ORGÃOS DE POLÍCIA CRIMINAL
PROVA PROIBIDA
PROVA INDICIÁRIA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
Sumário

I.Das funções dos órgãos de polícia criminal, nomeadamente face ao disposto nos arts.241º, 248º, 249º e 250º do Cód.Processo Penal, não resulta que os mesmos estejam munidos de conhecimentos especiais para determinar se a reacção de um suspeito é compatível com o mesmo ser ou não o autor de um facto ilícito, e logo tal opinião, a ser valorada, sempre se trataria de prova proibida, dado não se enquadrar no disposto no art.130º nº2 al.b) do Cód.Processo Penal.
II.Para a valoração da prova indirecta importa que ocorram uma pluralidade de elementos, que esses elementos sejam concordantes e esses indícios afastem para além de toda a dúvida razoável a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios.
III.Tendo o arguido apenas indicado que tinha viajado com a co-arguida e que a mesma igualmente transportava produto estupefaciente numa mala, mas esgotando-se a sua colaboração em tal, porquanto nunca admitiu que aquele tivesse conhecimento dos factos, tendo, ao invés, tentado evitar a sua condenação, apesar dos indícios apontarem em sentido contrário, não se verifica uma diminuição acentuada da ilicitude e da culpa do arguido, pressuposto da atenuação especial da pena, prevista no art.31º do D.L.15/93 de 22 de Janeiro.

Texto Integral

Acordaram, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
I.1 No âmbito do processo comum colectivo n.º 521/23.7JELSB, que corre termos pelo Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 9, em que são arguidos AA e BB, melhor identificados nos autos, foi proferido acórdão, no qual se decidiu [transcrição]:
“(…)
Pelo exposto, os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo julgam a acusação procedente, por provada e, consequentemente, decidem condenar os arguidos AA e BB pela prática, como co-autores materiais e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artº 21ºt, nº 1 do Dec-Lei n.º 15/93, de 22.1., rectificado pela Declaração n.º 20/93, de 20.1. e actualizado pelo Dec-Lei n.º 81/95, de 22.4., com referência à Tabela I – B Anexa àquele diploma, cada um deles:
- na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 6 (seis) anos (artºs. 34º, n.º 1 do Dec-Lei n.º 15/93, de 22.01., e artº. 151º, n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 04.07, com a redação da Lei n.º 20/2012);
*
Mais se condena cada um dos arguidos no pagamento de 3 UC de taxa de justiça e no pagamento das demais custas do processo – artºs 513º e 514º, ambos do CPPenal e 5º e 8º, nº 9, estes últimos do R.C.P. (…)”
»
I.2 Recurso da decisão final
Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso os arguidos AA e BB para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respectiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:
I.2.1 - Recurso interposto pelo arguido AA:
“(…)
1 – No presente recurso, não se coloca em causa os factos ilícitos praticados, nem quaisquer questões relacionadas com a matéria de facto dada como provada no que toca ao crime, com exceção da matéria relativa à atuação da arguida, mas sim, e apenas no que toca à pena aplicada ao Recorrente que se considera exagerada e desproporcional;
2 –O Arguido foi condenado pela prática em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21º, n.º 1, e 34º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22-01, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão e ainda na pena acessória de expulsão de território nacional;
3 – Foram dados como provados todos os factos constantes da acusação;
4 - O Recorrente, confessou sem reservas a autoria do crime, apenas divergindo da acusação, e como já disse, na parte em que insiste na não participação da arguida na prática do crime, pelo que terá necessariamente de ser punido, contudo não pode conformar-se com a medida da pena de prisão que lhe foi aplicada, por ser manifestamente desadequada e desproporcionada;
5 - Até porque se verificarmos que na parte da participação da arguida, a matéria dada como provada leva-nos para uma situação de co autoria, entende o arguido que deve ser verificada a atenuação prevista no artigo 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, pois houve facto colaboração por parte do arguido, que levou à detenção da outra arguida nos autos também condenada; Pois,
6- Foi essencial a colaboração do arguido para a detenção da arguida, assim como para o facto das 1500 gramas de cocaína não chegarem aos consumidores, diminuindo assim claramente e “por forma considerável o perigo produzido pela conduta”
7 – Deve ser verificado e decidido em termos semelhantes ao decidido recentemente nesta mesma Comarca, no Juízo Central Criminal J16 no âmbito do processo 229/22.0JELSB, onde se ponderou, e aplicou tal regime, onde se lê:
8 – “o tribunal deverá averiguar se, em concreto, se verifica uma diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente, ou da necessidade de pena que justifique uma resposta punitiva atenuada, visto serem estes os fatores de que a lei faz depender a atenuação especial da pena – artigo 72.º, n.º 1, do Código Penal”. À luz desse artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, se, nos casos previstos nos artigos 21.º, 22.º, 23.º e 28.º, o agente abandonar voluntariamente a sua atividade, afastar ou fizer diminuir por forma considerável o perigo produzido pela conduta, impedir ou se esforçar seriamente por impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique, ou auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação e captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou ter lugar a dispensa de pena. Pressuposto é, porém, que se verifique em concreto uma situação – quanto ao que aqui assume relevo – de auxílio às autoridades na recolha de prova decisiva para identificar ou capturar outros responsáveis (ainda que o normativo esteja mais vocacionado para os casos em que o agente está inserido ou atua no âmbito de uma associação criminosa). Os fundamentos desta atenuação especial da pena têm paralelismo com o regime geral previsto no artigo 72.º do Código Penal. Para se justificar a atenuação especial da pena é, assim, necessário que a colaboração da arguida com as autoridades policiais e até com este tribunal tenha sido efetiva, sincera e coerente.”
9 – Pelo que entendemos, que nos presentes autos, se poderá aplicar da mesma forma o referido regime.
10 - Pois houve confissão da factualidade, colaboração com as autoridades, diminuição por forma considerável do perigo produzido pela conduta, com a detenção da arguida e apreendido o produto estupefaciente que a mesma transportava.
11 – O recorrente agiu em pleno desespero, pois havia contraído inúmeras dívidas, e não estava a ser capaz de as pagar, tendo já credores atrás de si.
12 - O Recorrente está perfeitamente integrado socialmente e familiarmente no ..., além de que não possui quaisquer antecedentes criminais;
13 – Mostrou sincero arrependimento
14 - O Recorrente apela que lhe seja dada uma merecida e justa oportunidade de iniciar um correcto caminho, sendo ainda bastante jovem e encontrando-se a tempo de enveredar por uma vida viável, longe dos meandros da marginalidade;
15 - Considerando todas as envolventes do comportamento da Arguido, tendo em conta as exigências de reprovação e prevenção da prática de futuros crimes e os demais factores estabelecidos no art.º 71.º do Código Penal, face ao quadro punitivo aplicável, entende-se adequada a aplicação à Arguido de uma pena inferior à aplicada, com observância da referida atenuação, a qual não afronta os princípios da necessidade,
16 - O arguido entende, portanto que a pena a lhe ser aplicada seja próxima da aplicada nos mencionados autos, e que foi de 3 anos, verificada a atenuação especial que, nos termos do artigo 73.º, n.º 1, do Código Penal, resulta na redução de um terço o limite máximo da pena de prisão e na redução de um quinto o limite mínimo, o que equivale, no caso do crime em causa, a uma redução do limite mínimo da pena para 9 meses e 18 dias e a uma redução de 4 anos no seu limite máximo.
Face á matéria ora alegada e verificada, a ausência de registo criminal do arguido, as motivações da prática do crime, assim como não tendo sido observados em rigor os elementos favoráveis ao arguido no que toca à escolha da medida da pena especialmente não ter sido verificada a atenuação prevista no artigo 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, pela colaboração já mencionada no presente recurso, deverá o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa proceder como alegado infra , e assim e sem prescindir do douto suprimento de V. Exas., o presente recurso deve merecer provimento e, em consequência deve a pena de prisão ser reduzida nos termos da atenuação mencionada, só assim certamente se fará a tão acostumada JUSTIÇA!
(…).»
I.2.2 - Recurso interposto pela arguida BB:
(…)
III
- CONCLUSÕES:
1.
Foi a recorrente condenado, na pena de 5 (anos) e 6 (seis) meses de prisão, pela prática em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-B anexa ao mesmo diploma.
2.
O presente Recurso como fundamento a impugnação da matéria de facto e a Medida da Pena.
3.
Dando cumprimento ao normativo plasmado no art.º 412º do C.P.P., designadamente o seu n.º 3, alínea a), consideram-se incorretamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto, por manifesta ausência de prova, erro na apreciação da prova produzida ou não apreciação da prova produzida, designadamente os pontos 12, 13, 14, 15, 16, da Matéria de facto dada como provada no Douto Acórdão.
4.
A presente condenação surge na sequência de uma situação de flagrante delito.
5.
Porém, nesta apenas se constata o comportamento ou atitude exterior da arguida, mas nunca os termos psicológicos ou cognitivos da ação.
6.
Estes só podem decorrer de indícios deixados pelo referido comportamento exterior, não podendo ser dados como provados, quando há dúvidas sobre se o arguida queria e sabia que estava a cometer um crime.
7.
Com efeito, ninguém está dentro da cabeça do agente no sentido de verificar estes factos psicológicos ou cognitivos.
8.
Mas, para que haja um juízo condenatório eles têm que surgir como inequívocas decorrências dos referidos factos exteriores, tendo naturalmente primordial importância ao nível do dolo e do conhecimento da ilicitude.
9.
Com efeito, o crime de tráfico de estupefacientes não existe a título negligente e ninguém pode ser punido se nem sequer souber que está a cometer um crime (art.º16 nº 1 e 17.º do C.P)
10.
Nos presentes autos, a recorrente não confessou os factos. Naturalmente que a prova dos mesmos se pode fazer por inferências retiradas da sua atuação exteriorizada.
11. Significa isto, que a prova de tais factos tem de ser indireta. Nesta, a prova por inferência deve ser baseada em indícios, mas exige-se a segurança dos mesmos, no sentido de só poderem ser interpretados, no sentido da decisão, de os mesmos não terem sido objeto de contraprova, devendo ainda a inferência ser segura, segundo as regras da experiência comum.
12.
Ora, os indícios da prática dos factos pela arguida são, neste caso, todos provenientes de prova indireta.
13.
Argumentos que extravasam completamente as regras da experiência comum, permitindo-se assim, à recorrente a impugnação ampla da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 412 nº 3 e 4 do C.P.P.
14.
Argumentos esses que passaremos a rebater ponto por ponto.
15.
Antes de rebater um por um os argumentos utilizados pelo Tribunal que tiveram na base da condenação da arguida, atentemos desde logo à percepção que tiveram os Srs. Inspetores da Polícia Judiciária, testemunhas ouvidas nos presentes autos,
Testemunha- CC Inspetor da Policia Judiciária- depoimento gravado com o nº 521-23.7JELSB_2024-09-19-11-56-54 a minutos 00:03:26 a 00:04:57
Procuradora do M.P.: “ Os arguidos durante este período de tempo que estiveram convosco dentro da casa para tentar a entrega controlada desta mala, aos destinatários, como é que foi o comportamento deles, o que percecionou?”
Testemunha CC Inspetor- “ Eu percecionei até antes na Policia quando eles cegam e antes de irmos para lá, a D. BB aparentava não saber de nada. O Sr. AA teve que explicar a ela o que estava a ocorrer. Eles mantiveram alguma tensão, normal nesta situação toda, ansiosos com esta situação.
A D. BB, a nossa percepção foi que ela não tinha o domínio da situação, tudo estava quem era o contacto era o Sr. AA. Era ele que tinha e nos deu a informação de onde era a casa.”
Na mesma gravação com o nº 521-23.7JELSB_2024-09-19-11-56-54, minutos 00:05:29 a 00:05:34:
Testemunha CC Inspetor . “A minha percepção foi que ela estava perdida na situação.”
E ainda na mesma gravação nº 521-23.7JELSB_2024-09-19-11-56-54, minutos 00:07:20 a 00:07:44:
Defesa: “Qual foi a reação da arguida quando foi confrontada com essa realidade?”
Testemunha CC Inspetor ...: “Foi a mesma que tinha até ali. Ela demonstrou não saber que aquilo tinha estupefaciente, desconhecia.”
E ainda depoimento da testemunha DD Inspetora da PJ, cujo depoimento se encontrava gravado em suporte digital com o nº 521-23.7JELSB_2024-09-19_12-22-55 minutos 00:04:04 a 00:04:42
Testemunha DD “Isto é uma questão de opinião, da leitura que fiz. Deu-nos a sensação que ela não sabia.”
Testemunha DD - Gravação nº 521-23.7JELSB_2024-09-19_12-22-55 minutos 00:06:36 a 00:07:17:
Defesa: “ A Sra. Inspetora estava presente no momento em que dão conhecimento À arguida que a mala dela tinha droga, certo? Ela é confrontada até antes da mala ser aberta, com essa realidade. A pergunta que lhe faço é qual foi a reação quando é dito à arguida que ela tinha droga na mala dela? “
27
Testemunha DD: “Ela sempre disse que não sabia de nada.”
Defesa: “ Mas o que é que aparentou à Sra. Inspetora, qual foi a reação dela?”
Testemunha DD: “Realmente, demonstrou que não saberia.”
Também a arguida referiu não saber que transportava produto estupefaciente na sua mala.
Declarações da arguida gravadas com o nº 521-23.7JELSB-2024-09-19_11_01-39
Minutos 00:00:38 a 00:00:59
Arguida:” Eu não sabia de nada sobre a droga”.
17. Ora, as testemunhas descreveram os factos e emitiram a sua opinião no sentido de dizer que a perceção que tiveram foi que a arguida não sabia que transportava produto estupefaciente.
18. Opinião que é atendível uma vez que decorre da sua atividade profissional como Inspetores da Polícia Judiciária, sendo por isso, invocável nos termos do disposto no artigo 130 nº 2 alínea b)- trata-se de opinião decorrente da sua profissão e por isso enquadrável na expressão decorrente de “qualquer ciência técnica ou arte”.
19. Estão em causa realmente questões técnicas e próprias de Investigação Criminal em que qualquer Inspetor da Polícia Judiciária tem uma opinião abalizada relativamente aos demais e que pode assim ser tomada em conta no juízo probatório do Tribunal.
20.
Pelo que não se percebe o motivo pelo qual o Tribunal simplesmente desvalorizou a observação, das testemunhas CC e DD, genuína, dada por quem esteve na presença dos arguidos quando estes foram confrontados com a realidade do que estava nas malas, por si transportadas.
21.
Vejamos agora os indícios proclamados pelo Tribunal que serviram para formar a inferência que conduziram à condenação da arguida.
22.
Analisando o Acórdão, constata-se desde logo que o Tribunal “ a quo” referiu que não se mostra plausível que a arguida se tenha aproximado cinco meses após terem terminado.
23.
Saliente-se que é até o próprio Tribunal que dá tal facto como provado em 18 e 19 da factualidade provada, ao mencionar que em agosto de 2023 os arguidos se reaproximaram.
24.
Menciona o Tribunal não ter ficado igualmente convencido com a justificação que a arguida deu à família, de que iria se ausentar para tratar de uma pessoa idosa porquanto não teria cabimento uma vez que a arguida não havia assumido, na altura da viagem que o coarguido era seu namorado.
25.
Não vê a recorrente razão para o Tribunal não acreditar na sua versão, quando a explicação dada pela mesma, se destinava a evitar que os seus familiares soubessem da sua relação extraconjugal.
26.
Por outro lado, contrariamente ao que refere o Tribunal, a arguida disse sempre que na altura da viagem já havia feito as pazes com o coarguido, senão vejamos:
Declarações da arguida BB gravadas em sistema com o nº nº 521-23.7JELSB-2024-09-19_11_01-39 minutos 00:03:18 a 00:03:21 :
Tribunal: “ Mas antes de virem já tinham feito as pazes?”.
Arguida: “Já tínhamos feito as pazes.”
E ainda da mesma gravação nº 521-23.7JELSB-2024-09-19_11_01-39 a minutos 00:03:54 a 00:04:44:
Tribunal: “Então ainda não se considerava namorada dele?”
Arguida:” Não bem namorada, ele tinha-me dado uma aliança, a gente estava começando, conversava com ele bastante, desabafava sobre os meus problemas, eu tenho epilepsia, tenho depressão. Falava com ele sobre isso, ataque de ansiedade, ele tipo me ajudava, me desabafar, daí a gente começou.
Tribunal: “Mas eu volto a perguntar, já eram namorados?
Arguida: “A gente se considerava.”
27.
Por outro lado, a explicação dada pela arguida à sua família, de que iria cuidar de uma idosa para ... ainda que tenha causado estranheza ao Tribunal, foi pelo próprio Tribunal dado como provado, no ponto 24.
28.
Também não convenceu o Tribunal o facto da arguida que nunca havia viajado para fora do ... tenha tido o cuidado de se assegurar que a mala que retirou do tapete era a sua.
29.
Vejamos efetivamente o que disse a arguida, em declarações prestadas em sistema com o nº 521-23.7JELSB_2024-09-19_11-01-39, minutos 00:10:35 a 00:11:25:
Arguida: “Eu peguei na minha mala, era bem visível, era vermelha. “
30
Tribunal: “ Olhe, mas a Sra. Nunca tinha viajado, percebeu logo como era a história das malas e das etiquetas, como é que se distinguia a nossa, da mala dos outros? “
Arguida: Sim, porque a minha mala já não estava no tapete, estava fora.
Tribunal: E como é que a Sra. Sabia que aquela mala era a sua mala e não de outra pessoa?
