com fundamento no pressuposto de que o arresto se traduz numa apreensão de bens que antecipa a penhora [operando-se a conversão do arresto em penhora, cfr. o disposto no art.º 762º, do CPC] logo [cfr. ABRANTES GERALDES e Outros (6)], impunha-se uma regulamentação especial acerca da caducidade precisamente porque no âmbito da fase executiva a penhora começa pelos bens previamente arrestados [nos termos do art.º 752º nº 1 do CPC], operando-se a conversão por força do disposto no art.º 762º do mesmo diploma.
Daí que, obtido o arresto e transitada em julgado a decisão condenatória [passando doravante o arrestante a dispor de subjacente título executivo - cfr. art.º 10º, nº 5 e 703º, nº 1, alínea a), ambos do CPC], tem o dever de promover a competente execução nos dois meses subsequentes, sob pena de o arresto “ficar sem efeito”.
Ocorre que, in casu, e tal como decorre da factualidade assente em 2.2. e 2.3., a sentença condenatória integra em parte “condenações” da demandada/ora apelante proferidas nos termos do art.º 609º, nº 2, do CPC, ou seja, condenações genéricas e, neste particular, o nº 6, do art.º 704º, do CPC é assertivo em dispor que “ Tendo havido condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º 7 do artigo 716.º.
Ou seja, quando a liquidação incidental decorrente de sentença genérica se imponha [porque não susceptível de simples cálculo aritmético], a respectiva falta obsta de todo à instauração da execução [por falta de título – cfr. artigo 704.º, n.º 6, do Código de Processo Civil], o que a fortiori, impede a actuação do art.º 395º, primeira parte, do CPC [na parte referente ao ónus adjectivo que incide sobre o arrestante de intentar a execução dentro de dois meses subsequentes à obtenção de sentença/título com trânsito em julgado] .
Neste conspecto, e como bem explicam/elucidam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa (7), importa atentar [em face do disposto no art.º 716º do CPC] que:
Relativamente a sentenças proferidas no âmbito das ações declarativas que, no todo, ou em parte, condenem o réu numa obrigação ilíquida, a sua liquidação é feita através de incidente posterior, nos termos do artigo 358.º, n.º 2. Tal liquidação constitui, aliás, condição de exequibilidade da sentença (artigo 704.º, n.º 6).
Já se essa liquidação depender de simples cálculo aritmético, a liquidação será levada a cabo requerimento executivo. (…)
Quanto à liquidação pelo tribunal na ação executiva, cabe salientar que, por princípio, este mecanismo não está previsto para a execução de sentença judicial proferida em sede de ação declarativa.
Com efeito, quando for proferida sentença de condenação genérica, nos termos do artigo 609.º, n.º 2, a liquidação total ou parcial do segmento condenatório é feita ainda em via declarativa através de incidente próprio (artigo 358.º, n.º 2, 360.º, n.º 3 e 704.º, n.º 6), de tal modo que a execução apenas será instaurada depois e por referência a um valor já quantificado.
A liquidação enxertada na fase inicial da acção executiva, cujos trâmites implicam produção de prova e decisão judicial (de liquidação), está gizada para execuções fundadas em título executivo, diversos de sentença, de que conste obrigação pecuniária não liquidada, nem liquidável por simples cálculo aritmético (n.º 4) e, bem assim para execuções baseadas em decisões judiciais ou equiparadas não envolvidas pelo regime específico do artigo 358.º, n.º 2 (como sucede com indemnizações ilíquidas arbitradas em processo penal ou em procedimento cautelar) e ainda para execuções fundadas em decisões arbitrais que condenem em quantia ilíquida não liquidável por simples cálculo aritmético (n.º 5).»
Em termos conclusivos, pertinente é dizer-se que o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo declarativo justificar-se-á quando a obrigação consta de título equivalente a uma sentença/decisão judicial e que, além de não ter condenado o devedor no pagamento de uma quantia líquida, não é outrossim a respectiva liquidação passível de simples cálculo aritmético.
Isto dito, temos para nós que pacífico é que, in casu, além de a execução a intentar pelo apelado dever amparar-se em sentença judicial proferida em sede de ação declarativa, acresce que, em parte do sentenciado, incide a mesma sobre obrigação ilíquida, e, em rigor, esta última - a parte ilíquida - não é suscetível de liquidação por simples cálculo aritmético [porque assenta em factos que não estão abrangidos pela segurança do título executivo - art.º 713º, in fine, do CPC - ou factos que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução, antes a respectiva liquidação depende do apuramento de factos (8)], logo, e em face do disposto [a contrario] no art.º 716º, nº5, do CPC, sobre o credor/apelado incide claramente o ónus de proceder à sua liquidação no âmbito do processo declarativo.
