MEDIDAS TUTELARES EDUCATIVAS
INTERNAMENTO EM CENTRO EDUCATIVO
Sumário

1 - Se num primeiro momento é de conferir primazia à medida de acompanhamento educativo, por se considerar ser esta a mais adequada a servir o interesse do menor com o fim último da sua socialização, a mesma não será de manter ao se constatar, a posteriori, de acordo com critérios de proporcionalidade, a necessidade de melhor correção da personalidade do jovem, em face da gravidade dos factos e necessidade urgente de sua educação.
2 – Necessitando o menor de inverter o seu comportamento disruptivo e sendo clara a ausência de contenção e a postura de desculpabilização assumida pela progenitora perante os comportamentos daquele, a medida que se tem como adequada e suficiente, a fim de recentrar o jovem no seu processo de educação para o direito, é a de internamento em centro educativo, em regime semiaberto – art. 138.º, n.º 2, al. d) da LTE.

Texto Integral

Em conferência, acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
1. No âmbito do processo tutelar educativo n.º 4344/22.2T8LRS do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz 4, por despacho judicial de 25.11.2024, foi decidido, ao abrigo do disposto nos arts. 136.º, n.º 1, als. f) e g), e 138.º, n.º 1, al. b), ambos da LTE, substituir a medida de acompanhamento educativo por dezoito meses aplicada ao jovem AA, melhor identificado nos autos, pela medida de internamente em centro de educativo, em regime semiaberto, pelo tempo que lhe falta cumprir da primeira medida.
2. O menor não se conformou com tal decisão e dela recorreu, finalizando a motivação do recurso com as conclusões que se transcrevem:
1. O Tribunal recorrido agravou a medida tutelar de acompanhamento educativo, substituindo-a por internamento em centro educativo, em regime semiaberto;
2. As medidas tutelares devem ser proporcionais à gravidade do facto e à necessidade educativa do menor;
3. A alegada prática de novos factos típicos, convocadas para sustentar o agravamento da medida, carecem de melhor prova, não devendo ignorar-se que o menor é presumível inocente;
4. A aplicação de uma medida institucional terá efeitos perniciosos na vida do menor, que, sendo de etnia cigana, será encarada como uma medida detentiva, como uma “prisão”;
5. A responsabilização, a imposição de obrigações e regras de conduta terá efeitos mais positivos no processo educativo do menor,
6. Não deixando de impor uma forte censura dos factos praticados;
7. Impor, cumulativamente à medida de acompanhamento educativo, as obrigações de:
- Frequentar um estabelecimento de ensino com sujeição a controlo de assiduidade e aproveitamento;
- Frequentar sessões de orientação em instituição psicopedagógica;
- Reparar os prejuízos provocados com a conduta típica e dar ao lesado satisfação moral adequada;
terá a virtualidade de contribuir mais positivamente para o processo educativo do menor do que a mera institucionalização,
8. Devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que agrave a medida tutelar aplicada, designadamente, impondo regras de conduta e obrigações, mas que não aplique medida institucional.
3. A Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta ao recurso, no sentido do manutenção da decisão recorrida, julgando-se o recurso improcedente, rematando com as seguintes conclusões:
1. O recurso coloca em crise o despacho judicial de 25/11/2024, que substituiu a medida tutelar de acompanhamento educativo por dezoito meses aplicada ao menor AA pela medida de internamento em centro educativo, em regime semiaberto, pelo tempo remanescente
2. Os factos cometidos pelo jovem, se não fosse inimputável em razão da idade, integrariam a prática de: - Um crime de dano com violência p. e p. pelas disposições conjugadas dos Arts. 212º, 214º e 14º, nº 3, todos do Código Penal com pena de um a 8 anos de prisão; e - Um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas dos Arts. 143º, 145º, nº 1, al. a) e 132º, nº 2 al. l), todos do Código Penal, com pena até 4 anos de prisão.
3. No relatório social inicial da DGRSP, datado de 26-09-2023, apesar das vulnerabilidades escolares e comportamentais do jovem, descrito como facilmente reactivo, impulsivo e com dificuldades de auto controlo, com “necessidades criminógenas (que) apontam para uma intervenção prioritária nos seguintes domínios: educação, personalidade/comportamento, relação com pares/ tempos livres, atitudes/orientações”, foi sugerida a medida de acompanhamento educativo.
