TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PERÍCIA PSIQUIÁTRICA
PENA DE PRISÃO
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Sumário


I. Sendo os recursos restritos a matéria de direito, mantendo-se a conexão e a unidade dos processos (artigos 27.º e 29.º do CPP), devendo o recurso do acórdão que aplicou a pena de 8 anos de prisão ser interposto para o Supremo Tribunal de Justiça e não sendo admissível recurso prévio para a relação, o STJ, sendo o tribunal de hierarquia mais elevada, assume igualmente competência para julgamento do recurso da decisão que aplicou pena inferior a 5 anos de prisão.
II. Pressuposto formal da execução da pena de prisão em regime da permanência na habitação é a aplicação de uma pena de prisão efetiva em medida não superior a dois anos (art.º 43.º do CP); sendo a pena superior a este limite e não se evidenciando erro de direito na sua determinação que deva ser oficiosamente conhecido e de cuja correção possa resultar uma diminuição da medida da pena, improcede o recurso nesta parte.
III. Sendo o recurso para o STJ circunscrito a matéria de direito e não tendo a arguida impugnado a decisão em matéria de facto perante o tribunal da Relação (artigos 427.º e 428.º do CPP), a questão da necessidade de realização de exame psiquiátrico apenas pode conhecer-se no quadro da apreciação das nulidades e dos vícios da decisão recorrida.
IV. Não se demonstrando que a questão da imputabilidade, agora invocada como facto novo, devesse ser apreciada pelo tribunal nem que da alegada omissão tenha resultado insuficiência da matéria de facto para a decisão ou erro notório na apreciação da prova (art.º 410.º, n.º 2, al. a) e c), do CPP) suscetível de afetar a decisão de direito respeitante à observância dos critérios de determinação da medida da pena, improcede o recurso nesta parte.
V. A discordância da arguida resulta, em síntese, de, em seu entender, não terem sido adequadamente valoradas a seu favor as suas condições pessoais (em particular o seu estado de saúde – a «doença do foro psiquiátrico» de que diz sofrer), económicas e sociais, e a situação de necessidade que a teria conduzido à prática do crime, em termos que não encontram correspondência na matéria de facto provada, sendo que apenas estes relevam.
VI. Não questiona a recorrente o elevado grau de ilicitude e de intensidade e persistência do dolo revelados pelas quantidades e variedades (cocaína, heroína, haxixe, canábis) dos produtos estupefacientes, pelo período de tempo (perto de um ano, de junho de 2022 a 23 de abril de 2023) em que desenvolveu as diferentes atividades de tráfico (abastecimento e aquisição no Porto e transporte para outra cidade, «com cariz diário regular e profissional»), com a colaboração dos demais arguidos, por si dirigida, nas deslocações para abastecimento e nas operações de doseamento e entrega dos produtos aos consumidores e no recebimento das quantias correspondentes, nos termos que constam dos factos provados, que constituem fatores de elevada intensidade na determinação da pena.
VII. A matéria de facto provada revela a organização, gestão e controlo, pela arguida, de uma atividade de tráfico regular de substâncias estupefacientes de diferentes e elevados graus de danosidade, com base diária, intensa e repetida, para fornecimento de clientes habituais, na sua residência e em vários locais da cidade onde vivia, usando diferentes veículos automóveis e cartões de telemóvel para estabelecimento de comunicações, manutenção de contactos e organização de entregas e vendas dos produtos. A arguida não exercia qualquer atividade profissional remunerada e assegurava a sua subsistência essencialmente através dos lucros resultantes da atividade de venda de produto estupefaciente.
VIII. A quantidade de estupefacientes traficada e a frequência dos atos de aquisição e venda requeriam meios, planeamento e organização adequados, que foram efetivamente assegurados pela arguida, com a colaboração dos demais arguidos, de modo a satisfazer as necessidades e a procura do mercado local.
IX. Alega ainda a arguida circunstâncias, não comprovadas, que relevam para a definição típica do crime de «tráfico de menor gravidade» (art.º 25.º DL 15/93,) que assenta na técnica do uso de uma cláusula geral, expressa no conceito de «ilicitude consideravelmente diminuída», com recurso a circunstâncias exemplificativas relativas aos elementos da ilicitude da ação.
X. Não se encontram, nas circunstâncias da matéria de facto provada, elementos que, diversamente do decidido no acórdão recorrido, numa avaliação global do facto, permitam afastar o caso do âmbito de previsão da norma incriminadora do tipo fundamental do artigo 21.º do DL 15/93, de 22 de janeiro, agravada, neste caso, pela circunstância da al. i) (utilização da colaboração de menores) do artigo 24.º.
XI. Tendo em conta estes fatores, ponderados nos limites impostos pela medida da culpa, dada a moldura da pena aplicável, não se encontra motivo que possa constituir base de discordância quanto à pena aplicada, em consideração dos critérios da culpa e da prevenção (artigos 71.º do CP), não se mostrando que esta se encontre fixada em violação do critério de proporcionalidade que preside à sua aplicação, em vista da realização das suas finalidades (artigo 40.º do CP).
XII. Não se justificando intervenção corretiva na determinação da medida da pena, é negado provimento ao recurso.

Texto Integral


Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. Por acórdão de 25.6.2024 do Juízo Central Criminal de ... – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, foram os arguidos AA e BB, além de outros, condenados nos seguintes termos:

a) A arguida AA «em co-autoria material, com dolo directo e na forma consumada, nos termos do disposto nos artigos 14.º, n.º 1, e 26.º, ambos do Código Penal, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea i), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (Legislação de Combate à Droga), por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C, anexas àquele diploma na pena de 8 (oito) anos de prisão»;

b) O arguido BB «em co-autoria material, com dolo directo e na forma consumada, nos termos do disposto nos artigos 14.º, n.º 1, e 26.º, ambos do Código Penal, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (Legislação de Combate à Droga), por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C, anexas àquele diploma na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão».

2. Recorrem da condenação apresentando motivações de que extraem as seguintes conclusões:

a) A arguida AA:

“1. No acórdão proferido o Colectivo de Juízes fez uma incorrecta aplicação do art.º 40.º e 71.º, todos do Código Penal e o n.º 1 do art.º 340.º do Código de Processo Penal;

2. O art.º 40º do Código Penal dispõe que a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos, no sentido de tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa.

3. No que á medida da culpa diz respeito, a condição de saúde da Arguida, geradora da sua eventual inimputabilidade ou imputabilidade diminuída, e o seu meio socio-económico, não foi devidamente tido em conta.

4. A pena aplicada não se revela adequada à satisfação das finalidades da punição no sentido em que são superiores às exigidas e não foram ponderados todos os elementos relevantes.

5. O Colectivo de Juízes não fez uma valoração correcta das condições pessoais e económicas da Recorrente.

6. A Recorrente padece de doença de foro psiquiátrico.

7. Tal condição terá de ser entendida como impeditiva de esta elaborar raciocínios condizentes com os de um ser humano colocado na posição de homem médio.

8. O Tribunal deveria ter dado especial valor ao facto de esta ter a sua capacidade de se autodeterminar limitada em função da sua doença do foro psiquiátrico, não podendo, consequentemente, ter capacidade de realizar raciocínios lógicos de acordo com a norma social.

9. Na determinação da culpa da Recorrente, dever-se-ia ter em consideração o elemento biopsicológico, a doença do foro psiquiátrico de que a Recorrente padece, que já se verificava no momento da prática do crime.

10. Associada ao elemento normativo, que se traduz na exigência de que, por força da sua doença a Recorrente não tenha no devido momento sido capaz de avaliar a ilicitude dos factos ou de se determinar de acordo com essa mesma avaliação.

11. O Tribunal deveria ter ponderado se a Recorrente é inimputável ou se ao tempo dos factos esta teria uma imputabilidade diminuída em função da doença do foro mental de que padece.

12. Deveria ter sido ordenada perícia psiquiátrica, nos termos do art.º 159.º do Código Processo Civil, destinada a determinar a existência de um estado psicopatológico que integra o conceito de anomalia psíquica para efeitos de determinação da culpabilidade da arguida.

13. Impunha-se que o Tribunal Colectivo ordenasse a realização de uma perícia psiquiátrica à Recorrente para aferir da sua inimputabilidade ou imputabilidade diminuída, ao assim não proceder foi violado o n.º 1 do art.º 340.º do Código de Processo Penal.

14. Ao assim não ter procedido, o Tribunal Colectivo gerou um vício que não lhe permitiu formar a sua convicção, inquinando todo o Acórdão, invalidando-o.

15. E, consequentemente, determinar a pena a aplicar à Recorrente.

16. O Colectivo de Juízes não levou em linha de conta o facto de a Recorrente viver com cerca de € 250,00 mensais.

17. A Recorrente residia numa habitação sem condições, semi construída.

18. O Colectivo de Juízes para a elaboração de um juízo de culpabilidade da Recorrente teria de levar em conta todos os factos relevantes na actuação desta.

19. O facto de a Recorrente ter passado um longo período sujeita a uma medida de obrigatoriedade de permanência na habitação, o que, logicamente, colocou a Recorrente sem qualquer capacidade de prover ao sustento do seu lar.

20. A sua condição de saúde impossibilita a Recorrente de trabalhar.

21. Sendo o local da residência desta um local “mal frequentado”, associado a graves desigualdades sociais, não tendo esta outro lugar para viver, implicaria que o Tribunal Colectivo tivesse dado o devido relevo a estes factos na determinação da medida da pena.

22. A Recorrente foi deixada ao abandono pela sociedade, a viver num “gueto”, doente, sem meios de subsistência, numa habitação sem qualquer dignidade.

23. Não se poderá fazer um juízo de elevada censurabilidade por esta apenas ter sobrevivido de acordo com as condições que o seu meio tinha para lhe oferecer, isto é, miséria e mais miséria.

24. A Recorrente deveria beneficiar de medidas de conteúdo educativo e pedagógico com especial incidência no seu plano individual.

25. Para a elaboração de um juízo de culpabilidade da Arguida, Recorrente, impunha-se que o Tribunal Colectivo elaborasse uma correcta ponderação de valores sociais e económicos, o que não sucedeu.

26. O Tribunal Colectivo limitou-se a levar a cabo um juízo de culpabilização, em abstrato, fazendo apenas referência ás condições sócio económicas da Arguida, sem mais, não lhes conferindo qualquer relevo.

27. Para uma verdadeira decisão que levasse em conta os critérios de necessidade e adequação da pena impunha-se que o Tribunal Colectivo tivesse em conta a função ressociabilizadora da pena, uma verdadeira função de prevenção especial positiva.

28. O Tribunal deveria ter procurado potencializar na Arguida um verdadeiro efeito de recuperação social, por forma a que esta tivesse uma oportunidade de conduzir a sua vida de acordo com valores socialmente relevantes e com respeito pelos valores da Lei e do Direito.

29. Os princípios jurídico-penais da lesividade ou ofensividade, da indispensabilidade da tutela penal, da fragmentaridade, subsidiariedade e da proporcionalidade, pelo que, o Estado não poderá chegar ao ponto de fazer, da pena, uma arma que, colocada ao serviço exclusivo da eficácia, pela eficácia, do sistema penal, acabe dirigida contra a sociedade.

30. A Recorrente foi condenada a uma pena/castigo, sendo que, tal condenação configurar-se-á como que uma verdadeira condenação á exclusão social e a uma vida sem qualquer dignidade e expectativas de futuro.

31. Atendendo à idade da Arguida, a pena aplicada apenas terá o efeito de esta quando sair em Liberdade após o cumprimento da pena, continuar a ser excluída pela sociedade.

32. O Tribunal Colectivo, na valoração do quantum da pena, deveria ter convocado critérios de ordem social e prudencial, o modo de vida da Recorrente, as necessidades do seu agregado familiar, a falta de resposta social às suas necessidades, bem como o estado de saúde desta.

33. O Tribunal Colectivo na elaboração do juízo decisório, deveria ter atendido a uma avaliação global da situação de facto através de uma ponderação de todos os factores, através dos meios utilizados, da modalidade e das circunstâncias da acção, da quantidade e qualidade das substâncias.

34. Os meios utilizados pela Recorrente eram altamente rudimentares, sem qualquer sofisticação, recebia uma chamada a perguntar se podiam passar em sua casa e esta respondia que sim ou que não.

35. Quanto á modalidade, esta era, também, muito rudimentar, na medida em que a Recorrente se limitava a vender pequenas doses após solicitação.

36. A Recorrente não exercia a sua actividade de um modo altamente rentável, sendo que os “rendimentos” que terá auferido não lhe permitiram ter uma vida de luxo, limitava-se a gerir a seu dia a dia.

37. Quanto às quantidades vendidas, as mesmas eram diminutas, destinando-se a consumo imediato de quem lhas solicitava.

38. A determinação das medidas concretas das penas, nos termos do art. 71º do CP, deve ser feita em função da culpa dos agentes e das exigências de prevenção, atendendo às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente.

39. O Tribunal terá de levar em conta que, por estarmos perante uma condenação por um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelo art. 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea i) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas ao diploma, este é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.

40. Em face dos critérios expostos, considera-se como adequada uma pena de 5 anos de prisão a aplicar à Recorrente.

41. Ou, caso se venha a entender que a Arguida/Recorrente é inimputável ou se encontra perante uma imputabilidade diminuída deve esta ser sujeita a uma medida de segurança nos termos do art.º 91.º do Código Penal.

