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PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
ACÇÃO DE VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS
ENCERRAMENTO DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
INSUFICIÊNCIA DA MASSA INSOLVENTE
OPOSIÇÃO AO ENCERRAMENTO
EFEITOS DO ENCERRAMENTO
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE
FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário
I. Quando a lei se refere, no art.º 233.º, n.º 2, al. b) e n.º 4, do CIRE, aos processos de verificação de créditos, abrange desse modo, quer os instaurados nos termos dos art.ºs 128.º e seguintes do CIRE, quer os instaurados nos termos dos art.ºs 146.º e seguintes do CIRE, uma vez que não distingue entre uns e outros (nomeadamente, para incluir uns e excluir outros da sua previsão) e ambos visam esse preciso efeito (de «verificação de créditos»).
II. Quando o encerramento do processo de insolvência ocorrer antes do rateio final, somam-se aos efeitos gerais do encerramento efeitos específicos, os quais, relativamente aos processos de verificação de créditos, determinam ope legis a extinção da respectiva instância, excepto se tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no art.º 140.º do CIRE (prosseguindo então até final o recurso que dela já tenha sido interposto).
III. Esta extinção da instância (por impossibilidade superveniente da lide) de processo de verificação de créditos promovido por anterior trabalhador do insolvente não viola o art.º 20.º, n.º 1, da CRP (acesso ao direito e aos tribunais para defesa de direitos e interesses legítimos), uma vez que a lei estabeleceu o recurso ao Fundo de Garantia Salarial como outro meio legal de satisfação de tais créditos, bastando para o efeito a certificação de terem sido reclamados no processo de insolvência, ou por apenso ao mesmo.
Texto Integral
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.ª Adjunta - Maria Gorete Morais.
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ACÓRDÃO
I - RELATÓRIO 1.1.Decisão impugnada 1.1.1. No dia 10 de Julho de 2024 EMP01..., Unipessoal, Limitada, com sede residente na Rua ..., Edifício ..., Loja ..., em ..., ..., propôs um processo especial de insolvência, pedindo que
· fosse declarada a insolvência dela própria.
Alegou para o efeito, em síntese, que, dedicando-se à embalagem de produtos têxteis para terceiros, e tendo as empresas que os produziam visto decrescer o seu volume de vendas com a pandemia de Covid 19 e a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, viu comprometido o êxito da sua actividade; e, por isso, encerrou definitivamente o seu estabelecimento no verão de 2023, despedindo todos os seus trabalhadores.
Mais alegou que, tendo um passivo de cerca de € 16.000,00, possuía apenas material de escritório básico e obsoleto, de valor não superior a € 1.000,00; e ter suspendido o pagamento de todas as suas obrigações vencidas. 1.1.2. No dia 11 de Julho de 2024 foi proferida sentença (que aqui se dá por integralmente reproduzida), declarando a insolvência da Requerente (EMP01..., Unipessoal, Limitada), fixando em 30 dias o prazo de reclamação de créditos, fixando em 60 dias o prazo para o Administrador da Insolvência apresentar o relatório a que alude o art.º 155.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[1] e, caso nele se pronunciasse pelo encerramento do processo, cometendo-lhe a sua notificação à Insolvente (EMP01..., Unipessoal, Limitada) e aos seus credores, para exercerem o respectivo direito de contraditório sobre essa proposta de encerramento, e não declarando desde logo aberto o incidente de qualificação da insolvência, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Dispõe o art.º 1.º do CIRE que “o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem por finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente”. Por sua vez, de acordo com o art.º 3.º, n.º 1 do CIRE, “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”. E, nos termos do art.º 28.º do CIRE, a apresentação à insolvência por parte do “devedor implica o reconhecimento por este da sua situação de insolvência”. (...) Pelo exposto: 4.1. declara-se insolvente EMP01..., Unipessoal, Ld.ª, NIPC ...99, com sede na Rua ..., Edifício ..., Loja ..., ... ... [art.º 36.º, n.º 1, al. b) do CIRE]; (…) 4.8. fixa-se em 30 [trinta] dias o prazo para a reclamação de créditos [art.º 36.º, n.º 1, al. j) do CIRE]; (…)
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Por ora, não existem nos autos elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência. (…) Considerando a previsível composição da massa insolvente, o facto de não se colocar qualquer hipótese de recuperação e a simplicidade aparente das questões que seriam equacionadas, não se designa data para a realização da reunião da assembleia de credores aludida no art.º 156.º do CIRE [art.º 36.º, n.º 1, al. n) in fine e n.º 2 a contrario do CIRE]. Consequentemente, ao abrigo do disposto no art.º 36.º, n.º 5 do CIRE o presente processo terá a seguinte marcha:
- Fixa-se o prazo de 60 dias para o Administrador de Insolvência juntar o relatório a elaborar nos termos do art.º 155.º do CIRE; - Se a proposta apresentada no relatório do Administrador de Insolvência for de encerramento do processo, ao abrigo do art.º 230.º, n.º 1, al. d) do CIRE, deve este notificar insolvente e credores do relatório, para que os mesmos se pronunciem nos termos do disposto no art.º 232.º, n.º 2 do CIRE no prazo dos 10 dias seguintes;
- Se a proposta do Administrador de Insolvência for a liquidação, deve este notificar insolvente e credores do relatório, para que os mesmos se pronunciem por escrito quanto a tal proposta, com a advertência de que nada sendo dito, se determinará o prosseguimento do processo para liquidação. (…)» 1.1.3. AA, trabalhadora da Insolvente, não reclamou créditos nos trinta dias seguintes à declaração da respectiva insolvência. 1.1.4. No dia 13 de Setembro de 2024 o Administrador da Insolvência juntou aos autos o relatório elaborado nos termos do art.º 155.º do CIRE (que aqui se dá por integralmente reproduzido), propondo a cessação de actividade da Insolvente (EMP01..., Unipessoal, Limitada) e o encerramento do processo por insuficiência da massa, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…) V - CONCLUSÃO / PROPOSTA Tendo em consideração que não foi manifestada vontade expressa pela gerência em ser proposto aos credores a elaboração de um plano de recuperação prevendo a retoma da actividade, o administrador da insolvência propõe o seguinte: a) A cessação da atividade da sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda., NIPC ...99, junto das entidades competentes, nomeadamente em sede de IVA e IRC, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira e Instituto da Segurança Social reportada à data da Sentença de declaração de insolvência (11/07/2024), nos termos do artigo 156.º e do artigo 65.º, n.º 3, ambos do CIRE. b) O encerramento do processo por insuficiência de massa nos termos do n.º 1, alínea d) do artigo 230.º e artigo 232.º, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.), tendo em conta a insuficiência de bens ou direitos suscetíveis de afetar a satisfação das custas do processo e das restantes despesas da massa insolvente. (…)»
1.1.5. Notificado o relatório do Administrador da Insolvência à Insolvente (EMP01..., Unipessoal, Limitada), aos respectivos credores e aos demais interessados (nomeadamente, por meio de anúncio e edital de 11 de Julho de 2024), nenhum deles requereu a continuação do processo de insolvência. 1.1.6. No dia 25 de Setembro de 2024 AA, residente na Rua ..., ..., em ..., ..., propôs, por apenso ao processo de insolvência da Requerente (EMP01..., Unipessoal, Limitada), uma acção de verificação ulterior de créditos, contra aquela, a respectiva Massa Insolvente e os seus credores, pedindo que lhe fosse reconhecido o crédito de € 7.388,15 sobre ela e que o mesmo fosse graduado no lugar que lhe competisse.
Alegou para o efeito, em síntese, ter sido sua trabalhadora desde ../../2021 até ../../2023, data em que foi despedida pela Insolvente (EMP01..., Unipessoal, Limitada); e possuir um crédito laboral global sobre ela de € 7.388,15 (relativo a salários, proporcionais de subsídios de férias e de natal, formação não ministrada e indemnização por cessação do contrato de trabalho). 1.1.7. No dia 26 de Setembro de 2024, na acção de verificação ulterior de créditos, foi proferido despacho (que aqui se dá por integralmente reproduzido), ordenando a citação dos nela réus, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…) DESPACHO LIMINAR Citem-se a massa insolvente, o Devedor e os credores [art.º 146.º, n.º 1 do CIRE]. (…)» 1.1.8. No dia 02 de Outubro de 2024 foi proferido despacho (que aqui se dá por integralmente reproduzido), declarando encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…) ENCERRAMENTO DOS AUTOS Nos termos do disposto no art.º 232.º n.º 2 do CIRE, tendo o AI dado conhecimento da insuficiência da massa insolvente ao Tribunal e ouvidos o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, é declarado encerrado o processo, salvo se ocorrer a circunstância prevista na parte final desta norma, ou seja, se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado como necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente. No caso em apreço, tal circunstância não se verifica, havendo elementos nos autos que, efectivamente, permitem constatar que a massa insolvente é insuficiente para satisfazer as custas do processo e as demais dívidas da massa insolvente. Pelo exposto, nos termos conjugados dos art.ºs 230.º, n.º1, al. d), 232.º, n.º 2, e 233.º, n.º 1, todos do CIRE, declara-se encerrado o processo. Registe, notifique e publicite [art.º 230.º, n.º 2 do CIRE]. Cumpra-se o disposto nos art.ºs 65.º, n.º 3 do CIRE, reportando à data da declaração da insolvência.
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Notifique o AI para dar cumprimento à previsão do artigo 233º, nº 5, do CIRE.
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Nada sendo dito ou oposto, dispensa-se a prestação de contas.
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Declara-se o caráter fortuito da insolvência[art.º 233.º, n.º 6 do CIRE].
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Verifique e dê pagamento, a adiantar pelo IGFPJ, das quantias devidas a título de remuneração e despesas, que ainda não tenham sido pagas ao AI. (…)» 1.1.9. No dia 03 de Outubro de 2024 foi publicitada a decisão de encerramento do processo de insolvência, por meio de anúncio e edital (que aqui se dão por integralmente reproduzidos), lendo-se nomeadamente nos mesmos: «(…) Ficam notificados todos os interessados, de que o processo supra identificado foi encerrado. A decisão de encerramento do processo foi determinada por insuficiência da massa insolvente, nos termos conjugados dos art.ºs 230.º, n.º1, al. d), 232.º, n.º 2, e 233.º, n.º 1, todos do CIRE.
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Foi declarado o caráter fortuito da insolvência (art.º 233.º, n.º 6 do CIRE). (…)» 1.1.10. Não foi interposto qualquer recurso da decisão de encerramento do processo de insolvência, por insuficiência da massa insolvente (EMP01..., Unipessoal, Limitada), tendo a mesma transitado em julgado em 22 de Outubro de 2024. 1.1.11. No dia 19 de Novembro de 2024, na acção de verificação ulterior de créditos, foi proferida sentença (que aqui se dá por integralmente reproduzida), declarando a respectiva instância extinta por inutilidade superveniente da lide, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…) INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA INSTÂNCIA Uma vez que os autos de insolvência de que os presentes constituem apenso foram declarados encerrados por insuficiência da massa, ao abrigo da previsão do art.º 232.º do CIRE, declara-se extinta a presente instância por inutilidade superveniente [art.º 277.º, al. e) do CPC]. Custas sem tributação autónoma [art.º 304.º do CIRE]. Valor: o dos créditos peticionados. Registe e notifique. (…)»
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1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos
Inconformada com a sentença que declarou extinta, por inutilidade superveniente da lide, a instância relativa à acção de verificação ulterior de créditos, a respectiva Autora (AA) interpôs o presente recurso de apelação, pedindoque fosse julgado procedente e se ordenasse a prolação de sentença de reconhecimento e graduação do seu crédito.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):
1. Vem o presente recurso da douta decisão que declarou extinta a presente instância por inutilidade superveniente [art.º 277.º, al. e) do CPC] face ao encerramento dos autos de insolvência por insuficiência da massa.
2. A apelante era trabalhadora da 3ª ré, declarada insolvente desde ../../2021 e não teve conhecimento atempado dos autos de insolvência para neles reclamar o seu crédito, lançando mão da ação em causa, nos termos do 146º CIRE, o que fez tempestivamente e não ocorreram quaisquer impugnações. 3. A autora tem por receber a título de créditos laborais a quantia de € 7.388,15 (sete mil, trezentos e oitenta e oito euros e quinze cêntimos).
4. Entende a recorrente que tal decisão atenta contra os seus direitos, constitucionalmente consagrados, no art.º 59.º da CRP.
5. A lei permite ao credor, no caso de já ter decorrido o prazo para reclamação de créditos, titular de um direito de crédito, para o ver reconhecido, propor ação de verificação ulterior de créditos nos termos já referidos.
6. Nenhuma razão de ser tem que, o encerramento, sem mais, dos autos de insolvência, por insuficiência da massa, gere a extinção da instância de tal ação de verificação, porquanto o que se pretende acautelar é o reconhecimento do direito de crédito, não necessariamente o seu pagamento pelo património da massa insolvente, se é como no caso indica, inexistente.
7. Não obstante a falta de património na massa insolvente, outros meios existem para que os credores, designadamente os trabalhadores, como é o caso da autora, vejam os seus parcos direitos devidamente acautelados, designadamente junto do Fundo de Garantia Salarial, para o qual é requisito o reconhecimento por sentença judicial.
8. Assim, os autos de insolvência não poderiam ser encerrados na pendência dos presentes, sob pena de obstar de forma atentatória contra um direito legalmente previsto, não apenas nas disposições já invocadas do CIRE, mas também da Constituição da República Portuguesa.