4. Foi aplicada ao jovem a medida de acompanhamento educativo com obrigações, pelo período de 18 (dezoito) meses. No PEP homologado previa-se, em suma e em síntese, a frequência assídua e pontual na escola, participar nas actividades escolares com empenho e interesse, fazendo os trabalhos escolares, participar nos planos especiais efectuados pelos responsáveis escolares, manter conduta respeitadora na escola para com todos e abster-se de situações desajustadas e de sanções disciplinares, aderir ao trabalho e orientações propostas pela DGRS, para tal comparecendo sempre que convocado, etc.
5. Ou seja, na prática, o que pugna o ora recorrente no ponto 7 das suas conclusões (salvo a reparação).
6. Ora, como se refere no despacho recorrido, o relatório dos Serviços de Reinserção Social (de 3-09-2024 e reiterado no Relatório Social com Avaliação Psicológica de 05-11-2024) dá conta que “o jovem tem mantido uma presença irregular nos serviços por vezes com faltas injustificadas; participou nas sessões de grupo para o “Desenvolvimento de atitudes e competências pró-sociais” com comportamento desafiador e intervenções despropositadas; a progenitora assume uma postura de desculpabilização perante os comportamentos do jovem; no passado ano letivo ficou novamente retido no 5º ano de escolaridade, tendo uma presença irregular na escola e postura desadequada, perturbando e interferindo de forma negativa na aprendizagem dos colegas, de tal modo que foi alvo de sanções disciplinares por conflitos com os colegas; por último, tem vindo a assumir comportamentos delinquentes, pois, em março deste ano, terá indiciariamente perpetrado factos que deram origem ao inquérito 890/24.1Y3LRS, subsumíveis à previsão do crime de sequestro, e, em junho de 2024, factos que deram origem ao 283243/2024, subsumíveis à previsão do crime de condução sem habilitação legal”.
7. O mesmo é dizer que a medida aplicada e concretizada no PEP e pretendida pelo recorrente não surtiu qualquer efeitos por falta de cooperação do jovem e de inversão do seu comportamento, como referem os relatórios pelos factos ali descritos e pela existência de inquérito crime relativamente ao jovem, uma vez que este já completou 16 anos.
8. Pelo que face ao incumprimento reiterado dos deveres inerentes à medida aplicada e à vida em sociedade, bem como à manifesta falta de adesão do jovem à intervenção, revelando a necessidade de uma intervenção tutelar mais intensiva e exigente, para prover mais eficazmente às suas necessidades de educação para o direito e a vida em sociedade, impõe-se, em sede de revisão da medida, a substituição da medida de acompanhamento educativo, pela medida de internamente em centro educativo, em regime semiaberto, pelo tempo que lhe faltava cumprir a medida em execução até à data, por ser a única capaz de recentrar o jovem no seu processo de educação para o direito.
9. Ou seja, a medida aplicada não surtiu o efeito pretendido, o jovem encontra-se num crescente de comportamentos escolares e sociais que põem em causa a sua educação para o direito e integração digna e responsável em sociedade, sendo que qualquer outra medida (que não a ora aplicada) é incapaz de responder a tal finalidade, pelo comportamento, postura e circunstâncias pessoais e familiares do jovem, descritas nos relatórios, sendo que a sua etnia do jovem e costumes desta não justificam o incumprimento reiterado da medida.
10. Foi pois, face à gravidade dos factos imputados ao jovem e ao incumprimento reiterado, grosseiro e persistente os deveres inerentes ao cumprimento da medida inicial a aplicada, que a mesma foi alterada para a única capaz de educar o jovem para o direitos e para uma integração/inserção digna e responsável em sociedade, o que urge fazer, atenta, a sua idade, a existência de NUIPC pendente relativamente ao mesmo e, bem assim, o facto de já ter decorrido um ano e dias, do período dos 18 meses, pelo que o tempo remanescente para a educação do jovem é muito reduzido.
