I - Pelo Acórdão n.º 268/22, do TC, foram declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral, as normas do art. 4.º da Lei 32/2008, de 17-07 (que define quais as categorias de dados que devem ser conservadas), em conjugação com o art. 6.º (que define o prazo de conservação – um ano), com fundamento em violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º em conjugação com o n.º 2 do art. n.º 18.º, todos da CRP, tendo também sido declarada inconstitucional com força obrigatória geral, a norma do art. 9.º da Lei 32/2008 (que define as condições de acesso e de utilização dos dados, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja susceptível de comprometer as investigações, nem a vida ou integridade física de terceiros), por violação do disposto no n.º 1 do art. 35.º e do n.º 1 do art. 20.º em conjugação com o n.º 2 do art. 18.º, todos da CRP.
II - Em linha com o que tem sido sustentado por este STJ, (Acórdão de 06.09.2022, proc. 4243/17.0T9PRT-K.L1) “(…) é em especial, o armazenamento dos dados pessoais tratados, em matéria tão sensível, no que à intimidade da vida privada diz respeito, como é a das comunicações eletrónicas e para um universo que compreende todos os utilizadores dos serviços, durante o prazo de um ano, que constitui objeto da declaração de inconstitucionalidade”.
III - Os dados tratados e armazenados ao abrigo do art. 4.º da Lei 32/2008, respeitam a comunicações, nos seus vários modos de realização, iniciando-se cada registo com o estabelecimento da comunicação e terminando com o seu fim. Não abrangem o conteúdo das comunicações, dizendo respeito somente às suas circunstâncias – razão pela qual são usualmente designados por metadados (ou dados sobre dados).
IV - No presente caso, ao contrário, trata-se de escutas telefónicas, regularmente autorizadas e executadas à luz das pertinentes disposições legais (arts. 187.º -190.º e 269.º n.º 1, alínea e), do CPP), obtidas em tempo real.
V - No acórdão condenatório, não foram aplicadas as normas que foram declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral no Acórdão do TC n.º 268/2022, sendo logicamente de concluir que tais normas não serviram de fundamento à condenação da decisão a rever, não se verificando, assim, o fundamento invocado previsto no art. 449.º n.º 1 al. f), do CPP.
VI – Por outro lado, mesmo que assim se não considerasse, tendo em conta o disposto no art. 282.º, n.º 3, da CRP ( Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade” 1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado. 2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infração de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última. 3. Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido”) e analisando as normas que o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais, pode concluir-se que estas não são de natureza penal, não podem ser consideradas normas de natureza processual penal e, nem sequer têm natureza substantiva, não afetando os meios de obtenção de prova obtidos de acordo com a lei do processo penal, nem tão pouco os direitos fundamentais do arguido.
VII - Face ao disposto no art. 282.º, n.º 3, da CRP, inexiste razão para que a declaração de inconstitucionalidade contida no acórdão do TC n.º 268/2022 fizesse alguma exceção ao caso julgado, ficando ressalvado o caso julgado (Acórdão do STJ de 10.11.2023, proc. 35/15.9PESTB-Z-S2), impondo-se, deste modo, por tudo quanto foi referido, negar a revisão requerida pelo condenado.
Acordam na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
I - Relatório
1. Por acórdão de 03-12-2020, transitado em julgado em 14-07-2021, proferido no Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., foi o arguido AA condenado, pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I-A, I-B e I-C anexas a tal diploma, na pena de 7 (sete) anos de prisão.
2. O arguido interpõe o presente recurso extraordinário de revisão do acórdão condenatório com fundamento no disposto nos artigos 449.º, n.º 1, al. e) e 126.º, n.º 3, ambos do CPP, conjugados com o Acórdão n.º 268/2022, proferido a 19 de abril de 2022, do Tribunal Constitucional.
Aduziu, em síntese, que :
“ (…)
26. A Lei n.º 32/2008, de 17 de julho regula a conservação e a transmissão dos dados de identificação, tráfego e de localização relativos a pessoas singulares e a pessoas coletivas, bem como dos dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador registado, para fins de investigação, deteção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes;
27. O artigo 4.º identifica as categorias de dados a armazenar pelos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de uma rede pública de comunicações; o artigo 6.º determina a obrigação da sua conservação pelo período de um ano, a contar da data da conclusão da comunicação; e o artigo 9.º estabelece as condições de transmissão de dados armazenados ao Ministério Público ou à autoridade de polícia criminal competente;
28. Na Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, são identificáveis dois regimes jurídicos em torno dos dados identificados no artigo 4.º: um relativo à obrigação de conservação pelos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas ou de uma rede pública de comunicações, essencialmente contido nos artigos 4.º a 8.º; e outro atinente ao seu acesso pelas autoridades competentes para a investigação e repressão criminal, estatuído nos artigos 9.º a 11.º.
29. Precisamente estas normas, contidas nos artigos 4.º, 6.º e 9.º deste ato legislativo, foram declaradas inconstitucionais, pelo Tribunal Constitucional, através do citado Acórdão n.º 268/2022 – no qual se levou a cabo, além do mais, um estreito diálogo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante, TJUE) e, consequentemente, com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia («Carta» ou «CDFUE»).
30. Nesse aresto, e em síntese, o Tribunal declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição, bem como da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.
31. É correcto afirmar que as informações recolhidas através das operadoras de telecomunicações, quer relativamente às localizações quer relativamente aos conteúdos interceptados, e que fundamentaram os factos provados supra citados, correspondem a “dados na acepção do art.º 2.º da Lei 32/2008 (aqui se entendendo por dados, os dados de tráfego e os dados de localização, bem como os dados conexos necessários para identificar o assinante ou utilizador, e através deste se promoveu o acesso aos dados de conteúdo), e como tal, estão incluídos nas categorias de dados a conservar previstas no artigo 4º da L. 32/2008;
32. Todos estes tipos de dados se enquadram-se na definição de metadados prevista no art.º 4.º da Lei 32/2008, alvo de decisão do acórdão do Tribunal Constitucional nº 228/22;
33. Sem que após, ou in minime quando tal não fosse susceptível de comprometer as investigações, fosse o ora Recorrente notificado que os dados conservados pela sua operadora de telecomunicações foram acedidos pela entidade que promoveu a investigação criminal;
34. O mesmo tendo sucedido na fase de julgamento dos presentes autos;
35. O acto e a omissão que atrás se descreve configura verdadeira violação do princípio da reserva da intimidade da vida privada, bem como dos princípios da proporcionalidade, do sigilo das comunicações e tutela jurisdicional efetiva;
36. Pelo que o seu cometimento (omissão de comunicação de acesso aos dados conservados pela operadora de telecomunicações), configura a violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º todos da Constituição da República Portuguesa;
37. Em face do que, a decisão proferida pelo Tribunal a quo e ora posta em crise enferma de nulidade, por violação das normas constitucionais descritas supra, mormente de inconstitucionalidade com força obrigatória geral;
38. O recorrente foi condenado e a medida da pena aplicada teve por base a prova constante da Acusação maxime dos Autos de aAnálise de tráfego dos telefones constantes dos apensos e de que resultaram as sessões acima referidas, quanto aos diversos intervenientes;
39. A análise dos dados obtidos a partir dos ficheiros arquivados nas operadoras são metadados ou dados de dados oriundos de um IP, fornecidos ao OPC, que foram de per si, a base essencial da Investigação, Acusação e Condenação sob a prova da localização e intercepção dos telemóveis supra indicados
40. As operadoras de telemóveis/telefones não podem nem devem guardar os Metadados por longo tempo e, sempre que os mesmos forem fornecidos às Polícia ou outras entidades, devem ser operadas notificações aos visados;
41. Após o momento em que tal informação não protege o visado nem terceiros o Acórdão do TC, refere que estes ficam privados de exercerem um controlo real e efetivo sobre a licitude de tal acesso, o que, sem dúvida, viola o direito à auto determinação informativa, que se traduz no direito de cada ser humano, racional e capaz, poder exercer controlo sobre os seus dados pessoais;
42. No caso concreto estamos perante dados de base e tráfego gerados em tempo real no âmbito das próprias intercepções telefónicas promovidas e judicialmente deferidas/ autorizadas;
43. As intercepções telefónicas, ordenadas pelo juiz de instrução, geram também dados de base, que ficam armazenados e conservados pelas operadoras, ou seja, durante todo o tempo que o MJIC entenda conveniente, ficarão armazenados até ser ordenada a sua destruição por consequente destruição das escutas telefónicas.
44. A operadora ou o próprio juiz titular do processo, onde foram ordenadas as intersecções e cessação das comunicações e dos IMEI, deveriam ter comunicado aos visados, nos termos do art.º 9.º da Lei 32/2008, que os seus dados foram acedidos e conservados, notificação a realizar no momento em que já não possa afetar a investigação criminal;
45. O art.º 9.º é bem expresso quanto à obrigatoriedade das operadoras ou autoridade judiciária, notificarem o visado, o arguido ou suspeito, cujos dados de tráfego e dados de base, foram intercetados
46. O Código Processo Penal, nos termos dos artigos 187.º a 189.º, não prevê a notificação ao visado arguido ou não “a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, de que os dados de tráfico foram acedidos pela autoridades de investigação criminal, em tempo real ou não;
47. Nem tem que o prever, pois essa imposição decorre da Lei 32/2008, art.º 9.º, quanto aos dados de base e tráfego;
48. Gerados anteriormente e conservados, ou gerados durante a autorização judicial, mas conservados, não está especificado, no douto acórdão do TC, pelo que será de concluir que todos os dados armazenados e conservados, antes ou durante, deverão ser notificados ao visado, logo que, não ponha em perigo a investigação;
49. O visado deverá ser expressamente notificado, como o é em processo penal, para a acusação ou arquivamento, para assim poder exercer o seu direito, de controlo dos seus dados pessoais, o que não aconteceu no caso concreto destes autos;
50. Quanto aos dados base, gerados pelas escutas em tempo real, a se entender que estão regulados pelos artigos 187.º a 189.º do CPP, não sendo necessária a notificação ao arguido pessoalmente que os dados de base foram acedidos e conservados, estamos face um entendimento e interpretação daquelas normas violadores dos princípios constitucionais ínsitos nos artigos 35.º n.º1 e 20.º n.º1, em conjugação com o art.º 18.º n.º2 da CRP.
51. O entendimento que os artigos 187.º a 189.º do CPP, fazem quanto à notificação dos dados sobre as intercepções telefónicas, demonstram uma agressão intensa e desproporcional dos direitos fundamentais à proteção de dados pessoais previstos nos art.º 7.º e 8.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) do que a Diretiva n.º 2006/24/CE, entretanto declarada inválida e contrário ao plasmado no Acórdão do TC;
52. O visado deverá ser expressamente notificado dos dados gerados em tempo real, mas conservados, durante largo tempo, para assim poder exercer o seu direito de fiscalização, o que não aconteceu no caso concreto destes autos;
53. A investigação no âmbito do inquérito, poderá ir a 18 meses ou mais, caso estejamos face a um caso que se enquadre no n.º 5 do art.º 276º do CPP, pelo que os dados de base e tráfego gerados pelas intercepções telefónicas em tempo real e conservados pelas operadoras de comunicações terão de ser notificados ao visado, logo que não haja perigo;
54. É um direito que lhe assiste e não está coberto pela notificação do encerramento do inquérito, acusação/arquivamento!
55. Contudo, dúvidas não existem que os dados base são regulamentados pela Lei 32/2008 e de acordo com o entendimento do Acórdão do TC, ao não terem sido notificados aos visados, arguidos nestes autos, nos termos e para os efeitos do art.º 9 da Lei 32/2008, serão considerados prova proibida, por violação do disposto nos artigos 35.º n.º 1, 20.º n.º1 em conjugação com o n.º 2 do art.º 18.º todos da CRP;
56. Daí que se imponha a este Douto Tribunal declarar NULA a prova obtida a partir dos metadados recolhidos e guardados (mesmo que de interseções em tempo real, motivadas por autorização judicial, nos termos dos artigos 187.º a 189.º do CPP), pelas operadoras telefónicas para prova da alegada utilização pelos arguidos de equipamentos telefónicos e respetivas localizações celulares, por invalidade da Diretiva e agora do Acórdão do T.C. por falta de notificação dos visados;
57. “as proibições de prova dão lugar a provas nulas - art.º 38.º n.º 2 da CRP.
58. A prova recolhida pelas Polícias e validada pelo Ministério Público, sob autorização do JIC, é nula e não podem os Tribunais utilizá-la para condenar;
59. O expurgar estas provas levará à alteração de apreciação da prova quanto a muitos factos da pronúncia, quanto ao ora recorrente, porquanto independentemente da prova testemunhal e documental, inquinadas ou não, existindo muita matéria de facto dada como provada que deverá ser dada como não provada;
Face ao acima exposto deve ser concedida a revisão de sentença ao abrigo dos artigos 499.º alínea f) e g) do CPP, 6.º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, do acórdão 268/2022 de 19-4-2022 do Tribunal Constitucional, da invalidade da diretiva 2006/24/CE no acórdão de 8-4-2014, digital rights ireland ltd e outros, C-293/12 e C-594/12, do princípio da proporcionalidade; pela restrição que a Directiva opera nos direitos ao respeito pela vida privada e familiar e à protecção de dados pessoais consagrados nos artigos 7.º e 8.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, do direito à reserva da vida familiar e privada no art.º 26.º n.º 1 e do direito à tutela jurisdicional efetiva consagrado no art.º 20.º, ambos da CRP, FAZENDO-SE ASSIM A DEVIDA E ACOSTUMADA JUSTIÇA !”
3. Ministério Público junto do tribunal de 1.ª instância respondeu nos seguintes termos:
O arguido AA, com fundamento no disposto nos artigos 449.º, n.º 1, alínea e) e 126.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal, conjugados com o Acórdão nº 268/2022 do Tribunal Constitucional proferido a 19 de Abril de 2022, veio interpor recurso extraordinário de revisão do douto acórdão proferido nos presentes autos em 1.ª instância que o condenou na pena de 7 (sete) anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de janeiro, com referências às tabelas I-A, I-B e I-C anexas a este diploma legal, acórdão este que depois veio a ser confirmado por douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto.
Argumenta este arguido, em síntese, que os dados de base e tráfego gerados pelas interceções telefónicas em tempo real e conservados pelas operadoras de comunicações terão de ser notificados ao visado, logo que não haja perigo, pelo que, sendo os dados base regulamentados pela Lei n.º 32/2008 de 17 de julho e de acordo com o entendimento do Acórdão nº 268/2022 do Tribunal Constitucional de 19 de Abril de 2022, ao não terem sido notificados aos arguidos dos presentes autos nos termos e para os efeitos do art.º 9.º desta Lei, serão considerados prova proibida, por violação do disposto nos artigos 35.º, nº 1, 20.º, nº 1 e 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Conclui o recorrente que deve ser declarada nula a prova obtida a partir dos metadados recolhidos e guardados (mesmo que de interceções em tempo real, autorizadas por decisão judicial nos termos dos artigos 187.º a 189.º do Código de Processo Penal) pelas operadoras telefónicas para prova da alegada utilização pelos arguidos dos presentes autos de equipamentos telefónicos e respetivas localizações celulares, com todas as consequências legais daí decorrentes.
No nosso entendimento não cremos que assista qualquer razão a este arguido.
Em primeiro lugar, é preciso ter em atenção o teor do art.º 282.ºda Constituição da República Portuguesa, onde no seu n.º 1 se pode ler que “a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declara inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado”.
E no seu n.º 3 estabelece que “ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido”.
Ora, não se depreende do douto acórdão que foi proferido nos presentes autos em 1.ª instância que aí tenha sido tomada decisão em contrário por parte do Tribunal Constitucional nos termos deste n.º 3, razão pela qual se encontram ressalvados os casos julgados, tendo este acórdão, nesta sede proferido, já transitado em julgado.
Em segundo lugar, convém dizer que as interceções telefónicas constantes dos presentes autos foram determinadas pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal nos termos do preceituado nos artigos 187.º, 188.º e 269.º n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal. Nestas interceções telefónicas estamos perante recolha de elementos de prova em tempo real e para o futuro e não perante qualquer tipo de dado que esteja armazenado e preservado, sendo que ao abrigo destes últimos preceitos foi também solicitada a faturação detalhada das chamadas recebidas (trace-back).
O douto Acórdão n.º 268/2022 de 19 de Abril de 2022 proferido pelo Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido da declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória e geral, do art.º 4.º da Lei nº 32/2008 de 17 de julho, conjugada com o art. 6º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do art.º 35.º e do n.º 1 do art.º 6.º, em conjugação com o n.º 2 do art.º 18º, todos da Constituição, e da norma do art.º 9.º da Lei n.º 32/2008 de 17 de julho por violação do disposto no nº 1 do art.º 35.º e do n.º 1 do art.º 20.º, em conjugação com o n.º 2 do art.º 18.º, todos da Constituição.
Não incidiu, pois, este douto acórdão do Tribunal Constitucional e nem declarou qualquer inconstitucionalidade relativamente aos artigos 187.º a 189.º do Código de Processo Penal.
Aliás, compulsados os presentes autos não se vislumbra qualquer despacho que tenha sido proferido com fundamento nestes preceitos legais agora declarados inconstitucionais, nem na peça recursiva agora em apreço do arguido AA se descortina a indicação de qualquer despacho que tenha sido proferido nos presentes autos com base nos aludidos preceitos legais declarados inconstitucionais.
Resulta, assim, do exposto que os artigos 187.º a 189.º do Código de Processo Penal regulam o recurso aos dados relativos a conversações ou comunicações telefónicas em tempo real, enquanto o acesso aos dados conservados pelas operadoras por conversações ou comunicações telefónicas passadas é regulado pela Lei nº 32/2008 de 17 de julho.
Isto porque, o n.º 1 do art.º 187.º do Código de Processo Penal delimita o objeto dessa regulação ao estabelecer “a interceção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas”, o que representa comunicações a ocorrer, conversações ou comunicações em tempo real.
Já se o que interessa processualmente são comunicações passadas, localizadas no tempo e no espaço, chama-se à colação a Lei n.º 32/2008, de 17 de julho.
São, pois, dois meios de prova diferentes, um as escutas telefónicas, outro a conservação e transmissão dos dados, sendo que o primeiro está regulado nos artigos 187.º a 189.º do Código de Processo Penal e o segundo está previsto nos artigos 4.º, 6.º e 9.º da dita Lei n.º 32/2008 de 17 de julho (a denominada lei dos metadados), agora declarados inconstitucionais nos termos do mencionado Acórdão nº 268/2022 do Tribunal Constitucional de 19 de Abril de 2022.
Este Acórdão do Tribunal Constitucional não buliu em mínima medida sequer com o regime processual penal das interceções telefónicas constantes dos artigos 187.º a 189.º do Código de Processo Penal Por último, mas não menos importante, sempre se dirá que a condenação do recorrente no âmbito dos presentes autos não teve como causa qualquer análise de tráfego.
