HABEAS CORPUS
PRISÃO ILEGAL
PENA DE PRISÃO
DECISÃO CONDENATÓRIA
TRÂNSITO EM JULGADO
CÚMULO JURÍDICO
CUMPRIMENTO DE PENA
PRINCÍPIO DA ATUALIDADE
MANDADO DE DETENÇÃO
TRATAMENTO MÉDICO
INDEFERIMENTO
Sumário


I - Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de se reconduzir, necessariamente, à previsão das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de enumeração taxativa.
II - Como se tem afirmado, em jurisprudência uniforme, o STJ apenas tem de verificar (a) se a prisão, em que o peticionário (ou aquele em cujo beneficio tenha sido peticionado o habeas) atualmente se encontra, resulta de uma decisão judicial exequível, proferida por autoridade judiciária competente, (b) se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e (c) se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial.
III - A questão da aplicação do perdão em nada contende com o trânsito em julgado da condenação, sendo certo que a doutrina e a jurisprudência têm entendido que a pena a ter em conta para decidir do pressuposto formal da suspensão da execução – atualmente, condenação a pena não superior a 5 anos - é a pena aplicada (no caso, 6 anos) e não a pena residual resultante da eventual aplicação do perdão.
IV – A providência de habeas corpus não é o expediente adequado para sindicar quaisquer vicissitudes processuais assumidas no processo principal, mormente a questão da competência para emissão dos mandados de detenção para cumprimento de pena de prisão transitada em julgado.

Texto Integral

Processo n.º 424/22.2PBCSC-C.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – RELATÓRIO

1. AA, com os restantes sinais dos autos, veio, através do seu advogado, apresentar pedido de habeas corpus “em virtude de prisão ilegal”, alegando como a seguir se transcreve:

I. Preliminarmente – da extrema urgência por perigo de morte do Arguido

1.º

Caso o arguido seja detido para cumprimento da pena de prisão que lhe foi aplicada, ficará privado de tomar a medicação que lhe está prescrita.

2.º

E caso tal aconteça, a probabilidade de morrer é de 99%. Efectivamente,

3.º

O Arguido ora requerente sofre de miocardiopatia dilatada (MCD), caracterizada por dilatação das câmaras cardíacas – especialmente do ventrículo esquerdo – e disfunção sistólica progressiva, havendo redução na fração de ejeção;

Trata-se de uma disfunção miocárdica que provoca insuficiência cardíaca, na qual há predomínio de dilatação ventricular e disfunção sistólica.

4.º

A sintomatologia compreende dispneia, fadiga e edema periférico, tornando necessária a realização de terapia de ressincronização cardíaca, cardioversor-desfibrilador implantável, reparo de insuficiência valvar moderada a grave, dispositivo de assistência ventricular esquerda ou transplante de coração.

5.º

Cerca de 20% dos pacientes diagnosticados com esta condição ,morrem no primeiro ano e cerca de 10% um ano depois; aproximadamente 40 a 50% das mortes são repentinas em decorrência de arritmia maligna ou evento embólico.

6.º

A condição do Arguido é, ainda, agravada pelo facto de sofrer de disritmia sintomática, por taquicardia supra ventricular paroxística, extrosistolia supra ventricular, e extrasistolia ventricular monfórmica,

Associadas e como agravantes desta condição, uma frágil condição imunológica, caracterizada por pneumonias repetitivas, rinite, bronquiolites, amigdalites e otites de repetição.

7.º

No E.P., o Arguido sofreu várias perdas de consciência.

E já em risco eminente de perda, não da consciência, mas da vida, o MM.º Juiz I.C. determinou a alteração da medida de coação para a obrigação de permanência na habitação.

II. Do habeas corpus

8.º

O Arguido foi condenado por violação, de uma prostituta brasileira, uma pena de prisão efectiva, aos 22 anos, no que constitui uma demonstração cabal da interpretação que os Tribunais portugueses fazem da pena enquanto instrumento de ressocialização.

9.º

Após o médico especialista que o segue relatar ao Tribunal que é impossível o Arguido manter uma erecção durante uma hora, nos termos relatados pela prostituta, quer devido à condição clínica de que padece, quer em consequência da medicação que toma…

E apesar de a sua ex-namorada ter garantido que durante longos meses tentou ter relações sexuais com o Arguido sem sucesso, por falta de erecção.

Sendo isso irrelevante para a decisão desta providência,

Serve apenas para dizer que como este processo é bizarro, teria de, agora, continuar a ser extraordinário…

10.º

Tendo recorrido desta decisão condenatória, foi em 23.01.2024 proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que determinou: ( cfr. p. 88 do Acórdão)

«O recorrente pretende, ainda, a suspensão da pena de prisão aplicada. (…)

Atendendo à idade do recorrente, oportunamente caberá ponderar a eventual aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2/8, competência da primeira instância - art. 14.º do aludido diploma (salvaguardando-se, a esse propósito, a instância de recurso).».

11.º

Em 15.07.2024, foi proferido o seguinte despacho:

«Emita os competentes mandados de detenção do arguido para condução do mesmo ao Estabelecimento Prisional para cumprimento da pena em que foi condenado.

Após cumprimento e certificação dos mesmos, apresente os autos ao Ministério Público para efeitos de liquidação da pena.»

12.º

Este Despacho não foi notificado a ninguém.

(Mas, por verificação no CITIUS, o Signatário constatou a sua existência).

13.º

Em 02.08.2024, o Arguido apresentou o seguinte requerimento:

«…

5º. Por razões (até) até de lógica, a decisão condenatória, não transitou em julgado. Termos em que se requer a V. Ex.ª que se digne:

a) Dar sem efeito a Certidão de trânsito em julgado da decisão condenatória;

b) Decidir, nos termos determinados pelo Acórdão doTribunal da Relação de Lisboa,«Atendendo à idade do recorrente (…) a eventual aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2/8, competência da primeira instância - art. 14.º do aludido diploma».

14.º

Em 09.08.2024, após a MM.ª Juiz Presidente quo ter determinado a notificação ao M.ºP.º do requerimento supra, uma daquelas bizarras promoções que se vão vendo nos tribunais portugueses:

Requerimento de 02.08.2024:

Por requerimento apresentado a 02.08.2024, veio o arguido solicitar que fosse dada sem efeito a certidão de trânsito em julgado da decisão condenatória proferida nos autos, uma vez que, importando ainda aferir da eventual aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2/8, caso tal ponderação levasse a uma redução da pena ao limiar de 5 anos, haveria ainda a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão a que o arguido foi condenado.