Termos em que:

E, no mais de direito, sempre se deverá concluir que o Acórdão recorrido deverá ser revogado e substituído por outro, decidindo Vª. Exas., como adequada a aplicação de uma pena de 5 anos de prisão à Recorrente, Ou, caso se venha a entender que a Arguida/Recorrente é inimputável ou se encontra perante uma imputabilidade diminuída deve esta ser sujeita a uma medida de segurança nos termos do art.º 91.º do Código Penal (…).”

b) O arguido BB

“A- Em respeitável acórdão proferido no dia 26 de junho 2024, o arguido foi julgado culpado do crime de trafico de estupefacientes e condenado a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva

B- Inconformado com o acórdão proferido, o arguido deseja a substituição da pena privativa de liberdade pelo cumprimento de pena menos restritiva da liberdade individual de obrigação de permanência na habitação sob vigilância eletrónica

Do pedido:

Finalmente, requer seja dado provimento ao presente recurso, decidindo em conformidade com as sobreditas conclusões, e, finalmente sendo a medida de prisão efetiva substituída pela obrigação de permanência na habitação sob vigilância eletrónica.”

3. Respondeu o Ministério Público, dizendo (conclusões):

“(…)

3- São assim, as conclusões quem fixam o objecto do recurso, artigo 417º, nº3, do Código de Processo Penal.

4- As provas produzidas e analisadas em audiência de julgamento foram avaliadas pelo Tribunal “a quo” no seu todo e segundo o que preceituam os arts.124º a 127º, do Código de Processo Penal, entre outros preceitos legais.

6- A arguida tem um passado criminal de relevo, porém do registo criminal do arguido nada consta.

7- Nada consta do Douto Acórdão e não existem indícios de que a AA padeça de alguma anomalia psíquica, nem sequer ligeira.

8- Tendo o recorrente BB sido condenado em 1ª instância a 2 anos e 6 meses de prisão efectiva pela prática em co-autoria material, com dolo directo e na forma consumada, nos termos do disposto nos artigos 14.º, n.º 1, e 26.º, ambos do Código Penal, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (Legislação de Combate à Droga), por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C, anexas àquele diploma, não pode beneficiar do regime previsto no artigo 43º, do Código Penal.

9- Mesmo que a pena de prisão a foi condenado em 1ª instância o arguido BB, fosse reduzida para o limite de 2 anos, ainda faltaria que: ”as finalidades da execução da pena de prisão”, estivessem reunidas, o que se nos afigura extremamente difícil.

10- Os arguidos questionam a medida da pena.

11- Diz a propósito da medida da pena: o Prof. Germano Marques da Silva [Direito Penal Português, 3, pág. 130], que a pena será estabelecida com base na intensidade ou grau de culpabilidade(...). Mas, para além da função repressiva medida pela culpabilidade, a pena deverá também cumprir finalidades preventivas de protecção do bem jurídico e de integração do agente na sociedade. Vale dizer que a pena deverá desencorajar ou intimidar aqueles que pretendem iniciar-se na prática delituosa e deverá ressocializar o delinquente”.

12- Ou ainda como se diz no Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:” II - Culpa e prevenção constituem o binómio que preside à determinação da medida da pena, art. 71.º, n.º 1, do CP. A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos (dever de observância da norma jurídica), é o fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável – art. 40.º, n.º 2, do CP.

III - Dentro deste limite, a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, in www.dgsi.pt, Proc. nº 315/11.2JELSB.E1.S1, 1-7-2015.

13- Porém o Tribunal “a quo” teve em consideração para a escolha e medida das penas a que foram condenados em 1ª instância os recorrentes, todos os critérios referidos nos arts.40º, 41º e 71º, do Código Penal, conjugados com os factos que se provaram em audiência de julgamento.

14- O binómio culpa /prevenção, foi considerado pelo Tribunal, mostrando-se as penas adequadas, proporcionais e justas.

15- Não padece o Douto Acórdão de qualquer vício ou nulidade e foram respeitados os preceitos legais aplicáveis de Direito Europeu, Constitucional e Criminal.

16- Deve o Douto Acórdão recorrido manter-se na íntegra.

Negando provimento aos recursos.”

4. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º, n.º 1, do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido o seguinte parecer (transcrição), no sentido da improcedência do recurso:

“(…)

Questão prévia. Competência do Supremo Tribunal de Justiça:

O recurso interposto por BB é da decisão da 1.ª instância que o condenou pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-A e I-B, anexas a tal diploma, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efetiva.

Pretende o recorrente que a pena seja substituída pelo Regime de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica (PHVE).

Sendo recurso atinente à matéria de Direito, é competente para o conhecer, em conjunto com o recurso interposto pela coarguida AA, o Supremo Tribunal de Justiça, por ambos os recursos visarem discussão da matéria de Direito e esta coarguida ter sido condenada em pena de prisão superior a 5 anos.

Vale a este juízo o entendimento acolhido pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-05-2020, no Processo n.º 55/19.4PDCSC.L1.S1, segundo o qual ““I - Havendo 1 único processo instaurado aos coautores dos mesmos factos ilícitos típicos criminalmente puníveis, e circunscrevendo-se o recurso de um ou alguns punido com pena superior a 5 anos prisão, ao reexame da matéria de direito, a competência para julgar conjuntamente esses e os recursos interpostos no mesmo processo pelos demais comparticipantes, contanto que não versam a decisão em matéria de facto, pertence ao tribunal de hierarquia mais elevada. (…)”.

Nesta conformidade, cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça competência para apreciar os dois recursos, passamos a apreciar os recursos interpostos.

(…)

4.2. Enquadramento jurídico e análise:

4.2.1. Quanto ao recurso apresentado pelo arguido BB:

O recurso deste arguido, nas duas conclusões apresentadas, não põe em causa nem a qualificação jurídica dos factos, nem o quantum da pena aplicada.

Apenas considera que a pena de prisão de 2 anos e 6 meses que lhe foi aplicada não deve ser cumprida e executada em ambiente prisional, mas antes deve ser substituída por regime de PHVE; pena de substituição igualmente detentiva.

Sobre a determinação concreta da pena principal – já que a sua escolha não se impunha – e sobre a ponderação de pena de substituição e/ou sobre o respetivo modo de execução – em especial a substituição por suspensão da execução da prisão – o acórdão recorrido, depois do devido enquadramento jurídico, fez a devida e acertada ponderação quanto à determinação da medida concreta da pena e quanto à sua substituição no que se refere ao crime pelo qual o veio a condenar, ainda que especialmente atenuada em razão da aplicação do regime penal especial para jovens delinquentes (cf. Dec.-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro e artigos 9.º, 72.º e 73.º, do Código Penal).

Estando cumprido o poder–dever de averiguar da adequação de penas detentivas e não detentivas, a decisão recorrida tem fundamento e legitimidade decisória, pois respeitou os princípios e critérios normativamente enunciados e doutrinal e jurisprudencialmente acolhidos, tendo em conta o contexto concreto da prática dos factos imputados e provados e as razões de prevenção, geral e especial, que no caso se fazem sentir e que, quanto à prevenção especial, são os critérios preponderantes no domínio da aplicação da pena de prisão.

Não sendo questionada a medida da pena de prisão aplicada ou a sua não substituição por suspensão da execução da prisão, quanto à sua substituição pelo regime de PHVE, a respetiva apreciação teria como pressuposto a redução da pena de prisão a medida não superior a 2 anos (artigo 43.º, do Código Penal) o que, sendo medida que é manifestamente inviável de apreciar, face ao objeto do recurso, importa evidente prejuízo para apreciar da respetiva pertinência.

Julgamos, assim, que nenhuma censura deve merecer a decisão recorrida, na parte em questão, devendo o recurso deste arguido improceder.

4.2.2. Quanto ao recurso apresentado pela arguida AA:

(1) Quanto à aventada omissão de perícia psiquiátrica e relevância da sintomatologia depressiva para aferir da (in)imputabilidade:

Envolvendo a questão da condição de saúde (depressão) tanto nas condições pessoais que relevariam na determinação concreta da pena, quanto na culpabilidade em sentido amplo, por via de uma suposta inimputabilidade ou imputabilidade diminuída, a recorrente imputa genérico vício e invalidade ao acórdão recorrido, sem contudo precisar que vício entende verificar–se e que invalidade é a que, normativamente, importa reconhecer.

Em todo o caso, entende ter sido violado o disposto no artigo 340.º, do Código de Processo Penal.

Porém, é alegação que não tem apego nem nos factos provados, nem na tramitação processual.

(…)

Vejamos.

O Código de Processo Penal consagra o modelo do recurso–remédio, pois os recursos apenas visam detetar e corrigir erros de julgamento ou de decisão, não servindo para renovar fases processuais ultrapassadas, designadamente a fase de julgamento, ou para ensaiar novas e alternativas oportunidades para a defesa ou a acusação ajustarem estratégias processuais diversas das que tiveram oportunidade de apresentar no devido tempo e lugar e mediante o devido e justo processo.

A arguida não recorreu da matéria de facto, em sentido restrito ou, com rigor, no sentido amplo (artigos 412.º e 410.º, do Código de Processo Penal), pelo que a matéria de facto decidida e as provas que lhe estão subjacentes já não podem ser discutidas, sendo aspetos da decisão que se devem ter por adquiridos e vinculantes.

Isto posto, além de o acórdão recorrido referir que a recorrente tinha sintomatologia depressiva que justificava acompanhamento psicológico e que a mesma alegou limitar–lhe a capacidade de trabalho, em nenhum lugar se descortina que esse estado ou condição de saúde não fosse há muito conhecido ou que não estivesse a ser tratado ou que condicionasse o livre e esclarecido entendimento dos factos, a respetiva ilicitude, a vontade para os praticar e a liberdade necessária para se determinar de acordo com a avaliação de que a sua conduta violava a proibição legal inerente ao crime de tráfico de estupefacientes agravado que cometeu.

Portanto, uma análise e leitura minimamente atenta e leal dos autos revela tratar–se de alegação manifestamente infundada no que se refere ao escrutínio de uma putativa inimputabilidade ou de uma imputabilidade diminuída (cf. artigo 20.º, do Código Penal), pois estão provados todos os factos que importam ao dolo e à culpa da arguida (factos provados 19 a 25) e que suportam a imputabilidade penal.

Por outro lado, sendo certo que uma perícia para aferir da imputabilidade ou inimputabilidade do arguido pode ser ordenada oficiosamente ou a requerimento no decurso da audiência de julgamento, nos termos do artigo 351.º, do Código de Processo Penal, não menos certo é que, para aferir se o arguido sofre de alguma anomalia psíquica que possa justificar o juízo de inimputabilidade, nos termos do artigo. 20.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, ou para justificar o juízo de imputabilidade diminuída, nos termos do artigo 351.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a perícia em causa e com esse propósito só é imposta por lei e só deve ser realizada quando, v.g. em audiência, se suscitar fundadamente a questão da inimputabilidade ou da imputabilidade diminuída do arguido, conforme decorre do disposto no artigo 351.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal.

Ora, para se considerar que a questão (da capacidade da arguida para se determinar livremente e avaliar criticamente os seus atos e respetivas consequência jurídico–penais) tenha sido fundadamente suscitada, ela teria de colher apoio e justificação em elementos probatórios existentes que originassem a plausibilidade da sua consideração, designadamente em razão dos depoimentos, documentos e declarações ou perícias que disso dessem sinal.

Nada disso evola dos autos, como também não se enxerga do texto e contexto da decisão recorrida, conjugado com as regras de experiência comum, qualquer fundamento que justifique uma sindicância à luz do regime dos erros–vícios ou à luz de uma qualquer nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

Para o efeito não importam os argumentos do recorrente, mas uma omissão relevante de posição ou de decisão do tribunal sobre questões que a lei impõe que sobre elas o juiz tome posição expressa, quer por lhe terem sido submetidas pelos sujeitos processuais interessados, quer as que sejam de conhecimento oficioso e independentes de alegação.

Deste modo, não só a questão da inimputabilidade ou da imputabilidade diminuída não se colocou de modo relevante e fundado para determinar a realização da perícia, que a recorrente viu omissa, como sobre a sintomatologia depressiva o tribunal se pronunciou, mas nunca a ponto de a entender tributária de qualquer dúvida sobre a imputabilidade da arguida.

E bem assim andou!

De facto, nem uma sintomatologia depressiva equivale automaticamente a questionar a imputabilidade penal, nem impede que a capacidade do agente para compreender e controlar os seus atos esteja, por si só comprometida a ponto de justificar uma inimputabilidade penal.

É igualmente evidente que muito menos existe indício, quer nos autos, quer na fundamentação decisória, de qualquer nexo causal entre a sintomatologia depressiva e o comportamento criminoso, a não ser que os sentimentos prolongados de tristeza, angústia, vazio, desespero e perda de interesse por muitas atividades – que normalmente caraterizam a depressão e, em casos extremos, levam ao suicídio – se tenham como automaticamente condicionantes da plena consciência e capacidade de avaliação da ilicitude do facto e da autodeterminação de acordo com essa avaliação; o que seria evidentemente contrário às regras da experiência comum.

A conduta provada e imputada à arguida é bem demonstrativa do contrário.

É demonstrativa de uma conduta criminosa de tráfico, principalmente de heroína e cocaína, consciente e voluntariamente desenvolvida na liderança de uma pequena organização que incluía menores, para a qual nenhuma circunstância exógena ao agente se pode ter por relevante á luz do disposto no artigo 72.º, n.º 1 e 2, do Código Penal.

Assim, salvo o devido respeito, não pode a recorrente querer fazer crer que a sintomatologia depressiva ou a mortificação inerente a esse estado fosse determinante para não a impedir de usar menores como “peões” do seu esquema ou para persistir na conduta por quase um ano ou que a sua saúde mental neutralizasse seletivamente as normas que punem o tráfico de estupefacientes.

Se é incompreensível que essa pudesse ser uma via terapêutica para o tratamento da depressão, também não se compreenderia que esse quadro emocional depressivo incapacitasse a recorrente de perceber a ilicitude da sua conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação no desenvolvimento da atividade criminosa, muito menos para quem já tinha “experiência” na matéria por via da prisão sofrida por factos homólogos.