Arguida: Por que a minha era vermelha, era a única vermelha que estava lá.
Tribunal: Mas não foi isso que lhe perguntei, malas vermelhas há muitas.
Arguida: Porque tinha a etiqueta.
Tribunal: Ah e confirmou o seu nome e viu que aquela era a sua mala?
Arguida: Sim.
30.
Decorre das declarações da arguida que a mesma sabia que a mala que retirara era a sua mala, dado ser vermelha e ser a única vermelha que estava fora do tapete e ainda porque o confirmara com a etiqueta da bagagem aposta na mala.
31.
Não parece causar qualquer estranheza uma pessoa que nunca havia viajado se ter assegurado que a mala era sua, podendo inclusive a leitura de tal facto ser feita ao contrário da feita pelo Tribunal.
32.
Ou seja, precisamente por nunca ter viajado justifica-se estar mais atenta, que quem viaja frequentemente
33.
Estamos perante indícios que permitem leituras diferentes da inferência retirada pelo Tribunal que conduziu à condenação da arguida BB.
34.
Mas se continuarmos a percorrer os indícios proclamados pelo Tribunal que serviram para formar a inferência que conduziram à condenação da arguida, verificamos que o Tribunal entendeu também não ser plausível que a arguida que possuía sacolas para viajar havia de aceitar uma mala cedida pelo coarguido e não se tivesse assegurado do seu peso, bem como do seu conteúdo ilícito.
35.
Desde logo é o próprio Tribunal que dá como provado que o coarguido havia emprestado uma mala à arguida, porquanto a mesma não tinha (facto 25).
36.
Bem como é o próprio Tribunal que dá como provado que a mala estava vazia e era de estrutura rígida (facto 27).
37.
Por outro lado e não obstante a arguida, ter dito que tinha sacolas isso não invalida que a mesma preferisse trazer uma boa mala de viagem.
38.
Quanto ao peso da mala e ao seu conteúdo ilícito vejamos o que disseram as testemunhas sobre esta matéria.
Testemunha CC Inspetor da Policia Judiciária que prestou depoimento registado em sistema com o nº 521-23.7JELSB_2024-09-19-11-56-54 de minutos 00:08:05 a 00:10:28:
Defesa: “ O cidadão comum que não o Sr. Inspetor que trabalha habitualmente nisso, vendo a mala vazia e estando a droga dissimulada nos moldes em que ela estava, apercebe-se que há algo de anormal na mala? Recorda-se de qual era a estrutura da mala, se era rígida ou era de tecido?
Testemunha Inspetor da PJ-CC: Eu acho que era rígida.
Defesa: 1,5 kg transportado numa mala dessas é naturalmente percetível?
Testemunha Inspetor da PJ-CC: Eu acho verdadeiramente impercetível, temos que fazer uma busca por norma, para perceber isso.
32
Tribunal: Olhe como a Sra. Dra. Perguntou eu vou acabar de fazer uma pergunta genérica do cidadão comum, uma pessoa que viaja com a mala de outra pessoa, não se deve certificar que essa mala efetivamente não tem nenhum brinde?
Testemunha Inspetor da PJ-CC Isso vai depender se um estranho me der uma mala para eu levar eu vou achar estranho. Se for a minha mulher ou alguém da minha confiança se me der uma mala eu vou confiar.”
39.
Mas vamos mais longe, o Tribunal refere que bastava à arguida apalpar o fundo da mala para se aperceber que algo ali se encontrava.”
40.
Mas é o próprio Tribunal que valora o depoimento da testemunha DD, Inspetora da Policia Judiciária, que refere que o conteúdo da mala não era visível, havendo necessidade de retirar parafusos para aceder à parte interior do forro daquela, que não se abria e era visível, depoimento gravado em sistema com o nº 521-23.7 JELSB_2024-09-19_12-22-55 a minutos 00:05:11 a 00:05:51:
41.
Daqui decorre que obviamente a arguida não se podia ter apercebido que a mala continha algo.
42.
Não só por que 1, 5 kg numa mala de estrutura rígida é impercetível, como também o modo como estava acondicionado não permitia contrariamente ao que refere o Tribunal, que bastava abrir a mala.
43.
Também o facto de os arguidos terem ido à bomba de gasolina BP beber café, para o Tribunal era prova de que os arguidos tinham era pressa de abandonar as instalações do aeroporto.
44.
Uma vez mais, outras leituras são possíveis que não aquela feita pelo Tribunal. Senão vejamos,
45.
Ora, se os arguidos pretendessem fugir do aeroporto não o tinham feito para as bombas de gasolina da BP que ficam a poucos metros do aeroporto e, portanto, ainda num denominado “raio perigoso ”, mas sim, para um lugar, bem longe do aeroporto.
46.
Bem como, é o próprio Tribunal que dá como provado no ponto 28. que os arguidos o fizeram para beber café, fumarem e porque o check in no alojamento só poderia ser feito às 15 horas.
47.
Nesta medida não vê o recorrente razão para que a versão dos arguidos não acolha, sendo absolutamente normal uma pessoa que chega a um aeroporto se deslocar a um local nas proximidades, para beber café, fumar e até fazer tempo para entrar no hotel que reservara.
48.
Também não convenceu o Tribunal a explicação dada pela arguida que disse que quando foi de Uber pensara ir para casa de um amigo do coarguido, pois se assim fosse a arguida sabia o número da porta, andar e nome do amigo.
49.
Uma vez mais, também aqui mais leituras podem ser feitas. Ora, o arguido podia ter escrito o endereço aquando da solicitação do Uber e vir a pedir a alguém que fosse buscar a arguida ao local onde o uber parara ou podia a arguida pensar que quando chegasse o coarguido lhe ligasse a dizer onde se devia dirigir.
50.
A explicação dada pelos arguidos não convenceu o Tribunal que terminou por concluir que o que pretendiam os arguidos era colocar uma mala a salvo das autoridades.
51.
Ora, o que entra em clara contradição com o facto de a arguida andar a vaguear na rua tendo sido facilmente localizada pela PJ.
52.
Pois se fosse essa a explicação a arguida teria fugido ou teria contactado as pessoas a quem a droga ia ser entregue, para efetivar essa entrega e não ficaria na rua descontraidamente, como ficou.
53.
Também não convenceu o Tribunal o facto da arguida ter dito que as testemunhas quando chegaram ao seu encalce não se identificaram como Inspetores da Polícia Judiciaria. Ainda que tal facto pareça absolutamente irrelevante para aferir da culpabilidade da arguida, vejamos efetivamente o que disse a testemunha, inspetora da polícia judiciária sobre esta matéria:
Testemunha- DD Inspetora da Polícia Judiciária- depoimento gravado em sistema com o nº 521-23.7JELSB_2024-09-19_12-22-55 minutos 00:01:09 a 00:01:34
Procuradora: “ Mas identificaram-se como agentes da Policia Judiciária?
Testemunha- DD Inspetora da Polícia Judiciária-“Sim, sim. É praticamente comum nós identificarmo-nos sempre. A Sr. Estava extremamente perturbada, nervosa porque já estava ali há bastante tempo, nós percebemos. Estava nervosa, não conseguia falar com o AA, notava-se que estava bastante perturbada, pode até nem ter ouvido.
54.
É a própria testemunha que refere que é possível a arguida nem sequer ter ouvido os inspetores da polícia judiciaria se terem identificado como tal, dado estar muito nervosa.
55. Não se vê como em sede de fundamentação querer tirar conclusões contra a arguida.
56.
Com a impugnação da matéria de facto feita pretende-se demonstrar que o Tribunal a quo errou por não ter dúvidas ao dar como provado, que o arguido sabia que transportava droga, quis fazê-lo e conhecia a atitude dos seus atos.
57.
No presente recurso atacaram-se um por um os indícios utilizados pelo Tribunal para a realização da inferência positiva quanto aos citados factos provados:
- ou, por esses indícios não decorrerem das provas realizadas;
- ou, por não terem uma leitura unívoca , no sentido da afirmação da inferência- os factos a provar- das inferências.
58.
Ora, do que se explanou retira-se a falibilidade das conclusões do Tribunal, sendo plenamente possíveis outras.
59.
Os argumentos do Tribunal são irrelevantes, espúrios e inconsequentes para que se possa dizer que a arguida transportou voluntariamente droga.
60.
Com efeito, não sabia fazê-lo e, por isso, não tinha também consciência da ilicitude da sua conduta.
61.
Nos termos do artigo 412 nº 3 do C.P.P. impõe-se uma situação de dúvida, entre a versão contida na acusação e a versão da arguida, que já constava na Contestação e se manteve credivelmente, em julgamento.
62.
Dúvidas essas que parecem ter existido por parte da Digníssima Procuradora do M.P. que liderou o inquérito, ao notificar duas vezes a ora defensora oficiosa da arguida, no sentido de tentar arranjar local onde ficar em Portugal, com certeza no sentido da sua libertação.
63.
Ora, e impondo-se a referida situação de dúvida- de que esse Tribunal não está inibido por a mesma não ter ocorrido em 1ª instância- há que da mesma retirar conclusões.
64.
Que no caso só podem ser e por dúvida do citado princípio in “dubio pro reo” e da citada presunção de inocência que favorece a arguida a de alterar a matéria de facto fixada, passando os factos provados 12, 13, 14, 15,16 , para a matéria de facto não provada.
65.
E ser assim a arguida absolvida como é de Direito.
66.
Mas em termos subsidiários, e por mero dever de patrocínio, Caso Vossas Exas não acolham a anterior pretensão do recorrente, sempre se dirá que a pena aplicada à mesma é excessiva.
67. O Tribunal “a quo” entendeu que a recorrente estava inserida tanto em termos laborais, como sociais e familiares.
68. Presentemente a arguida conta com o apoio familiar, pretendendo uma vez findo o processo, voltar para junto dos seus familiares.
69. Em meio prisional tem mostrado uma postura adequada e não regista qualquer sanção.
70. É uma doente epilética, que já regista em meio prisional algumas crises, necessitando de cuidados médicos permanentes.
71. Atendendo aos referidos princípios gerais de direito e à visada reinserção social, afigura-se como excessivamente gravosa a pena aplicada à ora recorrente, devendo a mesma ser reduzida.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente:
1
- Ser a arguida absolvida pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p e p. pelo art.º 21.º nº 1, do Dec. Lei 15/93, de 22.01, com referência à Tabela I-B ao mesmo anexa;
2
- Caso Vossas Exas não acolham a anterior pretensão da recorrente, deverá a pena de prisão aplicada à recorrente ser reduzida para perto do mínimo legal.
Assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA! (…)
*
Os recursos foram admitidos, nos termos do despacho proferido em 25/11, com os efeitos de subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito suspensivo.
»
I.3 Resposta ao recurso
Efectuada a legal notificação, o Ministério Público junto da 1ª Instância respondeu ao recurso interposto pelos arguidos, pugnando pela sua improcedência não apresentado motivação nem conclusões, limitando-se a referir:
I.3.1 Relativamente ao arguido AA:

(…)
Tudo visto e ponderado, bem andou o tribunal, ao concluir pelas razões de facto e de direito suprarreferidas e com as quais concordamos integralmente, nada tendo a acrescentar, não merece qualquer reparo ou censura.
Por tudo o exposto, deverá o recurso ser considerado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. (…).”
I.3.2 Relativamente à arguida BB:

(…)
Tudo visto e ponderado, bem andou o tribunal, ao concluir pelas razões de facto e de direito suprarreferidas e com as quais concordamos integralmente, nada tendo a acrescentar, não merece qualquer reparo ou censura.
Por tudo o exposto, deverá o recurso ser considerado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.”
»
I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do qual, aderindo à posição da Digna Magistrada do Ministério Público na primeira instância, pronunciou-se no sentido da improcedência dos recursos, não apresentando conclusões, mas aduzindo:
(…)
Analisados os fundamentos do recurso da arguida, e no que concerne à impugnação da matéria de facto, a qual se circunscreve à interpretação das declarações prestadas em julgamento pelas testemunhas CC e DD, agentes da Polícia Judiciária que primeiramente abordaram a arguida, no sentido de que a arguida não tinha conhecimento de que transportava produto estupefaciente na mala que detinha e que fez transportar via aérea, de forma coincidente com a versão apresentada pela arguida e ao facto de o tribunal ter descredibilizado a sua versão dos factos.
Na verdade, as declarações das mencionadas testemunhas, inspetores da Polícia Judiciária, não foram conclusivas no sentido de considerarem que a arguida não teria conhecimento de que transportava na mala cocaína, mas de a mesma ter tido uma reação de aparentar não saber e parecer perdida.
A arguida impugna expressamente matéria de facto dada como provada, indicando os pontos de facto dados como provados sob os números 12, 13, 14, 15 e 16 do acórdão recorrido que considera incorretamente julgados, no entanto não indicou qualquer prova produzida que tenha a virtualidade de impor, claramente, decisão diversa.
Aliás, e sempre com o salvo e devido muito respeito, a arguida BB limita-se a divergir subjetiva e genericamente na avaliação da prova produzida com recurso a uma argumentação de valoração apoiada em apelos de vida pessoal e não apoiada em elementos de prova concretamente impositiva de sentido contrário à decidida pelo tribunal recorrido.
Quanto a ambos os recursos, relativamente à redução das respetivas penas, também entendemos que não deverão proceder, uma vez que as penas a que foram condenados, de 5 anos e 6 meses de prisão, se mostram adequadas aos factos, às quantidades elevadas de cocaína na posse dos arguidos – cerca de 4.500 Kg – sendo que tais penas estão ainda muito abaixo da média da moldura penal abstratamente aplicável, situando-se pouco acima do respetivo mínimo legal.
Nos casos de correios de droga por via aérea, as necessidades de prevenção geral mostram-se muito elevadas, tendo em conta o papel que desempenham na disseminação de produtos estupefacientes pelo mundo inteiro, de forma célere e dissimulada, pelo que se impõe a aplicação de penas de prisão efetiva que sejam dissuasoras de tais comportamentos e sentidas pela comunidade como justas, sendo que em nosso entendimento uma pena abaixo das não satisfaria cabalmente tais exigências.
Quanto ao recurso do arguido, claramente não se verificam todos os pressupostos para a atenuação da pena previsto no art.º31º do Dec. Lei n.º15/93, designadamente não ocorreu o abandono voluntário da ação delituosa por parte do arguido, já que a colaboração do arguido com as autoridades apenas ocorreu em momento posterior à deteção, pelos serviços de verificação do aeroporto, de que a mala que o arguido transportou continha cocaína dissimulada no seu interior; no caso concreto, o arguido até se enganou na mala, pelo que voltou atrás, para recolhê-la, altura em que foi inspecionada e encontrada a droga.
Nesta conformidade, o Acórdão recorrido não nos merece qualquer reparo ou censura.
*
Pelo exposto, e salvo o devido respeito por diferente opinião, somos do parecer que o recurso interposto pelos arguidos AA e BB devem ser julgados improcedentes, mantendo-se na íntegra o acórdão recorrido.
(…)
»
I.5. Resposta
Pese embora tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao dito parecer.
I.6 Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
»
II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ1], e da doutrina2, são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal ad quem, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal3.
»
II.2- Apreciação do recurso
Assim, face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões decidendas a apreciar são as seguintes:
a) Do erro de julgamento
a.1) Se o acórdão recorrido se encontra ferido de erro de julgamento (art. 412º, nº 3, do CPP), impugnando a arguida recorrente BB os factos dados como provados sob os nºs 12, 13, 14, 15 e 16 que deveriam, no seu entendimento, ser dados como não provados.
a.2) De saber se no acórdão recorrido foi violado o princípio do in dubio pro reo.
b) Da atenuação especial da pena aplicada ao arguido AA, decorrente da aplicação do disposto no artº 31º do DL 15/93 de 22 de Janeiro
c) De saber se a medida concreta da pena de prisão aplicada aos arguidos é excessiva.
Apreciemos então as questões suscitadas, pela ordem de prevalência processual sucessiva que revestem – isto é, de forma a que, por via da sucessiva apreciação de cada uma, se vá alcançando, na medida do necessário, um progressivo saneamento processual que permita a clarificação do objecto das seguintes.
Vejamos.
II.3 - Da decisão recorrida [transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objecto de recurso]:
a. É a seguinte a matéria de facto considerada como provada pelo tribunal colectivo em 1ª Instância :
(…)
3.1. Factualidade considerada como provada (dela expurgando factualidade conclusiva, advérbios de modo e factualidade considerada como irrelevante):
3.1.1. Quanto à culpabilidade:
1. No dia ........2023, pelas 06 horas e 22 minutos, os arguidos aterraram no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, procedentes do aeroporto de ..., sito em ..., na ..., no voo ..., com destino a esta cidade;
2. Nessa viagem, os arguidos transportaram no porão:
a) uma mala de cor vermelha, com a etiqueta com o número ... aposta, (associada à arguida) a qual continha no seu interior 2 embalagens com cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 1500,600 gramas;
b) uma mala de marca “...”, de cor cinza, com a etiqueta com o número ... aposta (associada ao arguido), a qual continha no interior 2 embalagens com cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 2984,000 gramas;
3. Após o desembarque, a arguida recolheu a mala acima referida, com a etiqueta em seu nome aposta, a qual continha 1500,600 gramas de cocaína e deslocou-se para o exterior do Aeroporto, tendo entrado numa viatura táxi que a transportou até à ...;
4. O arguido apresentou-se no canal vermelho na Sala de Controlo de Passageiros e Bagagens da Delegação Aduaneira do Aeroporto Humberto Delgado e, após ter sido questionado se teria algo a declarar, referiu não ter;
5. De seguida, foi efectuada revisão à bagagem por si transportada tendo sido detectadas, na estrutura da mala, por debaixo do forro:
- 2 embalagens com cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 2984 gramas;
6. Nessas circunstâncias, mais foi apreendido ao arguido:
- 1 (um) telemóvel da marca ..., modelo ..., de cor preto, com capa de silicone de cor amarela, com os IMEI... e IMEI..., com código de desbloqueio ... e respectivos cartões SIM;
- 6 (seis) Reais do ...;
- Etiqueta aposta na mala de viagem com o n.° ..., em nome de AA;
- 1 (um) talão de embarque, em nome de AA, referente ao voo … de .../.../23, para o percurso de ... para ...;
- 1 (um) talão de embarque, em nome de AA, referente ao voo … de .../.../23, para o percurso de ... para Lisboa;
- 1 (uma) etiqueta de bagagem, da ..., em nome de EE, com referência aos voos ... e ...
