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REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
PREVENÇÃO ESPECIAL
PENA DE PRISÃO
ROUBO AGRAVADO
Sumário
I - O regime específico para jovens delinquentes visa (i) evitar elevados períodos em estabelecimentos prisionais, (ii) o cumprimento da pena em estabelecimento prisional especial para jovens e em centros de detenção ou (iv) até meras medidas de correcção. II - À data dos factos, a recorrente tinha apenas 17 anos de idade. Muito jovem, uma personalidade ainda em desenvolvimento. O seu trajecto de vida é, desde tenra idade – quase podemos dizer desde sempre - marcado pela ausência de estabilidade familiar e emocional. Foi institucionalizada aos três anos de idade por carências de recursos/competências dos pais e suposta negligência da mãe. Só aos 17 anos cessou tal regime, quando foi a casa num fim de semana e não voltou, passando a integrar o agregado materno. Os seus irmãos também tiveram percursos semelhantes. III - A verdade é que, não obstante todos estes problemas, esta jovem arguida, sem antecedentes criminais, planeia finalizar a sua formação profissional no ..., fazendo as disciplinas e os estágios que lhe faltam para concluir o curso profissional de …. Acresce dizer que, em meio prisional, tenciona retomar a escolaridade, melhorando as suas habilitações escolares (9.º ano de escolaridade). IV - Pensando na ressocialização (prevenção especial positiva) desta jovem, fundamento essencial para a aplicação do regime penal de jovens delinquentes, só podemos concluir que é agora o momento certo para “puxá-la para cima”, em vez de a condenar numa pesada pena de prisão. E ela parece merecê-lo. Quer estudar, trabalhar, dedicar-se à família que nunca a ajudou. V - Este será um caso típico de aplicação do regime penal dos jovens delinquentes, pois, face à moldura dos roubos agravados, só uma atenuação especial evitará elevado período em estabelecimento prisional para esta jovem, o que certamente seria um forte obstáculo à sua reinserção social. VI - A efectiva execução da pena de prisão, num caso, como o dos autos, mostra-se indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização das expectativas comunitárias. Na verdade, e não obstante o conhecimento da profunda anomia em termos sociais e económicos que está em causa nestes casos específicos de crime violento, esta prática constitui um autêntico flagelo e dificilmente seria aceitável para o conjunto dos cidadãos que a pena correspondente a tal ilícito fosse suspensa na sua execução. Como faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral. Acresce que a suspensão da execução da pena de prisão transmitiria a mensagem - prevenção geral negativa - de que vale a pena tentar cometer estes crimes. Se correr bem, o ganho é garantido. Se correr mal, a pena de prisão pode ser suspensa na execução. E com isto aumentará este tipo de crimes violentos contra a propriedade e as pessoas.
Texto Integral
Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
No Juiz 3 do Juízo Central Criminal de Lisboa, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo:
1 ─ Condenar a arguida, AA, pela prática, em coautoria material e em concurso efetivo, de dois crimes de roubo qualificado, previstos e puníveis pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f), ambos do Código Penal, nas penas parcelares, respetivamente, de 5 (cinco) anos de prisão e 5 anos (cinco) e 6 (seis) meses de prisão;
2 ─ Operando o cúmulo jurídico das penas aplicadas à arguida, condenar AA na pena única de 7 (sete) anos de prisão.
3 ─ Condenar a arguida, AA, a pagar aos ofendidos, BB e CC, a título de indemnização, as quantias de, respetivamente, 800 € (oitocentos euros) e 1.000 € (mil euros);
4 ─ Condenar a arguida, AA, nas custas com a taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UC’s – cfr. artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal, 5.º e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, sem prejuízo da eventual concessão do benefício do apoio judiciário;
5 ─ Determinar, ao abrigo do disposto no artigo 8.º, n.º 2, da Lei nº 5/2008, de 12 de fevereiro, a recolha, após trânsito em julgado, de amostra de ADN à arguida com os propósitos referidos no n.º 2 do artigo 18.º do mesmo diploma legal, oficiando-se ao L.P.C. da Polícia Judiciária para o efeito e que, uma vez recolhida a amostra, se proceda à sua inserção na competente base de dados ao abrigo do disposto no artigo 18.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro e, ainda, que transitada esta decisão, se remeta certidão da mesma com nota de trânsito ao I.N.M.L. para efeitos de recolha da amostra e subsequente inserção na base de dados.
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Inconformada, a arguida interpôs recurso do acórdão, formulando as seguintes conclusões:
“ a) Veio a ora RECORRENTE condenada pela prática, em coautoria material e em concurso efetivo de dois crimes de roubo qualificado, previstos e puníveis pelo art. 210º, n.º 1 e 2, alínea b), por referência ao art. 204º, n.º 2, f) ambos do Código Penal, nas penas parcelares, respetivamente, de 5 (cinco) anos de prisão e 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, em cúmulo jurídico na pena única de 7 (sete) anos de prisão
b) Dá-se aqui por transcritos os factos provados, porquanto em nosso modesto entendimento, afigura-se que os mesmos têm relevância para a motivação do recurso do douto despacho ora recorrido, apesar de se recorrer apenas e tão só da medida da pena aplicada à ora RECORRENTE.
c) Na audiência de discussão e julgamento, a ora RECORRENTE assumiu os factos por si praticados, na sequência de uma “boleia” de um “primo” seu, e que só praticou os factos, porquanto se apercebeu que um dos indivíduos tinha uma arma (vide pág. 9 e 10 do douto acórdão ora recorrido).
d) Que a ora RECORRENTE se colocou no local, data e hora em que os factos ocorreram, tendo contribuído de forma importante para a reconstituição dos factos (vide pág. 12 do acórdão ora recorrido), ainda que se refira que a sua versão não convenceu o Tribunal.
e) Salvo o devido respeito por opinião diversa, mas um depoimento nos merece credibilidade, ou não merece, não sendo possível dar credibilidade apenas no que confirma a acusação.
f) Em momento algum, a ora RECORRENTE pretendeu fugir às suas responsabilidades, ou referiu que foi obrigada a praticar os factos pelos quais veio a ser condenada, apenas quis que o Tribunal a quo compreendesse o contexto em que terá agido da forma que agiu, por forma a mostrar que não é, nem nunca foi uma pessoa violenta, ou que ambicionasse coisas alheias.