11. Assim sendo, nada sendo feito em prol do jovem e em tempo oportuno e célere, colocar-se-á em causa o seu crescimento salutar em termos de integração/inserção digna e responsável na sociedade, sendo certo que uma eventual falência da intervenção tutelar educativa, como o foi até agora com a anterior medida (pela idade do jovem e necessidades educativas constatadas), não nos permitem manter o jovem na situação actual e de autogestão.
12. Ou seja, no momento da aplicação da medida pelo despacho ora em crise, a mesma era proporcional à gravidade dos factos e à necessidade urgente de educação do jovem, a qual, reitera-se, assentou no incumprimento reiterado da medida aplicada/na violação grosseira e persistente os deveres inerentes ao cumprimento da mesma.
13. A decisão recorrida é pois a conclusão lógica decorrente dos elementos juntos aos autos, mormente os relatórios actuais, não existe por isso qualquer desconformidade desta em termos de proporcionalidade, necessidade, actualidade e assim sendo, tudo ponderado, afigura-se que a decisão recorrida, atendeu de forma adequada aos factos/relatórios e seu contexto, em face da necessidade e interesse de educação do jovem.
14. Assim, considera o Ministério Público que a decisão recorrida deverá ser mantida na íntegra, julgando-se o recurso improcedente.
4. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, aderindo à resposta apresentada pelo Ministério Público em 1.ª instância, emitiu parecer no sentido da integral rejeição do recurso interposto.
5. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante designado CPP), não foi apresentada resposta.
6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
*
II – Fundamentação
1. Objeto do recurso
De acordo com o estatuído no art. 412.º do CPP e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem deve apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no art. 410.º n.º 2 do mesmo diploma legal.
No caso concreto, conforme as conclusões da respetiva motivação, cumpre apreciar a seguinte questão:
• Da alegada desproporcionalidade da medida tutelar aplicada.
2. Elementos relevantes
2.1. Em sede de audiência prévia, que teve lugar no dia 30.11.2023, foi proferida a seguinte sentença:
Neste processo tutelar educativo que corre a favor de AA foi requerida a abertura da fase jurisdicional pelos factos constantes de fls. 95 a 103, os quais integrariam a prática dos crimes de:
- Um crime de dano com violência p. e p. pelas disposições conjugadas dos Arts. 212º, 214º e 14º, nº 3, todos do Código Penal com pena de um a 8 anos de prisão; e
- Um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas dos Arts. 143º, 145º, nº 1, al. a) e 132º, nº 2 al. l), todos do Código Penal, com pena até 4 anos de prisão.
Na presente audiência prévia, foi obtido acordo para a aplicação da medida proposta pelo Ministério Público.
Pelo exposto, e considerando que foi obtida a concordância do jovem, do seu Ilustre Defensor Oficioso e progenitores quanto à aplicação da medida proposta pelo Ministério Público no requerimento para abertura da fase jurisdicional, a qual é proporcional à gravidade dos factos em apreço e idónea a promover a inserção do menor na sociedade e a educá-lo para o direito, homologa-se, por sentença, o aludido requerimento (vide art. 104º, nº 4, da L.T.E.) e, consequentemente:
- aplica-se ao menor AA a Medida Tutelar de Acompanhamento educativo, com vista ao desenvolvimento de um comportamento pró social, pelo período de 18 meses, nos termos do disposto nos arts. 2º,4º nº 1 alínea f), 6º, 7º e 16º, todos da LTE.
Custas a suportar pelo(s) progenitor(es) do menor, as quais se fixam no mínimo legal - art. 8º, nº 10, do RCP e art. 11º, nº 2, da Portaria nº 419-A/2009, de 17/4. ---
Registe, notifique, deposite e, após trânsito, comunique ao Registo das Medidas Tutelares Educativas.
Ao abrigo do disposto nos arts. 16º, nº 3, e 142º, ambos da LTE, decorridos três dias sobre o trânsito em julgado da sentença, remeta-se cópia da mesma à DGRSP, com nota de trânsito em julgado, acompanhada de cópia do relatório social, do requerimento para abertura da fase jurisdicional e da presente ata, a fim de ser elaborado projeto educativo pessoal do jovem, com posterior envio daquele a este processo para homologação.