Salvo o devido respeito por entendimento divergente, não podemos concordar com a posição assumida pelo arguido. Com efeito, e tal como resulta do termo de 07.08.2024, o trânsito em julgado em causa respeita à última decisão sumária proferida nos autos pelo Colendo Tribunal Constitucional e que finda a fase de recurso ordinário possível de ser interposto.

Pelo que, não obstante o arguido poder vir a apresentar novo recurso na sequência de eventual despacho que venha a pronunciar-se sobre a aplicação da Lei n.º 38- A/2023, de 2/8, tal não obsta, no nosso entendimento, ao trânsito em julgado da decisão condenatória proferida nestes autos e à emissão dos respectivos mandados de detenção para cumprimento de pena.

Nesta conformidade, promovo se mantenha a certidão de trânsito em julgado dos autos, e se emitam os competentes mandados de detenção do arguido para condução do mesmo ao Estabelecimento Prisional para cumprimento da pena em que foi condenado.

Uma coisa que dói na alma, tamanha o atropelo jurídico que respalda.

E uma vez mais,

15.º

Esta “promoção” do M.ºP.º, não foi notificada, nem ao Arguido, nem a qualquer dos seus defensores.

Mas,

Como nada está tão mal que não possa piorar.

16.º

Em 05.09.2024, foi proferido o seguinte despacho:

(…)

Cumpra-se o despacho proferido em 15/07/2024, sem prejuízo da oportuna reapreciação do estatuto coactivo do arguido.

17.º

Neste Despacho , o Tribunal decide que não há que aplicar a lei da amnistia ao Arguido.

E sem surpresa,

18.º

Uma vez mais, o Tribunal omitiu a notificação ao Arguido e seus defensores.

19.º

É a terceira vez portanto que existem decisões e/ou promoções do M.ºP.º que determinam o cumprimento de uma pena sem que a decisão tenha transitado em julgado.

20.º

É a segunda vez que a MM.ª Juiz a quo ordena a emissão de mandados para cumprimento da pena sem que a decisão final tenha transitado!

21.º

Este Despacho de 05.09.2024, é recorrível.

E se o erro é da secretaria, impunha-se que verificasse se as notificações foram efectuadas.

Por outro lado,

22.º

O argumento arrazoado na promoção do M.ºP.º para se defender que a determinação do Tribunal da Relação para que seja cilindrada e obnubilada é:

NENHUM.

23.º

O T.R.L. determina que o Tribunal avalie a aplicação ao arguido da lei da amnistia:

E cfr. p. 88 do Acórdão proferido em 23.01.2024:

«O recorrente pretende, ainda, a suspensão da pena de prisão aplicada. (…)

Atendendo à idade do recorrente, oportunamente caberá ponderar a eventual aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2/8, competência da primeira instância - art. 14.º do aludido diploma (salvaguardando-se, a esse propósito, a instância de recurso).».

24.º

Obviamente, a “ponderação” imposta pela decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, tem influência no cumprimento, ou não, da pena de prisão (a expiar, como efectiva) determinada no Acórdão proferido em primeira Instância,

25.º

Que, portanto, haverá de ser revisto, à luz daquela decisão, salvaguardando-se dessa forma a possibilidade de o Tribunal, reduzindo a pena por «aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2/8, competência da primeira instância - art. 14.º do aludido diploma», e ordenando a respectiva suspensão, assim, possível, caso tal ponderação acarrete a sua redução ao limiar de 5 anos (art. 50.º do Cód. Penal).

26.º

Qual é o contra-argumento do M.ºP.º?

Zero fundamentação jurídica.

Uma coisa que gera engulho a qualquer pessoa juridicamente esclarecida.

Pior, mais grave,

27.º

A Senhora procuradora, inverte a ordem das coisas.

Promove a detenção, primeiro,

E pronuncia-se sobre a aplicação da Lei n.º 38-A/2023, depois!

E nem sequer saberão que,

28.º

O Tribunal da Condenação não é sequer competente para ordenar/emitir os mandados de detenção porque a pena de prisão aplicada é uma pena privativa da liberdade,

Pois, determina o artigo 477° n.º 1 do Código Processo Penal que, depois de transitada em julgado uma condenação, se comunique ao TEP, em cinco dias, as respectivas certidões com a decisão que aplicar pena privativa de liberdade, para o TEP, nos termos do artigo 138° n.º 4 alínea t) do Código de Execução de Penas, "compete aos tribunais de execução de penas (…) emitir os mandados de detenção".

29.º

Em suma:

a) O Tribunal a quo mandou prender o arguido para que este não pudesse recorrer sobre a decisão que o TRL mandou proferir

«(salvaguardando-se, a esse propósito, a instância de recurso)»

b) Sem que exista, quanto à pena a aplicar, decisão transitada em julgado,

c) Sendo emitido mandado de detenção por Tribunal que é para isso incompetente,

d) E tudo na mais grosseira e flagrante violação do contraditório.

30.º

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, “considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça …”:

a) No artigo III (3º) proclama a validade universal do direito à liberdade individual.

E

b) Proclama no artigo IX (9º) que ninguém pode ser arbitrariamente detido ou preso.

31.º

No artigo XXIX (29º) admite-se que o direito à liberdade individual sofra as “limitações determinadas pela lei” visando assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da ordem pública.

32.º

O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, no artigo 9.º consagra; “todo o indivíduo tem direito à liberdade” pessoal; proibindo a detenção ou prisão arbitrárias, estabelece que “ninguém poderá ser privado da sua liberdade, excepto pelos motivos fixados por lei e de acordo com os procedimentos nela estabelecidos”.

33.º

Estabelece também: “toda a pessoa que seja privada de liberdade em virtude de detenção ou prisão tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, com a brevidade possível, sobre a legalidade da sua prisão e ordene a sua liberdade, se a prisão for ilegal”.

34.º

A Convenção Europeia dos Direitos Humanos/CEDH, no art. 5º reconhece que “toda a pessoa tem direito à liberdade”.

35.º

Ninguém podendo ser privado da liberdade, salvo se for preso em cumprimento de condenação, decretada por tribunal competente, de acordo com o procedimento legal.

36.º

Reconhece que a pessoa privada da liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal.