Bem, pelo contrário, lido o douto acórdão proferido em 1ª instância, nomeadamente a fundamentação sobre a matéria de facto que foi dada como provada, facilmente se chega à conclusão de que a condenação do recorrente se deveu não só às escutas telefónicas constantes dos autos, mas também e principalmente devido aos inúmeros relatórios de vigilâncias efetuadas por OPC que constam dos autos e à abundante prova testemunhal produzida na audiência de julgamento, mais precisamente, dezenas de testemunhas que foram inquiridas, todas elas mencionadas no douto acórdão em causa, que disseram expressamente comprar habitualmente produtos estupefacientes ao recorrente AA.
Mesmo que fosse descartado este meio de obtenção de prova (interceções telefónicas), sempre a condenação do recorrente teria de acontecer devido à abundante e relevante prova que foi recolhida, seja na fase de inquérito (inúmeras vigilâncias efetuadas por OPC), seja na fase de julgamento (testemunhas que foram inquiridas).
Resulta, assim, que a pretensão do recorrente não tem fundamento legal, razão pela qual o recurso de revisão do arguido AA tem de improceder, com isso se denegando a requerida revisão do douto acórdão condenatório proferido nos presentes autos em 1ª instância.
4. No tribunal da condenação, o Mm.º Juiz titular do processo prestou Informação nos autos a 14.05.2024 (......53), sobre o mérito do pedido do modo seguinte (transcrição):
“Nos termos do art.º 449.º, n.º 1, al. f), do C. P. Penal, “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: (…) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação”.
No caso, o referido acórdão do Tribunal Constitucional veio limitar o uso de meios de investigação quando incumpridas determinadas formalidades e, em consequência, os indícios/provas daí resultantes, concretamente os metadados, ou seja, informações específicas sobre os telemóveis e os computadores de potenciais suspeitos criminosos, como duração, localização e identidade dos interlocutores de cada chamada ou horas de entrada e saída da internet, localização e duração dos acessos ou o endereço IP – já não o conteúdo das chamadas, cujo acesso carece de autorização de juiz.
Ora, o acórdão condenatório destes autos baseou-se na análise e conjugação de toda a prova produzida nos autos e, como aí se refere na sua fundamentação, relatos de diligência externa, interceções telefónicas e sms e respetivos conteúdos, apreensões e exames, nomeadamente periciais, revistas e buscas, fotografias, depoimentos de testemunhas e valoração fundamentada, descredibilizando as versões, das declarações de alguns dos arguidos e na confissão de outros. Foi feita, e confirmada pelo Tribunal da Relação, uma análise detalhada das provas recolhidas e concretamente uma concatenação do teor das escutas (que não são objeto da declaração de inconstitucionalidade referida) com as vigilâncias, numa articulação que permitiu a conclusão da atividade de venda de estupefacientes a que os arguidos se dedicavam e por que foram condenados. Não foi com base no uso de dados informáticos guardados pela operadora sem controlo ou prévia ordem judicial e sem comunicação ao recorrente que o tribunal concluiu, sem mais, pela sua autoria dos factos ilícitos; a prova foi muito mais lata e relacionada entre si, baseada nos vários meios disponíveis, com grande peso nas escutas (devidamente validadas em momento próprio), sms e vigilâncias.
Entende-se, por isso, que a utilização dos metadados não foi determinante no juízo que fundou a condenação do arguido.
(…)”
5. O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, emitiu parecer no sentido de o arguido dever ser notificado para formular conclusões, sob pena de rejeição do recurso, ou caso assim se não entenda, dever o presente recurso ser julgado improcedente, com denegação da revisão.
6. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
Cumpre apreciar e decidir
II - Fundamentação
1. No acórdão cuja revisão agora se pretende foram julgados provados, para o que ora releva, os seguintes factos:
1- Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde março de 2018 e até 11 de janeiro de 2019, com frequência de pelo menos de dois em dois dias, nas freguesias de ..., ..., ..., ... e outros locais e nesta comarca, o arguido AA, de alcunha “BB”, também conhecido por “CC”, “DD”, “EE” e “FF”, procedeu à venda a terceiros consumidores e revendedores que para o efeito expressamente o procuravam e previamente o contactavam telefonicamente para os números dos seus telemóveis que entre eles fazia divulgar, de substâncias estupefacientes, designadamente, heroína, cocaína e canábis (erva e haxixe), que obtinha em circunstâncias e a indivíduos não concretamente determinados;
2- O arguido AA vendia a heroína em sacos de 2,5 gramas pelo preço de € 70,00 a € 75,00 cada, a cocaína em pedra pelo valor de € 20,00 a unidade, a cocaína “de cheiro” a € 25,00 cada 0,5 gramas e a canábis a € 10,00 a grama, preços esses que correspondiam ao dobro do valor da respetiva aquisição, auferindo assim o lucro correspondente;
3- O arguido AA procedia à venda de heroína, em sacos de 2.5 gramas e de 5 gramas, bem como de cocaína em pedra, de “erva” (canábis) e de “haxixe” (canábis) a terceiros consumidores e também aos arguidos GG, de alcunha “HH”, que habitualmente conduzia o veículo automóvel matrícula ..-..-LX, II, de alcunha “JJ”, que habitualmente conduzia o veículo automóvel matrícula ..-..-IO e KK, de alcunha “LL”, arguidos estes com quem se encontrava frequentemente;
4- Para o exercício dessa atividade, o arguido AA possuía os telemóveis com os n.ºs .......91 (ALVO .......40), IMEI .............20 (ALVO .......50), IMEI .............00 (ALVO .......51); .......26 (ALVO .......40), IMEI .............50 (ALVO .......50); .......00 (ALVO .......40), IMEI.............60 (ALVO .......50); e .......82 (ALVO .......40), IMEI .............60 (ALVO .......50), que usou para contactar e ser contactado pelos referidos arguidos e por inúmeros consumidores com quem, usando uma linguagem codificada, encriptada, esforçando-se por não se referir expressamente à atividade de tráfico ou à natureza do produto estupefaciente que transacionava, falou de facto de substâncias estupefacientes, cocaína, heroína, canábis e combinou encontrar-se para proceder à venda daquelas;
5- O arguido AA, no exercício da atividade de venda de substâncias estupefacientes, conduzia habitualmente os veículos automóveis marca BMW, de cor ..., matrícula ..-CS-.. e marca Opel ..., de cor ..., matrícula ..-..-BX, veículos que os outros arguidos e os compradores conheciam e sabiam que eram por ele utilizados, sendo nesses veículos que se deslocava para os pontos de encontro combinados com os vendedores e com os compradores, realizando as entregas das substâncias estupefacientes e recebendo o correspondente preço;
6- As transações efetuavam-se de forma rápida, dentro dos mencionados veículos, na berma da estrada, em cafés conhecidos pelo arguido AA e pelos compradores, ou noutros quaisquer locais onde, após se encontrarem conduzindo os respetivos veículos e circularem por várias artérias, aleatoriamente paravam por breves instantes;
7- O arguido AA, em 26.03.2018, cerca das 15h30m, na Rua da ..., em ..., vendeu cocaína a MM, o que aconteceu novamente em 08.05.2018, cerca das 14h30m, na Rotunda da ...;
8- O arguido AA, em 28.06.2018, cerca das 18h56m/19h, na Rua ..., ..., vendeu heroína a NN que viajava no veículo matrícula ..-RH-.. conduzido pelo arguido GG;
9- O arguido AA vendeu cocaína a OO, nos dias 17 e 18 de julho de 2018, cerca das 19h32m, próximo da Rotunda ..., na Variante do ... e na entrada para os parques da E... (zona industrial), no dia 02.08.2018, no dia 07.08.2018, cerca das 18h50m, na EN15 ..., junto ao Pingo Doce, no dia 08.08.2018, cerca das 18h58, no dia 12.08.2018 e no dia 13.08.2018;
10- O arguido AA, em 13.08.2018, cerca das 23h20m, vendeu cocaína a PP (QQ);
11- O arguido AA, em 05.09.2018, próximo do ..., vendeu cocaína a OO e vendeu heroína e cocaína a RR, que então conduzia o veículo matrícula XE-..-.., que comprou nesse dia ao arguido heroína em quantidades de 2,5 g. e cocaína em doses no valor de € 20,00;
12- O arguido AA, em 06.09.2018, cerca das 15h39m, próximo da ..., vendeu heroína a SS, que então conduzia o veículo matrícula ..-..-RB, vendeu heroína a TT, que comprava ao arguido heroína em quantidades de 2,5g. e cocaína em pedra no valor de € 20,00 cada e vendeu a UU, que comprou ao arguido, dia sim dia não, durante cerca de seis meses, heroína em quantidades de 2,5g. ou de 5g.; 13- O arguido AA, em 25.10.2018, vendeu heroína e cocaína a VV e vendeu cocaína a “WW”, que então circulavam no veículo matrícula ..-..-CB;
14- O arguido AA, em 22.11.2018, próximo da pastelaria situada na Reta de ..., cerca das 17h02m, vendeu a 0,5g. de cocaína a XX;
15- O arguido AA, em 23.09.2018 e 03.01.2019, vendeu a YY e a ZZ canábis (“erva”), que então circulavam no veículo matrícula ..-QN-..;
16- O arguido AA, em 03.09.2018 e em 14.12.2018, vendeu 5,5 g. de heroína a AAA e a BBB;
17- O arguido AA, em 16.11.2018, vendeu a NN 3 doses de heroína;
18- O arguido AA, em 14.12. 2018, vendeu a AAA e a BBB heroína;
19- O arguido AA, em 17.07.2018, cerca das 12h48m, em 18.07.2018, cerca das 23h00 e em 20.07.2020, vendeu cocaína a OO;
20- O arguido AA, em 21.07.2018, cerca das 19h24m, vendeu a OO duas doses de cocaína;
21- O arguido AA, em 24.07.2018, pelas 13h45m e em 22.08.2018, cedeu haxixe a CCC;
22- O arguido AA, em 07.08.2018, cerca das 22h20m, no café Do..., próximo da Rotunda ... vendeu marijuana a DDD;
23- O arguido AA, em 11.08.2018, cerca das 11h00m, próximo do “S...” vendeu cocaína a PP (QQ);
24- O arguido AA, em 23.08.2018, 27.08.2019, 03.09.2018, 09.09.2018, 13.09.2018, 14.09.2018 e 09.10.2018, vendeu a OO, em cada um daqueles dias, pelo menos 2 doses de cocaína;
25- O arguido AA, em 28.08.2018, 29.8.2018, 30.08.2018, 31.08.2018, 01.09.2018 e 03.09.2019 vendeu algumas doses de cocaína a BBB; 26- O arguido AA, em 11.09.2018, 16.09.2018, 17.10.2018, 19.10.2018, 03.11.2018 e 04.11.2018, vendeu heroína/cocaína a MM;
27- O arguido AA, em 28.10.2018, próximo do café “C...”, em 02.11.2018 e em 03.11.2018, vendeu a NN 5 g. de heroína, em cada um daqueles dias;
28- O arguido AA, em 16.11.2018, cerca das 21h40m, na “...”, vendeu a NN pelo menos 2,5g de heroína;
29- O arguido AA, em 06.11.2018, cerca das 00h14m vendeu cocaína a EEE;
30- O arguido AA, em 06.11.2018, cerca das 12h11m, vendeu haxixe a FFF;
31- O arguido AA, em 09.11.2018, cerca das 01h05m, junto ao “S...” frente ao Estádio, vendeu cocaína a EEE;
32- O arguido AA, em 18.11.2018, cerca das 16h56, em 24.11.2018, cerca das 18h22 e em 25.11.2018, cerca das 17h54, próximo do Pingo Doce, vendeu, em cada um daqueles dias, pelo menos, 1 dose de cocaína a OO;
33- O arguido AA, em 20.11.2018, cerca das 12h42m, vendeu haxixe a FFF;
34- O arguido AA, em 11.12.2018, vendeu canábis a YY;
35- O arguido AA, desde março de 2018 e até 11 de janeiro de 2019, vendeu produtos estupefacientes a inúmeros consumidores, designadamente a:
- QQ, vendeu cocaína em quantidades que variavam entre uma pedra de cocaína pelo preço de € 20,00 e 5g. pelo preço de € 250,00, por norma tais transações ocorriam junto ao Café “M...” e num café junto ao “S...”;
- GGG (“HHH”), vendeu cocaína em pedra pelo preço de € 20,00;
- OO, vendeu cocaína em quantidades que variavam entre uma e três pedras, pelo preço de € 20,00/cada, por norma encontravam-se junto ao Pingo Doce de ..., junto ao restaurante A... ou no parque Industrial da Zona de ...; - TT, vendeu cocaína em pedra pelo preço de € 0,00/cada e heroína em sacos de 2,5 g.;
- III, vendeu cocaína em pedra pelo preço de € 20,00/cada e esporadicamente heroína em sacos de 2,5 g., encontravam-se habitualmente junto ao supermercado LIDL na ...;
- FFF, vendeu canábis haxixe e “erva” em doses de € 20,00 cada uma;
- YY, vendeu canábis “erva” em doses que variavam entre € 20,00 e € 50,00, habitualmente encontravam-se em casa do arguido;
- UU, vendeu heroína em sacos de 2,5 g. pelo preço de € 65,00 a € 70,00 cada saco;
- JJJ, vendeu cocaína, em doses de 0,5 g. pelo preço de € 25,00, encontravam-se habitualmente no café “L...”;
- ZZ, vendeu canábis “erva” em doses até € 50,00, encontravam-se em casa do arguido;
- BBB, vendeu heroína em sacos de 2,5 g. pelo preço de € 70,00;
- VV, vendeu cocaína em pedras pelo preço de € 20,00/cada e heroína em sacos de 2,5 g.;
- RR, vendeu cocaína em pedras pelo preço de € 20,00/cada, e heroína em sacos de 2,5 g.;
- KKK, vendeu heroína em sacos de 2,5 g. pelo preço de € 70,00 a € 75,00, encontravam-se na zona da ...;
- MM, vendeu cocaína em pedras pelo preço de € 20,00/cada e heroína em sacos de 2,5 g., encontravam-se por norma num viaduto próximo do Hospital...;
- LLL, vendeu heroína em sacos de 2,5 g. pelo preço de € 70,00, encontravam-se por norma num viaduto próximo do Hospital...;
- MMM, vendeu cocaína em pedras pelo preço de € 10,00/cada e heroína pelo valor de € 75,00, encontravam-se por norma próximo do Hospital...;
- NNN, cocaína em pedra pelo preço de € 20,00/cada e heroína em sacos de 2,5 g. ou de 10g., pagando cada 2,5g. a € 70,00, encontravam-se por norma no viaduto próximo do Hospital...;
36- Pelo menos desde 18 de julho de 2018 e até 11 de janeiro de 2019, o arguido AA vendeu ao arguido GG heroína, em quantidades que variavam entre 2,5g. e 5g., para consumo próprio;
37- Pelo menos a partir de agosto de 2018 e até 11 de janeiro de 2019, o arguido AA vendeu ao arguido GG para proceder a sua revenda a consumidores que para o efeito o contactassem;
38- O arguido AA vendeu heroína ao arguido GG, pelo menos, em:
- 18.07.2018, cerca das 18h57m, 2,5g. de heroína;
- 31.07.2018, cerca das 16h00, próximo da Pastelaria D..., sita na Reta de ..., 5g. de heroína;
- 29.07.2018, cerca das 11h40m, quantidade não concretamente apurada;
- 04.08.2018, cerca das 19h42m, 06.08.2018, cerca das 19h25m, 07.08.2018, pelas 13h11m, 09.08.2018, pelas 18h00m e em 10.08.2018, cerca das12h, pelo menos 2,5g. em cada um daqueles dias;
- 14.08.2018, 5g.;
- 17.08.2018, cerca das 11h52m, 5g;
- 14.09.2018, 16.09.2018, 17.09.2018, 20.09.2018, 24.09.2018 e 25.09.2018, pelo menos 2,5g. em cada um daqueles dias e 5g. neste último dia;
- 16.10.2018, 17.10.2018, 18.10.2018 e 19.10.2018, 2,5 g. em cada dia;
- 06.11.2018, 07.11.2018, 08.11.1018, 11.11.2018, 14.11.2018, 15.11.2018 e 16.11.2018, 2,5 g. em cada dia;
- 12.11.2018, cerca das 15h30m, na “...”, próximo da Reta de ..., 22.11.2018 e 24.11.2018, pelo menos 2,5g. heroína;
- 28.11.2018, 30.11.2018, 01.12.2018, 2.12.2018, 05.12.2018, 06.12.2018 e 18.12.2018, 20.12.2018, pelo menos 2,5 g. em cada um daqueles dias;
39- Pelo menos desde finais de 2018 até 11 de janeiro de 2019, o arguido AA vendeu ao arguido II para consumo próprio e/ou para proceder a sua revenda a consumidores que para o efeito o contactassem, de heroína em quantidades que variavam entre as 2,5g. e de 5g.;
40- O arguido AA vendeu heroína/cocaína ao arguido II, pelo menos, nos dias 07.11.2018, cerca das 19h44m, 08.11.2918, cerca das 20h50m e 11.11.2018, cerca das 13h46m, próximo do café “C...”;
41- Pelo menos desde 18.12.2018 e até 11.01.2019, o arguido AA foi um dos fornecedores de heroína do arguido KK, vendendo-lhe heroína em quantidades que variavam, pelo menos, entre as 2,5g. e as 5g., a fim de o mesmo proceder à sua revenda a consumidores que o procurassem;
42- No dia 18.12.2018, o arguido AA vendeu ao arguido KK pelo menos 20g. de heroína;
43- Em 11.01.2019, o arguido AA ausentou-se do país, mas, porém, cedeu ao arguido KK 200g. de heroína a fim de o mesmo proceder à sua revenda a consumidores que para o efeito o contactassem;
44- Ao atuar da forma descrita, o arguido AA agiu com intenção de deter, transportar, oferecer para venda e proceder à venda, com uma periodicidade de pelo menos dois em dois dias, a revendedores e a consumidores de produtos estupefacientes, concretamente de heroína, cocaína e canábis, substâncias que bem sabia serem de aquisição, venda, distribuição, cedência e detenção proibidas e, com isso, conseguir lucros monetários, o que efetivamente conseguiu;
45- Sabia que, com a sua descrita atividade, distribuía substâncias estupefacientes, o que quis, obtendo por essa via proventos económicos;
46- Ao atuar da forma acima descrita, agiu o arguido AA sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as condutas que protagonizou eram proibidas e punidas por lei;
47- O arguido GG, desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde agosto de 2018 até 18 de novembro de 2019, em ..., na cidade de ..., e noutras localidades desta comarca, procedeu à venda a terceiros consumidores que para o efeito expressamente o procuravam e previamente o contactavam pessoal, ou telefonicamente para os números dos seus telemóveis que entre eles fazia divulgar, de substâncias estupefacientes, designadamente heroína, cocaína e metadona, que obtinha na cidade ..., em quantidades circunstâncias e de indivíduos não identificados e comprava aos arguidos AA, KK e OOO;
(…)
Consigna-se que dos factos provados e não provados foram retirados os factos inócuos à decisão final, os repetidos, os negativos, isto é, que estão apenas em oposição aos factos da acusação, os pontos conclusivos ou de direito, os adjetivos “elevadas”, “avultados”, “grande” e outros que não estavam quantificados em números concretos nesse facto, tal como decorre do disposto nos artigos 124.º, 283.º, n.º 3, alínea b) e 374.º, n.º 2 do CPP, que impõem apenas a exposição dos factos que foram objeto de prova e porque a seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos e não genéricos, nem juízos jurídico-conclusivos.