Seria preciso muito mais do que a mera alegação, designadamente seria preciso que existissem factos que não só demonstrassem que a depressão, pela sua gravidade, provocou alterações na esfera intelectiva e volitiva, como também demonstrassem que o crime que praticou se explicava por via dessa patologia.

Nada disso está provado, nem sequer é discutível, porque seria laborar em factos inexistentes.

Esquecendo o que pode existir de fantasioso, nem o tráfico pode ser terapia para a depressão, nem uma sintomatologia depressiva em tratamento explica o tráfico de estupefacientes, justifica a sua ilegalidade ou exclui a culpa.

Nestes termos é para nós manifesto que o recurso deve improceder nesta parte.

(2) Quanto à pena concreta aplicada:

Relevantes, no caso, são as considerações sobre a culpabilidade em sentido amplo (artigo 71.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do Código Penal), designadamente a elevada ilicitude material dos factos, o modo de execução, a intensidade do dolo (premeditação e persistência na vontade de traficar), a gravidade concreta dos factos, o grau de censurabilidade da arguida traduzida pelos sentimentos, motivos, aspetos da personalidade revelados na execução dos factos e fins que determinaram o cometimento do crime, como o são a identificação dos concretos factos reveladores da graduação da medida da culpa (artigo 71.º, n.º 1, alíneas d) e e), do Código Penal), traduzidos no percurso pessoal do agente, processo de socialização e integração social, capacidade de determinação pela norma violada; a par – e não menos importante – com a identificação dos fatores relevantes para a avaliação das necessidades de prevenção geral e especial (negativa ou de prevenção da reincidência e positiva ou atinentes a aspetos de personalidade quanto à consciencialização sobre o facto ilícito – artigo 71.º, n.º 1, alíneas d) e f), do Código Penal), cuja ilustração ficou patenteada no acórdão recorrido (…).

Salvo o devido respeito, não pode a recorrente alegar, entre o mais – apelando a uma condição de “vítima” –, que “Não se poderá fazer um juízo de elevada censurabilidade por esta apenas ter sobrevivido de acordo com as condições que o seu meio tinha para lhe oferecer, isto é, miséria e mais miséria.” (conclusão 23 e destaque nosso), pois o crime de tráfico de estupefacientes em questão, sendo agravado, tem um grau de ilicitude muito elevado por envolver a utilização, não de um, mas de dois menores, além de todos os demais fatores que contam para a determinação concreta da pena e que já foram elencados.

N verdade, a conduta da recorrente tem subjacente um elevadíssimo desvalor da ação e de perigo de resultado, acentuando correspondentemente ilicitude e culpa, tanto mais elevadas, uma e outra, quanto – ao contrário do defendido pela recorrente – representa, isso sim, uma extrema indiferença pela exploração da miséria alheia, alegadamente aliada à própria, mas onde o ganho económico rápido fez e, em geral, faz por ignorar as consequências para a saúde pública, capitalizando exclusões, vulnerabilidades alheias e perpetuando ciclos de pobreza, corrupção, violência e ruína institucional, pelo que uma imagem global do facto não consente, pelos sinais referidos, que se identifiquem fatores que diminuam o grau de ilicitude ou a censurabilidade, como pretende a recorrente.

Como vem sendo jurisprudência firme e reiterada do Supremo Tribunal de Justiça, o exame e sindicância, em sede de recurso, da adequação ou correção da medida concreta da pena, só é justificado em casos de manifesta desproporcionalidade (injustiça) ou em situações de manifesta violação da racionalidade e das regras da experiência (arbítrio) nas operações de determinação previstas por lei, como a indicação e consideração dos fatores de determinação e medida da pena, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efetuada.

Apenas nas situações referidas é que se justifica uma intervenção do tribunal de recurso para alterar a escolha e a determinação da espécie e da medida concreta da pena.

No caso é sobretudo de destacar a grave falta de preparação da arguida para manter conduta lícita, pois apesar das anteriores condenações em penas de prisão por factos homólogos, retomou a atividade de tráfico de estupefacientes – indiferente à sintomatologia depressiva que alega – consubstanciando aspetos da personalidade que acentuam ainda mais a intensidade da culpa e as elevadas exigências de prevenção geral e especial, razões que, aliadas às demais, são suficientes para considerar que a pena de 8 anos de prisão não se mostra desproporcionada, injusta, nem foge aos parâmetros do Supremo Tribunal de Justiça neste tipo de casos.

Ora, todos os fatores atrás salientados e os demais referidos no acórdão recorrido com relevo, validade e legitimidade para a determinação concreta da pena foram criteriosamente ponderados e neles não vemos desproporcionalidade, arbítrio, incorreções ou omissões da indicação dos fatores relevantes e admissíveis para o efeito, nos termos do artigo 71.º do Código Penal, quer atenuantes, quer agravantes, pelo que ficam limitados os poderes de cognição deste Supremo Tribunal e limitados também ficamos a subscrever a resposta apresentada pelo Ministério Público em 1.ª instância que, em termos suficientes e com apoio no acerto das razões expostas no acórdão recorrido, nelas se baseou para demonstrar a sem–razão do recurso, em termos que se acompanham, nada mais, com relevo, se oferecendo acrescentar.

Nesta parte, deve o recurso também improceder.

4.3. Conclusão:

Em conformidade, somos de parecer que os recursos deverão ser julgados improcedentes, confirmando–se integralmente a decisão recorrida.”

5. Notificados para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, os arguidos nada disseram.

6. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso foi julgado em conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

II. Fundamentação

7. O tribunal de 1.ª instância julgou provados os seguintes factos:

“1. Desde data não concretamente apurada, mas, pelo menos, desde Junho de 2022 até ao dia 23 de Abril de 2023, a arguida AA, também conhecida por “CC” e “DD”, actuando directamente e através dos demais arguidos, dedicou-se, com cariz diário, regular e profissional, à aquisição e venda a terceiras pessoas, mediante contrapartida monetária superior ao despendido com a sua aquisição, para consumo directo de produto estupefaciente, designadamente, COCAÍNA, HEROÍNA, HAXIXE E CANÁBIS.

2. No âmbito dessa actividade por si desenvolvida, a arguida AA, socorrendo-se essencialmente do arguido EE, abastecia-se, pelo menos, uma ou duas vezes por semana, na cidade ..., designadamente, no Bairro ..., aí adquirindo produto estupefaciente a diversos fornecedores a um preço muito inferior àquele pelo qual posteriormente vendiam na cidade de ..., designadamente:

a) adquiria pedras de cocaína (aproximadamente com cerca de 0,2gramas), cada uma, pelo valor de 5,00 euros (cinco euros), que, posteriormente, vendia na cidade ..., em média, pelo valor de 15,00 euros (quinze euros), cada uma; e

b) adquiria pacotes de heroína, pelo valor de 2,5 euros (dois euros e cinco cêntimos), cada pacote, e posteriormente vendia, na cidade de ..., cada pacote, pelo valor médio de 10, 00 euros (dez) euros;

c) por norma, adquiria cerca de 1200,00 euros a 1300,00 euros de estupefaciente em cada uma dessas deslocações para posteriormente vender na cidade de ....

3. No âmbito da referida actividade desenvolvida e no aludido período temporal, a arguida AA fez-se valer da directa colaboração, designadamente, do arguido EE, com quem mantinha um relacionamento amoroso e coabitava e pelo menos, desde Janeiro de 2023, do arguido BB, que passou a residir na habitação daquela, menor de idade, aos quais incumbiu, entre outras, as tarefas de coadjuvação de deslocações para aquisição/provisão de produto estupefaciente, de doseamento do produto estupefaciente e na entrega aos consumidores do estupefaciente e recebimento da correspondente contrapartida monetária, nos termos descritos em 12.1 e ss.

3.1 A arguida AA fez-se ainda valer da directa colaboração do arguido FF, filho daquela, também menor de idade assim como do arguido GG, a quem atribuía, ainda que de forma esporádica, as tarefas de coadjuvação de deslocações para aquisição/provisão de produto estupefaciente (no caso do arguido FF) e na entrega gratuita ou onerosa aos consumidores do estupefaciente (no caso dos arguidos FF e do GG) nos termos descritos em 12.1 e ss.

4. Nas deslocações inerentes ao abastecimento de produto de estupefaciente aos consumidores, a arguida AA, através do arguido EE, dispunha e utilizava, como utilizou, o veículo automóvel de marca “AUDI A4”, azul, com a matrícula ..-..-ZS, e ainda o veículo automóvel marca “RENAULT Laguna”, com a matrícula ..-..-TP.

5. Contou ainda, em algumas ocasiões, com a colaboração de alguns consumidores encartados na condução de tais veículos, quando, designadamente, incumbia o arguido BB, que não era titular de habilitação legal para conduzir, de comprar estupefaciente, para posterior revenda, na cidade ..., designadamente, no Bairro da ....

6. A actividade de compra e venda de produto estupefaciente delineada e exercida pela arguida foi essencialmente executada a partir da residência que ambos partilhavam, sita na Urbanização ..., em ... e nas suas imediações em virtude de à arguida ter sido aplicada em 14/04/2022 a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação no âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 490/21.8..., que corre termos no Juízo Central Criminal de ... – J3, vigente até ao dia 27/03/2023.

7. Nesta estrutura, arguida AA assumiu uma posição de supremacia, gerindo a actividade e coordenando, entre o mais, a compra/abastecimento do produto de estupefaciente e a sua posterior venda, o preço de venda do produto e eventuais descontos, estes, só mediante prévia autorização da mesma, contando, para o efeito, com a colaboração directa dos demais arguidos, em especial o arguido BB que, assim, tomam parte activa na actividade exercida, permitindo o seu desenvolvimento.

8. No âmbito actividade de venda do produto de estupefaciente, os consumidores/compradores contactavam, na maioria das vezes e previamente, a arguida AA para o número de telemóvel ... ... .22 por esta utilizado, estabelecendo chamada telefónica com a mesma ou enviando mensagem escrita (SMS) a fim de, mediante a utilização de linguagem codificada, averiguar da disponibilidade de produto estupefaciente, sendo, posteriormente, acordado o momento e, em caso de impossibilidade de deslocação à residência da arguida, o local do encontro para a aquisição e venda de produto estupefaciente, designadamente, utilizando nessas conversações expressões tais como: “ …posso passar ai?”, “.... tás em casa?”, “.... já passo aí?”, “… posso ir aí tomar café?”, referenciando ainda “açúcar” para cocaína e “café” para heroína.

9. Assim, desde, pelo menos, o mês de Junho de 2022 até ao dia 23 de Abril de 2023, data em que foi detida à ordem dos presentes autos, por diversas vezes, a arguida AA, por si e com a directa intervenção e colaboração dos arguidos EE, BB, FF, e GG, venderam produto estupefaciente, designadamente HEROÍNA, COCAÍNA e CANÁBIS, a diversos consumidores que, para o efeito, se deslocaram à residência, sita na morada supra indicada e/ou às suas imediações, e ainda em outros locais tais como, residência dos próprios consumidores, Centro Cultura de ..., estação de autocarros, na cidade ..., Centro de Camionagem de ..., no ..., na cidade de ..., num monte junto ao Bom dia Continente, e ainda junto ao Forte de ..., sempre após prévio contacto com a arguida AA, por indisponibilidade dos consumidores se deslocarem à sua residência ou por determinação daquela, tudo nos termos descritos em 12.1 e ss.

10. Assim, nos referidos locais e período temporal, os arguidos venderam e cederam a título gratuito, e ainda entregaram como contrapartida por serviços prestados, produto estupefaciente, pelo menos, aos consumidores descritos em 12.1 e ss. além de outros, cuja identidade não foi possível apurar.

11. Fizeram-no, nomeadamente, nos lapsos temporais e locais que se alinham infra:

11.1 Desde o mês de Dezembro de 2022 até 23 Abril de 2023, HH, conhecido por “HH” ou “HH”, consumidor de heroína e utilizador do n.º de telemóvel .......44, após contactar previamente os arguidos AA ou BB, utilizador do n.º de telemóvel .......52, a fim de adquirir produto estupefaciente daquela natureza:

a) deslocou-se à residência dos arguidos, com frequência de uma a duas vezes por semana, designadamente, no dia 19/04/2023, adquirindo, em cada ocasião, entre um a cinco pacotes, pagando o valor de 10,00 euros por cada pacote, tendo o produto de estupefaciente sido entregue pelo arguido BB;

b) Pelo menos por uma ocasião, adquiriu um pacote de heroína, mediante a entrega do valor de 10,00 euros, tendo, para o efeito, se encontrado junto ao Centro Cultural de ..., com o arguido BB, que entregou o produto e recebeu a respectiva quantia monetária, conforme previamente combinado, o que tudo perfaz em média, pelo menos, a quantia total de 380,00 euros (trezentos e oitenta euro) [(4 meses x 4 semana) + três semanas x (2 pacotes x 10,00 euros)].

11.2 Desde, pelo menos, o mês de Novembro de 2022 até 23 Abril de 2023, II, consumidor de cocaína, após contactar previamente os arguidos AA ou BB, através da aplicação Messenger do Facebook, com frequência de duas a três vezes por semana, deslocou-se à residência dos arguidos, nos dias 14/11/2022, 30/11/2022, 07/12/2022, 02/12/2022, 12/12/2022, e 18/01/2023, ao volante do da viatura, marca/modelo Seat Ibiza, com matrícula ..-..-UZ, e no 22/04/2023, a fim de adquirir produto estupefaciente daquela natureza, adquirindo, em cada ocasião, entre uma a duas doses/pedras, pagando o valor de 15,00 euros por cada dose/pedra, tendo o produto sido entregue em, pelo menos, uma ocasião pela arguida AA e, posteriormente, por BB, o que tudo perfaz, em média, pelo menos a quantia total de 345,00 euros (trezentos e quarenta e cinco euros [(5 meses x 4 semanas) + 3 semanas x 15,00 euros].