- 1 (um) cartão de suporte do cartão SIM, da operadora ..., com o número de
série ....
7. Seguidamente, o arguido informou aos Inspectores da P.J. que tinha viajado juntamente com a arguida, a qual transportava, de igual modo, uma mala contendo no seu interior cocaína e indicou-lhes a morada onde aquela se encontrava;
8. Após, os Inspectores da P.J. deslocaram-se à ..., na ... e, nas imediações do n.º75, ali visualizaram a arguida, a qual tinha na sua posse a referida mala de cor vermelha com a etiqueta com o número … com o seu nome aposta, que continha no interior 2 embalagens com cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 1500,600 gramas;
9. Nessas circunstâncias, a arguida tinha, ainda, consigo:
- 1 (um) bilhete em nome de BB, correspondente ao voo ..., de dia ... de ... de 2023 com origem em ... e destino ...;
- 1 (um) bilhete em nome de ..., correspondente ao voo ...de dia ... de ... de 2023 com origem em ... e destino Lisboa;
- 1(uma) etiqueta da ... em nome de BB com o
10. número ..., datada de ... de ... de 2023 com a referencia aos voo ... e ...;
11. - 1 (uma) etiqueta da ... em nome de BB com o número ..., com código de barras, datada de ... de ... de 2023 e referencia aos voo ... e ..., que se encontrava acoplada à mala de viagem;
- 1 (uma) etiqueta plastificada com código de barras em nome de BB com o número ... que se encontrava acoplada à mala de viagem;
- 01 (um) telemóvel da marca ..., modelo ..., de cor azul, com capa e silicone preta, com o número de série ... e com os seguintes IMEI’s: IMEI... e IMEI....
12. Os arguidos conheciam a natureza e as características estupefacientes do produto que transportavam e que lhes foi apreendido o qual aceitaram transportar por, para tanto, lhe ter sido prometida quantia monetária;
13. Os telemóveis apreendidos foram utilizados pelos arguidos nos contactos que estabeleceram para concretizar o transporte da cocaína apreendida;
14. Os documentos, quantias monetárias e objectos apreendidos aos arguidos e acima indicados destinavam-se a ser utilizados na actividade de tráfico de estupefaciente e eram fruto da mesma;
15. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a detenção, transporte e comercialização de cocaína são proibidos e punidos por lei;
16. Os arguidos são naturais/nacionais da ..., residindo e trabalhando no país da sua naturalidade, não possuindo quaisquer ligações familiares e/ou profissionais em Portugal, só se encontrando em Portugal para transportar a cocaína;
3.1.2. Da contestação da arguida BB:
17. BB conheceu o arguido AA há cerca de 15 anos, altura em que mantiveram um relacionamento amoroso, o qual veio a terminar;
18. Em Agosto de 2023 o arguido passou a frequentar o restaurante, propriedade da arguida, sedeado na ....
19. Nessa altura, os arguidos estreitaram contactos;
20. A arguida sabia que o arguido já havia vivido em Portugal nos anos de 2017/ 2018;
21. Antes de efectuar a viagem a que se alude em 1. a arguida apenas tinha saído da localidade onde residia apenas para cuidar de uma pessoa idosa, em ... e nem sequer possuía passaporte pois que jamais tinha saído da ...;
22. O arguido prontificou-se perante a arguida a tratar da emissão do passaporte daquela, dos bilhetes de avião e da estadia em território nacional;
23. E mais lhe referiu que, durante a estadia de ambos em território nacional, assistiriam a um jogo do ..., conheceriam praias e viajariam até ao ...;
24. A arguida deixou a sua filha menor de idade a cargo de uma sua irmã antes de efectuar a viagem a que se alude em 1. referindo que ia para ... tratar de uma idosa;
25. O arguido prontificou-se a emprestar uma mala de viagem à arguida porquanto esta não possuía uma o que veio, efectivamente, a suceder;
26. O arguido referiu à arguida que preparasse os seus pertences e que no dia da viagem lhe entregaria a mala para a mesma nela colocar os seus pertences no seu interior, o que veio a assim suceder;
27. No dia da viagem o arguido AA entregou à arguida a mala a que se alude em 2., vazia, de estrutura rígida, para aquela ali colocar os seus pertences;
28. Uma vez chegados ao aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, os arguidos levantaram as suas malas do tapete de recolha e saíram até às bombas de gasolina da BP que se localizam em frente à saída daquele para fumarem e tomarem café pois que o check in no alojamento apenas poderia ser feito após as 15 horas;
29. Já nas bombas de gasolina o arguido falou ao telefone desconhecendo a arguida com quem estava o mesmo se encontrava a falar;
30. Após, o arguido AA chamou um Uber e, quando se preparavam para colocar as malas de viagem no Uber, aquele apercebeu-se de que havia levantado a mala errada do tapete de recolha das malas;
31. Nessa sequência, o arguido referiu à arguida que seguisse de Uber até ao destino, já anteriormente escolhido pelo arguido, a saber, um café perto do hotel sendo que o próprio iria até ao aeroporto;
32. Uma vez que a arguida não sabia onde era o Hotel e porque não tinha consigo qualquer quantia monetária a mesma ficou a vaguear pela rua à espera da chegada do arguido, durante cerca de 4 horas;
33. Não sabendo o que fazer, para onde se dirigir, não tendo dinheiro consigo, nem conhecendo Portugal, procurou um café onde pudesse aceder à rede WI-FI e mandar uma mensagem para o arguido a questioná-lo da demora, o que sucedeu;
34. Posteriormente, a arguida foi abordada na rua por três indivíduos que a cumprimentaram pelo nome e lhe disseram para entrar na viatura que a iriam levar ao encontro do arguido, ao que acedeu;
35. Após, a arguida veio a encontrar-se com o arguido AA no interior das instalações da PJ sitas na Rua Gomes Freire, em Lisboa;
36. Uma vez na PJ, confrontada com o facto da mala com que viajara conter, no seu interior, dissimulado, o produto estupefaciente a que se alude em 2. a), aquela mostrou-se surpreendida embora mantendo uma postura calma e colaborante;
3.1.3. Mais se provou que:
37. No início do ano de 2023 a arguida terminou o relacionamento de cerca de 2 anos a 2 anos e 6 meses que mantinha com o arguido AA por força de ter tido conhecimento que aquele iria ser pai no mês de ...;
38. Antes de efectuar a viagem a que se alude em 1. o arguido encontrava-se com problemas financeiros pois devia cerca de 32 000 reais a um agiota;
39. Aquando da viagem a que se alude em 1. a arguida habitava com o seu companheiro e explorava conjuntamente com aquele um negócio de ...;
40. Após a aterragem a que se alude em 1. a arguida recolheu a mala a que se alude em 2. a) tendo-se certificado de que era aquela com que despachara para o porão confirmando a etiqueta que nela se encontrava aposta;
41. Após a aterragem a que se alude em 1. o arguido recolheu uma mala que não aquela a que se alude em 2. b) pois que não confirmou através da etiqueta que era a mala que havia despachado para o porão e, de seguida, os arguidos rumaram apeados para as bombas de gasolina da BP sitas na proximidade do Aeroporto Humberto Delgado;
42. Uma vez ali, após o arguido ter estado ininterruptamente ao telemóvel a enviar e receber mensagens, este chamou um Uber para os transportar para a ...;
43. Todavia, quando o arguido se encontrava a colocar a mala a que se alude em 40. no porta bagagens, apercebeu-se de que não era aquela a que se alude em 2. a);
44. Nessa sequência, o arguido informou a arguida que teria que regressar ao Aeroporto Humberto Delgado para entregar a mala que tinha consigo - que não lhe pertencia - e recuperar a mala a que se alude em 2.a) dizendo-lhe que seguisse no Uber a que se alude em 41. para o destino ali referido de molde a que o condutor não perdesse a viagem;
45. A arguida, ao efectuar a viagem a que se alude em 1., não trazia consigo quantias monetárias e/ou cartões bancários que lhe permitissem efectuar despesas em território nacional porquanto aquelas eram não só em moeda estrangeira e manifestamente insuficientes – 2 USD, 1 real e 2 guaranis – e as contas bancárias associadas a estoutros não tinham quaisquer quantias monetárias depositadas;
46. O arguido residiu em território português, durante cerca de 11 meses, no ano de 2018 tendo exercido, por conta própria, a actividade laboral de ...;
47. Os indivíduos a que se alude em 35. eram inspectores da PJ que se identificaram perante aquela em tal qualidade;
3.1.4. Quanto à determinação da sanção:
3.1.4.1. Relativos ao arguido AA:
48. Em ..., o arguido vivia com o seu pai e avó paterna, em habitação própria, na cidade onde nasceu, ..., Estado ..., onde decorreu o seu processo de desenvolvimento;
49. O arguido foi criado pelos progenitores, juntamente com o irmão, até aos dois anos de idade, altura em que foi viver com os avós paternos, por falta de disponibilidade e competências daqueles;
50. O arguido recorda o seu crescimento como afectivamente gratificante e normativo, de acordo com as regras e padrões da cultura e religião, bem como um desenvolvimento infanto-juvenil adequado, sem registo de quaisquer intercorrências;
51. Reforça a existência de regras e limites impostas pelas figuras de referência e de autoridade, os avós paternos;
52. O agregado vivia dos rendimentos auferidos pelos avós paternos e pelo vencimento do arguido, a partir dos 12 anos de idade, altura em que integrou o mercado de trabalho;
53. Os seus progenitores não foram presentes na sua, cabendo aos avós paternos colmatar as necessidades de subsistência do mesmo;
54. O pai manteve contacto com os filhos e convívios frequentes sobretudo quando se juntavam em casa dos avós paternos;
55. Aos 14 anos de idade foi residir sozinho por se considerar autónomo financeiramente, uma vez que estava há dois anos a trabalhar e tinha facilidade em conjugar vários empregos por forma a conseguir sustentar-se e e viver de forma independente, embora continuasse a manter contactos regulares com os avós paternos e com o progenitor;
56. O arguido foi pai aos 18/19 anos de uma filha actualmente com 20 anos de idade a qual reside na ... tendo esta um filho de dois anos de idade;
57. Em ... estabeleceu uma relação de namoro com a arguida, a qual conhecia desde os 10 anos de idade, tendo tal relacionamento sido pautado por altos e baixos;
58. Em agosto de ... retomaram a relação de namoro, depois de um tempo afastados;
59. Entre ... e 2023 o arguido manteve outra relação da qual nasceu uma filha, actualmente com 6 meses de idade e que reside com a respectiva progenitora na ...;
60. O arguido concluiu o ensino médio aos 20 anos de idade e, posteriormente, ingressou na Faculdade na Licenciatura de ..., encontrando-se à data dos factos a frequentar o 3º ano do curso;
61. A sua primeira experiência profissional, aos 12 anos de idade, terá sido como ..., a que se sucederam outras experiências profissionais em variados ramos, entre os quais, trabalhou numa ... aos 14 anos de idade, como ..., com um tio durante oito anos, emprego que conciliou com o trabalho de ... no período nocturno, como ..., ..., na área ..., tendo gerido um ...;
62. Desde os 12 anos de idade que aufere o seu próprio dinheiro tendo sempre tido facilidade em arranjar trabalho e revelando disponibilidade e motivação para aprender e trabalhar em várias áreas;
63. Em ..., com 32 anos de idade, veio para Portugal em busca de melhores condições de vida e de trabalho tendo vivido na zona de ... onde tinha um amigo que lhe arrendou um quarto durante três meses;
64. Posteriormente, arrendou uma habitação na zona de ... e trabalhou como ... num restaurante de ...;
65. Mais tarde conseguiu trabalho como ..., emprego que conciliava com o trabalho de ... em duas empresas de ...);
66. Em Portugal o arguido adaptou-se de forma positiva e, após 11 meses em território nacional, rumou ao seu país natal por questões familiares, designadamente, dar apoio tanto ao seu progenitor quanto à sua filha mais velha que, entretanto fora, ela própria, mãe;
67. O arguido avalia a sua permanência em Portugal, embora curta, de forma positiva no que concerne à sua adaptação a uma outra cultura, destacando a parte laboral em vários setores profissionais, que terão facilitado a sua integração social;
68. Quando em liberdade ambiciona regressar ao seu país de origem, por razões familiares/laços que mantém com o seu progenitor, avó materna e duas filhas, uma delas nascida em Novembro de 2023 e que ainda nem sequer conhece;
69. O arguido encontra-se preso preventivamente no Estabelecimento Prisional instalado no edifício da Polícia Judiciária de Lisboa, desde ........2023, apresentando comportamento adequado e não lhe sendo conhecidos incidentes disciplinares, trabalha na ... desde 22.01.2024 na ...;
70. O arguido não recebe visitas por força da sua família se encontrar no seu país de origem mantendo com contactos telefónicos com o irmão, filha mais velha e progenitora da sua filha mais nova para quem envia, todos os meses, € 60 para ajudar nas despesas daquela;
71. O arguido demonstra preocupação pela sua situação jurídico-penal e pelas consequências que a mesma possa vir a ter em termos futuros mormente junto das suas duas filhas;
72. O arguido não possui antecedentes criminais registados;
3.1.4.2. Relativos à arguida BB:
73. Em ... a arguida residia com o companheiro, FF, há cerca seis anos sendo tal relação instável e perspectivando a mesma a possibilidade de separação;
74. A arguida sentiu necessidade de repensar a sua vida afectiva e, após retomar o contacto com o arguido, efectuou a viagem para território nacional;
75. Mantém contacto com o companheiro, por videochamada e beneficia do seu suporte financeiro do mesmo que lhe envia transferências monetárias mensalmente;
76. Mantém contacto com a sua família de origem, irmãs GG e HH, caracterizando a relação de todas elas como de inter-ajuda, cooperação e solidariedade e com a sua filha de 13 anos de idade, a qual se encontra integrada no agregado da cunhada e que define como sendo a sua grande prioridade, destacando a forte vinculação afectiva entre ambas, tendo como objectivo futuro proporcionar-lhe as necessárias condições de estabilidade e progressão da sua actividade académica de molde a que aquela alcance estatuto sócio-cultural que considere seguro;
77. A arguida autonomizou-se da sua família aos 22 anos de idade quando foi viver com o progenitor da sua filha e, durante os sete anos em que perdurou este relacionamento, viveu em clima de violência doméstica, decorrente do alcoolismo do ex-companheiro, situação que considera ter sido disruptiva e com graves consequências para si e para a sua filha;
78. Após, teve um segundo relacionamento, mais seguro, embora, com o tempo tenha passado a sofrer dificuldades de relacionamento;
79. A arguida e o companheiro residiam, na data em que aquela rumou a Lisboa, numa habitação herdada por aquele, localizada na região sul da cidade de ..., de tipologia T2, ampla, sita por cima de um espaço de garagem, que o casal afectou a restaurante que ambos exploram - “..., na modalidade de..., sendo ...pela arguida;
80. A manutenção do negócio tem sido um dos objectivos familiares para poder prover ao sustento da sua filha;
81. Mais refere que, em colaboração com o companheiro, tem investido na construção de habitações para arrendamento;
82. A arguida estudou durante 11 anos, vindo a concluir o 3º ano do ensino médio, 2ª série (correspondente ao ensino secundário) com 17 anos;
83. Aos 13 anos de idade, em paralelo com a escolaridade, passou a trabalhar como ..., na cidade de ... para apoiar economicamente a sua progenitora, o mesmo sucedendo, com os seus irmãos, entregando metade do seu vencimento àquela;
84. O seu percurso familiar foi pautado pelo exercício de actividades no sector ..., como ..., na função ..., empregada ... entre os 21 e os 29 anos de idade;
85. Em ... constituiu-se como empresária..., no ..., tendo explorado tal negócio até ...;
86. A arguida padece de ... a qual lhe fi diagnosticada aos 20 anos de idade;
87. Desde que foi detida foi já acometida por diversas crises e encontra-se acompanhada e medicada pelos serviços clínicos do EP;
88. A arguida mantem comportamento adequado no EP e não regista qualquer sanção disciplinar;
89. A arguida mantém contacto com as irmãs e companheiro, usufruindo de suporte financeiro por parte deste fruto, proveniente do investimento a que se alude em 81.;
90. Em liberdade pretende voltar para a sua residência, onde reside o companheiro, com vista a reavaliar o relacionamento com este;
91. As suas irmãs apoiam a sua autonomização profissional;
92. A arguida não possui antecedentes criminais registados.
(…)
b. São os seguintes os factos dados como não provados pelo tribunal de 1ª Instância :
(…)
a) Os arguidos após ... tenham voltado a namorar;
b) A arguida tenha efectuado a viagem a que se alude em 1 porque o arguido tivesse negócios pendentes em Portugal e se tenha aproveitado da sua ingenuidade;
c) Ao ser convidada pelo arguido a vir a Portugal a arguida tenha, num primeiro momento, recusado;
d) Quando a arguida se encontrava nas instalações da PJ o arguido lhe tenha pedido desculpa por lhe ter dado a mala a que se alude em 2. a) contendo, no seu interior acondicionado e escondido, o produto estupefaciente ali referido;
e) O arguido, ao viajar acompanhado pela arguida, levantaria menos suspeitas no controlo alfandegário ao trazerem duas malas;
(…)
c. É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo tribunal de 1.ª Instância :
(…)
O Tribunal fundou a sua convicção na valoração conjunta e crítica dos meios de prova conforme se explanará infra, designadamente:
A) Prova por declarações dos arguidos, tanto as prestadas em sede de primeiro interrogatório de arguido detido quanto as prestadas em sede de audiência de julgamento:
- As declarações do arguido AA prestadas em tais momentos distintos foram, genericamente, coincidentes sendo que, em sede de audiência de julgamento, o mesmo admitiu que, efectivamente, na data a que se alude em 1 embarcou de ... rumo a Lisboa, na companhia da arguida, bem sabendo que as duas malas com que viajaram continham no seu interior produto estupefaciente esclarecendo que aceitou efectuar o transporte de tal produto, num primeiro momento só numa mala e, posteriormente, com duas malas porquanto devia 32 000 a um agiota e esta seria a forma de diminuir tal dívida.