Convicção do tribunal
O tribunal formou a sua convicção com base na prova pericial e documental junta aos autos (principais e apensos), declarações dos arguidos GG, II, KK, PPP e QQQ (esta apenas quanto às suas condições socioeconómicas) e depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, tudo analisado de forma crítica e em conjugação com regras de experiência comum e as mais elementares regras de prova previstas no nosso ordenamento jurídico.
Assim, o tribunal considerou os seguintes documentos dos autos principais, Apenso 289/18.9..., Apensos de Registos de Imagens e Apensos de Transcrição de Escutas:
A- Autos de busca e de apreensão:
- Auto de busca e apreensão de fls. 2129 a 2131;
- Auto de busca e apreensão de fls. 4054 a 4056 (com relatórios fotográficos a fls. 4057 a 4062);
- Auto de busca e apreensão de fls. 4070 a 4072 (veículo BMW, de matrícula ..-..-LD, com relatório fotográfico e certificado de matrícula);
- Auto de busca e apreensão de fls. 4123 a 4125 (com relatório fotográfico a fls. 4126 a 4129 e documento único de fls. 4130, relativo o veículo ..-VV-..);
- Auto de busca e apreensão de fls. 4135 a 4137 (com relatório fotográfico a fls. 4138/9);
- Auto de busca e apreensão de fls. 4123 a 4125; - Auto de busca e apreensão de fls. 4259 a 4261; - Auto de busca e apreensão de fls. 4262 a 4264;
- Auto de busca e apreensão de fls. 4301 a 4305 (com relatório fotográfico a fls. 4306 a 4308);
- Auto de busca e apreensão de fls. 4309 a 4311;
- Auto de busca e apreensão de fls. 4316 (veículo Renault, de matrícula XC-..-.. e certificado de matrícula de fls. 4317);
- Auto de busca e apreensão de fls. 4320 (veículo Opel ..., de matrícula ..-..-MU e certificado de matrícula de fls. 4321);
- Auto de busca e apreensão de fls. 4368 a 4370;
- Auto de busca e apreensão de fls. 4371 (veículo Fiat ... de matrícula ..-..-RM). B- Relatórios de Diligência Externa/Vigilância e Fotogramas:
- Relatório de Diligência Externa (26/03/2019), de fls. 6 a 7 do I – VOL, com Fotogramas de fls. 12 a 20 do I – VOL;
- Relatório de Diligência Externa (08/05/2018), de fls. 26 a 27 do I – VOL, com Fotogramas de fls. 28 a 30 do I – VOL;
- Relatórios de Diligência Externa (12/06/2018), de fls. 31 do I – VOL; (13/06/2018), constante de fls. 32 a 33 do I - VOL;
- Relatório de Diligência Externa (21/06/2018), de fls. 34 a 35 do I – VOL, com fotogramas de fls. 38 a 42 do I – VOL;
- Relatório de Diligência Externa (28/06/2018), de fls. 43 a 44 do I – VOL, com fotogramas de fls. 46 a 51 do I – VOL;
- Relatório de Diligência Externa (18/07/2018), de fls. 94 a 95 do I – VOL, com fotogramas de fls. 5 a 7 do APENSO “TRANSCRIÇÃO DE IMAGENS”;
- Relatório de Diligência Externa (31/07/2018), de fls. 144 a 146 do I – VOL, com fotogramas de fls. 13 a 34 do APENSO “TRANSCRIÇÃO DE IMAGENS”;
- Relatório de Diligência Externa (07/08/2018), constante de fls. 203 a 204 do I – VOL, com fotogramas de fls. 38 a 42 do APENSO “TRANSCRIÇÃO DE IMAGENS”;
- Relatório de Vigilância (05/09/2018), de fls. 359 a 365 do II – VOL, com fotogramas de fls. 49 a 59 do APENSO “TRANSCRIÇÃO DE IMAGENS”;
- Relatório de Vigilância (06/09/2018), de fls. 369 a 376 do II – VOL, com fotogramas de fls. 67 a 82 do APENSO “TRANSCRIÇÃO DE IMAGENS”;
- Relatório de Diligência Externa (25/10/2018), de fls. 565 a 566 do III – VOL, com fotogramas de fls. 87 a 95 do APENSO “TRANSCRIÇÃO DE IMAGENS”;
- Relatório de Diligência Externa (12/11/2018), de fls. 685 a 686 do III – VOL, com fotogramas de fls. 101 a 113 do APENSO “TRANSCRIÇÃO DE IMAGENS”;
- Relatório de Diligência Externa (19/11/2018), de fls. 702 a 703 do III – VOL, com fotogramas de fls. 117 a 128 do APENSO “TRANSCRIÇÕES DE IMAGENS”;
- Relatório de Vigilância (22/11/2018), de fls. 709 a 715 do III – VOL, com fotogramas de fls. 136 a 167 do APENSO “TRANSCRIÇÃO DE IMAGENS”;
- Relatório de Diligência Externa (03/01/2019), de fls. 995 a 997 do IV – VOL;
- Relatório de Vigilância (10/01/2019), c de fls. fls. 1082 a 1088 do V – VOL, com fotogramas de fls. 174 a 196 do APENSO “TRANSCRIÇÃO DE IMAGENS”;
- Relatório de Diligência Externa (17/01/2019), de fls. 1186 a 1189 do V – VOL, com fotogramas de fls. 202 a 211 do APENSO “TRANSCRIÇÕES DE IMAGENS”;
- Relatório de Diligência Externa (22/01/2019), de fls. 1192 a 1193 do V – VOL, com fotogramas de fls. 215 a 219 do APENSO “TRANSCRIÇÕES DE IMAGENS”;
- Relatório de Diligência Externa (24/01/2019), de fls. 1196 a 1198 do V – VOL, com fotogramas de fls. 224 a 242 do APENSO “TRANSCRIÇÕES DE IMAGENS;
- Relatório de Diligência Externa (15/02/2019), de fls. 1376 a 1377 do VI – VOL, com fotogramas de fls. 246 a 251 do APENSO “TRANSCRIÇÕES DE IMAGENS”;
- Relatório de Vigilância (21/02/2019), de fls. fls. 1411 a 1416 do VI – VOL, com fotogramas de fls. 260 a 276 do APENSO “TRANSCRIÇÃO DE IMAGENS” (II-VOL); - Relatório de Diligência Externa (04/03/2019), de fls. 1516 a 1517 do VI – VOL;
- Relatório de Vigilância (13/03/2019), de fls. 1655 a 1660 VII – VOL, com fotogramas de fls. 283 a 306 do APENSO “TRANSCRIÇÃO DE IMAGENS” (II-VOL);
- Relatório de Vigilância (15/03/2019), de fls. 1670 a 1675 VII – VOL, com fotogramas de fls. 312 a 330 do APENSO “TRANSCRIÇÃO DE IMAGENS” (II-VOL);
- Relatório de Vigilância (26/03/2019), de fls. 1701 a 1707 do VII – VOL, com fotogramas de fls. 337 a 362 do APENSO “TRANSCRIÇÃO DE IMAGENS”;
- Relatório de Diligência Externa (17/04/2019), de fls. 1841 a 1842 do VII - VOL, com fotogramas de fls. 367 a 371 do APENSO “TRANSCRIÇÃO DE IMAGENS” (II-VOL);
- Relatório de Diligência Externa (22/05/2019), de fls. 2123 a 2127 do VIII - VOL, com fotogramas de fls. 377 a 387 do APENSO “TRANSCRIÇÃO DE IMAGENS” (II-VOL);
- Relatório de Vigilância (27/05/2019), de fls. 2156 a 2158 do VIII – VOL, com fotogramas de fls. 392 a 395 do APENSO “TRANSCRIÇÕES DE IMAGENS II”;
- Relatório de Vigilância (28/05/2019), de fls. 2160 a 2163 do VIII – VOL, com fotogramas de fls. 401 a 407 do APENSO “TRANSCRIÇÕES DE IMAGENS II”;
- Relatório de Vigilância (09/07/2019), constante de fls. 2581 a 2586 do X – VOL, com fotogramas de fls. 414 a 428 do APENSO “TRANSCRIÇÕES DE IMAGENS II”;
- Relatório de Vigilância (28/08/2019), constante de fls. 2984 a 2989 do XI - VOL, com fotogramas de fls. 435 a 445 do APENSO “TRANSCRIÇÃO DE IMAGENS” (II-VOL).
- Relatório de Vigilância (29/08/2019), de fls. 2991 a 2994 do XI – VOL, com fotogramas de fls. 450 a 462 do APENSO “TRANSCRIÇÕES DE IMAGENS II”;
- Relatório de Vigilância (05/09/2019), de fls. 464 a 467 do APENSO “TRANSCRIÇÕES DE IMAGENS II”, com fotogramas de fls. 468 a 476 do APENSO “TRANSCRIÇÕES DE IMAGENS II”;
- Relatório de Vigilância (11/09/2019), de fls. 3213 a 3215 do XI - VOL, com fotogramas de fls. 481 A 503 do APENSO “TRANSCRIÇÃO DE IMAGENS” (II-VOL);
- Relatório de Vigilância (08/11/2019), de fls.503 a 509, com fotogramas de fls. 510 a 516 do APENSO “TRANSCRIÇÃO DE IMAGENS” (II – VOL);
- Relatório de Vigilância (12/11/2019), fls. 517 a 522, com fotogramas de fls. 523 a 528 do APENSO “TRANSCRIÇÃO DE IMAGENS” (II – VOL);
- Relatório de Vigilância (13/11/2019), de fls. 529 a 538, com fotogramas de fls. 539 a 549 do APENSO “TRANSCRIÇÃO DE IMAGENS” (II – VOL);
- Relatório de Vigilância (14/11/2019), constante de fls. 550 a 552, com fotogramas de fls. 553 a 555 do APENSO “TRANSCRIÇÃO DE IMAGENS” (II – VOL);
- Relatório de diligência externo nº 1 de fls. 98 e 99 do Apenso 289/18.9...;
- Relatório de vigilância e seguimento nº 1 de fls. 100 a 102 do Apenso 289/18.9...;
- Relatório de vigilância e seguimento nº 2 de fls. 105 a 106 do Apenso 289/18.9...;
- Relatório de diligência externo nº 2 de fls. 107 do Apenso 289/18.9...;
- Relatório de vigilância e seguimento nº 4 de fls. 112 a 113 do Apenso 289/18.9...;
- Relatório de vigilância e seguimento nº 5 de fls. 114 a 115 do Apenso 289/18.9...;
- Relatório de vigilância e seguimento nº 9 de fls. 166 a 167 do Apenso 289/18.9...;
- Relatório de vigilância e seguimento nº 10 de fls. 168 a 170 do Apenso 289/18.9...;
- Relatório de vigilância e seguimento nº 11 de fls. 171 a 172 do Apenso 289/18.9...;
- Relatório de vigilância e seguimento nº 12 de fls. 174 a 176 do Apenso 289/18.9...;
- Relatório de vigilância e seguimento nº 13 de fls. 177 a 178 do Apenso 289/18.9...;
- Relatório de vigilância e seguimento nº 14 de fls. 179 a 180 do Apenso 289/18.9...;
C- Autos de gravação, interceção telefónicas e transcrições:
- Transcrições de interceções telefónicas referentes ao número de contacto ... ... .82 (n.º da roleta), constantes no Apenso do ALVO .......40;
- Transcrições nomeadamente, Sessão 3 do CD – R I; Sessão 428, 540, 616, 658, 710, 829, 870, 910 e 970 do CD – R II; Sessão 1081, 1172, 1261, 1265, 1322, 1377, 1401, 1402, 1480, 1482, 1484, 1563 e 1609 do CD – R III; Sessão 1691, 1741, 1984 e 2334 do CD – R IV; Sessão 2632 e 2696 do CD – R V; Sessão 3546, 3598, 3825, 3915, 4245 e 4253 do VI; Sessão 4653, 4748 e 5057 do CD – R VII; Sessão 6155, 6415, 6573, 6794 e 6974 do CD – R VIII; Sessão 7106, 7274, 7379, 7600, 7755, 8156 e 8614 do CD – R IX; Sessão 8835, 9031, 9180, 9365 e 9562 do CD – R X; Sessão 9856, 9968, 10149, 10558, 10792, 11065, 11224, 11333 e 11445 do CD – R XI; Sessão 11617, 11674, 11852, 11940, 11941, 12195, 12196, 12197, 12368 e 12134 do CD – R XII; Sessão 12480, 12554, 12818, 12884, 12965, 13205 e 13279 do CD – R XIII; Sessão 13512 e 14217 do CD – R XIV; Sessão 14330 e 14424 do CD – R XV; Sessão 14604, 14711, 14780, 14810, 14902 e 15020 do CD – R XVI e Sessão 15267 do CD – R XVII. (APENSO .......40);
- Transcrições, nomeadamente, Sessão 2117 do CD – R IV. (APENSO .......40);
- Transcrições de interceções telefónicas referentes ao número de contacto ... ... .09, constantes no Apenso do ALVO .......40;
- Transcrições de interceções telefónicas referentes ao número de contacto ... ... .33 (nº pessoal), constantes no Apenso do ALVO .......40;
- Transcrições de interceções telefónicas referentes ao número de contacto ... ... .93 (nº pessoal), constantes no Apenso do ALVO .......40;
- Transcrições nomeadamente, sessão 89 do CD – R I e sessões 312, 364 e 414 do CD – R II. (APENSO .......40); nomeadamente, sessão 57 e 63 do CD – R I. (Apenso .......40);
- Transcrições, nomeadamente, sessão 1423 do CD – R V. (APENSO .......40 –);
- Transcrições nomeadamente, sessão 97131 do CD – R XV, as sessões 110927 e 111268 do CD – R XVII, as sessões 114070, 114492 e 115121 do CD – R XVIII, as sessões 120685 e 125878 do CD – R XIX, as sessões 129060, 133912 e 136240 do CD – R XX, a sessão 140188 do CD – R XXI, a sessão 146998 do CD – R XXII e a sessão 160539 do CD – R XXIV. (Apenso .......40);
- Transcrições, nomeadamente, sessão 1606 do CD – R II, as sessões 1779, 1915, 1975, 2091, 2339 do CD – R III, as sessões 2402, 2479 e 2994 do CD – R IV, as sessões 3054, 3115, 3199, 3300 do CD – R V e as sessões 3536 e 3613 do CD – R VI. (A APENSO .......40);
- Transcrições, nomeadamente, sessão 22 do CD – R I, as sessões 379 e 594 do CD – R II. (APENSO .......40);
- Transcrições de interceções telefónicas referentes ao número de contacto ... ... .02 (nº pessoal), constantes no Apenso do ALVO .......40;
- Transcrições de interceções telefónicas referentes ao número de contacto ... ... .31 (nº da roleta), constantes no Apenso do ALVO .......40;
- Transcrições, nomeadamente, Sessão 9454 do CD – R X. (APENSO .......40);
- Transcrições nomeadamente, Sessão 1098, 1157, 1261, 1367, 1437, 1520, 1560, 1651, 1739 e 1762 do CD – R V, as sessões 1791, 1853, 2009, 2011, 2076, 2079 e 2141 do CD – R VI, as sessões 2216 e 2328 do CD – R VII e a sessão 3252 do CD – R X. (APENSO .......40);
- Transcrições nomeadamente, Sessão 41 do CD – R II e a sessão 603 do CD – R V. (A APENSO .......40);
- Transcrições, nomeadamente, Sessão 28, 35, 36, 48 e 53 do CD – R IV. (APENSO .......50);
- Transcrições nomeadamente, Sessão 4 do CD – R I. (APENSO .......40);
- Transcrições de interceções telefónicas referentes ao número de contacto ... ... .03 (n.º pessoal), constantes no Apenso do ALVO .......40;
- Transcrições de interceções telefónicas referentes ao número de contacto ... ... .73 (n.º da roleta), constantes no Apenso do ALVO .......40;
- Transcrições de interceções telefónicas referentes ao número de contacto ... ... .19 (n.º da roleta), constantes no Apenso do ALVO .......50 e .......40;
- Transcrições, nomeadamente, sessão 616, 741, 742, 743 e 818 do CD – R II e as sessões 1116, 1490, 1511, 1594, 1596 e 1597 do CD – R III;
- Transcrições de interceções telefónicas referentes ao número de contacto ... ... .73 (n.º pessoal), constantes no Apenso do ALVO .......40;
- Transcrições de interceções telefónicas referentes ao número de contacto ... ... .90 (n.º da roleta), constantes no Apenso do ALVO .......40;
- Transcrições de interceções telefónicas referentes ao número de contacto ... ... .09 (n.º da roleta), constantes no Apenso do ALVO .......40;
- Transcrições de interceções telefónicas referentes ao número de contacto ... ... .50 (nº da roleta), constantes no Apenso do ALVO .......40;
- Transcrições, nomeadamente, sessão 50154, 51200, 54976 e 54989 do CD – R XVI, as sessões 57785, 57851, 59427 e 64267 do CD – R XVII e as sessões 67851, 72436, 72757 e 72761 do CD – R XVIII. (APENSO .......40);
- Transcrições nomeadamente, sessão 15367, 15398, 15447, 15508, 15520, 15635 e 15734 do CD – R XVII, as sessões 15817, 15975, 15977, 16072, 16182 e 16251 do CD – R XVIII, as sessões 16361, 16428, 16561 e 16603 do CD – R XIX e as sessões 16685, 16771 e 16855 do CD – R XX. (APENSO .......40);
- Transcrições, nomeadamente, sessão 2513 e 2541 do CD – R V, as sessões 2988, 3093, 3165 e 3166 do CD – R VI e as sessões 3326, 3480 e 3777 do CD – R VII. (APENSO .......40);
- Transcrições, sessão 42674 do CD – R VI, a sessão 43154 do CD – R VII, a sessão 43612 do CD – R VIII, as sessões 44565 e 44612 do CD – R X, as sessões 45210 e 45534 do CD – R XII, as sessões 51680 e 51717 do CD – R XXII, as sessões 52029, 52063, 52073, 52497, 52510 e 52516 do CD – R XXIII e as sessões 52781, 53259, 53261, 53459 e 53702 do CD – R XXIV. (APENSO .......40);
- Transcrições nomeadamente, sessão 6001, 6798, 9882, 9986, 10435 e 10561 do CD – R IV, a sessão 10902 do CD – R V, as sessões 11623, 11739 e 12084 do CD – R VI, as sessões 12171, 12289, 12290 e 12499 do CD – R VII, as sessões 13091, 13223, 13228 e 13230 do CD – R VIII, as sessões 13445, 13658, 13660, 13814 e 13978 do CD – R IX. (APENSO .......40);
- Transcrições de interceções telefónicas referentes ao número de contacto ... ... .26 (n.º pessoal), constantes no Apenso do ALVO .......40;
- Transcrições, nomeadamente, sessão 55515 do CD – R XVI e a sessão 56335 do CD – R XVII (APENSO .......40);
- Transcrições, nomeadamente, sessão 2729 do CD – R II, a sessão 17365 do CD – R IV, a sessão 72819 do CD – R XII e a sessão 87763 do CD – R XIII, as sessões 91987, 91988, 92137, 92149 e 93479 do CD – R XIV. (APENSO .......40);
- Transcrições, nomeadamente, sessão 2339 do CD – R III e a sessão 2830 do CD – R IV. (APENSO .......40);
-Transcrições, nomeadamente, sessão 209 do CD – R II. (APENSO .......40);
- Transcrições, nomeadamente, sessão 12779 do CD – R VII. (APENSO .......40); - Transcrições de interceções telefónicas referentes ao número de contacto 915 602 667 (n.º pessoal), constantes no Apenso do ALVO .......40;
- Transcrições de interceções telefónicas referentes ao número de contacto ... ... .96 (n.º pessoal), constantes no Apenso do ALVO .......40;
- Transcrições de interceções telefónicas referentes ao número de contacto ... ... .25 (n.º da roleta), constantes no Apenso do ALVO .......40;
- Transcrições de interceções telefónicas referentes ao número de contacto ... ... .75 (nº da roleta), constantes no Apenso do ALVO .......40;
- Transcrições, nomeadamente, sessão 5074, 5735, 6782 e 6906 do CD – R II, a sessão 14139 do CD – R IV, as sessões 22112, 23087, 25065 e 27012 do CD – R V, as sessões 32476, 32616 e 33444 do CD – R VI, as sessões 57431, 57465, 57467 e 57468 do CD – R X, as sessões 62225, 66469, 66487, 66501, 66503 e 66507 do CD – R XI, a sessão 89674, 90951 e 90953 do CD – R XIV. (APENSO .......40);
- Transcrições, nomeadamente, sessão 42673 e 42675 do CD – R VI, a sessão 43932 do CD – R IX e as sessões 44565 e 44612 do CD – R X. (APENSO .......40);
- Transcrições, nomeadamente, sessão 4883, 5011 do CD – R II. (APENSO .......51);
