ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REPOSIÇÃO DA VERDADE FISCAL
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Sumário


I – A circunstância da suspensão da pena de prisão aplicada a um condenado pelo crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, ficar condicionada ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais em dívida não atinge o limite do excesso, previsto no artigo 18.º n.º 2 da CRP, situando-se no âmbito da margem de liberdade das diretrizes de política legislativa criminal, tendo em vista os valores e princípios fundamentais, com relevo constitucional, em matéria tributária, que se procuram salvaguardar com tal imposição.
II – O facto de as arguidas terem sido condenadas no pagamento ao Estado do valor de € 14.192,38 a título de perda de vantagem e concomitantemente também sido condenadas a pagar ao demandante civil, Instituto da Segurança Social, I.P., a quantia de € 14.137,07, acrescida de juros moratórios, não traduz uma violação dos princípios constitucionais do ne bis in idem ou da proporcionalidade, pois que as arguidas/demandadas não terão de suportar ambos esses valores em que foram condenadas, dado que mostrando-se pago um, fica extinta a sua obrigação.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I - Relatório

Decisão recorrida

No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 2130/22...., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Guimarães, foi proferida sentença, no dia 4 de julho de 2024, cuja parte decisória se transcreve:

“Pelo exposto, decide-se:
a) Parte criminal,
- julgar procedente a acusação, e em consequência:
1. Condenar a arguida AA pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, p. e p. nos art.os 105º, nº 1 e 4 e 107º do R.G.I.T., na forma continuada, na pena 01 (um) ano e 03 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 04 (quatro) anos, ficando no entanto a suspensão condicionada ao pagamento, no prazo de 04 (quatro) anos a contar do trânsito em julgado da presente sentença, das prestações tributárias referidas nos factos provados e demais acréscimos legais, nos termos do art.º 14.º do RGIT.
2. Condenar a arguida “EMP01... Unipessoal, Lda” pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, p. e p. nos art.os 105º, nº 1 e 107º, n.º 1 do R.G.I.T., e 30º do C.P., na pena 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 5,00 (cinco) euros.
3. Condenar as arguidas, na perda de vantagem, e assim, solidariamente, no pagamento ao Estado do valor de €14.192,38 (catorze mil cento e noventa e dois euros e trinta e oito cêntimos), nos termos do artigo 110.º do Código Penal, sem prejuízo dos direitos da ofendida, I.S.S.
4. Condenar as arguidas no pagamento da taxa de justiça que fixo em 03 UCs, reduzidas a metade face à confissão, e demais encargos do processo.

*
b) Parte cível:
- Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante Instituto da Segurança Social, I.P., procedente, e, em consequência, condenar as demandadas AA e “EMP01... Unipessoal, Lda” a pagar-lhe a quantia de €14.137,07 (catorze mil cento e trinta e sete euros e sete cêntimos) acrescida de juros vencidos €1.758,71 (mil setecentos e cinquenta e oito euros e setenta e um cêntimos), e vincendos, contados desde o décimo quinto dia do mês seguinte àquele a que as contribuições mensais discriminadas nos factos provados dizem respeito, até efectivo e integral pagamento.
- Custas pelas demandadas”.
*
Recurso apresentado

Inconformadas com tal decisão, ambas as arguidas vieram interpor o presente recurso e após o motivarem, apresentaram as seguintes conclusões e petitório, que se reproduzem:

“1. As Recorrentes não se conformam com a sentença proferida, essencialmente quanto a à medida da pena aplicada a qual entendem ser excessiva e desproporcional e por entenderem que existe dupla condenação pelo mesmo facto praticado, designadamente no que se refere à condenação no pagamento ao Estado por perda de vantagem e simultaneamente no pagamento à Segurança Social, I.P. pelo PIC deduzido que se refere essencialmente ao mesmo valor.
2. Justifica-se uma redução da pena aplicada à recorrente singular, em conformidade com o princípio da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2 da CRP), bem como uma aplicação mais ajustada do artigo 71.º do Código Penal.
3. Deve a pena a ser aplicada à arguida caso seja de prisão, ser suspensa na sua execução, mas sem imposição de qualquer condição de pagamento para que a suspensão opere.
4. A aplicação de uma pena nestes moldes, será suficiente para satisfazer as exigências de prevenção geral e especial, promovendo a reintegração da Recorrente sem comprometer os objetivos punitivos.
5. A aplicação de uma pena de multa a uma sociedade sem atividade equivale a um ato meramente formal, sem efeito prático, uma vez que a Recorrente pessoa coletiva não dispõe de recursos financeiros para cumprir a multa.
6. Tal decisão contraria o princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, que exige que as penas sejam proporcionais aos factos cometidos e à capacidade do condenado de as suportar.
7. Assim sendo, devia o tribunal a quo ter ponderado a situação económica atual da sociedade e optado por uma medida mais adequada, como, por exemplo, a extinção da pena, face à inviabilidade prática da sua aplicação, ou a não imposição de multa, tendo em conta que a finalidade punitiva da sanção não é atingida quando a entidade condenada se encontra sem possibilidade de cumprimento.
8. A condenação das Arguidas na chamada perda de vantagem patrimonial nos presentes autos, configura claramente uma dupla condenação violando o Princípio do ne bis in idem previsto no artigo 29.º n.º 5 da CRP e o Princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18.º, n.º 2 da CRP
9. Nesse sentido, também se pronunciou na sua declaração de voto de vencido, o Sr. Desembargador Donas Botto, no acórdão proferido no processo 1010/15.9IDPRT.P1, do Tribunal da Relação do Porto – 1ª secção, quanto à questão da perda de vantagens.
10. Não podendo em suma, na sentença proferida as arguidas serem condenadas simultaneamente no pagamento por perda de vantagem ao Estado e no pagamento do Pedido de Indeminização Civil à Segurança Social, I.P.

TERMOS EM QUE,
revogando a douta sentença em mérito farão Vossas Excelências a habitual
J U S T I Ç A!”.
*
Resposta ao recurso por parte do Ministério Público.

Na primeira instância, o Ministério Público, apresentou resposta ao recurso pugnando pela improcedência do mesmo.
Considera em síntese que nenhuma censura merece a subordinação da suspensão da pena de prisão aplicada à arguida AA ao pagamento das prestações devidas à Segurança Social e a acréscimos legais; no que respeita à condenação na pena de multa à sociedade arguida, refere que a pretensão da recorrente não tem cabimento legal, confundindo a punição com a execução da pena e por fim, no que concerne à condenação das arguidas, simultaneamente no pagamento por perda de vantagem ao Estado e no pagamento do pedido de indeminização civil à Segurança Social, I.P.. invoca a jurisprudência firmada no recente Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 5/2024, de 9 de maio, para concluir do acerto da decisão recorrida.
***
Tramitação subsequente

Neste Tribunal da Relação de Guimarães, o processo foi com vista ao Ministério Público, tendo o Exmº. Senhor Procurador-Geral Adjunto, emitido douto e esclarecido parecer no sentido da improcedência do recurso, chamando à liça pertinentes referências jurisprudenciais. 
*
Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do CPP não tendo sido apresentada resposta.
*
Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
*
II – Fundamentação.

Cumpre apreciar o objeto do recurso.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas essas questões, as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, bem como as nulidades previstas no artigo 379º do mesmo Código, que possam obstar ao conhecimento do mérito do recurso [1].

As questões que se colocam à apreciação deste tribunal são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
- Medida da pena de prisão aplicada à arguida BB e condição aposta à suspensão da execução da pena de prisão.
- Pena de multa aplicada à arguida sociedade “EMP01... Unipessoal, Lda”.
- Violação dos princípios constitucionais do ne bis in idem e da proporcionalidade, ao terem as arguidas sido condenadas simultaneamente no pagamento por perda de vantagem ao Estado e no pagamento do pedido de indeminização civil à Segurança Social, I.P.
*
É a seguinte a matéria de facto dada como provada pelo tribunal “a quo” (transcrição):