37.º

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH/) “enfatiza desde logo que o artigo 5 consagra um direito humano fundamental, a saber, a proteção do indivíduo contra a interferência arbitrária do Estado no seu direito à liberdade. O texto do artigo 5º deixa claro que as garantias nele contidas se aplicam a “todos”. As alíneas (a) a (f) do Artigo 5 §1 contêm uma lista exaustiva de razões permissíveis sobre as quais as pessoas podem ser privadas de sua liberdade. Nenhuma privação de liberdade será compatível com o artigo 5.º, n.º 1, a menos que seja abrangida por um desses motivos ou que esteja prevista por uma derrogação legal nos termos do artigo 15.º da Convenção, (ver, inter alia, Irlanda v. Reino Unido, 18 de janeiro de 1978, § 194, série A n.º. 25, e A. e Others v. o Reino Unido, citado acima, §§ 162 e 163)” (Grand Chamber, caso AL-JEDDA v. THE UNITED KINGDOM, (Queixa n.º 27021/08), julgamento em 7 Julho de 2011).

38.º

Interpreta: “no que diz respeito à «“legalidade” da detenção, a Convenção refere-se essencialmente à legislação nacional e estabelece a obrigação de observar as suas normas substantivas e processuais. Este termo exige, em primeiro lugar, que qualquer prisão ou detenção tenha uma base legal no direito

interno”.

39.º

Por sua vez a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia reconhece, no art. 6º, o direito à liberdade pessoal, e embora não consagrando o habeas corpus, reconhece, no art. 47º, o direito de ação judicial contra a violação de direitos ou liberdades garantidas pelo direito da União.

40.º

A tal propósito, assinala E. Maia Costa (in Habeas corpus: passado, presente, futuro, revista JULGAR - N.º 29 – 2016, pag. 223), os textos internacionais relativos aos direitos humanos preveem genericamente um recurso para os tribunais com carácter urgente contra a privação da liberdade ilegal.

41.º

Dispõe o artº 31º nº 1 da Constituição da República Portuguesa:

«Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente»

42.º

O art. 222º do CPP estabelece que:

“1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.”

43.º

Como tem sido sublinhado na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a providência de habeas corpus não se destina a apreciar erros de direito e a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade.

44.º

Porém, sob pena de ofensa de direitos constitucionalmente consagrados como fundamentais, não pode a providência em causa deixar de permitir objectar a uma ofensa graves à liberdade por abuso de poder e denegação de justiça, sem apoio na lei e contra determinação expressa de Tribunal superior, visando impedir o Arguido de exercer o seu direito de defesa e ao recurso que o T.R.L. fez questão de

«SALVAGUARDAR».

Pois caso assim fosse, bastaria que a detenção estivesse a coberto de despacho judicial para, por mais injusto que fosse, e mesmo que violadas todas as regras processuais, com um autêntico “VETO DE GAVETA” ao direito de recurso, ficar cerceada a possibilidade de valer a providência contra uma situação de abuso de poder.

45.º

O que valeria por dizer – de forma inaceitável e totalmente incompaginável com a letra da norma constitucional e com a própria origem do instituto –que nunca existiria abuso de poder quando a coberto de despacho judicial.

46.º

O habeas corpus é previsto em documentos de âmbito internacional, como no artigo 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e também aí, nenhuma restrição é aposta ao recurso à providência em causa, máxime, a prisão ou detenção estar a coberto de despacho judicial.

47.º

Do que se conclui que, se considerasse que as circunstâncias dos autos extravasam os fundamentos elencados no art.º 222º do C.P.P., a verdade é que a restrição do habeas corpus a tais fundamentos, restringe, de forma inadmissível, o conteúdo do disposto no artº 31º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, sendo tal interpretação, pelo exposto, inconstitucional.

Assim,

48.º

Cfr. Acórdão do S.T.J., de 25-06-2009, CJ (STJ), 2009, T2, pág.252:

«III. A prisão ilegal, por sua vez, terá sempre subjacente uma privação da liberdade judicialmente decretada ou controlada, como sucede nos casos de manutenção de cidadão estrangeiro em centro de instalação temporária (CIT) ou em espaço equiparado.

IV. Qualquer privação da liberdade individual contra a vontade do visado, remetendo este a um local delimitado, que dimane de uma autoridade pública, é fundamento para a providência de «habeas corpus».

Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V. Exas. a concessão imediata da Providência de Habeas Corpus, em virtude da verificação de uma situação de prisão ilegal, nos termos do art. 222º, n.º 2, al. b) do CPP e, em consequência, a imediata restituição dos Requerentes à liberdade.

2. O peticionário juntou três aditamentos à petição de habeas corpus:

1. O primeiro reforçando que, segundo informação da mãe do arguido, o mesmo está neste momento a vivenciar uma fase aguda da doença de que padece, alertando-se que, caso o arguido seja detido, a perturbação inerente à sua retirada de casa agravará ainda mais o seu estado em termos que poderão causar-lhe a morte.

2. O segundo referindo que os mandados foram apenas emitidos em 23.01.2025, apesar de o despacho que o determinou ser datado de 05.09.2024, constando do CITIUS a data em que foi expedida notificação à PSP para cumprimento do mandado, mas constando em 24/01/2025 – .......65 - Insistência Comandante da Divisão da PSP de Cascais. Termina pedindo que sejam efetuadas as devidas averiguações, devendo a MM.ª Juiz Presidente clarificar o sucedido.

3. O terceiro aditamento referindo que o mandatário não foi notificado do despacho de 5.09.2014 antes da emissão de mandados, ou seja, à data da apresentação do habeas corpus, a defesa não estava notificada de um despacho proferido há 4 meses, que ordena a emissão de mandados. Mais se alega que MM.ª Juíza, nem se dignou indicar qual seja o E.P. ao qual o arguido deverá ser conduzido.

3. Foi prestada a informação referida no artigo 223.º, n.º1, parte final, do Código de Processo Penal (doravante, CPP), nos termos que, seguidamente, se transcrevem:

«Consigna-se que os mandados de detenção do arguido para condução ao E.P. para cumprimento da pena de prisão em que foi condenado, por acórdão do T.R.L transitado em julgado em 16/05/2024, foram emitidos e assinados no pretérito dia 23/01/2025, desconhecendo-se se os mesmos já foram cumpridos, não tendo a autoridade policial fornecido qualquer informação, não obstante a insistência efectuada em 24/01/2025 acerca do efectivo cumprimento dos mesmos.

*

O arguido AA veio ao abrigo do disposto no artigo 222° do Código de Processo Penal requerer a concessão de habeas corpus, com fundamento na prisão ilegal, nos termos do artigo 222º, n.º 2, al. b) do C.P.P., fundamentando a sua pretensão, do que nos é dado a entender, na circunstância de, no seu entender, ter sido ordenada a emissão de mandados para cumprimento da pena sem que a decisão final tenha transitado em julgado.

*

Cumpre então apreciar e decidir.