Em face do acabado de expor, como que em termos rigorosos não se poderá reconhecer que se encontra o credor/apelado nos exactos termos e/ou condições previstas no art.º 395º, do CPC, maxime para efeitos de caducidade do ARRESTO.
É verdade, não se olvida, que nos termos do art.º 716º, nº 8, do CPC, “Se uma parte da obrigação for ilíquida e outra líquida, pode esta executar-se imediatamente”.
Ainda assim, porque estamos em crer que o poder do credor a que alude o nº 8, do art.º 716º, do CPC, consubstancia uma mera prerrogativa processual, que não um poder-dever [se nas palavras do Prof. João de Castro Mendes, o título executivo constitui a «chave que abre a porta da acção executiva» (9), dir-se-á que tem o credor o poder de a abrir – o que fará quando o entender por conveniente -, que não o dever de o fazer quanto à parte liquida], prima facie não poderá a não utilização da referida prerrogativa pelo credor fazer incorrê-lo na sanção jurídica da perda – maxime in totum - da Garantia do ARRESTO enquanto meio/instrumento de conservação da garantia patrimonial do credor.
Afastada, portanto, a viabilidade de a pretensão da apelante poder amparar-se no disposto no art.º 395º, do CPC, vejamos de seguida se encontra a mesma pretensão guarida no âmbito das situações das alíneas a) e b), do nº 1, do art.º 373º, do CPC.
Começando pela Primeira [a da alínea a), do nº 1, do art.º 373º, do CPC, e que reza que Sem prejuízo do disposto no artigo 369.º, o procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência caduca: a) Se o requerente não propuser a ação da qual a providência depende dentro de 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a haja ordenado], tendo presente que a acção principal foi intentada a 01/6/2021 e a notificação do trânsito em julgado da decisão que decretou o ARRESTO tem lugar a 30/4/2021 e, considerando que, nos termos do art.º 248º, do CPC, “ Os mandatários são notificados por via eletrónica nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, devendo o sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja”, inevitável é concluir pela não verificação da caducidade do ARRESTO.
 É que, tendo o procedimento de ARRESTO sido proposto ante causam, ou seja, como preliminar de acção declarativa, intentou - comprovadamente - o arrestante a acção definitiva dentro de 30 dias contados da data em que lhe foi notificado o trânsito em julgado da decisão que decretou o arresto.
Acresce que, no nosso entender, não faz sentido integrar no âmbito do conceito de " acção da qual a providência depende" [previsto na alínea a), do nº1, do art.º 373º, do CPC] o incidente de liquidação [como assim o entende a apelante], e isto porque em rigor trata-se este último de um verdadeiro incidente da instância [cfr. art.º 358º, nº2, do CPC] posterior ou subsequente à prolação da decisão judicial de condenação, enxertado no processo declaratório que nela culminou, e com a virtualidade de inclusivamente determinar a renovação da instância declarativa, já extinta. (10)
Ou seja, não obstante a relativa autonomia do incidente em causa [porque o requerimento inicial é autónomo em relação aos articulados da causa principal, donde lhe advém a estrutura incidental], limita-se o mesmo a desencadear a renovação da instância da acção declarativa, entretanto extinta com a sentença/julgamento [cfr. art.º 277º, alínea a), do CPC].
No seguimento do referido, o entendimento da apelante [e considerando que “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”, ou seja jura novit curia - cfr. art.º 5º,nº3, do CPC] direcionado para o incidente de liquidação só poderá - como derradeira possibilidade para efeitos de CADUCIDADE do arresto - integrar o tatbstand da alínea b), do Art.º 373º, do CPC.
É o que vamos ver de seguida.
Sabemos já que o procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência caduca “Se, proposta a ação, o processo estiver parado mais de 30 dias, por negligência do requerente”.
Estando em causa uma “condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º 7 do artigo 716.º ”- Cfr. art.º 704º, nº 6, do CPC.