1. A arguida EMP01... Unipessoal, Lda., tinha por objecto social a confeção e comercialização de artigos de vestuário em série e têxteis lar, bem como a embalagem de artigos de vestuário e têxteis lar.
2. E obrigava-se mediante a assinatura e intervenção de um gerente.
3. A gerência da sociedade durante o período contributivo compreendido entre Outubro de 2020 a Novembro de 2021, esteve a cargo da arguida AA.
4. Durante esse período e no exercício de tais funções, era a arguida AA, quem dirigia(m) as actividades da sociedade arguida e procedia ao pagamento das remunerações aos empregados e ao gerente da mesma, cabendo-lhe também a tarefa de efectuar as deduções a tais remunerações, correspondentes às cotizações devidas à Segurança Social, e entregar o respectivo montante à Segurança Social.
5. No entanto, apesar de o(a/s) arguido(a/s) ter(em) pago aos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários da sociedade arguida os salários respeitantes ao período compreendido entre Outubro de 2020 a Novembro de 2021 e de ter(em) deduzido às mesmas o montante correspondente às respectivas cotizações para a Segurança Social, no montante global de 14.192,38 €, não procedeu(ram) à sua entrega na Segurança Social nos prazos legalmente estipulados.
6. A(s) arguida(s) pagou(aram) aos trabalhadores e aos membros estatutários da sociedade arguida, as remunerações respeitantes de Outubro de 2020 a Novembro de 2021 procedendo ao desconto de 11% no respectivo vencimento, correspondente às respectivas contribuições para a Segurança Social.
7. O desconto deduzido nos vencimentos referidos ascendeu ao montante global de 14.192,38 € como infra se demonstra:
8. O (a/os) arguido(a/os) não entregou (aram) ao Instituto da Segurança Social, I.P., - Departamento de Fiscalização os pagamento das cotizações retidas dos salários pagos aos seus trabalhadores e membros dos órgãos estatutários, designadamente no prazo de 90 dias a contar do termo do prazo previsto para entrega nem após terem sido, e bem assim a sociedade arguida, notificado(s) pessoalmente para proceder ao pagamento das quotizações em dívida no prazo de 30 dias, sob pena de o processo criminal prosseguir, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105º, nº 4, alínea b) do Regime Geral das Infracções Tributárias), muito embora soubessem que eram obrigados a fazê-lo.
9. As arguidas não efectuaram os pagamentos acima discriminados à Segurança Social, fazendo suas as referidas quantias, utilizando as em benefício da sociedade arguida, integrando-as no seu património, obtendo desse modo vantagens patrimoniais e benefícios que sabiam ser indevidos e proibidos por lei.
10. Em todos aqueles períodos de tempo, sabiam as arguidas que o montante que gastaram e utilizaram em benefício da sociedade arguida pertencia à Segurança Social, e a esta devia ter chegado juntamente com as folhas das remunerações processadas.
11. Agiram sempre as arguidas de modo livre e consciente, com o propósito deliberado de deduzir as mencionadas quantias e de as não entregar à Segurança Social, tendo feito reverter e despendido em benefício da sociedade arguida, sua representada, as quantias deduzidas e, indirectamente, em seu proveito próprio, assim enriquecendo, desde logo, o património da sociedade, em igual montante e prejudicando a segurança social, pelo menos, em valor equivalente.
12. As arguidas actuaram de forma reiterada e continuada no tempo, no quadro de uma situação exterior idêntica e uniforme, por razões de ordem económica, no quadro do circunstancialismo favorável que rodeou as suas primeiras actuações, mais concretamente, a conjuntura económica portuguesa de recessão económica, as condições de viabilidade económica da sociedade arguida, as sérias dificuldades de tesouraria.
13. As arguidas agiram de forma livre, voluntária e consciente.
14. Bem sabendo que a(s) sua(s) conduta(s) era(m) proibida(s) e o(a/s) fazia(m) incorrer em responsabilidade criminal.
15. A arguida confessou os factos de forma integral e sem reservas.
16. A arguida trabalha como cozinheira e aufere, pelo menos, o salário mínimo nacional.
17. Vive com o marido, o qual trabalha como motorista e aufere, pelo menos, o salário mínimo, e três filhos estudantes.
18. No ano de 2022, declararam em sede de IRS, rendimentos no valor de €17.186,87.
19. Vivem em casa arrendada, pagando cerca de €600,00 de renda mensal.
20. Estudou até ao 6º ano.
21. A sociedade arguida no ano de 2021, declarou à A.T.€68.944,70 de lucro tributável.
22. Após, a sociedade arguida encerrou a laboração.
23. A sociedade arguida não tem antecedentes criminais.
24. A arguida tem antecedentes criminais:  No PCS nº 382/15...., 1 crime de abuso de confiança fiscal, praticado em 17.11.2015, condenada em 19.06.2017, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €6,00. 1 crime de abuso de confiança fiscal, praticado em 15.08.2016, condenada em 26.02.2019, na pena de 200 dias de multa à taxa de €6,00; No PCC 103/16...., por decisão proferida em 06.01.2021, transitada em 21.03.2022, pela prática em 16.11.2015, 18.08.2017, 16.02.2018 e 16.08.2018, respectivamente, quatro crimes de abuso de confiança fiscal, foi condenada na pena única de 3 anos de prisão, suspensa pelo mesmo período, com a condição de pagar a situação contributiva; No processo n.º 40/17...., por decisão datada de 26.02.2019 e transitada em julgado aos 28.03.2019, pela prática aos 15.08.2016 de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de 6,00 euros; Por sentença de 02.11.2021, proferida no processo n.º 62/20.... do Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz ..., transitada em julgado em 02.12.2021, foi a arguida condenado na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de €6,00, pela prática no 1.º trimestre de 2019, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art.º 105.º do RGIT; Por sentença de 03.03.2022, proferida no PCS13/20.06IDBRG e transitada em julgado em 04.04.2022, foi a arguida condenado na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros), pela prática no 3.º e 4.º trimestres de 2017, de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos art.º 7.º, n.º 1, 8.º, n.º 3,105.º, n.º 1 e 7 do RGIT e art.º 30.º do CP.