O habeas corpus é uma providência excepcional destinada a remediar de forma expedita as situações de prisão ilegal indicadas no nº 2 do art. 222º do CPP, sendo estas:

a) ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) ser motivada por facto pelo qual a lei o não permita;

c) manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

O arguido foi sujeito à medida de coacção de prisão preventiva em 02/05/2022 e, em 23/06/2022, foi tal medida substituída pela medida de OPHVE.

Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 23/01/2024, na sequência do recurso interposto pelo arguido do acórdão proferido nesta primeira instância, foi decidido:

“ a) Rejeitar parcialmente o recurso interposto no que concerne à matéria de facto.

b) Revogar a condenação do recorrente pela prática do crime de ameaça agravado, p. e p. pelos artigos 153° e 155°, n.°s 1, alíneas a) e c), com referência ao disposto no artigo 132.°, n.° 2, alínea 1), todos do Cód. Penal, absolvendo-o do mesmo.

c) Na reformulação do cúmulo, aplicar ao recorrente a pena única de 6 (seis) anos de prisão, pela prática, como autor material, e em concurso efetivo, de um crime de violação, na forma agravada, p. e p. pelos artigos 164.°, n.° 2, alínea a) do Cód. Penal, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.°, n.° 1, do Cód. Penal”.

Mais se refere no douto acórdão proferido que: “Atendendo à idade do recorrente, oportunamente caberá ponderar a eventual aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2/8, competência da primeira instância - art. 14.º do aludido diploma (salvaguardando-se, a esse propósito, a instância de recurso).

Deste acórdão, o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional que, com fundamento na sua inadmissibilidade legal, decidiu não conhecer do recurso interposto.

O acórdão do Tribunal Constitucional transitou em julgado em 15/05/2024 – cfr. certidão de 19/06/2024 e Termo de 27/06/2024.

A data do trânsito em julgado da decisão recorrida coincidiu com o trânsito em julgado da decisão sumária do Tribunal Constitucional que não conheceu do objecto do recurso, estando esgotada a possibilidade de recurso ordinário – cfr. artigo 400º do C.P.P..

Encontrando-se transitado em julgado o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, desde 16/05/2024, apenas competia a este Tribunal dar cumprimento ao que ali foi doutamente ordenado, como o fez, no despacho proferido em 15/07/2024, ordenando a emissão dos competentes mandados de detenção do arguido para condução do mesmo ao Estabelecimento Prisional para cumprimento da pena em que foi condenado e como reiterou no despacho proferido em 05/09/2024.

O arguido refere que teve conhecimento do despacho proferido em 15/07/2024 e foi notificado do teor do despacho (proferido em 05/09/2024) em 23/01/2025, fazendo menção e reafirmando, ainda assim, no requerimento aqui em apreço, que a decisão final não transitou em julgado.

Recorrendo aos ensinamentos de Germano Marques da Silva (in Curso de Processo Penal, III, Verbo, Lisboa, 1994, p. 359), o trânsito em julgado da decisão ocorre a partir do momento em que a ordem jurídica considera em regra sanados os vícios que porventura nela existissem.

E esse momento do trânsito em julgado verifica-se desde que se torna impossível impugnar/recorrer da decisão.

Por conseguinte, a decisão condenatória do T.R.L. transitou em julgado, impondo-se, consequentemente a este Tribunal da condenação, determinar as diligências necessárias para a colocação do arguido em regime de execução da pena aplicada, o que fez, no despacho proferido em 15/07/2024 e reafirmou no despacho proferido em 05/09/2024 (fundamentando pormenorizadamente, neste último, o trânsito em julgado do douto acórdão do T.R.L.), ordenando a emissão dos mandados de condução do arguido ao Estabelecimento Prisional.

É certo que, apenas em 23/01/2025, a secção de processos cumpriu os mencionados despachos, devendo-se a dilação no cumprimento dos mesmos ao incompreensível défice de funcionários existente, conforme feito constar no Termo de 23/01/2025.

O arguido encontra-se privado da liberdade e consciente da necessidade de cumprir a pena de prisão efectiva em que foi condenado, não obstante a patologia clínica de que padece, já existente à data da prática dos factos e amplamente debatida e apreciada em julgamento. Ainda assim, sempre se consigna, atenta a “questão preliminar” suscitada pelo arguido, que a mesma não pode que ser apreciada por este Tribunal, cujos poderes, neste momento, estão vinculados ao cumprimento do superiormente ordenado pelo T.R.L, sendo oportunamente, da competência do T.E.P. a apreciação das questões humanitárias/saúde invocadas pelo arguido, modificando, se for caso disso, a execução da pena de prisão, nos termos do preceituado nos artigos 118º a 122º do CEPMPL.

O arguido ainda permanece privado da liberdade, derivado da obrigação de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância (vigilância eletrónica) – OPHVE – que lhe foi aplicada.

Porém, tal medida de coacção encontra-se extinta com o trânsito em julgado da decisão – cfr. artigo 214.º, n.º 1, al. e), do C.P.P. - pois, a partir de então, a privação da liberdade só pode ocorrer em execução da pena de prisão, sendo oportunamente descontado o tempo de detenção, de prisão preventiva e de OPHVE sofridos – cfr. artigo 80º, nº. 1, do Código Penal.

E mesmo na eventualidade de ser considerado que a sujeição do arguido a obrigação de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância (vigilância eletrónica) – OPHVE –, ainda permanece, não será, com o devido respeito, caso em que deva ser ordenada a libertação pois que, tendo transitada em julgado a condenação, e tendo ocorrido o termo da OPHVE, deverá o arguido iniciar a execução da pena de prisão em que foi condenado, o que implica a condução do mesmo ao Estabelecimento Prisional (artigo 478.º do CPP e 17.º do CEPMPL), precedida dos procedimentos de desinstalação dos equipamentos de vigilância electrónica, em conformidade com o disposto no artigo 15.º da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro, conforme já foi previamente ordenado, em 15/07/2024 e 05/09/2024, estando tais diligências em curso.

Atento o supra exposto, entende-se que a petição de habeas corpus não tem fundamento, não se verificando sequer nenhuma das situações elencadas no nº. 2 do artigo 222º do C.P.P..

É aliás, nosso humilde entendimento, perante a clareza do artigo 222, nº. 2, do C.P.P., que os fundamentos elencados pelo arguido requerente poderiam, quanto muito, sustentar um eventual recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, do despacho proferido em 05/09/2024 - por o arguido não se conformar com o indeferimento da sua pretensão de aplicação da Lei nº. 38-A/2023, de 2 de Agosto, conforme requerimentos pelo mesmo apresentados em 02/08/2024 e 30/08/2024 e despacho de 05/09/2024, estando ainda salvaguardada a instância de recurso -, não estando, por conseguinte, reunidos os pressupostos legais para a providência requerida.