In casu, claramente, e como vimos supra, a condenação da apelante, em parte, tem por objecto obrigações pecuniárias cuja liquidação não pode ser efectuada por simples cálculo aritmético, logo, e por imposição dos artºs 358º, nºs 1 e 2, e 716º, nº5, ambos do CPC, e, como acto prévio à respectiva cobrança coerciva, obrigado está o credor/apelado em diligenciar pela sua liquidação nos termos dos artºs 359º,nº1 e 360º, nº3, ambos do CPC.
Em suma, e qual “ónus de liquidação”, sobre o credor/titular de decisão judicial que incorpore uma condenação genérica [proferida nos termos do nº 2, do art.º 609º, do CPC], recai o dever de deduzir o competente incidente de liquidação [para tornar líquida a condenação genérica].
A questão que a seguir faz todo o sentido equacionar/deslindar é a de saber se a inércia do credor em deduzir o incidente de liquidação de sentença [nos termos do art.º 358º,nº2 do CPC] pode/deve também integrar a provisão da alínea b), do nº 1, do art.º 373º, do CPC, e isto porque temos como pacífico que quanto ao referido incidente de liquidação não estabelece o legislador - no âmbito do direito adjectivo - um qualquer prazo de caducidade para o seu exercício.
Mais exactamente, o que importa deslindar/apurar é se a renovação da instância declarativa da acção principal - em resultado da dedução do subsequente incidente de liquidação -, porque não sujeita a qualquer prazo [em principio de caducidade, porque «a caducidade, também dita preclusão, é o instituto pelo qual os direitos, que, por força da lei ou de convenção, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante esse prazo» (11)], pode pelo credor ser desencadeada quando melhor lhe aprouver e sem que a sua temporização, ainda que por negligência, implique a caducidade de um ARRESTO por aplicação do disposto no art.º 373º, nº 1, alínea b), do CPC.
Ora, tendo presente que [como vimos supra] as medidas provisórias não podem eternizar-se [como bem elucida JOSÉ ALBERTO DOS REIS (12), com a enorme sabedoria, sensatez e sagacidade que todos lhe reconheciam, o ónus de propositura da acção principal seria ilusório, “ não atingiria o fim que a lei tem em vista, se o autos pudesse protelar indefinidamente o julgamento final, isto é, se lhe fosse lícito manter-se inactivo dentro da causa principal. Se proposta a acção, o autor pudesse impunemente conservar-se inerte, estava frustrado o propósito da lei. De modo que o ónus da diligência na promoção dos termos da ação é o complemento natural e lógico do ónus de proposição”], é nossa convicção que a resposta à questão ora em aferição só pode e deve ser afirmativa.
Vejamos o Porquê.
Desde logo porque [como igualmente o vimos já] não pode ter-se como admissível a possibilidade ad aeternum de dedução – pelo credor - temporal do incidente de liquidação, com a consequente eternização do litígio, a tal se opondo diversos valores de certeza e ordem pública.
Depois, porque - apesar do disposto no art.º 373º, do CPC – estamos em crer que não existe uma tipicidade taxativa de casos de caducidade do arresto, existindo outras situações atípicas igualmente geradoras da extinção ou da caducidade da providência cautelar (13).
Igualmente a justificar a integração da temporização na dedução do incidente de liquidação na alínea b), do nº 1, do art.º 373º, do CPC [e para efeitos de caducidade do ARRESTO – ex vi do art.º 395º, do CPC], importa atentar no disposto no art.º 10º,nº1, do Código Civil, sendo que é nossa convicção que a não reabertura – em tempo/prazo razoável - da instância do processo principal [através da dedução do competente incidente de liquidação] demanda igualmente a aplicação da referida disposição legal, porque em causa estão as mesmas razões justificativas daquela regulamentação – cfr. art.º 10º, nº 2, do CPC.
Por último, recorda-se que com a dedução do incidente de liquidação não propõe o credor uma nova acção, antes a acção principal – aqueloutra a que se refere o art.º 364º, nº 3, do CPC, e à qual é apensada a providência do ARRESTO – é a mesma e a única, limitando-se o supra aludido incidente de liquidação a desencadear a renovação da respectiva instância, entretanto extinta – cfr. art.º 358º,nº2, do CPC.
Perante o exposto, eis porque a não reabertura da instância da acção principal, decorrido mais de 30 dias após a notificação do trânsito em julgado da sentença que condena o devedor/arrestado no pagamento de uma obrigação ilíquida deve, a nosso ver, equivaler a paragem do processo principal, nos termos e para efeitos do nº1, alínea b, do art.º 373º, do CPC.