***
Da pena de um ano e três meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de quatro anos, aplicada à arguida AA.
Considera a arguida AA que a pena de um ano e três meses de prisão aplicada, se revela excessiva e desproporcional, não atendendo adequadamente aos critérios de determinação da pena previstos no artigo 71.º do Código Penal, não tendo o tribunal recorrido ponderado devidamente as circunstancias atenuantes que deveriam ter sido ponderadas a seu favor como a circunstância dos seus antecedentes criminais se deverem a períodos de tempo contínuo, o que pode inclusive integrar a prática de um único crime continuado ao invés de vários crimes em que fora condenada, que transparecem no CRC daquela; o comportamento colaborativo durante todo o processo; a confissão total dos factos e o arrependimento demonstrado; a menor gravidade objetiva dos factos dentro do tipo de ilícito e a inexistência de rendimentos que lhe permitam conseguir cumprir com o pagamento da condição de pagamento que lhe foi imposta.  
O crime de abuso de confiança, em relação à Segurança Social, em causa nos autos, e no que concerne às pessoas singulares, é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias - artigos 105º, nº 1 e 107º nº 1, ambos do RGIT.
Como decorre do artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
As finalidades das penas, na previsão, na aplicação e na execução, são assim a proteção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afetados.
Na proteção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afetem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).
As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objetivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.
Ensina e este propósito Figueiredo Dias [2] «As exigências de prevenção geral, ... constituirão o limiar mínimo da pena, abaixo do qual já não será possível ir, sob pena de se pôr em risco a função tutelar do Direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada;
As exigências de culpa do agente serão o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio politico-criminal da necessidade da pena (Artº 18 nº2 da CRP) e do principio constitucional da dignidade da pessoa humana (consagrado no nº1 do mesmo comando).
Por fim, as exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão determinar, em último termo e dentro dos limites referidos, a medida concreta da pena».
Importa ainda ter em conta que, como refere Anabela Rodrigues [3]  “A função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.
O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.
O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.
Dentro destes dois limites situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.
Ainda, embora com pressuposto e limite na culpa do agente, o único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos e, (só) na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade”.
Nos termos do disposto no artigo 71º nº 1 do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Sendo que por força do seu nº 2 na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência:
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Volvendo ao caso em apreço temos que o dolo é direto, que é a modalidade mais grave e que o grau de ilicitude é mediano, atento os valores que não foram entregues à Segurança Social, num total de 14.192,38 €, e num período temporal superior a um ano, de outubro de 2020 a novembro de 2021. 
As exigências de prevenção geral são bastante elevadas, atenta a frequência com que este tipo de crimes é praticado e a distorção que provoca, entre as empresas que cumprem as suas obrigações fiscais e parafiscais e aquelas que as não cumprem.
Também são elevadas as exigências de prevenção especial, face aos antecedentes criminais da arguida AA, que já foi por diversas vezes condenada, por sentenças transitadas em julgado, pela prática de idênticos crimes, não resultando da matéria de facto provado que se esses crimes que constam do seu CRC consubstanciassem um único crime continuado.
Em desfavor da arguida ainda o facto de não ter ressarcido sequer parcialmente, a quantia que não foi entregue à Segurança Social.
Milita a seu favor o facto de ter confessado os factos de forma integral e sem reservas.
A alegada inexistência de rendimentos que lhe permitam conseguir cumprir com o pagamento da condição de pagamento que lhe foi imposta, referida por esta arguida, não tem qualquer relevo em sede de dosimetria da pena de prisão que lhe foi aplicada.
No que concerne à controlabilidade da pena em sede de recurso, concorda-se com Figueiredo Dias, [4] quando defende que “a sindicância recursória deverá reservar-se para as hipóteses em que tiveram sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”.
Assim, o tribunal de recurso só deve alterar a medida concreta da pena quando seja evidente que a mesma foi aplicada em desrespeito aos critérios legais.
Tal não é certamente o que sucede no caso em apreço, em que a pena de um ano e três meses de prisão, aplicada pelo tribunal recorrido, num patamar próximo a 1/3 da moldura geral abstrata, respeita os princípios da necessidade, proibição de excesso ou proporcionalidade da pena, mostrando-se adequada à reposição da validade da norma infringida e não excede a medida da culpa da arguida.
*
Da condição aposta à suspensão da execução da pena de prisão.
Insurge-se também a arguida AA pelo facto de a suspensão da execução da pena de prisão ter ficado condicionada ao pagamento, no prazo de quatro anos a contar do trânsito em julgado da sentença, das prestações em falta à Segurança Social e demais acréscimos legais.

