CRIME DE BURLA
ASTÚCIA
VENDAS ON LINE
Sumário


I – No crime de burla, a «astúcia» adotada pelo agente para conduzir ao erro ou engano da vítima caracteriza-se por uma argúcia na previsão das prováveis reações do sujeito passivo ao avanço do burlão e na seleção dos meios adequados para obter o desiderato por ele visado.
II – A idoneidade do meio não implica necessariamente o emprego de processos materiais e/ou intelectuais particularmente inventivos ou complexos, bastando frequentemente ao agente adotar na comunicação com o sujeito passivo, casuisticamente, uma linguagem sublimadora de pretensas vantagens que decorrerão para si caso assuma o comportamento pretendido, ocultando ou falseado informações que seriam imprescindíveis para uma correta tomada de decisão do burlado, em todo o caso criando no ofendido de boa-fé uma errada perceção da realidade, que o determina a levar a cabo, por acção ou omissão, uma conduta que, causalmente, acarreta prejuízo patrimonial, para si ou para terceiro. III – Ao publicitar para venda na plataforma digital de classificados em apreço um telemóvel que não possuía, o arguido não se limitou a mascarar a verdade em linha com os usos comerciais comumente aceites, uma vez que criou um cenário absolutamente irreal.
IV - O arguido pretendeu unicamente convencer terceiros, potenciais interessados na aquisição do publicitado telemóvel, a transferirem para a sua conta bancária o montante monetário correspondente ao suposto preço do mesmo, para dele indevidamente se apropriar, causando o respetivo prejuízo patrimonial ao pretenso “comprador”, criando para tal um cenário virtual, uma falsa representação da realidade, capaz de convencer o comum das pessoas, incluindo a ofendida, de que ele era proprietário do equipamento telefónico em questão ou, pelo menos, possuía poder legal para vendê-lo, e de que, em concretização desse negócio de compra e venda, mediante o recebimento do preço, iria proceder à sua entrega à adquirente.
V – O arguido, com manha, utilizou um site na internet para anunciar a suposta venda, sabendo que imensos eram os utilizadores da plataforma usada, de âmbito mundial, que estes habitualmente confiam no seu funcionamento e que, contrariamente ao que sucede numa lógica física, estão impossibilitados de confirmar a existência física do bem, pelo que o sucesso das transações ali realizadas assenta sobremaneira na boa-fé dos intervenientes (anunciantes e compradores).
VI - Para reforçar a falsa ideia de que dispunha para venda do concreto telemóvel anunciado (que não existia) e de que concretizaria o negócio, entregando-o ao comprador, quando este liquidasse o respetivo preço, o arguido fez acompanhar o anúncio de uma fotografia de um telemóvel como se daquele se tratasse, forneceu um número telefónico para contactos dos eventuais interessados e estabeleceu efetivos contactos com a ofendida, mediante troca de SMS e conversas telefónicas, em que combinaram os termos da compra, que incluíam a cobrança da quantia de € 7,90 a título de alegados custos de envio do bem para a morada da ofendida. Os preditos factos externos vão além de uma simples mentira a respeito da intenção de cumprimento da obrigação de entrega do bem vendido, antes dão consistência e credibilidade a tal declaração falsa. Devem, por isso, ser considerados integrantes da “astúcia” ou do “ardil”.
VII - A ofendida só efetuou o pagamento antecipado do preço do telemóvel em causa porquanto estava (compreensivelmente) convencida de que o proclamado vendedor, o arguido, porque tinha tal intenção, procederia à entrega da coisa à compradora após cobrança do preço. Dessarte, estando comprovado que o arguido nunca teve essa intenção, é óbvio que a ofendida, ao pagar o dito preço, foi determinada a fazê-lo devido ao erro a esse respeito em que incorreu. Concomitantemente, tal erro foi sagazmente provocado pelo arguido.
VIII – A ajuizada conduta do arguido não se mostra inequivocamente inidónea para enganar a generalidade das pessoas, outrossim a atitude da ofendida não é de considerar como absolutamente leviana ou ingénua, de modo a afastar a verificação do necessário nexo de causalidade entre o comportamento do agente a “auto lesão” do património infligida pela vítima, tanto mais que a ratio da norma incriminadora abarca a punição de condutas desleais assumidas no comércio jurídico que atentem, com inadmissível carga, contra o princípio da confiança e os ditames da boa fé que devem imperar no domínio das relações comerciais.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório:
           
I.1 No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 156/19...., do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real - Juízo Local Criminal de ..., por sentença proferida e depositada no dia 16.04.2024 (referências ...45 e ...39, respetivamente), foi decidido:

“Pelo exposto, este Tribuna julga a acusação publica procedente, por provada e, em consequência, decide:

a) Condenar o arguido AA pela prática em autoria material, na forma consumada, um crime de burla, previsto e punido pelo artigo 217.º, nº 1 do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão;
b) Declarar a perda a favor do Estado da quantia de € 282,90 a favor do Estado, condenando-se o arguido no seu pagamento, nos termos do artigo 110º, nºs 1, al. b) e 4 do C.P.
c) Condenar ainda arguido AA no pagamento de 2 UC de taxa de justiça, bem como nos encargos a que a sua atividade deu lugar (artigos 513º, n.ºs 1, 2 e 3, e 514º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais;”

I.2 Inconformado com tal decisão condenatória, veio o arguido AA interpor o presente recurso, que na motivação culmina com as seguintes conclusões e petitório (referência ...95):