Acresce que, se a actual alínea b, do nº 1, do art.º 373º, do CPC, dispõe “apenas” que “Sem prejuízo do disposto no artigo 369.º, o procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência caduca: Se, proposta a ação, o processo estiver parado mais de 30 dias, por negligência do requerente”, quando no passado, a norma equivalente dispunha que a providência fica sem efeito se, tendo o requerente proposto a acção, o processo estiver parado durante mais de 30 dias por negligência do autor em promover os seus termos ou os de algum incidente de que dependa o andamento da causa”, o correcto será continuar a aplicar-se o mesmo regime, pois, de uma maneira ou de outra, é sobre o autor que recai a responsabilidade pela promoção expedita dos mecanismos processais que prejudicam o andamento célere da causa [cfr. António Santos Abrantes Geraldes (14)].
Em suma, não existindo a sanção da alínea b), do nº 1, do art.º 373º [e com o alcance acima exposto], do CPC, nada impedia o arrestante de uma vez proposta a ação principal, “adoptar logo a seguir uma postura totalmente dilatória e passiva, com o único propósito de prolongar os efeitos da previdência cautelar na esfera jurídica do requerido”. (15)
No seguimento do entendimento supra explanado, importa de seguida aferir se, in casu, permite/justifica a factualidade assente concluir que a paragem [claramente por mais de 30 dias, porque – cfr. item de facto 2.5. – no seguimento do decidido no Acórdão do STJ de 27/2/2024 - identificado em 2.3. -, deliberou o STJ e por Acórdão de 3/4/2024 em não admitir o recurso de revista excecional interposto do Acórdão da Relação de Lisboa, acórdão que transitou em julgado em 18-04-2024 - cfr. CERTIDÃO DE TRÂNSITO EM JULGADO de 24/4/2024, Refª 12334460 - e, já o requerimento da apelante a requerer a caducidade do ARRESTO é de 19/9/2024 – cfr. o referido em supra em 1.3] do processo principal se fica a dever a negligência do arrestante [ora apelado].
Vejamos
Como decorre da actual alínea b, do nº1, do art.º 373º, do CPC, a caducidade [qual penalização do requerente do ARRESTO] da providência exige que se verifiquem factos susceptíveis de formular um juízo de imputação subjectiva da paralisação processual à conduta do autor. (16)
Prima facie, o ónus de prova da negligência recai sobre o requerido da providência, ou seja, sobre o beneficiário da caducidade da providência que em tal comportamento negligente tem origem [cfr. ALBERTO DOS REIS (17)], mas, para LEBRE DE FREITAS (18) “exige-se do requerente que torne patentes as dificuldades que encontre na prática atempada do acto que a lei lhe impõe”.
Qualquer que seja o entendimento a propósito da exigência probatória relacionada com o elemento de imputação subjectiva para efeitos de caducidade da providência, atenderá sempre o julgador a todas as circunstâncias factuais que constem do processo e que permitam aquilatar acerca da eventual censurabilidade da conduta por ele adoptada. (19)
Sobre a questão, e v.g. em Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, concluiu-se que: “A negligência é revelada na omissão de um ou mais actos necessários ao prosseguimento do processo e que caiba à parte praticar, impondo-se um ónus aos beneficiários da providência, de serem diligentes. Há negligência dos AA. quando demoram mais de 4 meses a juntar aos autos uma certidão de óbito requerida pelo tribunal, não estando demonstrado que tiveram dificuldades na sua obtenção, não tendo requerido qualquer prorrogação de prazo para o efeito nem a intervenção do tribunal com vista à remoção de eventual obstáculo”.
Já o STJ (20), veio discorrer sobre a matéria ora em analise que: “… o critério de apreciação da conduta do requerente para o efeito de saber se agiu com a diligência devida ao impulsionar a acção não poderá ser excessivamente largo; se o for, corre-se o risco de deixar o requerido, que à partida já se encontra numa posição enfraquecida por virtude do decretamento da providência, verdadeiramente à mercê do requerente - à mercê da sua inércia, da sua inépcia, da sua incúria, do seu comodismo, do seu cálculo egoísta, da sua deslealdade e má fé, ou até, mais simplesmente, do seu esquecimento e desleixo.” Ora, isso não pode acontecer: a ordem jurídica não tolera semelhante resultado, em tudo contrário às exigências de proporção, de equilíbrio, de rigor, de relativa previsibilidade e de certeza que presidem à aplicação prática do direito (vale por dizer, à afirmação concreta, não apenas teórica, da justiça).