2.2. Foi junto aos autos, a 02.02.2024, o projeto educativo pessoal (PEP) relativo ao recorrente, elaborado pela DGRPS a 01.02.2024, e onde se previa o seguinte Plano de Ação:

Área de intervençãoObjetivosAçõesCalendarização
Educação/emprego. Melhorar a motivação e desenvolver uma integração escolar/ formativa com sucesso.Frequentar a escola com pontualidade e assiduidade;
. Participar nas atividades escolares com interesse, empenho e realizar diariamente os TPC, que lhe são indicados;
. Participar com empenho nos Planos Especiais, individualizados ou grupais planeados e propostos pelos responsáveis escolares.
No decurso e até ao final da medida
No decurso e até ao final da medida
No decurso e
até ao final da medida


. Obter aproveitamento positivo nas avaliações de final de período/ semestre e concluir o 5º ano com sucesso.
. Manter uma conduta cordial e respeitosa com professores, funcionários e colegas da escola, em sala de aula e nos recreios, isenta de situações desajustadas e de sanções disciplinares.
No decurso e até ao final da medida
No decurso e até ao final da medida
Personalidade / comportamentoDesenvolver competências pessoais e sociais.
. Melhoria da interiorização do respeito pelas necessidades e direitos dos outros e sua
autodeterminação
.
. Aderir ao trabalho individualizado (ou em grupo) e exercícios estruturados propostos pela DGRSP, com vista ao desenvolvimento de Atitudes e Competências Pró-Sociais.
. Aprendizagem e aceitação das críticas e sugestões que lhe são feitas pelos adultos envolvidos no seu quotidiano, melhorando a avaliação das mesmas e a escolha de respostas assertivas e socialmente ajustadas.
No decurso da medida quando lhe for indicado.
No decurso da medida.
Atitudes/Orientação. Aceitar as orientações/ imposições por figuras de autoridade.
.Desenvolver uma
análise crítica das crenças que promoveram o seu envolvimento com o sistema da justiça.
1. .Comparecer perante os serviços de reinserção social sempre que for convocado, para informar sobre as atividades realizadas.
2. .Manter-se contactável com os serviços de reinserção social, disponibilizando contacto telefónico e informando sempre que este seja alterado.
. Manter um padrão de comportamento respeitador da integridade física, psíquica e/ou do património de terceiros.
. Reflexão individual e conjunta com visita à mudança dos seus pontos de vista e atitudes socialmente desajustados.
No decurso e até ao final da medida.
No decurso e
até ao final da medida
No decurso e
até ao final da medida
No decurso e até ao final da medida

2.3. Por despacho judicial de 8.02.2024 foi homologado o referido projeto educativo pessoal (PEP).
2.4. A DGRSP fez juntar aos autos, a 13.09.2024, relatório de revisão da medida de acompanhamento educativo, de onde consta, para além do mais, a seguinte síntese avaliativa, no período de 08.02.2024 a 09.09.2024:
Neste período de avaliação, o jovem tem mantido uma presença irregular neste serviço, seja porque a mãe solicita repetidamente o adiamento das entrevistas agendadas, com o argumento de que o jovem não se sente bem, seja por ausência não justificada.
No decurso do acompanhamento por esta equipa, o jovem tem manifestado dificuldade em perceber o contexto do sistema da justiça em que está inserido, assumindo postura de provocação e desafio, relativamente à Técnica signatária, desvalorizando os conteúdos que esta procura transmitir-lhe, procurando sempre quebrar os limites da relação técnico/jovem.
O jovem foi selecionado para participar nas sessões de grupo para o “Desenvolvimento de atitudes e competências pró-sociais”, um total de oito sessões que se realizaram de 8 de maio a 5 de junho passados, tendo sido presente em todas as sessões. Embora manifestando em todas as sessões, um comportamento agitado e desafiador, com intervenções despropositadas, sendo que ainda assim participou com algum interesse nos exercícios mais interativos.
AA permanece no agregado de origem, composto pelos progenitores e duas irmãs germanas de 20 e 13 anos de idade.
Ambos os progenitores cumpriram pena de prisão por tráfico de droga, a mãe cerca de três anos, até 2020 e o pai cerca de três, até 2021, período em que o jovem permaneceu aos cuidados dos avós.