g) Certamente não será necessário apontarem-nos uma arma, para que possamos sentir-nos inseguros. Da mesma forma que não será necessário dizer-nos verbalmente para fazermos algo, para percebermos que temos de o fazer. Por vezes basta um olhar, um gesto, ou até um certo tom de voz.
h) E isto leva-nos à questão de saber se efetivamente a ora RECORRENTE se mostrou arrependida, ou não quanto aos factos que praticou.
i) Sendo que a ora RECORRENTE referiu que se sentiu arrependida de ter aceitado a “boleia” do “primo”.
j) E quanto a nós, essa foi a forma que a ora RECORRENTE mostrou que efetivamente se encontrava arrependida, pois na sua visão, esta a única forma de evitar que tomasse parte na ocorrência dos factos.
k) Não tendo a ora RECORRENTE o poder de voltar atrás no tempo, apenas lhe restava assumir os factos, colaborar tanto quanto lhe era possível na reconstituição dos factos, e assumiu a sua culpa quanto aos mesmos.
l) Ainda que não se ponha em causa as declarações da TESTEMUNHA CC, até porque se acredita que a atuação da ora RECORRENTE lhe tenha parecido efetivamente uma atuação convicta, como se soubesse bem e tivesse a certeza do que estava a fazer (vide pág. 12 do douto acórdão ora recorrido).
m) Certo, é que a ora RECORRENTE não teve qualquer intervenção na situação que ocorreu com o OFENDIDO CC, que se encontrava na parte lateral traseira do seu veículo, com uma arma apontada à nuca (ponto 5 dos factos provados), ao mesmo tempo que lhe eram desferidas chapadas (ponto 7 dos factos provados).
n) Enquanto a ora RECORRENTE, que apenas teve intervenção na situação da OFENDIDA BB, que se encontrava na parte lateral do veículo, contrária aquela em que o OFENDIDO CC se encontrava.
o) Ainda assim, e tendo em conta as regras da experiência comum e lógica, não nos parece que se possa concluir que a atuação da ora RECORRENTE tenha sido convicta e soubesse o que estava a fazer, apenas por uma perceção de uma TESTEMUNHA que se encontrava com uma arma apontada à nuca e a ser agredido com chapadas.
p) Tanto mais, quando a atuação da ora RECORRENTE, limitou-se à OFENDIDA BB, não tendo usado da violência física para com ela, nem sequer a ter segurado, ou imobilizado.
q) Ainda assim, dúvidas não restam, que a ora RECORRENTE praticou dois crimes de roubo agravado, previsto e punível pelo art. 210º, n.º 1 e 2, alínea b), do Código Penal, e pelos quais tem de ser punida.
r) Parece-nos importante esta breve exposição quanto aos factos e motivações da ora RECORRENTE, para podermos então mostrar o motivo da nossa discordância quanto à medida da pena, mais concretamente quanto à não aplicação do Regime Penal Especial para Jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, nos termos do disposto no art. 9º do CP, que nos remete para o Dec. Lei 401/82, de 23 de setembro.
s) Sendo que este Decreto-Lei contem uma dupla vertente no domínio sancionatório, ou seja, por um lado evitar, tanto quanto possível, uma pena de prisão, impondo a atenuação especial sempre que se verifiquem condições prognósticas, art. 4º,
t) E, por outro estabelecer um quadro de medidas ditas de correção, arts. 5º e 6º.
u) Ainda que o Regime Penal Especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, não seja de aplicação automática, também não pode ser visto como uma faculdade do juiz, mas antes como um poder-dever vinculado que o juiz deve e, tem de usar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos.
v) A aplicação do regime, que consiste na atenuação especial da pena, quando seja aplicável pena de prisão (superior a 2 anos – vide art. 5º do Dec. Lei 401/82), depende assim do juízo que possa e, deva, ser formulado relativamente às condições do jovem arguido e, que quando as diversas variáveis a considerar (idade, situação familiar, educacional, vivências pregressas, antecedentes de formação pessoal, traços essenciais de personalidade em formação, entre outras), que permitam uma prognose favorável, pelo menos que não impeçam, sobre o futuro desempenho da personalidade, mesmo, ou sobretudo, com o acompanhamento das instituições de reinserção.
w) No caso concreto, considerou o Tribunal a quo que a “ilicitude dos factos praticados pela arguida se revela superior à média”.
x) Entendendo inclusivamente, que, e no que à sua personalidade se refere, “não obstante ter admitido a ocorrência de alguns dos factos, procurou afastar de si qualquer responsabilidade pelos mesmos, transmitindo uma versão dos mesmos que, em momento algum, se traduziram em qualquer tipo de manifestação de arrependimento.”.
y) Concluindo que “Não revelou, assim, a arguida qualquer consciência critica quanto aos graves factos que, em conjunto com os demais indivíduos que a acompanhavam, praticou.”.
z) Sendo que milita a favor da ora RECORRENTE, para além da sua idade, o facto de não ter antecedentes criminais.
aa) Tendo o Tribunal a quo concluído pela não aplicação da atenuação especial da pena prevista no art. 4º do Dec. Lei, de 23 de setembro.
bb) Salvo o devido respeito por opinião diversa, parece que o Tribunal a quo se limitou a uma análise da postura da ora RECORRENTE em sede de audiência de discussão e julgamento, esquecendo-se de todo o contexto de vivência da ora RECORRENTE, o ter assumido os factos e ter “contribuído de forma importante para a reconstituição dos factos”, e o arrependimento que efetivamente mostrou, como já referido, e para onde se remete.
cc) Apesar de uma vida complicada (vide pontos 17 e 18 dos factos provados), a ora RECORRENTE tem sonhos, ambições e objetivos de vida, nomeadamente pretende regressar aos estudos, nomeadamente ao ... e concluir as disciplinas e os estágios que lhe faltam para concluir o curso profissional de Técnico de Serviços Jurídicos que frequentava (vide Relatório Social e ponto 22 dos factos dados como provados), e enquanto não puder regressar a esse seu objetivo de vida, a RECORRENTE, em meio prisional regressou aos estudos (vide Relatório Social e ponto 23 dos factos dados como provados).