Isto dito, e a “justificar” a não dedução, até ao presente, do incidente de liquidação, veio o autor/apelado esclarecer [em termos ostensivamente lacónicos] que tal se deve à circunstância de estar a recolher os meios probatórios tidos como necessários.
Ocorre que a acção principal foi proposta em 1.06.2021 [logo já em junho de 2021 certamente que indagou o autor/apelado de aferir quais os meios probatórios necessários pata fazer valer a sua pretensão – cfr. art.º 552º,nº6, do CPC], e a sentença da primeira instância data de 15/7/2022 [sentença que condena o apelante/réu em diversas obrigações pecuniárias a liquidar – nos termos do art.º 609º, nº 2, do CPC -, logo, desde julho de 2022 que fiou o autos ciente de que existia a grande probabilidade de ter de deduzir um incidente de liquidação].
Já em 15/6/2023 vem o Tribunal da Relação de Lisboa a proferir um Acórdão que confirma – em parte – a necessidade de o autor ter de deduzir um incidente de liquidação [ou seja, a necessidade de ter o autor que voltar a produzir prova veio a aumentar] e, finalmente, em Acórdão de 27/2/2024 é proferido o Primeiro Acórdão do STJ que – no âmbito de REVISTA normal – fixa em definitivo a obrigatoriedade de o autor da acção principal ter que deduzir um incidente de liquidação.
Ora, em face do acabado de expor, perante a lacónica [de resto sem a indicação de qualquer prova que a corrobore minimamente] justificação do arrestante/autor da acção principal para a não dedução do incidente de liquidação e, mostrando-se decorridos mais de 5 meses desde o Acórdão do STJ datado de 3/4/2024 e sem que a 19/9/2024 [data do requerimento de declaração de caducidade do arresto – item de facto nº 1.3.] ainda não tenha sido deduzido o referido incidente idóneo a reabrir a instância da acção principal, difícil é não concluir pela verificação do elemento subjectivo [negligência do arrestante] necessário para efeitos do disposto na alínea b), do nº 1, do art.º 373º, do CPC.
Acresce que, recorda-se, é tão só a inevitabilidade de o Arrestante deduzir o incidente de liquidação que, por si só, tem “obstado” à caducidade do ARRESTO em relação à decretada condenação do arrestado no pagamento de obrigações líquidas [nos termos do art.º 395º, do CPC].
Ou seja, com o “alibi” de estar obrigado a deduzir o incidente de liquidação com referência a obrigações ilíquidas, em última análise está o arrestante a eternizar uma mera medida provisória.
Em conclusão,
a apelação de merece ser atendida e, consequentemente, impõe-se revogar a decisão recorrida, e, concomitantemente, decretar a caducidade da providência do ARRESTO.
Procedendo a apelação relativamente à caducidade do ARRESTO, mostra-se assim prejudicado o conhecimento das demais questões recursórias identificadas em 1.7..
Uma última nota.
Não obstante o supra exposto a propósito de a questão decidenda dever ser resolvida por aplicação do disposto no art.º 395º, do CPC [tendo nós concluído, recorda-se, pela negativa], e segundo as várias soluções plausíveis da aludida questão, não é de afastar liminarmente a possibilidade de o prazo de dois meses [a contar do trânsito em julgado da sentença que põe fim à acção de cumprimento – cfr. art.º 395º, do CPC] dever igualmente ser aplicado [ainda que por analogia] para efeitos de dedução do incidente de liquidação.
É que, sendo claramente a norma do art.º 395º, do CPC, uma norma ESPECIAL [as normas especiais representam, dentro da classificação tripartida (gerais, excepcionais, especiais) “os preceitos, que regulando um sector relativamente restrito de casos, consagram uma disciplina nova, mas que não está em directa oposição com a disciplina geral” (21)], então comporta a mesma claramente a aplicação analógica [cfr. art.º 10º,nºs 1 e 2, e 11º, à contrario, ambos do CPC ].
Ora, considerando que a acção de cumprimento transitou em julgado em 18-04-2024 - cfr. CERTIDÃO DE TRÂNSITO EM JULGADO de 24/4/2024, Refª 12334460 - e, já o requerimento da apelante a requerer a caducidade do ARRESTO data de 19/9/2024 – cfr. o referido em supra em 1.3], vemos que também o prazo de dois meses (do art.º 395º, do CPC, e quer para a dedução do incidente de liquidação, quer para a promoção da execução quanto à parte líquida, estaria igualmente ultrapassado.