11.3 Desde, pelo menos, o mês Novembro de 2022 a 03 de Dezembro de 2022, JJ, consumidor de haxixe e cocaína, utilizador do n.º de telemóvel .......83, após contactar previamente os arguidos AA e EE, deslocou-se à habitação destes, em algumas ocasiões, ao volante dos veículos automóveis, com a matrícula ..-..-GS, BMW, 318 TDS, cor cinza, e com a matrícula ..-..-XZ, AUDI, A4, a fim de adquirir produto estupefaciente daquela natureza, e no respectivo apartamento adquiriu, para seu consumo, pelo menos:

a) cerca de 20 (vinte) vezes, uma pedra/dose de cocaína, pagando o valor de 15,00 (quinze euros), por cada dose/pedra, tendo o produto e a respectiva contrapartida monetária sido entregue e recebida em cada uma dessas ocasiões pela arguida AA, perfazendo a quantia total de 300,00 euros (trezentos euros); e

b) cerca 40 (quarentas) vezes, a quantia de 5,00 euros em haxixe, tendo o produto e a respectiva contrapartida monetária sido entregue e recebida em cada uma dessas ocasiões pelo arguido KK, perfazendo a quantia total de 200,00 euros (duzentos euros).

11.4 Desde, pelo menos o mês de Dezembro do ano de 2022 até Março de 2023, LL, também conhecido por LL, utilizador do n.º de telemóvel .......04, em datas não concretamente apuradas, após contactar previamente a arguida AA deslocou-se à residência desta e no seu interior comprou cocaína para seu consumo, entre 3 (três) a 4 (quatro) pedras, pelo menos, entre 7 a 8 vezes, pagando o valor de 15,00 (quinze euros), por cada dose/pedra, num total de 21 (vinte e uma) pedras, tendo, em todas as ocasiões, o produto e a respectiva contrapartida monetária sido entregue e recebida pela arguida AA, o que tudo perfaz, pelo menos, a quantia total de € 315,00.

11.5 Desde, pelo menos, Setembro do ano de 2022 a Março de 2023, MM, também conhecido por MM e MM, utilizador do número de telemóvel .......06, após contactar previamente a arguida AA, deslocou-se à residência desta por duas ou três vezes, sendo que numa dessas vezes, estando de saída, comprou, uma dose/pacote de heroína pelo valor de 10,00 (dez) euros, tendo o produto e a respectiva contrapartida monetária sido entregue e recebida pelo arguido GG.

11.6 Nos dias 28/12/2022 e 25/01/2023, NN, consumidor de Haxixe e utilizador do n.º de telemóvel ...........65, deslocou-se ao volante do veículo com a matrícula ...-...LDY, marca BMW 320, cor cinzenta, à residência daquela e no seu interior, em cada uma dessas ocasiões, comprou haxixe para seu consumo, pela quantia de 20,00 euros (vinte) euros, tendo o produto e a correspondente quantia sido respectivamente entregue e recebida pelo arguido BB, o que perfaz a quantia total 40,00 (quarenta euros).

11.7 Desde, pelo menos, Agosto do ano de 2022 até 23 de Abril do ano de 2023, OO, consumidor de cocaína e haxixe utilizador dos n.ºs de telemóvel .......75 e .......97, e proprietário e condutor habitual do veículo ..-..-DB, marca Renault, modelo Clio, com uma frequência de, pelo menos, uma vez por semana, após contactar previamente a arguida AA, deslocou-se à residência desta, a fim de adquirir produto estupefaciente daquela natureza, e comprou para seu consumo, em média, pelo menos, uma dose/pedra de cocaína por semana, pagando o valor de 15,00 euros (quinze euros) por cada pedra/dose, tendo o produto sido sempre entregue e a correspondente quantia monetária recebida pela arguida AA no interior da residência dos arguidos, o que tudo perfaz a quantia total de 525,00 [(8 meses x 4 semanas) + 3 semana x (15,00 euros x 1 pedra/dose).

11.8 Desde pelo menos, o mês de Novembro do ano de 2022 até finais do mês de Abril do corrente ano de 2023, PP, também conhecido por PP”, proprietário e condutor habitual do veículo ..-..-JI, marca Renault, modelo Clio, cor branca, consumidor de heroína, comprou pelo menos, oitenta vezes, nos meses de Janeiro a Abril do ano de 2023, designadamente, nos dias 02/01/2023 a 06/01/2023, e 08/02/2023, em média, dois pacotes/doses, em cada uma dessas ocasiões, pelo valor de 10,00 euros (dez euros) cada dose/pacote, no interior da residência da arguida, e em outras ocasiões junto ao ..., em ..., e no centro da camionagem da Auto ..., tendo o produto e a respectiva contrapartida monetária sido sempre entregue e recebida respectivamente pelo arguido BB em cada uma dessas ocasiões, o que perfaz a quantia total de 800,00 euros (oitocentos euros) [2 pacotes + 10,00 euros x 80 vezes].

11.9 Pelo menos, desde finais do mês de Dezembro do ano de 2022 (entre o natal e a passagem de ano) e o mês Março do ano de 2023, QQ, conhecido por QQ, consumidor de cocaína, utilizador do n.º de telemóvel .......10, e condutor habitual do veículo com a matrícula ..-..-JM, marca Peugeot, modelo 106, registado em nome da sua mulher (cfr. fls 223), e do veículo com a matrícula AV..HG, marca Renault, modelo Express, cor branca (fls 333), comprou para seu consumo, duas a três vezes por semana, uma pedra/dose de cocaína, pelo valor de 15,00 euros (quinze euros), por cada pedra/dose, em cada uma dessas ocasiões, designadamente, nos dias 28/12/2022, 25/01/2023 e 14/02/2023, num total de cerca de quarenta vezes, na cozinha da residência da arguida, tendo o produto e a respectiva contrapartida monetária sido entregue e recebida pelo arguido BB em cada uma dessas ocasiões, o que perfaz a quantia total de 600,00 euros (seiscentos euros).

11.10 Desde, pelo menos, Novembro do ano de 2022 até 23 de Abril de 2023, RR, conhecido por RR, utilizador do n.º de telemóvel .......11, consumidor de heroína há cerca de 15 anos, após contactar previamente a arguida AA, a fim de adquirir produto estupefaciente da mesma natureza, comprou heroína para seu consumo:

a) entre os meses de Novembro de 2022 e Janeiro/Fevereiro de 2023, cinco vezes, uma dose/pacote, pelo valor 10,00 euros (dez euros), cada dose/pacote, na residência da arguida, tendo o produto e a respectiva contrapartida monetária sido entregue e recebida pela arguida AA, no total de € 50,00;

b) posteriormente, em finais de Março ou em princípios do mês de Abril do ano de 2023, quinze vezes, uma dose/pacote em cada uma dessas ocasiões, pelo valor 10,00 euros (dez euros), cada dose/pacote, no hall da entrada da residência da arguida e junto ao Centro cultural de chaves, localizado próximo da Auto ..., tendo o produto sido entregue e a respectiva contrapartida monetária recebida pelo arguido BB em cada uma dessas ocasiões, o que perfaz a quantia total de 150,00 euros (cento e cinquenta euros).

11.11. Pelo menos, nos meses de Março e Abril do ano de 2023, SS, conhecido por SS, consumidor esporádico de heroína, proprietário e condutor habitual do veiculo com a matrícula XF-..-.., marca Opel, modelo Astra, de cor branca (fls 530), comprou heroína, para seu consumo, pelo menos, uma vez uma dose/pacote pelo valor unitário de 10,00 euros (dez euros), designadamente em um dos dias 06/03/2023 e 14/04/2023, no interior da residência da arguida, tendo o produto sido entregue e a respectiva contrapartida monetária recebida pela arguida AA, o que perfaz a quantia total monetária de 10,00 euros (dez euros).

11.12. No período compreendido entre Julho ou Agosto do ano de 2022 e Janeiro de 2023 e finais do mês de Março de 2023 até 23/04/2023, TT, conhecido por TT, consumidor de Cocaína, após contactar previamente a arguida AA, a fim de adquirir produto estupefaciente da mesma natureza, deslocou-se quase diariamente à residência desta, designadamente, nos dias 07/12/2022, 28/12/2022, 19/04/2023, e no hall de entrada, comprou cocaína para seu consumo:

a) num total não inferior a 10 (dez) vezes, duas pedras/doses dessa substância (cocaína), pelo valor de 10,00 euros (dez euros), cada pedra/dose tendo o produto sido entregue e a respectiva contrapartida monetária sido recebida metade das vezes pela arguida AA e a outra metade pelo arguido EE, o que perfaz a quantia monetária total de € 200,00 euros;

b) cerca de vinte e cinco vezes, duas pedras/doses dessa substância (cocaína), pelo valor de 10,00 euros (dez euros) cada pedra/dose, tendo o produto sido entregue e a respectiva contrapartida monetária recebida pelo arguido BB, o que perfaz a quantia monetária total de € 500,00.

11.13. No período compreendido entre os meses de Outubro ou Novembro do ano de 2022 até meados do mês de Abril do ano de 2023, UU, conhecido por “UU”, “UU” ou UU”, utilizador do n.º de telemóvel .......98, consumidor de heroína e cocaína há muitos anos, após contactar previamente a arguida AA, a fim de adquirir produto estupefaciente da mesma natureza, deslocou-se à residência desta, pelo menos, vinte vezes, onde, no interior do apartamento, mais precisamente no hall da entrada, comprou cocaína para seu consumo, em média, duas pedras/doses dessa substância, em cada uma dessas ocasiões, pagando o valor de 15,00 euros (quinze euros) por cada pedra/dose, tendo o produto sido entregue e a respectiva contrapartida monetária sido recebida pelo arguido EE em dez dessas ocasiões e as outras dez pelo arguido BB, o que perfaz a quantia total de 600,00 euros (seiscentos euros) [20 vezes x (2 doses x 15,00 euros)] (seiscentos euros).

11.14. Pelo menos, no período compreendido entre os meses de Julho ou Agosto do ano de 2022 até 23 de Abril de 2023, VV, conhecida por “VV”, utilizadora dos n.ºs de telemóvel .......61, .......11 e .......04, consumidora de heroína, cocaína e canabis, após contactar previamente a arguida AA, a fim de adquirir produto estupefaciente da mesma natureza, comprou inúmeras vezes, para seu consumo, designadamente:

a) pelo menos, três vezes, cocaína e heroína, em média, em cada uma das ocasiões, uma pedra/dose de cocaína, pelo valor de 15,00 euros (quinze euros) cada pedra/dose e um pacote/dose de heroína, pelo valor unitário de 10,00 euros (dez euros), no interior da residência dos arguidos, tendo-se deslocado, numa dessas ocasiões, designadamente, no dia 19/04/2023, no veículo com a matrícula ..-..-XQ, conduzido, ao tempo, pelo seu companheiro WW, e tendo o produto de estupefaciente e a respectiva contrapartida monetária sido entregue e recebida, em uma dessas ocasiões pelo arguido EE e nas outras duas vezes pela arguida AA, o que perfaz a quantia total de € 75,00;

b) um total não inferior a cem vezes, em média, em cada uma das ocasiões, uma pedra/dose de cocaína, pelo valor de 15,00 euros (quinze euros) cada pedra/dose e um pacote/dose de heroína, pelo valor unitário de 10,00 euros (dez euros,) na residência da arguida AA e num monte localizado por de trás do Continente Bom dia, em ..., tendo o produto de estupefaciente e a respectiva quantia monetária sido entregue e recebida pelo arguido BB, o que perfaz quantia total de 2500,00 euros (quatro mil euros) [100 x (15,00) + (100 x 10,00)];

c) esporadicamente, por semana, pelo menos 10,00 euros (dez euros) de canabis, tendo o produto de estupefaciente e a respectiva quantia monetária sido entregue e recebida pelo arguido BB, o que perfaz quantia total de 390,00 euros [(9 meses x 4 semanas) + 3 semanas x 10,00 euros].

11.15. Pelo menos, no período compreendido entre os meses de Dezembro do ano de 2022 até poucos dias antes da arguida AA ter sido detida em 23 de Abril de 2023, XX, conhecido por “XX”, utilizador do n.º de telemóvel .......86, e consumidor de heroína e de cocaína, após previamente contactar com a arguida AA, a fim de adquirir produto estupefaciente da mesma natureza, deslocou-se, várias vezes, designadamente, nos dias 07/12/2022, 12/12/2022, 13/12/2022, 23/02/2023, 15/03/2023, 23/03/2023 e 18/04/2023, ao volante do veículo automóvel com matrícula ..-AQ-.., marca Toyota, modelo Avensis, e nos dias 18/01/2023 e 25/01/2023, ao volante do veículo com a matrícula ..-..-QU, marca Fiat, modelo Strada, à residência dos arguidos e no interior do respectivo apartamento, mais precisamente, no hall de entrada:

a) comprou heroína para seu consumo, duas a três vezes por semana, num total não inferior a quarenta vezes, em média, uma dose/pacote de heroína, pelo valor de 10,00 euros (dez euros), por cada pacote/dose, em cada uma dessas ocasiões, tendo o produto de estupefaciente e a respectiva quantia monetária sido entregue e recebida pelo ao arguido BB, o que perfaz a quantia monetária total de 400,00 euros (quatrocentos euros);

b) comprou cocaína para seu consumo, duas ou três vezes, uma pedra/dose de cocaína, pelo valor de 15,00 euros (quinze euros), cada pedra/dose, tendo o produto de estupefaciente e a respectiva quantia monetária sido entregue e recebida pelo ao arguido BB, num valor total não inferior a € 30,00.