dd) Também nos parece que a ora RECORRENTE se mostrou arrependida, pelos motivos já invocados, sendo que tal também nos parece ser corroborado pelo Relatório Social junto aos presentes autos, o qual nos parece de grande importância, bem como pelo depoimento da TESTEMUNHA DD.
ee) Por todo o exposto, estamos em crer que os elementos disponíveis possibilitam um juízo que só pode ser favorável à ora RECORRENTE.
ff) E neste sentido, deve ser aplicado o Regime Penal de Jovens previsto no Dec. Lei 401/82, de 23 de setembro, com a atenuação prevista no art. 4º, porquanto as condições e a idade da ora RECORRENTE fazem crer que daí resultarão vantagens para a sua atenuação.
gg) E consequentemente, a pena a aplicar, terá de ser encontrada na moldura da atenuação especial, art. 37, n.º 1, alínea a) e b) do CP do Código Penal.
hh) Pelo que, se considera adequada pela prática de cada um dos crimes de roubo agravado nos termos do disposto no art. 210º, n.º 1 e 2, b), por referência ao art. 204º, n.º 2, alínea f), ambos do Código Penal, que seja aplicada uma pena de prisão de 1 ano e 6 meses.
ii) Tendo em conta o disposto no art. 77º do Código Penal, terá de ser aplicada uma pena entre o limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (1 ano e 6 meses) e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar os 25 anos (3 anos), devendo fixar-se na pena única de 2 anos.
Caso assim não se entenda:
jj) Tendo em consideração que o nosso Código Penal “aderiu” à denominada Teoria da Margem da Liberdade”, pela qual a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa), e um limite máximo (ainda adequado à culpa), intervindo os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e, sobretudo da prevenção especial) dentro destes limites.
kk) De acordo com o disposto no art. 71º, n.º 1, do Código Penal, na determinação da medida da pena, devem ser tidas em conta, a culpa do agente e as exigências de prevenção, não podendo em caso algum, a pena ultrapassar o culpa do agente, art. 40º, n.º 2 do Código Penal, devendo o juiz atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente.
ll) Tendo em conta todo o suprarreferido, para o que se remete, dúvidas não restam, que a culpa da ora RECORRENTE é menor face aos demais.
mm) Considera-se, pois, que a pena adequada será uma pena de 3 anos por cada um dos crimes, tendo como fim o de se restaurar, na medida do possível, a segurança dos seus bens e de realmente possibilitar a reinserção social da ora RECORRENTE.
nn) Condenando-se em cúmulo jurídico, deverá ser aplicada à ora RECORRENTE uma pena única de 4 anos de prisão pela prática de dois crimes de roubo qualificado, previstos e puníveis pelos arts. 210º, n.º 1 e 2, alínea b) e 204º, n.º 2, alíneas f) ambos do Código Penal.
Em qualquer dos casos (Regime Penal de Jovens previsto no Dec. Lei 401/82, de 23 de setembro, ou alteração da medida da pena),
oo) Nos termos do disposto no art. 50º, n.º 1 do Código Penal, sempre que o arguido seja condenado numa pena de prisão não superior a cinco anos, o tribunal determina que a execução da mesma fique suspensa se, atendendo à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
pp) A suspensão da execução da pena de prisão tem subjacente um juízo de prognose favorável relativo ao comportamento do agente, atendendo à sua personalidade e às circunstâncias do facto.
qq) Por todo o supra exposto, parece que ainda é possível admitir que baste a simples censura dos factos e a ameaça da pena, associadas a um regime de prova, para serem moldadas as características da sua personalidade, por forma a prevenir o cometimento de mais crimes.
rr) O período de duração da suspensão da pena, em nosso modesto entendimento, deverá ser superior ao período da duração da respetiva pena, por tal se mostrar necessário a fazer face às exigências de prevenção especial, art. 53º, n.º 3 do Código Penal, subordinada ao cumprimento de um regime de prova, elemento essencial para a vigência desta medida alternativa à pena de prisão efetiva, art. 53º, n.º 1 e 2, e art. 54º do Código Penal.
ss) Por conseguinte, a pena de prisão aplicada à RECORRENTE, deverá ser suspensa pelo período de 5 anos, com sujeição a regime de prova.
tt) O Tribunal a quo ao decidir como decidiu, violou o art. 4º do Dec. Lei 401/82, de 23 de setembro, e em consequência, o disposto nos art. 73º e 74º do Código Penal.
uu) E consequentemente, o Tribunal a quo entende que, para uma melhor reinserção social da ora RECORRENTE, a medida mais adequada é a prisão efetiva, onde vai passar a conhecer toda uma esteira de indivíduos ligados a tantos outros crimes, o que lhe possibilitará cursar uma verdadeira escola de crime.
vv) Ao invés de lhe ser aplicada uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, com respeito pelos valores do direito e da comunidade como fatores de inclusão, evitando-se assim, os riscos de fratura familiar, (para além dos que já existem), social, educacional e comportamental.
ww) Estamos perante uma jovem adulta, a quem deve ser dada uma vez, em toda a sua vida, uma oportunidade séria de encarar a vida e o futuro com um olhar de cidadã responsável.
xx) Pelo que, somos do entender que a aplicação da suspensão da pena, por força da atenuação especial decorrente do art. 4º do Dec. Lei 401/82, de 23 de setembro, e consequente suspensão da pena, sujeita a regime de prova, nos termos do art. 50º, n.º1, e 5, e 53º, n.º 1 e 3, todos do Código Penal, é efetivamente, a pena que melhor preenche, simultaneamente, as exigências de prevenção geral e especial.
yy) Considerando-se adequada a aplicação de uma pena de prisão de 1 ano e 6 meses por cada um dos crimes de roubo agravado, nos termos do disposto no art. 210º, n.º 1, e 2, b), por referência ao art. 204º, n.º 2, alínea f), ambos do Código Penal, na pena única de 2 anos de prisão, devendo esta ser suspensa na sua execução por um período de 5 anos, sujeita a regime de prova, por força da atenuação especial decorrente do art. 4º do Dec. Lei 401/82, de 23 de setembro.