No que diz respeito à arguida asseverou que a mesma desconhecia que a mala que lhe facultou trazia, no seu interior, produto estupefaciente.
Esclareceu que foram namorados desde ... até à chegada a território nacional embora aquela vivesse com um companheiro e, em inícios de ..., tenha terminado o relacionamento consigo pois descobrira que ele mantinha um outro relacionamento do qual, aliás, veio a nascer uma filha quando já se encontrava detido em território nacional.
Porém, em Agosto de 2023, ao descobrir que aquela se separara resolveu tentar reconquistá-la convidando-a a vir consigo a Portugal tratar de negócios dele e, uma vez aqui, passeariam, iriam a praias, ver um jogo de futebol e ao ....
Mais referiu que a arguida acabou por aceitar o convite, no dia da viagem entregou-lhe a mala para a mesma colocar os seus pertences no interior e rumaram a Portugal juntos, transportando cada um deles uma das malas a que se alude em 2. da factualidade considerada como provada.
Acrescentou que, após ambos recolherem duas malas do tapete saíram das instalações do Aeroporto Humberto Delgado e dirigiram-se à bomba de gasolina da BP existente nas proximidades para tomar café.
Após, chamou um Uber e, quando ia colocar a mala que tinha no porta bagagens apercebeu-se de que tinha retirado do tapete uma mala que não era a sua, pelo que, disse à arguida que seguisse para a rua do alojamento onde iriam ficar, sem prejuízo de não poderem entra no mesmo antes das 15 horas, e ali aguardasse por si porquanto ele iria regressar ao aeroporto para levantar a mala com que tinha viajado e proceder à entrega da que trouxera por engano.
Ao regressar ao aeroporto acabou por conseguir levantar a mala de sua pertença e, quando aquela passou no RX, foi o mesmo abordado pelas autoridades no local que acabaram por abri-la e, no seu interior, encontrar o produto estupefaciente a que se alude em 2. b).
Num primeiro momento negou ter sido o próprio quem deu a conhecer à PJ que viajara na companhia da arguida e que a mala com que esta viajara também trazia produto estupefaciente mas, pouco depois, admitiu tê-lo feito.
Mais esclareceu que a arguida desconhecia os seus problemas financeiros aquando da partida dos mesmos da ... sendo que foi ele quem pagou a emissão do passaporte daquela, as viagens de ambos e a estadia em território nacional.
Enquanto esteve na bomba de gasolina da BP esteve em contacto com o indivíduo a quem devia fazer a entrega do produto estupefaciente.
Esclareceu que os 6 reais que lhe foram apreendidos eram de sua pertença e que aproveitaria o facto de se encontrar em Portugal para cuidar de apurar junto da AT quais as quantias que devia de quando aqui exerceu actividade laboral.
Por fim, referiu que a arguida não trazia consigo qualquer quantia monetária.
- As declarações da arguida BB prestadas em tais momentos distintos foram díspares entre si nalguns pontos que assinalaremos infra.
Em sede de audiência de julgamento a arguida negou peremptoriamente ter conhecimento de que a mala que o arguido lhe facultou para fazer a viagem a que se alude em 1 tivesse, no seu interior, produto estupefaciente.
A mesma esclareceu que namorou durante 2 anos a 2 anos e 6 meses com o arguido até ter descoberto, em ..., que aquele mantinha um outro relacionamento e que a pessoa com quem o mantinha se encontrava em período de gestação de um filho daquele.
Na sua opinião o arguido será de classe média pois que possui casa com duas divisões e até garagem.
Mais referiu que em Agosto de 2023 voltou a reaproximar-se do arguido, porque ela própria se encontrava em processo de separação do seu companheiro e que, nessa sequência, ele lhe propôs fazerem uma viagem a Portugal pois que ele precisava de vir cá resolver uns negócios e que, uma vez aqui, iriam a um jogo de futebol, conhecer praias e até ao ... sendo que, à data, a mesma mantinha o relacionamento com o seu companheiro.
Esclareceu que porque tinha apenas malas/sacos de pano o arguido lhe facultou uma mala de viagem de sua pertença, a qual utilizou para efectuar a viagem a que se alude em 1, não tendo estranhado nem o seu peso, nem nada no seu interior, sendo que a recebeu apenas no dia da viagem, tendo colocado os seus pertences no seu interior.
Referiu ainda que foi o arguido quem pagou a emissão do seu passaporte, as viagens e estadia em Portugal (alojamento e alimentação) embora refira desconhecer o preço das viagens e julgar que o arguido trabalhava como motorista de Uber por conta própria e não por conta de outrem.
Rumaram a Portugal sendo que a própria jamais tinha saído do seu país natal, nem andado de avião e à sua família referiu que ia tratar de uma idosa noutra cidade pelo período de 10 dias. Sem prejuízo de tal, aquando da recolha das bagagens no tapete do aeroporto Humberto Delgado a mesma recolheu a sua mala certificando-se de que era, efectivamente, a sua confirmando a etiqueta que nela estava aposta.
Referiu que, de seguida, foram para uma bomba de gasolina existente nas proximidades do aeroporto para tomarem café porque era mais barato e que, uma vez ali, o arguido esteve sempre a falar ao telemóvel.
Esclareceu que quando o arguido chamou um Uber para se dirigirem para a zona onde ficariam hospedados apercebeu-se de que tinha recolhido a mala errada, pelo que, aquele regressou ao aeroporto e disse-lhe que fosse no Uber para que este não perdesse o serviço que ele iria ter consigo a seguir.
De seguida, refere ter ficado horas sozinha numa rua num local absolutamente desconhecido para si até terem chegado três pessoas que a chamaram pelo nome e que lhe disseram que a levariam até ao arguido.
Já na sede da PJ reencontrou-se com o arguido e foi-lhe referido que no interior da mala que a própria transportava estava produto estupefaciente o que a deixou incrédula.
A arguida referiu não passar dificuldades económicas no seu país natal pois que auferia cerca de 2500 reais por semana.
Ao invés, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido a arguida, diferentemente, referiu:
- em ... após ter descoberto que o arguido mantinha um outro relacionamento amoroso e que ia ser novamente pai, zangada com ele, terminou o relacionamento.
- foram para as bombas de gasolina nas imediações do aeroporto porque o café no aeroporto era muito caro;
- ao entrar no Uber julgava que ia para casa de um amigo do AA pois que sabia que apenas pelas 15 horas poeriam entrar no alojamento;
- ao ser abordada na rua por três pessoas que a chamaram pelo nome percebeu que eram ligadas à justiça embora não se tenham identificado;
- ao viajarem para Portugal o dinheiro era “apertado” (sic);
- ao fazer a mala garantiu que a mesma ficava com peso inferior ao máximo permitido, a saber, 23 kg sendo que julga que a mala teria entre de 17 e 20 kgs.
No que concerne à situação familiar, económica, laboral e prisional dos arguidos o Tribunal louvou-se no teor das declarações dos mesmos conjugadas com o teor dos respectivos Relatórios Sociais juntos aos autos em 20.05.2024 e 28.08.2024.
No que concerne aos antecedentes criminais dos mesmos louvámo-nos no teor dos certificados de registo criminal juntos aos autos em 18.09.2024.
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B) Prova testemunhal:
- O depoimento da testemunha II, inspector da PJ, o qual de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos, pois, toda a credibilidade relatou ao Tribunal que a equipa de prevenção da PJ foi chamada ao aeroporto Humberto Delgado no dia ........2023 sendo que o mesmo a não integrava e apenas fez parte de uma 2ª fase em que se tentava discernir a quem seria entregue o produto estupefaciente apreendido à ordem dos presentes autos.
À chegada à PJ a arguida BB, ao ser confrontada com a apreensão no interior da mala a que se alude em 2.a) de produto estupefaciente a mesma aparentou desconhecer tal facto, estar até meia perdida, sendo que ambos os arguidos, nas instalações da PJ, se encontravam ansiosos.
- O depoimento da testemunha JJ, inspectora tributária aduaneira, a qual de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos, pois, toda a credibilidade relatou ao Tribunal que o arguido, ao passar no canal da AT do aeroporto Humberto Delgado do “Nada a declarar” foi por si abordado para que levasse a cabo uma verificação da sua mala quando se aperceberam que no interior daquela estaria algo estranho e que, após abrirem a mala, escondido no fundo da mesma encontrava-se um pacote que, desde logo, suspeitou ser produto estupefaciente.
- O depoimento da testemunha KK, verificadora principal, a qual de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos, pois, toda a credibilidade relatou ao Tribunal que no dia ........2023, no interior das instalações do aeroporto Humberto Delgado, após ser aberta a mala do arguido efectuou o teste rápido ao produto estupefaciente encontrado no interior daquela.
- O depoimento da testemunha DD, inspectora da PJ, a qual de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos, pois, toda a credibilidade relatou ao Tribunal que no dia ........2023 encontrava-se de serviço de prevenção e, após colegas seus terem ido ao aeroporto a propósito de ter sido apreendido ao arguido produto que testara positivo para cocaína, tomaram conhecimento que havia uma segunda pessoa em Lisboa que tinha viajado com aquele pois que o próprio o tinha referido.
Nessa sequência, ela e outros dois colegas, foram ter com a pessoa que aquele indicara, a ora arguida tendo-lhes sido exibida uma fotografia da mesma pelo arguido, bem como a descrição da indumentária que trajava, à morada por ele fornecida, nos arredores de Lisboa, em local que não se recorda.
Uma vez chegados ao local que o arguido lhes indicara avistaram a arguida sentada junto à estrada ali existente com uma mala ao seu lado, pelo que, identificaram-se como inspetores da PJ e solicitaram-lhe que os acompanhasse, ao que aquela acedeu encontrando-se nervosa e perturbada.
À chegada às instalações sede da PJ, sitas em Lisboa, deram-lhe a conhecer que o arguido viajara com produto estupefaciente no interior da mala que lhe estava adstrita a ele e solicitaram-lhe que visse o interior da mala com que a mesma viajara, ao que acedeu.
Ao ser confrontada com a existência de produto estupefaciente no interior da mala com que viajara, tendo tido necessidade de retirar parafusos para aceder à parte interior do forro daquela, local onde se encontrava o produto estupefaciente. Nesse momento a arguida aparentava estar confusa embora calma e colaborante, não se recordando a testemunha de aquela ter expresso qualquer revolta e/ou indignação para com o arguido.
- O depoimento da testemunha LL, inspectora da PJ, a qual de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos, pois, toda a credibilidade relatou ao Tribunal que no dia ........2023 encontrava-se de serviço de prevenção quando foi accionada para a alfandega do aeroporto Humberto Delgado e que, uma vez aí chegada, tomou conta da ocorrência e, após, rumaram às instalações da PJ onde lavrou o Auto de apreensão e que, uma vez ali chegados, a arguida já ali se encontrava pois que colegas seus tinham já tinham ido no encalce daquela.
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C) Prova pericial:
Pericialmente o Tribunal louvou-se no teor:
- do Relatório de exame de toxicologia elaborados pelo LPC da PJ juntos aos autos a fls. 163 e 166.
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D) Prova documental:
- Auto de notícia de fls. 07 e segs;
- Auto de entrega de fls. 09;
- Auto de diligência de fls. 10 e segs;
- Cópia de passaporte de fls. 15 e segs;
- Auto de teste rápido e pesagem de fls. 18;
- Reportagem fotográfica de fls. 19 e segs;
- Auto de apreensão de fls. 23 e segs;
- Folhas de suporte de documentos de fls. 25 a 29;
- Cópia de passaporte de fls. 32 e segs;
- Auto de teste rápido e pesagem de fls. 35;
- Reportagem fotográfica de fls. 36 e segs;
- Auto de apreensão de fls. 39;
- Folhas de suporte de fls. 40 e seg;
- Termo de consentimento de fls. 42;
- Auto de apreensão de fls. 70;
- Guias de depósito de objectos de fls. 71; 82; 83 e 84;
- Guia de depósito externo de fls. 85;
- Termo de entrega de fls. 87;
- Relatórios Sociais juntos aos autos em 20.05.2024 e 28.08.2024, respectivamente, sob as refªs 39709921 e 40249449;
- Certificados de registo criminal juntos aos autos em 18.09.2024, sob as refªs 438429085 e 438429091.
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No que concerne à factualidade considerada como não provada foi a mesma assim considerada atenta a total ausência de prova que a fundamentasse motivo pelo qual foi assim considerada.
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Aqui chegados, cotejada a supra elencada prova, o juízo sobre a certeza e a verdade material dos factos evolou do teor dos meios de prova produzidos em sede de audiência de julgamento, conjugados com o teor da prova documental, testemunhal e pericial elencadas e dos primeiros interrogatórios judiciais de arguido detido.
Para formar a convicção do Tribunal, quanto à matéria considerada como provada foi determinante o teor das declarações prestadas pelos arguidos (tanto em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, quanto em sede de audiência de julgamento) da forma como se explanará infra.
Desde logo, o arguido assumiu que, efectivamente, ao viajar para Portugal sabia que no interior das malas com que ele e a arguida viajaram se encontrava o produto estupefaciente apreendido à ordem dos presentes autos.
Mais deu nota que foi o próprio que forneceu a mala com que a arguida viajou apenas no dia em que viajaram sendo que a própria ali colocou os seus pertences.
Contudo, o mesmo fez questão de frisar que a arguida desconhecia, em absoluto, que no interior da mala com que viajava se encontrava produto estupefaciente.
Por seu turno, a arguida negou peremptoriamente ter conhecimento que, no interior da mala com que viajou se encontrasse dissimulado o produto estupefaciente apreendido à ordem dos presentes autos a que se alude em 2.a).
Todavia, não lograram os arguidos convencer quanto a tal.
Vejamos, senão, porquê.
De notar que os mesmos mantiveram um relacionamento de cerca de 2 anos a 2 anos e 6 meses até ..., altura em que a arguida, a qual habitava com o seu companheiro, veio a saber que o arguido mantinha um outro relacionamento amoroso e iria ter um filho.
Explicaram ambos que em Agosto de 2023 voltaram a privar mais e aproximar-se, aquele dizendo que a arguida se encontrava separada, facto que a mesma não avançou e, ao invés, referiu habitar com o seu companheiro.
Como se não bastasse a estranheza que nos causa esta reaproximação de ambos, pois que cinco meses tinham passado sobre o terminus do seu relacionamento com o fundamento supra referido, a arguida acede a viajar com o arguido para Portugal não assumindo perante os seus tal facto e antes dizendo que iria tratar de uma pessoa idosa por dez dias numa cidade próxima.
Se tal justificação poderia ser avançada para justificar a sua ausência aos seus familiares não convenceram os arguidos que, efectivamente, retomaram tal relacionamento pois que a própria arguida, tanto em sede de audiência de julgamento, quanto em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, negou que fossem namorados à data da viagem que efectuaram.
Mas é ponto assente que ambos viajaram para território nacional e que o fizeram transportando, cada um deles, uma mala e cada uma delas contendo no respectivo interior o produto estupefaciente que se mostra apreendido à ordem dos presentes autos.
Atente-se, fazendo fé no que a arguida refere, que a mesma jamais tinha saído do seu país de origem e diga-se que apenas tinha saído da localidade onde morava por uma única vez.
Sem prejuízo, ao aterrar no aeroporto Humberto Delgado teve o cuidado de se certificar que a mala que retirou do tapete era aquela que havia despachado olhando para a etiqueta, coisa que o arguido nem sequer fez, e os conduziu, inelutavelmente, a serem detidos, o que, para nós, bem espelha o cuidado que a mesma teve com aquela porquanto sabia que no interior da mesma transportava produto estupefaciente.
Mais se refira que a mesma possuía malas com que poderia ter viajado, aquilo que apodou de sacolas de pano, as quais, aliás, até poderia colocar no compartimento por cima do seu lugar de assento no interior do avião, sem necessidade de despachar mala de porão, desde que respeitasse o peso máximo permitido para tal.