11.16. Pelo menos, no período de Dezembro de 2022 até, pelo menos, de 17 de Abril de 2023, YY, conhecido por “YY”, utilizador do n.º de telemóvel .......35, e consumidor de heroína e cocaína, após previamente contactar com a arguida AA, a fim de adquirir produto estupefaciente da mesma natureza, deslocou-se, várias vezes, à residência dos arguidos, onde no interior do respectivo apartamento adquiriu e recebeu da arguida heroína e cocaína, designadamente:

a) no mês de Janeiro de 2023, em data não concretamente apurada, a arguida AA, no interior da sua residência, ofereceu, a título gratuito, a YY, uma dose de heroína que este recebeu, para seu consumo;

b) uns dias mais tarde, a arguida AA, no interior da sua residência, entregou, para vender na cidade de ..., vinte pacotes/doses de heroína e dez pedras/doses de cocaína, a YY, que este recebeu e levou consigo;

c) no entanto, YY, em lugar de vender os aludidos produtos de estupefaciente, consumiu-os na sua totalidade, não chegando a realizar qualquer venda, nem a entregar à arguida AA qualquer valor monetário por esses estupefacientes;

d) posteriormente, em data não concretamente apurada, no inicio do mês de Abril do ano de 2023, a arguida AA deslocou-se a casa YY, localizada na localidade de ..., e a pedido deste levou e vendeu-lhe uma pedra de cocaína, pelo valor de 15,00 euros (quinze euros).

e) entre os meses de Março e Abril do ano de 2023, em datas não concretamente apuradas, após contactar previamente com a arguida AA, o referido consumidor comprou para seu consumo, pelo menos, duas vezes, um pacote/dose de heroína, pelo valor de 10,00 euros (dez euros), na zona das caldas de ..., e uma vez um pacote/dose de heroína, pelo valor de 10,00 euros e uma pedra/dose de cocaína pelo valor de 15,00 euros (quinze euros), junto ao ... e do Continente Bom Dia, na cidade de ..., tendo, em cada uma das referidas ocasiões, o produto de estupefaciente e a respectiva quantia monetária sido entregue e recebida pelo ao arguido BB, o que perfaz a quantia monetária total de 70,00 euros (setenta euros).

11.17. Pelo menos, no período compreendido entre os meses de Fevereiro e Março do ano 2023, ZZ, conhecido por ZZ, consumidor de heroína e cocaína, após previamente contactar com a arguida AA, a fim de adquirir produto estupefaciente da mesma natureza, deslocou-se, quase diariamente, durante cerca de 30 dias, à residência dos arguidos, designadamente, nos dias 08/02/2023 e 14/02/2023, ao volante do veículo automóvel com a matrícula BF-...-HF (matrícula francesa), marca Alfa Romeu, modelo 159 de cor preta, transportando sempre consigo um amigo de nome “AAA”, residente em ..., também consumidor dessas substâncias, por intermédio do qual, para tanto entregando-lhe a correspondente quantia monetária, comprou para seu consumo, em média, pelo menos, trinta vezes, três pacotes/doses de heroína, pagando o valor de 10,00 (dez euros) por cada pacote/dose, e cerca de oito vezes uma pedra de cocaína, pagando o valor de 15,00 euros (quinze euros) por cada pedra, no interior da residência dos arguidos, a pessoa não concretamente identificada, o que perfaz a quantia monetária total de € 1.020,00.

11.18. Pelo menos, no período compreendido entre os meses de Novembro do ano 2022 até Março do ano de 2023, BBB, conhecido por BBB”, consumidor de cocaína, após previamente contactar com a arguida AA, a fim de adquirir produto estupefaciente da mesma natureza:

a) deslocou-se, várias vezes, à residência dos arguidos, ao volante da viatura, com a matrícula ..-..-HL, designadamente, nos dias 14/11/2022 e 12/12/2022, outras vezes à boleia de amigos e, no interior do respectivo apartamento, mais precisamente, no hall da entrada, comprou cocaína para consumo, num total de cerca de 20 (vinte) vezes, em média, uma pedra de cocaína, pelo valor de 15,00 euros, cada pedra, perfazendo um total não inferior a quinze pedras de cocaína, tendo o produto de estupefaciente e a respectiva quantia monetária sido entregue e recebida inicialmente, em cerca de dez ocasiões, pela arguida AA, e posteriormente, em cerca de outras dez ocasiões, pelo arguido BB, o que perfaz a quantia monetária total de 225,00 euros (duzentos e vinte e cinco euros) [15 pedras/dores x 15,00 euros); e

b) a seu pedido, porquanto não tinha viatura para se deslocar à residência dos arguidos, pelo menos, por uma vez, o arguido EE deslocou-se à residência daquele, sita em ..., e entregou-lhe uma pedra/dose de cocaína, e recebeu a respectiva contrapartida monetária no valor de 15,00 euros (quinze euros) em cada uma dessas ocasiões, o que perfaz a quantia total de 15,00 euros.

11.19. Pelo menos, no período compreendido entre o mês de Dezembro do ano de 2022 e até 23 de Abril de 2023, CCC, conhecido por CCC, consumidor de heroína, cocaína e haxixe, e utilizador dos n.ºs de telemóvel .........44 e .......80, deslocou-se à residência dos arguidos, várias vezes, designadamente, nos dias 28/12/2022, 18/01/2023, 25/01/2023, 15/03/2023 e 23/03/2023, ao volante dos veículos automóveis Volkswagen Passat, com a matrícula ....FDT, Mercedes Vito, com a matrícula ....LCF, e Volkswagen Turan, com a matrícula ..-LF-.., e, no interior do respectivo apartamento, comprou heroína e cocaína para seu consumo, pelo menos:

a) cerca de cinco ou seis vezes, um pacote de heroína por 10,00 euros e uma pedra de cocaína, pelo valor de 15,00 euros sendo o produto de estupefaciente e a respectiva contrapartida monetária sido entregue e recebida respectivamente pelo arguido EE, no total de € 125,00; e

b) cerca vinte vezes um pacote de heroína por 10,00 euros e uma pedra de cocaína, pelo valor de 15,00 euros sendo o produto de estupefaciente e a respectiva contrapartida monetária sido entregue e recebida respectivamente pelo arguido BB, no total de € 500,00.

11.20. Pelo menos, no período compreendido entre os meses de Janeiro até 23 Abril do ano de 2023, WW, conhecido por Hugo, consumidor de heroína, e utilizador dos n.ºs de telemóvel .......35 e .......15, ao tempo companheiro de VV, deslocou-se à residência dos arguidos, designadamente, nos dias 02/01/2023 e 19/04/2023, ao volante do veículo automóvel, com a matrícula ..-..-QX, marca Renault, modelo Clio, cor cinzenta.

11.21. No período temporal compreendido entre o mês de Dezembro de 2022 e o mês de Fevereiro do ano de 2023, AAA, conhecido por “AAA”, consumidor de heroína, deslocou-se, pelo menos, três vezes à residência da arguida AA, sendo que em uma delas, no dia 07/12/2022, foi transportado na viatura com a matrícula ..-..-HA, e as outras duas vezes, nos dias 08/02/2023 e 14/02/2023, foi transportado na viatura de matrícula BF-...-HF, e aí chegado, comprou, pelo menos, uma dose de heroína, em cada uma dessas ocasiões, pelo valor de 10,00 euros (dez euros) cada dose/pacote, para seu consumo, sendo o produto de estupefaciente e a respectiva contrapartida monetária sempre entregue e recebida por indivíduo do sexo masculino de identidade não concretamente apurada, no total de € 30,00.

11.22. No período compreendido entre os meses de Julho ou Agosto do ano 2022 e poucos dias antes da arguida ser detida em 23 de Abril de 2023, DDD, conhecido por DDD ou DDD, utilizador dos números de telemóvel .......44 e .......53, consumidor esporádico de cocaína, após previamente contactar a arguida AA, a fim de adquirir produto de estupefaciente, deslocou-se várias vezes à residência dos arguidos, designadamente, no dia 25/01/2023, ao volante do veículo com a matrícula ..-..-UC, marca Opel, Corsa, cor cinzenta, pertença do seu pai, e aí chegado, no interior do respectivo apartamento, mais precisamente no hall de entrada, comprou cocaína para seu consumo, pelo menos, trinta vezes, entre uma e três pedras/doses dessa substâncias, pagando o valor de 15,00 euros (quinze euros) por cada pedra/dose dessa substância, sendo que, em média, adquiriu duas pedras/doses de cada vez, pelo valor de quinze euros cada, tendo o produto de estupefaciente sido entregue e a respectiva contrapartida monetária recebida em todas essas ocasiões pela arguida AA, o que perfaz quantia total não inferior a 900,00 euros (novecentos euros) [30 x (2 doses/pedras x 15,0)].

11.23. No período compreendido entre os meses de Julho ou Agosto do ano 2022 e meados do mês de Abril de 2023, em datas não concretamente apuradas, EEE, conhecido por EEE, consumidor de cannabis, recebeu a titulo gratuito, cannabis, da mão do arguido FF, em quantidades, locais e com uma cadência não concretamente apurados.

11.24. No dia 15 de Outubro de 2022, pelas 15h35, na rua ..., o arguido EE conduzia o veículo automóvel marca Renault Laguna, com a matrícula ..-..-TP, onde seguiam, como passageiros, no banco dianteiro o arguido FF e no banco traseiro, do lado esquerdo, EEE, quando foi interceptado e sujeito a revista sumária pela Polícia da Segurança Pública.

11.25. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, o arguido EE, detinha na sua posse, designadamente, nos bolsos da frente, lado direito e esquerdo do casaco que vestia:

a) 16,280 gramas heroína, com um grau de pureza de 24,5 %, correspondente a 28 (vinte e oito) doses individuais;

b) 49,618 gramas de cocaína (éster metílico), com grau de pureza 37,7 %, correspondente a 623 (seiscentos e vinte e três) doses individuas;

c) 29,001 gramas de canábis (resina), com grau de pureza de 36,1%, correspondente a 209 (duzentas e nove) doses individuais.

11.26. Tal produto foi adquirido pelo arguido EE, por solicitação da arguida AA, na cidade do ..., mais precisamente no ..., a indivíduos não concretamente identificadas, momentos antes de ser interceptado Polícia da Segurança Pública, e destinava-se à venda pelos arguidos na cidade de ....

11.27. No dia 23/04/2023, pelas 14h00, o arguido BB deslocou-se, juntamente com II, a pedido da arguida AA, no mencionado veículo “AUDI”, com a matrícula ..-..-ZS, à cidade ..., a fim de, conforme lhe fora indicado pela arguida, adquirir produto estupefaciente (cocaína), num total de 1.200,00 euros (mil duzentos euros), no Bairro da ....

11.28. Em virtude da presença policial no local, o arguido BB não logrou adquirir, conforme intencionava, produto estupefaciente, regressando à cidade de ....

11.29. Mais tarde nesse dia, pelas 17h35, à chegada à residência identificada no artigo 6), foram abordados pelo órgão de polícia criminal, tendo o arguido BB na sua posse, no interior de uma bolsa que utilizava:

a) 0,660 gramas de Canábis (resina), com um grau de pureza de 35,2%, correspondente a 4 (quatro) doses individuais;

b) um total de 1.200,00 euros (mil e duzentos euros) em numerário do Banco Central Europeu; e

c) o telemóvel “Iphone” por si utilizado, objectos que foram, de seguida, apreendidos pelo órgão de polícia criminal.

11.30. No referido dia 23/04/2024, pelas 17h50, no interior da residência, sita na morada identificada no artigo 6) supra por acção concertada e com a aquiescência dos arguidos AA, EE, FF e BB, estes tinham na sua posse e sob a sua disponibilidade fáctica produto estupefaciente, quantias monetárias, telemóveis e sacos de plástico habitualmente utilizados para o acondicionamento de produto estupefaciente, tudo para o desenvolvimento da actividade ilícita em causa, nomeadamente:

- no interior do quarto da arguida AA:

a) debaixo da cama: um papel manuscrito com referência a valores na razão de várias centenas e a “açúcar” e “café”;

b) no armário: 83 sacos de plástico habitualmente utilizados para o acondicionamento de produto estupefaciente; e um suporte de cartão SIM;

c) em cima da mesa de cabeceira: no interior de uma carteira, um total de 510,00 euros (quinhentos e dez euros) em numerário do Banco Central Europeu;

d) em cima da cama: um telemóvel de marca “Samsung”, com o cartão com o n.º ... ... .22 introduzido;

- na cozinha:

a) Em cima de um móvel: um telemóvel “IPhone” com o cartão com o n.º ... ... .41 introduzido, pertença do arguido FF;

b) No interior de uma bolsa de cor preta:

i. cinco fragmentos, num total de 0,935 gramas de heroína, com um grau de pureza de 14,0%, inferior a uma dose individual;

ii. 2,944 gramas de cocaína, com um grau de pureza de 40,0%, equivalente a 39 (trinta nove) doses individuais; e

iii. um total de 160,00 euros (cento e sessenta euros) em numerário do Banco Central Europeu.

- na sala, no armário: armazenado em 22 sacos de plástico acondicionados num copo de vidro, 3,435 gramas de heroína, com um grau de pureza de 25,5%, equivalente a 5 (cinco) doses individuais,

12. No referido dia o arguido EE tinha na sua posse o telemóvel “Iphone”, com o cartão com o n.º ... ... .05 introduzido.

13. As quantias monetárias que, nas descritas circunstâncias de tempo e lugar, os arguidos detinham eram provenientes de anteriores vendas de produto estupefaciente realizadas e/ou destinavam-se à actividade de tráfico de estupefacientes.