Quanto aos requerimentos apresentados no dia 26/01/2025 consigna-se que:

- a providência de habeas corpus de entrada neste Tribunal às 16:34h do dia 24/01/2025 (sexta-feira);

- o despacho de 05/09/2024 passou a constar do sistema citius desde a data em que foi proferido;

- os mandados de detenção do arguido para condução ao E.P. foram apenas emitidos pela secção de processos em 23/01/2025 atenta a preocupante escassez de recursos humanos supra mencionada;

- os mandados emitidos foram remetidos à P.S.P. para cumprimento, em 23/01/2025 – Refª. .......43;

- em 24/01/2025 foi solicitada informação à P.S.P. acerca do estado de cumprimento dos mandados, às 17:47h, atenta a providência de habeas corpus deduzida.

Porém, V. Exªs., Colendos Conselheiros, dotados de maior saber e experiência, melhor decidirão.

*

Após, devidamente instruído (requerimentos de 24/01 e de 26/01/2025), com certidão dos despachos dos acórdãos do T.R.L. e do T.C., da certidão de 19/06/2024 e do Termo de 27/06/2024, do despacho de 15/07/2024, dos requerimentos de 02/08/2024 e de 30/08/2024, do despacho de 05/09/2024 e do Termo de 23/01/2025, da notificação efectuada nesta data ao Ilustre mandatário do arguido, da remessa dos mandados para a P.S.P. de 23/01/2025 – Refª. .......43, do Termo de 24/01/2025, do e-mail hoje (27/01/2025) junto aos autos, e ainda com certidão que ateste a data em que o arguido foi submetido a prisão preventiva e depois a OPHVE à ordem dos presentes autos, remeta ao Supremo Tribunal de Justiça, para melhor apreciação.»

4. O processo encontra-se instruído com a documentação pertinente.

5. Realizou-se audiência, nos termos legais, após o que o tribunal reuniu para deliberar (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP), fazendo-o nos termos que se seguem.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Questão a decidir:

Saber se o peticionário se encontra, como alega, ilegalmente preso.

2. Factos

A matéria factual relevante para o julgamento do pedido resulta da petição de habeas corpus e seus aditamentos, da informação prestada, da certidão que acompanha os presentes autos e da consulta CITIUS do processo, extraindo-se os seguintes dados de facto e processuais (em súmula):

1. AA foi julgado e condenado, por acórdão de 12/07/2023:

- como autor material, e em concurso efetivo, de um crime de violação, na forma agravada, p. e p. pelos artigos 164.°, n.º 2, alínea a) do Cód. Penal, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.°, n.º 1, do Cód. Penal e de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelos artigos 153° e 155°, n.°s 1, alíneas a) e c), com referência ao disposto no artigo 132.°, n.º 2, alínea 1), todos do Cód. Penal, nas penas respetivas de: 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão; 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; 9 (nove) meses de prisão. Em cúmulo jurídico das penas parcelares, foi condenado na pena única de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão.

2. O arguido interpôs recurso da sobredita decisão, vindo a Relação de Lisboa, por acórdão de 23 de janeiro de 2024, a revogar a condenação do recorrente pela prática do crime de ameaça agravado, p. e p. pelos artigos 153° e 155°, n.ºs 1, alíneas a) e c), com referência ao disposto no artigo 132.°, n.º 2, alínea 1), todos do Código Penal, absolvendo-o do mesmo, e na reformulação do cúmulo jurídico das penas dos restantes crimes, foi o arguido condenado na pena única de 6 (seis) anos de prisão [crime de violação, na forma agravada, p. e p. pelos artigos 164.°, n.º 2, alínea a); crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.°, n.º 1, do Cód. Penal].

3. Após arguição pelo arguido da «nulidade do acórdão», com invocação de diversos fundamentos, foi proferido acórdão, em 5 de março de 2024, que julgou improcedente tal arguição.

4. Interposto recurso para o Tribunal Constitucional, foi proferida a Decisão Sumária n.º 291/2024, de 3 de maio, decidindo não tomar conhecimento do mesmo por ser legalmente inadmissível.

5. A referida Decisão Sumária transitou em julgado em 16 de maio de 2024, conforme certificado no Tribunal Constitucional.

6. No acórdão da Relação referido em 2. consignou-se: “Atendendo à idade do recorrente, oportunamente caberá ponderar a eventual aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2/8, competência da primeira instância - art. 14.º do aludido diploma (salvaguardando-se, a esse propósito, a instância de recurso).”

7. Em 15.07.2024, foi proferido despacho com o seguinte teor:

“Emita os competentes mandados de detenção do arguido para condução do mesmo ao Estabelecimento Prisional para cumprimento da pena em que foi condenado.

Após cumprimento e certificação dos mesmos, apresente os autos ao Ministério Público para efeitos de liquidação da pena.”

8. Por requerimento apresentado a 02.08.2024, o arguido solicitou que fosse dada sem efeito a certidão de trânsito em julgado da decisão condenatória proferida nos autos, uma vez que, importando ainda aferir da eventual aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2/8, caso tal ponderação levasse a uma redução da pena ao limiar de 5 anos, haveria ainda a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão a que o arguido foi condenado.

9. Sobre tal requerimento, pronunciou-se o Ministério Público, em 9.08.2024, a que respondeu o arguido, por requerimento de 30.08.2024.

10. Por despacho de 5 de setembro de 2024, a Mm.ª Juíza decidiu, além do mais, ser inaplicável, no caso, qualquer perdão.

11. O despacho referido no n.º anterior foi notificado ao mandatário do arguido em 23.01.2025 (Ref.ª .......49).

12. Os mandados de detenção do arguido para condução ao E.P. para cumprimento da pena de prisão em que foi condenado, foram emitidos e assinados no pretérito dia 23.01.2025.

13. Entretanto, os mandados de detenção do peticionário foram cumpridos e aquele conduzido ao E.P. de Caxias, tendo a Mm.ª Juíza determinado: “Com cópia da declaração médica junta pelo arguido com a petição de habeas corpus e da certificação dos mandados entretanto juntos aos autos, solicite, de imediato, ao TEP a realização das diligências necessárias com vista ao apuramento do E.P. que melhor se adeque à situação do arguido.»

*

3. Direito

3.1. Nos termos do artigo 27.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), todos têm direito à liberdade e ninguém pode ser privado dela, total ou parcialmente, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança, excetuando-se a privação da liberdade, no tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos previstos no n.º 3 do mesmo preceito constitucional.