“1ª O presente recurso tem como objeto a matéria de direito da douta sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou o arguido na pena de 2 anos de prisão, pela autoria material do crime de burla p. e. p. pelo artigo 217º, nº 1 do Código Penal.
2ª Ora, os elementos objetivos do tipo de ilícito em causa, ou seja, do crime de burla, são integrados pela existência de um prejuízo patrimonial, de um erro ou engano que determinem outrem à prática de actos causadores do referido prejuízo para si ou para terceiros e que esse erro ou engano tenha sido alicerçado em práticas ou factos astuciosamente provocados.
3ª “Só haverá burla se a disposição patrimonial toda ela, ou uma disposição patrimonial para além de certo montante, tiverem por única causa o erro ou engano, por sua vez provocado pela astúcia do agente” - conforme mui doutamente se refere no Ac. do STJ de 21-05-1998, Proc. n.º 179/98.
4ª “Para que exista a astúcia própria do crime não basta qualquer mentira, é necessário um "especial requinte fraudulento" ou uma "mentira qualificada", só assim se garantindo a plena observância do princípio da legalidade, uma vez que astúcia significa "manha" ou "ardil". Mais referindo que, apesar da imoralidade que pode acompanhar a celebração de certos negócios, o comportamento do agente só se ajusta à fattispecie penal quando, pelo recurso à mentira, à maquinação, (...) usa de astúcia, enquanto instrumento de deslocação patrimonial indevida." Existem casos em que não é fácil estabelecer a linha divisória entre a burla e o simples ilícito civil" - conforme se refere no douto Acórdão do TRL, de 24-04-2012, proc. n.º 1174/06.2TAFIG.L1-5.
5ª Na verdade, o arguido, apenas se limitou a abrir uma conta na plataforma do ..., e criar um anúncio a divulgar a venda de determinado bem, in casu, um telemóvel e juntar algumas fotografias do mesmo, processo este que não exige astúcia, antes pelo contrário, trata-se de um processo extremamente simples e rápido.
6ª Assim, seguindo a jurisprudência destes doutos acórdãos, é de concluir que o que está em causa nestes autos não é, pois, uma "mentira qualificada", um engodo que exija um especial conhecimento técnico e, neste caso, informático, uma especial astúcia.
7ª É do conhecimento do homem médio, que os riscos inerentes à realização de negócios em meios nos quais não existe nenhum controlo do perfil dos utilizadores/potenciais contraentes, nem mediação por parte da empresa da qual disponibiliza a plataforma, in casu, o ..., são elevados, de tal modo que, as plataformas, através de inúmeros avisos, tentam alertar os possíveis contraentes dos mesmos.
8ª Destarte, quem se encontra na disponibilidade para realizar estes tipos de transações tem de estar ciente do risco inerente.
9ª A ofendida não diligenciou de forma a apurar se o referido bem existia.
10ª A ofendida não se acautelou recorrendo a outras vias de forma a garantir que iria obter a contrapartida da sua prestação, tais como recurso à via Correios à cobrança ou até à entrega em mão da quantia pecuniária e o recebimento da contraprestação.
11ª Esta situação assemelha-se ao chamado “contrato de adesão”, dado que a ofendida, apenas se limitou a aceitar todas as condições fixadas pelo arguido, condições estas que foram oferecidas a todos os potenciais interessados.
12ª Impunha-se à ofendida o uso dos cuidados necessários para a salvaguarda dos seus interesses.
13ª Porém, a ofendida não agiu de forma cautelosa, nem com a diligência mínima exigida nestes negócios, zelando pelos seus interesses.
14ª “o enriquecimento obtido pelo agente à custa dos sucessivos erros cometidos por falta de diligência e/ou má organização da (…) lesada elide o crime de burla: não há erro nem engano, quando o queixoso não procede com a diligência mínima que lhe é exigível no tráfego comercial" - Conforme refere o douto Acórdão do TRP de 02-12-2010, proc. n.º 8861/07.6TDPRT.P1.
15ª Motivo pelo qual, consideramos que não estão verificados os elementos do tipo do crime de burla.
16ªTodavia, se por mera hipótese académica, se venha a entender que o R.te cometeu o crime porque vem acusado, deverá a sua pena ser reduzida para os mínimos legalmente previstos para este tipo de crime.
17ª Dos factos dados como provados retira-se que o grau de ilicitude não é de modo algum elevado - as necessidades de prevenção especial e geral, no presente caso, não revestem um caracter elevado.

TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente e, por via disso:
a) Absolver-se o R.te do crime de burla de que vem acusado; ou, se assim se não entender:
Caso assim não se entenda, deverá a pena ser reduzida, para una pena de 1 ano, suspensa na sua execução.
Decidindo assim, farão V. Exas. a habitual e acostumada JUSTIÇA.”

Na primeira instância, o Digno Magistrado do Ministério Púbico, notificado do despacho de admissão do recurso apresentado pelo arguido BB, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou resposta em que pugna pela confirmação da sentença recorrida (referência ...52).

Formulou as seguintes conclusões:
I. Perante as conclusões do recurso que delimitam o objeto do mesmo as questões a decidir respeitam a saber: 1- Se não estão verificados os elementos do tipo do crime de burla; 2- Se a pena deve ser reduzida para os mínimos legalmente previstos para o de crime burla.
II. Relativamente à primeira questão, entendemos que da matéria de facto dada como provada, nomeadamente dos pontos 1º a 18º, constam todos os elementos objetivos e subjetivos do crime de burla, p. e p. pelo artigo 217º, nº, 1, do Código Penal.
III. No tocante à segunda questão, as exigências de prevenção geral do crime de burla são elevadas atento o bem jurídico ofendido (o património globalmente considerado) e a frequência com que é praticado tal ilícito, o grau de ilicitude é elevado - atendendo a que o arguido aproveitou-se de meios socialmente  aceites pelos cidadãos como relativamente seguros para conseguir ludibriar a ofendida,  defraudando a sua confiança - o arguido atuou com dolo direto e as exigências de prevenção especial são bastante elevadas. Com efeito, o arguido tem catorze antecedentes criminais pela prática do crime de burla (cfr. condenações sofridas nos processos nºs 81/06...., 683/10...., 1162/06...., 477/12...., 74/11...., 477/13...., 275/14...., 7/14...., 157/13.... e 324/14....), um antecedente criminal pela prática de um crime de burla qualificada (cfr. condenação sofrida no processo nº 75/14....), um antecedente criminal pela prática de um crime de burla informática e nas comunicações (cfr. condenação sofrida no processo nº 5404/19....), e três antecedentes criminais pela prática do crime de abuso de confiança (cfr. condenações sofridas nos processos nº 411/09...., 1162/06.... e 70/08....).
IV. Pelo exposto, entendemos que a pena de prisão em que o arguido foi condenado, nomeadamente dois anos de prisão é adequada às exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir e não excede a medida da culpa do Arguido.”
                 
I.3 Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer (referência ...68) em que conclui: «(…) pelas razões aduzidas e aderindo-se à argumentação expendida na sentença e na resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público, considera-se que deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.»

Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP, não foi deduzida resposta ao sobredito parecer.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.

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II – Âmbito objetivo do recurso (questões a decidir):

É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no art. 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (ulteriormente designado, abreviadamente, CPP)[1].

Assim sendo, no caso vertente, as questões que importa decidir são as seguintes:
a) alegado não preenchimento pela factualidade apurada dos elementos objetivos do tipo legal do crime de burla.
b) subsidiariamente, peticionada redução da pena de prisão e suspensão da sua execução.
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III – Apreciação:       

III.1Factualidade dada por provada em primeira instância (transcrição):
           