O pai, referenciado como dependente do consumo de álcool, entretanto já foi preso novamente por conduzir sem habilitação legal, por estar alcoolizado e resistência à autoridade, tendo sido libertado e retornado ao agregado em junho/23.
Os pais e a irmã mais velha não trabalham (irregularmente o pai faz a …), sendo a situação económica do agregado suportada pela prestação de RSI, atribuída à progenitora e prestações familiares atribuídas aos menores, não sendo referenciadas pelo jovem e progenitora dificuldades de ordem económica.
As relações familiares denotam uma forte coesão entre os membros do agregado e as práticas educativas exercidas preferencialmente pela progenitora que mostra condescendência e permissividade face aos comportamentos e escolhas do jovem, reforçando a postura de vitimização que este tende a assumir perante situações desajustadas e/ou delinquenciais.
AA frequentou no passado ano letivo o 5º ano de escolaridade pela terceira vez, tendo ficado novamente retido. Segundo as informações escolares não existirem indícios de qualquer necessidade educativa especial, sendo que o jovem tem ficado retido por não se motivar e envolver no processo de aprendizagem e por elevado absentismo escolar.
No passado ano letivo foram tentadas várias estratégias por parte da escola para motivar o jovem e promover a sua integração escolar, nomeadamente um horário especial, com redução de horas e exclusão de algumas matérias, com aulas só durante a manhã, com atividades práticas de desenvolvimento de competências para o futuro, também esteve integrado numa turma especial, só de alunos da sua etnia, e com um mediador cultural, mas também não resultou, continuando o jovem a manter uma presença muito irregular na escola.
O jovem tem vindo a adotar uma postura desadequada ao contexto de sala de aula, perturbando constantemente e interferindo de forma negativa na aprendizagem dos colegas, não obedecendo e reagindo de forma inapropriada com professores e também com funcionários que procuravam encaminhá-lo para as aulas. Também se mostrou provocador e conflituoso com os colegas, acompanhando frequentemente com pares mais velhos de outras turmas com idênticas problemáticas.
Neste último ano letivo o jovem foi alvo de duas sanções disciplinares de suspensão de frequência das aulas, a primeira por três dias, no início do ano escolar, por ter intimidado e ameaçado um colega e a segunda no passado mês de fevereiro, com dois dias de suspensão por desrespeito pelas regras e desobediência reiterada a uma professora.
A encarregada de educação compareceu na escola quando contactada, contudo, adotava igualmente uma postura agressiva na defesa do seu educando, revelando falta de interesse e respeito pela instituição escolar, não obstante os vários contactos com a mesma e com as técnicas que acompanham a família no âmbito social, o jovem não alterou o seu comportamento.
Com vista a criar uma alternativa ao regime de ensino regular, o jovem foi por nós sinalizado para integrar o projeto “..., dado que a sua morada não pertence às zonas preferenciais de intervenção do projeto é pouco provável que venha a obter uma vaga.
O jovem não desenvolve atividades de tempos livres organizadas, afirmou ter integrado a equipa de futebol do ..., mas posteriormente, veio dizer que só fez um treino de testagem e não voltou mais ao clube, não se mostrando interessado em jogar ou integrar-se numa estrutura ocupacional organizada.
Tem vindo a privilegiar o convívio informal com pares da sua etnia, tendencialmente mais velhos, com os quais partilha interesses e afinidades, crenças e valores, nem sempre conformes com a normatividade; conversam, jogam às cartas, futebol, vão ao café local, e por vezes deslocam-se para outras zonas da região metropolitana de Lisboa e também acompanha frequentemente o pai nas suas deslocações e passeios.
Na presente data foi remetido a esse Tribunal um novo relatório social solicitado no âmbito inquérito 890/24.1Y3LRS, em que o jovem está indiciado da prática de um crime de sequestro, cuja ocorrência é de ........2024, em coautoria, com proposta de internamento em Centro Educativo.
