I. O dever de pronúncia do tribunal de recurso incide sobre as questões suscitadas pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso e não sobre opiniões ou argumentos apresentados em procedimento contraditório, incluindo na resposta do arguido ao parecer do Ministério Público emitido por ocasião da vista a que se refere o artigo 416.º do CPP.
II. Não sofre de nulidade o acórdão de 22.6.2022 que, conhecendo de todas as questões suscitadas, julgou improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos dos despachos dos juízes desembargadores que não reconheceram os impedimentos para julgar o recurso do acórdão condenatório da 1.ª instância.
III. A falta de regulamentação da Lei n.º 55/2021 impedia a sua aplicação, devendo a distribuição continuar a efetuar-se de acordo com a lei em vigor à data da sua publicação (artigos 204.º e 213.º do CPC, DL n.º 97/2019, de 26 de julho).
IV. A realização da distribuição em desconformidade com as normas aplicáveis não produz nulidade de nenhum ato do processo (artigo 205.º do CPC); a reclamação da irregularidade daí decorrente só pode ter lugar até à decisão final.
V. Devendo a composição do tribunal manter-se de acordo com as normas de distribuição e constituição do tribunal anteriormente vigentes à data da distribuição – sem prejuízo de alteração subjetiva como sucedeu neste caso em virtude da jubilação de um dos seus membros, substituído por outro juiz conselheiro, mas mantendo-se sempre composto pelo relator, por um adjunto e pelo presidente da secção –, a arguição de nulidade carece de fundamento.
VI. Sendo de aplicação imediata (artigo 5.º do CPP), a lei processual não tem aplicação retroativa, não podendo, por conseguinte, ser aplicada a processo distribuído em data anterior à da sua entrada em vigor.
VII. À conferência são atribuídos poderes para julgar as reclamações de decisões anteriores do relator a que se refere o artigo 417.º, n.º 8, do CPP – de decisões sumárias e de decisões sobre o efeito do recurso ou sobre renovação de provas e pessoas a convocar (n.ºs 6 e 7 do mesmo preceito) – para julgar recursos (artigo 419.º quanto ao recurso ordinário e artigo 441.º quanto ao recurso de fixação de jurisprudência) e para conhecer de nulidades ou retificar acórdãos (artigos 379.º e 380.º já citados).
VIII. Não há lacuna que deva ser suprida por recurso ao artigo 652.º, n.º 3, do CPC, por força do artigo 4.º do CPP.
IX. Pelo que se indeferem todos os requerimentos de arguição de nulidade.
1. AA, BB, "L..., Lda", "F..., Lda", CC, "T..., S.A.", "S..., S.A." e DD, arguidos nos autos do recurso penal n.º 189/12.6TELSB.P1 da ...Secção do Tribunal da Relação do Porto, todos recorrentes nos autos em epígrafe, notificados do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 22 de junho de 2022, vieram, em 12.7.2022, arguir:
- «A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia e de consideração da resposta apresentada pelos recorrentes, nos termos previstos no artigo 417.º, n.º 2, in fine do Código de Processo Penal (CPP)»; e
- «A nulidade do acórdão, da conferência que julgou o Recurso, assim como a nulidade de todo este Processo, por falta de distribuição e por incompetência do Tribunal Coletivo»;
«Pretendendo ainda:
- Deduzir recusa deste Tribunal, nos termos dos artigos 43.º e seguintes do CPP
- Interpor Recurso para o Tribunal Constitucional».
Com os fundamentos seguintes:
«I. Da nulidade do acórdão de 22 de junho por omissão de pronúncia e de consideração da resposta apresentada pelos Recorrentes, nos termos previstos no artigo 417.º, n.º 2, in fine do CPP.
1.º É afirmado no douto acórdão de 22 de junho passado que: Notificados para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, os recorrentes nada disseram. (cf. página 9 do acórdão em causa). Ora,
2.º Tal não corresponde à verdade.
3.º Na sequência da notificação do Parecer do Senhor Procurador-Geral Adjunto de 16 de março de 2022, os Recorrentes, através de Requerimento dirigido aos autos, em 05 de abril de 2022 (com a referência electrónica Citius ...61), exerceram o direito de resposta que a previsão do artigo 417.º, n.º 2, in fine do CPP lhes reconhece. Ora,
4.º A dita afirmação constante do acórdão ora notificado no sentido de os Recorrentes não terem respondido ao Parecer do Senhor Procurador-Geral Adjunto é sinal por demais evidente de que a referida resposta pelos mesmos apresentada, em 05 de abril de 2022, não foi lida, analisada, nem considerada por Vossas Excelências e que sobre a mesma não recaiu qualquer pronúncia de Vossas Excelências, o que configura nulidade por omissão de pronúncia e de consideração da resposta em causa, nos termos e por força do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea d) do CPP aplicável ex vi do artigo 425.º, n.º 4 do mesmo diploma legal, nulidade que aqui fica arguida para todos os efeitos legais pertinentes, pedindo-se a Vossas Excelências queiram declará-la, com todos os efeitos legais decorrentes dessa declaração, mormente, o de nulidade do acórdão de 22 de junho passado.
Sem prescindir,
II. Da nulidade do acórdão final, da conferência que julgou o Recurso e de todo este processo por falta de distribuição e da incompetência do Tribunal Coletivo:
5.º Este Tribunal Coletivo foi constituído em violação do previsto e exigido nos artigos 204.º e 213.º do Código de Processo Civil (CPC) para a realização da distribuição nos tribunais superiores:
a. Não contou com a assistência obrigatória do Ministério Público;
b. Não contou com a assistência de advogado designado pela Ordem dos Advogados – que também era obrigatória caso tivesse sido possível, desconhecendo os Recorrentes se a mesma era ou não possível;
c. Não contou com a presença dos advogados dos Recorrentes;
d. Por falta da sua notificação para estarem presentes;
e. Não foi elaborada a ata desse ato jurisdicional;
f. E – o que é mais grave porque influenciou decisivamente a composição do Coletivo – a Senhora Juíza Conselheira Adjunta não foi apurada aleatoriamente uma vez que apenas o Senhor Juiz Conselheiro Relator foi sorteado.
6.º Estas ilegalidades violam o direito dos arguidos Recorrentes ao Juiz Legal – direito, garantia e princípio constitucional fundamental consagrado no artigo 32.º, n.º 9 da Constituição da República;
7.º Determinam a nulidade insanável da “distribuição” que terá sido realizada;
8.º E obrigam à realização de nova distribuição nos termos legais – em conformidade com o disposto nos artigos 119.º alíneas a) e e) e 122.º, n.º 1 do CPP e no artigo 213.º, n.º 4 do CPC.
Vejamos:
9.º O artigo 213.º, n.º 3 do CPC dispõe o seguinte:
“É correspondente aplicável o disposto nos n.ºs 4 a 6 do artigo 204.º à distribuição nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça, com as seguintes especificidades:
a) A distribuição é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro;
b) Deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo.”
Os números 4 a 6 do artigo 204.º dispõem que:
“4. A distribuição obedece às seguintes regras”:
a) Os processos são distribuídos por todos os juízes do tribunal e a listagem fica sempre anexa à ata”;
b) Se for distribuído um processo a um juiz que esteja impedido de nele intervir, deve ficar consignada em ata a causa do impedimento que origina a necessidade de fazer nova distribuição por ter sido distribuído a um juiz impedido, constando expressamente o motivo do impedimento, bem como anexa à ata a nova listagem;
c) As operações de distribuição são obrigatoriamente documentadas em ata, elaborada imediatamente após a conclusão daquelas e assinada pelas pessoas referidas no n.º 3, a qual contém necessariamente a descrição de todos os atos praticados.
5. Os mandatários judiciais têm acesso à ata das operações de distribuição dos processos referentes às partes que patrocinam, podendo, a todo o tempo, requerer uma fotocópia ou certidão da mesma, a qual deve ser emitida nos termos do artigo 170.º;
6. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, nos casos em que haja atribuição de um processo a um juiz, deve ficar explicitada na página informática de acesso público do Ministério da Justiça que houve essa atribuição e os fundamentos legais da mesma.”
E o artigo 213.º, n.º 2, acrescenta relativamente à distribuição nos tribunais de 1.ª instância e à exigência ou determinação legal da “assistência obrigatória do Ministério Público e, caso seja possível por parte da Ordem dos Advogados de um advogado designado por esta ordem profissional, (...),”o poder de os mandatários das partes estarem presentes, se assim o entenderem,
O que pressupõe e exige, necessariamente, a notificação aos mandatários das partes do dia e hora designado para o concreto ato judicial de distribuição em causa.
Ora,
10.º Os advogados signatários não foram notificados para essa distribuição, a que queriam e tinham o direito de ter estado presentes, por força da norma citada do artigo 213.º, n.º 2 do CPC e por se tratar de ato processual que diretamente diz respeito aos seus constituintes, tendo também o direito, por isso mesmo, de terem sido notificados para o efeito.
11.º E foram informados de que a Presidência deste Supremo Tribunal entende “que a operação de distribuição não foi documentada em ata, atendendo a que a Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto (...) não entrou em vigor por ausência de regulamentação até à data (cf. artigo 3.º da referida Lei n.º 55/2021)”. (cf. Documento n.º 1, cuja cópia requerem seja junta aos presentes autos). Por conseguinte,
12.º Não foi elaborada ata do ato judicial de distribuição deste processo de recurso, nem outro auto algum;
13.º Não esteve presente o Ministério Público;
14.º Não foram notificados e por isso não estiveram os advogados dos Recorrentes;
15.º E não foi efetuado sorteio eletrónico para apurar aleatoriamente a Senhora Juíza Conselheira Adjunta, mas, apenas o Senhor Juiz Conselheiro Relator.
16.º Mostram-se, assim, violadas as regras antes citadas e transcritas dos artigos 213.º, n.ºs 2 e 3 e 204.º a 206.º do CPC – aqui aplicáveis por força do disposto e nos termos do artigo 4.º do CPP, de harmonia e com respeito pelos princípios gerais do processo penal.
Consequentemente,
17.º Uma vez que estão em causa regras legais relativas ao modo de determinar a composição do Tribunal e regras legais relativas à atribuição da competência ao tribunal no caso concreto, a sua violação conduz aqui à nulidade absoluta deste processo de recurso desde a sua distribuição neste Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e por força do disposto na alínea e) do artigo 119.º do CPP, o que impõe a realização de nova distribuição nos termos legais – por força e nos termos conjugados do artigo 122.º, n.º 1 do CPP (que determina que “as nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar”) e do artigo 213.º, n.º 4 do CPC (segundo o qual “quando houver erro na distribuição o processo é distribuído novamente”).
18.º A este respeito, consideram os Recorrentes que neste recurso não podem aproveitar-se os vistos, uma vez que em processo penal, verificando-se a nulidade da distribuição por omissão do apuramento aleatório legalmente prescrito de um dos Juízes que constituem o Coletivo (como se verifica nestes autos), o aproveitamento dos vistos consubstanciaria ou relevaria sempre de interpretação normativa inconstitucional das normas conjugadas do artigo 4.º do CPP e do artigo 213.º, n.º 4 do CPC, por violação do direito, garantia e princípio fundamental do juiz legal consagrado no artigo 32.º, n.º 9 da Constituição – inconstitucionalidade que suscitam nos termos, nomeadamente, dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e 72.º, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional.
19.º Já quanto ao entendimento de que as alterações determinadas pela Lei n.º 55/2021 não teriam entrado em vigor “por falta de regulamentação” (que parece estar por detrás destas graves ilegalidades e da nulidade insanável aqui arguida) o mesmo é a todas as luzes inaceitável:
20.º Desde logo, porque viola diretamente o disposto nos artigos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º daquela lei:
a. Viola a letra do artigo 3.º - que manda proceder à regulamentação daquela lei “no prazo de 30 dias a contar da data da sua aplicação; e que determina que essa regulamentação entre em vigor ao mesmo tempo que a lei;
b. E a própria letra da norma transitória do artigo 4.º - que pura e simplesmente dispõe que “a presente lei entra em vigor 60 dias após a sua publicação”, sem prever a dependência da dita regulamentação;
c. E viola, na verdade, toda a lei, porque a nova redação das normas dos artigos 204.º, n.º 4, alínea c) e 213.º, n.º 2 do CPC, por ela determinada, não carece de regulamentação alguma.
21.º Viola também o disposto no artigo 137.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que omite e viola a obrigação de tutela jurisdicional da exequibilidade desse ato legislativo, que impende sobre todos os Tribunais e também sobre este Supremo Tribunal e é expressamente acautelada nessa norma legal.