Ao invés, viajou com uma mala fornecida, no dia da viagem, pelo arguido no interior da qual colocou os seus pertences e rumou a Lisboa referindo a mesma não ter estranhado o seu peso, nem ter-se certificado de que aquela não continha nada de ilícito no seu interior o que, uma vez mais, muito se estranha.
Não se olvide que o arguido, relativamente a si, era apenas seu amigo com quem, aliás, havia terminado um relacionamento amoroso que com ele mantivera porque aquele mantinha em paralelo um outro relacionamento e ia ter um filho.
Como se não bastasse, bem sabemos, na qualidade de passageiros em viagens aéreas que uma das obrigações que sobre todos nós recai é de nos certificarmos de que as malas com que viajamos são da nossa pertença e que, no seu interior, não se transportam objectos ou produtos que não sejam de nossa pertença ou cujo conteúdo desconheçamos – cfr. https://www.abear.com.br/blog-do-passageiro/bagagem/bagagem-para-viagem-tudo-o-que-voce-precisa-saber/ - pelo que, não nos convence a arguida da veracidade do por si relatado.
De notar que somos de entendimento que a arguida bem sabia que a mala com que viajou continha, no seu interior, produto estupefaciente dissimulado no seu fundo, aliás, facilmente acessível pois que bastava apalpar o fundo daquela para bem se aperceber que algo ali se encontrava – cfr. fls. 37 Foto 4 e 5 com os dois pacotes.
Como se não bastasse, os arguidos, ainda antes de o arguido se ter apercebido que a mala que retirara do tapete não era aquela que despachara e que, por força de tal, haveria de ter de voltar ao aeroporto Humberto Delgado, tiveram pressa em abandonar as instalações daquele como bem o demonstra o facto de terem rumado às bombas de gasolina da BP sita nas proximidades sendo absolutamente inverosímil o argumento de que não tomaram café ainda no aeroporto porquanto era muito mais caro e mantendo-se o arguido ao telemóvel a trocar mensagens enquanto ali se encontrava.
Imagine-se viajar com uma mulher, para um país diferente, para uma estadia a dois – na versão dos arguidos – e o primeiro local onde se leva aquela ser uma bomba de gasolina ficando a trocar mensagens ao telemóvel.
Bem sabemos que a arguida referiu achar que aquele estava a jogar jogos no telemóvel mas não convence de tal.
Que sentido faria isto?
Em nosso entender, nenhum.
Não olvidemos que foi a própria arguida quem referiu que julgava ser o arguido de classe média/alta e não estranhou a atitude de querer poupar dinheiro no local onde tomariam café acabando, pasme-se, numa bomba de gasolina?
O arguido pagou a emissão do passaporte da arguida, as viagens de avião de ambos, a estadia e depois não tinha sequer dinheiro para tomarem um café num dos cafés existentes no aeroporto Humberto Delgado?!?!
Ao invés, somos de entendimento que todo o comportamento de ambos os arguidos espelha de forma cristalina a urgência que os mesmos tinham em abandonar o aeroporto quanto antes pois que bem sabiam que transportavam consigo quase 4500 kgs de cocaína no interior das malas com que viajaram.
Como se não bastasse, ao colocar a mala com que viajara no porta bagagens do Uber que chamara o arguido apercebe-se que havia retirado do tapete uma mala que não aquela que seria a sua apenas podendo nós imaginar o que sentiu nesse momento – a necessidade de voltar ao aeroporto e contactar os serviços do aeroporto para reportar o sucedido e tentar recuperar aquela mala.
O que sucede a seguir?
O arguido determina à arguida que siga para a morada que havia inserido aquando da solicitação da viagem de Uber, para que o motorista não perca a viagem, sendo que ele próprio iria ter com aquela mais tarde depois de recuperar a mala.
Uma vez mais, nada do relatado faz sentido pelas regras da experiência e normalidade.
É por demais consabido que se pode anular uma viagem de Uber já solicitada sendo que o motorista não fica a perder na medida em que sempre é cobrada uma determinada quantia a qual, embora menor do que aquela que constava na aplicação quando se aceitou a viagem, ainda assim, paga de forma mais do que justa a deslocação até ao local de recolha dos passageiros.
Acresce que ambos os arguidos referiram que a arguida viajou sem trazer consigo qualquer quantia monetária que lhe permitisse efectuar despesas em território nacional, nem cartões de débito e/ou crédito e sem dados e sem saldo no seu telemóvel.
Mais se diga que a mesma jamais tinha saído do seu país natal e acede a ir para um local que desconhece, num país absolutamente novo para si, sem ter possibilidade de despender qualquer quantia monetária, fosse para se alimentar, solicitar um táxi ou Uber, ou qualquer outra despesa.
Ainda que a língua que se fala em Portugal seja a mesma que se fala na ..., tal facto, de per si, não poderia deixar a arguida descansada ao dirigir-se, sem dinheiro, para via pública e ali ficar à espera do arguido.
Mais, atente-se, no primeiro interrogatório referiu a arguida que julgava que estaria a ir para casa de um amigo do arguido mas, se assim fosse, este haveria de lhe ter dado a morada concreta para a mesma se dirigir, nomeadamente, número de porta, andar e nome do seu amigo, o que não sucedeu, pelo que, é bom de ver que a alusão a tal é absolutamente desprovida de sentido e não convence.
Então, por que motivo não acompanhou a arguida o arguido de volta ao aeroporto Humberto Delgado e antes se dirigiu para a ...?
Para nós, sem margem para dúvidas, apenas uma resposta se impõem - porque os arguidos queriam que, pelo menos uma das malas, ficasse a salvo da proximidade das autoridades - ainda que, para tal, a arguida ficasse absolutamente desprotegida pois que sem qualquer quantia monetária, ao que esta acedeu movida por tal fito.
Refira-se que a arguida foi abordada pelas autoridades policiais na via pública para onde o arguido havia determinado aquando da selecção da morada de destino da viagem de Uber não tendo logrado a mesma convencer de que aquelas não se identificaram pois que expressamente a inspectora DD o infirmou e o mostram de igual modo, as regras da experiência e da normalidade.
Por fim, refira-se que a arguida apenas veio a ser abordada pelas autoridades porque o arguido a indicou como não só tendo viajado consigo mas também como transportando, de igual modo, no interior da mala com que viajara, produto estupefaciente e porque bem sabia aquele que a mala com que aquela viajara não haveria de poder ser entregue ao destinatário pois que quem tinha os contactos para tal era ele próprio, pelo que, mais valeria “salvá-la” da desprotecção em que a deixara.
De notar que de pouco releva que a arguida, nas instalações da PJ ou a ser para ali transportada se mostrasse confusa, ainda que calma e colaborante pois que daqui não se pode extrair que desconhecesse que no interior da mala com que viajara se encontra produto estupefaciente na medida em que cada pessoa reage de forma diversa não se nos mostrando possível, por força de tal, extrair aquela conclusão.
Se tal bastasse poderíamos até fazer o raciocínio inverso – se, efectivamente, desconhecesse que transportava produto estupefaciente no interior da mala que o arguido lhe emprestara não haveria aquela de se ter insurgido contra tal de forma efusiva? Não seria tal atitude bem mais conforme às regras da experiência e da normalidade?
Ora, de todo o exposto, dúvidas inexistem para o Tribunal que bem sabiam ambos os arguidos que transportavam no interior das respectivas malas produto estupefaciente, pelo que, cumpre efectuar o enquadramento jurídico da mesma.
c. É a seguinte a fundamentação relativa à determinação das consequências penais no caso :
(…)
4.2. ESCOLHA E GRADUAÇÃO DA PENA
Efectuado, pela forma descrita, o enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos importa, agora, determinar a natureza e medida da sanção a aplicar-lhes.
A determinação da medida da pena impõe a determinação:
- medida legal ou abstrata da pena - num primeiro momento determina-se a moldura legal aplicável ao caso concreto;
- medida judicial ou concreta da pena - num segundo momento determina-se a pena a aplicar directamente;
- escolha (de entre as penas postas à disposição no caso, através dos mecanismos das penas alternativas ou das penas de substituição) a espécie da pena que efetivamente deve ser cumprida.
A moldura penal abstracta resulta da subsunção supra operada do comportamento do arguido ao tipo legal mencionado.
4.2.1. A determinação da medida concreta da pena (ou determinação da medida da pena) obedece, assim, ao critério global que se encontra plasmado no artº 71º, nº 1 do Código Penal.
Do normativo em apreço se extrai que aquela determinação será efectuada em função das categorias da culpa e da prevenção (especial e geral) sendo nomeadamente as circunstâncias enunciadas no citado artº 71º, nº 2 do CPenal relevantes quer para a culpa, quer para a prevenção.
Importa referir, neste campo, que os artºs 40º e 70º, ambos do CPenal vigente, ao tomar posição sobre os fins das penas determinou que a sua aplicação tem como finalidade a prevenção geral (positiva, de integração: “proteção de bens jurídicos”) e a prevenção especial (“reintegração do agente na sociedade”).
Acresce que, um dos princípios basilares do CPenal actual reside na compreensão de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta (normativo-concreta), pelo facto (e pela personalidade, nele refletida), pressuposto (não há pena sem culpa) mas também que a culpa não constitui apenas o pressuposto-fundamento da validade da pena firmando-se também como limite máximo da mesma.
Na esteira dos ensinamentos do Prof. Figueiredo Dias in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime” págs. 221 a 225 somos de parecer que primordialmente a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto. É, assim, a prevenção geral positiva e não a culpa que fornece um espaço de liberdade ou de indeterminação, uma moldura de prevenção (ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida de tutela dos bens jurídicos).
Assim, a culpa constitui o factor limitativo máximo superior da pena, ou seja, o limite máximo da pena adequada à culpa não pode, jamais, ser ultrapassado. Semelhante limitação resulta do princípio da culpa que impregna a legislação penal, segundo o qual não há pena sem culpa, nem a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa – cfr. artº 1º da Constituição da República Portuguesa. É de salientar que a culpa deve referenciar-se ao concreto tipo de ilícito praticado que constitui o seu objecto, quer dizer, a culpa jurídico-penal não é uma culpa em si mas antes uma censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa plasmada em certo facto – artº 40º, nº 2 do CPenal.
Por outro lado, a medida da pena há-de ser dada pela necessidade de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto, ou seja, o seu limite mínimo decorrerá de considerações ligadas à prevenção geral positiva, de integração, através da qual se pretende alcançar o reforço da consciência jurídica comunitária e o seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.
Por fim, atenta a moldura penal “concreta” desta forma encontrada, a exacta medida da pena será fruto das exigências de prevenção especial, quer na vertente de socialização, quer na de advertência individual do delinquente.
4.2.2. Aplicando agora os princípios sumariamente expostos ao caso em apreço não obnubilando e seguindo os três momentos referidos supra.
A moldura penal abstractamente aplicável situa-se entre os 4 a 12 anos de prisão (cfr. artº 21º, n.º 1 do Dec-Lei n.º 15/93, de 22.01).
Dentro destes limites teremos, portanto, de elaborar a dosimetria cingidos à regra do disposto no citado artº 71º do CPenal valorando: a culpa do agente, a concorrência de circunstâncias agravantes ou atenuantes estranhas à tipicidade e a satisfação das exigências preventivas (geral e especial).
Salienta-se que, in casu, são elevadas as necessidades de prevenção geral que neste tipo de infração (tráfico de estupefacientes) considerando, por um lado, as proporções epidemiológicas que o consumo de cocaína assume na actualidade, envolvendo ainda risco grave para a saúde pública e para a sociedade severamente afectadas por esse consumo e, consequentemente, pelo tráfico que o gera, determina e amplia; por outro, a frequência da prática destes crimes (tráfico deste tipo de produtos estupefacientes) nesta comarca (essencialmente, pela via aérea, com desembarque ou passagem pelo Aeroporto Humberto Delgado) o que urge modificar e, por fim, os efeitos perversos das drogas tendo-se presente neste campo as numerosas mortes que provoca e o lançar de muitos, jovens e não só, no mundo da marginalidade e da prática de ilícitos criminais.
Acresce que, no campo da prevenção especial, afigura-nos dever salientar o seguinte circunstancialismo:
a) Milita em desfavor do arguido AA:
- o dolo – directo – embora o mesmo não exceda, em intensidade, o comum neste género de casos;
- a ilicitude situa-se num patamar médio atenta a concreta natureza – cocaína - e quantidade do produto estupefaciente que transportava;
b) Milita em seu favor:
- a sua integração laboral, social e familiar no seu país natal;
- o apoio familiar de que beneficia;
- o ter admitido, ainda que parcialmente, a factualidade objecto dos presentes autos explicando o motivo subjacente a tal conduta;
- o comportamento adequado em meio prisional;
- a ausência de antecedentes criminais registados.
a) Milita em desfavor da arguida BB:
- o dolo – directo – embora o mesmo não exceda, em intensidade, o comum neste género de casos;
- a ilicitude situa-se num patamar médio atenta a concreta natureza – cocaína - e quantidade do produto estupefaciente que transportava;
- o ter negado peremptoriamente a prática dos facos objecto dos presentes autos o que bem espelha que não interiorizou, ainda, o desvalor da sua conduta;
b) Milita em seu favor:
- a sua integração laboral, social e familiar no seu país natal;
- o apoio familiar de que beneficia;
- o comportamento adequado em meio prisional;
- a ausência de antecedentes criminais registados.
Assim sendo, no apuramento do sancionamento daqueles há que ter em conta não só que agiram com dolo directo – a forma mais grave da culpa – mas também que são - como é sabido e supra foi evidenciado -, muitíssimo elevadas as exigências de prevenção desta verdadeira calamidade social que é o narcotráfico e situando-se no patamar médio/baixo as necessidades de prevenção especial pois que nenhum deles possui antecedentes criminais registados.
Tudo ponderado, considerando os limites abstratos da pena de prisão prevista no artº 21º, n.º 1 do Dec-Lei n.º 15/93, de 22.01, fazendo apelo a critérios de justiça, adequação e proporcionalidade entre a gravidade do crime e a culpa do arguido, em conjugação com a ideia de intimidação e dissuasão ou de pura prevenção geral negativa, reputamos como adequada e suficiente a imposição a cada um dos arguidos de uma pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Não olvidemos que nos encontramos perante cidadãos laboral, familiar e socialmente inseridos sendo de concluir que ambos terão boas possibilidades de reintegração familiar e social (razões de prevenção especial).
Acresce que o produto estupefaciente que transportaram, porque apreendido, não chegou a ser introduzido no mercado europeu e, por força de tal, não foi consumido por toxicodependentes com as por demais consabidas consequências nefastas que daí resultam e a que já fizemos referência.
A discriminação positiva em causa, independentemente das razões objectivas que lhe estão subjacentes (porventura, economicistas, mas também diminuição da população prisional) foi uma opção expressa do legislador na fase de execução das penas.
Certamente que o legislador quando consagrou na letra de lei aquela consequência ou possibilidade tinha presente que os cidadãos estrangeiros em casos como o presente, bem como em muitos outros, dela beneficiariam.
Apesar disso, aquela consequência e possibilidade nunca foram, nem são, critério de determinação concreta da pena mas contendem tão só com o modo da sua execução.
Ao julgador cabe apenas e tão só fixar a pena concreta em função dos critérios aplicáveis e não em função do seu modo de execução, pois que se o fizesse estaria a desvirtuar totalmente as operações de escolha e determinação concreta da pena, ou seja, não lhe caberá, independentemente de entender o modo de execução justo ou injusto, alterar os princípios adjectivos que conformam esta matéria caso contrário estaria a erigir-se em legislador, subvertendo as suas funções de aplicador da lei.
Além do mais, ao julgador não lhe assiste o direito de obviar a determinado modo de execução da pena que é opção do legislador e, muito menos, para alcançar esse desiderato, aumentar artificialmente a medida concreta da pena porque isso teria por consequência ir além da culpa do arguido (a qual constitui o limite máximo da medida da pena e tem como função a proibição de excesso tal como se deixou já expresso supra).
(…)”
»
II.4- Apreciemos, então, as questões a decidir.
a) Do erro de julgamento (art. 412º, nº 3, do CPP)
a.1) Se o acórdão recorrido se encontra ferido de erro de julgamento (art. 412º, nº 3, do CPP), impugnando a arguida recorrente BB os factos dados como provados sob os nºs 12, 13, 14, 15 e 16 que deveriam, no seu entendimento, ser dados como não provados.
Como decorre do disposto no art. 428º do Cód. de Processo Penal, as Relações, em sede de recurso, conhecem de facto e de Direito.
Como é consabido, a decisão da matéria de facto em sede de recurso pode ser sindicada por duas vias alternativas :
– no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º/2 do Cód. de Processo Penal, a que se convenciona chamar de revista alargada,
– ou através da designada impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º nº3/4/6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido art. 410.º, cuja indagação, como resulta imposto do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento ; no segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art. 412º do Cód. de Processo Penal.
A questão agora nesta parte suscitada pela recorrente BB gravita, como se disse, no âmbito do segundo dos caminhos expostos.
Vem, nesta parte, a recorrente fundamentalmente impugnar o exercício de julgamento da matéria de facto por parte do tribunal a quo.
O erro de julgamento, consagrado no artigo 412º nº3 do Cód. de Processo Penal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado ; ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, ampliando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art. 412º do Cód. de Processo Penal – isto é, nesta situação o recurso quer reapreciar concretos segmentos de prova produzida em primeira instância, havendo assim que a reproduzir tale quale em segunda instância, por forma a apreciar da verificação da específica deficiência suscitada.