No caso de se entender que não será possível fazer um juízo de prognose favorável de forma a que a ora RECORRENTE não possa beneficiar da atenuação especial decorrente do art. 4º do Dec. Lei 401/82, de 23 de setembro, ser a mesma condenada
zz) Numa pena de 3 anos de prisão por cada um dos crimes de roubo agravado, nos termos do disposto no art. 210º, n.º 1, e 2, b), por referência ao art. 204º, n.º 2, alínea f), ambos do Código Penal, na pena única de 4 anos de prisão, devendo esta ser suspensa na sua execução por um período de 5 anos, sujeita a regime de prova.”
O Ministério Público apresentou resposta, concluindo do seguinte modo:
“ 1 – A arguida AA vem interpor recurso da douta sentença que a condenou pela prática, em coautoria material e em concurso efetivo, de dois crimes de roubo qualificado, previstos e puníveis pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f), ambos do Código Penal, nas penas parcelares, respetivamente, de 5 (cinco) anos de prisão e 5 anos (cinco) e 6 (seis) meses de prisão e em cúmulo jurídico na pena única de 7 (sete) anos de prisão.
2 – Vem a arguida recorrer tão somente da medida das penas parcelares e única que lhe foram fixadas, peticionando a aplicação do regime previsto no art. 4º do DL 401/82 e consequentemente de uma pena de 1 ano e 6 meses de prisão por cada crime, o que em cúmulo deverá corresponder, na sua visão, a uma pena única de 2 anos de prisão, que deverão ser suspensos na sua execução por 5 anos ou, caso se entenda que a Recorrente não pode beneficiar daquela atenuação especial, dever-lhe-á ser aplicada uma pena de 3 anos de prisão por cada um dos crimes de roubo agravado e na pena única de 4 anos de prisão, devendo esta ser suspensa na sua execução por um período de 5 anos, sujeita a regime de prova.
3 – No que se refere à aplicação do art. 4º do DL401/82, entendeu o Tribunal e bem, que em face da elevada ilicitude da conduta da arguida, do seu intenso dolo, da sua falta de consciência crítica e da sua falta de arrependimento, era de desaplicar tal regime, porquanto não era possível fazer um prognóstico favorável acerca do comportamento da arguida, do seu caráter evolutivo e da sua capacidade de ressocialização.
4 – Partindo da moldura penal aplicável aos crimes em causa (3 a 15 anos de prisão) e atendendo ao conjunto dos factos e à personalidade da agente, na ponderação de todos os factores relevantes da culpa e da prevenção, tendo presente a moldura penal, situada entre o limite mínimo de 5 anos e 6 meses e o máximo de 10 anos e 6 meses de prisão, entendemos como adequado e justo a condenação na pena única de 7 anos de prisão, assim não se excedendo a medida da culpa e, satisfazendo-se as exigências preventivas que a sua conduta impõem.
5 – Sendo de 7 anos de prisão aplicada, é-lhe inaplicável o regime da suspensão da execução da pena de prisão previsto no art. 50º, nº 1 do C.Penal.
6 - Sem conceder, ainda que V. Exas. considerassem que as penas parcelares e consequentemente a pena única houvessem de ser reduzidas até ao limite dos 5 anos, entendemos ainda assim, que os crimes praticados, a ilicitude neles contida, o dolo da arguida e as necessidades de prevenção, não permitem formular um juízo de prognose favorável no sentido de a ameaça com a possibilidade de a arguida ser privada de liberdade ser suficiente para acautelar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Uma vez remetido a este Tribunal, o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II – A) Factos Provados
1. No dia ... de ... de 2023, cerca das 21 horas e 40 minutos, a arguida AA, juntamente com outros quatro indivíduos de identidades não apuradas, encontravam-se na ..., no interior de um veículo automóvel com a matrícula ..-..-MO, quando verificaram que ali, junto de um veículo, se encontravam CC e BB, a conversar pelo que de imediato formularam o propósito de se apoderarem e fazer seus os bens que os mesmos tivessem na sua posse;
2. Assim, em execução de tal plano, enquanto três dos indivíduos que acompanhavam a arguida se apearam do veículo automóvel onde se faziam transportar, aquela e o restante indivíduo, o respetivo condutor, avançaram até ao veículo onde os ofendidos se encontravam, e pararam junto do mesmo;
3. Uma vez ali, através da janela aberta do referido veículo, o condutor do mesmo dirigiu-se aos ofendidos dizendo boa noite, ao que o ofendido CC, que se encontrava junto à porta da frente do lado direito da viatura, lhe retribuiu o cumprimento;
4. Entretanto, os indivíduos não identificados que seguiam apeados, munidos de uma arma de fogo de marca, modelo e calibre desconhecidos, também avançaram na direção dos ofendidos;
5. Ali chegados, um daqueles indivíduos encostou o cano da referida arma de fogo à nuca do ofendido, que temeroso por aquilo que lhe pudesse acontecer, não esboçou qualquer reação;
6. Imediatamente a seguir, o condutor e a arguida AA saíram do veículo e aquele agarrou a ofendida BB, no momento em que esta acorria em auxílio de CC;
7. Enquanto isso, os restantes indivíduos não identificados, desferiam chapadas no rosto do ofendido CC;
8. Em determinado momento, a arguida AA colocou uma das mãos no bolso de trás das calças que a ofendida BB envergava e dali retirou o telemóvel da marca ..., no valor de, pelo menos, 745 €;
9. Por sua vez, um dos indivíduos que acompanhava a arguida introduziu a mão no bolso das calças que o ofendido CC trajava e dali retirou a carteira de marca não apurada, no valor de, pelo menos, 10 €, que continha o cartão do cidadão, carta de condução, um cartão de débito da ..., um cartão “...” documentos e cartões bancários, bem como o telemóvel … da marca ..., modelo 13, no valor de 950 €;
10. Em determinado momento, a arguida AA abriu a porta do lado do passageiro do veículo automóvel da ofendida, e acedeu ao seu interior;
11. Dali, a arguida retirou a mala de mão da marca ...”, no valor declarado de 20 €, a qual acondicionava uma carteira da marca “...”, no valor declarado de 30 €, que por sua vez continha, o cartão de cidadão, a carta de condução e um cartão “...”, documentos emitidos a favor da ofendida, bem como um saco com uma camisola, pertencente à ofendida;
12. Concomitantemente, um dos indivíduos que a acompanhava também acedeu ao interior do veículo e dali retirou quatro boiões de suplementos desportivos, dois de creatina e dois de mass gainer, tudo no valor de, pelo menos, 50 €;