Acresce que,
22.º O que está em causa é a exequibilidade da Lei n.º 55/2021, a exequibilidade desse ato normativo, legislativo, da Assembleia da República, emanado diretamente do próprio Poder Legislativo, o que significa que a omissão por parte deste Supremo Tribunal da tutela jurisdicional da sua exequibilidade viola o Princípio da Separação e Interdependência de Poderes da República Portuguesa, essencial, indispensável e determinante da sua organização constitucional como Estado de Direito Democrático baseado na Soberania Popular, consagrado no artigo 2.º, no artigo 108.º, no artigo 110.º, no artigo 111.º n.º 1, no artigo 112.º, n.º 5, no artigo 161.º, alíneas c) e o), no artigo 165.º, n.º 1, alíneas b) e p), no artigo 199.º, alínea c) e nos artigos 202.º e 203.º da Constituição da República; viola a constitucionalmente imposta sujeição dos Tribunais à Lei; viola a independência dos Tribunais e deste Supremo Tribunal de Justiça face ao Governo;
23.º Parecendo significar, mesmo, inaceitável cumplicidade com o Executivo na violação da respetiva regulamentação.
A este propósito,
24.º Os Recorrentes suscitam – designadamente nos termos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e 72.º, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional – a inconstitucionalidade dos artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 55/2021 e do artigo 137.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo na interpretação normativa em que tal entendimento se traduz, no sentido de que as alterações determinadas pela referida Lei aos artigos 204.º e 213.º do CPC não teriam entrado em vigor por falta de regulamentação pelo Governo, por violação do Princípio da Separação e Interdependência de Poderes, da organização constitucional da República Portuguesa como Estado de Direito Democrático baseado na Soberania Popular e dos artigos 2.º, 108.º, 110.º, 111.º, n.º 1, 112.º, n.º 5, 161.º, alíneas c) e o), 165.º, n.º 1, alíneas b) e p), 199.º, alínea c) e 202.º e 203.º da Constituição da República.
Por conseguinte,
25.º A distribuição deste Processo e todos os atos nele praticados desde então, entre os quais, a conferência para julgamento do Recurso e o próprio acórdão proferido em 22 de junho passado mostram-se viciados de nulidade insanável por violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição deste Tribunal e à competência deste Tribunal, nos termos do artigo 119.º, alíneas a) e e) do CPP:
a) Por ausência dos mandatários dos Recorrentes, por falta de notificação para o ato;
b) Por ausência do Ministério Público;
c) Por inexistência ou omissão de documentação do ato através da formalização legalmente exigida;
d) Por tal inexistência ou omissão impedir a confirmação de como, quando (e mesmo se) esse ato efetivamente e concretamente se realizou;
e) Por este processo ter sido atribuído a este Coletivo e à Colenda Senhora Juíza Conselheira Adjunta Doutora EE para o exercício das suas funções jurisdicionais neste recurso no âmbito deste Coletivo, sem distribuição, sem precedência quanto à Senhora Juíza Adjunta do sorteio eletrónico e aleatório legalmente exigido pela alínea a) do artigo 213.º, n.º 3 do CPC;
f) E por se verificar, ainda, e também consequentemente, a violação do dever previsto na respetiva alínea b), de ser assegurada a não repetição de coletivo.
26.º O que tudo – como já se disse – é causa de nulidade insanável do acórdão de 22 de junho, da conferência que julgou o Recurso e de todo este processo por falta de distribuição e da incompetência do Tribunal Coletivo e de todos os Colendos Senhores Juízes Conselheiros que o constituem para a tramitação e julgamento do Recurso em causa, nulidade que aqui fica arguida para todos os efeitos legais pertinentes, pedindo-se a Vossas Excelências queiram declará-la, com todos os efeitos legais decorrentes dessa declaração.
Acresce, sem prescindir:
III. Das suspeitas de falta de imparcialidade deste Tribunal Coletivo.
27.º As ilegalidades descritas parecem consubstanciar, ainda, motivo de recusa e de escusa nos termos dos artigos 43.º e seguintes do CPP, da Senhora Juíza Conselheira Adjunta e de todo o Coletivo, uma vez que a intervenção de Vossas Excelências corre o risco de ser considerada suspeita por existir “motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade de todo este Coletivo – em resultado de todas as violações de lei antes detalhadas e, muito especialmente, a ausência de sorteio eletrónico e aleatório para designação de um dos respetivos membros.
Com efeito,
28.º A distribuição eletrónica e aleatória realizada nos exatos e rigorosos termos previstos na Lei é o primeiro e incontornável pressuposto do Princípio, Garantia e Direito Fundamental ao Juiz Legal, consagrado no artigo 32.º, n.º 9 da Constituição, do respeito pela Independência dos Tribunais e sua sujeição ao principio da legalidade, à Lei e à Constituição - consagrados nos artigos 2.º, 29.º, 203.º e 204.º, por ser a primeira e incontornável garantia de imparcialidade dos Senhores Juízes no concreto exercício dessas funções jurisdicionais, porque em processo criminal só a estrita e rigorosa observância das normas e dos termos legais previstos para essa operação de escolha dos Senhores Juízes respeita ambos esses Princípios e Garantias e Direitos Fundamentais. Ora,
29.º Nenhuma dúvida têm os Recorrentes em afirmar que a exigência legal de um efetivo julgamento e de uma efetiva decisão colegial é imposta – ou é-o, seguramente, também – como garantia da imparcialidade dos Senhores Juízes e dos Tribunais. Por isso,
30.º Uma vez que neste Processo essas normas e esses termos legais foram, pura e simplesmente, desprezados, ignorados e desaplicados - sem motivo legítimo e lícito conhecido que justifique a omissão do apuramento aleatório por sorteio eletrónico do Juiz Adjunto ou a insistência na repetição dos coletivos – antes pelo contrário, qualquer motivo que possa ter determinado ou conduzido a todas as apontadas ilegalidades, designadamente a essa omissão de sorteio e a essa insistência na repetição de coletivos, reforça e qualifica as invocadas suspeitas, parecendo indiciar, mesmo, tentativa de impor uma decisão singular ou monocrática, em desrespeito da exigência legal de decisão colegial inerente a um julgamento efetivo, verdadeiro, sério e imparcial, entendem os Recorrentes que se verificou ainda neste caso violação da norma do artigo 11.º, n.º 5 do CPP (que prescreve que “as secções funcionam com três juízes”) e violação do próprio artigo 419.º, n.º 1 do mesmo código (que prevê a intervenção na conferência do presidente da secção, do relator e do juiz-adjunto – de forma mais relevante e importante após revogação pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro do respetivo número 2).
31.º E por isso, também, consideram verificar-se, como anteciparam, a suspeita de falta de imparcialidade de todo o Coletivo.
A este respeito, citam e transcrevem:
Acórdão de 12 de março de 2015 deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do Processo n.º 4914/12.7TDLSB.G1-A.S1:
“De acordo com o artigo 43.º, n.º 1 do CPP, constitui fundamento da recusa de juiz que: a sua intervenção no processo corra o risco de ser considerada suspeita; por se verificar motivo sério e grave; adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, visando-se salvaguardar um bem essencial na administração da Justiça que é a imparcialidade, ou seja, a equidistância sobre o litígio de forma a permitir a decisão justa.
A perda de equidistância, que resulta da circunstância aleatória que é a distribuição processual, leva a entender que existem fundamentos para determinar a recusa dos magistrados em causa.”
Acórdão de 29 de março de 2012 da 5ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo n.º 31/12.8YFLSB:
“Não basta que o juiz seja imparcial, é também necessário que o pareça.”
Acórdão de 22 de junho de 2005 da 3ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do Processo n.º 1929/05:
“Para os efeitos do disposto no nº 1 do art. 43º do CPP – a existência de motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador – relevam, fundamentalmente as aparências.
Não é a exigida capacidade de imparcialidade do julgador que importa aqui acautelar, mas antes assegurar para o exterior, para os destinatários da justiça, a comunidade, essa imagem de imparcialidade.”
E o Acórdão de 15 de setembro de 2010, proferido no âmbito do Processo n.º 133/10.5YFLSB, da 3ª Secção, também deste Supremo Tribunal de Justiça:
“A teleologia subjacente ao instituto da recusa passa por assegurar a conveniência e necessidade de preservar o mais possível a dignidade profissional e a erosão da imagem pessoal do magistrado e, como lógica decorrência, ainda lograr uma imagem reforçada da inevitável necessidade de administrar salutar justiça, revestindo-a da dignidade que merece, preservada de suspeitas de falta de isenção e rigor.
A estrutura da sociedade reclama cada vez mais rigor e transparência, exigindo exteriorização subjetiva e demonstração objetiva de probidade funcional, que é dever da administração pública e, por maioria de razão, da Magistratura Judicial.”
E, conforme igualmente anteciparam,
32.º A suspeita de parcialidade de um membro de Tribunal Coletivo estende-se a todos os restantes membros.
Neste sentido, decidiu o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em Acórdão de 9 de maio de 2000 – processo Sander contra o Reino Unido, citado por Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa, 4ª Edição atualizada, 2011, p. 133 – “Tratando-se de um tribunal colectivo ou do júri, basta a parcialidade de um dos seus membros para inquinar toda a actividade do tribunal.”
33.º Justifica-se, pois, que a suspeita relativamente a um membro deste Tribunal Coletivo se estenda aos restantes membros.
34.º Os Recorrentes dirigiram, consequentemente, hoje, ao Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e para os efeitos do artigo 45.º, n.º 1, alínea a) do CPP, requerimento de Recusa de Vossas Excelências e do Tribunal Coletivo que Vossas Excelências constituem – cf. Documento n.º 2, cuja cópia requerem seja junta aos presentes autos para os indicados efeitos.
Sempre sem prescindir,
IV. Interposição de Recurso para o Tribunal Constitucional.
35.º Por excesso de cautela de patrocínio judiciário e sem prejuízo e sem prescindir das nulidades arguidas, suspeições suscitadas e pedido de recusa precedentemente aludido, entendem os Recorrentes interpor, desde logo, recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 71.º, n.º 1, 72.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, 75.º, n.º 1 e 75.º-A, n.ºs 1 e 2, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, para ser apreciada a questão de inconstitucionalidade das normas dos artigos 40.º, alíneas a) e d) (na redação anterior à entrada em vigor da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro) e 419.º, ambos do CPP, na interpretação normativa que não inclua na previsão do artigo 40.º, alíneas a) e d) do CPP o Juiz Presidente da Secção que tenha presidido à conferência prevista no artigo 419.º do CPP, tendo dirigido os trabalhos e a discussão para julgamento, no mesmo Processo, de Recurso anterior que sujeite um arguido à medida de coação de prisão preventiva carcerária, mas, que não tenha votado por não se ter verificado empate entre o juiz relator e o juiz adjunto; inconstitucionalidade que decorre da violação: dos direitos e garantias de defesa do arguido, previstos no artigo 32.º da Constituição da República, inclusive do direito ao Juiz natural, garantido constitucionalmente no artigo 32.º, n.º 9 da Lei Fundamental e do princípio basilar do processo penal, garantia e direito fundamental dos arguidos, da imparcialidade do tribunal e dos juízes, que decorre dos artigos 202.º, n.ºs 1 e 2 e 203.º da Constituição da República; dos direitos fundamentais de acesso ao Direito, à tutela jurisdicional efetiva e ao processo equitativo, consagrados no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República, no artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no artigo 6.º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 14.º, n.º 1 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e no artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do princípio da legalidade, consagrado no artigo 29.º, n.º 1 da Lei Fundamental e ainda do próprio conceito e princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição, concretamente do princípio do Estado de Direito Democrático no domínio da administração da justiça; sendo que a invocação das normas internacionais violadas resulta de se tratar de preceitos diretamente aplicáveis, que vigoram na ordem jurídica interna e vinculam todas as entidades públicas e privadas, nos termos dos artigos 8.º e 18.º da Lei Fundamental.
36.º As normas cuja inconstitucionalidade é ora suscitada foram interpretadas com o sentido antes indicado, quer no acórdão proferido nos autos do Recurso penal n.º 189/12.6TELSB.P1 da ...Secção do Tribunal da Relação do Porto, quer no acórdão de 22 de junho de 2022 do Tribunal recorrido (Supremo Tribunal de Justiça / 3ª Secção);
Sendo inconstitucionais por violação das normas, princípios e direitos constitucionalmente garantidos acima elencados.
37.º A questão de inconstitucionalidade foi suscitada pelos Recorrentes nas Motivações do Recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, em 24 de janeiro de 2022, através do qual impugnaram os despachos pelos quais os Senhores Juízes Desembargadores da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto não reconheceram o impedimento que lhes tinha sido oposto pelos Recorrentes.