- Transcrições, nomeadamente, sessão 1724 do CD – R II, as sessões 3068, 3272, 3561, 3571, 3585 e 3590 do CD – R III, as sessões 5467, 5488, 5528, 5529, 5612 e 5616 do CD – R VI, as sessões 5923e 6669 do CD – R VII. (APENSO .......40);
- Transcrições de interceções telefónicas referentes ao número de contacto ... ... .87 (nº pessoal), constantes no Apenso do ALVO .......40;
- Transcrições nomeadamente, sessão 5575, 6738, 6741, 6911 e 7791 do CD – R II, as sessões 9402 e 12981 do CD – R III, as sessões 13595 do CD – R IV. (APENSO .......40); - Transcrições, nomeadamente, sessão 267 do CD – R II. (APENSO .......40);
- Transcrições, nomeadamente, sessão 4731, 4988, 4989, 5014, do CD – R II. (A APENSO .......51);
- Transcrições de interceções telefónicas referentes ao número de contacto ... ... .00 (nº pessoal), constantes no Apenso do ALVO .......51 e .......40;
- Transcrições de interceções telefónicas referentes ao número de contacto ... ... .75 (nº da roleta), constantes no Apenso do ALVO .......40;
- Transcrições, nomeadamente, sessão 6661 do CD – R II, as sessões 13435 e 13441 do CD – R VI, as sessões 13847 do CD – R VII, as sessões 14366, 14367, 14592 e 15100 do CD – R VIII. (APENSO .......40);
Considerou, ainda, os seguintes documentos:
- auto de notícia de fls. 3 a 5 dos autos principais (para prova do início das investigações);
- de fls. 1092 e 1093, registo e seguro do veículo Mercedes ..-..-TO, em nome do arguido OOO;
- de fls. 1094, seguro do veículo BMW ..-VV-.., em nome do arguido KK; - de fls. 2632, registo automóvel da viatura BMW ..-..-JD, em nome do arguido OOO;
- de fls. 2652, registo automóvel da viatura Fiat ... ..-..-HG, em nome da arguida RRR;
- de fls. 3903, seguro do veículo Volvo ..-ZE-.., em nome do arguido GG;
- de fls. 4062 a 4064, folhas de apontamentos apreendidas ao arguido OOO;
- de fls. 4065/6, testes rápidos DIK-12;
- de fls. 4073, auto de exame direto ao veículo BMW de matrícula ..-..-JD, apreendido ao arguido OOO;
- de fls. 4131, com suporte fotográfico a fls. 4132, auto de exame direto ao veículo BMW de matrícula ..-VV-.., apreendido ao arguido KK; - de fls. 4270 a 4275, testes rápidos DIK-12;
- relatório fotográfico de fls. 4286 a 4292;
- de fls. 4293, auto de exame direto ao veículo Volvo de matrícula ..-ZE-.., apreendido ao arguido GG, com relatório fotográfico a fls. 4294, guia de circulação a fls. 4296; - de fls. 4312/3, testes rápidos DIK-12;
- de fls. 4318, auto de exame direto ao veículo Renault de matrícula XC-..-.., apreendido ao arguido PPP, com relatório fotográfico a fls. 4319;
- de fls. 4322, auto de exame direto ao veículo Opel ... de matrícula ..-..-MU, apreendido ao arguido PPP, com relatório fotográfico a fls. 4323;
- relatório fotográfico de fls. 4375 a 4378;
- de fls. 4293, auto de exame direto ao veículo Fiat ... de matrícula ..-..-RM, apreendido à arguida RRR, com relatório fotográfico a fls. 4382;
- de fls. 4380, folha de apontamentos apreendida à arguida RRR; - de fls. 4383 a 4386, testes rápidos DIK-12;
- de fls. 4760 a 4769, documentos relativos à aquisição do veículo ..-VV-..;
- de fls. 4802/3, contrato de arrendamento relativo ao “Café” explorado pela arguida SSS;
- de fls. 6395/6, contrato de crédito em nome do arguido GG, relativo ao veículo de matrícula ..-ZE-..;
- Certidão judicial de fls. 5583 a 5589, do Proc. 7/13.8...;
- Certidão judicial de fls. 5596 a 5693, do Proc. 3/17.8...;
- Certificado de registo criminal do arguido AA, de fls. 6274 a 6282;
(…)
(…)
Relatório social relativo ao arguido AA de fls. 6485 a 6488;
Quanto à prova pericial, foram considerados os seguintes relatórios:
- Relatório de exame de fls. 4564; - Relatório de exame de fls. 4828;
- Relatório de exame de fls. 5074/5;
- Relatório de exame de fls. 5076-5078;
- Relatório de exame de fls. 218/9, do Apenso n.º 289/18.9...
Antes de entrarmos na análise conjugada de toda a prova, nomeadamente declarações dos arguidos, depoimentos das testemunhas e os citados elementos documentais/periciais, cumpre referir que iremos motivar a convicção por conduta de cada arguido, tal como vem descrito na acusação, não sem antes nos referirmos aos depoimentos das testemunhas que levaram a cabo a investigação, por serem comuns a todos os arguidos.
Também aqui importa referir que diversas testemunhas foram inquiridas a factos sobre condutas a diversos arguidos, pelo que também neste ponto nos iremos referir às mesmas em cada um dos momentos em que analisaremos a prova relativamente a esse arguido ou arguidos.
De referir ainda que, com exceção dos factos confessados pelos arguidos, entende este Tribunal que para a formação da sua convicção no sentido de dar por provados os concretos factos, não é suficiente existir apenas uma escuta ou vigilância, salvo casos excecionais em que se relata o concreto facto – aquisição e/ou valor -, pelo que o tribunal apenas deu por provados os factos em que existe um outro meio probatório a confirmá-lo.
Neste sentido, os factos imputados aos arguidos e que respeitavam a pessoas não concretamente identificadas ou a testemunhas que não foram inquiridas em audiência de julgamento, com exceção, como dissemos, dos confessados pelos arguidos, uma vez que não resultou da análise concreta dos elementos documentais – escutas e vigilâncias – a concreta transação e/ou entrega do produto estupefaciente, foram considerados como não provados.
Quanto à análise dos elementos documentais, importa também referir que das escutas não resulta, muitas das vezes, a concreta transação realizada, desde logo por se tratar de linguagem encriptada, o que é usual neste tipo de ilícito, em que as transações não são efetuadas de forma explícita. No entanto, temos arguidos e testemunhas, nos termos que iremos explicitar, que referem de forma clara as expressões utilizadas e o que as mesmas significavam, nomeadamente nas situações concretas apuradas. Aliás, regras de experiência comum dizem-nos que nenhum traficante ou consumidor através de contacto telefónico fala “abertamente”, utilizando antes expressões “claro”, “escuro”, “noite”, “dia”, para traduzir a qualidade/espécie de produto estupefaciente que procura transacionar, bem como expressões como “meia pipa”, “uma mão”, usada muitas vezes nestes autos, nomeadamente “apertar o pescoço com a mão”, o que apenas tem sentido, neste tipo de transações, para concretizar a quantidade de produto estupefaciente. Aliás, recorrendo a regras de experiência comum, ninguém combina um encontro a dizer que lhe vai apertar o pescoço com a mão, quer perante estranhos quer perante amigos. No meio relativo ao tráfico de estupefacientes tem um significado próprio, como seja “cinco” gramas, o que é confirmado pela própria testemunha TTT, a seguir identificada.
Começando a análise da prova pelas testemunhas que foram inquiridas e que se reportam aos factos comuns a todos os arguidos, os agentes de autoridade que investigaram ou tiveram participação nas diligências de prova constantes dos autos, desde já adiantamos que os seus depoimentos se mostraram isentos e credíveis, porque assentes em factos que visualizaram e reverteram em auto/relatório.
De facto, não vacilando nem apresentando quaisquer sinais de inverdade nos seus depoimentos, nem demonstrando sentimentos de inimizade para com os arguidos, os seus depoimentos mostram-se devidamente sustentados pelos elementos de prova colhidos, nomeadamente as vigilâncias externas (RDE/RVE) que foram efetuadas aos arguidos (com reportagens fotográficas), a que acresce um importante manancial de materiais apreendidos usados na prática destes ilícitos ou deles resultantes, bem como estupefaciente, o que lhes confere credibilidade.
Assim, inquirida a testemunha TTT, agente investigador da GNR, a mesma apenas não esteve presente na investigação levada a cabo do arguido UUU, que declarou não conhecer. A testemunha, muito sucintamente, teve uma participação ativa em todas as diligências de investigação aos demais arguidos, tendo elaborado o relatório final, por ser a ele que lhe incumbia dirigir a investigação. A testemunha participou em vigilâncias e interceções telefónicas, cujos autos assinou, reportando ao tribunal que os mesmos traduzem de forma fiel e o que foi visualizado e reproduzem, na íntegra, o que foi dito pelos intervenientes nas escutas às conversações telefónicas. A testemunha, de forma muito clara, descreveu toda a atividade desenvolvida pelos arguidos, com exceção, como referimos, do arguido UUU. De forma muito sucinta, a testemunha referiu que a investigação começa com a informação de o arguido AA vendia droga em ..., o que culminou com o auto de notícia por si elaborado e que consta de fls. 3 a 5 dos autos principais, datado de 26.03.2018. Confirmou ainda o início das interceções telefónicas a este arguido, deferidas por despacho de 11.07.2018. A testemunha fez a ligação deste arguido com o arguido GG, que passou de cliente a também fornecedor e com os arguidos II, que adquiria heroína ao arguido EE e cocaína ao arguido OOO, abrangidos, nesses termos pela investigação. Conforme referiu a testemunha, mais tarde surge o arguido KK, após sair do EP, por também adquirir, numa fase inicial, produtos estupefacientes ao arguido EE. Com o arguido KK surge o arguido PPP, por ser fornecedor de cocaína ao arguido KK e este, no sentido contrário, vender heroína ao arguido PPP. De acordo com a testemunha, como o arguido PPP intensificou a sua atividade, começou a usar a companheira, a arguida SSS e a filha, arguida RRR, que assim são abrangidas pela investigação. Quanto à arguida VVV, uma vez que esta tinha conhecimento da atividade do arguido KK, de quem aliás era companheira e ligou ao arguido EE, passou também a ser investigada. Descrita a intervenção dos arguidos e o porquê que foram abrangidos na investigação inicial ao arguido AA, a testemunha descreveu, com acontecimentos concretos situações que fez constar dos autos. Embora a interpretação dada pela testemunha nos autos que juntou e que explicou ao tribunal não seja por si só suficiente para aferir das concretas situações imputadas aos arguidos, o seu depoimento mostra-se pertinente para aferir da realidade inerente aos casos de venda de produtos estupefacientes, nomeadamente as expressões usadas nos contactos e a forma com são efetuadas as transações. A testemunha descreveu, ainda de forma sucinta a atividade desenvolvida pelos arguidos que investigou, sendo neste ponto pertinente o seu depoimento quanto ao modo como os mesmos desenvolveram a sua atividade.
Neste ponto importa desde já referir, quanto ao arguido OOO, que a testemunha refere que a investigação foi alargada a esse arguido em dezembro de 2018, uma vez que estava a ser investigado noutro processo, em que estaria a ser intercetado telefonicamente.
No entanto, como a testemunha bem expressou, assume relevância a interceção telefónica com o arguido II, que estava a ser investigado nestes autos, mais concretamente a de 29.11.2018, de fls. 7 do apenso de transcrição e escutas ao Alvo .......40 – “30 cc”.
(…)
O tribunal considerou o depoimento da testemunha WWW, do NIC da GNR, que confirmou as diligências externas que efetuou a diversos arguidos, que não o arguido UUU e a busca a casa da arguida SSS e final da busca a casa da arguida RRR, confirmando o que consta dos respetivos autos.
A testemunha XXX, do NIC da GNR de ..., confirmou as buscas que efetuou no café do arguido OOO e casa, bem como as apreensões efetuadas e uma vigilância em que esteve junto ao café “Di...”, tudo reportado em auto.
A testemunha YYY, também dos NIC da GNR de ..., que chefiou a busca ao café explorado pelos arguidos PPP e SSS, fazendo parte da equipa de buscas a casa do arguido GG, confirmando o que consta dos respetivos autos.
De salientar que a testemunha confirma que os € 54,50 estavam no balcão, numa caixa de madeira, perto do local das raspadinhas e que a restante quantia monetária, cujo valor não logrou precisar, estava na mala da arguida SSS, o que contraria a versão apresentada pela arguida na sua contestação (quanto ao valor de € 1.940,00), de que estaria na caixa registadora no café.
A testemunha ZZZ, do NIC da GNR, que confirmou as diligências de vigilância em que esteve presente, mais concretamente ao “café Di...” em 22.11.2018 e 10.01.2019, descrevendo-as de acordo com o que consta dos respetivos autos.
A testemunha AAAA, do NIC de GNR, que confirmou as diligências de vigilância em que esteve presente, mais concretamente nos dias 22.11.2018, 10.01.2019 e 09.07.2019, descreveu-as de acordo com o que consta dos respetivos autos.
A testemunha BBBB, da GNR ..., que efetuou a apreensão ao arguido UUU, confirmou que foi apreendida na sua posse, dentro de uma caixa de “smints” o produto estupefaciente. A testemunha já não participou nas buscas domiciliárias, mas referiu que não viu nenhuma transação do arguido UUU.
A testemunha CCCC, dos NIC da GNR da ..., referiu que chefiou as buscas aos arguidos KK e VVV, na residência dos arguidos PPP e SSS e que ainda participou na busca ao café, confirmando o que foi apreendido e o que consta dos respetivos autos.
A testemunha DDDD, dos NIC da GNR de ..., referiu que chefiou as buscas à residência e ao veículo do arguido GG, confirmando ainda a revista efetuada a esse arguido, bem como tendo participado em vigilâncias com as testemunhas TTT e XXX. Confirmou as apreensões efetuadas, em conformidade com o que resulta dos respetivos autos.
A testemunha EEEE, do NIC da GNR de ..., referiu que chefiou as buscas à arguida RRR e que esteve em vigilâncias aos arguidos PPP, RRR, KK e EE, sempre acompanhado pela testemunha TTT, descrevendo as vigilâncias em que esteve, de acordo com o que consta dos respetivos autos. A testemunha descreveu as apreensões efetuadas na residência da arguida RRR.
Analisemos, agora, a demais prova produzida.
Quanto aos factos que são imputados ao arguido AA, importa considerar que não temos a sua versão, uma vez que o mesmo não esteve presente na audiência de julgamento.
Assim, das testemunhas que depuseram sobre os factos que lhe são imputados, importa considerar, resumidamente, os seguintes depoimentos:
- QQ:
A testemunha QQ referiu ser consumidor de cocaína e canábis, conhecer os arguidos OOO, GG e EE e ter adquirido ao arguido EE, a seguir ao café M..., perto da ..., 1 ou 2 doses de cocaína, no valor de € 20,00 ou € 40,00, o que fez durante meio ano, bastantes vezes, referindo mais de 10, em média 1 a 2 vezes por semana, chegando a adquirir € 250,00 com outro amigo, EEE, condutor do Ford ....
A testemunha QQ cujo n.º de telemóvel é o indicado por si, é identificado como PP em diversos registos de vigilância e de escutas.
- EEE:
A testemunha EEE, de alcunha FFFF, referiu conhecer os arguidos GG e OOO e, mais tarde no seu depoimento, admite conhecer o EE. Possui o telemóvel .......67.
Quanto ao arguido EE, referiu que chegou a ir com o “colega” QQ comprar droga (apenas o levava lá), uma dúzia de vezes, duas a três doses de cocaína, a € 10,00 cada dose, para os dois consumirem.
- FFF:
A testemunha FFF referiu conhecer o arguido BB”, a quem comprou haxixe, € 20,00 de cada vez, na ..., o que fez uma vez por semana, durante meio ano, até o arguido ir para o estrangeiro. Possui o telemóvel .......75. O arguido vinha de carro, numa BMW ..., num Opel ... e num Ford ....
Ainda quanto ao arguido EE, referiu que chegou a ir com o “colega” QQ comprar droga (apenas o levava lá), uma dúzia de vezes, duas a três doses de cocaína, a € 10,00 cada dose, para os dois consumirem.
- YY:
A testemunha YY disse ter sido consumidor de canábis e conhecer o arguido EE. Foi buscar duas a três vezes a casa dos pais do arguido e outras duas vezes a outra casa que pensa ser do próprio arguido. Uma vez comprou € 10,00 e outra € 20,00. Uma outra vez foi com a testemunha ZZ. Foi entre 2018/2019 e ligava do seu n.º de telemóvel .......32 ou do colega. Compraram heroína e cocaína. Deslocavam-se na viatura com a matrícula “QN”. Encontravam-se nas bombas da ... e foram atrás do arguido.
- UU:
A testemunha UU disse conhecer os arguidos KK, a sua companheira, a arguida VVV e o arguido BB”, a quem comprou heroína.
Antes de comprar ao arguido KK, comprava ao EE, o que fez durante meio ano, dia sim, dia não, 2 sacos de heroína a € 20,00 cada.