Notar–se–á, não obstante, que nos casos de tal impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, mas antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, e sempre na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
E é exactamente por o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituir um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, os aludidos erros que o recorrente deverá expressamente indicar, que se impõe a este o ónus de proceder a uma especificação sob três vertentes, conforme estabelecido no art. 412º nº3 do Cód. de Processo Penal, onde se impõe que, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar :
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados,
b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida,
c) as provas que devem ser renovadas.
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens [das gravações] em que se funda a impugnação [não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos], pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes [n.º 4 e 6 do artigo 412.º do Código de Processo Penal]4.
Como realçou o STJ, no acórdão de 12-06-2008, a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que se debruçando sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o «contacto» com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b), do nº 3, do citado artigo 412.º do Código de Processo Penal] [sublinhado nosso].
Por isso, haver prova produzida em sentido contrário, ou diverso, ao acolhido e considerado relevante pelo Tribunal a quo não só é vulgar, como é insuficiente para, só por si, alterar a decisão em sede de matéria de facto.
Em suma, para dar cumprimento às exigências legais da impugnação ampla tem o recorrente de especificar, nas conclusões, quais os pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, quais as provas [específicas] que impõem decisão diversa da recorrida, demonstrando-o, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as [se na acta da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados] ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos [quando na ata da audiência de julgamento se faz essa referência - o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens].
“Importa, portanto, não só proceder à individualização das passagens que alicerçam a impugnação, mas também relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova susceptível de impor essa decisão diversa com o facto individualizado que se considera incorrectamente julgado, o que se mostra essencial, pois, julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e só sendo admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida – face à exigência da alínea b), do n.º 3, do artigo 412.º, do C.P.P., a saber: indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida -, a demonstração desta imposição compete também ao recorrente [sublinhado nosso]. (Acórdão do TRL, desta 5.ª Secção, datado de 16-11-2021, Processo n.º 1229/17.8PAALM.L1-5).
In casu, entende a recorrente que o tribunal a quo não deveria ter dado como provado os factos vertidos sob os pontos 12 a 16, porquanto haveria um incorrecto julgamento da matéria de facto por parte daquele, alegando que tal deficiente exercício se prende, fundamentalmente, com a ausência de prova suficiente.
Ademais, como bem refere a recorrente, é fora de dúvida que no essencial a convicção do tribunal a quo assentou quanto à demonstração da factualidade agora impugnada na sua faceta de conduta criminalmente típica, ilícita e culposa da arguida, na consideração da chamada prova indiciária ou indirecta.
Ou seja, e fazendo apelo às noções comummente aceites nesta matéria, na consideração pelo tribunal de circunstâncias de facto que permitem (por inferência e no respeito das regras da lógica e da experiência comum) dar como provados os factos concretamente integradores do tipo de ilícito.
Como se escreveu no Ac.STJ de 26/1/2011, proc. 417/09.5YRPTR.S2, «I - A prova indiciária é uma prova indirecta, baseada em indícios, também apelidada de prova lógica ; indícios esses que são todas as provas conhecidas e apuradas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão firme, segura e sólida; a indução parte do particular para o geral e apesar de ser prova indirecta tem a mesma força que a testemunhal, documental ou outra. II - Os indícios representam uma grande importância em processo penal, já que se não tem à disposição prova directa, sendo imperioso fazer um esforço lógico, jurídico-intelectual para o facto não ficar impune. Exigir a todo o custo a existência destas provas directas seria um fracasso em processo penal, ou forçar a confissão, o que constitui a característica mais notória do sistema de prova taxada e como expressão máxima a tortura».
De forma expressiva refere-se no Ac.RP de 18/03/2015, proc. 400/13.6PDPRT.P1 que «I – Quer a prova directa, quer a prova indirecta são modos, igualmente legítimos, de chegar ao conhecimento da realidade (ou verdade) do factum probandum. II – Em processo penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (art. 125.º do Cód. Proc. Penal), pelo que não pode ser excluída a prova por presunções (art. 349.º do Cód. Civil), em que se parte de um facto conhecido (o facto base ou facto indiciante) para afirmar um facto desconhecido (o factum probandum) recorrendo a um juízo de normalidade (de probabilidade) alicerçado em regras da experiência comum que permite chegar, sem necessidade de uma averiguação casuística, a um resultado verdadeiro.».
No que tange às regras ou requisitos impostos sobre a apreciação da prova indirecta pelo tribunal, e não estabelecendo a lei processual penal regime específico nesta matéria, é aplicável também aqui o princípio geral de livre apreciação da prova, previsto no art. 127º do Cód. de Processo Penal, que exactamente prevê que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
A livre apreciação da prova tem sempre de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão de modo a que seja possível, por qualquer pessoa, entender porque é que o tribunal se convenceu de determinado facto, ou, dito de outro modo (porque é que o juiz conferiu credibilidade a uma testemunha e descredibilizou outra, por exemplo).
O que o juiz não pode fazer nunca é decidir de forma imotivada ou seja, decidir sem indicar o iter formativo da sua convicção, «é o aspecto valorativo cuja análise há-de permitir (...) comprovar se o raciocínio foi lógico ou se foi racional ou absurdo» (cfr. Germano Marques da Silva, in ‘Curso de Processo Penal’, II, pág. 126 e segs.).
Como diz o Prof. Figueiredo Dias (em ‘Direito Processual Penal’, 1º Vol., Coimbra Editora, págs. 202/203), « a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo ».
Ou seja, estamos perante um princípio basilar que, não obstante, não pode fazer perder de vista os próprios limites inerentes ao mesmo - e que determinam, acima de tudo, que não se está perante um poder discricionário, a usar pelo mesmo julgador sem qualquer critério. Na verdade, embora qualquer decisão do julgador penal assente na sua livre convicção, certo é que o processo de formação dessa mesma convicção é em si mesmo vinculado e sujeito a regras.
No que à valoração da chamada prova indirecta diz respeito, traduz–se isto em que o fundamento da sua credibilidade está igualmente dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável, nada impedindo que, devidamente valorada, por si e na conjugação dos vários indícios e acordo com as regras da experiência, permita fundamentar a condenação.
Assim, fundando–se embora em presunções naturais – ou seja, em ilações que se retiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido –, essas ilações devem ser suportadas por um exercício motivado e claro que se revele conforme com regras de experiência especialmente reportadas ao contexto do caso em análise, e que permita afastar quaisquer dúvidas sobre a ocorrência do facto probando que por essa via se demonstra.
Veja-se o Ac.RC de 09/05/2012, proc. 347/10.8PATNV.C1 que refere «1.- A presunção judicial é admissível em processo penal e traduz-se em o tribunal, partindo de um facto certo, inferir, por dedução lógica, um facto desconhecido. 2.- As presunções de facto - judiciais, naturais ou hominis – fundam-se nas regras da experiência comum. 3.- Para a valoração de tal meio de prova devem exigir-se, os seguintes requisitos: - pluralidade de factos-base ou indícios; - precisão de tais indícios estejam acreditados por prova de carácter direto; - que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com esse facto; - racionalidade da inferência; - expressão, na motivação do tribunal de instância, de como se chegou à inferência.»
Por ultimo, o Ac.RP de 3/02/2016, proc. 482/10.2SJPRT.P1, onde se consigna que « I - O artº 127º CPP admite a prova indirecta, ao estabelecer que a prova é apreciada segundo a livre convicção e as regra da experiência, pois são estas que permitem extrair dos factos directamente percecionados e conhecidos, chegando por essa via ao conhecimento de outros factos com o necessário grau de certeza. II - Para a valoração da prova indirecta importa que ocorram uma pluralidade de elementos, que esses elementos sejam concordantes e esses indícios afastem para além de toda a dúvida razoável a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios.»
Ora, in casu, entendeu o tribunal a quo que existem uma quantidade de indícios ou indicadores graves (isto é, sérios, importantes, fortes ou intensos), precisos (ou seja, certos e distintos ou exactos), e todos concordantes (quer dizer, coincidentes ou direccionados segundo resultado comum e consequente) no sentido de se ter por demonstrado que os factos se passaram como a acusação, nessa parte, os descrevia e, portanto, se deram como assentes.
Antes de mais, a recorrente pretende, face ao teor dos depoimentos de elementos da Polícia Judiciária transcritos, retirar um contra-indício, que entende ter a força suficiente para abalar os indícios de que o Tribunal se socorreu para a demonstração dos factos que entendeu dar como provados.
Tal passa por retirar de tais depoimentos, e pela valia da sua apreciação das condutas humanas, face à experiência decorrente da profissão, a conclusão que era opinião deles que a arguida desconhecia que transportava produto estupefaciente na mala de viagem, tudo tendo em atenção o disposto no art.130º nº2 al.b) do Cód.Processo Penal, o que deveria ter sido tido em conta pelo tribunal recorrido.
Como princípio, o objecto e limites do depoimento da testemunha, são os factos de que a testemunha possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova (art.128.º, n.º1, do Cod.Processo Penal).
O conhecimento directo dos factos é aquele que advém à testemunha imediatamente através dos seus próprios sentidos.
É dentro desta exigência de conhecimento directo dos factos que o art.130.º, do Código de Processo Penal estabelece o seguinte:
« 1. Não é admissível como depoimento a reprodução de vozes ou rumores públicos.
2. A manifestação de meras convicções pessoais sobre factos ou a sua interpretação só é admissível nos casos seguintes e na estrita medida neles indicada:
a) Quando for impossível cindi-la do depoimento sobre factos concretos;
b) Quando tiver lugar em função de qualquer ciência, técnica ou arte;
c) Quando ocorrer no estádio de determinação da sanção.».
A proibição sobre o depoimento que reproduz vozes ou rumores públicos, é uma proibição absoluta de meio de prova.
Já no que concerne à manifestação de meras convicções pessoais sobre factos ou a sua interpretação a proibição como meio de prova de prova é relativa, pois se em regra elas não valem como meio de prova, o n.º 2 do art.130.º do C.P.P. concretiza, em três alíneas casos em que elas são admissíveis.
Só perante o caso concreto poderá o tribunal decidir se o depoimento integra alguma das excepções em que a convicção pessoal sobre os factos ou a sua interpretação é admissível, por integrar alguma das alíneas do n.º 2 do art.130.º do C.P.P..
No entanto, in casu, pretende a recorrente que seja valorada a apreciação do depoimento dos agentes da Polícia Judiciária enquanto aferidores da credibilidade de um sujeito.
Ora, das funções dos órgãos de polícia criminal, nomeadamente face ao disposto nos arts.241º, 248º, 249º e 250º do Cód.Processo Penal, certamente que não resulta que os mesmos sejam munidos de conhecimentos especiais para determinar se a reacção de um suspeito é compatível com o mesmo ser ou não o autor de um facto ilícito, e logo tal opinião, a ser valorada, sempre seria prova proibida.
Como tal, bem andou o tribunal a quo quando se limitou a dar como provado os elementos comportamentais externos demonstrados pelos arguidos, e apercebidos pelos referidos agentes, dado que a conclusão sobre se esses comportamentos poderiam, ou não, ser indício de algo, sempre caberia àquele.
Aliás, com acerto, refere o tribunal recorrido: “De notar que de pouco releva que a arguida, nas instalações da PJ ou a ser para ali transportada se mostrasse confusa, ainda que calma e colaborante pois que daqui não se pode extrair que desconhecesse que no interior da mala com que viajara se encontra produto estupefaciente na medida em que cada pessoa reage de forma diversa não se nos mostrando possível, por força de tal, extrair aquela conclusão.
Se tal bastasse poderíamos até fazer o raciocínio inverso – se, efectivamente, desconhecesse que transportava produto estupefaciente no interior da mala que o arguido lhe emprestara não haveria aquela de se ter insurgido contra tal de forma efusiva? Não seria tal atitude bem mais conforme às regras da experiência e da normalidade?”
Esta é aliás a pedra de toque de toda a presente situação, porquanto das regras da experiência e da normalidade, o facto de a arguida pretender demonstrar menos ou mais conhecimento, tudo depende da escolha intelectual que faça relativamente à situação com que se deparou.
Agora, face ao que foi sustentado pelos arguidos, de que a arguida tudo desconheceria, ditam as regras da experiência e da normalidade que a mesma, na concreta situação em que foi colocada, demonstrasse ira, raiva, desconforto para com o co-arguido, que pretensamente lhe prometeu uma viagem tranquila, e de passeio por Portugal.
Contrariamente ao expectável, como refere a testemunha DD, sobre o que se apercebeu dos sinais exteriores comportamentais da arguida - [6.05] “em momento algum eu notei que ela estivesse revoltada”.
Ao contrário do que sustenta a recorrente, quando refere “não se percebe o motivo pelo qual o Tribunal simplesmente desvalorizou a observação das testemunhas”, este valorizou a percepção das testemunhas, apenas não no sentido pretendido por esta, e verdadeiramente apenas desvalorizou as conclusões a que chegaram, dado que acertadamente decidiu que não lhes assiste qualquer múnus especial na categorização da exteriorização comportamental de sujeitos.
E vamos mais longe, pois não deixa de ser sintomático de tudo o que vimos referindo, que a arguida, durante as suas declarações em audiência de julgamento, nunca tenha deixado transparecer qualquer animosidade para com o co-arguido, que segundo a mesma, a teria colocado nesta situação, sem o seu conhecimento.
Mas para além desse sinal probatório – e não pode deixar de o ser –, vários outros, pela sua pluralidade e convergência finalística, o tribunal recorrido chamou à colação como factores probatórios explicativos e demonstrativos da tese que o convenceu, ou seja, de que os arguidos agiram de comum acordo, no sentido de transportaram produto estupefaciente em malas e introduzi-lo em Portugal.
E a primeira instância indica-os especificamente de uma forma que permite com clareza percepcionar o relacionamento entre si e a convergência de todos no sentido incriminatório a cuja conclusão, em resultado, chega.
Insurge-se a recorrente pelo facto de o tribunal recorrido entender que não se mostrava plausível que a arguida se tenha aproximado do arguido passado 5 meses após terem terminado, da justificação dada à família para a viagem e de que efectivamente os mesmos tinham já feito as pazes.
Mas a convicção do Tribunal recorrido não assenta em nada do referido, mas sim na estranheza de uma relação tão pouco sedimentada, apenas cinco meses após o terminus anterior do relacionamento, tendo a arguida descoberto que o arguido teria já um filho de uma outra companheira, culmine numa viagem a Portugal, sem qualquer objectivo claramente identificado, mas escondendo da família a razão da viagem.
Transcreve a recorrente segmentos do seu depoimento, que ao invés de imporem outra conclusão só sedimentam a estranheza da versão apresentada.
Vejamos verdadeiramente o que a arguida referiu:
Arguida (3:10) Daí a gente se separou, porque ele engravidou ela, e cada um foi seguir sua vida.
Juiz (3:17) Mas agora, antes de virem, já tinham feito as pazes?
Arguida (3:22) Já tinha feito as pazes, daí eu estava com um problema no meu casamento. Meu marido, ele bebia bastante, chegava em casa de serviço.
Juiz (3:31) Mas a senhora já se tinha separado do seu marido?
Arguida (3:33) A gente estava numa fase de separação.
Juiz (3:36) Estava a separar-se?
Arguida (3:37) Sim, a gente estava numa fase de separação.
Juiz (3:40) E já estava a namorar ali com o Sr. AA? Ele diz que acha que já tinha reconquistado, mas ainda não tinha percebido bem.
Arguida (3:46) Não, a gente estava começando. Ele ia lá todo dia.
Juiz (3:53) Então ainda não se considerava namorada dele?
Arguida (3:55) Não bem namorada. Ele tinha me dado uma aliança. A gente estava começando, eu conversava com ele bastante, desabafava sobre meus problemas. Eu tenho epilepsia. Daí eu conversava com ele, eu tenho depressão, falava com ele sobre isso. Eu tenho ataque de ansiedade, conversava com ele. Ele me ajudava a me desabafar. Eu desabafava bastante com ele. Daí a gente começou. Ele sempre via o meu marido nos bares, daí aparecia lá em casa.
Juiz (4:35) Quando ele via o seu marido fora, aparecia na sua casa?
Arguida (4:37) Sim.
Juiz (4:38) Mas eu volto a perguntar, já eram namorados?
Arguida (4:40) A gente se considerava já.
Juiz (4:43) Já eram namorados.
Veja-se que a arguida recorrente consegue afirmar que não era namorada, que “ a gente estava começando”, não se considerada “bem namorada”, para dizer a seguir “a gente começou” para afirmar que “a gente se considerava”, num discurso titubeante e algo desconexo.
É sem duvida contrário às regras da experiência, alguém que tem, ainda agora, tamanhas dúvidas sobre o modo como rotula o relacionamento com o co-arguido, afirma reatar um relacionamento, sem explicar o porquê da reaproximação, tanto que logo afirma que ainda está com o marido, mas essa reaproximação já e suficiente para que depois, venha, sem motivo verosímil, a Portugal.
Mas a tal acrescentamos nós, sem nenhuma justificação plausível a que título seria paga a viagem e a estadia de 10 dias em Portugal, dado que segundo a arguida, o co-arguido pagaria a sua parte, e ainda a emissão de passaporte, sendo este apenas motorista da Uber (7.49) - “Ele trabalhava de Uber, trabalhava num aplicativo de Uber.”
Toda a história da arguida é inverosímil, pelo que bem analisou o tribunal recorrido ao considerar que tal causava estranheza e concatenou tal com os restantes elementos probatórios.