14. Os arguidos AA, EE, FF e BB destinavam o produto estupefaciente que, conforme descrito, tinham na sua posse e sob a sua disponibilidade fáctica, à cedência e venda a terceiras pessoas, mediante a correspondente contrapartida monetária.

15. Os arguidos AA, EE, FF e BB destinavam os veículos automóveis identificados no artigo 4) supra e os telemóveis e cartões SIM que, nas descritas circunstâncias de tempo e lugar, tinham na sua posse e sob a sua disponibilidade fáctica, ao desenvolvimento da actividade de venda de produto estupefaciente, designadamente, como forma de estabelecer contactos com fornecedores e compradores.

16. No período temporal em referência, os arguidos AA, EE, FF e BB não exerceram qualquer actividade profissional remunerada e asseguraram a sua subsistência essencialmente através dos lucros resultantes da actividade de venda de produto estupefaciente.

17. No dia 18/04/2023, cerca das 12H56, o arguido FF conduziu o veículo marca Audi, modelo A4, de cor azul, de matrícula ..-..-ZS, pertença da arguida AA, na Avenida ... em direcção à cidade de ..., onde seguiam como passageiros, no banco traseiro, os arguidos AA e BB.

18. O arguido FF não era titular de habilitação legal para conduzir o supra identificado veículo.

19. Os arguidos AA, EE, FF, BB e GG conheciam a natureza e as características das substâncias estupefacientes que adquiriram, compraram, transportaram, cederam, guardaram e venderam, sabiam que não os podiam comprar ou por qualquer título receber, preparar, guardar, transportar, oferecer, vender, distribuir, ceder, proporcionar a outrem, transportar, fazer transitar ou sequer deter e, não obstante, quiseram adquiri-los, comprá-los, mantê-los na sua posse, detê-los, transportá-los, cedê-los, vendê-los, oferecê-los e distribuí-los a terceiros com o propósito de obter vantagens económicas, o que conseguiram.

20. Os arguidos actuaram, por si e em conjugação de esforços e vontades, em execução de um plano aceite e executado por todos, valendo-se a arguida AA da directa colaboração de, pelo menos, FF e BB, cuja menoridade conhecia e de que, para tanto, se aproveitou, e ainda de EE e GG, desempenhando, cada um dos arguidos, funções essenciais e sem as quais toda a actividade de compra e venda de produto estupefaciente não poderia ser exercida.

21. Mais sabiam os arguidos que todas a suas condutas eram proibidas e punidas por lei, como tinham a necessária capacidade de se determinar de acordo com essa valoração e estavam livres na sua vontade.

22. O arguido FF conhecia ainda as características do mencionado veículo e do local onde o conduziu, como sabia que era necessário ser titular de habilitação legal para o conduzir na referida via e que não a possuía.

23. Mais sabia que conduzir o aludido veículo, naquela via pública, sem titulo que o habilitasse a conduzi-lo, era proibida e punida por lei, como tinha a necessária capacidade para se autodeterminar de acordo com essa valoração e estava livre na sua vontade.

24. Apesar disso, quiseram actuar, como actuaram.

25. Agiram, assim, todos arguidos e em todas as referidas ocasiões sempre de forma consciente, livre, deliberada.

26. À data dos factos, os arguidos EE, BB, FF e GG eram consumidores de canábis, sendo que esporadicamente o BB consumia também cocaína.

Das Condições sociais e económicas dos arguidos evidenciadas no relatório da DGRSP e seus antecedentes criminais:

27. A arguida AA nasceu em .../.../1974.

28. À data dos factos a arguida residia num apartamento de tipologia T2, inserido num prédio inacabado, cuja propriedade a arguida reivindica.

29. Inicialmente, a arguida vivia sozinha, apesar da companhia regular dos filhos, nomeadamente de FF e FFF, entregues aos cuidados do pai, que a visitavam.

30. Posteriormente, o descendente da arguida, FF, quando completou 16 anos de idade, em........2022, e o ex-companheiro, EE, ambos co-arguidos no processo em apreço, integraram o agregado até ao período anterior à reclusão da arguida.

31. AA frequentava uma acção de formação profissional de Auxiliar de Reabilitação e Fisioterapia, promovida e subsidiada pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), que lhe daria equivalência ao 12º ano de escolaridade, o qual não conseguiu terminar devido à reclusão.

32. Embora já tenha exercido funções profissionais indiferenciadas, há anos que AA se mantém numa situação de desemprego, alegando a arguida que se sentia diminuída para o exercício laboral em consequência de sintomatologia depressiva.

33. Desta forma, a sua subsistência era assegurada através dos lucros que obtinha dos trabalhos artesanais que realizava, correspondentes a montantes variáveis e da atribuição do Rendimento Social de Inserção no valor de 190€, acrescido do complemento de 60€.

34. A arguida era apoiada financeiramente por familiares, designadamente pela mãe e pelo ex-marido, GGG.

35. Em termos de saúde, AA era seguida em consultas de psiquiatria, em consequência de sintomatologia depressiva, e mantinha acompanhamento psicológico no Centro de Saúde nº 2 de ....

36. No meio comunitário, a imagem da arguida é negativamente sinalizada devido ao percurso e tipologia criminal associada, sendo conhecida a sua anterior reclusão.

37. Em meio prisional, AA encontra-se a aguardar por colocação laboral, estando inscrita em diversas actividades, nomeadamente Artes Plásticas, curso de tecnologias da informação e comunicação (TIC), Reabilitação Psicossocial e actividades desportivas, sendo, porém, parca a sua assiduidade e investimento.

38. A arguida verbalizou aos técnicos da DGRSP que se sente fragilizada pela falta de motivação provocada por problemas de ordem psicológica, nomeadamente sintomatologia depressiva, para os quais mantém o acompanhamento em meio prisional na especialidade de psiquiatria, tendo a última consulta ocorrido em 23.01.2024.

39. AA recebe visitas dos filhos e da mãe, demonstrando esta total disponibilidade para continuar a prestar-lhe apoio incondicional, tanto a nível económico como anímico.

40. Já o ex-marido que no passado se configurou como um apoio material e afectivo, tendo inclusivamente visitado a arguida durante a presente reclusão, expressa, agora, desvinculação e indisponibilidade para continuar a prestar apoio à arguida.

41. A arguida AA tem averbados no seu CRC as seguintes condenações:

- foi condenada no processo comum singular n.º 51/01.6..., do 2º juízo do tribunal judicial da comarca de ..., por factos praticados no dia 6 de fevereiro de 2003, que integram um crime de detenção ou tráfico de armas proibidas, por sentença proferida no dia 3 de fevereiro de 2003, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 4;

- foi condenada no processo comum singular n.º 200/99.4..., da 1ª secção do 2º juízo criminal do ..., por factos praticados no dia 31 de dezembro de 1998, que consubstanciam um crime de emissão de cheque sem provisão, por sentença proferida no dia 26 de fevereiro de 2003, na pena de 65 dias de multa à taxa diária de € 4;

- foi condenada no processo comum coletivo n.º 272/01.3..., do 1º juízo do tribunal judicial da comarca de ..., por factos praticados no dia 17 de maio de 2001, que integram um crime de detenção ou tráfico de armas proibidas e um crime de ofensa à integridade física simples, por acórdão proferido no dia 13 de outubro de 2003, na pena de 300 dias de multa à taxa diária de € 5;

- foi condenada no processo comum coletivo n.º 18/03.1..., do tribunal judicial da comarca de ..., por factos praticados no dia 13 de fevereiro de 2003, que consubstanciam um crime de receptação, por acórdão proferido no dia 27 de maio de 2004, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 5;

- foi condenada no processo sumário n.º 734/05.3..., do 1º juízo do tribunal judicial da comarca de ..., por factos praticados no dia 28 de dezembro de 2005, que integram um crime de condução sem habilitação legal, por sentença proferida no dia 28 de dezembro de 2005, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 3,50;

- foi condenada no processo comum coletivo n.º 391/05.7..., do 1º juízo do tribunal judicial da comarca de ..., por factos praticados no dia 2 de agosto de 2007, que integram um crime de usurpação, por acórdão proferido no dia 9 de março de 2009, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 6;

- foi condenada no processo comum coletivo n.º 8/08.8..., do 2º juízo do tribunal judicial da comarca de ..., por factos praticados no dia 4 de Abril de 2009, que consubstanciam um crime de tráfico de estupefacientes, por acórdão proferido no dia 25 de maio de 2011, na pena de 6 anos de prisão;

- no processo comum coletivo n.º 709/10.0... do 1º juízo do tribunal judicial da comarca de ..., por factos praticados no dia 7 de abril de 2010, que integram um crime de detenção de arma proibida e um crime de tráfico de estupefacientes, por acórdão proferido no dia 13 de fevereiro de 2012, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão;

- no processo comum singular n.º 1160/14.9..., do tribunal judicial da comarca do ..., juízo local criminal de ..., juiz ..., por factos praticados no dia 18 de fevereiro de 2014, que integram um crime de ofensa à integridade física simples, por sentença proferida no dia 10 de dezembro de 2014, na pena de 4 meses de prisão;

- no processo comum singular n.º 101/19.1..., do tribunal judicial da comarca de ..., juízo local criminal de ..., por factos praticados no dia 1 de janeiro de 2019, que consubstanciam um crime de furto simples, por sentença proferida no dia 25 de novembro de 2020, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 5,50;

- e no processo 477/19.0..., no Juízo Local criminal do Tribunal de ..., pela prática dos crimes de ofensa à integridade física qualificada e coacção agravada, por sentença transitada em julgado em 07.11.2021, na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução com regras de conduta.

(…)

62. O arguido BB nasceu em .../.../2005.

63. Em 14/01/2023 o arguido BB fugiu de uma instituição onde se encontrava acolhido no âmbito de um processo de promoção e protecção desde 09/06/2021 e passou a residir em casa da arguida AA.

64. Em 24/04/2023, foram aplicadas ao arguido as seguintes medidas de coacção:

- Proibição de contactar com os demais arguidos, pessoas conotadas com o consumo ou tráfico de estupefacientes, designadamente todos os consumidores a quem, por si/por intermédio e em conluio com os demais arguidos, vendeu produto estupefaciente, entre os quais aqueles já identificados nos autos;

- Não permanecer na residência da arguida;

- Proibição de frequentar locais conotados com o consumo o tráfico de estupefacientes, designadamente o Bairro da ... e

- Obrigação de apresentações periódicas semanais no posto/esquadra da entidade policial da sua área de residência.

65. A partir de 08/07/2023 o arguido deixou de se apresentar no posto/esquadra da entidade policial da sua área de residência, ausentando-se para parte incerta.

66. Foi tentada a realização de interrogatório judicial complementar do arguido, tendo em vista a agravação do seu estatuto coactivo, mas tal não se tornou possível porquanto não foi possível, até à data, localizar o actual paradeiro do arguido.

67. O arguido não tem antecedentes criminais registados.

(…)»

Da competência do tribunal e do âmbito dos recursos

8. Os recursos têm por objeto um acórdão proferido pelo tribunal coletivo que contém uma decisão de aplicação de uma pena de prisão superior a 5 anos, diretamente recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, em matéria de direito, estando vedado o recurso prévio para o tribunal da relação [artigos 432.º, n.º 1, al. c), e 2, e 434.º do CPP], e uma decisão de aplicação de uma pena inferior a 5 anos de prisão, que apenas admite recurso para o tribunal da relação (artigo 427.º do CPP).

Das conclusões das motivações resulta que nenhum dos recorrentes impugna as decisões em matéria de facto – caso em que haveria que observar o disposto no artigo 412.º, n.º 3, do CPP –, limitando-se a questionar a escolha e a medida das penas em aplicação dos critérios legais, em particular do artigo 71.º do Código Penal e, um deles, a atribuir um vício não identificado à decisão recorrida por, em seu entender, não ter reconhecido a sua «imputabilidade diminuída».

Pelo que, não havendo disposição legal expressa, paralela à do n.º 8 do artigo 414.º do CPP, que dispõe sobre competência para julgamento conjunto de recursos com objetos diversos, em matéria de facto e em matéria de direito, há que, como refere o Senhor Procurador-Geral Adjunto em “questão prévia” suscitada em seu parecer, verificar a competência do Supremo Tribunal de Justiça para julgamento conjunto dos recursos interpostos nestes autos. Competência que, como se tem decidido, deverá aceitar-se.

Com efeito, sendo os recursos restritos a matéria de direito, mantendo-se a conexão e a unidade dos processos (artigos 27.º e 29.º do CPP), devendo o recurso do acórdão que aplicou a pena de 8 anos de prisão ser interposto para o Supremo Tribunal de Justiça e não sendo admissível recurso prévio para a relação, nos termos do citado artigo 432.º, n.º 1, al. c), e n.º 2, do CPP, há que, na racionalidade e coerência do sistema, concluir que este Supremo Tribunal de Justiça, sendo o tribunal de hierarquia mais elevada, assume igualmente competência para julgamento do recurso da decisão que aplicou pena inferior a 5 anos de prisão (como se decidiu nos acórdãos de 17.04.2024, Proc. 67/23.3GAPFR.S1, e 5-03-2023, Proc. 1310/17.3T9VIS.C1.S1).

9. Limitam-se os recursos ao reexame de matéria de direito (artigo 434.º do CPP), não vindo expressamente invocado qualquer dos vícios ou nulidades a que se referem os n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º do CPP, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º, na redação da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro.

O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo, se for caso disso, dos poderes de conhecimento oficioso, em vista da boa decisão de direito, dos vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro).