9. O douto Tribunal não proferiu sentença de verificação e reconhecimento do crédito da ora apelante, violando o disposto no art.º 140º do CIRE.
10. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, deveria ter sido reconhecido o crédito da autora e consequentemente proferida sentença de verificação e graduação de créditos, homologando-se a lista dos credores, incluindo a ora apelante.
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1.2.2. Contra-alegações
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
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1.2.3. Processamento ulterior do recurso
Tendo sido proferido despacho pelo Tribunal a quo a admitir o recurso da Autora (AA) - como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos da acção de verificação ulterior de créditos e com efeito meramente devolutivo -, foi o mesmo recebido por este Tribunal ad quem, sem qualquer alteração (nomeadamente, quanto a momento e forma de subida e ao efeito).
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR
2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [2].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [3], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, e do recurso interposto pela Autora (AA), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:
· Questão Única - Fez o Tribunal a quo uma erradainterpretação e aplicação da lei, ao declarar extinta, por inutilidade superveniente da lide, a instância da acção de verificação ulterior de créditos (nomeadamente por, ao contrário do seu juízo, ser necessária a prolação de uma sentença de reconhecimento e graduação dos créditos dela objecto para que a aqui Recorrente os possa reclamar junto do Fundo de Garantia Salarial, violando entendimento contrário o seu direito constitucional de acesso ao Direito ) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com interesse para a apreciação da questão única enunciada encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. Reclamação de créditos no processo de insolvência 4.1.1.1. Reclamação de créditos no prazo fixado na sentença de insolvência
Lê-se no art.º 90.º, do CIRE, que os «credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência»; e lê-se no art.º 91.º seguinte que a «declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva».
Compreende-se, por isso, que a sentença que declare a insolvência tenha, obrigatoriamente, que designar «prazo, até 30 dias, para a reclamação de créditos» (art.º 36.º, n.º 1, al. f), do CIRE); e, tendo a ulterior verificação de créditos «por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento», nem mesmo «o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva (…) está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento» (n.º 3, do art.º 128.º, do CIRE).
Lê-se, assim, no art.º 128.º, do CIRE, que, dentro «do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvente, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos» (n.º 1), incluindo aqueles credores que já os tenham visto «reconhecidos por decisão definitiva» (n.º 5) [4].
Reafirma-se, deste modo, quer a natureza de «processo de execução universal» do processo de insolvência (isto é, sobre todo o património do devedor), conforme art.º 1.º, do CIRE, quer a sua natureza de «processo concursal» (isto é, em que são chamados todos os credores do insolvente, por forma a garantir a igualdade de todos aqueles que se encontrem nas mesmas condições, face às classes de créditos que invoquem), conforme art.º 47.º, n.º 4, do mesmo diploma [5].
Fala-se, por isso, de um verdadeiro ónus de reclamação a cargo de cada credor do insolvente, cujo incumprimento o impedirá de vir a participar no produto da liquidação do activo (conforme Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2001, pág. 350) [6].
As reclamações de créditos são efectuadas por meio de «requerimento (…) endereçado ao administrador da insolvência»; e apresentado por transmissão eletrónica de dados, ou, sempre que os credores da insolvência não estejam patrocinados, apresentado no domicílio profissional do administrador da insolvência ou para ele remetido por correio electrónico ou por via postal registada (art.º 128.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CIRE).
Logo, e ao contrário do que sucede com as posteriores impugnações e respostas, não são as ditas reclamações dirigidas ao juiz do processo; e este não «tem, em princípio, acesso aos requerimentos de reclamação nem aos documentos juntos pelos credores, já que o administrador não é obrigado a juntá-los aos autos nem a apresentá-los ao juiz, o que, como é de calcular, não facilita muito a compreensão dos litígios por parte deste último» (Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, págs. 267 e 268) [7].
Mais se lê, no art.º 129.º, n.º 1, do CIRE, que nos «15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos», podendo nela incluir créditos não reclamados mas «cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por qualquer forma do seu conhecimento».
Compreende-se, por isso, que se afirme que: a «reclamação não é, no entanto, essencial para o reconhecimento do crédito, dado que o administrador da insolvência tem o dever de reconhecer, não apenas os créditos reclamados, mas também os que constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento» (Luís Manuel Telles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2011, 3ª edição, Almedina, Janeiro de 2011, p. 240). Está-se, assim, perante uma solução «que constitui um desvio ao princípio do pedido», criticável porque «pode levar ao reconhecimento de créditos que já estão extintos (porque já foram pagos, apesar de a contabilidade não o reflectir)» (Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016-6.ª edição, Almedina, Outubro de 2014, pág. 229, nota 755) [8].
De seguida, a dita lista deverá ser notificada - pelo administrador de insolvência, por carta registada, por transmissão eletrónica de dados (nos termos definidos na Portaria prevista no n.º 2, do art.º 17.º, do CIRE), ou por correio eletrónico (quando o mesmo tenha sido utilizado para a reclamação de créditos) ou por via postal registada (sempre que os credores da insolvência não estejam patrocinados) - aos credores não reconhecidos, aos credores não reclamantes que tenham visto o seu crédito reconhecido, e aos credores que tenham visto reconhecidos créditos de forma diversa da reclamação respectiva; e essa notificação destina-se a possibilitar a respectiva impugnação nos 10 dias seguintes, por indevida inclusão ou exclusão de créditos, incorrecção dos seus montantes, ou qualificação dos créditos reconhecidos (art.ºs 129.º, n.º 4 e 130.º, ambos do CIRE). Qualquer interessado pode ainda, nos 10 dias seguintes ao termo do prazo de 15 subsequente ao de apresentação das reclamações de créditos, impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação de créditos reconhecidos (art.º 130.º, n.º 1, do CIRE) [9].
«A impugnação da lista de créditos pode consistir em impugnação por excepção (facto impeditivo ou extintivo do crédito) ou impugnação pura (negação da constituição do crédito) e o seu fundamento pode ser qualquer circunstância que conduza à afirmação da existência do crédito não reconhecido ou da inexistência do crédito reconhecido» (Ac. da RP, de 26.06.2014, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo nº 1040/12.2TBLSD-C.P1) [10].
Relativamente aos créditos reconhecidos pelo Administrador da Insolvência e que venham a ser impugnados, será dada oportunidade de resposta ao dito Administrador da Insolvência, bem como a qualquer interessado que assuma a posição contrária, incluindo o devedor (art.º 131.º, n.º 1, do CIRE) [11]. Contudo, se «a impugnação se fundar na indevida inclusão de certo crédito na lista de credores reconhecidos, na omissão da indicação das condições a que se encontre sujeito ou no facto de lhe ter sido atribuído um montante excessivo ou uma qualificação de grau superior à correta, só o próprio titular pode responder» (n.º 2, do art.º 131.º, citado).
Em qualquer caso, a «resposta deve ser apresentada dentro dos 10 dias subsequentes ao termo do prazo referido no artigo anterior [para impugnar a lista de créditos reconhecidos] ou à notificação ao titular do crédito objeto da impugnação, consoante o caso [12], sob pena de a impugnação ser julgada procedente» (n.º 3, do art.º 131.º, citado) [13].
Precisa-se ainda, no n.º 4, do art.º 134.º, do CIRE, que as «impugnações apenas serão objecto de notificação aos titulares de créditos a que respeitem, se estes não forem os próprios impugnantes». Logo, se o autor da impugnação não for o titular do crédito impugnado, deve ser feita a notificação daquela a este último, excluindo-se a mesma em todos os outros casos [14]. Compreende-se que assim seja, pois só naquelas primeiras situações se justifica ouvir a parte directamente interessada e visada, cujo direito possa ser afectado; e assim se compatibiliza o direito à sua audição (querendo exercê-lo) com o da celeridade que deve ser própria dum processo de insolvência.
Esgotado o prazo de resposta às impugnações de créditos deduzidas, e dentro dos 10 dias posteriores, deverá a comissão de credores (caso exista) juntar aos autos o seu parecer sobre estas (art.º 135.º, do CIRE).
Junto o parecer da comissão de credores, ou esgotado o prazo previsto para o efeito, pode o juiz designar dia e hora para uma tentativa de conciliação, para a qual serão notificados todos os que tenham apresentado impugnações e respostas, a comissão de credores e o administrador da insolvência; e, concluída a mesma, o processo é imediatamente concluso ao juiz, para que seja proferido despacho, nos termos dos art.ºs 510.º e 511.º, ambos do CPC (art.º 136.º, n.º 1 e n.º 2, do CIRE).
O despacho saneador terá, quanto aos créditos reconhecidos, a forma e o valor de sentença, que os declara verificados e os gradua em harmonia com as disposições legais; e se a verificação de algum dos créditos necessitar de produção de prova, a graduação de todos os créditos terá lugar na sentença final (art.º 136.º, n.º 6 e n.º 7, do CIRE).
Dir-se-á, por fim, que, uma vez produzida a prova necessária para o efeito, em audiência de julgamento, a questão (da existência e montante dos créditos reclamados e/ou reconhecidos provisoriamente, impugnados e objecto de resposta pelos respectivos titulares) será decidida pelo Tribunal, em conformidade com a referida prova e demais elementos contidos nos autos (art.ºs. 137.º, 138.º, 139.º e 140.º, todos do CIRE).
Precisa-se, porém, que inexiste qualquer presunção de prova decorrente do prévio reconhecimento do crédito, e das suas garantias, pela inclusão na lista elaborada pelo Administrador da Insolvência. Com efeito, se o titular do crédito impugnado não responder, a impugnação deverá ser julgada procedente (n.º 3, do art.º 131.º, do CIRE); e tanto na impugnação, como na respectiva resposta, deverão os interessados apresentar ou indicar as respectivas provas (art.º 134.º, n.º 1 e n.º 2, do CIRE). Logo, mantém-se sobre os credores cujos créditos sejam impugnados o ónus de provar os factos consubstanciadores dos créditos e das garantias que invoquem [15].
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4.1.1.2. Acção de verificação ulterior de créditos
Lê-se art.º 146.º do CIRE, no que ora nos interessa, que, findo «o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, (…) de modo a serem atendidos no processo de insolvência [16], por meio de ação proposta contra a massa insolvente, os credores [17] e o devedor, efetuando-se a citação dos credores por meio de edital eletrónico publicado no portal Citius, considerando-se aqueles citados decorridos cinco dias após a data da sua publicação».
Logo, uma vez que os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos durante o processo de insolvência (e que o pagamento dos créditos sobre a insolvência apenas contempla os que estiverem verificados por sentença transitada em julgado, conforme art.º 173.º do CIRE), tê-los-ão que reclamar, ou nos termos dos art.ºs 128.º e seguintes do CIRE, ou posteriormente, através da acção prevista nos art.ºs 146.º e seguintes do CIRE (caso entretanto não tenham sido reconhecidos oficiosamente pelo administrador da insolvência); e, neste último caso, em litisconsórcio necessário passivo [18].
Mais se lê, no n.º 2 do art.º 146.º do CIRE, que «a reclamação de outros créditos, nos termos do número anterior» não «pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129.º, excepto tratando-se de créditos de constituição posterior» [19]; e só «pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respetiva constituição, caso termine posteriormente» [20].
Logo, e em relação aos créditos já existentesà data da prolação da sentença de insolvência, e desde que os seus titulares tenham sido oportunamente avisados pelo administrador da insolvência, os credores cujos créditos não tenham sido reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos tenham sido reconhecidos pelo administrador da insolvência sem que os tenham reclamado, e ainda os credores reclamantes que tenham visto os seus créditos reconhecidos em termos diversos da respectiva reclamação, não podem reclamá-los ulteriormente [21]. Já relativamente aos créditos constituídos posteriormente ao prazo geral de seis meses subsequentes à declaração de insolvência, poderão os mesmos ser reclamados ainda que o seu titular tenha sido avisado nos termos do art.º 129.º do CIRE, e desde que o faça nos três meses subsequentes à sua constituição.
Lê-se ainda, no n.º 3 do art.º 146.º do CIRE, que, proposta «a acção, a secretaria, oficiosamente, lavra termo no processo principal da insolvência no qual identifica a acção apensa e o reclamante e reproduz o pedido, o que equivale a termo de protesto»; e lê-se no n.º 4 do mesmo preceito que a «instância extingue-se e os efeitos do protesto caducam se o autor, negligentemente, deixar de promover os termos da causa durante 30 dias».
Logo, não dependendo a caducidade do termo nem a extinção da instância de qualquer requerimento para o efeito, operando de forma automática e simultânea, deverão ser declaradas oficiosamente pelo tribunal [22].
Ora, se «os efeitos do protesto caducarem, (…) o credor só adquire direito a entrar nos rateios posteriores ao trânsito em julgado da respectiva sentença pelo crédito que venha a ser verificado, ainda que de crédito garantido ou privilegiado se trate» (art.º 147.º, al. a), do CIRE).
Por fim, lê-se no art.º 148.º do CIRE que esta acção de verificação ulterior de créditos corre «por apenso aos autos da insolvência» e segue «os termos do processo comum, ficando as respetivas custas a cargo do autor, caso não venha a ser deduzida contestação».
Logo, cada uma das acções interpostas nos termos do art.º 146.º do CIRE constitui uma verdadeira acção autónoma e não apenas uma fase do processo de insolvência [23]; com tramitação própria (segundo o modelo do processo comum de declaração previsto no CPC); e num apenso autónomo.