Termos em que requer sejam declaradas as nulidades arguidas com todos os efeitos indicados.»
2. O acórdão de 22 de junho de 2022, cuja nulidade vem arguida, julgou improcedentes os recursos dos requerentes interpostos dos seguintes despachos:
a) Do despacho proferido pela Senhora Juíza Desembargadora Presidente da Secção da Relação do Porto, FF, em 21 de dezembro de 2021, em que entendeu que não se verificava a situação de impedimento prevista no artigo 40.º, alínea d), do CPP e não reconheceu a situação de impedimento que lhe tinha sido oposta;
b) Do despacho proferido pela Senhora Juíza Desembargadora Relatora, GG, em 20 de dezembro de 2021, em que entendeu não se encontrar em qualquer situação legalmente prevista de impedimento e declarou não se encontrar impedida de intervir nestes autos; e
c) Do despacho proferido pelo Senhor Juiz Desembargador 1.º Adjunto, HH, em 21 de dezembro de 2021, em que igualmente entendeu que não se encontrava em qualquer situação legalmente prevista de impedimento e declarou não se encontrar impedido de intervir nestes autos.
Estava em causa a intervenção das Senhoras Juízas Desembargadoras e do Senhor Juiz Desembargador no julgamento do recurso do acórdão de 7.4.2017 do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal ... (Juiz ...), no qual, além do mais, foi decidido condenar os arguidos pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada.
3. Está definitivamente decidida a recusa «deste Tribunal, nos termos dos artigos 43.º e seguintes do CPP» (pontos 27 a 34 do requerimento em que também foram arguidas as nulidades), nada havendo agora que, quanto a ela, deva ser conhecido.
Com efeito os requerimentos de recusa dos conselheiros que intervieram no julgamento do recurso e subscreveram o acórdão de 22 de junho de 2022, apresentados conjuntamente com o requerimento de arguição de nulidades (supra, 1, pontos 27 a 34), deram origem a dois processos (apensos A e B) remetidos à distribuição na sequência de despacho do relator de 21.7.2022.
Nesse despacho de 21.7.2022, consignou o relator que, dado o disposto no artigo 45.º, n.º 2, do CPP, não havendo atos urgentes que devessem ser praticados, os autos deveriam aguardar a decisão dos requerimentos de recusa.
Os requerimentos de recusa dos juízes conselheiros, que deram origem aos apensos A e B, foram indeferidos e das decisões neles proferidas foram interpostos recursos pelos arguidos para o Tribunal Constitucional.
Decididos os recursos de constitucionalidade e recebidos os processos vindos do Tribunal Constitucional, consignou-se em despacho de 13.12.2023: «Como resulta dos autos apensos, as decisões do TC sobre os recursos interpostos das decisões relativas às recusas (apensos A e B) transitaram em julgado em 29.06.2023 (p. 284) e em 26.19.2023 (p. 68)» (referência esta que contém evidente lapso de escrita, pois se queria dizer «26.10.2023», como se extrai da leitura de p. 68 do apenso B), «respetivamente, datas em que igualmente transitaram em julgado aquelas decisões deste tribunal sobre as recusas (art.º 80.º, n.º 5, da LTC). Cessou, pois, o impedimento imposto pelo art.º 45.º, n.º 2, do CPP).»
4. Dada a jubilação da Senhora Conselheira EE [Despacho (extrato) 1467/2023, do CSM, DR 2.ª série de 30.1.2023], foram os autos remetidos à distribuição para designação do juiz conselheiro adjunto (artigos 213.º, n.º 3, e 217.º, n.º 1, do CPC), em conformidade com o despacho do relator de 22.2.2024.
5. Na sequência da apresentação dos requerimentos de recusa dos juízes conselheiros, não foi praticado nestes autos qualquer ato judicial entre 21.7.2022 (data de apresentação do pedido de recusa dos juízes conselheiros) e 13.12.2023.
6. O Senhor Procurador-Geral Adjunto é de parecer que as arguições de nulidade do acórdão devem ser indeferidas, pronunciando-se nos seguintes termos:
«1.1 – Da nulidade do acórdão de 22 de Junho de 2022, por omissão de pronúncia e de consideração da resposta apresentada pelos recorrentes, nos termos previstos no artigo 417.º, n.º 2, in fine, do Código de Processo Penal (C.P.P.).
Referem os recorrentes (transcrição):
(…)
“1.º É afirmado no douto acórdão de 22 de junho passado que: Notificados para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, os recorrentes nada disseram. (cf. página 9 do acórdão em causa). Ora,
2.º Tal não corresponde à verdade.
3.º Na sequência da notificação do Parecer do Senhor Procurador-Geral Adjunto de 16 de março de 2022, os Recorrentes, através de Requerimento dirigido aos autos, em 05 de abril de 2022 (com a referência electrónica Citius ......61), exerceram o direito de resposta que a previsão do artigo 417.º, n.º 2, in fine do CPP lhes reconhece. Ora,
4.º A dita afirmação constante do acórdão ora notificado no sentido de os Recorrentes não terem respondido ao Parecer do Senhor Procurador-Geral Adjunto é sinal por demais evidente de que a referida resposta pelos mesmos apresentada, em 05 de abril de 2022, não foi lida, analisada, nem considerada por Vossas Excelências e que sobre a mesma não recaiu qualquer pronúncia de Vossas Excelências, o que configura nulidade por omissão de pronúncia e de consideração da resposta em causa, nos termos e por força do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea d) do CPP aplicável ex vi do artigo 425.º, n.º 4 do mesmo diploma legal, nulidade que aqui fica arguida para todos os efeitos legais pertinentes, pedindo-se a Vossas Excelências queiram declará-la, com todos os efeitos legais decorrentes dessa declaração, mormente, o de nulidade do acórdão de 22 de junho passado. (…)”
A omissão de pronúncia, geradora de nulidade da decisão, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do C.P.P., aplicável por força do disposto no artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma legal (decerto terá sido aquela a alínea que os requerentes terão querido escrever, mero lapso de escrita sem outra consequência), só se verifica se o juiz não cumpre com o dever que lhe é imposto, no sentido de resolver todas as questões suscitadas no recurso pelos sujeitos processuais, excepção feita àquela(s) cuja decisão resulte prejudicada pela solução (ou resposta) dada a outra(s), e no sentido de resolver todas as questões cujo conhecimento lhe é imposto por lei, o que não significa que o juiz tenha que se pronunciar sobre todas as considerações, motivos, e razões formuladas pelas partes.
E deverá ser nesta perspectiva que se haverá de encarar a questão suscitada pelos recorrentes quanto a ter-se feito constar no acórdão que (…) notificados para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, os recorrentes nada disseram, realidade que não encerra a virtualidade de constituir nulidade, sendo, como é, estranha ao objecto do processo, e, sobre este, não cabe dúvida que o Tribunal a quo conheceu e decidiu o que se lhe impunha, de forma, aliás, muito clara e fundamentada, sem que, reafirme-se, tivesse sido cometida qualquer nulidade, a qual só se verificará, pelo vício omissivo invocado, não é demais lembrar, quando o tribunal não se pronuncia sobre questões que lhe cumpre conhecer.
O que não sucedeu.
1.2 – Da nulidade do acórdão final, da conferência que julgou o recurso e de todo o processo, por falta de distribuição e da incompetência do Tribunal Coletivo.
Os recorrentes suscitam ainda a questão que se prende com a distribuição do processo neste Supremo Tribunal de Justiça, dizendo, no que importa reter (transcrição):
“(…)
5.º Este Tribunal Coletivo foi constituído em violação do previsto e exigido nos artigos 204.º e 213.º do Código de Processo Civil (CPC) para a realização da distribuição nos tribunais superiores:
a. Não contou com a assistência obrigatória do Ministério Público;
b. Não contou com a assistência de advogado designado pela Ordem dos Advogados – que também era obrigatória caso tivesse sido possível, desconhecendo os Recorrentes se a mesma era ou não possível;
c. Não contou com a presença dos advogados dos Recorrentes;
d. Por falta da sua notificação para estarem presentes;
e. Não foi elaborada a ata desse ato jurisdicional;
f. E – o que é mais grave porque influenciou decisivamente a composição do Coletivo – a Senhora Juíza Conselheira Adjunta não foi apurada aleatoriamente uma vez que apenas o Senhor Juiz Conselheiro Relator foi sorteado.
6.º Estas ilegalidades violam o direito dos arguidos Recorrentes ao Juiz Legal – direito, garantia e princípio constitucional fundamental consagrado no artigo 32.º, n.º 9 da Constituição da República;
7.º Determinam a nulidade insanável da “distribuição” que terá sido realizada;
8.º E obrigam à realização de nova distribuição nos termos legais – em conformidade com o disposto nos artigos 119.º alíneas a) e e) e 122.º, n.º 1 do CPP e no artigo 213.º, n.º 4 do CPC. (…)”
Consideram os recorrentes, como se vê, que na distribuição do processo não foram observados os ditames consignados nos artigos 213.º e 204.º do Código de Processo Civil (C.P.C.), ex vi artigo 4.º do C.P.P.
Tendo embora presente que a Lei n.º 55/2021, de 13 de Agosto (diploma que veio introduzir mecanismos de controlo da distribuição eletrónica dos processos judiciais, alterando o Código de Processo Civil, conformando as invocadas normas processuais naquela redacção) previa, no seu artigo 4.º, a sua entrada em vigor 60 dias após a sua publicação, certo é que, por carecer de prévia regulamentação, que deveria ter sido elaborada no prazo de 30 dias após tal publicação, cfr. artigo 3.º desse diploma, o que não se verificou, tal legislação não resultava aplicável à data da distribuição do processo neste Supremo Tribunal.
Como é sabido, só com a Portaria n.º 86/2023, de 27 de Março (entrada em vigor 45 dias após a data da sua publicação, ou seja, em 11 de Maio de 2023), vieram a ser efectivamente alteradas as regras relativas à distribuição dos processos por meios electrónicos nos tribunais judiciais.
Daí que nenhum dos procedimentos previstos no diploma a que se tem vindo fazer referência fosse exigível ao tempo da distribuição do processo.
O mesmo é dizer que não ocorre nenhuma nulidade, sequer irregularidade, na distribuição dos autos, devendo ser indeferido o requerido.
Mas ainda que assim não fosse, e é, sempre improcederia a arguida nulidade.
Com efeito, e no que concerne a vícios na distribuição, o artigo 205.º do C.P.C., aplicável por força do artigo 4.º do C.P.P., estabelece o seguinte:
«1 - A falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum ato do processo, mas pode ser reclamada por qualquer interessado ou suprida oficiosamente até à decisão final.» (destaque meu).
2 - (…).
Assim, considerando o disposto no artigo 118.º, n.º 2, do C.P.P., norma que estabelece que nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular, e no artigo 205.º, n.º 1, do C.P.C., a falta ou irregularidade na distribuição não constitui senão uma mera irregularidade, e a sua reclamação só pode ter lugar até à decisão final.
Ora, os recorrentes não suscitaram a questão dos vícios que, do seu ponto de vista, teriam afectado a distribuição até ter sido proferido o acórdão de 22 de Junho de 2022, vindo a fazê-lo apenas em 12.07.2022 por via do requerimento ora em apreço.
Manifestamente fora de tempo. (…)
3 – Pelo exposto, entende-se deverem ser julgadas improcedentes as arguidas nulidades, tal como as inconstitucionalidades que, como é regra, sempre se lhes associam.
7. Designada a conferência para o dia 11.09.2024, veio o recorrente BB, no dia anterior (10.09.2024):
a) «Arguir a nulidade deste processo desde 2 de agosto de 2022, por violação das normas do artigo 5.º, n.ºs 1 e 2 alínea a), e do artigo 419.º, n.º 1, do Código de Processo Penal»;
b) Dar conhecimento de que, na mesma data, deduziu incidente de recusa dos juízes conselheiros que, na conferência do dia seguinte, deveriam julgar a reclamação de nulidade do acórdão de 22.6.2022;
c) «Reclamar para a conferência da decisão singular proferida sobre a arguição de nulidades que deduziu no seu requerimento de 18 de janeiro», decisão constante do despacho do signatário de 2.9.2024 (pontos 5 a 8).