- JJJ:
A testemunha JJJ referiu conhecer o arguido BB”, a quem comprou uma ou duas vezes cocaína em pó. Possui o telemóvel .......96. Posteriormente referiu ter ido a casa do arguido 1 ou 2 vezes e ao café L... outras duas vezes, o que aconteceu em meados de 2018, pagando € 20,00.
- CCC:
A testemunha CCC referiu conhecer o arguido BB”. Mais referiu ser consumidora de haxixe e que este lhe cedeu duas ou três vezes, há dois ou três anos, na pastelaria dele, onde trabalhava. Possui o telemóvel .......44.
- ZZ:
A testemunha ZZ disse conhecer o arguido BB”. Era colega
do YY, testemunha nos autos. Chegou a comprar ao arguido por três vezes, duas doses de cada vez, podendo ser que tenha gasto € 50,00 de cada vez. Depois deixou de ter contacto, porque o arguido emigrou. Deslocava-se no veículo “..-QN-..”.
- GGGG:
A testemunha GGGG foi casada com o arguido GG, com quem consumiu cocaína, quando estava em casa com ele. Referiu conhecer o arguido BB”, mas nunca lhe comprou nada, apenas o seu ex-namorado, HHHH”, que comprou 2,5gramas de heroína por € 75,00 e 0,5 gramas de cocaína, o que aconteceu na ..., várias vezes, conduzindo o arguido EE uma carrinha ....
- IIII:
A testemunha IIII referiu conhecer os arguidos AA, GG, II e OOO. Comprou aos arguidos II (primeiro), EE (depois) e OOO (depois).
Ao arguido EE comprou em 2017, uma ou duas vezes, € 20,00 de heroína/cocaína, perto de casa dele. Mais tarde referiu ter comprado ao EE um saco de 2,5 gramas de heroína por € 70,00 e 1 saco de um grama de cocaína por € 140,00.
- XX:
A testemunha XX referiu ser consumidora de cocaína e conhecer os arguidos GG, OOO, EE e KK.
Quanto ao EE, que se deslocava numa BMW ..., deu dinheiro a GG e ele trouxe da “droga” que era do EE.
- KKK:
A testemunha KKK referiu conhecer os arguidos KK e EE. Confirmou ter adquirido ao arguido EE, que não conhece por nome, mas por ser um individuo com uma carrinha BMW ..., na ..., heroína e cocaína, uma ou duas vezes por mês, duas, cinco ou dez gramas de cada vez, sendo o grama da cocaína a € 50,00 e o saco de 2,5 gramas de heroína a € 70,00, o que fez cerca de um ano. Para o efeito juntava os colegas e vinha uma duas vezes por semana, se bem que havia semanas que não vinha.
- MMM:
A testemunha MMM referiu ser consumidor de cocaína e heroína, conhecer o arguido EE, a quem comprou heroína e cocaína. Ia ter com ele a ..., no meio do monte. Comprou-lhe há dois ou três anos, € 20,00 de cocaína, quatro ou cinco vezes.
- NNN:
A testemunha NNN referiu ser consumidor de heroína e cocaína e conhecer o arguido EE “campeão”, a quem comprou cerca de cinco vezes, junto ao Hospital em ..., a quem ligava através do telemóvel. Ia de carro, um Opel ... e o arguido numa carrinha BMW .... Comprava 5 gramas de heroína por € 150,00, às vezes 2,5 gramas e também comprou uma ou duas bases de cocaína.
- NN:
A testemunha NN referiu conhecer os arguidos GG e II. Quanto ao arguido EE, confrontado com o Apenso de imagens - vol. I, não o reconheceu. Mais tarde e confrontado com imagens que a seguir se identificarão, referiu que conheceu o EE porque lhe encaminhava consumidores.
Foi confrontado com fls. 263 a 268 do Apenso de imagens – vol. II, referiu ter ido com o “JJJJ”.
- KKKK:
A testemunha KKKK, de alcunha “LLLL”, referiu ser consumidor de cocaína e ser possuidor do telemóvel .......53 e adquirir produto estupefaciente na ....
- MM:
A testemunha MM referiu ser consumidor de produtos estupefacientes. Confrontado com a imagem de fls. 15 do Apenso de imagens – vol. I, identificou o arguido AA, como sendo o da BMW ..., a quem comprava produto estupefaciente, em .... Referiu que levava alguns consumidores e deslocavam-se no Seat .... Confirmou ter adquirido heroína 4 ou 5 vezes, dois gramas, um cada um, pagando € 35,00 cada. Comprou também uma vez cocaína, meio grama, pelo valor de € 30,00.
- LLL:
A testemunha LLL disse ser consumidor de heroína e cocaína e conhecer o arguido KK. Confrontado com fls. 15 do Apenso de imagens – vol. I, reconheceu o arguido EE como sendo o do meio, tendo acompanhado o “colega “MM”, a testemunha anterior, há cerca de dois anos, para comprar produto estupefaciente (facto confirmado por essa testemunha).
Comprou ao arguido EE antes de ter comprado ao arguido KK, o que fez durante meio ano, dia sim, dia não, 2 sacos de heroína a € 20,00 cada.
- GGG:
A testemunha GGG, de alcunha “...”, referiu ser consumidor de cocaína e conhecer os arguidos EE, II, GG e OOO.
Quanto ao arguido EE, referiu que lhe comprou cocaína, € 20,00, duas ou três vezes por semana, durante um mês ou dois, no Verão.
- OO:
A testemunha OO referiu ter sido consumidora de cocaína e conhecer os arguidos EE, KK e GG. Referiu que comprou ao EE, há dois anos, durante três meses, uma ou duas doses de cocaína, dia sim dia não, por € 10,00. O EE ia lá entregar ao Bairro. O EE conduzia uma BMW ... e um carro ... pequeno. Comprou junto ao Pingo Doce, ao Restaurante e no parque industrial de .... Não comprou heroína. Confrontada com fls. 5 a 7 e 38 a 42, referiu ser no Parque Industrial e com as imagens de fls. 15 do Apenso de imagens – vol. I, reconheceu o arguido AA. Contactava-o através do telemóvel .......45. Confirmou perante imagens com que foi confrontada, que que é ela a comprar.
- VV:
A testemunha VV referiu ser consumidor de cocaína e heroína e ter comprado a um individuo com uma carrinha ... BMW, no viaduto, heroína e cocaína, que reconheceu como sendo o EE, quando confrontado com as imagens de fls. 15, do Apenso de imagens e fls. 87 a 95. Chegou a comprar um grama de cocaína e dois de heroína, pelo preço de € 125,00.
- RR:
A testemunha RR referiu ser consumidor de cocaína e que veio comprar uma pedra de branca no seu veiculo XE-..-... Foi confrontado com fls. 54 a 59, do Apenso de imagens – vol. I, confirmando a sua ocorrência.
- SS:
A testemunha SS referiu ser consumidor de produtos estupefacientes e ter vindo a ... comprar a um individuo que conduzia uma BMW ..., o que aconteceu há dois ou três anos. Comprou 2,5 gramas de heroína por € 75,00. Confrontado com fls. 67 a 82 do Apenso de imagens – vol. I, confirmou o veículo como sendo “RB”, o Ford ... e identificou o arguido EE.
- III:
A testemunha III, que foi casada com o arguido KK, referiu ser consumidora de cocaína e conhecer os arguidos KK, EE, GG, II e OOO.
Referiu que comprou ao CC”, ligava para o telemóvel, marcava num sítio e ia ter com ele, nomeadamente junto ao Lidl da .... Ia com o namorado TT. Foi em 2017/2018, durante 2 semanas (vinha de França), duas ou três vezes, cocaína e heroína, 0,5 gramas de cada, pagando € 50,00 pela cocaína e € 20,00 pela heroína.
- DDD:
A testemunha DDD referiu ser consumidor marijuana e conhecer o arguido CC”, a quem ligava do telemóvel .......38 ou contactava através do Facebook, para comprar produto estupefaciente. Encontrava-se em casa dele, em ..., o que fez durante dois ou três meses, ½ grama de cada vez, sendo o preço de um grama € 10,00. Fazia-o dia sim dia não, por vezes três em três dias. Embora diga que foi em 2019, reporta o lapso temporal a antes de o arguido ir para o estrangeiro. Conduzia um Renault ..., de matrícula “TZ”.
- BBB:
A testemunha BBB referiu ser consumidora de heroína e cocaína e conhecer os arguidos AA e HH”. Vinha a ... comprar droga. Comprou ao EE (da carrinha BMW ...), com o AAA, há cerca de dois ou três anos, heroína (em bruto), cerca de € 70,00 e uma ou outra vez cocaína. Ligava para o telemóvel e encontravam-se no monte. Era uma vez por semana. Também junto às escolas de ... (o AAA). Ela conduzia um Seat ..., de matrícula ..-UL-.. e o AAA um Opel .... Confrontada com fls. 15 do Apenso de imagens – vol. I, referiu que o da direita era o GG e o outro parecia o EE e que só combinava com o arguido EE para comprar droga.
Além destas testemunhas, também os arguidos GG e KK confirmam a aquisição de produtos estupefacientes ao arguido AA.
Aqui chegados, impõe-se fazer uma análise prévia sobre a possibilidade e a forma de valoração deste meio de prova que são as declarações de coarguidos, até porque o arguido AA não esteve presente em audiência de julgamento, mas foi representado pela sua Mandatária.
Quanto a situações em que respondem no mesmo processo vários coarguidos e relativamente às declarações prestadas por algum ou alguns deles, deve ter-se presente o seguinte:
- art.º 344.º, n.º 3, al. a) e n.º 4, do C.P.P., em que havendo confissão apenas de um dos arguidos e não de todos eles, “o tribunal decide, em sua livre convicção, se deve ter lugar e em que medida, quanto aos factos confessados, a produção da prova”;
- art.º 345.º, n.º 4, do mesmo diploma legal, em que “não podem valer como meio de prova as declarações de um coarguido em prejuízo de outro coarguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2”, ou seja a qualquer das que lhe sejam formuladas não só pelos juízes e jurados, mas também às que forem formuladas na sequência de esclarecimentos solicitados pelo Ministério Público, pelo advogado do assistente ou pelo defensor (incluindo os defensores dos coarguidos).
As declarações do coarguido não se compreendem entre os meios proibidos de prova previstos no art.º 126.º do CPP.
Assim, as declarações do coarguido devem ser analisadas no âmbito do princípio da legalidade da prova, por força do qual, nos termos do art.º 125.º do CPP, Penal, são permitidos todos os meios de prova que não forem legalmente vedados.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Acs. do STJ de 31/10/2007, de 12/03/2008 e de 18/06/2008, disponíveis in www.dgsi.pt) sempre defendeu que o arguido tanto pode produzir declarações a seu respeito como a respeito dos demais coarguidos, sem o que ficaria gravemente comprometido o seu direito de defesa, apenas lhe sendo vedado intervir como testemunha, nos termos do art.º 133.º, n.º 1, al. a) do C.P.P., precisamente para que não seja sujeito aos ónus que implica tal estatuto.
Sobre as declarações dos coarguidos, a sua admissibilidade, as cautelas a ter na apreciação e valoração das declarações dos coarguidos e à forma de traduzir em concreto tais cautelas, temos, para além de muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.07.2006, disponível in www.dgsi.pt, onde se diz, no respetivo sumário: “II - É posição da jurisprudência, que se pode dizer uniforme, e da maioria da doutrina nacional, que nada proíbe a valoração como meio de prova das declarações de co-arguido sobre factos desfavoráveis a outro. III - Contudo, as declarações desfavoráveis aos demais co-arguidos, pela sua fragilidade, decorrente de eventual conflito de interesses e de antagonismo entre si, devem ser submetidas a tratamento específico e retiradas do alcance do regime normal da livre apreciação da prova. IV - O STJ vem entendendo, a tal propósito, dever exigir-se respeito pelo estatuto de arguido (incompatível com o juramento próprio das testemunhas e com a vinculação ao dever de responder com verdade) e pelo princípio do contraditório (concretizado na possibilidade conferida ao defensor do arguido de formular perguntas ao co-arguido por intermédio do presidente do tribunal, visando as declarações prestadas, na medida em que afectem o arguido por si representado), além de cautelas especiais na valoração dessas declarações que, de um modo geral, se reconduzem à exigência de corroboração. V - Com efeito, entre as soluções propostas para modular doutrinal e normativamente o particular regime das declarações do co-arguido, avulta a doutrina da corroboração, segundo a qual as declarações do co-arguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe “alguma prova adicional, a tornar provável que a história do co-arguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações”. Ou noutros termos, a exigência de corroboração significa que as declarações dos co-arguidos nunca podem, só por si, e por mais inequívocas e credíveis que sejam, suportar a prova de um facto criminalmente relevante. Exige-se para tanto que as declarações sejam confirmadas por outro autónomo contributo que “fale” no mesmo sentido, em abono daquele facto”.
Ainda assim, a valoração de tal prova deverá ocorrer de forma cautelar, no âmbito da situação concreta e sustentada em quaisquer outros meios de prova, que permita, desde logo, aferir da credibilidade de tais declarações.
No cerne desta questão está, assim, o exercício do direito de defesa do coarguido incriminado pelas declarações, donde desde que asseguradas essas garantias, deve funcionar o princípio geral.
O Tribunal não está, pois, impedido de valorar esse meio de prova, livremente como os demais, mas deverá introduzir um crivo mais exigente.
Ora, foi possibilitado ao arguido durante todo o julgamento o exercício do seu direito de defesa, na pessoa da sua Defensora, que o representava.
Por tal motivo e porque entre os arguidos não foi detetada qualquer inimizade, as declarações dos coarguidos GG e KK podem ser valoradas quanto ao coarguido AA, até porque existe outra prova que as corrobora, nomeadamente as testemunhas atrás identificadas, as escutas telefónicas, os RDE/RVE e os depoimentos dos militares da GNR.
Analisemos agora mais pormenorizadamente cada facto.
Os factos dados por provados em 1 a 6, mais genéricos quanto à conduta do arguido, resultam da conjugação dos elementos probatórios atrás referidos, nomeadamente o depoimento da testemunha TTT, as escutas e vigilâncias. Importa ainda referir que a primeira venda que se apura é a que consta do ponto 7 dos factos provados, o que nos leva a considerar temporalmente o início dos mesmos. A tipicidade dos produtos estupefacientes surge dos depoimentos atrás referidos quanto às testemunhas consumidoras, cujos depoimentos relevaram também para o preço de aquisição e venda, neste ponto em função do que também referiu o arguido KK quanto aos factos que lhe eram imputados, admitindo, no essencial os valores e regras de experiência comum, uma vez que decorre que apenas com um lucro correspondente ao valor de aquisição é possível desenvolver tal atividade. Já os veículos usados, além dos depoimentos das atrás referenciadas testemunhas, surgem também dos inúmeros fotogramas retirados das vigilâncias efetuadas quanto a este arguido. Os telemóveis usados resultam da própria investigação e das diligências efetuadas pela testemunha TTT, documentadas nos autos, nomeadamente com as transcrições que constam dos respetivos apensos, com identificação de números, IMEIS e
Alvos. As aquisições por parte dos coarguidos, como referimos, surgem da conjugação das declarações dos coarguidos GG e KK com o relatório de diligência externa de fls. 685 a 686, com fotogramas de fls. 101 a 113 do apenso de “Transcrição de imagens”, em que se descreve e visualiza, no dia 11.11.2018, no parque da pastelaria situada na reta de ... as viaturas dos arguidos GG (..-..-LX) e do arguido II (..-..-IO), tendo chegado o arguido EE na viatura ..-..-BX, conduzida pelo arguido GG. Posteriormente encontram-se todos no interior da viatura e relatório de diligência externa n.º 8, de fls. 144 a 146, com fotogramas de fls. 13 a 34 do apenso de “Transcrição de imagens”, em que no dia 31.07.2018 se verifica um encontro entre o arguido EE e o arguido GG, com entrega de algo entre os arguidos e do apenso de escutas ao Alvo .......40, sessões 11617, 11674, 11852, 11940, 11941 e 12195, em que se constatam diversos contatos entre os arguidos GG e EE, no dia 20.11.2018, a marcar encontros.
Nesta parte, importa ainda considerar os encontros que se irão referir nas concretas vendas indicadas a cada um dos arguidos na motivação aos factos indicados na acusação infra, nomeadamente quanto ao coarguido OOO, já presente no RDE atrás referido e que, apesar de não ter prestado declarações que implicassem outros arguidos, referiu ser consumidor de produtos estupefacientes, não resultando dos autos qualquer outro motivo para a respetiva presença junto do arguido EE.
Quanto às concretas vendas que se apuraram em 8 a 35 dos factos provados, importa considerar não só os depoimentos das respetivas testemunhas, nos termos sobreditos, sendo relativamente a cada facto a testemunha surge identificada, mas também os seguintes elementos documentais que a seguir iremos identificar e regras de experiência comum, nomeadamente quanto às expressões usadas e/ou contatos documentados, nomeadamente por as testemunhas serem consumidores de produtos estupefacientes e confirmarem compras ao arguido AA, nos seguintes termos:
- Facto dado por provado em 7: Do Relatório de Vigilância externa n.º 1, fls. 6 a 7, em que, no dia 26 de março do ano de 2018, é visualizado que na EN ..., sentido P...- L..., junto do cruzamento com a Rua da ... - ..., se encontrava estacionada uma viatura de marca Seat, modelo ..., matricula ..-..-RM e visto o "MM" e um outro individuo no exterior da viatura e a chegada de uma viatura de marca BMW, modelo ..., matricula ..-CS-.., cor ..., que parou frente a uma padaria/pastelaria (Pastelaria P...) existente ali naquela rua, em que do seu interior sai o arguido BB. O "MM" é visto a dirigir-se para junto do arguido, entram na pastelaria e passados três minutos vê-se o “MM” a sair da pastelaria, o qual em passo de corrida se dirigiu para a sua viatura (matrícula ..-..-RM), tendo iniciado marcha e tomado a direção da rotunda de ... (tal encontro está documentado nas imagens que constituem os fotogramas de fls. 13 a 20). Do Relatório de Vigilância externa n.º 2, fls. 26/7, verifica-se novo encontra entre o arguido EE, à data a conduzir o veículo Opel ..., de matrícula ..-..-BX e a testemunha MM, agora na Rotunda da ... (tal encontro está documentado nas imagens que constituem os fotogramas de fls. 28 a 30). Confrontado com a imagem de fls. 15 do Apenso de imagens – vol. I, a testemunha identificou o arguido AA, como sendo o da BMW ..., a quem comprava produto estupefaciente, em .... Referiu que levava alguns consumidores e deslocavam-se no Seat .... Confirmou ter adquirido heroína 4 ou 5 vezes, dois gramas, um cada um, pagando € 35,00 cada. Comprou também uma vez cocaína, meio grama, pelo valor de € 30,00.
- Facto dado por provado em 8: Auto de transcrição de fls. 18 e segs. do Apenso de escutas do alvo .......40, a fls. 26, sessão 768, de 15.08.2018, em que a testemunha NN telefona ao arguido EE a combinar um encontro diz “prontos é uma mão ta bem”.