Na base de dados da PSP, segundo a informação que nos foi facultada consta o NPP 283243/2024, ocorrido em .../.../2024, em que o jovem está associado como suspeito em condução sem habilitação legal;
Face ao exposto concluímos que AA continua a apresentar vulnerabilidades associadas a um funcionamento imaturo e facilmente reativo, que denota reduzidas competências pessoais e sociais, nomeadamente ao nível do autocontrolo, reagindo por vezes de forma explosiva, revelando dificuldades em lidar com a frustração, denotando continuar a desrespeitar a autoridade e os normativos sociojurídicos vigentes e a seguir as crenças e atitudes antissociais, colocando-se intencionalmente em situação de incumprimento, estando a presente medida a revelar-se ineficaz e insuficiente para promover as alterações necessárias ao ajustamento social deste jovem.
Assim sendo, considera-se ser de rever a presente medida para uma medida de internamento em Centro Educativo, pelo restante tempo que falta cumprir, visando o afastamento do jovem do seu meio natural e assegurar sua participação em programas, intervenções psicossociais, terapêuticas e a utilização de metodologias específicas, e o alcance da mudança comportamental e a adequação do jovem às expetativas e normativos sociojurídicos vigentes.
2.5. Em 05.11.2024 a DGRSP juntou aos relatório social com avaliação psicológica relativa ao recorrente, concluindo então nos seguintes termos:
AA denota vulnerabilidades associadas a um funcionamento imaturo e facilmente reativo, que remete para reduzidas competências pessoais e sociais, nomeadamente ao nível do autocontrolo, reagindo por vezes de forma explosiva, revelando dificuldades em lidar com a frustração.
Em contexto escolar identificam-se comportamentos desajustados face à dinâmica de ensino/ aprendizagem e o jovem não integra outros contextos estruturados fomentadores do desenvolvimento de competências pessoais e sociais. Os seus interesses e motivações privilegiam a socialização e convívio com pares, em contextos informais, alguns deles associados a comportamentos desviantes e à delinquência.
Subsistem indicadores de envolvimento em atos de agressividade, que configuram desrespeito pela integridade física e pelos bens alheios, bem como reduzida ressonância aos sentimentos dos outros.
Tendo em conta a situação atrás descrita, e nomeadamente o facto de o jovem se encontrar em incumprimento face às obrigações do PEP que tem em curso, consideramos que ao mesmo deveria ser aplicada medida de internamento em Centro Educativo, com vista à contenção dos seus comportamentos, e promover o desenvolvimento de um comportamento pró social.
2.6. Decisão recorrida
É do seguinte teor a decisão recorrida, proferida nos autos no passado dia 25.11.2024:
Ao menor AA foi aplicada a medida de acompanhamento educativo com obrigações, pelo período de 18 (dezoito) meses, por decisão de 30.11.2023, tendo sido homologado o respetivo projeto educativo especial por despacho de 08.02.2024.
Compulsados os autos e em especial o relatório dos Serviços de Reinserção Social constatamos que o jovem tem mantido uma presença irregular nos serviços por vezes com faltas injustificadas; participou nas sessões de grupo para o “Desenvolvimento de atitudes e competências pró-sociais” com comportamento desafiador e intervenções despropositadas; a progenitora assume uma postura de desculpabilização perante os comportamentos do jovem; no passado ano letivo ficou novamente retido no 5º ano de escolaridade, tendo uma presença irregular na escola e postura desadequada, perturbando e interferindo de forma negativa na aprendizagem dos colegas, de tal modo que foi alvo de sanções disciplinares por conflitos com os colegas; por último, tem vindo a assumir comportamentos delinquentes, pois, em março deste ano, terá indiciariamente perpetrado factos que deram origem ao inquérito 890/24.1Y3LRS, subsumíveis à previsão do crime de sequestro, e, em junho de 2024, factos que deram origem ao 283243/2024, subsumíveis à previsão do crime de condução sem habilitação legal.
Deste modo, e face ao incumprimento reiterado dos deveres inerentes à medida aplicada e à vida em sociedade, bem como à manifesta falta de adesão do jovem à intervenção, revelando a necessidade de uma intervenção tutelar mais intensiva e exigente, para prover mais eficazmente às suas necessidades de educação para o direito e a vida em sociedade, impõe-se, em sede de revisão da medida, a substituição da medida de acompanhamento educativo, pela medida de internamente em centro educativo, em regime semiaberto, pelo tempo que lhe faltava cumprir a medida em execução até à data, por ser a única capaz de recentrar o jovem no seu processo de educação para o direito.