7.1. Disse o requerente:
«(…) tendo sido notificado do Despacho do passado dia 2 e tendo, consequentemente (perante a referência no Despacho à “distribuição para designação do juiz conselheiro adjunto”), tido conhecimento da “Ata das Operações de Distribuição de Processos” de 15 de julho e, por essa via, de que este Tribunal de Recurso continua constituído apenas por um Juiz Relator, um Juiz Adjunto e um Juiz Presidente e de que se reunirá esta manhã em Conferência para decidir as questões indicadas no Despacho, vem:
1. Arguir a nulidade insanável deste processo desde 2 de agosto de 2022, por violação das normas do artigo 5.º, n.ºs 1 e 2 alínea a), e do artigo 419.º, n.º 1, do Código de Processo Penal,
Porquanto:
O Tribunal que está previsto reunir em Conferência continua constituído apenas pelo Juiz Relator, um Juiz Adjunto e o Juiz Presidente;
A constituição do Tribunal é incompatível com a exigida pela norma do artigo 419.º n.º 1 do Código de Processo Penal – norma que foi introduzida pela Lei n.º 13/2022, entrou em vigor no referido dia 2 de agosto de 2022 e determina que nas Conferências “intervêm (...) dois juízes adjuntos”;
Não apenas um – ao contrário do que se passava no regime legal anterior.
O Despacho de 22 de fevereiro e a Distribuição realizada no dia 15 de julho violam manifestamente o novo regime legal aplicável à constituição do Tribunal em Conferência, e muito concretamente a norma citada do artigo 419 n.º 1 do Código de Processo Penal.
Tal norma é uma regra de competência do tribunal.
Significa, no caso concreto dos recursos penais julgados em Conferência, que o Tribunal e cada um dos Juízes que o constituem só têm competência para julgar o recurso em causa se a constituição do Tribunal, a composição da Conferência, tiver respeitado e cumprido as exigências legais.
Neste caso tal não se verifica: a constituição do Tribunal, a composição da Conferência, não respeitam, antes violam manifestamente tal norma.
Em situações como a dos presentes autos, em que se mostra designado apenas um Juiz Adjunto e em que o Relator não foram sorteados de acordo, designadamente, com as normas do artigo 213.º n.º 3 do Código de Processo Civil, na redação da Lei n.º 55/2021 – normas aplicáveis ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal, e que exigem (no n.º 3) o apuramento aleatório sem critério de antiguidade ou qualquer outro” – a única opção legal é a remessa do processo a segunda distribuição.
De resto,
Tem sido esse (de acordo com Despacho do Excelentíssimo Senhor Juiz Desembargador Doutor II, de que o signatário foi notificado no Processo: 28/14.3NJLSB.L1, da 3.ª Secção da Relação de Lisboa) o “entendimento unânime” dos Tribunais Superiores, e por aplicação do disposto no artigo 217.º n.º 1 segunda parte do Código de Processo Civil.
Aliás,
Em outra interpretação, nomeadamente, no sentido normativo seguido neste processo (cf. ponto 3 do Despacho de 2 de setembro do Excelentíssimo Senhor Juiz Relator, agora notificado), de que a norma do artigo 217.º n.º 1 do Código de Processo Civil impõe ou permite em situações como a dos autos, em que se mostrava designado apenas um Juiz Adjunto, que se jubilou, em que esse Juiz Adjunto havia sido designado por critério de antiguidade e em que o Relator também não fora sorteado de acordo com as normas do artigo 213.º n.º 3 do Código de Processo Civil, na redação da Lei n.º 55/2021”, tal norma seria inconstitucional por violação do Juiz Legal, Principio, Direito e Garantia Constitucional fundamental consagrado no artigo 32.º n.º 9 da Constituição.
CONSEQUÊNCIAS:
a. O Despacho de 22 de fevereiro, o acto de Distribuição de 15 de julho, a decisão de designação da Conferência, mostram-se viciados da nulidade insanável prevista nas alíneas a) e e) do artigo 119.º do Código de Processo Penal;
b. E, bem assim, todo este processo, desde (pelo menos) 2 de agosto de 2022, por ter sido tramitado por Juiz sem competência – em resultado da violação das normas do artigo 5.º, n.ºs 1 e 2 alínea a), e do artigo 419.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Ainda em consequência e com fundamento precisamente no exposto,
2. Deduziu hoje incidente de recusa de Vossas Excelências – do que aqui dá conhecimento a Vossas Excelências como Documento Anexo: requerimento hoje dirigido nesse sentido ao Excelentíssimo Senhor Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 45.º do Código de Processo Penal.
Sem prescindir, vem ainda por dever de patrocínio,
3. Reclamar para a Conferência da decisão singular proferida sobre a arguição de nulidades que deduziu no seu requerimento de 18 de janeiro último e dá aqui por inteiramente reproduzida.
Nos termos do n.º 3 do artigo 652.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal e do princípio geral do processo penal - reconhecido na Exposição de Motivos da Proposta de Lei 109/X, que esteve na origem da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto - qualquer decisão do relator é sempre suscetível de reclamação para a conferência, sem necessidade de qualquer fundamentação especial, tendo o recorrente o direito de exigir que seja proferida decisão colegial, caso a opção inicial do juiz relator tenha sido a da decisão singular e não se conforme com o seu sentido.
Termos em que requer
I – Sejam as nulidades arguidas em 1. reconhecidas e declaradas e determinada a remessa deste processo a segunda distribuição;
Sem prescindir:
II – Se dignem Vossas Excelências determinar a suspensão imediata deste processo até decisão do incidente de recusa
Ainda sem prescindir:
III – Seja a arguição de nulidades deduzida no seu requerimento de 18 de janeiro julgada em conferência.»
8. Em 10.9.2024 o recorrente apresentou o requerimento de recusa dos conselheiros antes referido em b) – o que deu origem ao apenso C –, pelo que a conferência designada para o dia 11.9.2024 foi adiada «sine die».
Dado o disposto no artigo 45.º, n.º 2, do CPP, foi decidido (por despacho de 24.9.2024) que os autos aguardassem a decisão do requerimento de recusa, assim se «suspendendo» o processo até à decisão do incidente de recusa, como requerido em II (supra).
O requerimento de recusa foi indeferido por acórdão de 3.10.2024, do qual foi apresentada reclamação em 10.10.2024.
Por acórdão de 12.12.2024 foi a reclamação julgada improcedente.
Nesse mesmo acórdão foi julgada verificada a situação referida no artigo 670.º do CPC (ex vi art.º 4.º do CPP) pelo que nele foi determinada a extração de traslado e que os autos fossem «devolvidos e apensados ao processo principal, para execução do decidido».
Há, pois, que proferir acórdão sobre a arguição de nulidades do acórdão de 22.6.2022 (consignando-se que, como se fez constar do despacho de 2.9.2024, subsiste ainda para decisão a admissibilidade do requerimento de recurso de constitucionalidade desse mesmo acórdão).
Há ainda que apreciar o requerido em 10.9.2024 [supra, 1. a) e c)].
9. Pronunciando-se sobre o teor do requerimento de 10.9.2024, diz o Senhor Procurador-Geral Adjunto neste tribunal:
(…)
1.1 – Da nulidade insanável do processo desde 2 de Agosto de 2022, por violação das normas do artigo 5.º, n.ºs 1 e 2 alínea a), e do artigo 419.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
«Refere o recorrente (transcrição):
(…)
“O Tribunal que está previsto reunir em Conferência continua constituído apenas pelo Juiz Relator, um Juiz Adjunto e o Juiz Presidente;
A constituição do Tribunal é incompatível com a exigida pela norma do artigo 419.º n.º 1 do Código de Processo Penal – norma que foi introduzida pela Lei n.º 13/2022, entrou em vigor no referido dia 2 de agosto de 2022 e determina que nas Conferências “intervêm (...) dois juízes adjuntos”;
Não apenas um – ao contrário do que se passava no regime legal anterior.
O Despacho de 22 de fevereiro e a Distribuição realizada no dia 15 de julho violam manifestamente o novo regime legal aplicável à constituição do Tribunal em Conferência, e muito concretamente a norma citada do artigo 419 n.º 1 do Código de Processo Penal.
Tal norma é uma regra de competência do tribunal.
Significa, no caso concreto dos recursos penais julgados em Conferência, que o Tribunal e cada um dos Juízes que o constituem só têm competência para julgar o recurso em causa se a constituição do Tribunal, a composição da Conferência, tiver respeitado e cumprido as exigências legais.
Neste caso tal não se verifica: a constituição do Tribunal, a composição da Conferência, não respeitam, antes violam manifestamente tal norma.
Em situações como a dos presentes autos, em que se mostra designado apenas um Juiz Adjunto e em que o Relator não foram sorteados de acordo, designadamente, com as normas do artigo 213.º n.º 3 do Código de Processo Civil, na redação da Lei n.º 55/2021 – normas aplicáveis ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal, e que exigem (no n.º 3) o apuramento aleatório sem critério de antiguidade ou qualquer outro” – a única opção legal é a remessa do processo a segunda distribuição.
De resto,
Tem sido esse (de acordo com Despacho do Excelentíssimo Senhor Juiz Desembargador Doutor II, de que o signatário foi notificado no Processo: 28/14.3NJLSB.L1, da 3.ª Secção da Relação de Lisboa) o “entendimento unânime” dos Tribunais Superiores, e por aplicação do disposto no artigo 217.º n.º 1 segunda parte do Código de Processo Civil.
Aliás,
Em outra interpretação, nomeadamente, no sentido normativo seguido neste processo (cf. ponto 3 do Despacho de 2 de setembro do Excelentíssimo Senhor Juiz Relator, agora notificado), de que a norma do artigo 217.º n.º 1 do Código de Processo Civil impõe ou permite em situações como a dos autos, em que se mostrava designado apenas um Juiz Adjunto, que se jubilou, em que esse Juiz Adjunto havia sido designado por critério de antiguidade e em que o Relator também não fora sorteado de acordo com as normas do artigo 213.º n.º 3 do Código de Processo Civil, na redação da Lei n.º 55/2021”, tal norma seria inconstitucional por violação do Juiz Legal, Principio, Direito e Garantia Constitucional fundamental consagrado no artigo 32.º n.º 9 da Constituição.
E apresenta como
Consequências:
a. O Despacho de 22 de fevereiro, o acto de Distribuição de 15 de julho, a decisão de designação da Conferência, mostram-se viciados da nulidade insanável prevista nas alíneas a) e e) do artigo 119.º do Código de Processo Penal;
b. E, bem assim, todo este processo, desde (pelo menos) 2 de agosto de 2022, por ter sido tramitado por Juiz sem competência – em resultado da violação das normas do artigo 5.º, n.ºs 1 e 2 alínea a), e do artigo 419.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
(…)”
Importa referir, em primeiro lugar, que os presentes autos de recurso foram distribuídos neste Supremo Tribunal de Justiça em 11.03.2022, de acordo com as regras em vigor para a distribuição dos processos, e foram julgados em conferência, em 22.06.2022, com intervenção do presidente da secção, do relator e de um juiz-adjunto1, tal como estabelecido pelo artigo 419.º do Código de Processo Penal (C.P.P.), norma que, sob a epígrafe conferência, dispunha:1
1 - Na conferência intervêm o presidente da secção, o relator e um juiz-adjunto.
2 – (Revogado.)
3 - O recurso é julgado em conferência quando:
a) Tenha sido apresentada reclamação da decisão sumária prevista no n.º 6 do artigo 417.º; b) A decisão recorrida não conheça, a final, do objecto do processo, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º; ou
c) Não tiver sido requerida a realização de audiência e não seja necessário proceder à renovação da prova nos termos do artigo 430.º
Assim constituído o Tribunal, a sua composição manteve-se, e é de manter, para os ulteriores trâmites processuais, sem prejuízo de, como já sucedeu, se prover a uma qualquer alteração subjectiva, mas sempre integrado pelo presidente da secção, pelo relator e por um juiz-adjunto.
Não se olvidando que a norma processual penal em questão foi alterada nos seus termos pela Lei n.º 13/2022, de 1 de Agosto (entrada em vigor no dia seguinte, 2 de Agosto), passando, a partir de então, a intervir na conferência o presidente da secção, o relator e dois juízes-adjuntos - sendo nesta alteração que o requerente funda a sua pretensão - certo é que tal alteração legislativa não tem aplicação retroactiva, não podendo ser aplicada a processo distribuído em data anterior à da sua entrada em vigor.
É a lei que se encontra em vigor aquando da distribuição do processo que define a composição do tribunal, e foi de acordo com a norma do artigo 419.º do C.P.P. então vigente que se procedeu.
Posteriores alterações legislativas neste domínio não podem implicar uma alteração da constituição do tribunal, porque sendo embora de aplicação imediata, tal não só não é absoluto (cfr. artigo 5.º do C.P.P.), como a lei nova, não o prevendo, não tem efeitos retroactivos, não contendendo com um acto processual tão relevante, como o da distribuição e consequente fixação da composição do tribunal.2
E, contrariamente ao pretendido pelo requerente, que também o reclama, in casu, também não têm aplicação as regras da distribuição consagradas pela Lei n.º 55/2021, de 13 de Agosto, aqui se dando por reproduzidas as considerações tecidas, a este respeito, no parecer de 5 de Março de 20243.