13. Após sair do veículo, este último indivíduo empunhou um aerossol de gás pimenta e com o mesmo pulverizou o rosto do ofendido CC;
14. Na posse dos referidos bens, que fizeram seus e integraram no seu património, a arguida e quem a acompanhava abandonaram o local no interior do veículo automóvel antes mencionado;
15. A arguida e quem a acompanhava agiram com o propósito alcançado de fazer seus os bens que se encontravam na posse dos ofendidos, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agiam contra a vontade e sem consentimento dos ofendidos, legítimos proprietários dos mesmos, surpreendendo-os num local isolado, usando a força física e uma arma de fogo e ainda atuando num grupo com clara superioridade numérica, que sabia serem aptos a constranger e a intimidar os ofendidos, para concretizar os seus intentos;
16. Agiu a arguida e os indivíduos que a acompanhavam de forma livre, voluntária e conscientemente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
Mais, provou-se que:
17. A infância e adolescência da arguida foram marcadas pela precoce institucionalização motivada por carências de recursos/competências dos pais e suposta negligência da mãe;
18. A arguida foi institucionalizada aos 3 anos de idade, primeiro na ... e depois num ..., onde permaneceu até aos 17 anos, altura em que foi a casa num fim de semana e não voltou, passando a integrar o agregado materno;
19. A arguida tem 5 irmãos, sendo que os dois irmãos mais velhos estão já autonomizados com família própria, a mais nova tem 15 anos de idade e também se encontra institucionalizada na ... e um outro irmão veio para Portugal em … de 2024 para prosseguir os estudos;
20. No estabelecimento prisional a arguida recebe visitas da mãe e da irmã mais nova, que passa os fins de semana na casa daquela;
21. No estabelecimento prisional a arguida tem manifestado algumas dificuldades comportamentais que desvaloriza, registando a participação de duas infrações, a primeira em 11 de agosto e a segunda em 10 de setembro, ainda sem desfecho conhecido;
22. A arguida planeia regressar à morada dos autos e residir com a mãe e o irmão que veio da ... em fevereiro, assim como regressar ao ... e concluir as disciplinas e os estágios que lhe faltam para concluir o curso profissional de … que frequentava no 3.º ano (último) à data dos factos;
23. Em meio prisional, tenciona retomar a escolaridade este ano letivo;
24. A arguida tem, como habilitações literárias, o 9.º ano de escolaridade;
25. A arguida não atesta qualquer condenação no seu registo criminal.
*
II – B) Factos não Provados
1. Nas circunstâncias referidas em 2. dos factos provados, apearam-se do veículo automóvel dois dos indivíduos que ali seguiam;
2. Nas circunstâncias referidas em 6. dos factos provados a arguida agarrou a ofendida;
3. O condutor do veículo e os restantes indivíduos desferiram socos no rosto do ofendido;
4. O telemóvel referido em 8. da factualidade provada tinha o valor de 874,92 €;
5. A carteira referida em 9. da factualidade provada tinha o valor de 20 €;
6. O saco referido em 11. da factualidade provada continha duas camisolas;
7. Os dois boiões de creatina e os dois de mass gainer indicados em 12. dos factos provados tinham, respetivamente, o valor de 59,46 € e 36,82 €;
8. O indivíduo referido em 13. pulverizou o rosto de BB com gás pimenta.
*
III – Objecto do recurso
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal.
Fundamentos do recurso: (i) aplicação do regime penal dos jovens delinquentes; (ii) medida da pena; (iii) suspensão da execução da pena.
*
IV – Fundamentação
(da aplicação do regime penal dos jovens delinquentes)
O tribunal a quo afastou este regime com os seguintes motivos:
“ À data da prática dos factos, a arguida tinha 17 anos de idade, o que nos impõe a ponderação da possibilidade de, verificados os respetivos pressupostos, proceder à aplicação nos presentes autos, do regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro.
Com efeito, tal regime é aplicável a jovens que tenham cometido um facto qualificado como crime e que, à data da prática do mesmo, tenham idade superior a 16 anos e inferior a 21 anos (cfr. artigo 1.º, n.ºs 1 e 2, do aludido diploma legal).
De acordo com o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, no caso de ser aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Trata-se de um poder dever vinculado que o juiz deve e tem de usar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos.
Porém, o aludido artigo 4.º não opera de forma automática, exigindo-se antes um prognóstico favorável acerca do seu comportamento, do seu caráter evolutivo e da sua capacidade de ressocialização.
Tem sido entendimento uniforme do Supremo Tribunal de Justiça que a aplicabilidade do referido regime deve ser sempre ponderada, só podendo ocorrer se se tiver estabelecido positivamente que há razões sérias para crer que dessa atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem delinquente, sem prejuízo da necessidade de prevenção geral, ou seja, que sem prejuízo das necessidades de prevenção geral se possa concluir por um juízo de prognose positiva quanto ao efeito que a atenuação especial da pena pode ter para a reinserção social do arguido (cfr., neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de abril de 2004, in CJ, ano XII, tomo II, Coimbra, 2004, pág. 181).
Ao fazer o juízo sobre a aplicabilidade do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, o julgador não pode, assim, atender exclusivamente à gravidade da ilicitude ou da culpa do agente, devendo considerar a globalidade da atuação e da situação do jovem e para isso o conhecimento da sua personalidade, das suas condições pessoais e da sua conduta anterior e posterior ao crime. Tal será indispensável para que aquele possa avaliar a existência ou não de sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Ora, analisando o caso dos autos, verifica-se desde logo, que a ilicitude dos factos praticados pela arguida se revela superior à média, sendo certo que a sua culpa é grave, já que agiu com dolo direto.
A arguida é, ainda, muito jovem e não tem averbada qualquer condenação no seu registo criminal.
No que respeita, porém, à sua personalidade verifica-se que, não obstante ter admitido a ocorrência de alguns dos factos, procurou afastar de si qualquer responsabilidade pelos mesmos, transmitindo uma versão dos mesmos que, em momento algum, se traduziram em qualquer tipo de manifestação de arrependimento.