1. O arguido é titular e habitual utilizador do telefone número ...53.
2. O arguido é o único titular da conta bancária com o IBAN  ...42 desde a data de abertura da mesma, nomeadamente 23-1-2019.
3. No período compreendido entre 23-1-2019 e 7-11-2019, o arguido foi o único titular da citada conta bancária com o IBAN  ...42.
4. Nesse período, o arguido foi utilizador da aplicação MbWay, que permite a transferência imediata de quantias monetárias entre contas bancárias através dos números de telefone que lhes estão associadas; para tanto, o arguido tinha o seu número de telefone ...53 associado à sua conta bancaria com o IBAN  ...42.
5. No ano de 2019 o arguido formulou o plano de criar um anúncio no site ... de venda de um telemóvel de marca ..., modelo ..., 64 GB, pelo preço de €275,00 (duzentos e setenta e cinco euros), de que não era proprietário, de forma a enganar interessados na compra do citado telemóvel - designadamente de lhes fazer crer que o referido telemóvel estava à venda pelo mencionado preço anunciado - e determinarem os interessados à prática de atos que lhes acarretariam prejuízo patrimonial, nomeadamente entregar-lhe quantias monetárias através de transferência bancária para a citada conta bancária com o IBAN  ...42, de que o arguido era titular.
6. Em obediência ao plano previamente elaborado, o arguido, ou terceiro a mando deste, anunciou na internet, através do site ..., durante período não apurado, mas abrangendo o dia 11 de março de 2019, a venda de um telemóvel de marca ..., modelo ..., 64 GB pelo preço de €275,00 (duzentos e setenta e cinco euros), facultando o contacto telefónico ...53.
7. Naquele site constava uma fotografia de um telemóvel de marca ..., modelo ..., 64 GB.
8. A ofendida CC viu o mencionado anúncio e após a troca de mensagens com o arguido – ou com terceiro a mando deste - bem como o estabelecimento de contactos telefónicos para o número de telemóvel ...53, combinou a compra do citado telemóvel pelo preço de €275,00 (duzentos e setenta e cinco euros) e ainda efetuar o pagamento da quantia de €7,90 (sete euros e noventa cêntimos) a título de custos de envio para a habitação da ofendida - sita na rua ..., ..., ....
9. O arguido, ou terceiro a mando deste, disse à ofendida que para finalizar a venda e para lhe enviar o citado telemóvel a ofendida teria de efetuar o pagamento da quantia global de 282,90 (duzentos e oitenta e dois euros e noventa cêntimos) através da aplicação MbWay, para o que forneceu o número de telefone ...53
10. Assim, no dia 12-3-2019, a ofendida, ordenou duas transferências, das quantias de €275,00 (duzentos e setenta e cinco euros) e €7,90 (sete euros e noventa cêntimos) - com recurso ao seu número de telefone ...29 e através da aplicação MBway, para o telefone indicado pelo arguido (ou pessoa que atuou a seu mando), valor esse que veio a ser creditado na conta bancária com o IBAN  ...42 de que o arguido é titular.
11. O número de telefone da ofendida ...29 está associado à conta bancária da ofendida com o NIB  ...65 domiciliada na agência bancária de ... da Banco 1....
12. O arguido não remeteu à ofendida qualquer telemóvel.
13. Por força da atuação do arguido a ofendida ficou lesada na quantia global de €282,90 (duzentos e oitenta e dois euros e noventa cêntimos).
14. O citado montante no valor de €282,90 (duzentos e oitenta e dois euros e noventa cêntimos) ficou na disponibilidade do arguido.
15. O arguido integrou a mencionada quantia no valor de €282,90 (duzentos e oitenta e dois euros e noventa cêntimos) no seu património, não obstante, saber que a mesma não lhe pertencia o que conseguiu através do artifício por ele criado.
16. O arguido fez crer à ofendida que se esta transferisse a quantia global de €282,90 (duzentos e oitenta e dois euros e noventa cêntimos) para a referida conta bancária com o IBAN  ...25 asseguraria a venda do referido telemóvel e diligenciaria pelo seu envio para a morada da ofendida, conseguindo, assim, que fosse depositado o citado montante no valor de €282,90 (duzentos e oitenta e dois euros e noventa cêntimos) na conta bancária de que o arguido era titular o que de outro modo não conseguiria.
17. O arguido atuou com o propósito concretizado de obter benefício económico, que sabia não ser legítimo, bem sabendo que causava prejuízo à ofendida, como causou.
18. O arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
19. data dos alegados factos subjacentes à instauração dos presentes autos, AA residia em
20. ..., juntamente com a companheira, esteticista e um filho desta, menor, estudante, na habitação propriedade da companheira, adquirida através de empréstimo bancário. A dinâmica familiar era marcada pela conflituosidade, a qual se prendia com questões relacionadas com a economia doméstica e utilização dos recursos financeiros por parte do arguido.
21. O arguido integrou o mercado de trabalho no setor da construção civil, junto do progenitor, por volta dos 16 anos de idade, assim que concluiu o 9º ano de escolaridade. Do seu percurso laboral consta o exercício de diversas atividades, na venda de automóveis, em operadoras de televisão e internet e no setor de barbearia. Como complemento ao rendimento mensal, o arguido fazia vendas online, atividades essas, que, não raras vezes, resultaram em insucesso, conduzindo á contração de dívidas que, sucessivamente, tentava colmatar.
22. À data a que reportam os factos que deram origem ao presente processo, trabalhava como barbeiro num salão de cabeleireiro, pertença da mãe da companheira e em horário pós-laboral, frequentava um curso profissional de barbearia. Segundo o próprio, auferia uma média mensal entre 700.00€ e 800.00€.
23. O arguido e a companheira partilhavam as despesas fixas mensais do agregado, nomeadamente cerca de 320.00€, referentes a renda com habitação (220.00€) e outras despesas fixas da casa, tais como energia elétrica, água e gás (100.00€).
24. O arguido, segundo referiu, assegurava ainda a pensão de alimentos dos seus dois filhos menores, fruto de anterior relacionamento, no valor de 200.00€ mensais.
25. Na sequência da conflituosidade, no final do ano de 2019 ocorreu a rutura do relacionamento do casal, tendo AA reintegrado o agregado de origem, constituído pelos progenitores.
26. As divergências que precederam a rutura do relacionamento estiveram na base de um dos confrontos do arguido com o sistema de justiça – o processo n.º 5404/19.... – pela prática de crime de burla informática.    