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4.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável) 4.1.2.1. Esgotamento do prazo de reclamação de créditos (fixado na sentença de insolvência)
Concretizando, verifica-se que, tendo-se EMP01..., Unipessoal, Limitada apresentado à insolvência no dia 10 de Julho de 2024, no dia seguinte (11 de Julho de 2024) foi proferida sentença, declarando-a; e fixado o prazo de 30 dias para os respectivos credores reclamares os seus créditos, nos termos dos art.ºs 128.º e seguintes do CIRE.
Mais se verifica que, sendo AA trabalhadora da Insolvente (EMP01..., Unipessoal, Limitada), não reclamou eventuais créditos laborais que possuísse sobre ela nos trinta dias seguintes à declaração da respectiva insolvência.
Não ficou, porém, a mesma impedida de o fazer posteriormente, desde que o fizesse por meio de acção a propor contra a Insolvente (EMP01..., Unipessoal, Limitada), a respectiva massa e os seus credores, por apenso ao processo de insolvência e de acordo com a forma comum do processo declarativo; e a instaurasse nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença que declarou a insolvência da sua anterior entidade patronal.
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4.1.2.2. Acção de verificação ulterior de créditos (na pendência do processo de insolvência)
Concretizando novamente, verifica-se que, em 25 de Setembro de 2024, AApropôs, por apenso ao processo de insolvência de EMP01..., Unipessoal, Limitada (declarada em 11 de Julho de 2024), uma acção de verificação ulterior de créditos, contra ela, a respectiva massa insolvente e os seus credores, pedindo que lhe fossem reconhecidos créditos laborais globais de € 7.388,15 (relativos a salários, proporcionais de subsídios de férias e de natal, formação não ministrada e indemnização por cessação do contrato de trabalho); e os mesmos fossem graduados no lugar que lhes competisse.
Mais se verifica que, no dia 26 de Setembro de 2024, na acção de verificação ulterior de créditos referida, foi proferido despacho, ordenando a citação dos nela réus, ficando, assim, implicitamente reconhecida a regularidade da respectiva instância (nomeadamente, validade de causa de pedir e legitimidade das partes); e pressupondo-se o seu posterior julgamento de mérito.
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4.2. Encerramento do processo de insolvência 4.2.1.1. Insuficiência da massa insolvente
Lê-se no art.º 230.º, n.º 1, al. d), do CIRE, que, «prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento» quando «o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente»; e lê-se no art.º 232.º do CIRE, que, verificando «que a massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, o administrador da insolvência dá conhecimento do facto ao juiz, podendo este conhecer oficiosamente do mesmo» (n.º 1), sendo-lhe ainda «lícito (…) interromper de imediato a respectiva liquidação» (n.º 4).
Logo, está-se aqui perante o encerramento do processo de insolvência tendo ele prosseguido após a declaração da insolvência, no seu curso normal, por o juiz ter proferido a respectiva sentença sem dispor então de elementos que o levassem a concluir pela presumível insuficiência da massa (já que, em caso contrário, teria proferido uma sentença de insolvência de carácter limitado, conforme art.º 39.º do CIRE [24]). Contudo, também aqui «não será conveniente que o processo de insolvência se mantenha pendente apenas para “se alimentar a si próprio”» (Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016, 2.ª edição revista e actualizada, Almedina, Janeiro de 2016, pág. 388) [25].
Recorda-se, ainda, que o CIRE distingue entre dívidas da massa insolvente (enumeradas no art.º 51.º, n.º 1, do CIRE[26]), grosso modo aquela cuja constituição resulta do próprio processo de insolvência, e dívidas da insolvência (referidas no art.º 47.º do CIRE [27]), grosso modo aquelas cuja constituição ocorre em momento anterior à insolvência; e que esta distinção justifica diferente regime aplicável a umas e outras [28].
Mais se recorda que o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quanto tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (art.º 1º, n.º 1, do CIRE).
Ora, e tal como resulta do preâmbulo do CIRE (com bold apócrifo), uma «vez que o processo de insolvência tem por finalidade o pagamento, na medida em que ela seja ainda possível, de créditos da insolvência, a constatação de que a massa insolvente não é sequer suficiente para fazer face às respectivas dívidas - aí compreendidas, desde logo, as custas do processo e a remuneração do administrador da insolvência - determina que o processo não prossiga após a sentença de declaração de insolvência ou que seja mais tarde encerrado, consoante a insuficiência da massa seja conhecida antes ou depois da declaração» [29].
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Mais se lê, no art.º 232.º, n.º 7, do CIRE, que se presume «a insuficiência da massa quando o património seja inferior a € 5000».
Explica-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 282/2007, de 07 de Agosto (que precisamente acrescentou este n.º 7 ao art.º 232.º original do CIRE) que o legislador, procurando «assegurar que o processo de insolvência é utilizado quando exista património efectivamente disponível e para evitar que se desenvolvam formalidades sem efeito útil», estabeleceu, como presunção de insuficiência da massa falida, os casos em que o património do devedor seja inferior a € 5.000,00, garantindo, desse modo, «uma célere resolução do processo quando o património do devedor é manifestamente insuficiente para cobrir as dívidas da massa insolvente» [30].
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Lê-se ainda, no art.º 232.º, n.º 6, do CIRE, que o processo de insolvência não será declarado encerrado pelo juiz (por insuficiência da massa insolvente) «na hipótese de o devedor beneficiar do diferimento do pagamento das custas, nos termos do n.º 1 do artigo 248.º, durante a vigência do benefício».
Logo, aquele encerramento não se verificará quando, sendo o devedor uma pessoa singular, tenha apresentado «um pedido de exoneração do passivo restante» e «a massa insolvente e o seu rendimento disponível durante o período da cessão sejam insuficientes para o (…) pagamento integral» das custas, «o mesmo se aplicando à obrigação de reembolsar o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do fiduciário que o organismo tenha suportado» (conforme art.º 248.º, n.º 1, do CIRE) [31].
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4.2.1.2. Oposição ao encerramento (do processo de insolvência)
Lê-se ainda no art.º 232.º do CIRE, agora no seu n.º 2, que, ouvidos «o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, o juiz declara encerrado o processo, salvo se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente».
Logo, e em circunstâncias normais, perante uma situação de insuficiência da massa insolvente, o processo é encerrado, sendo que a «decisão de encerramento do processo é notificada aos credores e objecto da publicidade e do registo previstos nos artigos 37.º e 38.º, com indicação da razão determinante» (art.º 230.º, n.º 2, do CIRE) [32].
Contudo, admite a lei que assim não suceda, por oposição de algum interessado, desde que o mesmo proceda ao depósito da quantia que o juiz fixe para o efeito.
Precisando, então, o conceito de «algum interessado», dir-se-á que interessado será todo aquele que seja titular de um qualquer direito postergado ou limitado pela declaração de insolvência em termos meramente limitados [33]; e ainda que esse direito se encontre a ser discutido em juízo, como nomeadamente sucederá com o credor de um crédito litigioso [34].
Dir-se-á, ainda, que a lei basta-se com a existência de um «interesse», sem o balizar, por grau máximo (v.g. necessidade absoluta) e/ou por grau mínimo (v.g. mera utilidade) [35].
Precisando o obrigatório depósito da quantia que o juiz fixe ao dito interessado, dir-se-á que o mesmo depósito constitui condição sine qua non da procedência da oposição ao encerramento do processo de insolvência [36]; e deverá o mesmo ser realizado no prazo geral da lei processual civil para todos os actos das partes, de dez dias [37], defendendo alguma doutrina que o Tribunal não o poderá reduzir (nomeadamente porque, não existindo sequer património que importe salvaguardar, não existe qualquer interesse relevante que justificasse essa eventual a redução [38]).
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Contudo, idêntica exigência, prevista no art.º 39.º, n.º 3, do CIRE, veio a ser reiteradamente julgada inconstitucional, por violação do art.º 20.º, n.º 1 (na dimensão de tutela jurisdicional efectiva) e do art.º 59, n.º 1, al. a), da CRP.
Com efeito, impondo-se ao requerente do complemento da sentença de insolvência proferida com caráter limitado, por insuficiência da massa desde logo constatada, que deposite quantia, ou preste garantia bancária, suficientes para assegurar o pagamento das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente, como condição prévia de apreciação do seu pedido, firmou-se jurisprudência no sentido de considerar essa exigência inconstitucional, quando o mesmo careça de meios económicos e, designadamente, beneficie do apoio judiciário na modalidade de isenção de taxa de justiça e demais encargos com o processo [39].
Defendeu-se ainda que este «juízo de inconstitucionalidade material que incide sobre a identificada condição quando imposta aos requerentes do complemento beneficiários de apoio judiciário, na modalidade de isenção do pagamento de taxas de justiça e demais encargos do processo é, (…) por identidade de razões, aplicável aos trabalhadores que se encontrem isentos, nos termos do art. 4º, n.º 1, al. h) do RCP, do pagamentos de custas e que instaurem a ação de insolvência e/ou requeiram o complemento da sentença de insolvência na qualidade de trabalhadores e como modo de exercer os seus créditos laborais contra o devedor (insolvente)» (Ac. da RG, de 06.02.2020, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 4122/19.6TVNF.G1) [40].
Posteriormente, a jurisprudência infraconstitucional viria a formar idêntico entendimento a propósito da exigência vertida no art.º 232.º, n.º 2, do CIRE, quando o oponente do encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente (em momento posterior à prolação da sentença de insolvência) careça de meios económicos para proceder ao depósito que garanta as custas e as dívidas daquela massa [41].
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4.2.1.3. Efeitos do encerramento (do processo de insolvência)
Lê-se no art.º 233.º, n.º 1, do CIRE, e no que ora nos interessa, que: encerrado «o processo (…): a) Cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando designadamente o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa e do disposto no artigo seguinte; b) Cessam as atribuições da comissão de credores e do administrador da insolvência, com excepção das referentes à apresentação de contas e das conferidas, se for o caso, pelo plano de insolvência; c) Os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência; d) Os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos».
Logo, e grosso modo, em caso de insolvência qualificada como fortuita[42], o encerramento do processo determina a cessação de todos os efeitos emergentes da declaração de insolvência, podendo, nomeadamente, os credores exercer livremente os seus direitos contra o devedor.
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Mais se lê, na al. b) do no n.º 2 do mesmo art.º 233.º, que o «encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determina» a «extinção da instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes, exceto se tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º, ou se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência, caso em que prosseguem até final os recursos interpostos dessa sentença e as ações cujos autores ou a devedora assim o requeiram, no prazo de 30 dias».
Precisa-se ainda, no n.º 4 do art.º 233.º citado, que, exceptuados «os processos de verificação de créditos, qualquer acção que corra por dependência do processo de insolvência e cuja instância não se extinga, nos termos da alínea b) do n.º 2, nem deva ser prosseguida pelo administrador da insolvência, nos termos do plano de insolvência, é desapensada do processo e remetida para o tribunal competente, passando o devedor a ter exclusiva legitimidade para a causa, independentemente de habilitação ou do acordo da contraparte».
Logo, se o encerramento do processo de insolvência ocorrer antes do rateio final, somam-se aos efeitos gerais do encerramento efeitos específicos, os quais, relativamente aos processos de verificação de créditos (quer os instaurados nos termos dos art.ºs 128.º e seguintes, quer os instaurados nos termos dos art.ºs 146.º e seguintes, todos do CIRE [43]), determinam ope legis a extinção da respectiva instância, excepto se tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no art.º 140.º do CIRE (prosseguindo então até final o recurso que dela já tenha sido interposto) [44].
Enfatiza-se, assim, que, relativamente a estes processos de verificação de créditos (e fora do âmbito da exclusiva excepção de já ter sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos), não é permitido o seu prosseguimento (nomeadamente, a requerimento do devedor e/ou dos respectivos autores), o que claramente resulta não só do teor do art.º 233.º, n.º 2, al. b), como da expressa exclusão contida na parte inicial do n.º 4 do mesmo preceito («Excetuados os processos de verificação de créditos») [45].
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Lê-se ainda no art.º 233.º do CIRE, no seu n.º 6, que sempre «que ocorra o encerramento do processo de insolvência sem que tenha sido aberto incidente de qualificação por aplicação do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 36.º, deve o juiz declarar expressamente na decisão prevista no artigo 230.º o caráter fortuito da insolvência» [46].
Já na hipótese inversa, de encerramento do «processo de insolvência por insuficiência da massa, (…) em que tenha sido aberto incidente de qualificação da insolvência e se o mesmo ainda não estiver findo, este prossegue os seus termos como incidente limitado» (isto é, nos termos do art.º 191.º, do CIRE), conforme se lê no art.º 232.º, n.º 5, do CIRE [47].
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Por fim, lê-se no art.º 234.º do CIRE, no que ora nos interessa, no seu n.º 4, que no «caso de encerramento por insuficiência da massa insolvente, a liquidação da sociedade prossegue nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais, devendo o juiz comunicar o encerramento e o património da sociedade ao serviço de registo competente».
Logo, sendo o devedor uma sociedade comercial, e tendo o respectivo processo de insolvência sido encerrado por insuficiência da massa, considera-se a mesma dissolvida; e deve extinguir-se definitivamente com a concretização da respectiva liquidação (conforme art.º 160.º do CSC e art.º 3.º, n.º 1, al. t), do CRCom), a qual, porém, será realizada segundo o regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e liquidação de entidades comerciais, instituído pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, mercê da comunicação oficiosa pelo tribunal de tais factos ao conservador competente [48].