Insurge-se a recorrente quanto a um dos fundamentos do tribunal recorrido se relacionar com o cuidado que esta afirma ter tido aquando do levantamento da mala transportava produto estupefaciente, após aterrar em Lisboa, nomeadamente certificando-se de que aquela era verdadeiramente a sua mala.
Sendo certo que não estamos perante uma questão de relevo, é evidente do acerto do juízo efectuado pelo tribunal recorrido, pois estamos perante uma pessoa que afirma que praticamente nunca tinha saído do lugar onde habitava no ..., nunca tinha andado de avião, e apesar de pretender levantar uma mala vermelha, facilmente distinguível da maioria das malas, ainda assim afirma que teve o cuidado de verificar a etiqueta, numa demonstração de zelo pouco comum para alguém, que a determinado passo afirma relativamente ao motivo pretensamente pelo qual recusava o convite do co-arguido para vir a Portugal (36.30) “daí eu comento que não, porque eu não tenho nem passaporte, eu nunca saí do ..., não sei nem o que trazer, nem o que vestir, nem como me comportar.”
Aliás, demonstrou mais cuidado que o próprio co-arguido, o qual confessadamente sabia que transportava produto estupefaciente.
O argumento de que a arguida deveria se ter certificado de que a mala que lhe foi entregue pelo co-arguido nada continha de suspeito, e que se impõe a todos os passageiros, é totalmente inócuo para a conclusão retirada pelo tribunal recorrido, porquanto, apelando à argumentação supra expendida, a recorrente poderia desconhecer que sobre ela impedia tal obrigação.
O relevante é a conclusão a que o tribunal chega a partir de tal premissa, porquanto refere “De notar que somos de entendimento que a arguida bem sabia que a mala com que viajou continha, no seu interior, produto estupefaciente dissimulado no seu fundo, aliás, facilmente acessível pois que bastava apalpar o fundo daquela para bem se aperceber que algo ali se encontrava – cfr. fls. 37 Foto 4 e 5 com os dois pacotes.”
E os trechos transcritos pela recorrente não abalam, de modo algum, tal conclusão.
Uma coisa é o peso da mala, e ser percetível, tendo em atenção tal característica, que a mesma transportava alguma coisa de anormal, outra, é estando a mala vazia, tal como pretensamente foi entregue à arguida, referindo aquela que “(7:40) Coloquei as minhas coisas, coloquei dois sapatos, coloquei o biquíni”, e em toda essa operação de arrumação pretender que não se apercebeu que estava ali uns volumes que nem eram tecido, nem armação, nem plástico, e que totalizavam quilo e meio de produto estupefaciente.
E tal não é colocado em causa pelo depoimento da testemunha DD porquanto visibilidade e palpabilidade são conceitos diversos e apelam a órgãos dos sentidos distintos.
É evidente que não é crível tal versão, como o tribunal recorrido bem sustentou.
Insurge-se depois a recorrente que a história relatada pelos arguido de irem para as bombas da BP para beberem um café, pedirem um Uber, sendo que nessa altura o arguido se apercebe que tinha pegado a mala errada, e vai a correr para dentro do aeroporto, sendo que a recorrente vai no referido Uber, sem saber para onde, e ali fica na rua à espera do mesmo, pode ter entendimento diverso do perfilhado pelo tribunal recorrido, afirmando “Nesta medida não vê o recorrente razão para que a versão dos arguidos não acolha, sendo absolutamente normal uma pessoa que chega a um aeroporto se deslocar a um local nas proximidades, para beber café, fumar e até fazer tempo para entrar no hotel que reservara.”
Face ao inverosímil de toda a situação, pretender que tal conduta é ainda assim normal, isso sim, contraria todas as regras da experiência e da normalidade.
Imaginar os arguidos a saírem do aeroporto, carregados com duas malas, a puxarem as mesmas durante bastantes metros, para tomarem um café alguns cêntimos mais barato, numa bomba de combustível, é totalmente contrário às regras da experiência e da normalidade.
Vejamos a argumentação do tribunal recorrido:
Como se não bastasse, os arguidos, ainda antes de o arguido se ter apercebido que a mala que retirara do tapete não era aquela que despachara e que, por força de tal, haveria de ter de voltar ao aeroporto Humberto Delgado, tiveram pressa em abandonar as instalações daquele como bem o demonstra o facto de terem rumado às bombas de gasolina da BP sita nas proximidades sendo absolutamente inverosímil o argumento de que não tomaram café ainda no aeroporto porquanto era muito mais caro e mantendo-se o arguido ao telemóvel a trocar mensagens enquanto ali se encontrava.
Imagine-se viajar com uma mulher, para um país diferente, para uma estadia a dois – na versão dos arguidos – e o primeiro local onde se leva aquela ser uma bomba de gasolina ficando a trocar mensagens ao telemóvel.
Bem sabemos que a arguida referiu achar que aquele estava a jogar jogos no telemóvel mas não convence de tal.
Que sentido faria isto?
Em nosso entender, nenhum.
Não olvidemos que foi a própria arguida quem referiu que julgava ser o arguido de classe média/alta e não estranhou a atitude de querer poupar dinheiro no local onde tomariam café acabando, pasme-se, numa bomba de gasolina?
O arguido pagou a emissão do passaporte da arguida, as viagens de avião de ambos, a estadia e depois não tinha sequer dinheiro para tomarem um café num dos cafés existentes no aeroporto Humberto Delgado?!?!
Ao invés, somos de entendimento que todo o comportamento de ambos os arguidos espelha de forma cristalina a urgência que os mesmos tinham em abandonar o aeroporto quanto antes pois que bem sabiam que transportavam consigo quase 4500 kgs de cocaína no interior das malas com que viajaram.
Como se não bastasse, ao colocar a mala com que viajara no porta bagagens do Uber que chamara o arguido apercebe-se que havia retirado do tapete uma mala que não aquela que seria a sua apenas podendo nós imaginar o que sentiu nesse momento – a necessidade de voltar ao aeroporto e contactar os serviços do aeroporto para reportar o sucedido e tentar recuperar aquela mala.
O que sucede a seguir?
O arguido determina à arguida que siga para a morada que havia inserido aquando da solicitação da viagem de Uber, para que o motorista não perca a viagem, sendo que ele próprio iria ter com aquela mais tarde depois de recuperar a mala.
Uma vez mais, nada do relatado faz sentido pelas regras da experiência e normalidade.
É por demais consabido que se pode anular uma viagem de Uber já solicitada sendo que o motorista não fica a perder na medida em que sempre é cobrada uma determinada quantia a qual, embora menor do que aquela que constava na aplicação quando se aceitou a viagem, ainda assim, paga de forma mais do que justa a deslocação até ao local de recolha dos passageiros.
Acresce que ambos os arguidos referiram que a arguida viajou sem trazer consigo qualquer quantia monetária que lhe permitisse efectuar despesas em território nacional, nem cartões de débito e/ou crédito e sem dados e sem saldo no seu telemóvel.
Mais se diga que a mesma jamais tinha saído do seu país natal e acede a ir para um local que desconhece, num país absolutamente novo para si, sem ter possibilidade de despender qualquer quantia monetária, fosse para se alimentar, solicitar um táxi ou Uber, ou qualquer outra despesa.
Ainda que a língua que se fala em Portugal seja a mesma que se fala na ..., tal facto, de per si, não poderia deixar a arguida descansada ao dirigir-se, sem dinheiro, para via pública e ali ficar à espera do arguido.
Mais, atente-se, no primeiro interrogatório referiu a arguida que julgava que estaria a ir para casa de um amigo do arguido mas, se assim fosse, este haveria de lhe ter dado a morada concreta para a mesma se dirigir, nomeadamente, número de porta, andar e nome do seu amigo, o que não sucedeu, pelo que, é bom de ver que a alusão a tal é absolutamente desprovida de sentido e não convence.
Então, por que motivo não acompanhou a arguida o arguido de volta ao aeroporto Humberto Delgado e antes se dirigiu para a ...?
Para nós, sem margem para dúvidas, apenas uma resposta se impõem - porque os arguidos queriam que, pelo menos uma das malas, ficasse a salvo da proximidade das autoridades - ainda que, para tal, a arguida ficasse absolutamente desprotegida pois que sem qualquer quantia monetária, ao que esta acedeu movida por tal fito.”
Tal argumentação é sobeja, e desnecessário se torna qualquer acrescento à mesma, sendo paradigmático que sobre tal a recorrente se limite a apelar a uma leitura sua, muito própria, mas que de modo algum impõe conclusão diversa.
No que concerne ao ponto 53 das conclusões de recurso, tal não contende com os factos impugnados, não é usado enquanto elemento indiciário relevante das conclusões do tribunal recorrido, e a convicção deste está bem espelhada na motivação apresentada para a qual se remete.
Face a todo o exposto, constatamos que o tribunal recorrido não omitiu nenhum dado de raciocínio que pudesse sugerir arbitrariedade ou preconceito na decisão, nem tão pouco subverteu, ocultou ou extrapolou o significado de nenhum dado probatório. Aliás, o tribunal recorrido fundamentou a sua decisão de forma irrepreensível e fê-lo apoiado num vasto leque de considerações que teceu de forma muito clara e consistente, esclarecendo e explicando, cabalmente, todos os aspectos que o recorrente invoca terem sido omitidos, injustificados ou de leitura diversa, não sendo perceptivel a conclusão da recorrente que “os argumentos do Tribunal são irrelevantes, espúrios e inconsequentes para que se possa dizer que a arguida transportou voluntariamente droga.”
Tal afirmação apenas se compreende porquanto o tribunal recorrido não aderiu à tese da recorrente, nada mais.
Mas fica muito claro no acórdão recorrido que o mesmo não credibilizou as declarações da arguida BB, o que acertadamente fez, porquanto da sua audição resulta um depoimento incoerente, desconexo, inverosímil, refugiando-se em desculpas sem qualquer lógica, que não poderia dar lugar a credibilização da versão que a mesma apresentou em julgamento, face ao conjunto restante de factos apurados.
E a primeira instância indica-os especificamente de uma forma que permite com clareza percepcionar o relacionamento entre si e a convergência de todos no sentido incriminatório a cuja conclusão, em resultado, chega.
Perante isto, não se julga que os elementos de prova que vêm referenciados pela recorrente permitam inquinar a leitura que o tribunal a quo fez da prova produzida – ou seja, não se demonstra, como seria necessário, a existência de prova que imponha decisão diversa.
É patente que todos os elementos e segmentos de prova invocados pela recorrente foram devidamente ponderados pela primeira instância, não se mostrando de todo arredados da sua ponderação probatória, e com relação precisamente à matéria fáctica cujo sentido o recurso pretendia inverter.
Ora, como facilmente se conclui de quanto fica dito – e se pode comprovar pela audição da produção de prova em audiência – o tribunal recorrido não se limitou a ser um mero espectador apático, ou receptor passivo da informação e prova que se produziu em imediação e oralidade na audiência de discussão e julgamento. Com efeito, no estrito cumprimento e observância das prerrogativas legais que lhe então funcionalmente atribuídas, interveio activamente, com profundidade e firmeza, pois questionou os arguidos, testemunhas e interpretou os diversos documentos e depoimentos, sopesando-os a todos, procurando descobrir a verdade material por meios processualmente válidos, articulando as declarações ou testemunhos de uma forma cuidadosa, racional e coerente, de acordo com as regras de normalidade, experiência comum e razoabilidade, assim procurando criar a sua convicção quanto à forma como ocorreram historicamente os factos, tentando reproduzir com a fidedignidade possível esse «pedaço-de-vida» em julgamento.
O que decorre dos termos do recurso, nesta parte, é que não agrada à recorrente a convicção a que chegou o tribunal em resultado da avaliação feita pelo mesmo efectuada da prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
Porém, não basta sequer estar suscitada a possibilidade de existir uma solução em termos de matéria de facto alternativa à fixada pelo tribunal a quo – o que seria necessário (para a procedência da pretensão recursória) era demonstrar que a prova produzida no julgamento só poderia, em termos de adequada e devida razoabilidade, ter conduzido, em sede de elenco de matéria de facto provada e não provada, à solução por si (recorrente) defendida, e não àquela consignada pelo tribunal recorrido.
Ora, a recorrente poderá não concordar com a apreciação que nessa parte é feita pelo julgador, mas em momento algum a sua própria apreciação alternativa permite contrapor a decisão que foi adoptada e os alicerces da mesma, tendo–se já verificado que, nos aspectos essenciais assinalados, inexiste qualquer elemento de prova que imponha uma decisão diversa.
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, não se considera verificado qualquer erro de julgamento quanto aos pontos 12º, 13º, 14º, 15º e 16º, da matéria de facto dada por assente na decisão recorrida.
a.2) De saber se na Sentença recorrida foi violado o principio in dubio pro reo.
Refere a recorrente, que foi violando o princípio in dubio pro reo e o princípio da imediação e o estatuído no artigo 32º, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que, existindo uma séria dúvida sobre determinado facto, essa dúvida deve ser resolvida a favor da arguida, atento o princípio da presunção da sua inocência pelo que foram incorretamente julgados os factos dados como provados na decisão recorrida sob os nrs 12º a 16º.
No que ao princípio do in dúbio pro reo diz respeito, é consabido que a condenação de uma pessoa pela prática de qualquer crime exige que a convicção positiva do julgador assente numa certeza que - alicerçada por sua vez em elementos probatórios concretos e seguros o bastante - afaste as dúvidas sobre essa mesma convicção. As exigências de segurança probatória em sede de julgamento criminal exigem um pouco mais do que uma mera indiciação de que o arguido alvo do mesmo estaria envolvido na prática material dos factos consubstanciadores do objecto processual em causa.
Donde, a ter-se por afectada a rigorosa certeza probatória que qualquer condenação penal exige como seu fundamento – quando, por via das circunstâncias ligadas à produção de prova nos autos se tenha por inquinado o processo de formação da convicção do Tribunal na correspondente parte – não será de assacar ao arguido a actuação imputada, sendo certo que é princípio basilar do Direito Penal o de que qualquer dúvida razoável na convicção do julgador deve ser valorada em benefício do arguido (in dubio pro reu).
Ou seja, um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido, conforme ensina Figueiredo Dias, em “Direito Processual Penal”, I, pág. 213.
O princípio em causa é, pois, violado quando o tribunal decide contra alguém tendo dúvidas consistentes nesse sentido e em relação à fiabilidade da prova.
Ora, em sede de recurso, a eventual violação desta manifestação do princípio da presunção de inocência plasmado no art. 32º nº2 da Constituição da República Portuguesa, deve resultar seja do texto da decisão recorrida (de forma directa e imediata, decorrendo, inequivocamente, da motivação da convicção do tribunal explanada naquele texto), seja porque o tribunal considerou assentes factos duvidosos desfavoráveis ao arguido mesmo que não tenha manifestado ou sentido a dúvida, mesmo que não a reconheça (isto é, quando do confronto com a prova produzida se conclui que se impunha um estado de dúvida).
Porém, o princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos, é, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
Como se escreveu no Ac. RC de 10/12/2014, in proc. 155/13.4PBLMG.C1, «a dúvida relevante de que cuidamos, não é a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador, após a produção da prova, mas antes apenas a dúvida que o Julgador não logrou ultrapassar».
Ora, daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, a arguida deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra a arguida.
Pois bem, no caso vertente, o Tribunal a quo não se quedou por um non liquet de facto, ou seja, não permaneceu na dúvida razoável sobre os factos relevantes à decisão.
No presente caso, é inegável, analisando a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, que não se detecta qualquer estado de dúvida na explanação efectuada na motivação da decisão da matéria de facto, antes nela se manifesta uma convicção segura, pelo que não havia que lançar mão do princípio in dubio pro reo, destinado, como vimos, a fazer face aos estados dubitativos do julgador e não a dar resposta às dúvidas das recorrentes sobre a matéria de facto, no contexto da valoração probatória por ela efectuada e com base na qual pretende ver substituída a convicção formada pelo tribunal a quo.
Fica, deste modo, afastada a invocada violação do princípio in dubio pro reo.
b) Da atenuação especial da pena aplicada ao arguido AA, decorrente da aplicação do disposto no artº 31º do DL 15/93 de 22 de Janeiro
Segundo o recorrente, deveria ter-se aplicado o disposto no artº 31º do DL 15/93 de 22 de Janeiro na presente situação, atento o comportamento que revelou aquando da sua detenção.
Refere o citado artigo, sob a epígrafe “Atenuação ou dispensa de pena”:
Se, nos casos previstos nos artigos 21.º, 22.º, 23.º e 28.º, o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir por forma considerável o perigo produzido pela conduta, impedir ou se esforçar seriamente por impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique, ou auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou ter lugar a dispensa de pena.”
O mecanismo aqui previsto tem a sua origem na legislação italiana de combate ao terrorismo, visando a protecção e a recompensa dos chamados ''arrependidos'', ou seja, ''aqueles que, dessolidarizando-se das organizações terroristas a que pertenciam, confessam às autoridades as anteriores ligações e contribuem para a identificação dos membros de grupos em que se inseriam.''5
Trata-se de uma medida de natureza excepcional e premial, e a sua aplicabilidade pressupõe não apenas a verificação formal e material dos requisitos previstos como ainda a demonstração da ocorrência de uma diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa ou da necessidade da pena, que deverá ser alcançada através da ponderação global da conduta do agente.
Conforme refere o Ac.RE de 19/05/2015, proc.7/11.2GBPTM.E1:
I - O artigo 31º do D.L. nº 15/93, de 22/01, prevê a possibilidade de atenuação especial da pena, quando se verificarem circunstâncias de particular valor atenuante, entre elas a de o agente auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações.