Em suma, tudo sopesado, eis as razões para a procedência da apelação.
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4. - Sumariando, dir-se-á que (cfr. nº7, do art.º 663º, do CPC):
4.1. Dispõe o art.º 373º, nº1, alínea b), do CPC, que a providência cautelar, quando decretada, caduca se, proposta a ação, o processo estiver parado mais de 30 dias, por negligência do requerente;
4.2. – Apesar do disposto no art.º 373º, do CPC, estamos em crer que não existe uma tipicidade taxativa de casos de caducidade do arresto, existindo outras situações atípicas igualmente geradoras da extinção ou da caducidade da providência cautelar;
4.3. -  Se o arrestante vem a obter uma sentença – na acção principal - de condenação do arestado no pagamento de montante que vier a ser liquidado, o protelamento da dedução do incidente de liquidação [o qual vai desencadear a renovação da instância da acção principal] pode outrossim integrar a previsão do art.º 373º, nº 1, alínea b), do CPC, para efeitos de caducidade do ARRESTO.
***
5. - Decisão.
Em razão de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em, concedendo provimento ao recurso de apelação apresentado por B:
5.1. - Revogar a decisão recorrida;
5.2. – “Decretar” a caducidade da providência do ARRESTO.
Custas pelo apelado.
Notifique.
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(1) Cfr. CHIOVENDA, apud Marco Carvalho Gonçalves, in Providências Cautelares, 2016, 2 ª Edição, Almedina, pág. 411.
(2) Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 4ª Edição, Almedina, pág. 292.
(3) Cfr. Marco Carvalho Gonçalves, in Providências Cautelares, 2016, 2 ª Edição, Almedina, pág. 411.
(4) Em Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 252.
(5) Em Código de Processo Civil, Anotado, Vol. I, 3ª Edição, Coimbra 1982, pág. 629 e segs.
(6) Em Código de Processo Civil, Anotado vol 1º, pág. 469 e 470.
(7) Em Código de Processo Civil, Anotado, Vol. II, Almedina, págs. 47 e 49.
(8) Cfr. JOSÉ ALBERTO dos REIS, em Processo de Execução, Vol. I, 3ª Edição, pág. 478, e RUI PINTO, Em Manual da Execução e Despejo, págs. 242 e 243.
(9) Cfr. ABRANTES GERALDES em Títulos Executivos, revista jurídica Themis, IV.7 (2003), pág. 36.
(10) Cfr. Carlos Lopes do Rego, em Requisitos da Obrigação Exequenda, Themis, ano IV, n.º 7, 2003, e A Reforma da Acção Executiva, páginas 71 e 72.
(11) Cfr. Luís A. Carvalho Fernandes, em Teoria Geral do Direito Civil, II, U. Católica Editora, 3ª ed., pág. 661 e segs..
(12) Em Código de Processo Civil, Anotado vol 1º, pág. 633.
(13) Vide, neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15/11/2011 [acessível em www.dgsi.pt], proferido no Processo nº 332/09.2TBTNV-E.C1, nele se concluindo que A enumeração constante das alíneas do n.º 1 do artigo 389.º do CPC não tem carácter taxativo, configurando-se para além do elenco de situações geradoras da extinção do procedimento ou da caducidade da providência, enunciado no citado normativo, outras situações (atípicas, porque não previstas na norma em apreço), susceptíveis de justificarem a referida extinção ou caducidade.
(14) Em Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 4ª Edição, Almedina, pág. 299.
(15) Cfr. Marco Carvalho Gonçalves, in Providências Cautelares, 2016, 2 ª Edição, Almedina, pág. 418.
(16) Cfr. ABRANTES GERALDES, Em Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 4ª Edição, Almedina, pág. 299.
(17) Em Código de Processo Civil, Anotado, 1982, vol 1º, pág. 635.
(18) Em Código de Processo Civil, Anotado, Almedina, Vol. II, pág. 52.
(19) Cfr. Marco Carvalho Gonçalves, in Providências Cautelares, 2016, 2 ª Edição, Almedina, pág. 418.
(20) Acórdão de 20/05/2003, proferido no Processo nº 03A1358 e disponível em www.dgsi.pt.
(21) Em Noções Fundamentais de Direito Civil, vol. I, Coimbra, 1965, págs. 76 e segs..
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LISBOA, 06/02/2025
António Manuel Fernandes dos Santos
Cláudia Barata
Vera Antunes