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4.2.1.4. Impossibilidade superveniente da lide
Lê-se no art.º 277.º, al. e), do CPC que a «instância extingue-se com» a «impossibilidade (…) superveniente da lide».
Está-se perante uma forma anómala de extinção da instância (formalmente introduzidas no direito processual nacional pela reforma de 1961) [49], que radica no desaparecimento irremediável de algum dos elementos constituintes da relação processual, o sujeito ou o objecto respectivos (pelo que a pretensão do autor não se pode manter).
Logo, está-se perante uma espécie de caducidade da instância em sentido amplo, na medida em que, não radicando em qualquer acto processual das partes (v.g. negócio jurídico processual), nem em acto do juiz, traduz-se numa ocorrência que assume a natureza de facto processual stricto sensu.
Precisando esta impossibilidade superveniente da lide, dir-se-á que, se «por facto posterior ao início da instância (propositura da acção), desaparecer uma das partes e não for juridicamente admissível a sua substituição», ou «se a causa de pedir se extinguir por motivo estranho à composição da lide, a relação jurídica processual, desprovida de um dos seus elementos vitais, sucumbe» (Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 3.ª edição, pág. 54) [50].
Será, por exemplo, o caso de morrer ou se extinguir parte que titulava direitos pessoais ou intransmissíveis ou situações jurídicas subjectivamente infungíveis; ou de perda (desaparecimento ou perecimento) de objecto material do litígio infungível; ou ainda de desaparecimento dos fundamentos da acção (v.g. extinção de um dos interesses em conflito) [51].
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4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável) 4.2.2.1. Encerramento do processo de insolvência
Concretizando, verifica-se que, tendo-se EMP01..., Unipessoal, Limitada apresentado à insolvência no dia 10 de Julho de 2024, desde logo informou possuir um passivo de cerca de € 16.000,00 e como activo apenas material de escritório básico e obsoleto, de valor não superior a € 1.000,00.
Mais se verifica que, tendo sido declarada insolvente no dia 11 de Julho de 2024, na respectiva sentença foi desde logo antecipado como possível que o Administrador da Insolvência, no relatório a apresentar, se pronunciasse pelo encerramento do processo, o que o mesmo de facto fez, quando o apresentou no dia 13 de Setembro de 2024, propondo a cessação de actividade da Insolvente (EMP01..., Unipessoal, Limitada) e o encerramento do processo por insuficiência da massa.
Verifica-se ainda que, tendo o dito relatório sido notificado à Insolvente (EMP01..., Unipessoal, Limitada), aos respectivos credores e aos demais interessados, nenhum deles requereu a continuação do processo de insolvência no prazo dos dez dias seguintes de que dispunha para o efeito (nomeadamente não o fez qualquer anterior trabalhador da Insolvente, cuja insuficiência económica já estivesse comprovada nos autos por meio da concessão do benefício de apoio judiciário, invocando razões susceptíveis de justificar o entendimento de que não deveria essa pretensão estar dependente de qualquer depósito para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente [52]).
Por fim, verifica-se que, na ausência dessa oposição, no dia 02 de Outubro de 2024 foi proferida decisão, declarando encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa; e declarando ainda o carácter fortuito da insolvência.
Logo, e com base em expresso fundamento previsto na lei para o efeito (insuficiência da massa insolvência), e cumprido o formalismo nela imposto para esse fim (nomeadamente, após prévia audição da Insolvente, dos seus credores e demais interessados e na ausência de qualquer oposição por eles deduzida), o processo de insolvência que constitui os autos principais ficou encerrado em 02 de Outubro de 2024.
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Concretizando novamente, verifica-se que a decisão que declarou encerrado o processo de insolvência de EMP01..., Unipessoal, Limitada, por insuficiência da massa, foi publicitada no dia seguinte (03 de Outubro de 2024), por meio de anúncio e edital.
Mais se verifica que não foi arguida qualquer nulidade quanto a ela [53], nem dela interposto qualquer recurso, pelo que transitou em julgado no dia 22 de Outubro de 2024.
Logo, e desde então, o dito processo de insolvência ficou definitivamente encerrado, não podendo mais prosseguir os seus termos.
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4.2.2.2. Impossibilidade superveniente da acção de verificação ulterior de créditos
Concretizando novamente, verifica-se que, não tendo AA, anterior trabalhadora da Insolvente (EMP01..., Unipessoal, Limitada), reclamado quaisquer créditos nos trinta dias seguintes à declaração da respectiva insolvência (prazo que, para o efeito, tinha sido fixado na sentença que, em 11 de Julho de 2024, a declarou), veio no dia 25 de Setembro de 2024 interpor uma acção de verificação ulterior de créditos laborais; fê-lo contra aquela, a respectiva massa insolvente e os seus credores; e pediu que lhe fosse reconhecido o crédito global de € 7.388,15 sobre ela (relativo a salários, proporcionais de subsídios de férias e de natal, formação não ministrada e indemnização por cessação do contrato de trabalho) e que o mesmo fosse graduado no lugar que lhe competisse.
Verifica-se ainda que, no dia 26 de Setembro de 2024, foi proferido despacho ordenando a citação dos réus, o que foi cumprido.
Por fim, verifica-se que, tendo transitado em julgado, em 22 de Outubro de 2024, a decisão que no dia 02 de Outubro de 2024 declarara encerrado o processo de insolvência porinsuficiência da massa insolvente, no dia 19 de Novembro de 2024, na dita acção de verificação ulterior de créditos, foi proferida sentença, declarando a respectiva instância extinta por inutilidade superveniente da lide, por considerar que aquele encerramento determinava esta inutilidade.
Dir-se-á, a propósito, que tendo esse encerramento dos autos principais ocorrido antes de qualquer rateio final, e consubstanciando aquela acção um «processo de verificação de créditos», onde ainda não fora proferida sentença, o mesmo extinguiu-se ope legis, isto é, por expressa determinação do art.º 233.º, n.º 2, al. b), do CIRE [54].
Compreende-se que assim seja, já que resulta do art.º 146.º do CIRE que «esta ação tem unicamente como finalidade que os créditos sejam reconhecidos para que possam ser atendidos no próprio processo de insolvência, não visando a obtenção de uma sentença para outros efeitos, estranhos ou alheios ao processo de insolvência»: «o que se visa com tal ação é o reconhecimento da qualidade de credor da insolvente para efeitos de exercício do respetivo direito no âmbito do processo de insolvência.
Como tal, encerrado o processo de insolvência, sem aprovação de plano e sem que tenha sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos, a instância extingue-se porque não há processo de insolvência onde os créditos possam ser atendidos e exercidos»: desaparecendo «o fim a que se destinava o reconhecimento dos créditos, a ação perde a sua finalidade e a instância tem que se extinguir, como resulta da leitura conjugada dos arts. 146º, nº 1 e 233º, nº 2, al. b), do CIRE».
Ao exposto nem mesmo obsta a existência de um trabalhador reclamante de créditos, que «pretenda uma decisão de mérito com efeitos extraprocessuais, que constitua título executivo», já que «terá de recorrer a outra via, que não a da verificação ulterior de créditos que, reafirma-se, só se destina ao reconhecimento de créditos para serem atendidos no processo de insolvência» (Ac. da RG, de 13.07.2021, Rosália Cunha, Processo n.º 2689/20.5T8VNF-D.G1, com bold apócrifo).
Logo, e no caso sob recurso, a instância da acção de reconhecimento ulterior de créditos, proposta por AA, extinguiu-se por impossibilidade superveniente da lide, isto é, por imperativamente a lei ter extraído tal efeito da prévia (e já então definitiva) decisão de encerramento do processo de insolvência por insuficiência da respectiva massa [55].
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4.3. Reclamação de créditos junto do Fundo de Garantia Salarial 4.3.1.1. Pressupostos e termos de accionamento
Lê-se no art.º 336.º do Código de Trabalho que o «pagamento de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica».
Mais se lê, no art.º 1.º, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial [56], que o «Fundo de Garantia Salarial, abreviadamente designado por Fundo, assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja» proferida «sentença de declaração de insolvência do empregador» (n.º 1, al. a)); e, para «efeitos do disposto no número anterior», e no «âmbito do processo especial de insolvência, o tribunal judicial notifica o Fundo da sentença de declaração de insolvência do empregador, a qual deve ser acompanhada de cópia da petição inicial e dos documentos identificados nas alíneas a) e b) do artigo 24.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas» (n.º 2, al. a)).
Lê-se ainda, no art.º 5.º, n.º 1, do mesmo diploma, que o «Fundo efetua o pagamento dos créditos garantidos mediante requerimento do trabalhador, do qual constam, designadamente, a identificação do requerente e do respetivo empregador e a discriminação dos créditos objeto do pedido».
Para o efeito, e nos termos do n.º 2 do mesmo art.º 5.º, o «requerimento [do devedor] é instruído, consoante as situações, com os seguintes documentos: a) Declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador, emitida pelo administrador de insolvência ou pelo administrador judicial provisório; b) Declaração comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento pelo trabalhador, quando o mesmo não seja parte constituída, emitida pelo empregador; c) Declaração de igual teor, emitida pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, quando não seja possível obtenção dos documentos previstos nas alíneas anteriores».
Por fim, lê-se no n.º 3 do citado art.º 5.º que o «requerimento é certificado pelo administrador da insolvência, pelo administrador judicial provisório, pelo empregador ou pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, consoante o caso».
Compreende-se, por isso, que se afirme que em «lado algum do diploma se alude à necessidade de os créditos que se reclamam haverem sido reconhecidos por sentença judicial prolatada em apenso ao processo de insolvência», defendendo-se, mesmo, ter sido intenção da lei consagrar a «independência da intervenção do FGS relativamente ao processo de verificação de créditos», nomeadamente ao «que corre por apenso ao processo de insolvência» (Ac. da RP, de 15.06.2020, Fernanda Almeida, Processo n.º 8950/18.1T8VNG-G.P1, com bold apócrifo) [57].
Com efeito, se a sua criação teve como objectivo o célere pagamento das prestações referidas na lei (facultando o rápido acesso pelo trabalhador às que lhe seriam devidas), por bem conhecer o legislador a morosidade dos tribunais (esta morosidade inconciliável com aquele fim), seria um flagrante contrassenso prever-se que aquele pagamento pelo Fundo estaria, afinal, sujeito à prévia obrigação do interessado (trabalhador) de obter uma sentença judicial transitada em julgado, como sua condição (como se enfatiza no Ac. do TCAN, de 07.07.2017, Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão, Processo n.º 00416/14.5BEMDL).
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4.3.1.2. Inutilidade superveniente da lide
Lê-se no art.º 277.º, al. e), do CPC que a «instância extingue-se com» a «inutilidade superveniente da lide».
Também aqui se está perante uma forma anómala de extinção da instância (igualmente introduzida no direito processual nacional pela reforma de 1961), que radica no desaparecimento irremediável dos interesses subjacentes à relação processual, que opera a caducidade da instância em sentido amplo (no sentido já explicitado supra).
Precisando, a inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, após a propositura da acção, ocorre um facto que determina a falta de interesse processual do autor, nomeadamente por a decisão a proferir já não possuir qualquer efeito útil, ou porque já não é possível satisfazer a pretensão do demandante, ou porque o fim visado com a acção foi atingido por outro meio (Alberto do Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume III, Coimbra Editora, 1946, págs. 367-373) [58].
Será, por exemplo, o caso de aniquilamento ou consumpção do efeito jurídico pretendido, que já foi alcançado por via diversa (sendo o caso mais típico o do pagamento da quantia peticionada ou, em geral, o cumprimento espontâneo da obrigação em causa, ou a entrega do bem reivindicado) [59].
Logo, a lide «torna-se inútil se ocorre um facto, ou uma situação, posterior à sua instauração que implique a desnecessidade se sobre ela recair pronúncia judicial por falta de efeito»: «em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não» pode «ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo, ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio» (Ac. da RL, de 22.06.2016, Ondina Carmo Alves, Processo n.º 1976/12.0TBFUN-D.L1-2).
Precisa-se, porém, que «a inutilidade superveniente da lide é uma realidade absoluta, não se podendo extinguir a instância nos casos em que a utilidade existe, ainda que mínima ou pouco provável» (Ac. do STJ, de 21.02.2013, João Bernardo, Processo n.º 2839/08.0YXLSB.L1.S1); e, por isso, actos absolutamente inúteis traduzem uma realidade processual substancialmente diferente de actos supérfluos ou desnecessários (já que estes poderão ainda ter alguma utilidade).
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4.3.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável) 4.3.2.1. Accionamento do Fundo de Garantia Salarial
Concretizando, verifica-se que, tendo sido notificada da sentença que declarou extinta, por inutilidade superveniente a lide, a instância da acção de verificação ulterior de créditos laborais que intentara por apenso ao processo de insolvência de EMP01..., Unipessoal, Limitada, veio a respectiva Autora (AA) interpor recurso da mesma, por alegadamente lhe vedar o posterior acesso ao Fundo de Garantia Salarial.
Com efeito, e sendo a sua alegação recursiva, a «decisão proferida e da qual se recorre veda à recorrente a hipótese de ver reconhecido esse direito e a oportunidade de o ver efetivado junto das entidades competentes, designadamente junto do Fundo de Garantia Salarial, que tem precisamente por objetivo garantir aos trabalhadores o pagamento das retribuições devidas e não pagas pela entidade empregadora declarada insolvente, como é o caso sub judice».