Ademais, uma vez que os factos cometidos pelo jovem, se não fosse inimputável em razão da idade, integrariam a prática de:
- Um crime de dano com violência p. e p. pelas disposições conjugadas dos Arts. 212º, 214º e 14º, nº 3, todos do Código Penal com pena de um a 8 anos de prisão; e
- Um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas dos Arts. 143º, 145º, nº 1, al. a) e 132º, nº 2 al. l), todos do Código Penal, com pena até 4 anos de prisão;
é admissível a aplicação da medida de internamento em centro educativo em regime semiaberto (artº 17º, nº 3 da LTE).
Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos arts 136º, nº 1, als. f) e g), e 138º, nº 1, al. b), ambos da LTE, substituo a medida aplicada ao jovem AA, de acompanhamento educativo por dezoito meses, pela medida de internamente em centro de educativo, em regime semiaberto, pelo tempo que lhe falta cumprir da primeira medida.
Notifique.
Comunique à DGRSP, solicitando ainda que informe em que data concreta o menor iniciou o cumprimento da medida de acompanhamento educativo, tendo em vista o cálculo do tempo que lhe falta, nesta data, cumprir, bem como, com indicação do Centro Educativo para internamento do menor.
Remeta boletim.
*
Feita a indicação do Centro Educativo, notifique o jovem e a mãe do jovem, para se apresentar em tal Centro Educativo, no prazo de 2 (dois) dias.
Tal notificação deverá conter a indicação do Centro Educativo, sua morada completa e horário dentro do qual o jovem se deve apresentar, e a advertência ao jovem e à mãe de que o menor se deve fazer acompanhar de tal notificação.
*
3. Apreciando
Cumpre, pois, aferir da alegada desproporcionalidade da medida tutelar aplicada ao menor, sendo certo que aquela de que se recorre foi decidida em substituição da medida inicial de acompanhamento educativo.
Vejamos.
Nos termos do art. 1.º da Lei Tutelar Educativa (LTE), “a prática, por menor com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos, de facto qualificado pela lei como crime dá lugar à aplicação de medida tutelar educativa em conformidade com as disposições da presente lei”.
No caso dos autos, e pese embora o recorrente, ao apelar ao princípio da presunção da inocência, pretenda “inverter” os termos da questão, aquilo que sustentou a aplicação ao menor quer da primeira medida quer daquela que se recorre, não foi “uma alegada prática de novos factos típicos”, mas antes aqueles que já se mostravam estabilizados nos autos, que, não fora a inimputabilidade do recorrente em razão da idade, integrariam a prática de:
- Um crime de dano com violência p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 212.º, 214.º e 14.º, n.º 3, todos do Código Penal com pena de um a 8 anos de prisão; e
- Um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 143.º, 145.º, n.º 1, al. a) e 132.º, n.º 2 al. l), todos do Código Penal, com pena até 4 anos de prisão.
Feito este esclarecimento, é, pois, admissível a aplicação ao menor da medida de internamento em centro educativo em regime semiaberto (art. 17.º, n.º 3 da LTE), tal como também o era, por maioria de razão, a medida de acompanhamento educativo.
Deveras, aquilo que no essencial justificou a substituição daquela primeira medida foi a desadequação do menor ao projeto educativo pessoal quanto a si delineado pela DGRSP (homologado judicialmente), sendo evidente que a sua resposta ficou muito aquém do plano de ação.