27. Em termos afetivos, há cerca de três anos, estabeleceu relacionamento com a atual companheira, com quem passou a coabitar cerca de meio ano depois. O arguido trabalhava na construção civil e a companheira encontrava-se desempregada.
28. No início de 2020, AA constituiu a própria empresa, uma barbearia no centro do .... No entanto, na sequência dos constrangimentos financeiros decorrentes da pandemia, cessou a atividade da mesma em junho de 2021. Posteriormente, exerceu atividade por conta própria, no ramo da construção civil, negócio que também resultou em insucesso.
29. Em 2023, exerceu atividade no setor da construção civil na ..., como encarregado/chefe de equipa, atividade da qual, segundo referiu, auferia cerca de 2300.00€ mensais. Segundo o arguido, a entidade laboral assegurava as despesas de alimentação e alojamento. A companheira exercia como empregada de limpezas, da qual auferia valores entre 1400.00€ e 1500.00€. Estes rendimentos asseguravam as despesas fixas, apontadas no valor de cerca de 250.00€ e pensão de alimentos dos filhos menores (200.00€).
30. Contudo, a atividade laboral do arguido foi suspensa atendendo às más condições climatéricas do país e o casal regressou a Portugal no final de 2023 e integrou o agregado de origem da companheira do arguido, constituído pela progenitora desta, um tio e a sua avó materna, viúva, sita na Av. ... ... na freguesia ..., do concelho ..., onde se encontra atualmente. É nesta morada, que AA cumpre pena de prisão em regime de permanência na habitação desde ../../2024, à ordem do processo n.º 5404/19.....
31. O arguido mantém relação cordial com os elementos do agregado, contando com o seu apoio, principalmente da companheira.
32. Uma vez que está confinado à habitação, em cumprimento de pena de prisão em regime de permanência na habitação, prevendo-se o termo da pena para agosto de 2024, o arguido abriu atividade e passou a fazer vendas online de roupa, por forma a adquirir algumas quantias monetárias, auferindo, em média, segundo refere, valores entre os 500.00€ e os 600.00€ mensais.
33. A mãe e o tio da companheira do arguido encontram-se desempregados, segundo descrito a beneficiar de RSI no valor de 110.00€, dependendo economicamente da avó da companheira, que beneficia de pensão de reforma no valor de 440.00€ mensais.
34. Com este valor asseguram as despesas da casa, apontadas no valor de cerca de 456.03€, referentes a renda com habitação (250.00€), energia elétrica (156.03), água (20.00) e telefone 30.00€).
35. No meio sociocomunitário de residência, o arguido é referenciado como cordial nas interações que estabelece, sendo, todavia, referenciado pelos vários confrontos com o sistema de justiça que tem tido ao longo do seu percurso de vida.
36. O arguido regista antecedentes criminais, por crimes de burla simples e qualificada, emissão de cheques sem provisão, falsificação ou contrafação de documentos, abuso de confiança e falsificação de boletins, atas ou documentos, tendo sido condenado em penas de multa, penas de prisão simples e substituída por multa, com sujeição a regras de deveres, com regime de prova e penas de prisão efetivas, extintas por cumprimento.
37. No presente, encontra-se indiciado por alegados crimes de burla, furto qualificado e falsificação de documentos, no âmbito do processo n.º 40/21.... e 448/22...., a correr termos no tribunal de ... e ....
38. Em caso de condenação considera-se que a intervenção deverá contemplar a
39. consciencialização, por parte do arguido, do desvalor da conduta em causa, por forma a que o mesmo adote um estilo de vida balizado por princípios de convencionalidade e respeito pelos princípios mínimos jurídicos.
40. Apresenta os seguintes registos no CRC
 Por decisão transitada em julgado em 18-01-2010, foi o arguido condenando no processo 81/06...., pela prática em 17-11-2006 de 1 crimes(s) de burla simples p.p. pelo art.º 217º, nº1 do c. penal e 1 crimes(s) de falsificação de boletins, actas ou documentos p. p. pelo artº256.º, nº1 al. a), b) e c) e n.º3 do c. penal, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de 7,00, que perfaz o total de 1.750,00 euros, já declarada extinta pelo cumprimento.
 Por decisão transitada em julgado em 04-02-2012, foi o arguido condenado no processo 956/07...., pela prática em 29-11-2007, de 1 crimes(s) de emissão de cheque sem provisão p.p. p/ art.º 11º, n.º 1 do d.l. nº 454/91, de 28/12, na redacção dada p/ d.l.nº 316/97 de 19/11, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 5,00, que perfaz o total de 500,00 euros, já declarada extinta pelo cumprimento.
 Por decisão transitada em julgado em 25-02-2011, foi o arguido condenado no processo 98/07...., pela prática em 15-10-2007 de 1 crimes(s) de falsificação ou contrafação de documento p.p. pelo art.º 256º do c. penal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 8,00, que perfaz o total de 1.440,00 euros, já declarada extinta pelo cumprimento.
 Por decisão transitada em julgado em 17-11-2011, foi o arguido condenado no processo 683/10...., pela prática em 07-09-2009, de 1 crimes(s) de burla simples p.p. pelo art.º 217º, n.º 1, do c. penal, na pena de prisão suspensa com a condição de o arguido pagar ao ofendido, nesse período de tempo, a quantia de € 4.750,00, demonstrando-o nos autos, já declarada extinta pelo cumprimento;
 Por decisão transitada em 15-02-2012, foi o arguido condenado no processo 411/09...., pela prática em 17-03-2009, de 1 CRIMES(S) de abuso de confiança p.p. pelo art.º 205º do c. penal, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de 6,00, que perfaz o total de 1.500,00 euros; já declarada extinta pelo cumprimento.
 Por decisão transitada em 14-01-2013, foi o arguido condenado no processo 145/11...., pela prática em 16-02-2011 de 1 CRIMES(S) de emissão de cheque sem provisão p.p. pelo art.11.º, n.º 1, al. a), do dec. lei n.º 454/91, de 28 de dezembro, na pena de prisão suspensa sob a condição do pagamento à ofendida DD, no prazo de 6 meses a contar do trânsito em julgado da decisão condenatória da quantia de 497,80? que lhe é atribuída na decisão do pic por si deduzido nos autos, já declarada extinta pelo cumprimento.
 Por decisão transitada em julgado em 05-05-2014, foi o arguido condenado no processo 614/10...., pela prática em 22-10-2010 de 1 crimes(s) de emissão de cheque sem provisão pp: art. 11º, n.º 1 al. b) e n.º 2 do dl nº 454/91 de 28/12 com a redacção dada pelos dl 316/97 de 19/11, 323/2001 de 17/12 e 83/2003 de 24/04 e pela lei nº 48 /2005 de 29/08 e, na pena de 12 meses e 0 dias de prisão, suspensa por 0 anos, 12 meses e 0 dias, já declarada extinta pelo cumprimento;