- Facto dado por provado em 9: Relatório de vigilância externa n.º 7, de fls. 94 a 95 e fotogramas de fls. 5 a 7 do apenso de “Transcrições de imagens”, em que se visualiza um encontro, no dia 18.07.2018, entre a testemunha OO e o arguido EE; relatório de vigilância externa n.º 8, de fls. 203 a 204 e fotogramas de 38 a 42 do apenso de “Transcrição de imagens”, em que se visualiza a testemunha OO a entrar no veículo de matrícula ..-..-BX (Opel ...) do arguido EE, no dia 07.08.2018. A testemunha OO confirmou perante imagens com que foi confrontada, que que é ela a comprar. Também do auto de Transcrição de escutas ao ALVO ......40, a fls. 107 e 210, se constata os contactos entre a testemunha OO e o arguido AA. O mesmo acontecendo com o ALVO .......40, sessão 82, a fls. 231/232, ALVO ......40, sessão 224, a fls. 234, ALVO .......40, sessão 510, 554, 626 e 700, de fls. 283, 284, 286 e 287.
- Facto dado por provado em 10: Da transcrição ao ALVO .......40, sessão 926, a fls. 265 a 266, constata-se que o arguido EE e a testemunha QQ (PP) marcam um encontro.
- Facto dado por provado em 11: A testemunha OO confrontada com fls. 5 a 7 e 38 a 42, referiu ser no Parque Industrial e com as imagens de fls. 15 do Apenso de imagens – vol. I, reconheceu o arguido AA. Contactava-o através do telemóvel .......45. A testemunha RR referiu ser consumidor de cocaína e que veio comprar uma pedra de branca no seu veículo XE-..-... Foi confrontado com fls. 54 a 59, do Apenso de imagens – vol. I, identificando o próprio veículo e a compra de 2,5 gramas de cocaína, cfr. Relatório de vigilância de 359 a 365, de 05.09.2018.
- Facto dado por provado em 12: No relatório de vigilância de fls. 369 e segs. são descritos os contactos do arguido EE com as testemunhas aí identificadas, que surgem documentados fotograficamente no Apenso de Transcrição de imagens – vol. I, fls. 67 a 82.
- Facto dado por provado em 13: A testemunha VV referiu ser consumidor de cocaína e heroína e ter comprado a um individuo com uma carrinha ... BMW, no viaduto, heroína e cocaína, que reconheceu como sendo o EE, quando confrontado com as imagens de fls. 15, do Apenso de imagens e fls. 87 a 95. Chegou a comprar um grama de cocaína e dois de heroína, pelo preço de € 125,00. Referiu ir acompanhado pelo “WW”.
- Facto dado por provado em 14: No relatório de vigilância de fls. 709 e segs., do dia 22.11.2018, são descritos os contactos do arguido EE com a testemunha XX (fls. 710/1), que surgem documentados fotograficamente no Apenso de Transcrição de imagens – vol. I, fls. 142 a 147.
- Facto dado por provado em 15: Do Relatório de vigilância externa de fls. 995 a 997, verifica-se um encontro entre a testemunha YY, que seguia no veículo “..-QN-..”, juntamente com outra pessoa e após contactos telefónicos reportados no ALVO .......40, sessões 64995 e 65210, em que a testemunha YY diz que ia com um “amigalhaço” e, posteriormente, ao arguido EE para ir devagarinho atrás dele.
- Facto dado por provado em 16: surge do próprio depoimento da testemunha, nos termos supra consignados.
- Facto dado por provado em 17: Resulta do auto de transcrição do Apenso de escutas do alvo .......40, a fls. 61/2, sessão 1702, de 16.11.2018, a testemunha telefona ao arguido EE.
- Facto dado por provado em 18: surge do próprio depoimento da testemunha, que referiu que apenas conhecia o arguido EE por lhe comprar droga.
- Factos dados por provados em 19 e 20: A testemunha OO, além do supra referido, disse que contactava o arguido EE através do telemóvel .......45. Tais contactos, nas datas indicadas, são confirmados a fls. 107, 109, 111 e 113 – Alvo .......40.
- Facto dado por provado em 21: O contacto, nesta data, é confirmado a fls. 113 – Alvo .......40, em que a testemunha CCC liga ao arguido EE e lhe diz para levar “um preservativo”. O n.º de telemóvel é o referido pela testemunha.
- Facto dado por provado em 22: O contacto, nesta data, é confirmado a fls. 211 – Alvo .......40. O n.º de telemóvel é o referido pela testemunha, que admitiu ter combinado um encontro com o arguido EE.
- Facto dado por provado em 23: Da transcrição ao ALVO .......40, a fls. 211/2, constata-se que o arguido EE e a testemunha QQ (PP) marcam um encontro. O n.º telemóvel é o indicado pela testemunha.
- Facto dado por provado em 24: Os contactos, nas datas indicadas, são confirmados a fls. 328, 329, 330, 404, 405, 412, 456, 457 e 526, relativos aos ALVOS ......40 e .......40.
- Facto dado por provado em 25: Os contactos, nas datas indicadas, são confirmados a fls. 330 a 333 e 400 a 403, relativos às sessões 1453,1560,1599, 1616, 1676, 1766 do ALVO .......40.
- Facto dado por provado em 26: Os contactos, nas datas indicadas, são confirmados a fls. 413, 414, 460 e 461, relativas ao Alvo .......40, sessões 2402 e 2726 e a fls. 580, 582 e 625, relativas ao Alvo .......40, sessões 292, 424 e 986.
- Factos dados por provados em 27 e 28: Resulta do auto de transcrição de fls. 78 e segs., do Apenso de escutas do alvo .......40, a fls. 79 e 80, sessão 8835, de 28.10.2018 ,pelas 11,07 horas, a testemunha telefona ao arguido GG a pedir para ligar ao EE (“DD”), porque precisava de cinco. Na sessão 8841, pelas 11,18 horas, o arguido GG telefona à testemunha e diz “Já falei com ele bem aqui a palha”. Resulta do auto de transcrição do Apenso de escutas do alvo .......40, a fls. 61/2, sessão 1702, de 16.11.2018, pelas 15,48 horas, a testemunha telefona ao arguido EE a combinar um encontro e diz “é um café com leite, tás a perceber?”, “Ero três”.
- Facto dado por provado em 29: Auto de transcrição do Apenso de escutas do alvo .......40, a fls. 49/50, sessão 19003, de 06.11.2018, pelas 00,14 horas, através do telemóvel identificado pela testemunha, telefona ao arguido EE a combinar um encontro.
- Facto dado por provado em 30: Auto de transcrição do Apenso de escutas do alvo .......40, a fls. 51, sessão 19162, de 06.11.2018, através do telemóvel identificado pela testemunha, telefona ao arguido EE a combinarem um encontro.
- Facto dado por provado em 31: Auto de transcrição do Apenso de escutas do alvo .......40, a fls. 52, sessão 19003, de 09.11.2018, através do telemóvel identificado pela testemunha, telefona ao arguido EE a perguntar onde está, combinando um encontro junto ao “S...”, onde e, a fls. 53, sessão 22705, contacta o arguido EE a dizer que “tou aqui fora já”.
- Facto dado por provado em 32: Os contactos, nas datas indicadas, são confirmados nas transcrições do Apenso de transcrição de escutas, relativas ao Alvo .......40, sessões 26808, 31873 e 32651.
- Facto dado por provado em 33: Auto de transcrição do Apenso de escutas do alvo .......40, a fls. 56, sessão 28590, de 20.11.2018, através do telemóvel identificado pela testemunha, envia um sms ao arguido com o número 20.
- Facto dado por provado em 34: Auto de transcrição do Apenso de escutas do alvo .......40, a fls. 67, sessão 44720, de 11.12.2018, através do telemóvel identificado pela testemunha, telefona ao arguido EE a perguntar onde está, combinando um encontro junto ao “S...”, onde e, a fls. 53, sessão 22705, contacta o arguido EE a pedir “meia pipa”.
Quanto ao facto dado por provado em 35, resulta dos depoimentos das testemunhas aí referidas, em conjugação com a prova sobre cada um dos factos atrás referido.
As vendas aos coarguidos GG, II e KK, referidas em 36 a 43 dos factos provados, além do que supra se referiu, surgem comprovadas com a conjugação com os seguintes elementos:
- ALVO .......40 - fls. 107 – arguido GG telefona ao arguido EE, em que este pergunta “se é igual da outra vez” e o arguido GG responde “que é do pequeno” (2,5gramas de heroína).
- Relatório de diligência externa n.º 8, de fls. 144 a 146, com fotogramas de fls. 13 a 34 do apenso de “Transcrição de imagens”, em que no dia 31.07.2018, em que se verifica um encontro entre o arguido EE e o arguido GG, com entrega de algo entre os arguidos.
- A fls. 150 – Alvo .......40, sessão 312, de 29.07.2018, em que o arguido GG envia um sms ao arguido EE a dizer “Estou a ir para o sítio que falamos ontem res”.
- A fls. 218 a 226 – Alvo .......40, sessão 428, de 04.08.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE e pergunta “se o local de encontro é onde se cruzaram quando ele ia mais a amiga” e o arguido EE responde “para andar sempre para cima”; sessão 540, de 06.08.2018, em que o arguido EE liga ao arguido GG e diz “gasolina”, indicando o local de encontro; sessão 658, de 07.08.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE e diz “que já passou onde ele se cruzou com ele” e o arguido EE responde “na rotunda virar tudo à esquerda em direção à chapada”; sessão 870, de 09.08.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE e este pergunta “se está com o urso ou sozinho” e o arguido GG responde “sozinho” e marcam um encontro na “cadeira”; sessão 910, de 10.08.2018, em que o arguido EE envia uma sms ao arguido GG a dizer “anda pelas tuas amigas”.
- A fls. 273/4 - ALVO .......40 - sessão 1261, de 14.08.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE e diz “vou te apertar o pescoço com uma mao como é diz algo”.
- A fls. 273/4 - ALVO .......40 - sessão 1402, de 17.08.2018, em que o arguido GG responde à sms do arguido EE e diz “Ok mas vou te apertar o pescoso com uma mao ok”.
- A fls. 447 a 450 - ALVO .......40 - sessão 3598, de 14.09.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE e diz “onde vais pagar café” e o arguido EE responde “nas tuas amigas?”; sessão 3825, de 16.09.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE e diz “está aqui aquela menina de lá de cima para ires beber um copo” e o arguido EE responde “para ela ir para a de baixo e que ire à direita devagar que já está atrás dela”; sessão 3915, de 17.09.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE pergunta onde podem tomar café e este diz “nas cadeiras”; sessão 4245, de 20.09.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE e lhe diz que “vem um amigo dele para tomar café” e “vai apertar o pescoço”.
- A fls. 492 a 494 - ALVO .......40 - sessão 4653, de 24.09.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE e pergunta “onde vão beber um copo” e o arguido EE responde “às tuas amigas”; sessão 4748, de 25.09.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE e pergunta onde se encontram e o arguido EE diz para quando estiver nas cadeiras lhe dar um toque.
- A fls. 572 a 576 - ALVO .......40 - sessão 7106, de 16.10.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE e pergunta “onde vai pagar um copo” e o arguido EE responde “às cadeiras”; sessão 7274, de 17.10.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE e diz que está nas cadeiras; sessão 7379, de 18.10.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE e pergunta “para andar e quando chegar às amigas lhe dar um toque”; sessão 7600, de 19.10.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE e diz que está “na palha”.
- A fls. 648 a 657 - ALVO .......40 - sessão 9856, de 06.11.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE e diz para “ir ter às cadeira para tomar um cafezinho”; sessão 9968, de 07.11.2018, em que o arguido GG envia uma sms ao arguido EE a dizer “O NN vai comigo quer falar contigo também”; sessão 10149, de 08.11.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE e diz que está à beira do “palha”, perguntando onde quer que vá e o arguido EE responde para se deixar lá estar; sessão 10558, de 11.11.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE e este lhe diz para vir embora para baixo, ao qual o arguido GG responde que já está a ir; sessão 11065, de 14.11.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE a dizer que está a chegar às “amigas”; sessão 11124, de 15.11.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE e marcam um encontro nas “amigas”; sessão 11333, de 16.11.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE a perguntar onde se encontram e este diz “nas amigas”.
Relatório de vigilância externa n.º 11, de 12.11.2018, a fls. 685/6 e fotogramas de fls. 101 a 113 do Apenso de “transcrição de imagens” em que é visualizado um encontro entre os arguidos GG e EE e o arguido II no parque da pastelaria situada na reta de ... (às 16,30 horas), tendo o encontro sido previamente combinado, conforme ALVO .......40, sessão 1423 e os arguidos GG e EE se deslocado na viatura Opel ... do EE.
- A fls. 657 a 673 - ALVO ........40 - sessão 1423, de 12.11.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE e pergunta “aonde” e este responde “na palha”.
- Relatório de vigilância de 22.11.2018, a fls. 709 a 715 e fotogramas de fls. 136 a 167 do Apenso de “transcrição de imagens” em que é visualizado o arguido GG a ir buscar uns indivíduos, entre as quais a testemunha MMMM e seguem ao encontro do arguido EE, na zona de ....
- A fls. 729 a 735 - ALVO .......40 - sessão 12197, de 24.11.2018, em que o arguido GG envia uma sms ao arguido EE a dizer “não te esqueças da outra emtendes tou com uma amiga”; sessão 12368, de 25.11.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE a dizer “onde se encontram”.
- A fls. 810 a 815 - ALVO .......40 - sessão 12554, de 28.11.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE a perguntar se pode ir ao “palha”; sessão 12818, de 30.11.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE a combinar encontrarem-se no “palha”; sessão 12884, de 01.12.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE a combinar no “palha”; sessão 12965, de 01.12.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE a dizer para ir ter ao tasco a beira da deficiente; sessão 13205, de 05.12.2018, em que o arguido EE liga ao arguido GG a dizer que está no “palha”; sessão 13279, de 06.12.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE a perguntar se vai ao “palha” e este diz que sim.
- A fls. 944 a 946 - ALVO .......40 - sessão 14330, de 18.12.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE para se encontrarem no “palha”; sessão 14424, de 20.12.2018, em que o arguido GG liga ao arguido EE a combinar encontrarem-se no “palha”.
- A fls. 736 a 745 - ALVO ........40 - sessão 1791, de 19.11.2018, em que o arguido II liga ao arguido EE dizendo que já pediu o café, tendo este respondido para ir para cima sempre; sessão 1853, de 20.11.2018, em que o arguido II liga ao arguido EE a dizer que está no tasco, tendo este respondido para ir para ao tasco de cima; sessão 2009, de 22.11.2018, em que o arguido II liga ao arguido EE em que este lhe diz que está no tasco de cima; sessão 2011, de 22.11.2018, em que o arguido II liga ao arguido EE dizendo que já está no local; sessão 2076, de 24.11.2018, em que o arguido II liga ao arguido EE a perguntar se pode estar com ele e que vai um primo que vai querer “meia pipa”; sessão 2107, de 25.11.2018, em que o arguido II liga ao arguido EE a perguntar se pode mandar o primo e que este vai querer o mesmo; sessão 2141, de 26.11.2018, em que o arguido II liga ao arguido EE a perguntar se este vem beber um copo e este diz que já vai lá ter.
- A fls. 657 a 674 - ALVO ........40 - sessão 1098, de 07.11.2018, em que o arguido II liga ao arguido EE a perguntar se já está no local; sessão 1157, de 08.11.2018, em que o arguido II liga ao arguido EE a dizer que virou na estrada frente ao “C...” e depois “no cruzamento onde subiram, em paralelos, que está lá”; sessão 1560, de 14.11.2018, em que o arguido II liga ao arguido EE e combinam encontrar-se no “palha”.
- Relatório de vigilância de 22.11.2018, a fls. 709 a 715 e fotogramas de fls. 136 a 167 do Apenso de “transcrição de imagens” em que é visualizado um encontro entre o arguido GG a ir buscar uns indivíduos, entre as quais a testemunha MMMM e seguem ao encontro do arguido EE, na zona de ....
- A fls. 816 a 822 - ALVO ........40 - sessão 2216, de 29.11.2018, em que o arguido II liga ao arguido EE dizendo que vai querer beber dos dois copos.
- A fls. 816 a 822 - ALVO ........40 - sessão 2328, de 01.12.2018, em que o arguido II liga ao arguido EE a perguntar onde vão beber um copo e o arguido EE diz pode ser no “tasca”. A fls. 937 a 941 - ALVO .......40 - sessão 50154, de 18.12.2018, em que o arguido EE liga ao arguido KK, tendo este dito para lhe levar “dois zero” que assim já fica calçado por um bocado; sessão 51200, de 19.12.2018, em que o arguido EE liga ao arguido KK, tendo este dito que já passa por lá; sessão 54976, de 22.12.2018, em que o arguido KK liga ao arguido EE, dizendo que precisa “disto, que precisa de “bola” e terá “cientes” à espera; sessão 54989, de 23.12.2018, em que o arguido EE liga ao arguido KK a dizer que está no “capela”; sessão 55515, de 23.12.2018, em que a namorada do arguido KK liga ao arguido EE a perguntar onde é que o arguido KK pode ir ter com ele. - A fls. 1099 a 1102 - ALVO .......40 - sessão 67851, de 06.01.2019, em que o arguido KK liga ao arguido EE e diz-lhe “quinze minutos na capela”; sessão 72757, de 11.01.2019, em que o arguido EE liga ao arguido KK, tendo este dito que está nas passarias e o arguido EE dito “para não sair que quera sem falar com ele”; sessão 72761, de 11.01.2019, em que o arguido KK liga ao arguido EE a dizer que está “cá fora”; sessão 15367, de 07.01.2019, em que o “NN” liga ao arguido KK e lhe pergunta se pode arranjar “meia mão de tinto”; sessão 15735, de 14.01.2019, em que o arguido GG liga para o “NN” e que acha de o estupefaciente é do “DD”, pois o “DD” tinha duzentas e tal e agora não tem nada e o KK diz que tem duzentas.
A intenção do arguido AA praticar os factos e conhecimento da proibição, resulta, também, de acordo com regras de experiência comum, face ao que se apurou.
No que concerne aos factos imputados ao arguido AA que resultaram como não provados e que constam de 1 a 34 dos factos não provados, resultaram da ausência ou insuficiência que sobre os mesmos incidiu, ou por contrários às próprias declarações das testemunhas, nomeadamente no que diz respeito ao tipo de produto estupefaciente.