II - O disposto em tal preceito legal não é de funcionamento automático, tratando-se de medida excepcional, que não se basta com a simples verificação formal de uma das circunstâncias previstas, sendo ainda necessário que a ponderação global da conduta do agente seja demonstrativa de que, à semelhança do que é exigido pela norma que prevê o instituto em termos gerais (artigo 72º do Código Penal), a sua ocorrência se traduza numa diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena.
Encerra, o transcrito preceito, uma recompensa, para o agente que encete uma atitude ou conduta activa, espontânea e voluntariamente assumida, no sentido de abandonar a actividade, afastar ou fazer diminuir de forma considerável o perigo produzido pela sua conduta, ou auxilie concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações.
Terá que ser uma conduta decidida e não reticente ou convenientemente gerida, compatível com um efectivo quadro de arrependimento.
Ora, desde logo, a cessação da conduta que o arguido vinha encetando, não precedeu de determinação voluntária daquele - apenas vindo a ocorrer com a sua detenção.
Efectivamente o mesmo indicou que tinha viajado com a co-arguida e que a mesma igualmente transportava droga numa mala, mas a sua colaboração esgotou-se em tal, porquanto nunca admitiu que a mesma tivesse conhecimento dos factos, tendo, ao invés, tentado evitar a sua condenação, apesar de todos os indícios apontarem para o oposto.
Aliás, a indicação do paradeiro da arguida mais tem por base uma tentativa de “salvar” esta, que não tinha dinheiro, nem telemóvel operacional, do que colaborar com a entidades policiais, conclusão a que o tribunal recorrido igualmente chegou.
Por outro lado, tal indicação que levou à detenção da arguida, não se afigura sobremaneira relevante, porquanto o arguido viajou com a mesma, pelo que no decurso do inquérito facilmente se depreenderia que o mesmo não tinha viajado sozinho, e a determinação da identidade da acompanhante.
Ou seja, ainda que haja prestado informações, certo é que a sua colaboração foi reticente e insípida, não facultando provas ou informações, tão pouco decisivas, que conduzissem à identificação e captura das pessoas a quem adquiriu o estupefaciente, a quem seria entregue, e mesmo relativamente à co-arguida, nada trazendo que a pudesse responsabilizar.
E nessa medida, tão pouco afasta ou diminui o perigo produzido com a sua conduta, permitindo que os "fornecedores" e “fornecidos” continuem a sua actividade, escapando à acção da Justiça.
Acresce, que a atenuação especial da pena, pressupõe dois requisitos nucleares: diminuição acentuada da ilicitude e da culpa, necessidade da pena e em geral, das exigências de prevenção e a diminuição da culpa ou das exigências de prevenção, acentuada em função das circunstâncias atenuantes, a uma gravidade tão diminuída, que possa razoavelmente supor-se que o legislador as não considerou quando definiu os limites da respectiva moldura.
Ora, no caso presente, está longe de verificada a diminuição acentuada da ilicitude e da culpa do arguido, envolvido em actividade de tráfico de droga em escala significativa, que apenas cessou por intervenção das autoridades.
Conduta, em que são indiscutíveis as necessidades da pena assim como as de prevenção.
Face a todo o exposto, entende-se não ser aplicável ao presente caso a atenuação prevista no art.31º do D.L.15/93 de 22 de Janeiro, nem, pelos mesmos fundamentos, o disposto no art.72º do Cód.Penal.
c) De saber se a medida concreta da pena de prisão aplicada aos arguidos é excessiva.
Argumentam, por último, os arguidos, ora recorrentes, que, face à factualidade dada como provada em juízo, e ao Direito aplicável, a pena aplicada, revela-se exagerada, desproporcional e desequilibradamente doseada.
No caso do recorrente AA que deveria ter sido tido em conta a confissão e a colaboração com as autoridades, a integração social, o facto de não ter antecedentes criminais e estar arrependido.
Já a recorrente BB invoca a sua correcta inserção social, o comportamento em ambiente prisional, e o facto de ser doente epilética.
Vejamos se lhes assiste razão.
No que respeita à apreciação das penas fixadas pela 1.ª instância, cumpre, antes do mais, atentar, seguindo o paralelismo da jurisprudência quanto à intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, no seguinte:
A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”.
A censura que o tribunal de recurso pode opinar sobre a decisão respeitante à determinação da sanção, incide sobre todos os elementos fornecidos pelo tribunal que, não tendo sido considerados para a questão da culpabilidade, são relevantes para a determinação da sanção, bem como sobre todos os elementos que considerou “adquiridos” (e porque considerou adquiridos uns e outros não) e ainda sobre a forma, fundamentada, porque valorou esses factores na decisão final.
É função do recurso (…), antes de tudo, analisar criticamente, os “parâmetros” da determinação de sanções.” (Acórdãos do STJ de 09-05-2002, in CJ do STJ, 2002, Tomo 2, pág. 193 e de 27-05-2009, Processo n.º 09P0484, )
“Os poderes cognitivos do STJ, como se sabe, abrangem no tocante a esta matéria, entre outras, a avaliação dos factores que devam considerar-se relevantes para a determinação da pena: a questão do limite ou de moldura da culpa, a actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e também o quantum da pena, ao menos quando se encontrarem violadas regras de experiência ou quando a quantificação operada se revelar de todo desproporcionada”.6
Conforme refere o Ac.STJ de 18/05/2022, proc. 1537/20.0GLSNT.L1.S1, “A sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”.
Perante tais considerandos, forçoso será concluir que o Tribunal de 2ª Instância apenas deverá intervir alterando o quantum da pena concreta quanto ocorrer manifesta desproporcionalidade na sua fixação ou os critérios de determinação da pena concreta imponham a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
Ou seja, mostrando-se respeitados os princípios basilares e as normas legais aplicáveis no que respeita à fixação do quantum da pena e respeitando esta o limite da culpa, não deverá o Tribunal de 2ª Instância intervir, alterando a pena fixada na decisão recorrida, pela simples razão de que, nesse caso, aquela decisão não padece de qualquer vício que cumpra reparar.
Aqui chegados:
Em primeiro lugar, porque se refere às finalidades das penas e medidas de segurança, importa ter em conta o disposto no artigo 40.º, nº 1 do Código Penal do qual decorre que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, decorrendo, por sua vez, do seu n.º 2 que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Por sua vez, decorre do artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal que a determinação da pena concreta, dentro da moldura penal cominada nos respetivos preceitos legais, far-se-á “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” geral e especial do agente, determinando o n.º2 do mesmo preceito legal que, para o efeito, se atenda a todas as circunstâncias que deponham contra ou a favor do agente, desde que não façam parte do tipo legal de crime [para que não se viole o princípio “ne bis in idem”, uma vez que tais circunstâncias já foram tomadas em consideração pela própria lei para a determinação da moldura penal abstrata], “considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”.
Decorre, por fim, do n.º3 do citado preceito legal, que “na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-09-20057, “na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”.
A culpa traduz-se num juízo de reprovação da conduta do agente, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal.
Com efeito, o facto punível não se esgota na desconformidade da conduta do agente perante o ordenamento jurídico-penal, com a ação ilícita-típica, sendo, ainda, necessário que a conduta do agente seja culposa, isto é, que o facto por si praticado possa ser pessoalmente censurado, traduzindo-se, assim, numa atitude pessoal e juridicamente desaprovada, pela qual o agente terá de responder.
Por seu lado, as exigências de prevenção têm a ver com a proteção dos bens jurídicos [prevenção geral] e a reintegração do agente na sociedade [prevenção especial], as quais nos termos do disposto no artigo 40º, n.º 1 do Código Penal constituem as finalidades da aplicação das penas e das medidas de segurança, conforme já referimos supra.
A medida da pena há de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e ser definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização, não podendo ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
É o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – proteção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exata, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto ótimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (ótima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a proteção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”.8
Em suma, o limite mínimo da pena deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral que no caso se façam sentir, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva, ao passo que o limite máximo não deve exceder a medida da culpa do agente revelada no facto, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do mesmo; e, dentro desses limites mínimo e máximo, a pena deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível, sendo, pois, as razões de prevenção especial que servem para encontrar o quantum de pena a aplicar.9
Assim sendo, atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração positiva das normas e valores) a função de fornecer uma moldura de prevenção cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos - dentro do que é considerado pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente.
Conclui-se, portanto, que estaremos perante uma pena justa e proporcional quando esta satisfizer as exigências de prevenção geral e especial, atentando-se no caso concreto, e não exceder a medida da culpa do agente.
Desçamos ao caso concreto.
Analisando o mesmo, à luz dos considerandos acabados de expor, constata-se que os arguidos recorrentes foram condenados na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, como co-autores materiais e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artº 21ºt, nº 1 do Dec-Lei n.º 15/93, de 22.1.,
Ora, revisitando o acórdão recorrido, acima transcrito, nos segmentos relevantes, verifica-se que o Tribunal a quo considerou, em sede de determinação da medida concreta da pena única, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Recordando, lê-se assim no acórdão recorrido:
“Aplicando agora os princípios sumariamente expostos ao caso em apreço não obnubilando e seguindo os três momentos referidos supra.
A moldura penal abstractamente aplicável situa-se entre os 4 a 12 anos de prisão (cfr. artº 21º, n.º 1 do Dec-Lei n.º 15/93, de 22.01).
Dentro destes limites teremos, portanto, de elaborar a dosimetria cingidos à regra do disposto no citado artº 71º do CPenal valorando: a culpa do agente, a concorrência de circunstâncias agravantes ou atenuantes estranhas à tipicidade e a satisfação das exigências preventivas (geral e especial).
Salienta-se que, in casu, são elevadas as necessidades de prevenção geral que neste tipo de infração (tráfico de estupefacientes) considerando, por um lado, as proporções epidemiológicas que o consumo de cocaína assume na actualidade, envolvendo ainda risco grave para a saúde pública e para a sociedade severamente afectadas por esse consumo e, consequentemente, pelo tráfico que o gera, determina e amplia; por outro, a frequência da prática destes crimes (tráfico deste tipo de produtos estupefacientes) nesta comarca (essencialmente, pela via aérea, com desembarque ou passagem pelo Aeroporto Humberto Delgado) o que urge modificar e, por fim, os efeitos perversos das drogas tendo-se presente neste campo as numerosas mortes que provoca e o lançar de muitos, jovens e não só, no mundo da marginalidade e da prática de ilícitos criminais.
Acresce que, no campo da prevenção especial, afigura-nos dever salientar o seguinte circunstancialismo:
a) Milita em desfavor do arguido AA:
- o dolo – directo – embora o mesmo não exceda, em intensidade, o comum neste género de casos;
- a ilicitude situa-se num patamar médio atenta a concreta natureza – cocaína - e quantidade do produto estupefaciente que transportava;
b) Milita em seu favor:
- a sua integração laboral, social e familiar no seu país natal;
- o apoio familiar de que beneficia;
- o ter admitido, ainda que parcialmente, a factualidade objecto dos presentes autos explicando o motivo subjacente a tal conduta;
- o comportamento adequado em meio prisional;
- a ausência de antecedentes criminais registados.
a) Milita em desfavor da arguida BB:
- o dolo – directo – embora o mesmo não exceda, em intensidade, o comum neste género de casos;
- a ilicitude situa-se num patamar médio atenta a concreta natureza – cocaína - e quantidade do produto estupefaciente que transportava;
- o ter negado peremptoriamente a prática dos facos objecto dos presentes autos o que bem espelha que não interiorizou, ainda, o desvalor da sua conduta;
b) Milita em seu favor:
- a sua integração laboral, social e familiar no seu país natal;
- o apoio familiar de que beneficia;
- o comportamento adequado em meio prisional;
- a ausência de antecedentes criminais registados.
Assim sendo, no apuramento do sancionamento daqueles há que ter em conta não só que agiram com dolo directo – a forma mais grave da culpa – mas também que são - como é sabido e supra foi evidenciado -, muitíssimo elevadas as exigências de prevenção desta verdadeira calamidade social que é o narcotráfico e situando-se no patamar médio/baixo as necessidades de prevenção especial pois que nenhum deles possui antecedentes criminais registados.
Tudo ponderado, considerando os limites abstratos da pena de prisão prevista no artº 21º, n.º 1 do Dec-Lei n.º 15/93, de 22.01, fazendo apelo a critérios de justiça, adequação e proporcionalidade entre a gravidade do crime e a culpa do arguido, em conjugação com a ideia de intimidação e dissuasão ou de pura prevenção geral negativa, reputamos como adequada e suficiente a imposição a cada um dos arguidos de uma pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Não olvidemos que nos encontramos perante cidadãos laboral, familiar e socialmente inseridos sendo de concluir que ambos terão boas possibilidades de reintegração familiar e social (razões de prevenção especial).
Acresce que o produto estupefaciente que transportaram, porque apreendido, não chegou a ser introduzido no mercado europeu e, por força de tal, não foi consumido por toxicodependentes com as por demais consabidas consequências nefastas que daí resultam e a que já fizemos referência.
A discriminação positiva em causa, independentemente das razões objectivas que lhe estão subjacentes (porventura, economicistas, mas também diminuição da população prisional) foi uma opção expressa do legislador na fase de execução das penas.
Certamente que o legislador quando consagrou na letra de lei aquela consequência ou possibilidade tinha presente que os cidadãos estrangeiros em casos como o presente, bem como em muitos outros, dela beneficiariam.
Apesar disso, aquela consequência e possibilidade nunca foram, nem são, critério de determinação concreta da pena mas contendem tão só com o modo da sua execução.
Ao julgador cabe apenas e tão só fixar a pena concreta em função dos critérios aplicáveis e não em função do seu modo de execução, pois que se o fizesse estaria a desvirtuar totalmente as operações de escolha e determinação concreta da pena, ou seja, não lhe caberá, independentemente de entender o modo de execução justo ou injusto, alterar os princípios adjectivos que conformam esta matéria caso contrário estaria a erigir-se em legislador, subvertendo as suas funções de aplicador da lei.
Além do mais, ao julgador não lhe assiste o direito de obviar a determinado modo de execução da pena que é opção do legislador e, muito menos, para alcançar esse desiderato, aumentar artificialmente a medida concreta da pena porque isso teria por consequência ir além da culpa do arguido (a qual constitui o limite máximo da medida da pena e tem como função a proibição de excesso tal como se deixou já expresso supra).”
Perante tudo quanto vem de se assinalar – incluindo, pois, as considerações consignadas em sede de decisão recorrida –, e revertendo à impugnação dos recorrentes, não se crê que a sua crítica seja suficiente para determinar a alteração das penas aplicadas aos arguidos no sentido por estes propugnado.
Se bem se atentar, a alternativa propugnada pelos arguidos para a fixação da medida punitiva concreta no caso em apreço, reconduzem–se à proposta de tal fixação nos limites mínimos aplicáveis, traduzindo invariavelmente sanções punitivas manifestamente desajustadas à gravidade dos factos punidos e que ficariam aquém dos limites da culpa dos arguidos e das prementes necessidades de prevenção que o caso impõe.
E não é o facto de os arguidos estarem socialmente inseridos, terem uma vida profissional ativa, não terem antecedentes criminais ou o bom comportamento em ambiente prisional que altera o que vimos referindo.
Todos estes factos elencados têm um peso atenuativo da pena extremamente diminuto, porquanto o que é expectável de um cidadão numa sociedade de direito é que esteja inserido e não tenha antecedentes criminais, sendo que a sua verificação impedirá a agravação da pena, ou dito por outras palavras, a sua não verificação, essa sim levará a um agravamento da pena, o que in casu, manifestamente não aconteceu, dado que as penas foram fixadas, ainda assim, perto do seu limite mínimo, que no caso concreto atinge os 12 anos de limite máximo.
Em conclusão, não merece censura a concretização nas medidas que vêm fixadas das penas de prisão aplicadas e impugnadas pelos recorrentes, confirmando–se assim as mesmas.
Assim, atentas as elevadas exigências de prevenção geral que o caso reclama, bem como o grau de ilicitude e da culpa dos arguidos, numa moldura penal de 4 anos de prisão a 12 anos, não se mostra flagrantemente desproporcionada a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, que, aliás, se situa abaixo do ponto médio da moldura abstratamente prevista, perto mesmo do limite mínimo.
Nestes termos, ponderando tudo o que supra se expôs e tendo em atenção os parâmetros de controlo da fixação da medida concreta das penas pelo Tribunal de recurso, considera-se que a decisão recorrida procedeu a um exame cuidadoso e equilibrado do caso.
Improcedem, pois, os recursos, quanto à questão da redução da medida das penas aplicadas.
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III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos AA e BB, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelos arguidos recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UCS [artigo 515º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III].
Notifique nos termos legais.
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Comunique-se, de imediato, à 1.ª instância, com cópia.
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Lisboa, 6 de Fevereiro de 2025
(O presente acórdão foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos – art. 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - encontrando-se escrito de acordo com a antiga ortografia)
Os Juízes Desembargadores,
João Grilo Amaral
Rui Poças
Paulo Barreto
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1. Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt.
2. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113.
3. Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada pelo Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995.
4. Conforme acórdão do S.T.J, n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 77, de 18 de abril de 2012.
5. A.G. Lourenço Martins in Droga, Prevenção e Tratamento, Combate ao Tráfico, Coimbra, 1984, página 119.
6. Cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime”, pág. 197
7. In CJ do STJ, ano 2005, tomo 3, pág. 173.
8. De acordo com os ensinamentos de Anabela Miranda Rodrigues, In “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss.
9. Cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 227 e ss.