1.2 – Da reclamação para a Conferência da decisão singular proferida sobre a arguição de nulidades que deduziu no seu requerimento de 18.01.2024, decidida por despacho de 02.09.2024.
Diz o recorrente, a este respeito:
“(…)
Nos termos do n.º 3 do artigo 652.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal e do princípio geral do processo penal - reconhecido na Exposição de Motivos da Proposta de Lei 109/X, que esteve na origem da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto - qualquer decisão do relator é sempre suscetível de reclamação para a conferência, sem necessidade de qualquer fundamentação especial, tendo o recorrente o direito de exigir que seja proferida decisão colegial, caso a opção inicial do juiz relator tenha sido a da decisão singular e não se conforme com o seu sentido, requerendo seja a arguição de nulidades deduzida no requerimento apresentado em 18.01.2024 julgada em conferência.”
Preceitua o artigo 417.º do C.P.P. (Exame preliminar), no que ora importa considerar: (…) 6 - Após exame preliminar, o relator profere decisão sumária sempre que: a) Alguma circunstância obstar ao conhecimento do recurso;
b) O recurso dever ser rejeitado;
c) Existir causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal que ponha termo ao processo ou seja o único motivo do recurso; ou
d) A questão a decidir já tiver sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado.
7 - Quando o recurso não puder ser julgado por decisão sumária, o relator decide no exame preliminar:
a) Se deve manter-se o efeito que foi atribuído ao recurso;
b) Se há provas a renovar e pessoas que devam ser convocadas.
8 - Cabe reclamação para a conferência dos despachos proferidos pelo relator nos termos dos n.os 6 e 7. (…)
10 - A reclamação prevista no n.º 8 é apreciada conjuntamente com o recurso, quando este deva ser julgado em conferência.
Como se vê, só há lugar a reclamação para a conferência dos despachos proferidos pelo relator nos precisos termos previstos nas disposições contidas nos números 6 e 7 desta normativo legal.
Em nenhuma das quais se insere a decisão proferida nos autos a que se dirige a pretensão do arguido ora requerente.
Disso ciente, é ao abrigo da norma do artigo 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (C.P.C.), ex vi artigo 4.º do C.P.P., que reclama uma decisão colegial.
Mas estar-se-á perante uma situação de lacuna, a exigir a aplicação de norma do processo civil?
A figura da reclamação para a conferência em sede dos recursos penais está prevista nos casos a que se referem os números 6 e 7 do artigo 417.º do C.P.P., o que corresponde a uma opção do legislador, assaz elucidativa de não se estar perante qualquer lacuna.
Assim sendo, e configurando-se o sistema de recursos em processo penal autossuficiente, de forma a não ser necessário recorrer às regras do processo civil, como o ilustram as várias alterações que têm vindo a ser introduzidas no C.P.P., deverá entender-se que o C.P.P., no que regula, esgota a disciplina dessa matéria, não sendo, pois, possível recorrer às regras do C.P.C., por não se verificar nesse domínio qualquer lacuna.
O mesmo é dizer resultar legalmente inadmissível a pretensão do requerente.
2 – Pelo exposto, entende-se deverem ser julgadas improcedentes a arguida nulidade (insanável) e a inconstitucionalidade que se lhe associa, e indeferida a reclamação para a conferência da decisão proferida em 02.09.2024.»
10. Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
11. Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa, sendo lícito ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença (artigo 613.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável em “harmonia” com o processo penal, nos termos do artigo 4.º do CPP).
O artigo 379.º do CPP rege sobre nulidades da sentença e o artigo 380.º sobre a correção da sentença.
Dispõe o n.º 1 do artigo 379.º:
«1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.»
E o n.º 1 do artigo 380.º:
«1 - O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correção da sentença quando:
a) Fora dos casos previstos no artigo anterior, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º;
b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.»
12. Pode ainda ser interposto recurso para o Tribunal Constitucional – como foi (pontos 35 a 37 do requerimento de 12.7.2022 em que foram arguidas nulidades) – de decisão que aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada anteriormente, durante o processo (artigo 70.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro), cuja admissibilidade, compreendendo-se nos poderes do relator, não tem de ser apreciada em conferência.
13. A apreciação do que agora vem requerido deve conter-se estritamente no âmbito dos poderes legalmente conferidos ao Supremo Tribunal de Justiça pelos artigos 379.º e 380.º do CPP, anteriormente transcritos.
No caso, há que verificar se ocorre a invocada nulidade por omissão de pronúncia (1.ª parte da al. c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP) e se, não vindo requerida, importa introduzir oficiosamente correção no acórdão (artigo 380.º, n.º 1, al. b), do CPP].
Quanto à nulidade do acórdão de 22 de junho de 2022 «por omissão de pronúncia e de consideração da resposta apresentada pelos Recorrentes, nos termos previstos no artigo 417.º, n.º 2, in fine do CPP» (parte I do requerimento dos arguidos de 12.7.2022)
14. Alega o requerente (pontos 1 a 4 das conclusões da motivação) que ocorre a nulidade por omissão de pronúncia prevista na alínea c) [e não al. d), como referem os requerentes] do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, ex vi artigo 425.º, n.º 4, porque o acórdão não conheceu da resposta dos recorrentes, apresentada nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, ao parecer do Ministério Público, pois que, diversamente do que é dito no acórdão – «Notificados para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, os recorrentes nada disseram» –, estes responderam em requerimento «dirigido aos autos, em 05 de abril de 2022 (com a referência electrónica Citius ...61)», acrescentando que esta menção «é sinal por demais evidente de que a referida resposta pelos mesmos apresentada, em 05 de abril de 2022, não foi lida, analisada, nem considerada por Vossas Excelências e que sobre a mesma não recaiu qualquer pronúncia».
15. Têm razão os recorrentes ao afirmarem que, diferentemente do que consta do acórdão, apresentaram resposta ao parecer do Ministério Público.
Tal resposta, documentada no processo eletrónico e apresentada em exercício do contraditório (artigo 417.º, n.º 2, do CPP) quanto ao parecer do Ministério Público emitido na ocasião da vista a que se refere o artigo 416.º, n.º 1, do CPP, compreendia-se no âmbito do objeto do recurso definido pela motivação e respetivas conclusões, nos termos do artigo 412.º do CPP, que, como estabelecido em jurisprudência pacífica e de há muito sedimentada, identificam as questões submetidas à apreciação do tribunal de recurso, que este tribunal tem o dever de conhecer – sob pena de nulidade, não o fazendo –, delimitando os seus poderes de cognição, sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso em vista da boa decisão de direito. Como se tem sublinhado, em jurisprudência constante, o dever de pronúncia do tribunal de recurso incide sobre as questões suscitadas pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso e não sobre argumentos ou opiniões dos sujeitos processuais sobre tais questões, nomeadamente sobre os apresentados em procedimento contraditório legal e constitucionalmente assegurado.
No recurso, como anteriormente se referiu, estavam em causa as decisões da Senhora Juíza Desembargadora presidente da 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, Dra. FF, da Senhora Juíza Desembargadora relatora, Dra. GG, e do Senhor Juiz Desembargador adjunto, Dr. HH, que não reconheceram impedimento, por anterior participação em processo (artigo 40.º do CPP), para intervenção no recurso do acórdão de 7.4.2017 do Juízo Central Criminal ... (supra, 8.1), cuja declaração foi requerida pelos recorrentes, nos termos do artigo 41.º, n.º 2, do CPP e com as consequências (nulidade) previstas no n.º 3 do mesmo preceito (pontos 7.6 e 8 do acórdão).
16. As Senhoras Juízas Desembargadoras e o Senhor Juiz Desembargador visados apreciaram os requerimentos de declaração de impedimento, pronunciando-se nos seguintes termos (ponto 7.6, transcrição):
«a) A Senhora Juíza Desembargadora presidente, Dra. FF, em 21.12.2021, dizendo: os “arguidos/recorrentes nos autos, requereram, além do mais, o meu impedimento para intervir na conferência, na qualidade de Presidente da Secção Criminal, com o fundamento de ter intervindo também na qualidade de Presidente da Secção, numa decisão subscrita pelo Senhor Desembargador JJ (relator) e a Senhora Desembargadora KK (primeira Adjunta), em 13-01-2016. Sucede que a decisão proferida na referida data (conferência de 13.01.2016) foi tomada por unanimidade (Relator e 1º Adjunto) pelo que, na qualidade de Presidente da Secção, não votei essa decisão - art. 419.º, 2, do CPP. Não tendo votado a decisão anteriormente proferida nesse processo, entendo que não se verifica (aqui) a situação de impedimento prevista no art 40º, d) do CPP. Face ao exposto, não reconheço a situação de impedimento que mé é oposta.”
b) A Senhora Juíza Desembargadora relatora, Dra. GG, em 20.12.2021, dizendo: “Relativamente à signatária, nenhum fundamento é invocado por referência às situações previstas nos arts. 39.º e 40.º do CPPenal, sendo apenas alegado que a situação de impedimento que imputam à Exma. Presidente da Secção contaminou a intervenção da signatária, titular do processo e relatora do a, em córdão proferido em conferência a 15-12-2021, e do Exmo. Colega que interveio como Juiz-Adjunto nessa decisão final. Não fundamentam a sua alegação de “contaminação” em qualquer preceito legal, que na verdade não existe. Assim, para efeitos do disposto no art. 41.º, n.º 2, in fine, do CPPenal, a signatária, por não se encontrar em qualquer situação legalmente prevista de impedimento, desde já declara que não se encontra impedida de intervir nestes autos.”
c) O Senhor Juiz Desembargador adjunto, Dr. HH, em 21.12.2021, dizendo: “Relativamente ao signatário, nenhum fundamento é invocado por referência às situações previstas nos arts. 39.º e 40.º do CPPenal, sendo apenas alegado que a situação de impedimento que imputam à Exma. Presidente da Secção contaminou a intervenção da Senhora Juíza Desembargadora, titular do processo e relatora do acórdão proferido em conferência a 15-12-2021, e do signatário que interveio como Juiz-Adjunto nessa decisão final. Não fundamentam a sua alegação de “contaminação” em qualquer preceito legal, não se percebendo por qual forma se possa entender o signatário como contaminado. Assim, para efeitos do disposto no art. 41.º, n.º 2, in fine, do CPPenal, o signatário, por não se encontrar em qualquer situação legalmente prevista de impedimento, desde já declara que não se encontra impedido de intervir nestes autos.”»
17. Os recorrentes interpuseram recurso destas decisões requerendo “a revogação dos três despachos recorridos e a declaração do impedimento do tribunal coletivo ao qual foi atribuída competência para o julgamento dos autos de recurso penal n.º 189/12.6TELSB.P1 na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto e de cada um dos senhores juízes desembargadores que integraram esse tribunal coletivo, a saber: Doutora FF, na qualidade de presidente da secção, Doutora GG, na qualidade de relatora e Doutor HH, na qualidade de 1-º adjunto, para intervir em qualquer novo ato ou decisão pertinentes ao julgamento deste recurso, e desde logo, na conferência prevista no artigo 419.º do CPP, nos termos e por força do disposto nas alíneas a) e d) do artigo 410.º do CPP, com todos os efeitos legais daí decorrentes, mormente o da nulidade de todo o processado deste recurso, nos termos do artigo 410.º, n.º 3, do CPP, desde o momento da atribuição à Senhora Juíza Desembargadora Presidente Doutora FF da competência para nele intervir como juíza presidente – designadamente a conferência que teve lugar e o acórdão final que veio a ser proferido” (ponto 2 do acórdão).
Apresentaram motivação de que extraíram as seguintes conclusões (transcrição, ponto 3 do acórdão):
“A. A Senhora Juíza Presidente da Secção Doutora FF interveio neste mesmo Processo em decisão de Recurso anterior, tramitado com o n.º I89/12.6TELSB-D.P1 da mesma 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, que conheceu e decidiu manter a sujeição do Recorrente AA à medida de coação de prisão preventiva carcerária.
B. Tal se alcança cristalinamente:
a. Da aposição de "visto", no dia 5 de janeiro de 2016, pela Senhora Juíza Desembargadora Presidente Doutora FF, nos autos de Recurso n.° 189/I2.6TELSB-D.P1;
b. Da inscrição em tabela, em 8 de janeiro de 2016, dos autos de Recurso n.° 189/12.6TELSB-D.P1 para julgamento pelas 14h30 do dia 13 de janeiro de 2016;
c. Da ata da sessão em conferência do dia 13 de janeiro de 2016 para julgamento do referido Recurso n.º 189/12.6TELSB-D.P1, conhecido e julgado no mesmo dia 13 de janeiro de 2016.