Conforme resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência nº 2/2015 [5] “tratando-se do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, o bem jurídico protegido pela norma do artigo 107º do RGIT mais não é que o erário das instituições de Segurança Social e o interesse directo desta, enquanto titular do direito de crédito das quotizações e bem assim enquanto garante do regular funcionamento do respectivo sistema, de arrecadar as prestações contributivas que, deduzidas, por retenção na fonte, pelas entidades empregadoras, no valor das remunerações pagas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais, devem ser entregues”.
É inequívoca a importância que o pagamento das prestações à Segurança Social reveste, sendo um meio prioritário na prossecução dos fins do Estado Social, mormente tendo em atenção o número de cidadãos reformados em situação de dependência económica do pagamento dessas prestações.
Daí não é de estranhar que estipule o artigo 14.º, n.º 1 do RGIT [6]: “A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa”.
O legislador impõe que caso a pena de prisão aplicada seja suspensa na sua execução, esta tem obrigatoriamente ser sujeita ao pagamento integral da prestação tributária e acréscimos legais e do montante dos benefícios indevidamente obtidos, operando assim ope legis.
Não pode o julgador deixar de condicionar a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento desses valores.
Neste sentido o Ac. da Relação do Porto de 11 de outubro de 2017 [7], onde se escreve: “a lei não dá qualquer margem de manobra ao julgador, impondo o artigo 14º/1 do RGIT, que a suspensão da execução da pena de prisão é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de 5 anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos” e o Ac. da Relação de Lisboa de 10 de janeiro de 2018[8], onde consta que a norma do artigo 14.º do RGIT “estabelece uma correspondência automática entre o montante da quantia em dívida e o montante da quantia a pagar como condição de suspensão da execução da pena de prisão, sem possibilidade de graduação, tendo de ser a totalidade do devido sem possibilidade de uma qualquer redução”.
A circunstância deste condicionamento ser obrigatório não atinge o limite do excesso, previsto no artigo 18.º n.º 2 da CRP, situando-se no âmbito da margem de liberdade das diretrizes de política legislativa criminal, tendo em vista os valores e princípios fundamentais, com relevo constitucional, em matéria tributária, que se procuram salvaguardar com tal imposição.
Por diversas ocasiões, o Tribunal Constitucional tem sido a chamado a pronunciar-se sobre esta questão tendo sempre afirmado a inexistência de inconstitucionalidade na parte em que condiciona a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento pelo arguido do imposto em dívida e respetivos acréscimos.
Assim, o Ac. do TC nº 556/2009[9], : “Sobre esta questão, à luz da nova redacção do artigo 50.º do CP, pronunciou-se a 3.ª Secção deste Tribunal Constitucional, em Acórdão n.º 327/08, que julgou não inconstitucional a norma do artigo 14.º do RGIT, quando interpretada no sentido de que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de duração da pena de prisão concretamente determinada, a contar do trânsito em julgado da decisão, da prestação tributária e acréscimos legais, com fundamento, em síntese, no seguinte:
«Continuam a ser válidas as três razões pelas quais nesta jurisprudência se afasta a objecção de que se está a impor ao arguido um dever que se sabe de cumprimento impossível e, com isso, a violar os princípios da proporcionalidade e da culpa: (i) o juízo quanto à impossibilidade de pagar não impede legalmente a suspensão; (ii) sempre pode haver regresso de melhor fortuna; (iii) e a revogação não é automática, dependendo de uma avaliação judicial da culpa no incumprimento da condição”.
Mais recentemente, o Tribunal Constitucional veio novamente decidir no acórdão nº 51/2020, de 16 de janeiro de 2020: “Não julgar inconstitucional a interpretação do artigo 14.º do RGIT, conjugado com os artigos 50.º e 51.º do Código Penal, no sentido de que a suspensão da execução da pena de prisão fica obrigatoriamente condicionada ao pagamento das prestações tributárias em dívida e respetivos acréscimos legais, limitado ao pedido de indemnização civil formulado pelo Estado, sem que o Tribunal proceda a um juízo de prognose de razoabilidade acerca da possibilidade da satisfação dessa condição” [10] e no acórdão nº 546/2024, de 11 de julho de 2024: “Não julgar inconstitucional o artigo 14.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05.06, interpretado no sentido de que a suspensão da execução da pena de prisão é sempre condicionada ao pagamento da prestação tributária, independentemente da ponderação das circunstâncias do caso concreto”[11].
Efetivamente, mesmo que pareça pouco provável o cumprimento no momento da imposição da obrigação que condiciona a suspensão da execução da pena, pode suceder que, mais tarde, se altere a situação económica e financeira do condenado e, como tal, venha a ser possível o cumprimento da condição.