 Por decisão transitada em julgado em 28-01-2014, foi o arguido condenado no processo 1162/06...., pela prática em 2006 de 3 crimes(s) de falsificação de boletins, actas ou documentos p. p. pelo artº 256º, n.ºs 1, als. a) e c) e 3 do c. penal, 1 crimes(s) de abuso de confiança p.p. pelo art.º 205º, nº 1 e 4, al. a) do c. penal e 3 crimes(s) de burla simples p.p. pelo art.º 217º, nº 1 do c. penal na pena de anos, 6 meses e 0 dias de prisão, suspensa por 3 anos, 6 meses e 0 dias, com regime de prova, já declarada extinta pelo cumprimento.
 Por decisão transitada em 03-11-2014, foi o arguido condenado no processo 70/08...., pela prática em 15-03-2008, de 1 crimes(s) de abuso de confiança, p.p. pelo art.º 205º do c. penal, na pena de 1 anos, 0 meses e 0 dias de prisão, suspensa por 1 anos, 0 meses e 0 dias, já declarada extinta pelo cumprimento.
 Por decisão transitada em 12-11-2014, foi o arguido condenado no processo 477/12...., pela prática em 16-02-2012, de 1 crimes(s) de burla simples p.p. pelo art.º 217º, n.º 1 do c. penal e 1 crimes(s) de burla simples p.p. pelo art.º 217º, n.º 1 do c. penal, na pena de 15 meses e 0 dias de prisão, suspensa por 0 anos, 15 meses e 0 dias subordinada à condição de pagar, no prazo de 6 meses, ?300,00 ao ofendido EE e ?200,00 à ofendida FF.
 Por decisão transitada em 13-04-2015, foi o arguido condenado no processo 74/11...., pela prática em 10-02-2011 de 1 CRIMES(S) DE burla simples p.p. pelo art.º 217º do c. penal, na pena de meses e 0 dias de prisão, suspensa por 1 anos, 0 meses e 0 dias subordinada à entrega ao ofendido da quantia de trezentos euros no prazo de 3 meses, já declarada extinta pelo cumprimento;
 Por decisão transitada em 15-01-2015, foi o arguido condenado no processo 477/13...., pela prática em 17-04-2013, de 1 crimes(s) de burla simples p.p. pelo art.º 217º do c. penal e 2 crimes(s) de burla simples p.p. pelo art.º 217º do c. penal, na pena de 18 meses e 0 dias de prisão, suspensa por 0 anos, 18 meses e 0 dias que ficará subordinada ao pagamento da quantia fixada a titulo de indemnização ao ofendido GG, no montante de ?650,00, acrescido de juros legais, e ao ofendido HH, no montante de ?160,00, durante o prazo de suspensão, devendo comprovar nos autos tal pagamento, nos termos do art.º 50º, n.º 2 e 51º, n.º 1, al. a) do código penal., já declarada extinta pelo cumprimento;
 Por decisão transitada em 02-02-2015, foi o arguido condenado no processo 95/13...., pela prática em 02-2013, de 1 crimes(s) de falsificação de boletins, actas ou documentos p. p. pelo artº 256º, nº1, al. a), e nº3, do código penal na pena de 1 anos, 0 meses e 0 dias de prisão, substituída por 360 dias de multa, à taxa diária de 8,00, que perfaz o total de 2.880,00 euros, já declarada extinta pelo cumprimento.     
 Por decisão transitada em 27-09-2016, foi o arguido condenado no processo 275/14...., pela prática 04-01-2014, de 1 CRIMES(S) DE BURLA SIMPLES P.P. PELO Art.º 217º, N.º 1 DO C. PENAL na pena de 18 MESES E 0 DIAS DE PRISÃO;
 Por decisão transitada em 07-03-2016, foi o arguido condenado no processo 23/11...., pela prática em 21-01-2011, de 1 crimes(s) de falsificação ou contrafacção de documento p.p. pelo art.º 256º, nº1, als. a) e e) do c. penal, na pena de meses e 0 dias de prisão, suspensa por 1 anos, 0 meses e 0 dias, já declarada extinta pelo cumprimento;
 Por decisão transitada em 07-07-2016, foi o arguido condenado no processo 7/14...., pela prática em 25-09-2013, de 1 crimes(s) de burla simples p.p. pelo art.º 14º, 26º e 217º, n.º 1 do c. penal, na pena de 24 meses e 0 dias de prisão, suspensa por 0 anos, 24 meses e 0 dias subordinada ao cumprimento do dever de, no prazo de 12 (doze) meses a contar do trânsito em julgado, entregar à vítima a quantia de 500,00 (quinhentos euros), apresentando comprovativo da entrega desse montante nos autos até final desse período.
 Por decisão transitada em julgado em 02-02-2017, foi o arguido condenado no processo 157/13...., pela prática em 15-09-2013, de 1 crimes(s) de burla simples p.p. pelo art.º 217º do c. penal, na pena 20 meses e 0 dias de prisão;
 Por decisão transitada em 02-07-2016, foi o arguido condenado no processo 324/14...., pela prática em 19-06-2014 de crimes(s) de burla simples p.p. pelo art.º 217º, n.º 1 do c. penal, na pena de 2 anos, 0 meses e 0 dias de prisão, suspensa por 2 anos, 0 meses e 0 dias, já declarada extinta pelo cumprimento;
 Por decisão transitada em 26-01-2017, foi o arguido condenado no processo 75/14...., pela prática em 07-11-2013, de crimes(s) de burla qualificada p.p. pelos art.ºs 217º e 218º, n.º 2, al. b), ambos do c. penal e 1 crimes(s) de uso de documento de identificação ou de viagem alheio p.p. pelo art.º 261º nº 1 do c. penal em cúmulo jurídico, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova, já declarada extinta pelo cumprimento.
 Por acórdão cumulatório transitado em julgado em 26-01-2018, foi o arguido condenado no processo 75/14...., na pena de 3 anos, 0 meses e 0 dias de prisão, já declarada extinta pelo cumprimento.
 Por decisão transitada em 27-11-2020, no processo 1142/16...., foi declarada cumprida e extinta, com efeitos reportados a 22/11/2019, a pena de prisão aplicada no processo n.º 1205/17...., ao acima identificado, assim se convertendo em liberdade definitiva a liberdade condicional anteriormente concedida, a surtir efeitos a partir de 27/11/2020.
 Por decisão transitada em 08-02-2024, foi o arguido condenado no processo 5404/19...., pela prática em 16-10-2019, de 1 crimes(s) de burla informática e nas comunicações p.p. pelo art.º 221º, n.º 1 do c. penal, na pena de 6 meses e 0 dias, com autorização expressa para o arguido se ausentar para desenvolver atividade profissional, em horário a definir, com fiscalização por meios de controlo à distância, nos termos do artigo 43º, nº1, al. a), nº2 e 3 do c.p.
 Por decisão transitada em 29-02-2024, foi o arguido condenado no processo 40/21...., pela prática em 11-11-2021, de 1 crimes(s) de falsificação ou contrafacção de documento p.p. pelos artigos 13.º 14.º, n.º 1 26.º, 1.ª parte 255.º, alínea a) e 256º, n.º 1, al. d) do c. penal, na pena de anos, 6 meses e 0 dias de prisão, suspensa por 1 anos, 6 meses e 0 dias sujeita ao cumprimento de dever, nos termos do disposto no artigo 51.º, n.º 1, alínea e) do código penal, nomeadamente: - condena o arguido na entrega da quantia de ?400,00 (quatrocentos euros) aos bombeiros voluntários do ..., durante o primeiro ano da suspensão, o qual deverá ser comprovado nos presentes autos durante esse período (primeiro ano).”