Dir-se-á, e relativamente à possibilidade de acionamento do Fundo de Garantia Salarial pela aqui Autora (AA) que se mostram reunidos os requisitos para esse efeito, já que: foi proferida sentença, declarando a insolvência da sua anterior entidade patronal, EMP01..., Unipessoal, Limitada; a mesma reclamou sobre ela créditos laborais (nomeadamente, os relativos a salários, proporcionais de subsídios de férias e de natal, formação não ministrada e indemnização por cessação do contrato de trabalho); e os mesmos não lograram pagamento no âmbito do processo de insolvência (nomeadamente, por insuficiência da massa insolvente, o que levou inclusivamente ao seu encerramento com esse preciso fundamento).
Logo, tem-se por legalmente possível a anunciada intenção da Autora (AA), de futuro accionamento do Fundo de Garantia Salarial, para lograr o pagamento dos créditos que reclamou nestes autos (por apenso ao processo principal de insolvência da sua anterior entidade empregadora).
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4.3.2.2. Inutilidade do prosseguimento da acção de verificação ulterior de créditos
Concretizando novamente, e uma derradeira vez, veio ainda a Autora (AA) defender, no recurso que interpôs, que, não «obstante a falta de património na massa insolvente, outros meios existem para que os credores, designadamente os trabalhadores, como é o caso da autora, vejam os seus parcos direitos devidamente acautelados, designadamente junto do Fundo de Garantia Salarial, para o qual é requisito o reconhecimento por sentença judicial»; e, por isso, não só não se verifica qualquer inutilidade superveniente da lide de verificação ulterior de créditos, como os «autos de insolvência não poderiam ser encerrados na pendência dos presentes, sob pena de obstar de forma atentatória contra um direito legalmente previsto, não apenas nas disposições já invocadas do CIRE, mas também da Constituição da República Portuguesa», estando, por isso, violado o art.º 20.º, n.º 1, da CRP.
Dir-se-á, e antes de mais, que tendo já transitado em julgado (em 22 de Outubro de 2024) a decisão que declarou encerrado os autos principais de insolvência, não pode a mesma ser revertida por meio do presente recurso.
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Prosseguindo, e tal como detalhadamente exposto supra, dir-se-á que, para que seja pedido ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento de créditos laborais que não lograram satisfação em prévio processo de insolvência do respectivo devedornão é necessário a prolação de uma sentença que os reconheça, mas meramente que aí tenham sido reclamados; e que o pedido seja instruído com documento comprovativo dessa reclamação, emitido nos termos do art.º 5.º, n.º 2, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril).
Ora, se é certo que, no caso dos autos, não poderá ser emitida pelo Administrador da Insolvência a «declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador» (que viabilize a apresentação, junto do Fundo de Garantia Salarial, de requerimento para pagamento dos ditos créditos laborais reclamados), certo é igualmente que a norma em causa «tem que ser entendida em termos hábeis e adaptados».
Com efeito, «está pensada para as situações regra em que a reclamação de créditos é apresentada junto do administrador de insolvência, nomeadamente nos termos do art. 128º, nº 2, do CIRE», conferindo-lhe, por isso, «competência para emitir uma declaração certificando que o trabalhador apresentou reclamação de créditos.
Nos casos, como sucede nos autos, em que a reclamação de créditos é feita por via da ação de verificação ulterior prevista no art. 144º, do CIRE, naturalmente que já não faz sentido nem se justifica impor que seja o administrador de insolvência a emitir essa declaração, podendo a mesma ser substituída por certidão emitida pelo tribunal pois que o crédito foi reclamado junto deste e não do administrador de insolvência» (Ac. da RG, de 13.07.2021, Rosália Cunha, Processo n.º 2689/20.5T8VNF-D.G1, com bold apócrifo).
Logo, pretendendo confessamente a Autora (AA) o prosseguimento dos presentes autos apenas e tão só para obter título (no caso sentença de verificação de créditos) que possibilite o seu futuro accionamento do Fundo de Garantia Salarial, com vista a lograr o seu pagamento, e podendo obtê-lo sem esse prosseguimento, mostra-se o mesmo inútil.
Neste sentido se tem pronunciado quer a doutrina [60], quer (reiteradamente) a jurisprudência [61].
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Resta apenas dizer, e tendo novamente presente a alegação recursiva da Autora (AA), que não sendo necessário o prosseguimento da presente acção de verificação ulterior de créditos para que obtenha título que lhe permita accionar o Fundo de Garantia Salarial, igualmente não existe qualquer violação do seu direito constitucionalmente garantido (no art.º 20.º, n.º 1, da CRP) de acesso ao Direito: aquele que concretamente pretende exercer mostra-se assegurado pela simples certificação, pelo Tribunal a quo, do teor da reclamação de créditos apresentada junto do mesmo.
Neste sentido se tem pronunciado (reiteradamente) a jurisprudência [62].
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela improcedência total do recurso de apelação interposto pela Autora (AA).
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V - DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Autora (AA), e, em consequência, em
· Confirmar integralmente a sentença recorrida.
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Custas da apelação pela Autora (art.º 527.º, n.º 1, do CPC).
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Guimarães, 06 de Fevereiro de 2025.
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.ª Adjunta - Maria Gorete Morais.
[1]O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - doravante CIRE -, foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/04, de 18 de Março. [2] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - inwww.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). [3]Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido». [4]Fala-se, por isso, de um verdadeiro ónus de reclamação a cargo de cada credor do insolvente, cujo incumprimento o impedirá de vir a participar no produto da liquidação do activo (conforme Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2001, pág. 350). [5] Neste sentido, Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2016, pág. 41. [6] No mesmo sentido, Ac. da RC, de 06.11.2012, Henrique Antunes, Processo nº 444/06.4TBCNT-Q.C1, onde se lê que o reconhecimento de que, no «processo de insolvência podem apresentar-se todos os credores do insolvente, ainda que não possuam qualquer título executivo, porque todos eles podem concorrer ao pagamento rateado do seu crédito, através do produto apurado na venda de todos os bens arrolados para a massa insolvente», radica na constatação de que o dito processo se baseia «na impossibilidade de o devedor saldar todas as suas dívidas e, portanto, orienta-se por um princípio de distribuição de perdas entre os credores». [7]Com efeito, lê-se no art.º 132.º, do CIRE, que as «listas de créditos reconhecidos e não reconhecidos pelo administrador da insolvência, as impugnações e as respostas são autuadas por um único apenso». É, assim, claro que este apenso não inclui as prévias reclamações de créditos; e, também por isso, se lê, no art.º 133.º, do CIRE, que durante «o prazo fixado para as impugnações e as respostas, e a fim de poderem ser examinados por qualquer interessado e pela comissão de credores, deve o administrador da insolvência patentear as reclamações de créditos, os documentos que as instruem e os documentos de escrituração do insolvente no local mais adequado, o qual é objecto de indicação no final nas listas de credores reconhecidos e não reconhecidos».
Esta solução legal (de diferente lugar para depósito e consulta das reclamações de créditos, dos documentos que as instruem e dos documentos da escrituração do insolvente - em local mais adequado -, e do apenso pertinente às listas de créditos reconhecidos e não reconhecidos, às impugnações respectivas, às respostas a estas e ao eventual parecer da comissão de credores - na secretaria judicial) é passível de crítica.
Com efeito, são «manifestos os inconvenientes que daí resultam para impugnantes e respondentes que podem ter necessidade - e correntemente terão - de consultar todos esses elementos do processo», o «que é tanto mais significativo, se se atender aos prazos curtos que têm para o exercício dos seus direitos» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 536). [8]No mesmo sentido, Ac. da RL, de 11.10.2016, Carla Câmara, Processo nº 2801/15.6T8PDL-A-7. [9] No conceito de «interessados» «devem considerar-se, além do insolvente, os credores em relação aos quais exista a possibilidade de conflito com o titular do crédito reconhecido, segundo os termos concretos em que o reconhecimento se verificou». Contudo, essa «possibilidade de conflito tem de ser actual e não meramente conjectural ou hipotética e reportada à data em que a impugnação é deduzida», pelo que, «estando-se numa fase de verificação de créditos, o interessado impugnante tem que assumir a qualidade de credor, pois só assim existirá possibilidade efectiva de conflito entre aquele que se afirma titular do crédito reclamado e aquele que o impugna» (Ac. da RC, de 10.05.2011, Isaías Pádua, Processo n.º 124/06.0TBFAG-J.C1).
Por outras palavras, é interessado «“quem fica prejudicado se a sua contestação não for atendida”. (…) Será interessado, por exemplo, o credor que não foi reconhecido, o credor que foi reconhecido mas quanto a um valor inferior ao reclamado ou o credor que veja reduzidas as possibilidades de ser pago porque foi reconhecido outro credor» (Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016, 2.ª edição revista e actualizada, Almedina, Janeiro de 2016, pág. 295, citando inicialmente Mariana França Gouveia). [10] Precisa-se que, em «processo de insolvência a impugnação da impugnação da lista de credores reconhecidos configura-se, em termos processuais, como uma oposição por embargos, iniciada precisamente pelo requerimento de impugnação, e em que a decisão será proferida com base no que vier alegado no requerimento de impugnação da lista e na resposta a essa impugnação, já que os requerimentos de reclamação de créditos, que são dirigidos ao administrador da insolvência, nem sequer são presentes ao juiz - cfr. artºs 128º/2) e 132º do CIRE».
Logo, dentro «deste enquadramento a exigência em termos de alegação (da inexistência do crédito ou da sua qualificação) recai em primeiro lugar sobre o impugnante, que, nos termos do disposto no nº 1 do artº 130º do CIRE haverá de alegar os factos em que se consubstancia a indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou a incorreção do respetivo montante, e/ou da qualificação dos créditos reconhecidos. Só depois, e em face do que tiver sido alegado no requerimento de impugnação, recairá sobre o reclamante o ónus da resposta previsto no artº 131º, nº 1, do CIRE» (Ac. da RL, de 20.04.2017, Freitas Vieira, Processo n.º 2116/14.7T8VNG-E.P1). [11] A omissão desta notificação (para responder à impugnação), quando seja devida, «constitui preterição de formalidade legal, que pode ter influência no desfecho do respectivo incidente, configurando uma irregularidade ou nulidade secundária (art. 195.º do CPC), que não é de conhecimento oficioso, pelo que só a podendo o tribunal apreciar se for invocada pelo respectivo interessado (arts. 196.º e 197º do CPC “ex vi” do 17.º do CIRE)» (Ac. da RG, de 28.11.2019, Alcides Rodrigues, Processo n.º 80/18.2T8TMC-H.G1). [12]Logo, sendo invariável o prazo de dez dias, varia o seu termo inicial, já que, se tiver havido notificação da impugnação ao titular do crédito impugnado, o prazo conta-se da mesma; e, caso contrário, conta-se do termo do prazo de apresentação da impugnação. [13]Contudo, vem sendo defendida mais ou menos pacificamente na jurisprudência uma interpretação restritiva do art.º 131.º, n.º 3, do CIRE, por forma a que se veja no mesmo um efeito cominatório apenas semi-pleno (isto é, admitindo-se por confissão ficta os factos alegados na impugnação não respondida, mas não ficando Tribunal dispensado de os apreciar juridicamente), sob pena de violação do princípio constitucional da reserva de função jurisdicional.
Neste sentido, na jurisprudência: Ac. da RC, de 28.04.2015, Maria Domingas Simões, Processo n.º 1642/10.1TBVIS-D.C1; Ac. da RG, de 28.11.2019, Margarida Sousa, Processo n.º 956/14.6TBVRL.G1; Ac. da RP, de 27.01.2020, Augusto de Carvalho, Processo n.º 741/16.0T8VNG-L.P1; Ac. da RL, de 24.11.2020, Amélia Sofia Rebelo, Processo n.º 27885/16.6T8LSB.A.L1-1; Ac. da RC, de 29.06.2021, Maria Catarina Gonçalves, Processo n.º 1633/20.4T8CBR-A.C1; ou Ac. do STJ, de 05.04.2022, José Rainho, Processo n.º 2115/19.2T8STS-E.P1.S1. [14] Neste sentido, Ac. da RG, de 11.05.2017, Maria dos Anjos Nogueira, Processo n.º 1012/15.5T8VRL-AK.G1, onde se lê que só «o titular do crédito que é objecto de impugnação é que é notificado, devendo todos os demais, tendo em conta a tramitação prevista e específica decorrente do respectivo capítulo respeitante à verificação de créditos, ter em conta os prazos que aí se encontram contempladas, acompanhando o seu desenrolar»; e, por isso, «a resposta à impugnação por parte do Administrador de Insolvência, para, querendo usar dessa faculdade, deve ser apresentada dentro do prazo de 10 dias a contar do termo do prazo para apresentação da impugnação e não a contar de qualquer notificação que se lhe deva fazer». [15] Neste sentido: Ac. da RL, de 29.03.2012, Jorge Leal, Processo n.º 3083/10.1T2SNT-C.L2-2; e Ac. da RP, de 26.06.2014, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 1040/12.2TBLSD-C.P1. [16] No Ac. da RG, de 13.07.2021, Rosália Cunha, Processo n.º 2689/20.5T8VNF-D.G1 enfatiza-se que, como «resulta do citado preceito {art.º 146.º do CIRE], esta ação tem unicamente como finalidade que os créditos sejam reconhecidos para que possam ser atendidos no próprio processo de insolvência, não visando a obtenção de uma sentença para outros efeitos, estranhos ou alheios ao processo de insolvência. Dito de outro modo, o que se visa com tal ação é o reconhecimento da qualidade de credor da insolvente para efeitos de exercício do respetivo direito no âmbito do processo de insolvência» (com bold apócifo), [17]Precisa-se que os «credores destinatários da citação são todos os que tenham reclamado créditos mesmo que estes não se encontrem ainda verificados» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 556). [18]Neste sentido, com indicação de jurisprudência conforme, Marco Carvalho Gonçalves, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, Outubro de 2023, pág. 491. [19]Relativamente à definição do âmbito dos credores que poderão lançar mão da acção de verificação ulterior de créditos, defende-se que a inexistência do aviso do Administrador da Insolvência aos credores previso n.º 4 do art.º 129.º do CIRE, ou a falta de apresentação por ele da lista dos créditos reconhecidos e não reconhecidos, não tem como efeito obstaculizar à instauração da acção de verificação ulterior de créditos (conforme Ac. da RL, de 11.10.2016, Carla Câmara, Processo n.º 2801/15.6T8PDL-A.L1-7).