É que de facto o menor incumpriu com aquilo que lhe foi “proposto”, sendo tanto nos termos assinalados na decisão recorrida (… “o jovem tem mantido uma presença irregular nos serviços por vezes com faltas injustificadas; participou nas sessões de grupo para o “Desenvolvimento de atitudes e competências pró-sociais” com comportamento desafiador e intervenções despropositadas; a progenitora assume uma postura de desculpabilização perante os comportamentos do jovem; no passado ano letivo ficou novamente retido no 5º ano de escolaridade, tendo uma presença irregular na escola e postura desadequada, perturbando e interferindo de forma negativa na aprendizagem dos colegas, de tal modo que foi alvo de sanções disciplinares por conflitos com os colegas; por último, tem vindo a assumir comportamentos delinquentes, pois, em março deste ano, terá indiciariamente perpetrado factos que deram origem ao inquérito 890/24.1Y3LRS, subsumíveis à previsão do crime de sequestro, e, em junho de 2024, factos que deram origem ao 283243/2024, subsumíveis à previsão do crime de condução sem habilitação legal”), e conforme dá conta a DGRSP, no relatório de revisão da medida de acompanhamento educativo de 13.09.2024 e no relatório social com avaliação psicológica de 05.11.2024, não justificando, nos termos afirmados pela Digna Magistrada do Ministério Público em resposta ao recurso, a sua etnia e costumes o incumprimento daquilo que lhe foi delineado.
Fê-lo, aliás, de modo grosseiro e reiterado, o que legitima e justifica a revisão da medida, conforme previsto no art. 136.º, n.º 1, al. f) da LTE.
Com efeito, se num primeiro momento se deu primazia à medida de acompanhamento educativo, por se considerar ser esta a mais adequada a servir o interesse do menor com o fim último da sua socialização, constatou-se a posteriori, de acordo com critérios de proporcionalidade, a necessidade de melhor correção da sua personalidade, em face da gravidade dos factos e à necessidade urgente de educação do jovem.
Efetivamente, não será caso de manter a medida inicial nos termos propostos pelo recorrente.
É que como bem refere o Ministério Público, aquilo que pugna o recorrente no ponto 7 das suas conclusões (salvo a reparação), mostra-se contido no plano de ação inicial delineado quanto ao menor (Projeto Educativo Pessoal) e não surtiu quaisquer efeitos.
Seguramente, necessita o menor de inverter o seu comportamento disruptivo, sendo clara a ausência de contenção e a postura de desculpabilização assumida pela progenitora perante os comportamentos do jovem.
Por conseguinte, a medida que se tem como adequada e suficiente é a de internamento em centro educativo, em regime semiaberto – art. 138.º, n.º 2, al. d) da LTE, por ser a única capaz de recentrar o jovem no seu processo de educação para o direito.
E nem se diga, nos moldes ensaiados pelo recorrente, que «a aplicação de uma medida institucional terá efeitos perniciosos na vida do menor, que, sendo de etnia cigana, será encarada como uma medida detentiva, como uma “prisão”».
É que há muito que se abandonou esse estigma, sendo claro que os centros tutelares educativos não se comparam a estabelecimentos prisionais, ainda mais no caso dos autos, em que se optou pelo regime semiaberto.
Verdadeiramente “a medida de internamento visa proporcionar ao menor, por via do afastamento temporário do seu meio habitual e da utilização de programas e métodos pedagógicos, a interiorização de valores conformes ao direito e a aquisição de recursos que lhe permitam, no futuro, conduzir a sua vida de modo social e juridicamente responsável” (cf. art. 17.º, n.º 1 da LTE), estando os moldes de execução da medida de internamento em regime semiaberto definidos no art. 168.º do mesmo diploma legal. Assim sendo, não se vislumbra de que maneira a aplicação desta medida possa ter efeitos negativos na vida do menor, mas antes se considera, nos termos afirmados pela Digna Magistrada do Ministério Público em resposta ao recurso que “nada sendo feito em prol do jovem e em tempo oportuno e célere, colocar-se-á em causa o seu crescimento salutar em termos de integração/inserção digna e responsável na sociedade, sendo certo que uma eventual falência da intervenção tutelar educativa, como o foi até agora com a anterior medida (pela idade do jovem e necessidades educativas constatadas), não nos permitem manter o jovem na situação actual e de autogestão”.
Destarte, não se verifica qualquer desconformidade da decisão recorrida em termos de proporcionalidade, necessidade e atualidade da medida aplicada, sendo por isso de manter.
Em suma, improcede totalmente o recurso.
III – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto pelo menor AA, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas, por delas estar isento o recorrente (art. 4.º, n.º 1, al. i) do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique.
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Comunique-se de imediato à 1ª instância, com cópia.
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Lisboa, 6 de fevereiro de 2025
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal)
Ester Pacheco dos Santos
Paulo Barreto
Sandra Oliveira Pinto