III.2 – Conhecimento das questões suscitadas no recurso:

III.2.1 – Subsunção jurídica dos factos – a criação do engano mediante astúcia do agente:

A este propósito, alega o arguido/recorrente AA, em síntese [conclusões 1ª a 15ª]: 

- O arguido apenas se limitou a abrir uma conta na plataforma do ... e a criar um anúncio a divulgar a venda de determinado bem, in casu, um telemóvel e juntar algumas fotografias do mesmo, processo este que não exige astúcia, antes pelo contrário, trata-se de um processo extremamente simples e rápido.
- O que está em causa nestes autos não é, pois, uma "mentira qualificada", um engodo que exija um especial conhecimento técnico e, neste caso, informático, uma especial astúcia.
- É do conhecimento do homem médio, que os riscos inerentes à realização de negócios em meios nos quais não existe nenhum controlo do perfil dos utilizadores/potenciais contraentes, nem mediação por parte da empresa da qual disponibiliza a plataforma, in casu, o ..., são elevados, de tal modo que as plataformas, através de inúmeros avisos, tentam alertar os possíveis contraentes dos mesmos.
- A ofendida não diligenciou de forma a apurar se o referido bem existia. E não se acautelou recorrendo a outras vias de forma a garantir que iria obter a contrapartida da sua prestação, tais como recurso à via Correios à cobrança ou até à entrega em mão da quantia pecuniária e o recebimento da contraprestação.
- Não há erro nem engano quando o queixoso não procede com a diligência mínima que lhe é exigível no tráfego comercial.
Em conclusão, considera o recorrente que não estão verificados os elementos do tipo do crime de burla, peticionando a sua absolvição.

Apreciando.

Preceitua o art. 217º, nº1 do Código Penal (doravante designado CP) que “quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
São elementos típicos constitutivos deste crime:
- Elementos objetivos:
» que o agente, actuando astuciosamente, induza em erro ou engano outrem; e
» que através desses meios, adequadamente, determine o ofendido à prática de actos causadores de prejuízos patrimoniais.
- Elemento subjetivo: estamos perante um tipo legal que exige, para além do dolo genérico em relação a todos os elementos fácticos do tipo, o denominado dolo específico (elemento subjetivo adicional), isto é, a particular intenção do agente de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo.
A burla reconduz-se a um crime de dano, pois só se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infração ou de terceiro.
É ainda um crime de resultado parcial ou “cortado”, uma vez que apesar de se exigir, ao nível do elemento típico subjetivo, que o agente atue com a intenção de obter, para si ou para outrem, um enriquecimento ilegítimo, a consumação do crime não depende da concretização de tal enriquecimento, bastando para tanto, ao nível do elemento típico objetivo, que se observe o empobrecimento ou dano patrimonial da vítima – assim, A.M. Almeida Costa, in “Comentário do Código Conimbricense”, Parte Especial, Tomo II, p. 277.
O ilícito criminal de burla consubstancia um delito de execução vinculada, porquanto a lesão do património da vítima tem de decorrer forçosa e diretamente de um comportamento do sujeito ativo legalmente tipificado, delimitado. É necessário, destarte, que o agente recorra a um meio enganoso destinado (e adequado) a induzir outrem num erro que, por sua vez, leve este a praticar atos de que resultam prejuízos patrimoniais para si ou para um terceiro.
Trata-se do denominado duplo nexo de imputação objetiva, ou seja, a consumação da burla implica que haja um nexo causal entre a conduta do agente e o engano do sujeito passivo e, por outro lado, entre este estado de erro e a prática pelo burlado de atos conducentes à verificação do dano patrimonial, para si ou para outrem[2].    

O advérbio de modo “astuciosamente” reportado ao comportamento do agente que conduz ao erro ou engano do burlado «(…) comporta a manipulação de outra pessoa, caracterizando-se por uma sagacidade ou penetração psicológica que combina a antecipação das reações do sujeito passivo com a escolha dos meios idóneos para conseguir o objetivo em vista. Por outro lado, a experiência de todos os dias revela que, longe de envolver, de fora inevitável, a adoção de processos rebuscados ou engenhosos, aquela sagacidade comporta uma regra de “economia de esforço”, limitando-se o burlão ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima. Numa tal adequação de meios – adequação essa que, atentas as particularidades do caso, pode encontrar o “ponto ótimo” no menos sofisticado dos procedimentos – radica, em suma, a inteligência ou astúcia que preside ao estereótipo social da burla e, sob pena de um divórcio perante as realidades da vida, tem de subjazer à fattispecie do nº1 do art. 217º. (…) a idoneidade do meio enganador utilizado pelo agente afere-se tomando em consideração as características do concreto burlado » [negrito nosso] – A. M. Almeida Costa, ob. cit., p. 298.  
Como se assinala no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.12.2017, Processo mº 460/15.5PAMAI, relator Pedro Vaz Pato, disponível em www.dgsi.pt, «De acordo com uma fórmula corrente na doutrina e jurisprudência, as simples dissimulações ou mentiras, mesmo reiteradas, não podem constituir o artifício fraudulento, característico da burla, se não se lhes juntar algum facto exterior, ou ato material, ou alguma encenação (mise em scène) ou intervenção de terceiro, destinadas a dar-lhes força e crédito. Esse artifício fraudulento (ou ardil) constitui a astúcia a que se refere a definição do tipo de crime de burla no artigo 217.º, n.º 1, do Código Penal.»
A propósito da necessidade de adequação da conduta do agente à causação do erro ou engano da vítima (que, por sua vez, causalmente conduz à prática de atos patrimonialmente danosos), se pronunciou também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.12.2006, Processo nº 06P3383, relator Armindo Monteiro, disponível em www.dgsi.pt, nos seguintes sumariados termos:
«IV - No essencial, em qualquer destes momentos está presente a teoria da adequação, que se prende com o valor ou conteúdo comunicacional entre os sujeitos, em ordem à definição do domínio do erro jurídico-penalmente relevante.
V - A pedra de toque para aferir e inferir tal adequação assenta no princípio da boa fé, cujo uso permite distinguir e autonomizar situações: se no caso concreto a sucumbência ao erro viola ou não as regras daquele princípio, seja por palavras ou declarações expressas descrevendo uma falsa representação da realidade, seja por actos concludentes, seja por omissão.
VI - Na burla assiste-se a um dispositivo de estratagemas, à organização de enganos, a um certo cenário (mise-en-scène) que tem por fim dar crédito à mentira e enganar terceiros.
VII - O que verdadeiramente distingue o dolo civil do dolo criminal, na esteira de Chauveau e Hélie - citados por Beleza dos Santos, RLJ, Ano 76, n.º 2760, 1943, pág. 275 - é que no dolo civil se compreendem as manhas e artifícios que, embora, de per si, censuráveis, são no entanto empregados, menos com o intuito de prejudicar outrem, do que no interesse de quem faz uso deles. É nessa categoria que se vêm a integrar os actos mentirosos nos
contratos, o exagero do preço ou das qualidades do objecto da venda.