No caso em apreço, o prazo de 4 anos de suspensão da execução da pena de prisão e concomitantemente de tal pagamento, é suficientemente longo para que o mesmo se possa concretizar, pese embora o esforço que as arguidas deverão fazer para atingir tal desiderato.
Por outo lado, a revogação da suspensão da pena de prisão não é automática, mas antes está dependente de avaliação judicial, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 2, alínea c), do RGIT, e nos artigos 55.º e 56.º do Código Penal, pois que embora o RGIT seja lei especial, não deixa de ser aplicável aos crimes tributários o disposto no art.º 56º do Código Penal, que apenas permite a revogação da suspensão da execução da pena nos casos de infração grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostas ou o cometimento de crime pelo qual o agente venha a ser condenado durante o período de suspensão da execução da pena, reveladoras que as finalidades que estiveram na base dessa suspensão não foram por ela alcançadas, tendo falhado o juízo de prognose favorável ao condenado.
Bem andou assim o tribunal recorrido ao condicionar a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento das quantias em falta e acréscimos legais, também devidos.
Improcede assim também este segmento recursório.
*
Da pena de multa aplicada à arguida sociedade “EMP01... Unipessoal, Lda”.
Face ao disposto no artigo 7º nº 1 do RGIT “As pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são responsáveis pelas infracções previstas na presente lei quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse coletivo”.
Considera a recorrente “EMP01... Unipessoal, Lda” que a aplicação de uma pena de multa a uma sociedade sem atividade equivale a um ato meramente formal, sem efeito prático, uma vez que não dispõe de recursos financeiros para cumprir a multa, devendo então o tribunal a quo ter optado pela extinção da pena ou a não imposição de multa.
A esta questão respondeu e com todo o acerto o Ministério Público, nos seguintes termos, que se reproduzem:
“Salvo o devido respeito, a pretensão da recorrente não tem apoio legal – que, aliás, não invoca –, confundindo a punição com a execução da pena.
Na verdade, a fls. 198 consta a certidão permanente da sociedade arguida, não resultando da mesma que esta sociedade esteja extinta, uma vez que não existe qualquer decisão de encerramento da liquidação, pelo que, apesar de não estar a laborar, mantém-se intacta a sua responsabilidade criminal. Assim, parece-nos indiscutível que o Tribunal a quo não podia deixar de aplicar a pena de multa, uma vez que é a única pena admissível para as pessoas coletivas (cf. artigo 12.º, nºs 2 e 3, do RGIT).
Ignora-se de que forma o Tribunal a quo poderia optar, na sentença, pela “extinção da pena”. A extinção da pena só pode ter lugar após uma condenação transitada em julgado e as penas de multa aplicadas às pessoas coletivas só podem ser declaradas extintas pelo cumprimento (pagamento voluntário ou coercivo através da instauração de execução) ou por força de prescrição”.
Efetivamente, dos factos que ficaram provados resulta apenas que a sociedade arguida no ano de 2021, declarou à A.T. € 68.944,70 de lucro tributável e após encerrou a laboração.
O facto de a sociedade arguida não estar presentemente a laborar não implica naturalmente que tenha sido extinta, que não possa voltar a laborar e nem sequer que não tenha património.
Inexiste assim qualquer fundamento legal para a pretendida extinção da pena ou a não imposição da pena de multa, que é a pena principal prevista para a arguida sociedade num crime da natureza tributária.
A pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa aplicada mostra-se adequada, tendo-se nomeadamente em consideração os valores que não foram entregues à Segurança Social, num total de 14.192,38 € e ainda em dívida e as prementes exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de crimes, acima referidas.
Acresce que a atual situação económica da arguida sociedade foi atendida na sentença recorrida ao ser fixado um quantitativo diário de 5,00 € por dia de multa, quantia essa que corresponde ao mínimo legal que varia entre 5,00 € e 5.000,00€ - artigo 15º nº 1 do RGIT.
Improcede assim também este segmento do recurso.
*
Da violação do princípio do ne bis in idem e da proporcionalidade.
Consideram as arguidas que, ao serem condenadas simultaneamente no pagamento por perda de vantagem ao Estado e no pagamento do pedido de indeminização civil à Segurança Social, tal configuraria uma violação do princípio do ne bis in idem, previsto no artigo 29.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18.º, n.º 2 também da Constituição da República Portuguesa.
O instituto de perda de vantagens previsto atualmente no artigo 110º do Código Penal, prevê no seu nº 1 al. b) que são declarados perdidos a favor do Estado as vantagens do facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem, não se confunde com o instituto da indemnização civil.