O artigo 31.º da CRP consagra o direito à providência de habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer pela própria pessoa lesada no seu direito à liberdade, ou por qualquer outro cidadão no gozo dos seus direitos políticos, por via de uma petição a apresentar no tribunal competente.

Em anotação ao artigo 31.º, n.º 1, da CRP, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 508):

«Na sua versão atual, o habeas corpus consiste essencialmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo, por isso, uma garantia privilegiada do direito à liberdade, por motivos penais ou outros, garantido nos arts. 27.º e 28.º (...). A prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos no art. 27.º, quando efetuada ou ordenada por autoridade incompetente ou por forma irregular, quando tenham sido ultrapassados os prazos de apresentação ao juiz ou os prazos estabelecidos na lei para a duração da prisão preventiva, ou a duração da pena de prisão a cumprir, quando a detenção ou prisão ocorra fora dos estabelecimentos legalmente previstos, etc.

Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade.»

José Lobo Moutinho (Jorge Miranda e Rui Medeiros, com a colaboração de José Lobo Moutinho [et alii], Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Tomo1, 2.ª edição, 2010, pp. 694-695), em comentário ao mesmo artigo 31.º, n.º1, da Lei Fundamental, sustenta que a qualificação de «providência extraordinária», atribuída ao habeas corpus « …não significa e não equivale à excecionalidade. Juridicamente excecional é a privação da liberdade (pelo menos, fora dos termos e casos de cumprimento de pena ou medida de segurança) e nunca a sua tutela constitucional. A qualificação como providência extraordinária será de assumir no seu descomprometido significado literal de providência para além (e, nesse sentido, fora – extra) da ordem de garantias constituída pela validação judicial das detenções e pelo direito ao recurso de decisões sobre a liberdade pessoal.»

A lei processual penal, dando expressão ao referido artigo 31.º da CRP, prevê duas modalidades de habeas corpus: em virtude de detenção ilegal e em virtude de prisão ilegal.

Dispõe o artigo 222.º do CPP, sob a epígrafe “Habeas corpus em virtude de prisão ilegal”:

«1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.»

A jurisprudência deste Supremo Tribunal vem considerando que constituem fundamentos da providência de habeas corpus os que se encontram taxativamente fixados na lei, não podendo esse expediente ser utilizado para a sindicância de outros motivos suscetíveis de pôr em causa a regularidade ou a legalidade da prisão (acórdão de 06.04.2023, proc. n.º 130/23.0PVLSB-A.S1, disponível em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem diversa indicação).

Tem também decidido uniformemente o Supremo Tribunal de Justiça que a providência de habeas corpus, por um lado, não se destina a apreciar erros de direito, nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade (por todos, o acórdão do STJ, de 04.01.2017, proc. n.º 109/16.9GBMDR-B. S1, e jurisprudência nele citada) e, por outro, que a procedência do pedido pressupõe a atualidade da ilegalidade da prisão, reportada ao momento em que é apreciado o pedido (entre muitos, o acórdão de 19.07.2019, proferido no proc. n.º 12/17.5JBLSB, com extensas referências jurisprudenciais).

Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de reconduzir-se, necessariamente, à previsão das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

Como se tem afirmado, em jurisprudência uniforme, o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar (a) se a prisão, em que o peticionário atualmente se encontra, resulta de uma decisão judicial exequível, proferida por autoridade judiciária competente, (b) se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e (c) se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial (acórdãos de 16.11.2022, proc. 4853/14.7TDPRT-A.S1, de 18.05.2022, proc. 37/20.3PJLRS-A.S1, e de 06.09.2022, proc. 2930/04.1GFSNT-A.S1).

3.2. À data da apresentação da petição de habeas corpus, a detenção não estava concretizada.

Por outras palavras: quer da petição, quer da informação prestada nos termos do artigo 223.º, do CPP, resulta que o requerente não se encontrava preso à data em que apresentou a petição e foi prestada a informação, podendo, é certo, vir a ser preso a qualquer momento, uma vez que tinham sido emitidos e remetidos à entidade policial competente mandados de detenção do peticionário.

A providência de habeas corpus, no caso de prisão ilegal, tem como pressuposto de facto a prisão atual e como fundamento jurídico a ilegalidade dessa prisão: não serve, por isso, como mecanismo declarativo de uma ultrapassada situação de prisão ilegal, do mesmo modo que não pode ser utilizada como meio preventivo de uma eventual futura prisão ilegal, ou seja, com o fito de prevenir a concretização da “ameaça” da prisão, de modo a “evitar” que o peticionário (ou beneficiário da petição) seja preso. Só a efetiva privação de liberdade pode fundamentar aquela providência (cf. acórdão do STJ, de 11.02.2016, proc. n.º 741/12.0TXPRT-F; no mesmo sentido, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, 2.ª ed., Tomo III, comentário ao artigo 222.º).

No sentido de que a providência de habeas corpus reclama a atualidade da prisão, afastando o habeas corpus preventivo, também Paulo Pinto de Albuquerque, dando, porém, conta de opiniões divergentes (Comentário do Código de Processo Penal, 5.ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, anotação 8 ao artigo 222.º, pp. 965-966):

«O habeas corpus preventivo instaurado contra uma medida de privação de liberdade ainda não executada é defendido por Gomes Canotilho e Vital Moreira (2007: 510). A faculdade resultaria de uma interpretação constitucional do regime legal. A história constitucional portuguesa já conheceu o instituto. Com efeito, o artigo 3.º, n.º 31, da Constituição de 1911 admitia o habeas corpus diante de “iminente perigo de sofrer violência, ou coacção, por ilegalidade ou abuso de poder”. Contudo, o legislador constituinte de 1976 e o legislador da revisão de 1997 não entenderam por bem consagrar tal direito, pelo que não existe base constitucional, nem legal para o referido entendimento (mas admitindo o habeas corpus preventivo a nível constitucional, embora reconhecendo a inexistência de base legal, José Moutinho, in Jorge Miranda e Rui Medeiros, 2010: 699).»

Também Maia Costa, em comentário ao artigo 222.º do CPP (Código de Processo Penal, Comentado, Henriques Gaspar et alii, 2016, 2.ª ed. Revista, pp. 854 e ss.), sustenta que o habeas corpus não pode ser utilizado como meio preventivo de uma futura prisão ilegal, assinalando:

«Na realidade, cabe ao legislador ordinário densificar o conceito de prisão ilegal e a extensão da proteção do habeas corpus, não sendo invocável aqui o disposto no artigo 18.º da Constituição como fundamento para uma amplitude ilimitada ou imprecisa da garantia, à medida das convicções do intérprete. O disposto no art. 31.º da Constituição exige uma “mediação” do legislador, só podendo reputar-se de inconstitucional o regime legal se este esvaziar o núcleo fundamental da garantia, o que manifestamente não é o caso, pois estão seguramente contempladas as situações mais carecidas de proteção. Admite-se que o legislador poderá ampliar a previsão da lei ordinária, mas só ele, não o intérprete.»