Neste ponto, quanto aos factos não provados, importa considerar, comum à motivação quanto a todos os arguidos, que além das pessoas que não foram identificadas na acusação, das que não foram arroladas como testemunhas e das que não foram inquiridas em audiência de julgamento, os depoimentos das testemunhas a seguir indicadas não se revelaram com pertinência para a decisão da matéria de factos, a saber, NNNN (empregada do Café do arguido OOO, que nada disse quanto aos factos), OOOO (que não conhecia os arguidos), PPPP (que declarou que não conhece ninguém, nunca comprou), QQQQ (que disse não conhecer ninguém e nunca ter comprado), RRRR (que disse que nunca comprou), SSSS (que disse que não conhece os arguidos), TTTT (que não conhecia os arguidos), UUUU (que disse que não tinha comprado ao da BMW ...), VVVV (que não demonstrou conhecimento dos factos), WWWW (que disse não conhecer o arguido EE), XXXX (que disse que nunca comprou nada aos arguidos, apenas fumou uns charros e dava uns cheiros com o EE, de quem era amiga), YYYY (que disse não ter comprado ao arguido II e ir comprar ao ...), ZZZZ (que disse que não recebeu qualquer proposta do arguido II para vender droga) e AAAAA (foi empregada de limpeza do PPP e da SSS e falou em TV que este lhe mandou guardar, mas não sabia a sua proveniência).
(…)
Os demais factos dados por provados, isto é, as condições pessoais, profissionais e sociais dos arguidos resultaram dos relatórios sociais juntos aos autos, assim como os antecedentes criminais ou ausência deles resultaram dos c.r.c. juntos aos autos e supra referidos.
Por fim e quanto aos demais factos não provados, ainda não referenciados, resultaram da ausência ou insuficiência de prova quee sobre os mesmos incidiu ou por contrários aos factos provados”.
II - O Direito
1. Questão prévia – falta de conclusões
Sustenta o Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu parecer que o arguido deve ser notificado para apresentar conclusões, sob pena de dever ser rejeitado o presente recurso de revisão.
Salvo o devido respeito, pese embora o arguido, ora recorrente, não tenha formulado conclusões, não assiste razão ao requerente.
Com efeito, atendendo ao previsto no Capítulo II, Título II do Livro IX, do Código de Processo Penal (CPP), que regula os trâmites do recurso de revisão, aí não se inclui qualquer norma que obrigue à apresentação de conclusões, apenas exigindo o art.º 451.º n.º 2 do CPP, a motivação do requerimento.
Anota-se ainda que se tivesse sido intenção do legislador a aplicação subsidiaria ao recurso de revisão dos artigos 412.º n.º 1 e 417.º n.º 2 do CPP, disposições referentes aos recursos ordinários, não deixaria de expressamente o estabelecer, atenta a natureza deste recurso.
Por outro lado, considerando a tramitação específica do recurso de revisão, a celeridade processual que lhe é pressuposta, em particular quando o condenado se encontra preso e em que os atos processuais no processo preferem a qualquer outro serviço (art.º 466.º do CPP), não se vislumbra ser de aplicar a tal recurso, por via da analogia, os ditos artigos 412.º n.º 1 e 417.º n.º 2 do CPP atentas as delongas que essa aplicação implicaria (Cfr. os acórdãos do STJ, de 10-11-2022, proc. 3624/15.8JAPRT-G.S1, de 13-04-2023, proc. 261/10.7JALRA-D.S1 e de 13-09-2023, proc. 7/22.7PBCHV-A.S1).
Em face do exposto, não existindo razões para se convidar o recorrente a apresentar as conclusões da motivação do requerimento de revisão nos termos do art.º 417.º, n.º 3, do CPP, improcedendo a suscitada questão prévia.
2. Fundamento do recurso de revisão
2.1. Uma vez que nos situamos no âmbito de um recurso extraordinário de revisão, afigura-se-nos útil fazer um breve enquadramento sobre o seu fundamento e respectivo regime.
O direito à revisão da sentença encontra-se previsto no art.º artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa (CRP), como direito fundamental, aí se dispondo que «Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos». A esse respeito referem Gomes Canotilho e Vital Moreira in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 4.ª Edição Revista, Vol. I, pág. 498, “O n.º 6 (do art.º 29.º) reconhece e garante: (a) o direito à revisão de sentença; (b) o direito à indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos no caso de condenações injustas. É um caso tradicional de responsabilidade do Estado pelo facto da função jurisdicional o ressarcimento dos danos por condenações injustas provadas em revisão de sentença”.
A importância do recurso de revisão como instrumento para remediar situações de intolerável injustiça cobertas pelo caso julgado, deu-lhe assento constitucional. A reparação da decisão, condenatória ou absolutória, reputada de materialmente injusta, pressupõe que a certeza, a paz e a segurança jurídicas que o caso julgado encerra cedam perante a verdade material (Acórdão deste Supremo Tribunal de 16-06-2011, proc. n.º 108/07.1PASJM-K.S1, in www.dgs.pt).
A esse respeito ensina José Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, 1984 (reedição), volume V, pág. 158, 336-337, “O recurso de revisão pressupõe que o caso julgado se formou em condições anormais, que ocorreram circunstâncias patológicas susceptíveis de produzir injustiça clamorosa. Visa a eliminar o escândalo dessa injustiça. Quer dizer, ao interesse da segurança e da certeza sobrepõe-se o interesse da justiça”. Mais esclarecendo o mesmo autor que “a sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio. Quer dizer, pode a sentença ter sido obtida em condições tão estranhas e anómalas, que seja de aconselhar fazer prevalecer o princípio da justiça sobre o princípio da segurança. Por outras palavras, pode dar-se o caso de os inconvenientes e as perturbações resultantes da quebra do caso julgado serem muito inferiores aos que derivariam da intangibilidade da sentença».
Aduz, por seu turno, Eduardo Correia in “A Teoria do Concurso em Direito Criminal”, Almedina, 1983, pág. 302, “o fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com um eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto”.
Refere Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal, 1.ª Edição, 1974 – Reimpressão, Coimbra Editora, 2004, págs. 42 a 45 “a segurança é um dos fins prosseguidos pelo processo penal, “o que não impede que institutos como o do recurso de revisão contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança enfim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser, só, no fundo, a força da tirania”.
Uma vez que o princípio da res judicata pro verita habetur é um princípio de utilidade e não de justiça, não pode, por força dele, impedir-se a revisão de sentença quando haja fortes elementos de convicção de que a decisão proferida não corresponde em matéria de facto à verdade histórica que o processo penal pretende alcançar (Vd. Pereira Madeira, anotação ao art.º 449.º in “Código de Processo Penal Comentado”, Henriques Gaspar e Outros, Almedina, 3.ª Edição, pág. 1436).
A quebra do caso julgado também encontra consagração no art. 4.º, n.º 2, do Protocolo n.º 7, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH): “...se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afetar o resultado do julgamento”.
A revisão abrange um meio extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento, tendo em vista atenuar situações de intolerável injustiça abrangidas pelo caso julgado.
No entanto, a revisão constitui um expediente excecional, que “prevê a quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito” só “circunstâncias "substantivas e imperiosas"” podem legitimar o recurso extraordinário de revisão, de modo que se não transforme em “uma apelação disfarçada (appeal in disguise)”1.
Pelo que, a revisão não admite uma reapreciação da prova produzida em julgamento, nem se destina a analisar nulidades processuais ou outros vícios do julgamento ou da sentença (como os previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP), pois para essas situações existe o recurso ordinário, alcançando o caso julgado inevitavelmente todos os erros de julgamento.
Porquanto outro entendimento integraria uma limitação grave ao princípio da segurança jurídica, admitindo, contra o caso julgado, a eternização do debate das matérias contestadas no processo, convertendo um recurso que se pretende “extraordinário” e que tem como traço principal a sua singularidade, em um novo e encapotado recurso ordinário, nunca estando desta forma assegurada a paz jurídica, fundamental para a paz social.
O legislador “com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material”, consagrou a possibilidade de revisão das sentenças penais, limitando a respetiva admissibilidade aos fundamentos taxativamente enunciados no artigo 449.º, n.º 1, do CPP2.
Sobrepõe-se à eficácia do caso julgado o juízo de grave dúvida sobre a justiça da condenação, divulgado através da manifestação de fundamento incluído na enumeração taxativa da lei, que legitima a realização de novo julgamento.
No entanto, as garantias e procedimentos que devem ser respeitados tendo em vista a formação de uma decisão judicial definitiva de aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo as possibilidades de impugnação, de facto e de direito, por via de recurso ordinário, ao reduzirem e acautelarem fundamentalmente as possibilidades de um erro judiciário que deva ser corrigido por via de recurso extraordinário de revisão contra as “injustiças da condenação”, erguem particularmente o nível de exigência na análise dos fundamentos para autorização da revisão.
No presente domínio, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a acentuar o carácter excepcional do presente recurso, representando este uma válvula de segurança do sistema, um modo de reparar o erro judiciário cometido, sempre que, numa reponderação do decidido, possa ser posta em causa seriamente, através da consideração de factos-índice taxativamente enumerados, a justiça da decisão ou do despacho que ponha termo ao processo (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-04-2005, proc. n.º 135/05, CJSTJ, 2005, Tomo 2, pág. 179).
A revisão da sentença realiza, pois, o formato da concordância prática entre a segurança, a estabilidade e o ideal de justiça, que, em situações de clamorosa ofensa e lesividade do sentimento de justiça reinante no tecido social, reclama atenuação da eficácia da decisão a coberto do trânsito em julgado. Nenhum Estado pode adoptar como dogma, em nome do valor da certeza e segurança do direito o caso julgado, quando uma decisão já transitada contraria flagrantemente a verdade e os direitos fundamentais dos cidadãos (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-09-2008, proc. n.º 2154/08 e de 23-11-2023, proc. n.º 1/07.4ACPRT-A.S1, in www.dgs.pt).
A consagração constitucional do recurso de revisão funda-se na necessidade de salvaguardar as exigências da justiça e da verdade material, já que também elas comportam valores relevantes que são igualmente condição de aceitação e legitimidade das decisões jurisdicionais e da paz jurídica.
Visa, assim, o recurso de revisão assegurar um equilíbrio, o equilíbrio possível, entre segurança jurídica e justiça material (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2017, proc. n.º 344/15.7GDCNT-A.S1- 3.ª Secção).
O carácter excepcional desta modalidade de recurso extraordinário, reflecte-se no elenco taxativo de hipóteses que o legislador prevê como fundamento da admissibilidade da revisão da sentença transitada em julgado. Apenas circunstâncias substantivas e imperiosas devem permitir a quebra do caso julgado, de modo a que o recurso extraordinário de revisão se não transforme em uma apelação disfarçada. (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.01.2021, proc. n.º 2728/20.0T8VNG.P1.S1, in www.dgsi.pt).
Nessa linha, o recurso extraordinário de revisão não admite a reapreciação da prova produzida em julgamento, nem se destina a analisar nulidades processuais ou outros vícios do julgamento ou da sentença. Afastada está também a possibilidade deste tipo de recurso ter como fim único a correcção da pena concreta ou a correcção da qualificação jurídica dos factos (ainda que esta se afigure injusta ou errada), pois para essas situações existe o recurso ordinário.
Acresce ainda, como tem sido reiteradamente afirmado, que o caso julgado cobre inexoravelmente todos os erros de julgamento (Vd., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.11.2019, proc. n.º 739/09.5TBTVR-C. S1 e de 25-03-2018, proc. 558712.1JELSB-L1,S1, in www.dgsi.pt ).
O recurso de revisão encontra-se regulado nos artigos 449.º a 466.º, do Código de Processo Penal (CPP), comportando o mesmo i) uma fase rescindente preliminar que abrange a apresentação do respetivo requerimento no tribunal que proferiu a decisão a rever, que deve ser sempre motivado e conter a indicação dos meios de prova, para além de ser instruído com determinados documentos, culminando esta fase, após ter expirado o prazo de resposta dos restantes sujeitos processuais afetados pelo recurso e realizadas as diligências indispensáveis à descoberta da verdade (se o fundamento da revisão for o do n.º 1, al. d), do art.º 449.º), com a remessa do processo ao Supremo Tribunal de Justiça, com informação prestada pelo juiz sobre o mérito do pedido; ii) uma fase rescindente intermédia que inclui toda a tramitação no Supremo até à decisão que concede ou denegue a revisão; e iii) uma fase rescisória, no caso de a revisão ser autorizada, que se inicia com a baixa do processo e termina com um novo julgamento.
Em regra, a autorização da revisão não implica a anulação da sentença revidenda, mas antes a sua revisão após a realização de novo julgamento da matéria de facto, que será realizado pelo tribunal que, segundo as regras gerais, seja competente para o efeito.
O novo julgamento implicará a reapreciação das provas já produzidas além de outras novas, eventualmente aditadas, bem como a realização das diligências requeridas pelos interessados ou oficiosamente determinadas pelo juiz (Pereira Madeira, “Ob. Cit.”, pág. 1451).
Através do recurso de revisão visa obter-se uma outra decisão judicial que se substituirá, através de um outro julgamento, à já transitada em julgado. Decisão essa decorrente da realização de novo julgamento do feito, agora baseada em novos dados de facto.
Tem legitimidade para requerer a revisão os sujeitos indicados no art.º 450.º do CPP, entre eles, o condenado ou o seu defensor relativamente a sentenças condenatórias.
Os fundamentos do recurso de revisão estão elencados taxativamente no art.º 449.º CPP. e são os seguintes:
1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.
2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.
3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.
2.2. No presente caso, o condenado (arguido) invoca como fundamentos do recurso de revisão o disposto no art.º 449.º alíneas e) e f), embora tenha também indicado, certamente por lapso, a alínea g) do mesmo dispositivo, ao caso manifestamente não aplicável.
Para o efeito, aduz aquele, em resumo, que as normas contidas nos artigos 4.º, 6.º e 9.º da Lie 32/2008, de 17 de Julho, foram declaradas inconstitucionais, pelo Tribunal Constitucional, através do Acórdão 268/2022. Nesse aresto, o Tribunal declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição, bem como da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição. As informações recolhidas através das operadoras de telecomunicações, quer relativamente às localizações, quer relativamente aos conteúdos interceptados, e que fundamentaram os factos provados supra citados, correspondem a “dados” na acepção do art.º 2.º da Lei 32/2008, estando incluídos nas categorias de dados a conservar previstas no artigo 4.º da Lei 32/2008. O arguido foi condenado e a medida da pena que lhe foi aplicada assentou na análise de tráfego de telefones quanto aos diversos intervenientes, tendo o essencial da investigação, acusação e condenação se baseado na localização e intercepção dos telemóveis supra indicados. A operadora ou o próprio juiz titular do processo onde foram ordenadas as intersecções e cessação das comunicações e dos IMEI deveriam ter comunicado aos visados, nos termos do art.º 9.º da Lei 32/2008, que os seus dados foram acedidos e conservados, notificação a realizar no momento em que já não podiam afectar a investigação criminal. A entender-se que os dados gerados pelas escutas em tempo real estão regulados pelos artigos 187.º a 189.º do CPP, não sendo necessária a notificação do arguido que os dados foram acedidos e conservados estamos perante entendimento e interpretação daquelas normas violadoras dos princípios contidos nos artigos 35.º n.º 1 e 20.º n.º 1, em conjugação com o disposto no art.º 18.º n.º 2 da CRP, sendo nula a prova obtida a partir dos metadados recolhidos e guardados.
Vejamos, então, o primeiro dos fundamentos de revisão invocados pelo recorrente.
Nos termos do citado art.º 449.º
“1- A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
e) “se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 e 3 do art.º 126.º”.
Prescreve, por seu turno, o art.º 126.º do CPP (Métodos proibidos de prova) o seguinte:
1- São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante:
a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;
b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;
c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;
d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;
e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.
3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, s provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.”
Conforme resulta da alínea e), do art.º 449.º, deve ocorrer a descoberta de provas proibidas, posteriormente à decisão. Não bastando, pois, a ocorrência de condenação baseada em provas proibidas, sem mais.
Como tem sido afirmado, a imposição de que o uso ou utilização e a valoração de provas proibidas só releva em matéria de revisão de sentença quando descobertos posteriormente, assenta a sua justificação na excepcionalidade da revisão, na restrição grave que a mesma admite e estabelece ao princípio non bis in idem na sua dimensão objectiva, ou seja, ao caso julgado enquanto instituto que garante a segurança e a certeza da decisão judicial, a intangibilidade do definitivamente decidido pelo tribunal. Nessa linha, tem-se considerado que as provas proibidas são apenas as referidas no artigo 126.º do Código de Processo Penal, em suma, as provas obtidas mediante tortura, coacção, ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas e intromissão não autorizada no domicílio, vida privada e correspondência ou telecomunicações. Ou seja, as provas obtidas por métodos violentos ou insidiosos, com ofensa à integridade física ou moral das pessoas. Não é suficiente a mera invocação do uso de prova proibida para que a revisão seja lograda. Importa, que essa descoberta se mostre posterior à decisão e seja confirmada no processo de modo claro e inequívoco e por outro lado, que tais provas serviram – em maior ou menor medida – de fundamento à condenação. Deste modo, se não obstante tais provas proibidas não houve condenação, ou, a tê-la havido, ela não está, em segmento algum suportada nessas provas, soçobra o fundamento da revisão (Vd. Pereira Madeira e Outros, in “Código de Processo Penal Comentado, 2016 – 2.ª Edição Revista, Almedina, pág. 1509).
Nesse sentido se tem pronunciado, reiterada e uniformemente, o Supremo Tribunal de Justiça, como resulta, nomeadamente, dos seguintes Acórdãos.
- De 08-11-2017, proc.108/10.4PEPRT-F.S1 - 3.ª secção:
«[…] Por sua vez, a al. e) permite a revisão quando se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas, tal como vêm definidas nos n.ºs 1 a 3 do art.º 126.º do CPP, ou seja, as provas obtidas mediante tortura, coação ou ofensa à integridade física ou moral das pessoas e ainda as obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, sem o consentimento do respetivo titular.
XVI - Necessário é, por um lado, que a descoberta seja posterior ao trânsito da decisão e, por outro lado, que as provas tenham efetivamente servido de fundamento, mesmo que em conjugação com outras, à condenação. Se, portanto, ainda que tenham sido utilizadas no processo, as provas proibidas não serviram de maneira nenhuma de suporte à condenação, não haverá lugar à revisão».
- De 03-05-2018, proc. 0939/16.6P8LSB-A.S1 - 5.ª Secção:
«I - Só as provas proibidas mencionadas no art.º 126.º, n.ºs 1 a 3, do CPP que hajam servido de suporte à condenação possibilitam a revisão, ou seja, «provas obtidas por métodos violentos ou insidiosos, com ofensa à integridade física ou moral das pessoas nomeadamente de interrogatório ou inquirição».II - Não basta a invocação do uso de prova proibida. É preciso que esse uso seja descoberto em momento posterior à decisão revidenda e isso confirmado de modo inequívoco. Este dado da descoberta posterior é fundamental pois se o uso de prova proibida é conhecido, no limite, até ao momento de ser proferida decisão final o meio próprio de a tal obstar é o recurso ordinário. Nunca o recurso extraordinário».
E, mais recentemente, dos Acórdãos de 20-01-2021, proc. 374/11.8PFAMD-B.S1 e de 28-04-2022, proc. 105/16.6GBALD.C1-A.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.
No caso subjudice, considerando o teor da motivação do presente recurso, não se verifica, em termos autónomos, como fundamento do recurso de revisão a situação prevista na alínea e) do art.º 449.º, pois não se trata de descoberta da utilização de provas proibidas, estando em causa a (possível) aplicação da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral de normas aplicáveis no que à prova produzida concerne – o que interliga aquele fundamento ao previsto na alínea f), do n.º 1, do artigo 449.º, do CPP também invocado pelo recorrente.