VIII - A lei penal não atingiu essa imoralidade; o dolo criminal não se manifesta somente pela simulação, pela manha, pois na burla procura-se enganar, enredar, prejudicar terceiros.
IX - A astúcia é algo que acresce à mentira, à dissimulação, ao silêncio, com carácter artificioso, reforçado habilmente com factos, atitudes e aproveitamento de circunstâncias que a tornem particularmente credível.
X - A astúcia é um meio de enganar, com especial habilidade, direccionada ao aproveitamento ou mesmo criação de condições que lhe confiram particular credibilidade.
XI - O embuste não tem que ser sofisticado, rebuscado, altamente engenhoso, só apreensível por pessoas superiormente dotadas, deixando sem protecção o cidadão medianamente inteligente, pois o que se pretende é que, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, seja idóneo a enganar a boa fé da vítima, de modo a convencê-la a praticar actos em seu prejuízo, limitando-se ao que se torna necessário ao seu objectivo.»
O bem jurídico protegido pela norma incriminadora é o património.

Volvendo ao caso vertente.

Considerando a matéria de facto dada por provada em primeira instância e não sindicada por via do presente recurso, entendemos que a mesma contém a factualidade imprescindível ao preenchimento da tipicidade objetiva do crime de burla imputado ao arguido AA, nomeadamente no que concerne ao elemento consistente na utilização de “astúcia” para, adequadamente, ludibriar a ofendida CC.
O arguido não se limitou a mentir quando publicitou para venda na plataforma digital de classificados “...” o telemóvel em apreço, como se detivesse direito de alienação sobre o mesmo e intenção de o vender a terceiros pelo preço anunciado, quando na realidade tal bem não lhe pertencia e inexistia para venda.
O arguido pretendeu unicamente convencer terceiros, potenciais interessados na aquisição do publicitado telemóvel, a transferirem para a sua conta bancária o montante monetário correspondente ao suposto preço do mesmo, para dele indevidamente se apropriar, causando o respetivo prejuízo patrimonial ao pretenso “comprador”, criando para tal um cenário virtual, uma falsa representação da realidade, capaz de convencer o comum das pessoas, incluindo a ofendida CC, de que ele era proprietário do equipamento telefónico em questão ou, pelo menos, possuía poder legal para vendê-lo, e de que, em concretização desse negócio de compra e venda, mediante o recebimento do preço, iria proceder à sua entrega à adquirente.
Dessarte, o arguido, com manha, utilizou um site na internet para anunciar a suposta venda, sabendo que imensos eram os utilizadores da plataforma usada, de âmbito mundial, que estes habitualmente confiam no seu funcionamento e que, contrariamente ao que sucede numa lógica física, estão impossibilitados de confirmar a existência física do bem, pelo que o sucesso das transações ali realizadas assenta sobremaneira na boa-fé dos intervenientes (anunciantes e compradores).
Ademais, para reforçar a falsa ideia de que dispunha para venda do concreto telemóvel anunciado (que não existia) e de que concretizaria o negócio, entregando-o ao comprador, quando este liquidasse o respetivo preço, o arguido fez acompanhar o anúncio de uma fotografia de um telemóvel como se daquele se tratasse, forneceu um número telefónico para contactos dos eventuais interessados e estabeleceu efetivos contactos com a ofendida, mediante troca de SMS e conversas telefónicas, em que combinaram os termos da compra, que incluíam a cobrança da quantia de € 7,90 a título de alegados custos de envio do bem para a morada da ofendida – cf. factos descritos nos pontos 5 a 9 dos factos provados.
Os preditos factos externos vão além de uma simples mentira a respeito da intenção de cumprimento da obrigação de entrega do bem vendido, antes dão consistência e credibilidade a tal declaração falsa. Devem, por isso, ser considerados integrantes da “astúcia” ou do “ardil”.
Em suma:
A ofendida só efetuou o pagamento antecipado do preço do telemóvel em causa porque estava convencida de que o proclamado vendedor, o arguido, porque tinha tal intenção, após cobrança do preço procederia à entrega da coisa à compradora. Ora, estando comprovado que o arguido nunca teve essa intenção, é óbvio que a ofendida CC, ao pagar o dito preço, foi determinada a fazê-lo devido ao erro a esse respeito em que incorreu.
Concomitantemente, tal erro foi, nos sobreditos termos, sagazmente provocado pelo arguido.
Acresce que a ajuizada conduta do arguido não se revela incapaz de, em regra, enganar a generalidade das pessoas nem a atitude da ofendida pode ser considerada absolutamente leviana ou ingénua, de modo a afastar a verificação do necessário nexo de causalidade entre o comportamento do agente a “auto lesão” do património infligida pela vítima, tanto mais que, reitera-se, a ratio da norma incriminadora visa punir condutas desleais tomadas no comércio jurídico que atentem, com inadmissível carga, contra o princípio da confiança e os ditames da boa fé que devem imperar no domínio das relações comerciais.    
Concluindo:
No presente caso, atenta a factualidade apurada, é inequívoco que o arguido/recorrente cometeu o crime de burla que lhe foi imputado, já que, visando obter para si um enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou - fazendo a ofendida erroneamente acreditar que lhe estava a disponibilizar uma quantia monetária como contrapartida da aquisição de um telemóvel, que lhe iria ser fisicamente disponibilizado -, levou a ofendida à prática de ato que lhe causou prejuízo patrimonial, no valor global de € 282,90, pois, ao contrário do que ardilosamente lhe fez crer, não pretendia, desde o início, entregar-lhe o suposto telemóvel.
Ficou ainda demonstrado que o arguido/recorrente «atuou com o propósito concretizado de obter benefício económico, que sabia não ser legítimo, bem sabendo que causava prejuízo à ofendida, como causou» e que «agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal» - factos provados nos nºs 17 e 18.
Estão, assim, integralmente preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime de burla imputado ao recorrente, para além do respetivo tipo de culpa, sendo certo que, além do mais, se mostra verificada a existência de erro ou engano e, ainda, o necessário nexo de causalidade entre esse equívoco e a prática dos atos de que decorreram os prejuízos patrimoniais para a ofendida, elemento indispensável para o preenchimento do tipo objetivo do crime de burla.
Destarte, nenhuma censura merece a decisão do Tribunal a quo por ter condenado o arguido/recorrente pela prática do referido crime, improcedendo este fundamento do recurso.

III.2.2 – Dosimetria e espécie da pena:    

Neste segmento recursório, o arguido AA alega que «Dos factos dados como provados retira-se que o grau de ilicitude não é de modo algum elevado - as necessidades de prevenção especial e geral, no presente caso, não revestem um caracter elevado» [conclusão 17ª], pelo que «deverá a sua pena ser reduzida para os mínimos legalmente previstos para este tipo de crime» [conclusão 16ª].
No pedido, requer, subsidiariamente (caso não seja decidida a sua absolvição), seja reduzida a pena para um ano de prisão, suspensa na sua execução. 
No corpo motivador, o arguido limitou-se a alegar:
 «Assim, parece-nos que a pena imposta ao ora recorrente peca por excessiva e a manter-se (com o que não se concorda), deve ser reduzida para as medidas que se aproximam dos respetivos limites mínimos no crime aqui em apreço. Porquanto a que lhe foi aplicada se considera desadequada.
Parece-nos que a pena aplicada deverá ser reduzida, para uma pena de um ano, suspensa na sua execução.»
Vejamos.
Pela prática, como autor material, de um crime de burla, p. e p. pelo art. 217º, nº1, do CP, face à moldura abstrata da pena de prisão de um mês a três anos, o Tribunal recorrido condenou o arguido na pena de 2 (dois) anos de prisão (efetiva).
Nos termos do art. 50º, nº1, do aludido diploma legal, “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”. O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos (nº5).