C. Não assiste razão à Senhora Juíza Desembargadora Presidente da Secção Doutora FF, no seu despacho de 21 de dezembro de 2021, impugnado através do presente Recurso, pelo qual entendeu que, relativamente à mesma (...) não se verificava a situação de impedimento prevista no artigo 40.º, alínea d) do CPP e não reconheceu (...) a situação de impedimento que lhe tinha sido oposta.
D. Resulta da previsão do artigo 419.º do CPP:
a. Que a conferência é composta pelo presidente da secção, pelo relator e pelo juiz adjunto;
b. Que os trabalhos e a discussão são dirigidos pelo presidente;
c. Que é a conferência que julga o recurso quando o mesmo não deva ser julgado em audiência; e
d. Que quando não seja possível formar-se maioria com os votos do relator e do juiz-adjunto, o presidente da secção vota, para desempatar.
E. Da análise do processado nos autos do Recurso n.° 189/12.6TELSB-D.P1, resulta que:
a. A Senhora Juíza Desembargadora Presidente Doutora FF recebeu o Recurso n.° 189/12.6TELSB-D.P1 e após o seu visto, no dia 5 de janeiro de 2016, nos termos previstos no artigo 418.°, n.° 1 do CPP;
b. A Senhora Juíza Desembargadora Presidente Doutora FF integrou a Conferência também composta pelos Senhores Juízes Desembargadores Doutor JJ e Doutora KK, que foi formada para julgamento do Recurso n.º 189/12.6TELSB-D.P1;
c. A Senhora Juíza Desembargadora Presidente Doutora FF dirigiu os trabalhos e a discussão da Conferência para julgamento do dito recurso, no dia 13 de janeiro de 2016, que culminou com a prolação de acórdão de manutenção da decisão do Juiz de Instrução Criminal da primeira instância de sujeitar novamente, após o reexame previsto no artigo 213.° do CPP, o Recorrente AA à medida de coação de prisão preventiva carcerária; sendo que, conforme entendimento doutrinal e jurisprudencial, para os efeitos do artigo 40.º, alínea a) do CPP, a manutenção de medida de coação de prisão preventiva, nos termos do artigo 213.° do CPP, equivale à aplicação de tal medida; e
d. A Senhora Juíza Desembargadora Presidente Doutora FF só não assinou a decisão proferida nos autos do dito Recurso n.° I89/12.6TELSB-D.P1 porque tinha sido formada maioria com os votos do Senhor Juiz Relator e da Senhora Juíza Adjunta, mas, participou na Conferência que julgou o recurso e interveio e dirigiu os trabalhos e a discussão que concluiu pela manutenção da decisão do Juiz de Instrução Criminal da primeira instância de sujeitar novamente, após o reexame previsto no artigo 213.° do CPP, o Recorrente AA à medida de coação de prisão preventiva carcerária.
F. A Senhora Juíza Desembargadora Presidente da Secção Doutora FF encontra-se em situação de impedimento para intervir em qualquer ato ou decisão pertinentes ao julgamento do Recurso penal n.º 189/12.6TELSB.P1 e, mormente, na Conferência prevista no artigo 419.º do CPP.
G. Encontrando-se a Senhora Juíza Desembargadora Presidente da Secção Doutora FF numa situação de impedimento originário, tal impedimento contagia aos demais Senhores Juízes Desembargadores que constituem o Tribunal Coletivo ao qual foi atribuída competência para o Julgamento deste Recurso, a saber: a Senhora Juíza Desembargadora Relatora Doutora GG e o Senhor Juiz Desembargador 1.º Adjunto Doutor HH.
H. Os motivos de impedimento de um membro do Tribunal Coletivo, in casu, da Senhora Juíza Desembargadora Presidente da Secção Doutora FF, para intervir em qualquer novo ato ou decisão pertinentes ao Julgamento deste Recurso, não podem deixar de se estender a todos os restantes membros desse mesmo Tribunal; o que já foi reconhecido e decidido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, mormente em Acórdão de 9 de maio de 2000, proferido no processo Sander contra o Reino Unido, com a seguinte lapidar conclusão: "Tratando-se de um tribunal colectivo ou do júri, basta a parcialidade de um dos seus membros para inquinar toda a actividade do tribunal".
I. Assim, encontra-se o Tribunal Coletivo, que os referidos Senhores Juízes Desembargadores constituem: Doutora FF, na qualidade de Presidente da Secção, Doutora GG, na qualidade de Relatora e Doutor HH, na qualidade de 1.º Adjunto, impedido de intervir em qualquer novo ato ou decisão pertinentes ao Julgamento deste Recurso, e desde logo na Conferência prevista no artigo 419.° do CPP, nos termos e por força do disposto nas alíneas a) e d) do artigo 40.° do CPP.
J. E mostra-se todo o processado deste Recurso nulo, nos termos do artigo 41.º, n.º 3 do CPP, desde o momento da atribuição à Senhora Juíza Desembargadora Presidente Doutora FF da competência para nele intervir como Juíza Presidente - designadamente, e sem prescindir, a Conferência que teve lugar e o Acórdão final que veio a ser proferido.
K. As normas dos artigos 40.º, alíneas a) e d) e 419.º, ambos do CPP, são inconstitucionais na interpretação normativa que não inclua na previsão do artigo 40.°, alíneas a) e d) do CPP o Juiz Presidente da Secção que tenha presidido à conferência prevista no artigo 419.° do CPP, tendo dirigido os trabalhos e a discussão para julgamento, no mesmo Processo, de Recurso anterior que sujeite um arguido à medida de coação de prisão preventiva carcerária, mas, que não tenha votado por não se ter verificado empate entre o juiz relator e o juiz adjunto; inconstitucionalidade que decorre da violação: dos direitos e garantias de defesa do arguido, previstos no artigo 32.° da Constituição da República, inclusive do direito ao Juiz natural, garantido constitucionalmente no artigo 32.º, n.º 9 da Lei Fundamental e do princípio basilar do processo penal, garantia e direito fundamental dos arguidos, da imparcialidade do tribunal e dos juízes, que decorre dos artigos 202.º, n.ºs 1 e 2 e 203.º da Constituição da República; dos direitos fundamentais de acesso ao Direito, à tutela jurisdicional efetiva e ao processo equitativo, consagrados no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República, no artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no artigo 6.º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 14.º, n.º 1 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e no artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do princípio da legalidade, consagrado no artigo 29.º, n.º 1 da Lei Fundamental e ainda do próprio conceito e princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição, concretamente do princípio do Estado de Direito Democrático no domínio da administração da justiça; sendo que a invocação das normas internacionais violadas resulta de se tratar de preceitos diretamente aplicáveis, que vigoram na ordem jurídica interna e vinculam todas as entidades públicas e privadas, nos termos dos artigos 8.º e 18.º da Lei Fundamental (…).”
18. O acórdão que os recorrentes pretendem pôr em crise apreciou todas estas questões (nos pontos 9 a 19), tendo concluído nos seguintes termos (ponto 20, transcrição):
«Perante o anteriormente exposto há, pois, que concluir que:
(a) O recurso anterior, julgado em conferência no dia 13.1.2016, não teve por objeto uma decisão que aplicou a medida de prisão preventiva, pelo que a intervenção nesse recurso, que conheceu de uma decisão que manteve a prisão preventiva, não se compreende no âmbito da previsão normativa das alíneas a) e d) do n.º 1 (anterior corpo do) artigo 40.º do CPP;
(b) Por conseguinte, a Senhora Juíza Desembargadora presidente, Dra. FF, não estava impedida de, como presidente, intervir na conferência da 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto de 15.12.2021, em que, por maioria formada pelos votos da juíza desembargadora relatora e do juiz desembargador adjunto, foi aprovado e assinado, por estes, o acórdão que conheceu do recurso interposto do acórdão condenatório;
€ De qualquer modo, numa interpretação conforme à Constituição, a intervenção da Senhora Juíza Desembargadora presidente, que dirigiu a discussão, sem votar a decisão, na conferência da mesma Secção Criminal do dia 13.1.2016, não conteria a densidade necessária para afetar a sua imparcialidade e para que, por esse motivo, pudesse constituir motivo de impedimento para presidir à conferência em que foi aprovado o acórdão de 15.12.2021;
(d) Não existindo impedimento da Senhora Juíza Desembargadora presidente, não há que apreciar do invocado “contágio” alegadamente gerador de impedimento dos juízes desembargadores relator e adjunto que aprovaram e assinaram o acórdão de 15.12.2021, nem ocorre a nulidade cominada no artigo 41.º, n.º 3, do CPP;
(e) Não é inconstitucional a interpretação de que a previsão da alínea a) do n.º 1 (anterior corpo) do artigo 40.º não abrange decisões de reexame dos pressupostos ou de indeferimento de pedido de substituição e de manutenção da prisão preventiva, nem, consequentemente, a interpretação da norma extraída da conjugação das alíneas a) e d) no sentido de não incluírem na sua previsão “o Juiz Presidente da Secção que tenha presidido à conferência prevista no artigo 419.° do CPP, tendo dirigido os trabalhos e a discussão para julgamento, no mesmo Processo, de Recurso anterior que sujeite um arguido à medida de coação de prisão preventiva carcerária, mas, que não tenha votado por não se ter verificado empate entre o juiz relator e o juiz adjunto”.
Assim, devem os recursos ser julgados improcedentes.»
19. Em consequência do que, esgotado o conhecimento das questões suscitadas em recurso, decidiu (ponto 22, transcrição):
«Pelo exposto, acordam os juízes da 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente os recursos interpostos pelos arguidos AA, BB, "F..., Lda", CC, "T..., S.A.", "S..., S.A." e DD, e por "L..., Lda"».
20. Em síntese, o acórdão de 22.6.2022 examinou e pronunciou-se exaustivamente, decidindo sobre todas e cada uma das questões suscitadas no recurso, não deixando de o fazer relativamente a qualquer uma delas.
Pelo que não se verifica a invocada nulidade prevista na 1.ª parte da al. c) do n.º 1 do artigo 379.º, aplicável ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP.
Indeferindo-se, assim, a pretensão dos requerentes.
21. Porém, dado que no ponto 5. do acórdão reclamado consta que «Notificados para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, os recorrentes nada disseram», o que não é exato, e que esta afirmação se traduz em mero lapso cuja eliminação não importa modificação essencial, determina-se a correção do acórdão neste ponto, nos termos do artigo 380.º, n.º 1, al. b), do CPP, dele devendo ficar a constar que «Notificados, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, os recorrentes responderam ao parecer do Ministério Público, reafirmando a sua pretensão».
Quanto à «nulidade do acórdão final, da conferência que julgou o Recurso e de todo este processo por falta de distribuição e da incompetência do Tribunal Coletivo» (parte II do requerimento dos arguidos de 12.7.2022)
22. Alegam os recorrentes (pontos 5 a 26 das conclusões da motivação), em síntese, que o tribunal que julgou o recurso foi constituído «em violação do previsto e exigido nos artigos 204.º e 213.º do Código de Processo Civil (CPC) para a realização da distribuição nos tribunais superiores» e que, por violação das regras da distribuição, «uma vez que estão em causa regras legais relativas ao modo de determinar a composição do Tribunal e regras legais relativas à atribuição da competência ao tribunal no caso concreto, a sua violação conduz aqui à nulidade absoluta deste processo de recurso desde a sua distribuição neste Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e por força do disposto na alínea e) do artigo 119.º do CPP, o que impõe a realização de nova distribuição nos termos legais – por força e nos termos conjugados do artigo 122.º, n.º 1 do CPP». Utilizam os recorrentes argumentação já conhecida e usada nos apensos A e B em que requereram a recusa dos conselheiros que proferiram e assinaram o acórdão de 22 de junho de 2022, que foi indeferida.
23. É manifesta a falta de fundamento da pretendida nulidade, quer porque não ocorreu violação das normas da distribuição quer porque, mesmo que, diferentemente, como na interpretação dos requerentes se convoca, se pudesse concluir pela aplicabilidade da Lei n.º 55/2021, que alterou as regras da distribuição, a desconformidade com a lei não resulta em nulidade processual.
24. À data da distribuição vigoravam os artigos 204.º e 213.º do CPC na redação do Decreto-Lei n.º 97/2019, de 26 de julho, que, posteriormente, foram alterados pela Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto.
Dispunha o artigo 204.º («Distribuição por meios eletrónicos»):
«1 - As operações de distribuição e registo previstas nos artigos subsequentes são integralmente realizadas por meios eletrónicos, os quais devem garantir aleatoriedade no resultado e igualdade na distribuição do serviço, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º
2 - As listagens produzidas eletronicamente têm o mesmo valor que os livros, pautas e listas.