Não sendo no nosso quadro legal admissível o habeas corpus preventivo, a petição de habeas corpus, ao tempo em que foi apresentada, revelava-se, nessa perspetiva, desprovida de fundamento.

Entende-se, pois, que a Mm.ª Juíza tenha determinado se colhesse informação, com nota de muito urgente, sobre se o peticionário havia sido detido, pois tal conhecimento era de máxima relevância para a informação a prestar no habeas corpus.

De qualquer modo, tendo sido o peticionário, entretanto, preso, não deixaremos de apreciar a petição no quadro dessa nova realidade.

O peticionário incorre, a nosso ver, em diversos equívocos.

Em primeiro lugar, interposto recurso do acórdão da Relação para o Tribunal Constitucional, foi proferida a Decisão Sumária n.º 291/2024, de 3 de maio, em que o Tribunal Constitucional decidiu do mesmo não tomar conhecimento por ser o recurso legalmente inadmissível.

A referida Decisão Sumária transitou em julgado em 16 de maio de 2024.

De harmonia com o disposto no artigo 80.º, n.º4 da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro):

“Transitada em julgado a decisão que não admita o recurso ou lhe negue provimento, transita também a decisão recorrida, se estiverem esgotados os recursos ordinários, ou começam a correr os prazos para estes recursos, no caso contrário.”

A noção de trânsito em julgado mostra-se contida no artigo 628.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4.º do CPP, segundo o qual "A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”.

No caso, o acórdão da Relação, de 23.01.2024, não era suscetível de recurso para o STJ, admitindo, apenas, a arguição de nulidades ou pedido de correção, sendo que, efetivamente, o ora peticionário arguiu nulidades, o que foi decidido desfavoravelmente por acórdão de 5.03.2024, após o que interpôs, como já se referiu, recurso para o Tribunal Constitucional.

Neste quadro, a data do trânsito em julgado da decisão recorrida coincide com o trânsito em julgado da decisão sumária do Tribunal Constitucional que não conheceu do objeto do recurso – 16.05.2024.

Pretende o peticionário que da circunstância do acórdão da Relação de 23.01.2024 ter consignado que “oportunamente caberá ponderar a eventual aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2/8, competência da primeira instância - art. 14.º do aludido diploma (salvaguardando-se, a esse propósito, a instância de recurso)” decorre que não poderia transitar – e ser, por isso, exequível - sem que transitasse a decisão a ser proferida sobre a aplicação do perdão.

A este propósito, o peticionário faz uma interpretação do acórdão de 23.01.2024 que carece de razão de ser.

Lê-se no referido acórdão:

«O recorrente pretende, ainda, a suspensão da pena de prisão aplicada.

Mas, sendo pressuposto formal da suspensão da execução da pena a condenação em pena de prisão até 5 (cinco) anos (art. 50.º do Cód. Penal), mostra-se arredada a possibilidade de aplicação da pena de substituição.»

No seguinte parágrafo:

«Atendendo à idade do recorrente, oportunamente caberá ponderar a eventual aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2/8, competência da primeira instância - art. 14.º do aludido diploma (salvaguardando-se, a esse propósito, a instância de recurso).»

O peticionário interpreta o referido segmento, estabelecendo uma conexão entre o último parágrafo e o que anteriormente se diz sobre a suspensão da execução da pena, como se a Relação tivesse pressuposto que, caso o peticionário viesse a beneficiar de um ano de perdão, já a sua pena poderia ser suspensa na execução.

Porém, não é o que se depreende do texto do acórdão, mas antes que a Relação, salvaguardando o direito de recurso quanto à decisão sobre o perdão, deixou essa matéria à 1.ª instância, para que apreciasse as questões inerentes à interpretação e aplicação das exceções previstas no artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto.

Mas a questão da aplicação do perdão em nada contende com o trânsito em julgado da condenação, sendo certo que a doutrina e a jurisprudência têm entendido que a pena a ter em conta para decidir do pressuposto formal da suspensão da execução – atualmente, condenação a pena não superior a 5 anos - é a pena aplicada (no caso, 6 anos) e não a pena residual resultante da eventual aplicação do perdão [neste sentido vejam-se, para além de referências de doutrina, as indicações jurisprudenciais de Cruz Bucho, no Estudo «Amnistia e perdão (Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto): Seis meses depois (elementos de estudo)», disponível, em texto integral na página do Tribunal da Relação de Guimarães – https://www.trg], a saber: os Acs do STJ de 17-6-81, BMJ n.º 308, pág. 691, de 21-7-1982, BMJ n.º 319, pág. 166, de 27-4-1995 proc.º n.º 047758, rel. Cons.º Costa Pereira, de 19-4-2006, proc.º n.º 06P655, in Col. de Jur. –Acs. STJ, ano XIV, II, pág. 170, de 10-1-1996, proc.º nº 048715, rel. Cons.º Augusto Alves, de 29-10-1997, proc.º n.º 97P321, rel. Cons.º Flores Ribeiro, de 1-7-1998, proc.º n.º 98P461, rel. Cons.º Augusto Alves, de 17-5-2000, proc.º n.º 150/2000 - 3.ª Secção, rel. Cons.º Lourenço Martins, in Col. de Jur. -Acs STJ, ano VIII, tomo 2, pág. 197, de 17-5-2001, proc.º n.º 1182/01-5ª, rel. Cons.º Dinis Alves, de 21-06-2001 proc. n.º 249/01 - 5.ª Secção, rel. Cons.º Costa Pereira, de 12-12- 2001 proc.º n.º 01P3095, rel. Cons.º Lourenço Martins, ambos in SASTJ, 2001, de 20-3-2003, proc. n.º 504/03 - 5.ª Secção, rel. Cons.º Simas Santos, SASTJ 2003, de 25-11-2004, proc. n.º 3995/04 - 5.ª Secção, rel. Cons.º Quinta Gomes, SASTJ 2004, de 19-4-2006, proc. n.º 655/06 - 3.ª Secção, rel. Cons. Oliveira Mendes e de 1-6-2006, proc.º n.º 2055/06 - 5.ª Secção, rel. Cons.º Pereira Madeira, ambos in SASTJ 2006 e de 19-07-2007 proc. n.º 2834/07 - 3.ª Secção, rel. Cons.º Oliveira Mendes].