Preceitua o art. 412º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal:

“1 – A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
2 – Versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e
c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.”
Como refere o Exmo. Juiz Conselheiro Sérgio Gonçalves Poças, ibidem, p. 23, «(…) só o recorrente sabe do que discorda e por que razão discorda. Ora, se assim é e é, de forma clara e completa, está onerado a dizer a discordância, e das suas razões, de facto e de direito. Na verdade, se o recurso pretende remediar o mal feito, desde logo, o recorrente está onerado a identificar devidamente o mal da decisão e as razões por que é mal. Sejamos claros: o Tribunal de recurso só pode apreciar a razão do recorrente se este for claro nas razões da sua razão.» 
No caso vertente, pelo seu carácter vago, genérico e conclusivo, a motivação do recurso não respeita os requisitos vertidos nos nºs 1 e 2, al. b) do art. 412º do CPP. 
O arguido/recorrente omite em absoluto na motivação, quer nas alegações quer nas conclusões, as concretas razões de facto do pedido, e qual a interpretação que o tribunal recorrido fez das normas que aplicou, em detrimento da que, no entendimento do recorrente, devia ter sido adotada.
O recorrente não aponta à fundamentação do Tribunal recorrido qualquer erro na apreciação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis às operações de determinação da medida concreta e escolha do tipo da pena; antes pretende, ilegitimamente, substituir-se ao Tribunal no julgamento da causa no que concerne à pena a aplicar-lhe, sem que, contudo, decorra percetível do arrazoado o concreto motivo pelo qual deve prevalecer o seu entendimento.
Primeiramente, o recorrente não concretiza minimamente quais o grau de ilicitude e as necessidades de prevenção geral e especial que se verificam in casu e com que fundamentos factuais, se são por si percecionados de modo distinto do Tribunal a quo e, se sim, como deviam ter sido valorados.
Assim, pretende atacar a medida da pena aplicada pelo tribunal recorrido, por considerá-la excessiva, e vê-la substituída por outra menor, apresentando para o efeito fundamentos genéricos, factualmente descarnados, declarando a sua divergência quanto à decisão tomada em primeira instância sem, contudo, materializar, de facto e de direito, qualquer razão para tanto.  
O recorrente não concretiza minimamente qual o erro de valoração cometido pela Exma. julgadora no que tange aos critérios de determinação da medida concreta da pena, isto é, não diz como foram concretamente valoradas as circunstâncias agravantes e atenuantes previstas no nº2 do art. 71º do CP, as exigências preventivas, geral e especial, a finalidade de reintegração social do arguido, sempre balizadas pela culpa vertida no facto (cfr. arts. 40º, nºs 1 e 2, e 71º, nº1, do mesmo diploma legal), e como se devia antes ter processado essa valoração, ou se alguma ou algumas circunstâncias foram indevidamente desconsideradas na decisão.
Por outro lado, o recorrente peticiona a suspensão da execução da pena de prisão a aplicar, mas de modo absolutamente infundamentado, nomeadamente quanto à imperiosa verificação do pressuposto material desta pena de substituição.
Na verdade, nada argumenta o recorrente, de facto e de direito, com base na sua personalidade e nas circunstâncias do facto, relativamente à possibilidade de formulação de um prognóstico favorável quanto ao seu comportamento futuro, com vista ao pretendido afastamento da prática de ilícitos criminais, e de como a visada suspensão não colide com as finalidades punitivas, designadamente de defesa do ordenamento jurídico.
Assim, neste conspecto, o recurso não encerra fundamentação suscetível de infirmar o juízo emitido pelo tribunal a quo de inaplicabilidade no caso da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão cominada.   
Ora, como é consabido, o recurso não implica um segundo julgamento a efetuar pelo Tribunal ad quem, antes consubstancia um mero «remédio jurídico» tendente a corrigir eventuais erros do Tribunal a quo, lapsos esses que devem ser concretamente identificados pelo recorrente (ou oficiosamente reparados pelo Tribunal superior, quando a lei permite o conhecimento oficioso dos respetivos vícios, e que in casu, compulsada a douta decisão recorrida não se lobrigam).
Por conseguinte, concluímos que a “motivação” recursória apresentada impede este tribunal ad quem de formular um juízo crítico sobre a deliberação de determinação da medida da pena de prisão realizada em primeira instância e da sua não substituição, traduzindo-se verdadeiramente numa ausência de motivação, que gera a manifesta improcedência do recurso e, consequentemente, nesta parte, a sua rejeição, o que infra se declarará – cf. art. 420º, nº1, alínea a), do Código de Processo Penal.
*
Em suma, improcede in totum - e em parte manifestamente - o recurso deduzido pelo arguido, devendo manter-se inalterada a douta sentença recorrida.
*
IV – Dispositivo:

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em:

IV.1 – Rejeitar, por manifesta improcedência, o recurso interposto pelo arguido AA no que concerne às peticionadas redução da pena de prisão cominada e suspensão da sua execução (cf. art. 420, nº1, alínea a), do Código de Processo Penal);

IV.2 – Quanto ao mais, negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA;

IV.3 – Em consequência, manter integralmente a sentença recorrida.
 
Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (arts. 420º, nº3, 513º, nº1 e 514º, todos do CPP, arts. 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, todos do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo), sem prejuízo da proteção jurídica nessa modalidade de que eventualmente beneficie.

Notifique (art. 425º, nº6, do CPP).
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Guimarães, 14 de janeiro de 2025,
                                                                                                          Paulo Correia Serafim (Relator)
[assinatura eletrónica]
Anabela Varizo Martins (1ª Adjunta)
[assinatura eletrónica]
Júlio Pinto (2º Adjunto)
[assinatura eletrónica]

(Acórdão processado e integralmente revisto pelo relator, com recurso a meios informáticos – cfr. art. 94º, nº 2, do CPP)


[1] Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, UCE, 2008, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1030 e 1031; M. Simas Santos/M. Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2004, p. 696; Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 335; o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que mantém atualidade.
[2] Distanciamo-nos aqui do entendimento vertido por Almeida Costa na obra citada (p. 293) de que o primeiro nexo corresponde desde logo à ligação “umbilical” entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de atos tendentes a uma diminuição do património (próprio ou alheio) e o segundo, ulterior, se estabelece entre os últimos e a efetiva verificação do prejuízo patrimonial, por considerarmos que, com o devido respeito, face à letra da lei e respetivo tipo legal, esta subdivisão reportada à parte final do processo delituoso é artificiosa e redundante.