3 - Os mandatários judiciais podem obter informação acerca do resultado da distribuição dos processos referentes às partes que patrocinam mediante acesso a página informática de acesso público do Ministério da Justiça, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º».
Estabelecia e estabelece o artigo 203.º (Fim da distribuição) que «É pela distribuição que, a fim de repartir com igualdade o serviço judicial, se designa a secção, a instância e o tribunal em que o processo há de correr ou o juiz que há de exercer as funções de relator».
E o artigo 213.º («Periodicidade e correções de erros de distribuição»):
«1 - Nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça, a distribuição é efetuada duas vezes por dia, de forma automática.
2 - O presidente designa, por turno, em cada mês, o juiz que há de intervir na distribuição e resolver verbalmente as dúvidas que o secretário tenha na classificação de algum ato processual, quando esta tenha de ser feita pelo funcionário, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º
3 - Quando tiver havido erro na distribuição, o processo é distribuído novamente, aproveitando-se, porém, os vistos que já tiver; mas se o erro derivar da classificação do processo, é este carregado ao mesmo relator na espécie devida, descarregando-se daquela em que estava indevidamente.»
25. A Lei n.º 55/2021 aditou os n.ºs 3 a 6 ao artigo 204.º, com o seguinte teor:
«3 - A distribuição é presidida por um juiz, designado pelo presidente do tribunal de comarca e secretariado por um oficial de justiça, com a assistência obrigatória do Ministério Público e, caso seja possível por parte da Ordem dos Advogados, de um advogado designado por esta ordem profissional, todos em sistema de rotatividade diária sempre que, quanto àqueles, a composição do tribunal o permita.
4 - A distribuição obedece às seguintes regras:
a) Os processos são distribuídos por todos os juízes do tribunal e a listagem fica sempre anexa à ata;
b) Se for distribuído um processo a um juiz que esteja impedido de nele intervir, deve ficar consignada em ata a causa do impedimento que origina a necessidade de fazer nova distribuição por ter sido distribuído a um juiz impedido, constando expressamente o motivo do impedimento, bem como anexa à ata a nova listagem;
c) As operações de distribuição são obrigatoriamente documentadas em ata, elaborada imediatamente após a conclusão daquelas e assinada pelas pessoas referidas no n.º 3, a qual contém necessariamente a descrição de todos os atos praticados.
5 - Os mandatários judiciais têm acesso à ata das operações de distribuição dos processos referentes às partes que patrocinam, podendo, a todo o tempo, requerer uma fotocópia ou certidão da mesma, a qual deve ser emitida nos termos do artigo 170.º
6 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, nos casos em que haja atribuição de um processo a um juiz, deve ficar explicitada na página informática de acesso público do Ministério da Justiça que houve essa atribuição e os fundamentos legais da mesma.»
E alterou o artigo 213.º do CPP, que passou a dispor:
«1 - Nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça, a distribuição é efetuada uma vez por dia, de forma eletrónica.
2 - A distribuição é presidida por um juiz, designado pelo presidente do respetivo tribunal e secretariado por um oficial de justiça, com a assistência obrigatória do Ministério Público e, caso seja possível por parte da Ordem dos Advogados, de um advogado designado por esta ordem profissional, todos em sistema de rotatividade diária, podendo estar presentes, se assim o entenderem, os mandatários das partes.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 4 a 6 do artigo 204.º à distribuição nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça, com as seguintes especificidades:
a) A distribuição é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro;
b) Deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo.
4 - (Anterior n.º 3.)»
26. Para além disso, dispunham os artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 55/2021 que:
«Artigo 3.º (Regulamentação)
O Governo procede à regulamentação da presente lei no prazo de 30 dias a contar da data da sua publicação, devendo aquela entrar em vigor ao mesmo tempo que esta.»
«Artigo 4.º (Entrada em vigor)
A presente lei entra em vigor 60 dias após a sua publicação.»
A Lei encontrava-se, pois, em vigor, a partir de 12.10.2021, mas ainda não havia sido publicada a regulamentação exigida pelo artigo 3.º, o que só veio a efetuar-se através da Portaria n.º 86/2023, de 27 de março.
27. Obiter dictum, e com referência a argumento aduzido pelos recorrentes, a questão que se poderia colocar não diria respeito à vigência da lei, mas sim à aplicabilidade ou execução da lei (assim se decidiu noutros recursos em que repetidamente foi suscitada esta questão, nos termos que resumidamente se expõem de seguida, designadamente no acórdão de 13.7.2023, Proc. n.º 2808/13.8TAVNG.P1-B.S1, e no despacho de 12.7.2022, nos presentes autos).
A publicação da lei (artigo 5.º do Código Civil) é requisito de eficácia – artigo 119.º, n.º 1, al. c), e n.º 2, da Constituição. Estabelece o artigo 1.º, n.º 1 da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro: “A eficácia jurídica dos atos a que se refere a presente lei [em que se incluem as leis – artigo 3.º, n.º 2, al. c)] depende da sua publicação no Diário da República”.
A Lei n.º 55/2021, embora em vigor, era uma lei carecida de regulamento de execução, de regulamento complementar, para se tornar exequível (cfr. Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª ed., p. 487, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, 2006, p. 263-264).
Era o próprio legislador que tornava expressa, no seu articulado, a vontade de que a Lei n.º 55/2021 não fosse executada sem que fosse complementada por um regulamento, da competência do Governo (artigo 199.º, al. al, c), da Constituição, segundo o qual compete ao Governo, no exercício de funções administrativas, fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis).
A omissão de regulamentação, impedia a sua execução; a sua execução não era viável. Ou seja, a lei não podia ser aplicada sem o regulamento nela previsto.
Pelo que, nessa conformidade, se imporia a conclusão de que a falta de regulamentação da Lei n.º 55/2021 impedia a sua aplicação, devendo, assim, a distribuição continuar a efetuar-se de acordo com a lei em vigor à data da sua publicação (artigos 204.º e 213.º do CPC, na anterior redação resultante do Decreto-Lei n.º 97/2019, de 26 de julho) (supra, 20).
O que retiraria, desde logo, base legal à arguição da invocada nulidade processual.
28. No caso presente, não é esta, porém, a base da decisão, pois o que está em causa é a questão de saber se a realização da distribuição em desconformidade com a lei do processo, seja ela qual for, constitui nulidade processual. E a resposta é categoricamente negativa, por haver norma expressa que afasta a nulidade, que os recorrentes, devendo conhecê-la, não invocam – o artigo 205.º do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP.
Com efeito, muito sumariamente, importa mais uma vez notar (como se decidiu, por exemplo, em situações idênticas no acórdão de 1.2.2023, Proc. 158/18.2T9VNF-A-A.S1, e na decisão de 13.2.2023, no Proc. 2140/06.3TAAVR-I.P1-A.S1-A-B), que a aplicação das regras do processo civil relativas à distribuição dos processos, invocada pelos requerentes ao abrigo do disposto no artigo 4.º do CPP, não se limita às por si referidas.
Como expressamente dispõe o artigo 205.º, n.º 1 do CPC (também aplicável ex vi artigo 4º do CPC), “a falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum ato do processo, mas pode ser reclamada por qualquer interessado ou suprida oficiosamente até à decisão final”.
Pelo que a “nulidade” arguida pelo requerente tem necessariamente de ser indeferida: para além de a pretensa desconformidade legal não poder ter por efeito a nulidade de qualquer ato do processo, a reclamação dessa «irregularidade», por banda do requerente, seria manifestamente intempestiva.
Termos em que, sem necessidade de mais considerações, por manifesta falta de fundamento, se indefere a arguida nulidade.
29. Em consequência, não há que apreciar das pretensas questões de constitucionalidade suscitadas pelos recorrentes, pois que, dado o disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, a decisão não resulta de interpretação e aplicação de normas cuja inconstitucionalidade vem invocada (artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 55/2021 e do artigo 137.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo – ponto 24 do requerimento).
Quanto à «nulidade insanável deste processo desde 2 de agosto de 2022, por violação das normas do artigo 5.º, n.ºs 1 e 2 alínea a), e do artigo 419.º, n.º 1, do Código de Processo Penal» (ponto 1 do requerimento do arguido BB, de 10.09.2024)
30. Dizia o requerente, em síntese, em 10.9.2024, que este tribunal, que deveria julgar a nulidade do acórdão no dia seguinte (dia 11.9.2024), continuava constituído apenas pelo relator, por um juiz adjunto e pelo presidente da secção, constituição incompatível e em violação do artigo 419.º n.º 1 do CPP – na redação introduzida pela Lei n.º 13/2022, que entrou em vigor no referido dia 2 de agosto de 2022 – que determina que na conferência intervêm dois juízes adjuntos. Pelo que, alegava,
«a. O Despacho de 22 de fevereiro, o acto de Distribuição de 15 de julho, a decisão de designação da Conferência, mostram-se viciados da nulidade insanável prevista nas alíneas a) e e) do artigo 119.º do Código de Processo Penal;
b. E, bem assim, todo este processo, desde (pelo menos) 2 de agosto de 2022, por ter sido tramitado por Juiz sem competência – em resultado da violação das normas do artigo 5.º, n.ºs 1 e 2 alínea a), e do artigo 419.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.»
31. Como bem salienta o Ministério Público, os presentes autos de recurso foram distribuídos neste Supremo Tribunal de Justiça em 11.03.2022, de acordo com as regras em vigor para a distribuição dos processos, e foram julgados em conferência, em 22.06.2022, com intervenção do presidente da secção, do relator e de um juiz-adjunto, tal como estabelecido pelo artigo 419.º do CPP, na redação da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro que, sob a epígrafe «conferência», dispunha: «1 - Na conferência intervêm o presidente da secção, o relator e um juiz-adjunto. (…)»
Esta disposição foi alterada pela Lei n.º 13/2022, de 1 de agosto, que entrou em vigor no dia seguinte, 2 de agosto, passando, a partir de então, a intervir na conferência o presidente da secção, o relator e dois juízes-adjuntos.
Funda o requerente a sua pretensão nesta alteração legislativa, que, como sublinha o Ministério Público, sendo de aplicação imediata (artigo 5.º do CPP), não tem aplicação retroativa, não podendo, por conseguinte, ser aplicada a processo distribuído em data anterior à da sua entrada em vigor.
32. Assim sendo, devendo a composição do tribunal manter-se de acordo com as normas de distribuição e constituição do tribunal anteriormente vigentes – sem prejuízo de alteração subjetiva como sucedeu neste caso em virtude da jubilação de um dos seus membros, substituído por outro juiz conselheiro, mas mantendo-se sempre composto pelo relator, por um adjunto e pelo presidente da secção – e não se vislumbrando que, diferentemente do que refere o arguido, uma interpretação da lei neste sentido possa violar qualquer preceito constitucional, nomeadamente o artigo 32.º, n.º 9, da Constituição, conclui-se que a arguição de nulidade carece de fundamento.
33. Também não são aplicáveis as regras de distribuição introduzidas pela Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto, que alterou os artigos 204.º e 213.º do CPC (supra, 25), aplicáveis ex vi artigo 4.º do CPP, que só se tornou aplicável com a publicação da Portaria n.º 86/2023, de 27 de março, que a regulamentou (supra, 26, 27). A falta de regulamentação da Lei n.º 55/2021 impedia a sua aplicação, devendo, assim, a distribuição continuar a efetuar-se de acordo com a lei em vigor à data da sua publicação (artigos 204.º e 213.º do CPC, na anterior redação resultante do Decreto-Lei n.º 97/2019, de 26 de julho) (supra, 20).
Para além disso, também como já se explicitou, “a falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum ato do processo”, como limpidamente decorre do artigo 205.º, n.º 1, do CPC (supra, 28).
34. Termos em que se indefere o requerido.
Quanto à «reclamação para a Conferência da decisão singular proferida sobre a arguição de nulidades que deduziu no seu requerimento de 18.01.2024, decidida por despacho de 02.09.2024» (ponto 3 do requerimento de BB, de 10.09.2024)
35. O despacho de 2.9.2024 conheceu de requerimento apresentado pelo arguido BB em 18.1.2024, nos seguintes termos:
«Da nulidade arguida pelo arguido BB em 18.1.2024
4. Por requerimento apresentado no dia 1.8.2022, veio o Senhor Advogado Dr. LL, «como defensor das sociedades arguidas T..., S.A. e S..., S.A.», requerer a notificação destas sociedades «para constituição de advogado», por entender que «face à entrada em vigor, no passado dia 21 de Março, da Lei n.º 94/2021, de 21 de Dezembro» – lei que alterou o artigo 57.º do CPP, introduzindo-lhe, além do mais, um n.º 9 (dispondo que «Em caso algum a pessoa coletiva ou entidade equiparada arguida pode ser representada pela pessoa singular que também tenha a qualidade de arguido relativamente aos factos que são objeto do processo»), revogado pela Lei n.º 13/2022, desse mesmo dia 1.8.2022 – se «extinguiu a procuração» que lhe havia sido passada pelo coarguido BB, na qualidade de seu legal representante, «para assumir o patrocínio judiciário» destas sociedades.