10. Colocam os arguidos à apreciação deste tribunal as seguintes questões:

a) O arguido BB:

i. Execução da pena de 2 anos e 6 meses de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

b) A arguida AA

i. Omissão de realização de perícia psiquiátrica e de pronúncia no acórdão recorrido sobre a «doença do foro psiquiátrico» de que diz padecer e suas consequências quanto à «imputabilidade diminuída» ou «inimputabilidade», com sujeição a medida de segurança (conclusões 3, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 41).

ii Determinação da medida da pena, que considera excessiva, pugnando pela sua fixação em 5 anos de prisão (demais conclusões).

Quanto ao recurso do arguido BB (10.a):

11. Dispõe o artigo 43.º (regime de permanência na habitação), n.º 1, al. a), do Código Penal que, sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, a pena de prisão efetiva não superior a dois anos é executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

Pressuposto formal da execução da pena de prisão em regime da permanência na habitação é, pois, a aplicação de uma pena de prisão efetiva em medida não superior a dois anos.

A pena aplicada (de 2 anos e 6 meses) é superior a este limite e não vem impugnada.

Não se evidencia erro de direito na sua determinação que deva ser oficiosamente conhecido e de cuja correção possa resultar uma diminuição da medida da pena.

Nesta conformidade, não sendo de conhecer do pressuposto material de que depende a execução da pena em permanência na habitação – isto é, a realização, por esse meio, de forma adequada e suficiente das finalidades da execução da pena de prisão – é o recurso julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

Quanto ao recurso da arguida AA – questão da imputabilidade (10.b.i)

12. Como se extrai da matéria de facto provada anteriormente descrita, apenas resulta do acórdão recorrido que «Embora já tenha exercido funções profissionais indiferenciadas, há anos que AA se mantém numa situação de desemprego, alegando a arguida que se sentia diminuída para o exercício laboral em consequência de sintomatologia depressiva» (ponto 32), que «Em termos de saúde, AA era seguida em consultas de psiquiatria, em consequência de sintomatologia depressiva, e mantinha acompanhamento psicológico no Centro de Saúde nº 2 de ...» (ponto 35) e que «A arguida verbalizou aos técnicos da DGRSP que se sente fragilizada pela falta de motivação provocada por problemas de ordem psicológica, nomeadamente sintomatologia depressiva, para os quais mantém o acompanhamento em meio prisional na especialidade de psiquiatria, tendo a última consulta ocorrido em 23.01.2024» (ponto 38).

Da fundamentação da decisão em matéria de facto extrai-se que a arguida se «remeteu ao silêncio» em audiência de julgamento, que estes pontos da matéria de facto correspondem ao teor do relatório social e que em momento alguma se questionou o estado de saúde mental da arguida.

13. Nos termos do artigo 340.º, n.º 1, do CPP, o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, tendo a discussão da causa por objeto, em audiência de julgamento, os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368.º e 369.º, isto é a decisão sobre a culpabilidade, em que se inclui a verificação dos pressupostos – imputabilidade ou, se disso for caso, a inimputabilidade – de que depende a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança (n.º 3, al. e), do artigo 368.º), e a decisão sobre a determinação da sanção (artigo 339.º, n.º 4, do CPP).

Por sua vez, o artigo 351.º (Perícia sobre o estado psíquico do arguido) do CPP estabelece que, quando na audiência se suscitar fundadamente a questão da inimputabilidade do arguido, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, ordena a comparência de um perito para se pronunciar sobre o estado psíquico daquele (n.º 1), podendo o tribunal ordenar também a comparência do perito quando na audiência se suscitar fundadamente a questão da imputabilidade diminuída do arguido (n.º 2). Nos termos do artigo 20.º (Inimputabilidade em razão de anomalia psíquica) do Código Penal, é inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, for incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação (n.º 1), podendo ser declarado inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica grave, não acidental e cujos efeitos não domina, sem que por isso possa ser censurado, tiver, no momento da prática do facto, a capacidade para avaliar a ilicitude deste ou para se determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída (n.º 2).

14. Sendo o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça circunscrito a matéria de direito e não tendo a arguida impugnado a decisão em matéria de facto perante o tribunal da Relação (usando da faculdade conferida pelos artigos 427,º e 428.º do CPP), a questão que esta agora coloca apenas poderá apreciar-se, como já se viu, no quadro da apreciação das nulidades e dos vícios da decisão (supra, 9).

Como salienta o Ministério Público, uma «sintomatologia depressiva» de que a arguida se queixou quando da elaboração do relatório social não constituiu – nem há na decisão recorrida indicação alguma de que, na sua concreta manifestação, pudesse constituir – razão para que o tribunal fundadamente duvidasse da imputabilidade penal da arguida, nem esta, que teve inteira possibilidade de o fazer em audiência, alegou ser portadora de qualquer doença que pudesse originar essa dúvida.

Não se demonstra que a questão da imputabilidade, agora invocada como facto novo, devesse ser apreciada pelo tribunal nem que da alegada omissão – artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP – tenha resultado insuficiência da matéria de facto para a decisão ou erro notório na apreciação da prova – artigo 410.º, n.º 2, al. a) e c), do CPP – suscetível de afetar a decisão de direito colocada no recurso, respeitante à medida da pena.

Assim sendo, improcede o recurso nesta parte.

Cont. – questão da determinação da pena (10.b.ii)

15. De acordo com o disposto nos artigos 71.º, n.º 3, do CP e 375.º, n.º 1, do CPP, que concretizam o dever de fundamentação das decisões judiciais estabelecido no artigo 205.º da Constituição, na sentença são expressamente referidos e especificados os fundamentos da medida da pena.

A determinação da medida da pena vem fundamentadas nos seguintes termos:

«4. As penas

4.1: Da Escolha e da medida concreta das penas

O crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º nº 1 Decreto-lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-A, I-B e I-C, anexa ao citado Decreto-Lei é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.

O crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea i), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (Legislação de Combate à Droga), por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas àquele diploma é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.

(…)

Determinada então a espécie das penas a aplicar a cada um dos crimes, importa agora proceder à determinação da concreta medida das penas de prisão e de multa a aplicar a cada um dos arguidos.

E aqui regem uma vez mais os critérios contidos nos artigos 47º e 71º, ambos do Código Penal.

Nos termos do artigo 71º, n.º1, do Código Penal, “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.”

Assim, na determinação da medida concreta da pena, é preciso atender às finalidades próprias das penas, previstas no artigo 40º do Código Penal.

Assim, o julgador deve atender às finalidades de prevenção geral (sobretudo positiva), mas deve também orientar-se por finalidades de prevenção especial, já que a pena visa também a reintegração ou ressocialização do agente do crime, de forma a que ele adopte, no futuro, condutas conformes com os valores e bens tutelados pelo direito.

O n.º 2 do artigo 40º do Código Penal dispõe ainda que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.” O nosso sistema penal assenta no princípio unilateral da culpa, nos termos do qual, não pode haver pena sem culpa, ainda que possa haver culpa sem pena. Além disso, a culpa enquanto juízo de censura inevitavelmente decorrente da dignidade da pessoa humana (artigo 1º da Constituição da República Portuguesa) funciona, não como pressuposto mas como fundamento e limite inultrapassável da medida da pena.

Assim, a culpa funciona como moldura de topo da pena, funcionando dentro dela as sub-molduras da prevenção, prevalecendo a geral sobre a especial. Para tanto, atender-se-á, nos termos do artigo 71º, n.º 2, do Código Penal, a “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.

No presente caso, as exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de crime são bastante elevadas, visto que a situação que se vive em Portugal em termos de tráfico e de toxicodependência é grave, traduzida num significativo aumento da criminalidade e na degradação social de um número não despiciendo de cidadãos. A Jurisprudência tem acentuado que as exigências de prevenção geral decorrentes da nocividade social do tráfico, da dimensão da ameaça que representa e da censura comunitária que suscita, reclama, de um modo geral, uma punição severa.

Também no último Relatório Europeu sobre Drogas, do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (Relatório de 2021), em sede de “Infrações à legislação em matéria de droga” pode ler-se, no que respeita à cocaína: “As apreensões recorde de cocaína são um sinal preocupante de um potencial agravamento dos danos para a saúde. A cocaína continua a ser a segunda droga ilícita mais comummente consumida na Europa, e a procura dos consumidores faz dela uma parte lucrativa do comércio europeu de droga para os criminosos. O número recorde de 213 toneladas de droga apreendida em 2019 indica um aumento da oferta na União Europeia. A pureza da cocaína tem vindo a aumentar na última década e o número de pessoas que iniciam tratamento pela primeira vez aumentou nos últimos 5 anos. Estes e outros indicadores indicam um potencial aumento dos problemas relacionados com a cocaína. (…) A cocaína foi a segunda substância comunicada com mais frequência pelos hospitais Euro-DEN Plus em 2019, estando presente em 22% dos casos de intoxicações agudas relacionadas com droga.”

E no que respeita à heroína, no mesmo Relatório explicita-se: “As grandes apreensões de heroína podem indicar um potencial aumento do consumo e dos danos. Com grandes quantidades de heroína apreendidas na Europa em 2018 e 2019, existe uma preocupação crescente quanto ao impacto que um aumento da oferta pode ter nas taxas de consumo. Tal como em 2018, em 2019 foram detetadas grandes remessas individuais em portos de países europeus, (…) refletindo uma diversificação do tráfico de heroína para além das rotas terrestres. Na Europa, os dados de início de tratamento e outros indicadores sugerem que as pessoas que consomem heroína constituem um grupo que está a envelhecer e a diminuir. No entanto, é necessária uma maior vigilância, para detetar eventuais alterações no consumo de uma droga que continua a estar associada a uma grande parte do ónus de doença e morte associado ao consumo de drogas na Europa.”

Quanto às exigências de prevenção especial, estas são muito elevadas em relação à arguida AA uma vez que a arguida apresenta um extenso percurso criminal, tendo sido condenada pela prática de crimes de diversa natureza jurídica e contando já com duas condenações pela prática de crime de tráfico de estupefacientes em penas de prisão efectiva, uma delas em 2011 tendo sido condenada na pena de 6 anos e outra em 2012 na pena de 4 anos e 3 meses.

(…)

A culpa dos arguidos é elevada, tendo ambos actuado com dolo directo. A culpa é bem mais elevada no caso da arguida AA e mais reduzida no caso dos menores BB e FF, que apesar de tudo eram menores e foram manipulados pela arguida AA que se aproveitou da sua inexperiência, fragilidade e imaturidade. Também a agravar ainda mais a culpa da arguida AA o facto de esta não ser consumidora de qualquer produto estupefaciente (ao contrário dos demais arguidos), exercendo a actividade com um intuito puramente lucrativo.

Por sua vez, a ilicitude da conduta dos arguidos é elevada atenta a levada danosidade das drogas vendidas (heroína e cocaína), o período de tempo durante o qual desenvolveram a sua actividade (durante quase 1 ano), sendo mais elevada no caso da arguida AA e BB que venderam maiores quantidades e a mais consumidores face aos restantes arguidos. A ilicitude é mais diminuída no caso dos arguidos FF e GG atentando á própria qualificação jurídica claramente diversa.

Por outro lado, não obstante os arguidos visassem o lucro fácil com a venda da droga, o certo é que atendendo aos valores da perda de vantagem, não retiraram dessa actividade proventos muito avultados, como se constata das suas actuais condições económicas e sociais consideradas provadas, sendo de referir que os valores da perda de vantagem são contabilizados em bruto.

De salientar também que aos arguidos não foram apreendidas avultadas quantias monetárias nem grandes ou sofisticados instrumentos de pesagem ou corte do produto estupefaciente.

Vejamos agora as condições pessoais e à situação económica dos arguidos.

A arguida AA tem actualmente 49 anos de idade. À data dos factos vivia com o co-arguido EE com quem mantinha uma relação amorosa e com o filho FF, beneficiando de visitas regulares dos seus outros filhos. Não obstante ter frequentado uma acção de formação profissional de Auxiliar de Reabilitação e Fisioterapia, promovida e subsidiada pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), que lhe daria equivalência ao 12º ano de escolaridade, a arguida não conseguiu terminar devido à reclusão. Embora já tenha exercido funções profissionais indiferenciadas, há anos que AA se mantém numa situação de desemprego, alegando a arguida que se sentia diminuída para o exercício laboral em consequência de sintomatologia depressiva.

A sua subsistência era assegurada através dos lucros que obtinha dos trabalhos artesanais que realizava, correspondentes a montantes variáveis, e da atribuição do Rendimento Social de Inserção no valor de 190€, acrescido do complemento de 60€, beneficiando também do apoio da mãe e do ex-marido.

Em termos de saúde, AA era seguida em consultas de psiquiatria, em consequência de sintomatologia depressiva, e mantinha acompanhamento psicológico no Centro de Saúde nº 2 de ....

Em meio prisional, a arguida encontra-se a aguardar por colocação laboral, estando inscrita em diversas actividades, sendo, porém, parca a sua assiduidade e investimento. Continua a atravessar problemas de ordem psicológica, nomeadamente sintomatologia depressiva, para os quais mantém o acompanhamento em meio prisional na especialidade de psiquiatria. Recebe visitas dos filhos e da mãe, demonstrando esta total disponibilidade para continuar a prestar-lhe apoio incondicional, tanto a nível económico como anímico.

No meio comunitário, a imagem da arguida é negativamente sinalizada devido ao percurso e tipologia criminal associada, sendo conhecida a sua anterior reclusão.

(…)

Em julgamento todos os arguidos se remeteram ao silêncio, pelo que não podemos valorar em seu favor a existência de qualquer consciência interna relativamente ao desvalor dos factos praticados ou interiorização da gravidade das suas condutas.

Tudo ponderado, entende o Tribunal ser adequado impor aos arguidos as seguintes penas de prisão:

• 8 anos de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelos artigos 21º nº 1 e 24º alínea i) da Lei da Droga e cometido pela arguida AA;

(…).»