Defende-se, ainda, que o «desconhecimento do direito de crédito pelo requerente não configura um evento não imputável à parte susceptível de configurar justo impedimento para a prática do acto processual (reclamação de créditos)» (Ac. da RL, de 22.06.2017, Francisca Mendes, Processo n.º728/12.2TYLSB-G.L1-6). [20]Relativamente a este prazo de seis meses, defende-se que: i. o seu termo inicial conta-se do trânsito em julgado da sentença que haja declarado a insolvência, e não do seu conhecimento efectivo por parte do credor reclamante, desde que a dita sentença tenha sido devidamente publicitada, por meio de editais e anúncios.
Neste sentido, na jurisprudência: Ac. do TC n.º 8/2012, Maria Lúcia Amaral, Processo n.º 275/2011; ou Ac. da RG, de 22.09.2016, Maria João Matos, Processo n.º 43/15.0T8MGD-Q.G1. ii.tem natureza processual e não substantiva (de caducidade), sendo, por isso, peremptório (o seu decurso extingue o direito de praticar o acto) e de conhecimento oficioso.
Neste sentido, na doutrina: Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Fevereiro de 2021, pág. 288.
Na jurisprudência: Ac. da RP, de 13.03.2014, José Amaral, Processo n.º 1218/12.9TJVNF-N.P1; Ac. da RP, de 27.03.2014, Judite Pires, Processo n.º 1218/12.9TJVNF-W.P1; Ac. da RP, de 10.04.2014, José Manuel de Araújo de Barros, Processo n.º 1218/12.9TJVNF-P.P1; Ac. da RL, de 28.04.2015, Roque Nogueira, Processo n.º 664/10.7TYLSB-AB.L1-7; Ac. da RL, de 07.06.2016, Rosa Ribeiro Coelho, Processo n.º 1567/13.9TYLSB-L1.1-7; Ac. da RC, de 20.06.2017, Jaime Carlos Ferreira, Processo n.º 4185/14.0T8VIS-K.C1; Ac. da RL, de 20.06.2017, Carla Câmara, Processo n.º 1338/16.0T8SNT.L1-7; Ac. da RL, de 22.06.2017, Francisca Mendes, Processo n.º. 728/12.2TYLSB-G-6; Ac. do STJ, de 05.12.2017, Graça Amaral, Processo n.º 1856/07.1TBFUN-L.L1.S1; Ac. da RL, de 11.10.2018, Adeodato Brotas, Processo n.º 850/14.0T8SNT-XB.L1-6; Ac. da RP, de 22.10.2018, Ana Paula Amorim, Processo n.º 235/12.3TYVNG-D.P1; Ac. do STJ, de 12.02.2019, Maria Olinda Garcia, Processo n.º 5685/15.0T8GMR-G.P1.S1; Ac. da RE, de 05.12.2019, Maria Domingas, Processo n.º 555/15.5T8OLH-K.E1; Ac. da RE, de 25.03.2021, Francisco Matos, Processo n.º 1077/19.0T8OLH-G.E1; ou Ac. do STJ, de 10.05.2021, Luís Espírito Santo, Processo n.º 261/18.9T8AMT-E.P1.S1.
Contudo, em sentido contrário: Ac. da RP, de 21.02.2013, Carlos Portela, Processo n.º 2981/11.OTBSTS-G.P1; Ac. da RG, de 08.02.2014, Estelita de Mendonça, Processo n.º 1551/12.0TBBRG-C.G1; Ac. da RP, de 17.06.2014, João Proença, Processo n.º 1218/12.9TJVNF-Q.P1; A. da RP, de 11.09.2014, Deolinda Varão, Processo n.º 1218/12.9TJVNF-AB.P1; ou Ac. da RE, de 24.09.2015, Paulo Amaral, Processo n.º 811/13.7TBLLE-N.E1. [21] Neste sentido, Ac. da RL, de 25.01.2022, Amélia Sofia Rebelo, Processo n.º 5626/17.0T8FNC-A.L1-1. [22]Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, págs. 557 a 559. [23]Neste sentido, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016-6.ª edição, Almedina, Outubro de 2014, pág. 248.
Na jurisprudência: Ac. da RC, de 25.10.2016, Moreira do Carmo, Processo n.º 600/14.1TBPBL-E.C1; ou Ac. da RG, de 08.03.2018, Ana Cristina Duarte, Processo n.º 674/16.0T8GMR-I.G1. [24]Recorda-se que se lê no art.º 39.º do CIRE:
«1 - Concluindo o juiz que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não estando essa satisfação por outra forma garantida, faz menção desse facto na sentença de declaração da insolvência, dando nela cumprimento apenas ao preceituado nas alíneas a) a d) e h) do n.º 1 do artigo 36.º, e, caso disponha de elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência, declara aberto o incidente de qualificação com caráter limitado, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 36.º
2 - No caso referido no número anterior:
a) Qualquer interessado pode pedir, no prazo de cinco dias, que a sentença seja complementada com as restantes menções do n.º 1 do artigo 36.º;
b) Aplica-se à citação, notificação, publicidade e registo da sentença o disposto nos artigos anteriores, com as modificações exigidas, devendo em todas as comunicações fazer-se adicionalmente referência à possibilidade conferida pela alínea anterior.
3 - O requerente do complemento da sentença deposita à ordem do tribunal o montante que o juiz especificar segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das referidas custas e dívidas, ou cauciona esse pagamento mediante garantia bancária, sendo o depósito movimentado ou a caução accionada apenas depois de comprovada a efectiva insuficiência da massa, e na medida dessa insuficiência.
4 - Requerido o complemento da sentença nos termos dos n.os 2 e 3, deve o juiz dar cumprimento integral ao artigo 36.º, observando-se em seguida o disposto no artigo 37.º e no artigo anterior, e prosseguindo com caráter pleno o incidente de qualificação da insolvência, sempre que ao mesmo haja lugar.
(…)
7 - Não sendo requerido o complemento da sentença:
a) O devedor não fica privado dos poderes de administração e disposição do seu património, nem se produzem quaisquer dos efeitos que normalmente correspondem à declaração de insolvência, ao abrigo das normas deste Código;
b) O processo de insolvência é declarado findo logo que a sentença transite em julgado, sem prejuízo da tramitação até final do incidente limitado de qualificação da insolvência;
c) O administrador da insolvência limita a sua atividade à elaboração do parecer a que se refere o n.º 6 do artigo 188.º;
d) Após o respectivo trânsito em julgado, qualquer legitimado pode instaurar a todo o tempo novo processo de insolvência, mas o prosseguimento dos autos depende de que seja depositado à ordem do tribunal o montante que o juiz razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas e das dívidas previsíveis da massa insolvente, aplicando-se o disposto nos n.os 4 e 5.
8 - O disposto neste artigo não é aplicável quando o devedor, sendo uma pessoa singular, tenha requerido, anteriormente à sentença de declaração de insolvência, a exoneração do passivo restante.
9 - Para os efeitos previstos no n.º 1, presume-se a insuficiência da massa quando o património do devedor seja inferior a € 5000.
10 - Sendo o devedor uma sociedade comercial, aplica-se-lhe, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 234.º ». [25]Neste sentido, Ac. da RE, de 02.10.2016, Mário Branco Coelho, Processo n.º 348/14.7TBSTR.E1, onde se lê que, não «sendo o processo de insolvência eterno, nem tendencialmente eterno, deve atingir o seu termo logo que realizados os objectivos consignados no art. 1.º do CIRE»; e entre «os fundamentos do encerramento da insolvência, conta-se a verificação da sua inutilidade, por inexistência de património que permita satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente». [26]Lê-se no art.º 51.º, n.º 1, do CIRE, que, salvo «preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código:
a) As custas do processo de insolvência;
b) As remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores;
c) As dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente;
d) As dívidas resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções;
e) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência;
f) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração;
g) Qualquer dívida resultante de contrato que tenha por objecto uma prestação duradoura, na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial provisório;
h) As dívidas constituídas por actos praticados pelo administrador judicial provisório no exercício dos seus poderes;
i) As dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente;
j) A obrigação de prestar alimentos relativa a período posterior à data da declaração de insolvência, nas condições do artigo 93.º». [27] Lê-se no art.º 47.º do CIRE que, declarada «a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio» (n.º 1); e tais créditos, «bem como os que lhes sejam equiparados, (…) são neste Código denominados (…) créditos sobre a insolvência» (n.º 2). [28]Com efeito, no regime aplicável aos créditos sobre a massa insolvente os mesmos são pagos precipuamente, sem necessidade de reclamação e logo que se vençam (art.º 172.º, n.º 1 e n.º 2, do CIRE).
Já no regime aplicável aos créditos sobre a insolvência os mesmos são pagos depois daqueles primeiros, e apenas se tiverem sido reclamados e reconhecidos por sentença transitada em julgado (art.ºs 46.º, n.º 4, 173.º, 174.º, 175.º, 176.º e 177.º, todos do CIRE). [29] Precisa-se que, para além da presunção inicial do juiz de insuficiência da massa insolvente (art.º 39.º do CIRE), o processo será ainda encerrado com este fundamento quando o administrador da insolvência constate essa inexistência ou insuficiência, ou quando o juiz tenha conhecimento oficioso de que o património do devedor não é (comprovadamente) suficiente para a satisfação das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente (art.ºs 230.º, n.º 1, al d) e 232.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CIRE.
Contudo, apesar «da semelhança quanto ao seu desenlace provável (o fim ou o encerramento do processo), as situações previstas nos arts. 39.º e 232.º são, na realidade, distintas: na primeira, o juiz apercebe-se, antes de declarar a insolvência, de certos factos que lhe permitem presumir que o património do devedor é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente; na segunda, o juiz, de nada se tendo apercebido inicialmente, declarou a insolvência, só mais tarde vindo a ser alertado pelo administrador da insolvência ou a ter conhecimento oficioso da (comprovada) insuficiência da massa insolente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa» (Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Fevereiro de 2021, pág. 133). [30] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda defendem que € 5.000,00 se trata, por certo, de um valor insignificante, na perspetiva da atuação judicial dos credores, não sendo crível que estes, tendo conhecimento do património do seu devedor, recorram ao processo de insolvência se tal situação se verificar» (in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Lisboa 2015, pág. 274). [31]Neste sentido, Ac. da RP, de 28.03.2012, Mário Fernandes, Processo n.º 1306/11.9TBVRL-A.P1, onde se lê que o «encerramento do processo de insolvência por insuficiência de bens não acarreta a extinção da instância, por inutilidade ou impossibilidade, do incidente de exoneração do passivo restante». [32]Compreende-se que assim seja, já que a prévia sentença de insolvência foi objecto da mesma publicidade e de registo; e a indicação da causa determinante do encerramento radica na protecção dos interesses de terceiros e, nalguns casos, do próprio devedor. [33] Neste sentido: Ac. da RG, de 06.02.2020, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 4122/19.6TVNF.G1; ou Ac. da RG, de 04.06.2020, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 7329/18.0T8VNF.G1, explicando-se neste aresto que, apesar do processo de insolvência prosseguir a título principal as finalidades enunciadas no art.º 1.º, n.º 1, do CIRE, prossegue a título secundário outros interesses, nomeadamente dos credores do devedor. Ora, como a insolvência com carácter limitado implica uma desproteção dos interesses dos credores pela inobservância dos efeitos normais/típicos de uma insolvência comum, «compreende-se que» tenham sido «precisamente esses outros interesses dos credores do insolvente que levaram o legislador a prever a possibilidade de, nos casos de sentença de insolvência proferida com efeitos restritos, qualquer interessado poder requerer o complemento dessa sentença e, bem assim, (…) qualquer interessado possa opor-se ao imediato encerramento desse processo». [34] Neste sentido, Ac. da RP, de 15.10.2007, Sousa Lameira, Processo n.º 0754861, que precisa ainda que «o conceito de “interessado” para efeitos do art. 39º deve ter um âmbito mais amplo que o de “parte legítima” (legitimidade), não se confundindo – sendo mais amplo – com o «interesse em agir». Interessado será todo aquele que é titular de um interesse, ainda que em litígio, tendo interesse em contradizer (aqui se aproximando da “legitimidade”). Será ainda interessado todo aquele que mostre interesse no objeto do processo ou interesse no próprio processo (será interessado todo aquele que mostre, assim, um interesse em agir.)».