Por conseguinte, a circunstância de a decisão de 5 de setembro de 2024, que excluiu a aplicação de perdão, ainda poder ser recorrível e, por via do recurso, revertida, não afasta o trânsito em julgado da condenação.

Também não se vislumbra que o despacho que determinou a emissão de mandados de detenção para cumprimento de pena tivesse de ser notificado ao peticionário.

Sustenta o peticionário, igualmente, a incompetência do tribunal da condenação para emitir mandados de detenção para cumprimento de pena, por pertencer essa competência ao Tribunal de Execução das Penas (TEP).

Não se ignora o debate sobre a competência para a emissão de mandados de detenção destinados ao início da execução da pena, questão que tem na sua génese o sentido interpretativo atribuído às regras que delimitam a competência material do TEP, consagradas no Código de Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade (CEPMPL), aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro.

O tribunal da condenação, no caso em análise, emitiu tais mandados, o que pressupõe o entendimento de que tem, para esse efeito, competência.

E, nesse sentido, não falta, na jurisprudência, quem entenda que ao TEP compete emitir mandados de detenção, captura ou libertação que visem a execução das suas próprias decisões, sendo, em consequência, competente o tribunal da condenação para emitir o mandado de detenção destinado ao início da execução de uma pena de prisão fixada em sentença transitada.

Trata-se, porém, de discussão que não compete dilucidar.

Realmente, quando o artigo 222.º, n.º2, al. a), do CPP, prevê como fundamento de habeas corpus ter sido a prisão “efetuada ou ordenada por entidade incompetente”, não está em causa uma incompetência do tipo da invocada pelo peticionário.

Como se disse no acórdão deste STJ, de 06.02.2019, proc. n.º 127/06.5IDBRG-G.S1:

«A questão da competência para a emissão de mandados de detenção destinados ao início da execução da pena de prisão aplicada por decisão transitada em julgado, se do tribunal da condenação, se do TEP, não tem tido por parte da jurisprudência um entendimento unívoco, como se assinala na informação acima transcrita.

(…)

A providência de habeas corpus não é o lugar adequado para sindicar quaisquer vicissitudes processuais assumidas no processo principal, mormente a questão da competência para emissão dos mandados de detenção para cumprimento de pena de prisão transitada em julgado, mas cumpre deixar claro que qualquer tomada de decisão sobre tal temática sempre será irrelevante para o destino dos presentes autos.

Com efeito, a propósito do fundamento da alínea a) do n.º 2 do art.º 222.º do CPP, ou seja, da prisão efetuada ou ordenada por entidade incompetente, tem sido entendido como sendo a determinada por outra autoridade que não um juiz (prisão a non judice) (v. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª ed., pág. 635 e Ac. STJ de 10.10.2002, Proc. 3420/02 – 5.ª, SASTJ, 64.º, 106) ou por entidade carecida em absoluto de jurisdição para intervir e decidir no caso concreto (Ac. deste STJ de 19.05.2010 (CJ/STJ, 2010, II, pág. 197).

A questão do tribunal competente para a emissão dos mandados de detenção mais que questão de incompetência material configura uma questão de incompetência funcional.

Como refere Maia Costa (Código de Processo Penal, Comentado, de H. Gaspar et al., 2.ª ed., pág. 855), a norma da alín. a) do n.º 1 do art.º 222.º do CPP não tem em vista a incompetência funcional, apenas havendo incompetência se a entidade que efetuou ou ordenou a prisão não tem o estatuto requerido para ordenar a prisão, ou seja, não tem o estatuto de juiz, sublinhamos, com competência em matéria criminal.

E é assim, porque, como com propriedade salientou o cit. Ac. STJ de 19.05.2010 “[a] intervenção de juiz diferente do competente segundo as regras da repartição funcional de competências não envolve nenhuma diminuição de garantias para o arguido e, por isso, não é fundamento de habeas corpus”.

No mesmo sentido se pronunciou também o Ac. STJ de 14.07.2015 (Proc. 2823/09.6PCCBR-A, em www.dgsi.pt) ao considerar que a ilegalidade da prisão que fundamenta o habeas corpus radica sempre numa situação de abuso de poder, “pressuposto que se não verifica nos casos de mau entendimento dos juízes sobre a distribuição das respectivas tarefas no âmbito de um mesmo processo (…) ”.»

Finalmente, muito embora se trate de uma alegação “lateral” ao pedido de habeas, mas que o peticionário não deixou de fazer, importa recordar que a afetação de cada recluso a estabelecimento prisional ou unidade é da competência do Diretor-geral dos Serviços Prisionais (hoje DGRSP), e não do tribunal da condenação, de harmonia com o disposto no artigo 20.º, n.º3, do CEPMPL.

Como é evidente, a condição de saúde do peticionário não poderá deixar de ser atendida e ter o acompanhamento que reclame, estando legalmente previsto que, após o ingresso no estabelecimento prisional, se inicie de imediato a sua avaliação através da recolha de elementos que, no prazo de 72 horas após o ingresso, permitam ao diretor do estabelecimento determinar, por exemplo, além do mais, os cuidados de saúde a prestar ao recluso, mediante avaliação clínica.

A Mm.ª já determinou: “Com cópia da declaração médica junta pelo arguido com a petição de habeas corpus e da certificação dos mandados entretanto juntos aos autos, solicite, de imediato, ao TEP a realização das diligências necessárias com vista ao apuramento do E.P. que melhor se adeque à situação do arguido.»

Tendo em vista a situação clínica do peticionário que está documentada nos autos, julgamos que, em complemento, importa enviar os mesmos elementos e solicitação, com urgência, à DGRSP.

Perante o exposto, não se verifica uma situação de ilegalidade da prisão, pelo que o pedido deve ser indeferido.

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III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a providência de habeas corpus ora em apreciação.

Tendo em vista a situação clínica do peticionário que está documentada nos autos, o tribunal de 1.ª instância, em complemento ao que já determinou quanto ao TEP, deverá alertar, com urgência, caso não tenha feito, a DGRSP, também com cópia da declaração médica junta pelo arguido com a petição de habeas corpus (e de outras que entretanto tenham sido apresentadas) e da certificação dos mandados entretanto juntos aos autos.

Custas pelo peticionário, com 3 UC de taxa de justiça (artigo 8.º, n.º 9, do R. Custas Processuais e Tabela III anexa).

Dê conhecimento imediato à 1.ª instância.

Supremo Tribunal de Justiça, 29 de janeiro de 2025

(certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)

Jorge Gonçalves (Relator)

Vasques Osório (1.º Adjunto)

António Latas (2.º Adjunto)

Helena Moniz (Presidente)