16. A recorrente vem condenada pela prática, como autora, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea i), do Decreto-Lei n.º 15/93, que dispõem:

Artigo 21.º, n.º 1: “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.

Artigo 24.º: «As penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se: (…) i) O agente utilizar a colaboração, por qualquer forma, de menores (…)».

As substâncias em causa, incluem as vulgarmente denominadas «drogas duras», inserindo-se, conforme o seu grau de periculosidade, nas Tabelas I-A, I-B e I-C, anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93. A distribuição das drogas pelas tabelas das convenções, nomeadamente pelas Tabelas I, II, III e IV da Convenção Única (Decreto-Lei n.º 435/70, de 12 de setembro, e seu Protocolo de 1972 – Decreto-Lei n.º 161/78, de 21 de dezembro), leva em conta a sua gravidade, reconhecida cientificamente, e o consequente grau de controlo a que as submete (assim, Lourenço Martins, Droga e Direito, Aequitas, 1994, p. 37).

Como tem sido reiteradamente afirmado, o Decreto-Lei n.º 15/93 não acolhe a distinção vulgarmente feita, mas difícil de estabelecer, entre drogas duras («hard drugs») e drogas leves («soft drugs»). Apesar de a distinção não ter relevância direta na definição típica dos crimes ou da moldura abstrata das penas correspondentes, tem-se salientado que este diploma «não deixa de afirmar no preâmbulo que “a gradação das penas aplicáveis ao tráfico, tendo em conta a real perigosidade das respetivas drogas afigura-se ser a posição mais compatível com a ideia de proporcionalidade”, havendo que atender à inserção de cada droga nas tabelas anexas, o que constitui indicativo da respetiva gradação, pois a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social” (assim, o acórdão de 29.5.2024. Proc. Proc. n.º 2476/23.9JAPRT.P1.S1, em www.dgsi.pt).1

O tipo de crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstrato, multicompreensivo e pluriofensivo, protetor de diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, salientando-se que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública (assim, acórdão de 2.10.2014, Proc. 45/12.8SWSLB.S1). Mas não só. “Em segundo lugar, estará em causa a protecção da economia do Estado, que pode ser completamente desvirtuada nas suas regras (…) com a existência desta economia paralela ou subterrânea erigida pelos traficantes” (como salienta Lourenço Martins, loc. cit, p. 122).

17. O crime da previsão dos artigos 21.º e 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93 é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos, moldura a partir da qual há que determinar a pena concretamente aplicável, de acordo com os critérios e fatores estabelecidos na Parte Geral do Código Penal (artigo 48.º daquele diploma), sem levar em conta a agravante de qualificação da al. i) do artigo 24.º (utilização da colaboração de menores).

18. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente manifestada no facto, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito, em observância do critério de proporcionalidade com fundamento no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual «a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos»2.

Para a medida da gravidade da culpa há que considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente (artigo 71.º, n.º 2) os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os fatores a que se referem a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente) e alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto).

Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Incluem-se aqui as consequências não culposas do facto [alínea a), v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves], o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e), com destaque para os antecedentes criminais] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente [circunstâncias das alíneas e) e f)] adquire particular relevo para determinação da medida concreta da pena em vista da satisfação das exigências de prevenção especial, em função das necessidades individuais e concretas de socialização, devendo evitar-se a dessocialização.

Como se tem sublinhado, é na consideração destes fatores, determinados na averiguação do «grande facto» caraterizado pelas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, constituem o substrato da determinação da pena, que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na ação levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar se a pena aplicada respeita os critérios de adequação e proporcionalidade constitucionalmente impostos (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição), que devem pautar a sua aplicação3 . Não se podendo fundar em considerações de ordem geral pressupostas na definição dos crimes e das molduras abstratas das penas em vista da adequada proteção dos bens jurídicos postos em causa, sob pena de violação da proibição da dupla valoração, a determinação da pena dentro da moldura penal correspondente ao crime praticado há de comportar-se no quadro e nos limites da gravidade dos factos concretos, nas suas próprias circunstâncias concorrentes por via da culpa e da prevenção (artigo 71.º do Código Penal), tendo em conta as finalidades de prevenção especial de ressocialização4.

19. A discordância da arguida resulta, em síntese, de, em seu entender, não terem sido adequadamente valoradas a seu favor as suas condições pessoais (em particular o seu estado de saúde – a «doença do foro psiquiátrico» de que diz sofrer), económicas e sociais, e a situação de necessidade que a teria conduzido à prática do crime, em termos que não encontram correspondência na matéria de facto provada (pontos 27 a 40), sendo que apenas estes relevam.

Não questiona a recorrente o elevado grau de ilicitude e de intensidade e persistência do dolo revelados pelas quantidades e variedades (cocaína, heroína, haxixe, canábis) dos produtos estupefacientes, pelo período de tempo (perto de um ano, de junho de 2022 a 23 de abril de 2023) em que desenvolveu as diferentes atividades de tráfico (abastecimento e aquisição no ..., transporte para a cidade de ..., «com cariz diário regular e profissional»), com a colaboração dos demais arguidos, por si dirigida, nas deslocações para abastecimento e nas operações de doseamento e entrega dos produtos aos consumidores e no recebimento das quantias correspondentes, nos termos que constam dos factos provados, que constituem fatores de elevada intensidade na determinação da pena.

20. A matéria de facto provada revela, em síntese, a organização, gestão e controlo, pela arguida, de uma atividade de tráfico regular de substâncias estupefacientes de diferentes e elevados graus de danosidade, com base diária, intensa e repetida, para fornecimento de clientes habituais, na sua residência e em vários locais da cidade de ..., usando diferentes veículos automóveis e cartões de telemóvel para estabelecimento de comunicações, manutenção de contactos e organização de entregas e vendas dos produtos. A arguida não exercia qualquer atividade profissional remunerada e assegurava a sua subsistência essencialmente através dos lucros resultantes da atividade de venda de produto estupefaciente.

Surpreende-se, nestas circunstâncias, adequadamente ponderadas no acórdão recorrido (supra, 15), uma situação de facto que as investigações criminológicas identificam como uma típica atividade de tráfico, nas suas ramificações finais de distribuição e abastecimento para satisfação da procura de consumidores habituais de áreas geográficas determinadas, que a arguida garantia regularmente, através dos meios necessários que colocou ao serviço do seu negócio e dessa finalidade. A quantidade de estupefacientes traficada e a frequência dos atos de aquisição e venda requeriam meios, planeamento e organização adequados, que foram efetivamente assegurados pela arguida, com a colaboração dos demais arguidos. de modo a satisfazer as necessidades e a procura do mercado local.

Como nota o acórdão recorrido, citando o Relatório Europeu sobre Drogas, do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (Relatório de 2021), são muito elevadas as necessidades de prevenção geral, reconhecidas na «Estratégia da UE em Matéria de Drogas 2021-2015», adotada pelo Conselho da União Europeia (acessível https://www.consilium.europa.eu/media/54087/qc0521073ptn_002.pdf), face ao aumento e elevada gravidade, dimensão e sofisticação das atividades do crime organizado. Os relatórios de segurança interna identificam o «mercado criminal dos estupefacientes» como um fenómeno que continua a impor-se «como aquele que envolveu mais indivíduos e organizações criminosas e gerou maiores ganhos financeiros», destacando o papel das revitalizadas «rotas ibéricas» nos circuitos do tráfico internacional (assim, Relatório Anual de Segurança Interna, ano 2022, p. 28). O relatório de 2023 do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência salienta, uma vez mais, os elevados riscos para a saúde e para a vida dos consumidores e a dimensão dos mercados internacionais e nacionais das drogas ilícitas (https://www.emcdda.europa.eu/publications/european-drug-report/2023/cocaine_en) (cfr. acórdão de 29.5.2024, Proc. n.º 2476/23.9JAPRT.P1.S1, em www.dgsi.pt).

Na determinação da pena, ponderando as exigências de prevenção especial, o acórdão recorrido considerou, fundadamente, as «muito elevadas em relação à arguida AA uma vez que a arguida apresenta um extenso percurso criminal, tendo sido condenada pela prática de crimes de diversa natureza jurídica e contando já com duas condenações pela prática de crime de tráfico de estupefacientes em penas de prisão efectiva, uma delas em 2011 tendo sido condenada na pena de 6 anos e outra em 2012 na pena de 4 anos e 3 meses», conferindo a relevância devida ao comportamento anterior aos factos. Ponderou igualmente as condições pessoais e económicas, não se mostrando que o tenha feito desadequadamente.

21. Alega ainda a arguida circunstâncias, não comprovadas, que relevam para a definição típica do crime de «tráfico de menor gravidade», da previsão do artigo 25.º do Decreto-lei n.º 15/93, segundo o qual «Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; […]».

Diz que «os meios utilizados eram altamente rudimentares», a «modalidade, esta era, também, muito rudimentar, na medida em que a Recorrente se limitava a vender pequenas doses após solicitação», «não exercia a sua actividade de um modo altamente rentável, sendo que os “rendimentos” que terá auferido não lhe permitiram ter uma vida de luxo, limitava-se a gerir a seu dia a dia» e que as «quantidades vendidas, eram diminutas, destinando-se a consumo imediato de quem lhas solicitava».

Como se referiu no acórdão de 31.1.2024, Proc. n.º 10/21.4GBFAF.P1.S1 (em www.dgsi.pt), a construção do crime de «tráfico de menor gravidade», assenta na técnica do uso de uma cláusula geral, expressa no conceito de «ilicitude consideravelmente diminuída», com recurso a circunstâncias exemplificativas relativas aos elementos da ilicitude da ação, sendo usada “como uma espécie de válvula de segurança do sistema em ordem a evitar que situações efetivas de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas, no propósito de uma maior maleabilidade na escolha da medida da reação criminal”.

A este propósito, a jurisprudência deste Tribunal tem afirmado a necessidade de uma “avaliação global do facto”, nas suas circunstâncias particulares, as quais, consideradas no seu conjunto, devem permitir afirmar que as quantidades de estupefacientes, nomeadamente as detidas, vendidas, distribuídas, oferecidas ou proporcionadas a outrem (atividades que se incluem na definição do tipo de crime fundamental, da previsão do artigo 21.º), são reduzidas; que a sua qualidade, aí se incluindo o potencial grau de danosidade para os bens jurídicos protegidos pela incriminação, também deverá ser reduzida; que os meios utilizados, o modo e as circunstâncias da ação deverão ser simples, não planeados, não organizados. Tudo confluindo no sentido de que só nestas circunstâncias do caso concreto se poderá afirmar que a ilicitude se revela não só diminuída, mas diminuída de forma considerável, apreciável, substancial e claramente reduzida face ao desvalor das condutas que constituem elementos descritivos do tipo de crime do artigo 21.º, de modo a preencher a cláusula geral do artigo 25.º, que permite subtrair o caso à previsão daquele tipo fundamental por via da consideração daqueles fatores da ilicitude de baixa intensidade.

Por confronto com estes critérios, nas circunstâncias da matéria de facto dada como provada não se encontram elementos que, diversamente do decidido no acórdão recorrido, numa avaliação global do facto, permitam afastar o caso do âmbito de previsão da norma incriminadora do tipo fundamental do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, agravada, neste caso, pela circunstância da al. i) do artigo 24.º.

22. Assim sendo, tendo em conta todos estes fatores, ponderados nos limites impostos pela medida da culpa, dada a moldura da pena aplicável, não se encontra motivo que possa constituir base de discordância quanto à pena aplicada, em consideração dos critérios da culpa e da prevenção (artigos 71.º do CP), não se mostrando que esta se encontre fixada em violação do critério de proporcionalidade que preside à sua aplicação, em vista da realização das suas finalidades de proteção dos bens jurídicos ofendidos e da reintegração (artigo 40.º do CP).

Pelo que, não se justificando intervenção corretiva na determinação da medida da pena, é negado provimento ao recurso.

Quanto a custas

23. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP, só há lugar ao pagamento da taxa de justiça pelo arguido quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. O quantitativo é fixado pelo juiz, a final, nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais. A taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

III. Decisão

24. Pelo exposto, acorda-se na secção criminal do Supremo Tribunal de justiaç em julgar improcedentes os recursos interpostos pela arguida AA e pelo arguido BB, mantendo a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça, a pagar por cada um deles, em 5 UC.

Supremo Tribunal de Justiça, 5 de fevereiro de 2025

José Luís Lopes da Mota (relator)

Antero Luís

António Augusto Manso

___________

1. No mesmo sentido, entre outros, o acórdão de 6.2.2019, Proc. 98/12.9GCSCD.L1.S1, citando os acórdãos de 30.4.2008, Proc. 07P4723 – 3.ª Secção, de 2.5.2015, Proc. 132/11.0JELSB.S1 – 3.ª Secção, e de 27.5.2012, Proc. 445/12.3PBEVR.E1.S1 – 3.ª Secção).

2. Sobre estes pontos, que seguidamente se desenvolvem, na determinação do sentido e alcance do artigo 71.º do Código Penal, segue-se, em particular, como em acórdãos anteriores, Anabela M. Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, pp. 611-678, em especial, e Figueiredo Dias, Direito Penal, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2011, pp. 232-357 – cfr., de entre muitos outros, o acórdão de 15.1.2019, Proc. 4123/16.6JAPRT.G1.S1, e, de entre os mais recentes, o acórdão de 25.9.2024, Proc. 3808/21.0JAPRT.S1, em www.dgsi.pt.

3. Assim, entre outros, os acórdãos de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S1, de 26.06.2019, Proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, de 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, e de 3.11.2021, Proc. 875/19.0PKLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt.

4. Salientando este ponto, entre muitos outros, o acórdão de 29.4.2020, Proc. 16/05.0GGVNG.S1, em www.dgsi.pt.