Ainda Luís M. Martins, Processo de Insolvência, 2016, 4.ª edição, Almedina, pág. 215. [35] Neste sentido, embora a propósito da idêntica expressão vertida no art.º 39.º, n.º 2, al. a), do CIRE (aí a condicionar a legitimidade para requerer o complemento da sentença de insolvência que haja sido inicialmente proferida com carácter limitado, por ser já então manifesta a insuficiência da massa insolvente), Ac. da RG, de 06.02.2020, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 4122/19.6TVNF.G1. [36] Neste sentido, Ac. da RL, de 22.06.2016, Ondina Carmo Alves, Processo n.º 1976/12.0TBFUN-D.L1-2. [37]Recorda-se que se lê no art.º 149.º, n.º 1, do CPC que, na «falta de disposição especial, é de 10 dias o prazo para as partes requererem qualquer ato ou diligência, arguirem nulidades, deduzirem incidentes ou exercerem qualquer outro poder processual; e também é de 10 dias o prazo para a parte responder ao que for deduzido pela parte contrária». [38] Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Lisboa 2015, pág. 275. [39]Neste sentido, na jurisprudência constitucional: Ac. do TC n.º 602/2006, de 14.11.2006, Bravo Serra, Processo n.º 659/2006; Ac. do TC n.º 83/2010, de 03.03.2010, Pamplona de Oliveira, Processo 821/09; ou Ac. do TC n.º 372/2016, de 08.06.2016, Lino Rodrigues Ribeiro, Processo n.º 903/14.
Na jurisprudência infraconstitucional: Ac. da RP, de 26.06.2007, Emídio Costa, Processo n.º 0722767; Ac. da RL, de 04.03.2010, Manuel Gonçalves, Processo n.º 880/08.1TYLSB.1.L1-6; Ac. da RG, de 02.06.2011, Maria da Conceição Saavedra, Processo n.º 327/11.6TBFLG.G1; Ac. da RP, de 11.09.2017, Ana Paula Amorim, Processo n.º 3891/16.0T8AVR.P1; Ac. da RG, de 06.02.2020, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 4122/19.6TVNF.G1; ou Ac. da RG, de 04.06.2020, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 7329/18.0T8VNF.G1.
Na doutrina, Joana Silva e Nuno de Lemos Jorge, «Jurisprudência Constitucional em matéria de insolvência», Revista Julgar, n.º 48, Set-Dez, 2022, pág.101. [40] Contudo, no Ac. da RP, de 14.05.2020, Espinheira Baltar, Processo n.º 4809/19.3T8VNF.G1, e igualmente a propósito de trabalhador reclamante de créditos, objecta-se que «o simples facto de litigar com isenção de custas não significa que não tenha capacidade financeira para suportar as custas a fixar», uma vez que «a isenção de que goza advém-lhe do facto de ser trabalhador sindicalizado e ter assistência jurídica do sindicato nos termos do artigo 4 n.º 1 al h) do RCP e não através do regime jurídico de Acesso ao Direito e aos Tribunais consagrado na Lei 34/2004 de 29/07». [41]Neste sentido: . Ac. da RG, de 04.06.2015, Ana Cristina Duarte, Processo n.º 51/14.8T8VLN.G1 - onde se lê que a «norma constante do nº 2 do artº 232º do CIRE viola o princípio constitucional do acesso ao direito consagrado no artº 20º, nº 1 da CRP, quando interpretada no sentido de que o requerente do prosseguimento do processo de insolvência, quando careça de meios económicos, - designadamente, por beneficiar do apoio judiciário na modalidade de isenção de taxa de justiça e demais encargos com o processo - não pode requerer aquele prosseguimento se não depositar à ordem do tribunal a quantia que o juiz determinar como razoável para garantir o pagamento das custas e restantes dívidas da massa insolvente». . Ac. da RE, de 02.10.2016, Mário Branco Coelho, Processo n.º 348/14.7TBSTR.E1 - que remete para o anterior aresto. . Ac. da RG, de 03.12.2020, Jorge Santos, Processo n.º 7842/19.1T8VNF.G1- onde se lê que também ali se entende «que a norma do art. 232.º n.º 2 do CIRE viola o princípio constitucional do acesso ao direito, quando interpretada no sentido de exigir depósito aí previsto a quem careça de meios económicos, designadamente, por beneficiar do benefício do apoio judiciário na modalidade de isenção de taxa de justiça e demais encargos com o processo (cfr. neste sentido Ac. Relação de Guimarães de 04.06.2015, proc. nº 51/14.8T8VLN.G1), como é o caso do Recorrente. Donde, o depósito previsto nessa norma não é exigível ao aqui Recorrente» [42]Já se a insolvência foi qualificada como culposa, ter-se-á que atender aos efeitos que dessa qualificação resultarem para quem por ela foi afectado (conforme art.º 189.º, n.º 2, do CIRE), nomeadamente as relevantes inibições para a administração de património de terceiros, para o exercício do comércio e para a ocupação dos cargos mencionados no art.º 189.º, n.º 2, al. c), do CIRE.
Compreende-se que assim seja, já que diversamente dos efeitos gerais da insolvência (na sua maioria instrumentais em relação ao processo), estes outros «não são determinados por interesses que se relacionem com a vida do processo e que se extingam com o encerramento dele, não são, como os anteriores, efeitos instrumentais», e sim «mecanismos de tutela dos interesses dos sujeitos ou do tráfico em geral (protecção dos interesses dos titulares dos patrimónios, no caso da inibição para a administração de patrimónios de terceiros, e dos interesses do comércio e dos cargos vedados, no caso da inibição). Têm, por consequência, a duração que for definida na sentença que os aplica - que depende, fundamentalmente, do grau de culpa -, respeitados os limites legais» (Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Fevereiro de 2021, págs. 296 e 297). [43] Com efeito, não distinguindo aqui a lei entre uns e outros (nomeadamente, para incluir uns e excluir outros da previsão da norma em causa), e visando ambos esse preciso efeito (de «verificação de créditos»), deverão os dois ser considerados no âmbito do art.º 233.º, n.º 2, al. b) e n.º 4, do CIRE.
Neste sentido (pressupondo-o na decisão proferida): Ac. da RP, de 15.06.2020, Fernanda Almeida, Processo n.º 8950/18.1T8VNG-G.P1; Ac. da RP, de 15.06.2020, Eugénia Cunha, Processo n.º 8950/18.1T8VNG-H.P1; ou Ac. da RG, de 13.07.2021, Rosália Cunha, Processo n.º 2689/20.5T8VNF-D.G1. [44] Neste sentido: . Ac. da RP, de 15.06.2020, Fernanda Almeida, Processo n.º 8950/18.1T8VNG-G.P1 - onde se lê que resulta do art.º 233.º, n.º 2, al. b), do CIRE, que «o regime regra em caso de encerramento do processo de insolvência antes do rateio é o da extinção da instância, excepto se no processo de verificação de créditos tiver já sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos». . Ac. da RP, de 15.06.2020, Eugénia Cunha, Processo n.º 8950/18.1T8VNG-H.P1 - onde se lê que, «tendo o processo de insolvência de que os presentes autos são apenso sido encerrado por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, nos termos do disposto no art. 232º do CIRE, por decisão transitada em julgado, a verificação ulterior de créditos (art. 146º e ss do CIRE) não pode prosseguir, devendo a instância ser declarada extinta, por impossibilidade superveniente da lide». Com efeito, «ocorre impossibilidade superveniente da lide – v. art. 277º, al. e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi nº1, do art. 17º, do CIRE – face ao estatuído na al. b), do nº2, do art. 233º, desse diploma, pois que o caso se não enquadra nas exceções aí apontadas, caindo no regime regra imposto». . Ac. da RG, de 03.12.2020, Jorge Santos, Processo n.º 7842/19.1T8VNF.G1 - onde se lê que vale «por dizer que, em regra, o encerramento do processo de insolvência antes do rateio determina a extinção da instância. Esta só não acontece se no processo de verificação de créditos tiver já sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos ou se o encerramento tiver como causa a aprovação de plano de insolvência». . Ac. da RG, de 13.07.2021, Rosália Cunha, Processo n.º 2689/20.5T8VNF-D.G1 - onde se lê quedecorre «desta norma [art.º 233.º, n.º 2, al. b)] que, como regra, a consequência legal do encerramento do processo de insolvência antes do rateio final é a extinção da instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados», só admitindo «duas exceções:
1) a situação de já ter sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no art. 140º;
2) a situação de o encerramento resultar da aprovação do plano de insolvência.
Nas exceções ao regime regra de extinção da instância não se enquadra o requerimento do autor ou do devedor para o prosseguimento das ações, não prevendo a lei a possibilidade de tais ações continuarem por uma mera declaração de vontade do autor ou do devedor nesse sentido», que «constitui apenas requisito para continuação da ação quando se verificar a exceção decorrente da aprovação do plano de insolvência». . Ac. da RE, de 27.10.2022, Emília Ramos Costa, Processo n.º 1441/21.5T8STR-A.E1 - onde se lê que, «nos termos do artigo 233.º, n.º 2, alínea b), do CIRE, é inequívoco que o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final, como é o caso da situação de encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente, determina a extinção da instância dos processos de verificação de créditos, (…) exceto se tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º, (…) caso em que prosseguem até final os recursos interpostos dessa sentença». [45]Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Lisboa 2015, págs. 840 e 841. [46] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda fazem notar que em «rigor, o novo n.º 6 não seria necessário para o fim que imediatamente visa alcançar», já que, «se não chegar a ser aberto o incidente de qualificação no decurso do processo, no quadro que decorre das disposições combinadas dos art.ºs 36.º, n.º 1, al. b), e 188.º, é claro que a insolvência nunca poderia ser qualificada como culposa»; e, por isso, «determinar que a declaração do seu caráter fortuito na própria decisão de encerramento nada traga, realmente, de relevante» (inCódigo da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Lisboa 2015, pág. 843).
No mesmo sentido, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Fevereiro de 2021, pág. 297. [47]Compreende-se, por isso, que a «declaração de insolvência não» conduza «à inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 287-e) do CPC, quando na sentença de declaração de insolvência foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter limitado e não veio a ser requerida a complementação da sentença» (A. da RL, de 17.03.2009, Maria José Mouro, Processo n.º 2113/04.0YXLSB.L1-2). [48]Neste sentido: Ac. da RC, de 19.10.2010, Teles Pereira, Processo n.º 1649/09.1TJCBR.C1; Ac. da RL, de 30.11.2011, Maria José Mouro, Processo n.º 2110/11.0TVLSB.L1-2; ou Ac. da RG, de 28.02.2019, Maria dos Anjos Nogueira, Processo n.º 1761/16.0T8BRG-A.G1. [49]Precisa-se que o modo normal de extinção da instância é o trânsito em julgado (art.º 628.º do CPC) das decisões que tenham apreciado o mérito, isto é, da sentença (art.º 607.º do CPC), do acórdão (art.º 663.º do CPC) ou, eventualmente, a decisão do relator que substitua este último (art.º 656.º do CPC). [50] No mesmo sentido: . Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 555 - onde se lê que «a impossibilidade (…) superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo»; e, por isso, «a solução do litígio deixa de interessar (…) por impossibilidade de atingir o resultado visado». . António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, pág. 321 - onde se distingue a impossibilidade subjetiva nos casos de relações jurídicas pessoais que se extinguem com a morte do titular da relação, não ocorrendo sucessão nessa titularidade; a impossibilidade objetiva nas casos de relações jurídicas infungíveis em que a coisa não possa ser substituída por outra ou o facto prestado por terceiro; e a impossibilidade causal quando ocorre a extinção de um dos interesses em litígio. [51] Neste sentido, Ac. da RL, de 22.06.2016, Ondina Carmo Alves, Processo n.º 1976/12.0TBFUN-D.L1-2, onde se lê que a lide torna-se impossível «quando sobrevêm circunstâncias que inviabilizam o pedido, não em termos de procedência/mérito, mas por razões conectadas com o mesmo já ter sido atingido por outro meio não podendo sê-lo na causa pendente». [52]Enfatiza-se no Ac. da RL, de 22.06.2016, Ondina Carmo Alves, Processo n.º 1976/12.0TBFUN-D.L1-2 que «a eventual inconstitucionalidade da norma do nº 2 in fine do artigo 232º, nº 2 do CIRE, quando interpretada no sentido de impor aos credores que não disponham de condições económicas para o efeito, a obrigatoriedade de procederem ao depósito ali previsto, como condição de procedência do pedido de não encerramento do processo» terá de ser invocda no recurso que se interponha da decisão que haja declarado encerrado o processo de insolv~encia, e não posteriormente na sindicância dos seus efeitos, nomeadamente em «recurso incidente sobre um despacho proferido» em «processo de verificação de créditos». [53]Precisa-se que, «caso no processo de insolvência haja sido omitido qualquer acto ou qualquer notificação imposta por lei, incumbiria a qualquer interessado, notificado do encerramento do processo, arguir eventual nulidade processual», nomeadamente denunciando «a omissão de qualquer notificação de que o Tribunal a quo devesse ter efectuado» antes de proferir a decisão de encerramento, fazendo-o nos autos principais, por forma a evitar o trânsito em julgado [d]essa decisão de encerramento do processo» (Ac. da RL, de 22.06.2016, Ondina Carmo Alves, Processo n.º 1976/12.0TBFUN-D.L1-2). [54]Neste sentido, Ac. da RL, de 22.06.2016, Ondina Carmo Alves, Processo n.º 1976/12.0TBFUN-D.L1-2, onde se lê que, «uma vez que o processo de verificação de créditos se encontrava pendente, sem que nele tivesse ainda sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140º do CIRE, a extinção da instância do processo de verificação de créditos será consequência que resulta ope legis do encerramento do processo de insolvência». [55]Neste sentido (na jurisprudência mais recente): . Ac. da RP, de 15.06.2020, Eugénia Cunha, Processo n.º 8950/18.1T8VNG-H.P1 - onde se lê que, na «verdade, ocorre impossibilidade superveniente da lide - v. art. 277º, al. e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi nº1, do art. 17º, do CIRE - face ao estatuído na al. b), do nº2, do art. 233º, desse diploma, pois que o caso se não enquadra nas exceções aí apontadas, caindo no regime regra imposto». . Ac. da RP, de 15.04.2021, Joaquim Correia Gomes, Processo n.º Processo n.º 859/20.5 T8AMT-E.P1 - onde se lê que o «trabalhador enquanto credor de créditos laborais cuja entidade patronal foi declarada insolvente, pode, desde o momento em que tais créditos se podem considerar como vencidos (i) e os tenha reclamado no processo de insolvência (ii) - não sendo necessário a sua verificação e graduação neste último processo - requerer o seu pagamento ao Fundo de Garantia Salarial (FGS)».