Não revelou, assim, a arguida qualquer consciência crítica quanto aos graves factos que, em conjunto com os demais indivíduos que a acompanhavam, praticou.
Considerada globalmente a situação concreta da arguida, importa constatar que aquela não é merecedora de tratamento penal privilegiado.
Tudo visto, importa concluir que o fator essencial da idade, pressuposto formal da aplicabilidade do regime especial, mas que não é suficiente para que daí decorra automaticamente a aplicação da atenuação especial prevista no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, não constituindo isoladamente uma séria razão para aplicar a medida com o alcance de que a redução da gravidade da reação punitiva favorecerá a ressocialização da arguida, deverá assim a idade da arguida ser considerada apenas em sede de determinação concreta da pena, como atenuante geral.
Termos em que, sopesados todos os elementos acima referidos, conclui este Tribunal pela não aplicação no caso dos autos da atenuação especial da pena prevista no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro.”
O regime específico para jovens delinquentes visa (i) evitar elevados períodos em estabelecimentos prisionais, (ii) o cumprimento da pena em estabelecimento prisional especial para jovens e em centros de detenção ou (iv) até meras medidas de correcção.
Tudo para a ressocialização daquele delinquente ainda no limiar da maturidade.
Os fundamentos do tribunal a quo para afastar a aplicação deste regime não esgotam a necessária e devida ponderação. Dá-se ênfase à ilicitude, à culpa e à ausência de arrependimento e de consciência crítica. Há, todavia, aspectos relevantes para a prevenção especial positiva que não foram sequer considerados.
À data dos factos, a recorrente tinha apenas 17 anos de idade. Muito jovem, uma personalidade ainda em desenvolvimento.
O seu trajecto de vida é, desde tenra idade – quase podemos dizer desde sempre - marcado pela ausência de estabilidade familiar e emocional. Foi institucionalizada aos três anos de idade por carências de recursos/competências dos pais e suposta negligência da mãe. Só aos 17 anos cessou tal regime, quando foi a casa num fim de semana e não voltou, passando a integrar o agregado materno. Os seus irmãos também tiveram percursos semelhantes.
A verdade é que, não obstante todos estes problemas, esta jovem arguida, sem antecedentes criminais, planeia finalizar a sua formação profissional no ..., fazendo as disciplinas e os estágios que lhe faltam para concluir o curso profissional de …. Acresce dizer que, em meio prisional, tenciona retomar a escolaridade, melhorando as suas habilitações escolares (9.º ano de escolaridade).
Pensando na ressocialização (prevenção especial positiva) desta jovem, fundamento essencial para a aplicação do regime penal de jovens delinquentes, só podemos concluir que é agora o momento certo para “puxá-la para cima”, em vez de a condenar numa pesada pena de prisão. E ela parece merecê-lo. Quer estudar, trabalhar, dedicar-se à família que nunca a ajudou.
Acresce que os crimes em apreciação foram num único acto. E, apesar de cometidos em comparticipação (co-autoria), a recorrente, por mão própria, (i) agarrou a ofendida BB, (ii) colocou uma das mãos no bolso de trás das calças que a ofendida BB envergava e dali retirou o telemóvel da marca ..., no valor de, pelo menos, 745 €, (iii) abriu a porta do lado do passageiro do veículo automóvel da ofendida, e acedeu ao seu interior, dali retirando a mala de mão da marca ...”, no valor declarado de 20 €, a qual acondicionava uma carteira da marca “...”, no valor declarado de 30 €, que por sua vez continha, o cartão de cidadão, a carta de condução e um cartão “...”, documentos emitidos a favor da ofendida, bem como um saco com uma camisola, pertencente à ofendida. A recorrente não agrediu ninguém, nem utilizou qualquer arma de fogo.
As circunstâncias expostas podem significar que “o desenvolvimento sócio-psicológico do jovem ainda consente uma qualquer intervenção de ajustamento e de consolidação da personalidade que funcione como uma “vantagem para a sua reinserção social” – cfr. acórdão do tribunal da Relação do Porto, de 17.01.2018, processo n.º 1684/16.3JAPRT.P1, dgsi.pt -, o que é suficiente para aplicar o art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, e atenuar especialmente a pena, tendo em conta que existem sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para reinserção social da jovem condenada.
Diríamos até que este será um caso típico de aplicação do regime penal dos jovens delinquentes, pois, face à moldura dos roubos agravados, só uma atenuação especial evitará elevado período em estabelecimento prisional para esta jovem, o que certamente seria um forte obstáculo à sua reinserção social.
Termos em que, procede nesta parte o recurso, aplicando-se à recorrente o regime penal de jovens delinquentes, beneficiando, assim, de atenuação especial da pena.
Atenuando especialmente a pena, tendo em conta o fixado no art.º 73.º, n.º 1, als. a) e b) do Código Penal, a moldura penal, por cada um dos crimes de roubo, passa a ser de 7 meses e 6 dias a 10 anos de prisão.
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(da medida concreta da pena)
O tribunal a quo fundamentou a pena do seguinte modo:
“ Nos termos do artigo 71.º, n. º 1, do Código Penal, a medida da pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, dentro dos limites definidos pela lei.
Tal artigo consagra assim o princípio que representa a pedra de toque do Direito Penal português, o princípio da culpa. Com efeito, segundo tal princípio, toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, princípio que encontra desde logo consagração no artigo 13.º do Código Penal, que apenas prevê a punibilidade do facto praticado a título de dolo, ou em casos especialmente previstos na lei, a título negligente.
Na verdade, não só não há pena sem culpa, como é também a culpa que decide a medida da pena (artigos 40.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1, do Código Penal).
Quanto à prevenção, a pena tem dois tipos de finalidades: por um lado, uma finalidade de prevenção geral positiva ou de integração, visando a defesa da ordem jurídico-penal tal como é interiorizada pela consciência coletiva (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8/10/1997, cujo sumário está disponível em www.dgsi.pt) e, por outro lado, a prevenção especial positiva ou de socialização, a qual pressupõe que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá, no futuro, outro crime (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1/07/1998, cujo sumário se encontra disponível em www.dgsi.pt).
Culpa e prevenção ocupam assim papéis primordiais na determinação da medida da pena. A propósito do papel de ambas, diz o acórdão da Relação de Coimbra de 17/01/1996, in CJ, 1996, tomo I, pág. 38 “...III - Quanto à culpa, o facto ilícito é prevalentemente decisivo, devendo antes de tudo o mais, ser valorado em função do seu efeito externo (ataque ao objeto em particular, designadamente os danos ocasionados, a extensão dos efeitos produzidos). IV – Quanto à prevenção, constitui um fim, relevando para a determinação da pena necessária, em função da maior ou menor exigência do ponto de vista preventivo, acabando por fornecer, em último termo, a medida de pena....”.
Tendo em conta a frequência com que são cometidos crimes contra o património, nomeadamente através do uso de violência e o elevado alarme social gerado pelos mesmos, as necessidades de prevenção geral são elevadas.
Na determinação concreta da pena tem, porém, o tribunal de atender ainda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente os critérios referidos nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.
Assim, no caso dos autos, devem atender-se aos seguintes critérios, ao abrigo daquele artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal:
Atendendo ao modo e circunstâncias em que a arguida, em conjunto com os demais indivíduos praticou os dois crimes de roubo e à violência física e psicológica empregue sobre os ofendidos, bem como os sentimentos causados àqueles pelos referidos comportamentos, o grau de ilicitude é superior à média;
O dolo da arguida é direto;
A infância e adolescência foram marcadas pela precoce institucionalização motivada por carências de recursos/competências dos pais e suposta negligência da mãe;
A arguida foi institucionalizada aos 3 anos de idade, primeiro na ... e depois num ..., onde permaneceu até aos 17 anos, altura em que foi a casa num fim de semana e não voltou, passando a integrar o agregado materno;
A arguida tem 5 irmãos, sendo que os dois irmãos mais velhos estão já autonomizados com família própria, a mais nova tem 15 anos de idade e também se encontra institucionalizada internada na ... e um outro irmão veio da para Portugal em fevereiro de 2024 para prosseguir os estudos;
No estabelecimento prisional a arguida recebe visitas da mãe e da irmã mais nova, que passa os fins de semana na casa daquela;
No estabelecimento prisional a arguida tem manifestado algumas dificuldades comportamentais que desvaloriza, registando a participação de duas infrações, a primeira em 11 de agosto e a segunda em 10 de setembro, ainda sem desfecho conhecido;
A arguida planeia regressar à morada dos autos e residir com a mãe e o irmão que veio da ... em fevereiro, assim como regressar ao ... e concluir as disciplinas e os estágios que lhe faltam para concluir o curso profissional de Técnico de Serviços Jurídicos que frequentava no 3.º ano (último) à data dos factos;
Em meio prisional, tenciona retomar a escolaridade este ano letivo;
A arguida tem, como habilitações literárias, o 9.º ano de escolaridade;
A arguida não atesta qualquer condenação no seu registo criminal.
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Ponderando os vários elementos supra expostos, entende o Tribunal que relevam de forma média as exigências de prevenção especial positiva no caso concreto, decidindo o Tribunal condenar a arguida nas penas parcelares de 5 anos de prisão pela prática do crime de roubo de que foi vítima BB e de 5 anos e 6 meses pela prática do crime de que foi vítima CC.
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CUMPRE APURAR A PENA ÚNICA DE PRISÃO EM QUE A ARGUIDA SERÁ CONDENADA, EM FACE DOS CRITÉRIOS CONTIDOS NO N. º 2 DO ARTIGO 77. º DO CÓDIGO PENAL.
Ora, somando as penas parcelares aplicáveis aos crimes de roubo que a arguida cometeu, obtém-se o limite superior da moldura penal aplicável: 10 anos e 6 meses de prisão. O limite mínimo é a mais elevada das penas concretamente aplicadas, ou seja, 5 anos e 6 meses de prisão.
Encontrando-se apurada a moldura abstrata, a pena única é determinada de acordo com a parte final do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal, ou seja, considerando em conjunto, os factos e a personalidade do agente, sendo esta última determinante para a aferição da pena unitária.
Ora, considerando o já referido em sede de apreciação dos critérios elencados no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, bem como a personalidade da arguida espelhada nas condutas que assumiu, o tribunal decide condenar a arguida na pena única de 7 anos de prisão.”
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Na pena temos que encontrar a protecção dos bens jurídicos, a garantia das expectativas da comunidade. Vivemos num Estado de direito em que as pessoas têm a expectativa de que os seus bens jurídicos fundamentais - direitos à vida, à integridade física, à honra e consideração, a ter património, e muitos outros com tutela penal – estão protegidos. Mas a pena também visa a ressocialização do autor do crime, a sua reinserção. Porém, diga-se, nenhum dos fins preventivos assinalados (prevenção geral positiva e prevenção especial positiva) justifica uma pena sem culpa ou para além dela. A dignidade da pessoa humana, base e fundamento do nosso Estado de direito (artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa), assim o exige, e está presente em todos os momentos da intervenção penal, seja nos bens jurídicos protegidos pelos diversos tipos de crime, e por essa via das vítimas e ofendidos, seja ainda na pessoa do agente, ele próprio um sujeito de direitos. A culpa criminal é sempre a mesma, como princípio da responsabilidade subjectiva, como fundamento da pena e como factor de determinação da medida da pena: um juízo de censurabilidade sobre o agente por ter praticado um ilícito típico. Juízo de censurabilidade mais centrado no incumprimento da norma ou na atitude do agente, consoante se siga os conceitos normativo ou da culpa da vontade. Por isso é que a culpa, como elemento autónomo do fim da pena, é não só limite, mas também fundamento da pena. Concordamos com Maria João Antunes: “ Na determinação da medida da pena, o requisito legal de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção satisfaz a necessidade comunitária de punir o crime e, consequentemente, de realizar as finalidades da pena; o requisito legal de que seja considerada a culpa do agente satisfaz a exigência de que a vertente pessoal do crime, decorrente do respeito pela dignidade da pessoa do agente da prática do crime, limite as exigências de prevenção. A prevenção e a culpa devem manter-se distintas na função que cada uma desempenha na determinação concreta da pena, sem que a distinção dos princípios regulativos da culpa e da prevenção signifique que cada um dos diversos factores da medida da pena deva ser imputado só a uma ou a outra. Pelo contrário, há que aceitar a ambivalência de muitos destes factores, numa dupla acepção: há factores que podem relevar quer para a culpa quer para a prevenção; um mesmo facto pode mesmo relevar de forma antinómica, diminuindo (atenuando) a culpa e aumentando (agravando) as exigências de prevenção, ou vice versa”.
A medida da pena, sem ponto de partida pré-determinado pela jurisprudência, tem como limiar mínimo a expectativa comunitária na validade (e reforço) das normas penais violadas. É a protecção dos bens jurídicos, a prevenção geral positiva. Não obstante, a culpa, assente num juízo de censura sobre a conduta do arguido reflectida no facto criminoso praticado, tem que estar sempre presente, seja como limite máximo, seja como fundamento (para além de não haver pena sem culpa, as normas constitucionais penais, como é o caso do art.º 18.º, n.º 2, da CRP, exigem que a medida concreta não possa, em caso algum, ultrapassar a culpa). E, finalmente, o pendor da pena, mais acima ou mais abaixo, está na denominada prevenção especial positiva, na reintegração do agente (que não tem tanto a ver com as suas relações sociais, se tem família ou amigos, mas sobretudo se é expectável que seja um cidadão fiel ao direito). Se são mínimas as exigências de prevenção especial, a medida da pena baixa; sobe quando são maiores tais exigências.
Os crimes de roubo perpetrados pela arguida têm a moldura penal de pena de prisão de 7 meses e 6 dias a 10 anos.
A prevenção geral, centrada nas expectativas da comunidade na validade e reforço das normas violadas, não se pode considerar nos mínimos. As circunstâncias do caso concreto – actuação conjunta de vários indivíduos, com agressões e ameaças com arma de fogo - trazem para um patamar acima da média as especiais cautelas com a representação comunitária da protecção e reforço da norma violada. Não obstante, o grau de ilicitude (o desvalor da acção e do resultado) da recorrente é, como vimos supra, inferior aos demais, por não ter agredido nenhum dos ofendidos, nem ter utilizado qualquer arma, daí que se nos afigure tal grau como mediano.
O mesmo se diga do juízo de censura (a culpa) devido à actuação dolosa da arguida. A culpa dela também se deve situar em média intensidade, não tão elevada como os restantes comparticipantes.
Quanto à prevenção especial, a recorrente não tem antecedentes criminais e está a procurar inserir-se social e profissionalmente.
Estes os fundamentos para a medida concreta da pena.
Assim, tendo em conta a moldura dos crimes, a prevenção geral e a culpa em níveis medianos e a ausência de especiais exigências de prevenção especial, a pena justa para cada crime é a de 2 (dois) anos de prisão e 9 (nove) meses.
Como refere Figueiredo Dias, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 71º.º, n.º1, um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte.
Face aos princípios consignados no art° 77º, do Código Penal, nomeadamente a apreciação conjunta dos factos e a personalidade do agente, entendemos como adequada a pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
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(da suspensão da execução da pena)
O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigo 50º, nº 1, do Código Penal.
Subjacente à decisão de suspensão da execução da pena está um juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento do arguido, ou seja, quando se possa prever que o mesmo não cometerá futuros crimes. Pressuposto básico da aplicação da suspensão da execução da pena, é a existência de factos que permitam um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do agente, em termos de que o tribunal se convença de que a censura expressa na condenação e a ameaça da pena aplicada sejam suficientes para afastar o arguido de uma opção desvaliosa em termos criminais para o futuro. Mas tal juízo tem de se fundamentar em factos concretos que apontem para uma forte probabilidade de inflexão em termos de vida.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português, p. 331), sendo a suspensão da execução da pena “a mais importante das penas de substituição” – não apenas pela frequência com que é aplicada, mas também pelo âmbito lato de aplicação que comporta – a lei, nos termos do art. 50º do Cód. Penal, exige não só a verificação de um requisito objectivo (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos) como também requisitos subjectivos, determinados por finalidades de política criminal, que permitam concluir pelo afastamento futuro do delinquente da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente. Em causa já não está a medida da culpa do agente, mas prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção, sendo necessário determinar se existe esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada.
Da factualidade apurada, nomeadamente a vontade da recorrente se inserir social e profissionalmente, bem como a sua tenra idade, há que lhe conceder um juízo de prognose favorável.
Todavia, não é suficiente para a suspensão da execução da pena. Há mais a ponderar.
Prosseguindo com o Prof. Figueiredo Dias (ob. cit., p. 344): “Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial e socialização - a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime, pois estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade, que ilumina o instituto em análise”.
Ora, os crimes perpetrados pela arguida, em co-autoria, são graves pelo temor e insegurança que causam na comunidade.
A efectiva execução da pena de prisão, num caso, como o dos autos, mostra-se indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização das expectativas comunitárias. Na verdade, e não obstante o conhecimento da profunda anomia em termos sociais e económicos que está em causa nestes casos específicos de crime violento, esta prática constitui um autêntico flagelo e dificilmente seria aceitável para o conjunto dos cidadãos que a pena correspondente a tal ilícito fosse suspensa na sua execução. Como faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral.
Acresce que a suspensão da execução da pena de prisão transmitiria a mensagem - prevenção geral negativa - de que vale a pena tentar cometer estes crimes. Se correr bem, o ganho é garantido. Se correr mal, a pena de prisão pode ser suspensa na execução. E com isto aumentará este tipo de crimes violentos contra a propriedade e as pessoas.
Estes os fundamentos para a não suspensão da execução da pena de prisão do recorrente.
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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em conceder parcial provimento ao recurso, e, em sequência, em condenar a arguida AA, pela prática, em co-autoria material e em concurso efetivo, de dois crimes de roubo qualificado, previstos e puníveis pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f), 73.º, n.º 1, als. a) e b), todos do Código Penal, e 4.º da Lei n.º 401/82, de 23.09, nas penas parcelares, por cada crime, de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses. Operando o cúmulo jurídico das penas aplicadas, condenar AA na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Sem custas.
Lisboa, 06 de Fevereiro de 2025
Paulo Barreto
Rui Coelho
Alexandra Veiga