2.3. Como já dito, invocou o arguido, como fundamento do recurso de revisão, o disposto na alínea f) do art.º 449.º, segundo o qual:
“ 1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
A este respeito importa dizer, que a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do acórdão do Tribunal Constitucional tem de ser posterior ao trânsito em julgado da sentença a rever e tem de declarar a inconstitucionalidade de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação.
Se a norma declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, não serviu de fundamento à condenação da sentença a rever, não se verifica o referido fundamento de revisão.
Para além de que, nos termos do art.º 282.º, n.º 3, da Constituição da República (“ Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade” 1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado. 2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infração de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última. 3. Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido”), não havendo decisão em contrário do Tribunal Constitucional (que declara a norma inconstitucional, com força obrigatória geral), ficam ressalvados os casos julgados.
Como é sabido, na sequência do requerimento de fiscalização sucessiva abstracta da constitucionalidade apresentado pela Provedora de Justiça, foi proferido pelo Tribunal Constitucional o Acórdão 268/2022 onde se decidiu:
«a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição;
b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei .º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.»
A Lei 32/2008, de 17 de Julho, transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à conservação e a transmissão dos dados de tráfego e de localização, bem como dos dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador registado para fins de investigação, detecção e repressão de crimes graves.
Pelo referido Acórdão 268/22, do Tribunal Constitucional, foram, pois, declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral as normas do art.º 4.º da Lei 32/2008 (que define quais as categorias de dados que devem ser conservadas), em conjugação com o artigo 6.º (que define o prazo de conservação – um ano), com fundamento em violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da CRP, tendo também sido declarada inconstitucional com força obrigatória geral, a norma do art.º 9.º da Lei 32/2008, (que define as condições de acesso e de utilização dos dados, , na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja susceptível de comprometer as investigações, nem a vida ou integridade física de terceiros), por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição da República Portuguesa.
Sucede que todos os dados tratados e armazenados ao abrigo do art.º 4.º da Lei 32/2008, respeitam a comunicações, nos seus vários modos de realização, iniciando-se cada registo com o estabelecimento da comunicação e terminando com o seu fim.
Ao contrário, na presente situação estão em causa, escutas telefónicas, regularmente autorizadas e executadas à luz das pertinentes disposições legais (art.º 187.º -190.º e 269.º n.º1 alínea e), do CPP), obtidas em tempo real.
Assim, em linha com o referido no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 06.09.2022, proc. 4243/17.0T9PRT-K.L1 “(…) é em especial, o armazenamento dos dados pessoais tratados, em matéria tão sensível, no que à intimidade da vida privada diz respeito, como é a das comunicações eletrónicas e para um universo que compreende todos os utilizadores dos serviços, durante o prazo de um ano, que constitui objeto da declaração de inconstitucionalidade.
Como se diz no Acórdão 268/2022 do Tribunal Constitucional:
“Uma regulamentação nacional que prevê a conservação generalizada e indiferenciada de dados de tráfego e de dados de localização, com vista a lutar contra a criminalidade grave, excede os limites do estritamente necessário e não pode ser considerada justificada, numa sociedade democrática, como exige o artigo 15.º, n.º 1, da Diretiva 2002/58, lido à luz dos artigos 7.º, 8.º, 11.º e 52.º, n.º 1, da Carta (v., neste sentido, Acórdão de “21 de dezembro de 2016, Tele2, C-203/15 e C-698/15, EU:C:2016:970, n.º 107).”
Mesmo quando se refere aos elementos de identificação do utilizador (número de telefone ou IMEI), conexos a comunicação estabelecida no passado, o Acórdão 268/2022 do Tribunal Constitucional entende que poderia subtraí-los ao juízo de inconstitucionalidade se os mesmos se encontrassem armazenados no espaço da UE: “o padrão invocado pela requerente (o direito à inviolabilidade das comunicações, consagrado no artigo 34.º da Constituição) não protege os dados de base, como se concluiu nos Acórdãos n.ºs 486/2009 e 403/2015, e se reiterou no Acórdão n.º 463/2019: «Assim, quer os dados de base, quer os dados de localização de equipamento, a que se refere o artigo 3.º da Lei Orgânica, n.º 4/2017, não devem ser considerados como dados atinentes a uma comunicação, já que tanto nuns quanto noutros inexiste qualquer dimensão subjetiva inerente à comunicação.
Os primeiros são, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º da mesma Lei, dados escritos atinentes a uma relação contratual entre uma pessoa e uma empresa operadora de telecomunicações, referindo-se à identificação e morada do titular e ao próprio contrato de ligação à rede; os segundos abrangem a deteção de dados de localização a partir de um telefone ligado, mas em stand by, e/ou através do sistema de satélite GPS ou outro (ver, neste sentido, Manuel da Costa Andrade, “Comentário ao artigo 194.º do Código Penal”, in J. Figueiredo Dias (direção), Comentário Conimbricense do Código Penal — Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2012, pág. 1104)». “Não parece dever mudar-se a orientação de que o regime jurídico-constitucional relevante para a apreciação da medida de conservação dos endereços de protocolo de IP dinâmicos que identificam a fonte da comunicação deve ser o dos dados de base. Na verdade, ainda que seja discutível a respetiva categorização (porquanto o apuramento do endereço de protocolo IP dinâmico pressupõe a análise do momento em que se realizou uma concreta comunicação), a intensidade de agressão aos direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa é, neste domínio, similar ao dos demais dados de base.
Com efeito, o apuramento da identidade do utilizador da fonte da comunicação a quem estava atribuído o protocolo IP em certo momento não revela as circunstâncias da comunicação, a sua duração, a pessoa com quem se comunica ou os sites consultados; limita-se a identificar, tal como nos demais dados de base, o utilizador daquele computador. Esta conclusão é, de resto, condicente com a orientação seguida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão La quadrature du net, cit. n.º 152: «Importa observar que os endereços IP, apesar de fazerem parte dos dados de tráfego, são gerados sem estarem ligados a uma comunicação específica e servem principalmente para identificar, por intermédio dos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas, a pessoa singular proprietária de um equipamento terminal a partir do qual é efetuada uma comunicação através da Internet. Assim, em matéria de correio eletrónico e de telefonia através da Internet, desde que apenas sejam conservados os endereços IP da fonte da comunicação e não os do seu destinatário, esses endereços não revelam, enquanto tais, nenhuma informação sobre terceiros que tenham estado em contacto com a pessoa que está na origem da comunicação. Por conseguinte, esta categoria de dados tem um grau de sensibilidade menor que o dos outros dados de tráfego».”
E, mais adiante: “(…) a obrigação de conservação de dados de base (e de endereços de protocolo IP dinâmicos relativos à fonte de uma comunicação, independentemente da respetiva categorização) pelo período de um ano, constante da conjugação das normas dos artigos 4.º e 6.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, não seria em si mesma inconstitucional, se o legislador houvesse cumprido a injunção de prever o seu armazenamento no território da União Europeia.”
(…) o acesso à identificação do n.º de telefone e da IMEI, para a execução de interceções telefónicas, trata-se de acesso a dados que não respeitam a comunicações efetuadas, tratadas e armazenadas ao abrigo da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho e constituem “caracteres permanentes, pelo que a identificação do sujeito a que pertencem pode ser obtida independentemente de qualquer comunicação”.
Nem demanda comunicação específica ulterior da sua solicitação e utilização, assemelhando-se, do ponto de vista da natureza e do regime, à obtenção, em processo penal, de outros dados pessoais, mormente, de identificação. Não constituindo a disponibilidade instrumental de tais dados meio proibido de obtenção de prova (…)”.
No mesmo sentido, remete-se ainda para o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 10.11.2022, proc. 35/15.9PESTB-Z.S2, onde se consignou que “Genericamente as normas da Lei n.º 32/2008, de 17.07, que o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais, com força obrigatória, pelos motivos que indicou no acórdão 268/2022, relacionam-se com o armazenamento de dados em arquivos, durante o período de um ano, pelos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de uma rede pública de comunicações.”
Como se refere no mesmo ac. do TC n.º 268/2022 “os dados referidos no artigo 4.º não abrangem o conteúdo das comunicações, dizendo respeito somente às suas circunstâncias – razão pela qual são usualmente designados por metadados (ou dados sobre dados) – cf. Acórdãos n.ºs 403/2015 e 420/2017: (…)
A este propósito, o Tribunal Constitucional acolheu, desde o Acórdão n.º 241/2002, de 29/05/2002, uma classificação tripartida (louvando-se, então, nos Pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 16/94, votado em 24/06/94, na base de dados da DGSI, n.º 16/94 – complementar, votado em 2/05/1996, in Pareceres, vol. VI, págs. 535 a 573, e n.º 21/2000, de 16/06/2000, no Diário da República – II Série, de 28/08/2000) dos dados resultantes do serviço de telecomunicações. Ali se distinguiram: ‘(…) os dados relativos à conexão à rede, ditos dados de base; os dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e os dados gerados pela utilização da rede (por exemplo, localização do utilizador, localização do destinatário, duração da utilização, data e hora, frequência), dados de tráfego; dados relativos ao conteúdo da comunicação ou da mensagem, dados de conteúdo’.
O conjunto de metadados elencado no referido art.º 4.º abrange dados de diferente natureza, categorizados na jurisprudência constitucional como dados de base e dados de tráfego.”
(…)
Com efeito, como é bem explicado no ac. do STJ de 06.09.2022, não se pode confundir “a disponibilidade, no momento do início da interceção, de um número de telefone ou de um IMEI (International Mobile Equipment Identity ou Identificação Internacional de Equipamento Móvel), não no contexto de comunicações pretéritas, mas destinada à interceção, em tempo real e no futuro, com o fornecimento de dados armazenados pelos operados, ao abrigo, com o fim e o âmbito da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho».
(…)
Ora, o regime das escutas telefónicas previsto no Código de Processo Penal, nomeadamente no âmbito da investigação do crime de tráfico de estupefacientes (como é o caso), não foi afetado pela declaração de inconstitucionalidade decidida, com força obrigatória geral pelo Acórdão do Tribunal Constitucional 268/2022, onde se referiu que “a declaração de inconstitucionalidade não abrangeu todos e quaisquer metadados, mas apenas alguns”.
No presente caso, como acima se referiu, estão em causa escutas telefónicas que foram autorizadas e obtidas com observância das pertinentes disposições legais, relativamente a crime do catálogo, “crime de tráfico de estupefacientes” (art.º 187.º n.º1 alínea b)), sendo que as intercepções e gravações foram autorizadas pela entidade competente, “ o juiz de instrução”, contra o “arguido” (artigos 269.º n.º 1 alínea e) e 187.º n.º 4, alínea a)). Assinale-se ainda, consoante resulta do acima enunciado, que acórdão condenatório, para além da transcrição das intercepções telefónicas, que, como se viu, não foram alvo da declaração de inconstitucionalidade, se baseou na análise e conjugação fundamentada de toda a prova produzida nos autos, designadamente, nos relatos de diligência externa, interceções telefónicas e sms e respetivos conteúdos, apreensões e exames, nomeadamente periciais, revistas e buscas, fotografias, depoimentos de testemunhas e valoração fundamentada, descredibilizando as versões, das declarações de alguns dos arguidos e na confissão de outros.
No acórdão condenatório, que se pretende rever, não foram, pois, aplicadas as normas que foram declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral no Acórdão do Tribunal Constitucional 268/2022, sendo de concluir que tais normas não serviram de fundamento à condenação da decisão a rever, não se verificando, assim, o fundamento invocado previsto no art.º 449.º n.º 1 al. f), do CPP.
2.3.1. O entendimento que vimos sufragando relativamente à exclusão das escutas telefónicas do âmbito da declaração da inconstitucionalidade do Acórdão 268/22 do Tribunal Constitucional tem sido também sustentado por este Tribunal, como sucede, entre outros, no Acórdão 740/24. Aí se consignou o seguinte:
E prossegue o citado acórdão: “São, pois, dois meios de prova diferentes, um as escutas telefónicas, outro a conservação e transmissão dos dados. O primeiro regulado nos arts 187 a 190 do CPP. O segundo previsto nos artigos 4º, 6º e 9º da L. 32/2008, agora declarados inconstitucionais nos termos do acórdão n.º 268 do Tribunal Constitucional.”
Tecidas estas considerações, regressando ao nosso caso, temos que os recorrentes, para o almejo da sua pretensão, ao trazerem à colação o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, incorreram em manifesto erro, porquanto tal acórdão não tem qualquer aplicação sobre o regime jurídico das escutas telefónicas perfilado nos artigos 187.º a 189.º do CPP, e que foi acolhido/observado no nosso caso como meio de obtenção de prova obtida em tempo real, depois da prévia autorização judicial legitimadora da interceção e gravação daquelas.
Daqui decorre que a prova resultante da interceção e gravação das escutas telefónicas, não enfermando do vício da inconstitucionalidade material que os recorrentes lhe apontavam, assume a veste de prova perfeitamente legal e, por isso válida, tendente à comprovação/demonstração dos factos, ou de parte dos factos, elencados no libelo acusatório. E se em alguns deles, mormente naqueles que os recorrentes trazem à colação, é feita alusão a meios de obtenção de prova ou às próprias provas que os sustentam (ao caso, prova documental), apesar de poder ser criticável essa forma de confeção de tal peça processual, inexiste qualquer fundamento legal para que fossem expurgados/suprimidos da mesma, tal como os recorrentes também almejavam.
Ademais, importa ainda assinalar que a transcrição das escutas que a investigação considerou relevantes para a prova também obedeceu ao preceituado no art.º 188º do CPP e aos recorrentes, após o encerramento do inquérito e com a dedução da acusação também contra eles proferida, também era logo possível aceder aos meios de prova nela elencados (sendo que por via da transcrição das escutas estas passam a assumir a veste de prova documental) quer ainda aos suportes técnicos das conversações quer aos relatórios previstos no n.º 1 do art.º 187º do CPP.
Por isso, nenhuma censura merece a decisão recorrida ao julgar que o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022 não era aplicável/transponível para o caso dos autos e, nessa decorrência, a indeferir quer a pretendida desconsideração dos elementos probatórios obtidos com recurso a interceção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas, quer a exclusão das alegadas referências ao conteúdo de tais elementos do texto da acusação.
Assim, em síntese conclusiva, não se mostrando violados quaisquer princípios ou preceitos constitucionais ou quaisquer preceitos legais ordinários, designadamente os invocados pelos recorrentes – terá o recurso interlocutório que improceder, sendo de confirmar a decisão recorrida que tinha sido proferida no dia 29.07.2022 (…)”.
(Negritos nossos)
2.3.2. Por outro lado, mesmo que assim se não entendesse, sempre seria de considerar, em sintonia com a referida jurisprudência, improcedente o presente recurso de revisão.
Com efeito, tendo em conta o citado art.º 282.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e analisando as normas que o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais, verificamos que estas não são de natureza penal, nem tão pouco podem ser consideradas normas de natureza processual penal e, nem sequer têm natureza substantiva (isto é, não podem ser consideradas normas de natureza penal, nem normas de natureza processual penal e, muito menos de cariz material), como foi bem explicado no citado Acórdão do STJ de 06.09.2022 (…) não afetando os meios de obtenção de prova obtidos de acordo com a lei do processo penal, nem tão pouco os direitos fundamentais do arguido.
Assim sendo, face ao disposto no art.º 282.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, inexiste razão para que a declaração de inconstitucionalidade contida no acórdão do Tribunal Constitucional 268/2022 fizesse alguma exceção ao caso julgado, ficando ressalvado o caso julgado (Acórdão do STJ de 10.11.2023, proc. 35/15.9PESTB-Z-S2).
Com base no que antecede, importa ainda concluir pela não verificação de nenhuma das arguidas inconstitucionalidades.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revisão requerida pelo condenado.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
Lisboa, STJ, 2025.01.23
Albertina Pereira (Relatora)
Celso Manata (1.º Adjunto)
Agostinho Torres (2.º Adjunto)
Helena Moniz (Presidente da Secção)
Sumário
I - Pelo Acórdão n.º 268/22, do Tribunal Constitucional, foram declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral, as normas do art.º 4.º da Lei 32/2008, de 17 de Julho (que define quais as categorias de dados que devem ser conservadas), em conjugação com o artigo 6.º (que define o prazo de conservação – um ano), com fundamento em violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição da República Portuguesa, tendo também sido declarada inconstitucional com força obrigatória geral, a norma do art.º 9.º da Lei 32/2008 (que define as condições de acesso e de utilização dos dados, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja susceptível de comprometer as investigações, nem a vida ou integridade física de terceiros), por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição da República Portuguesa.
II - Em linha com o que tem sido sustentado por este Supremo Tribunal de Justiça, (Acórdão de 06.09.2022, proc. 4243/17.0T9PRT-K.L1) “(…) é em especial, o armazenamento dos dados pessoais tratados, em matéria tão sensível, no que à intimidade da vida privada diz respeito, como é a das comunicações eletrónicas e para um universo que compreende todos os utilizadores dos serviços, durante o prazo de um ano, que constitui objeto da declaração de inconstitucionalidade”.
III – Os dados tratados e armazenados ao abrigo do art.º 4.º da Lei 32/2008, respeitam a comunicações, nos seus vários modos de realização, iniciando-se cada registo com o estabelecimento da comunicação e terminando com o seu fim. Não abrangem o conteúdo das comunicações, dizendo respeito somente às suas circunstâncias – razão pela qual são usualmente designados por metadados (ou dados sobre dados).
IV - No presente caso, ao contrário, trata-se de escutas telefónicas, regularmente autorizadas e executadas à luz das pertinentes disposições legais (artigos 187.º -190.º e 269.º n.º1, alínea e), do Código de Processo Penal), obtidas em tempo real.
V - No acórdão condenatório, não foram aplicadas as normas que foram declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral no Acórdão do Tribunal Constitucional 268/2022, sendo logicamente de concluir que tais normas não serviram de fundamento à condenação da decisão a rever, não se verificando, assim, o fundamento invocado previsto no art.º 449.º n.º 1 al. f), do Código de Processo Penal.
VI – Por outro lado, mesmo que assim se não considerasse, tendo em conta o disposto no art.º 282.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa ( Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade” 1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado. 2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infração de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última. 3. Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido”) e analisando as normas que o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais, pode concluir-se que estas não são de natureza penal, não podem ser consideradas normas de natureza processual penal e, nem sequer têm natureza substantiva, não afetando os meios de obtenção de prova obtidos de acordo com a lei do processo penal, nem tão pouco os direitos fundamentais do arguido.
VII - Face ao disposto no art.º 282.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, inexiste razão para que a declaração de inconstitucionalidade contida no acórdão do Tribunal Constitucional 268/2022 fizesse alguma exceção ao caso julgado, ficando ressalvado o caso julgado (Acórdão do STJ de 10.11.2023, proc. 35/15.9PESTB-Z-S2), impondo-se, deste modo, por tudo quanto foi referido, negar a revisão requerida pelo condenado.
2. Simas Santos/Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 6.ª edição, pág. 129.↩︎