Como ensina Figueiredo Dias[12] é "primariamente um propósito da prevenção da criminalidade em globo, ligado à ideia - antiga, mas nem por isso menos prezável  - de que "o ‘crime’ não compensa". Ideia que se deseja reafirmar tanto sobre o concreto agente do ilícito-típico (prevenção especial ou individual) como nos seus reflexos sobre a sociedade no seu todo (prevenção geral), mas sem que neste último aspecto deixe de caber o reflexo da providência ao nível do reforço da vigência da norma (prevenção geral positiva ou de integração).”.  
O instituto da perda de vantagens decorrentes do facto ilícito típico, destinado a impedir a manutenção de situações patrimoniais antijurídicas, satisfaz desse modo as finalidades de prevenção especial e geral, com uma natureza similar à medida de segurança.
Conforme esclarece Germano Marques da Silva [13] “Devemos ter presente que o instituto de perda de vantagens não se confunde nem com a indeminização civil emergente da prática do crime nem com a obrigação tributária, embora materialmente interconexos, mas processualmente distintos. [...] A indeminização tem por fim ressarcir os danos causados pelo crime, a perda de vantagens tem natureza sancionatória análoga à da medida de segurança.”.
Também neste sentido Filipa Nunes Cunha[14] ao defender que “são realidades distintas, pelo que não se pode confundir a perda de vantagens com a pretensão indemnizatória, sendo de refutar, por completo, a forçada sobreposição destes dois institutos até como modo de sustentar o afastamento da perda de vantagens nos casos em que o ofendido comunique ao processo que pretende obter ressarcimento dos danos causados com o crime por outra via que não através do pedido de indemnização civil. Processualmente não se confundem, pois, repetimos, a perda de vantagens é uma providência de carácter sancionatório e a indemnização civil é uma medida de natureza civil, apesar de enxertada numa acção penal.”
No caso em apreço, as arguidas foram solidariamente condenadas, nos termos do artigo 110.º do Código Penal, na perda de vantagem, no pagamento ao Estado do valor de € 14.192,38 (catorze mil cento e noventa e dois euros e trinta e oito cêntimos), sem prejuízo dos direitos da ofendida, I.S.S. e concomitantemente foram também condenadas a pagar ao demandante civil, Instituto da Segurança Social, I.P., a quantia de € 14.137,07 (catorze mil cento e trinta e sete euros e sete cêntimos) acrescida de juros moratórios.
Porém, tal não significa que tal traduza uma violação dos princípios constitucionais do ne bis in idem ou da proporcionalidade, pois que as arguidas não terão de suportar ambos esses valores em que foram condenadas.
Refere a este propósito o acórdão da Relação do Porto de 11 de abril de 2019[15] :
“a perda de vantagens é aqui subsidiária, no sentido de constituir uma reserva, para o caso de o PIC, por ex., não ser executado, mas tem sempre um carácter de reforçar ou fortificar a procedência do PIC visto que além dele tem uma autónoma função que é a de dar o sinal comunitariamente muito relevante de que o crime não compensa.
Sendo que é na sentença penal e através dela que se poderá cumprir o carácter sancionatório de tal medida.
Perda de vantagem, portanto, a decretar sempre, embora sem prejuízo do que o Estado, no caso, Segurança Social consiga obter em termos de pagamento no âmbito do pedido cível que efectuou e foi procedente.
«O credor passa a dispor de dois títulos executivos que pode utilizar alternativamente e que têm âmbitos subjetivos distintos. O que ele jamais poderá fazer (é obvio) é executar duas vezes a mesma quantia.» - João Conde Correia/Hélio Rigor Rodrigues, Julgar Online 8, pág.20)”.
Temos deste modo que apesar de as arguidas terem sido condenadas a pagar esses dois montantes, não têm de suportar tal pagamento em duplicado.
Mostrando-se pago um, fica extinta a sua obrigação.
Conforme se salienta no AUJ n.º 5/2024[16], que fixou jurisprudência no sentido que as vantagens adquiridas pela prática de um facto ilícito típico devem ser declaradas perdidas a favor do Estado, mesmo quando já integram a indemnização civil judicialmente pedida e atribuída ao lesado pelo mesmo facto:
“A perda de vantagens distingue-se do imposto e das cotizações em dívida, bem como, da indemnização por perdas e danos emergentes de crime e não fica dependente do êxito da cobrança tributária ou da dedução do pedido civil, sendo que o ressarcimento das quantias em dívida cuja génese é o incumprimento da prestação tributária apenas terá lugar uma vez. Nunca poderá existir dupla execução, sob pena de subverter as finalidades pretendidas com a declaração de perda de vantagens, pois tornar-se-ia um mecanismo de redução do seu património lícito, ao invés de repor a situação patrimonial que detinha antes da prática do facto ilícito”.
Inexiste assim qualquer violação do princípio do ne bis in idem, previsto no artigo 29.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa ou do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18.º, n.º 2 também da Constituição da República Portuguesa, improcedendo assim na totalidade o recurso das arguidas.
*
III – Decisão.

Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelas arguidas e em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas pelas recorrentes, fixando-se, para cada uma delas, 3 uc´s de taxa de justiça - artigos 513.º, n.ºs. 1 e 3, do C.P.P. e 8.º, n.º 9, do R.C.P. e Tabela III anexa.
*
Notifique.
Guimarães, 14 de janeiro de 2025.
(Decisão elaborada pelo relator com recurso a meios informáticos e integralmente revista pelos subscritores, que assinam digitalmente).

Os Juízes Desembargadores,
Pedro Freitas Pinto (Relator)
Anabela Varizo Martins (1ª Adjunta)
Armando Rocha Azevedo (2º Adjunto)     


[1] Cfr. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995 e, na doutrina, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 3ª Edição Atualizada, Universidade Católica Editora, 2009, anot. 3ª, 5ª e 6ª ao artigo 402º, págs. 1027/1028.
[2] in Direito Penal, Parte Geral, Tomo II, As consequências jurídicas do crime, 1988, pág. 279 e segs :
[3] RPCC, Ano 12º, nº 2, pág. 182.
[4] Direito Penal Português II, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª Reimpressão, Editorial Notícias, 1993, pág. 197.
[5] Publicado no DR, Iª série, nº 35 de 19 de fevereiro de 2015
[6] Regime Geral das Infracções Tributárias.
[7] Procº 380/13.8IDAVR.P1 Relator: Ernesto Nascimento, consultável in www.dgsi.pt
[8] Procº 63/07.8TELSB.L1-3. Relator: Nuno Coelho, consultável in www.dgsi.pt.
[9] Processo n.º 1005/08, Relator: Joaquim de Sousa Ribeiro, consultável in www.tribunalconstitucional.pt
[10] Procº nº 1384/17, Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita, consultável in www.tribunalconstitucional.pt
[11] Procº n.º 1132/2023, Relator: Conselheira Maria Benedita Urbano, consultável in www.tribunalconstitucional.pt
[12] “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 1993, pág. 632,
[13] “Direito Penal Tributário”, 2.ª Edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, pág. 140.
[14] “A admissibilidade de (co)existência do confisco e outros mecanismos de recuperação de vantagens no âmbito dos crimes tributários”, Revista do Ministério Público, nº 151, pág. 187.
[15] Consultável in www.dgsi.pt, procº 3304/17.0T9PRT. Relatora: Maria Dolores da Silva e Sousa.
[16] Publicado no D.R. nº 90/2024, Série I, em 9 de Maio de 2024. Relator: Conselheira Leonor Furtado.