Recebido este requerimento, a secretaria, oficiosamente, em cumprimento do disposto no artigo 47.º do CPC, tentou notificar as referidas sociedades para lhes dar conhecimento do requerido pelo Senhor Advogado e para que, como requerido, constituíssem novo advogado. Todas as diligências no sentido de notificar a arguida S..., S.A. resultaram frustradas, sendo devolvidas as cartas de notificação enviadas para as sedes das sociedades constantes dos autos e do registo comercial.
Realizadas múltiplas diligências pelo Supremo Tribunal de Justiça, documentadas nos autos, e pelo Tribunal da Relação do Porto, foram, finalmente, designados defensores oficiosos à arguida T..., S.A. e à arguida S..., S.A., notificadas da designação (comunicação da Relação do Porto de 29.5.2024, referente ao processo principal).
5. Por requerimento apresentado a 18.1.2024, veio o arguido BB requerer que «seja declarada a nulidade deste recurso e de todo o processo desde 1 de agosto de 2022», com os fundamentos seguintes:
«1. Por consulta deste autos, percebeu que só agora (no despacho de Vossa Excelência de 13 de dezembro4 – que não foi notificado) foi apreciado o requerimento apresentado em 1 de agosto de 2022 pelo Exmo. Senhor Dr. LL, que até essa data foi o Ilustre Advogado que neste processo e neste recurso representou as Arguidas e Recorrentes S..., S.A. e de T..., S.A.. Ora,
2. No citado requerimento o Ilustre Advogado informou que, “face à entrada em vigor, no passado dia 21 de Março, da Lei n.º 94/2021, de 21 de Dezembro, extinguiu-se a (sua) procuração (...) para assumir o patrocínio judiciário das sociedades Arguidas supra identificadas, nos termos do artigo 265.º do Código Civil, por ter cessado ope legis, neste Processo, a relação jurídica que lhe serviu de base, no caso, a relação entre as sociedades e o administrador que as representava, até à entrada em vigor da referida Lei neste Processo e que em sua representação (lhe) outorgou os poderes conferidos ao signatário – uma vez que o referido administrador, BB, é arguido no mesmo processo e pelos mesmos factos que as sociedades T..., S.A. e S..., S.A. Cumpre acrescentar que o Advogado signatário não se sente mais legitimado para continuar a assumir a defesa das sociedades arguidas supra identificadas, neste Processo, uma vez que, como referido, os poderes que lhe foram conferidos para assumir a defesa da T..., S.A. e S..., S.A. foram-no pelo referido BB, na qualidade de legal representante das sociedades em causa (...) por força da previsão do n.º 9 do artigo 57.º do Código de Processo Penal, na redação introduzida pelo Lei n.º 94/2021 (...)”.
3. Face a este requerimento, deixou o Ilustre Advogado referido de representar neste processo qualquer das sociedades arguidas: a arguida T..., S.A., que continua a ser administrada pelo ora requerente, e também a arguida S..., S.A., que não obstante não ser já administrada pelo ora Requerente desde 11 de agosto de 2022, antes da entrada em vigor da referida lei, foi (por erro do seu Ilustre Advogado) considerada como sendo também representada pelo ora Requerente.
Assim,
4. E, uma vez que até ao momento – quase um ano e meio passado – não foi indicado ou nomeado novo Advogado às referidas Arguidas, verifica-se desde 1 de agosto de 2022 a nulidade insanável prevista na alínea c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal de todo o processo e deste recurso, por ausência do defensor daquelas Arguidas e decorrente da violação do disposto na alínea e) do número 1 do artigo 64.º do mesmo código – isto é, por falta de representação delas por Advogado neste recurso e nos demais que correram termos desde essa data.
A este respeito,
5. Importa esclarecer que, no modo de ver do Requerente, não estamos face ao um caso de renúncia de mandato, mas de extinção ope legis do mandato, pelo menos no caso da arguida T..., S.A..
E de todo o modo que,
6. Em processo penal não se aplica o regime previsto nos artigos 47.º e 48.º do Código de Processo Civil:
Aplicável em processo penal é o disposto no artigo 67.º do Código de Processo Penal, que no caso dos autos manda nomear “imediatamente” outro defensor.
Aliás,
No modo de ver do Requerente a interpretação do artigo 4.º do Código de Processo Penal no sentido normativa de aplicar em processo penal o regime previsto nos artigos 47.º e 48.º do Código de Processo Civil, faz enfermar tais normas de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 20.º n.ºs 1 e 4, 29.º e 32.º n.ºs 1 e 3 da Constituição.
Termos em que
Requer seja declarada a nulidade deste recurso e de todo o processo desde 1 de agosto de 2022».
6. O senhor Procurador-Geral Adjunto pronuncia-se pelo indeferimento deste requerimento nos seguintes termos:
«2 – Por requerimento apresentado nos autos em 18.01.2024, o recorrente BB vem requerer seja declarada a nulidade deste recurso e de todo o processo desde 1 de Agosto de 2022, por via da nulidade insanável prevista na alínea c) do artigo 119.º do C.P.P., por ausência do defensor das arguidas T..., S.A.” e “S..., S.A.”, decorrente da violação do disposto na alínea e) do número 1 do artigo 64.º do mesmo código, ou seja, por falta de representação delas por advogado neste recurso e nos demais que correram termos desde essa data.
Teria sido conveniente que o recorrente tivesse precisado em que acto, ou actos, do processo se colocou a questão da ausência do arguido ou do seu defensor, sendo a sua comparência obrigatória, já que é a tal que se reconduz a invocada nulidade prevista no artigo 119.º, alínea c), do C.P.P.
Não o fez, porque inexiste(m).
Na verdade, e tal como se deixa expresso no despacho de 22.02.2024, (…) Entre 21.7.2022 e 13.12.2022 (decerto ter-se-á querido escrever 2023 nesta última data, como o demonstram os termos do despacho proferido nesse dia, com a referência 12011765, mero lapso de escrita sem outra consequência), não foi praticado nestes autos qualquer ato judicial.
O que demonstra a falta de razão do recorrente.
3 – Pelo exposto, entende-se deverem ser julgadas improcedentes as arguidas nulidades, tal como as inconstitucionalidades que, como é regra, sempre se lhes associam.
7. Como resulta dos autos e se consignou no despacho de 13.12.2023, na sequência da apresentação dos requerimentos de recusa dos juízes conselheiros, não foi praticado nestes autos qualquer ato judicial entre 21.7.2022 (data de apresentação do pedido de recusa dos juízes conselheiros) e 13.12.2023 (por lapso, como nota o Senhor Procurador-Geral Adjunto, escreveu-se 13.12.2022).
8. Nos termos do artigo 119.º, al. c), do CPP, constitui nulidade insanável a ausência do defensor nos casos em que a lei exigir a sua comparência.
Como salienta o Ministério Público, o arguido não identificou qualquer ato que tivesse sido praticado, suscetível de afetar o arguido, e que exigisse a presença do seu defensor.
Não identificou nem podia identificar pois que nenhum ato judicial desta natureza foi praticado nestes autos.
Sendo que os atos posteriormente praticados foram atos de mero expediente destinados a assegurar a representação das sociedades arguidas, que não constituíram advogado, por defensor. Atos que apenas visaram a proteção da posição processual dos arguidos.
É, pois, manifesta a falta de fundamento do que vem requerido, que, assim, se indefere.
Notifique.»
36. Convoca o requerente o artigo 652.º, n.º 3, do CPC, que considera aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, para fundar o requerimento de reclamação deste despacho para a conferência.
37. Sublinha o Ministério Público que não há lugar, neste caso, à aplicação deste preceito ao processo penal por não haver lacuna que obrigue à aplicação subsidiária do processo civil ao processo penal, o qual limita os casos de reclamação à previsão do artigo 417.º, n.º s 6 e 7, do CPP.
38. Não há lacuna que deva ser suprida por recurso ao mencionado artigo 652.º, n.º 3, do CPC, por força do artigo 4.º do CPP. Como se consignou no acórdão de 4.12.2024 (Proc. n.º 257/11.1TELSB.L2-E.S1, em www.dgsi.pt), à conferência são atribuídos poderes para julgar as reclamações de decisões anteriores do relator a que se refere o artigo 417.º, n.º 8, do CPP – de decisões sumárias e de decisões sobre o efeito do recurso ou sobre renovação de provas e pessoas a convocar (n.ºs 6 e 7 do mesmo preceito) – para julgar recursos (artigo 419.º quanto ao recurso ordinário e artigo 441.º quanto ao recurso de fixação de jurisprudência) e para conhecer de nulidades ou retificar acórdãos (artigos 379.º e 380.º já citados).
39. Carece, pois, de fundamento a pretensão do requerente, que, assim, se indefere.
III. Decisão
40. Pelo exposto, acorda-se na secção criminal em:
a) Indeferir o requerimento apresentado em 12 de julho de 2022 pelos recorrentes AA, BB, "L..., Lda", "F..., Lda", CC, "T..., S.A.", "S..., S.A." e DD, de arguição de nulidade do acórdão de 22 de junho de 2022 «por omissão de pronúncia e de consideração da resposta apresentada pelos Recorrentes, nos termos previstos no artigo 417.º, n.º 2, in fine do CPP» (parte I do requerimento dos arguidos de 12.7.2022) e de arguição de «nulidade do acórdão final, da conferência que julgou o Recurso e de todo este processo por falta de distribuição e da incompetência do Tribunal Coletivo» (parte II do requerimento dos arguidos de 12.7.2022);
b) Indeferir o requerimento do arguido BB, de 10 de setembro de 2024, de arguição de «nulidade insanável deste processo desde 2 de agosto de 2022, por violação das normas do artigo 5.º, n.ºs 1 e 2 alínea a), e do artigo 419.º, n.º 1, do Código de Processo Penal»;
c) Indeferir o requerimento do arguido BB, de 10 de setembro de 2024, de ««reclamação para a Conferência da decisão singular proferida sobre a arguição de nulidades que deduziu no seu requerimento de 18.01.2024, decidida por despacho de 02.09.2024».
d) Nos termos do artigo 380.º, n.º 1, al. b), do CPP, determinar que, no ponto 5 do texto do acórdão de 22 de junho de 2022, seja eliminada a expressão «Notificados para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, os recorrentes nada disseram» e que, em seu lugar, passe a constar «Notificados, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, os recorrentes responderam ao parecer do Ministério Público, refirmando a sua pretensão».
Custas pelos requerentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, a pagar por cada um deles, nos termos do artigo 8.º, n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
Supremo Tribunal de Justiça, 5 de fevereiro de 2025.
José Luís Lopes da Mota (Relator)
Antero Luís (Adjunto)
Nuno António Gonçalves (Presidente da Secção)
__________
1. Na redacção da Lei n.º 94/2021, de 21 de Dezembro.
2. Cfr. neste sentido, e ainda que a propósito da Lei n.º 55/2021, de 13 de Agosto, o acórdão de 28.11.2024, deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 19/16.0YGLSB.S2, da 5ª Secção, in https://www.dgsi.pt/jstj.
3. Referência Citius ...46, de 05.03.2024.
4. Despacho de 13.12.2023, do seguinte teor:
«Como resulta dos autos apensos, as decisões do TC sobre os recursos interpostos das decisões relativas às recusas (apensos A e B) transitaram em julgado em 29.06.2023 (p. 284) e em 26.19.2023 (p. 68), respetivamente, datas em que igualmente transitaram em julgado aquelas decisões deste tribunal sobre as recusas (art.º 80.º, n.º 5, da LTC). Cessou, pois, o impedimento imposto pelo art.º 45.º, n.º 2, do CPP).
*
Antes de mais, tendo em vista a notificação do requerimento do senhor advogado Costa Ribeiro para constituição de novo advogado, averigue junte do registo comercial no sentido de obtenção de informação atualizada sobre a sede e representantes legais das sociedades T..., S.A. e S..., S.A. e respetivas moradas (artigo 57.º, n.º 5, do CPP).
Obtidas tais informações, proceda às notificações do requerimento de renúncia, para constituição de novo mandatário (art.º 47.º, n.ºs 2 e 3, do CPC).»