Logo, havendo «essa possibilidade e tendo sido encerrado o processo de falência em virtude de a massa insolvente ser insuficiente, o processo de verificação ulterior de créditos deve ser declarado extinto, por impossibilidade superveniente». . Ac. da RC, de 26.04.2022, Arlindo Oliveira, Processo n.º 1072/21.0T8ACB-B.C1 - onde se lê que deve «determinar-se a extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide, do apenso de reclamação de créditos em insolvência, se os autos principais tiverem sido encerrados por insuficiência de bens, nos termos dos arts. 232.º, n.º 1, e 233.º, n.º 2, al. b), do CIRE, obstando, de acordo com a regra deste último preceito, a que seja proferida sentença de verificação e graduação de créditos». [56] O Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril.
Lê-se no seu preâmbulo que um «aspeto crucial do novo regime resulta da necessidade de garantir a transposição da Diretiva n.º 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, passando o FGS a abranger os trabalhadores que exerçam, ou tenham exercido habitualmente, a sua atividade em território nacional, mas ao serviço de empregador com atividade no território de dois ou mais Estados-Membros, ainda que o empregador seja declarado insolvente por tribunal ou autoridade competente de outro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu».
Esclarece-se ainda que, promovendo «uma lógica de estabilidade temporal e de segurança jurídica manteve-se no novo regime a regra de que o FGS assegura o pagamento dos créditos que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento do PER ou do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, atualmente o SIREVE, passando-se agora, no entanto, a prever que o pagamento dos créditos requeridos é assegurado até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho». [57] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 13.07.2021, Rosália Cunha, Processo n.º 2689/20.5T8VNF-D.G1, onde se lê que «não nos restam dúvidas de que o pagamento pelo FGS não depende da existência de uma prévia decisão judicial de reconhecimento do crédito, bastando unicamente que o crédito tenha sido reclamado no âmbito do processo de insolvência. Nem sequer é necessário que o crédito tenha sido verificado, pois a lei limita-se a exigir que tenha sido reclamado. Como tal, para o efeito deve o trabalhador apresentar junto do Fundo documento comprovativo dos créditos reclamados, nos termos do art. 5º, nº 2». [58] No mesmo sentido, Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 555, onde se lê que «a (…) inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor (…) encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida»; e, por isso, «a solução do litígio deixa de interessar», por «o resultado visado (…) já ter sido atingido por outro meio». [59] Neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, pág. 321. [60] Como exemplo de doutrina conforme, Marco Carvalho Gonçalves, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, Outubro de 2023, pág. 491, onde se lê que, no caso do administrador da insolvência comunicar ao juiz a insuficiência da massa insolvente, este, «depois de promover a audição prévia do devedor, da assemvleia de credores e dos credores da massa insolvente, (…) deve declarar o encerramento do processo, porquanto se torna inútil o seu prosseguimento - o que, consequentemente, acarreta a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, do apenso de reclamação de créditos e das ações de verificação ulterior de créditos que se encontrem pendentes». [61] Como exemplo de jurisprudência conforme: . Ac. da RP, de 15.06.2020, Fernanda Almeida, Processo n.º 8950/18.1T8VNG-G.P1 - onde se lê que, para permitir o pagamento pelo Fundo de Garantia Salarial «não é necessário o prosseguimento da instância do trabalhador que visa o reconhecimento do seu crédito» em acção de verificação ulterior proposta por apenso ao processo de insolvência da sua entidade empregadora, «ao contrário do que se afirma, por exemplo, no ac. RG, de 15.3.2018, Proc. 459/17.7T8VNF-C.G1». . Ac. da RP, de 15.06.2020, Eugénia Cunha, Processo n.º 8950/18.1T8VNG-H.P1 - onde se lê que «a lide de nenhuma utilidade, também, se revela, contrariamente ao que entende o Apelante, dada a inexistência de bens, a declaração do carater fortuito da insolvência e uma vez que o trabalhador/apelante alcança o fim visado por outro meio (específico)».
Com efeito, conclui «este ser a lide imprescindível para poder acionar o Fundo de Garantia Salarial, pois que, para tal, necessita do reconhecimento do crédito reclamado. Afirma que, caso a ação não seja decidida, o seu crédito laboral não será reconhecido e, por isso, não poderá recorrer ao Fundo de Garantia Salarial, apontando como normas violadas para além do art. 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, também, o art. 5º, nº 2, do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21 de abril, ficando, assim, o seu direito sem tutela.
Ora, tal não se verifica, de nenhuma ação tendo o Autor de lançar mão e de nenhuma sentença transitada em julgado tendo de estar munido para recorrer ao meio colocado ao seu dispor – a reclamação de pagamento ao Fundo de Garantia Salarial,meio específico de tutela consagrado pelo legislador», «próprio, autónomo e independente». . Ac. da RG, de 03.12.2020, Jorge Santos, Processo n.º 7842/19.1T8VNF.G1- onde se lê que é «inútil o prosseguimento da ação para reconhecimento e verificação de créditos do trabalhador (art. 277.º e) CPC) no âmbito da reclamação apresentada quando a insolvência apensa é encerrada antes do rateio final por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, nos termos do disposto no art. 232.º do CIRE.
Em tal caso, o trabalhador pode dirigir requerimento ao Fundo de Garantia Salarial, nos termos do art. 5.º do DL 59/2015, de 21.4, instruindo tal requerimento com a declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador emitida pelo administrador de insolvência». . Ac. da RG, de 13.07.2021, Rosália Cunha, Processo n.º 2689/20.5T8VNF-D.G1 - onde se lê que «nenhuma sentença tem que ter sido proferida para que o trabalhador beneficie do pagamento por parte do FGS, pelo que não existe interesse atendível que imponha o prosseguimento dos autos com essa finalidade, sendo inútil o prosseguimento da ação para reconhecimento e verificação ulterior dos créditos da trabalhadora». . Ac. da RE, de 27.10.2022, Emília Ramos Costa, Processo n.º 1441/21.5T8STR-A.E1 - onde se lê que «na situação que ora nos ocupa, e para além daquilo que o artigo 233.º, n.º 2, alínea b), do CIRE, dispõe, sempre estaríamos perante uma situação de inutilidade no prosseguimento da presente ação de reclamação de créditos, visto que o fundamento que as Apelantes invocaram para tal prosseguimento - a necessidades de tais créditos serem reconhecidos por sentença para lhes serem pagos pelo Fundo de Garantia Salarial - não corresponde às imposições legais previstas para que o referido Fundo atue».
Contudo, em sentido contrário:
. Ac. da Relação de Lisboa, de 30.06.2011, Maria João Areias, Processo n.º 179/04.2TBMFR.L1-7 - onde se lê que o «simples facto de determinado crédito ter sido reclamado no processo de insolvência não importa, por si só, a inutilidade da acção declarativa intentada pelo credor para o reconhecimento do seu crédito», exigindo-se, para esse efeito, que tenha igualmente sido proferida «sentença de verificação e graduação de créditos no processo de insolvência», onde «o credor tenha aí visto o seu crédito reconhecido».
Logo, nos «casos em que o processo de insolvência não culmine com a liquidação do património do insolvente e em que não há lugar a sentença de graduação de créditos, a declaração de insolvência não importará a inutilidade da acção declarativa pela qual o credor pretende ver reconhecida a existência do seu crédito». . Ac. da RG, de 15.03.2018, Conceição Bucho, Processo n.º 459/17.7T8VNF-C.G1 - quando «o processo de insolvência não culmina com a liquidação do património do insolvente e não há lugar a sentença de verificação de créditos, é óbvia a não inutilidade da acção declarativa pela qual o credor pretende ver reconhecida a existência do seu crédito». Com efeito, destinando-se «a acção à verificação e reconhecimento de crédito de trabalhador da insolvente e não podendo ser desapensada do processo de insolvência, o seu prosseguimento tem interesse para o trabalhador e não consubstancia qualquer acto inútil, nem a lide se tornou inútil».
A Relatora deste último acórdão veio, porém, a mudar de posição, visto ter subscrito como segunda-adjunta o já referido Ac. da RG, de 03.12.2020, Jorge Santos, Processo n.º 7842/19.1T8VNF.G1TRG. [62]Como exemplo de jurisprudência conforme: . Ac. da RP, de 14.05.2020, Espinheira Baltar, Processo n.º 4809/19.3T8VNF.G1- onde se lê que, tendo o tribunal considerado «que não era necessário proferir decisão judicial para que o requerente/apelante pudesse exercer o seu direito de requerer o pagamento dos seus créditos no Fundo de Garantia Salarial» e decidido «encerrar o processo» de insolvência, «julgamos que esta interpretação não põe em causa o direito de acesso à justiça previsto no artigo 20 da CRP, porque há outros meios previstos na lei para que o requerente/apelante possa requerer, perante o Fundo de Garantia Salarial, os seus créditos reclamados e reconhecidos no processo de insolvência, como acima o já referimos.
O facto de o Fundo de Garantia Salarial ter uma interpretação diversa, e haver algumas decisões do Tribunal Central Administrativo do Norte a exigir uma decisão judicial quando esteja em causa um crédito emergente da ilicitude de um despedimento, não significa que outros tribunais tenham de aderir a essa posição. Estamos perante decisões não vinculativas, pelo que o requerente/apelante não fica inibido de exercer o seu direito de acesso à justiça, como o fez ao propor a ação de insolvência, e obter um documento que comprova o seu crédito. Só terá de o reclamar perante o Fundo de Garantia Salarial». . Ac. da RG, de 03.12.2020, Jorge Santos, Processo n.º 7842/19.1T8VNF.G1- onde se lê que «os princípios constitucionais da legalidade e de acesso ao Direito e Tutela jurisdicional efectiva, previstos nos art. 3º e 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, encontram-se cumpridos pela aplicação ao caso das regras relativas ao Fundo de Garantia Salarial». . Ac. da RG, de 13.07.2021, Rosália Cunha, Processo n.º 2689/20.5T8VNF-D.G1 - onde se lê que a «invocação de que a trabalhadora não viu os seus créditos judicialmente reconhecidos nem no processo de insolvência nem no Tribunal de Trabalho não implica qualquer violação do art. 20º, nº 1, da CRP, que consagra que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. E não implica porque a lei estabeleceu um outro meio legal de satisfação do crédito dos trabalhadores que não possam ser satisfeitos pela entidade empregadora, mercê da sua insolvência, meio esse que se traduz exatamente no pagamento com recurso ao FGS, ao qual a autora pode recorrer nos termos já supra explanados.
Por outro lado, após o encerramento do processo, cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência e os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor nos termos gerais, salvas as restrições decorrentes do plano de insolvência e do art. 242º, nº 1, como decorre do disposto no art. 233º, nº 1, als. a) e c), ambos do CIRE»; e, por isso, «a entidade empregadora declarada insolvente pode ser demandada pela trabalhadora e, caso a mesma já se encontre extinta, podem ser demandados os sócios nos termos e para os efeitos do art. 163º do CSC». Assim, «também por esta via não se vislumbra a existência de qualquer violação do princípio consagrado no art. 20º, nº 1, da CRP, ou do direito de obter uma decisão judicial e a possibilidade de a fazer executar consagrado no art. 2º, nº 1, do CPC». . Ac. da RE, de 27.10.2022, Emília Ramos Costa, Processo n.º 1441/21.5T8STR-A.E1 - onde se lê que «não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade na aplicação do disposto no artigo 233.º, n.º 2, alínea b), do CIRE, uma vez que o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final, (…) determina que os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor», «constituindo para o efeito título executivo (…) a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em ação de verificação ulterior».
Por outro lado, «nos termos da alínea a) do n.º 1 deste artigo 233.º, os devedores recuperam o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa e do disposto no artigo 234.º do CIRE. Deste modo, respeitando as restrições elencadas, que não se verificam sequer na situação em apreço, todos os credores reclamantes podem, após a sentença de encerramento do processo de insolvência antes do rateio final, “intentar contra o devedor as acções executivas e declarativas necessárias ao exercício dos seus direitos”.
E, a ser assim, não é possível invocar a violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, concretamente não é possível aos credores da insolvência invocar que lhes foi vedado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos».