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RECONSTITUIÇÃO NATURAL
DIREITO À REPARAÇÃO
PROPOSTA RAZOÁVEL DE INDEMNIZAÇÃO
DANO DA PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO
Sumário
I - Visando a obrigação de indemnização o escopo fundamental e essencial da reconstituição da situação que existiria se o facto não se tivesse verificado, e tendo o legislador estabelecido o primado da restauração e reposição natural, então o lesado (proprietário da viatura automóvel danificada) tem, em regra, o direito de exigir a reparação integral dos danos materiais do veículo causados pelo acidente por forma a que seja resposto no exacto estado em que se encontrava antes do evento (sinistro), sendo que esta forma de indemnização específica (reconstituição natural) só será de excluir quando se verifique uma das situações previstas na 2ª parte do nº1 do art. 566º [isto é, quando tal reparação seja impossível, não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o responsável pela indemnização (no caso, a seguradora)]. II - Quanto à primeira das causas de exclusão da indemnização por reconstituição natural, afigura-se-nos ser inequívoco que a reparação do veículo é impossível: quando se mostre material ou tecnicamente inviável, quer porque o grau destruição impede a sua reconstituição, quer pela inexistência de peças que permitam substituir as danificadas, quer pela verificação de danos em elementos estruturantes da segurança do veículo que não seja possível corrigir; ou quando seja tecnicamente contraindicada ou desaconselhada, nomeadamente por razões que estejam conexionadas com as condições de segurança do veículo (ou melhor, com a falta dessas condições). III - Na apreciação da excessiva onerosidade da reconstituição natural não basta ser demonstrado o valor venal/comercial do veículo (isto é, o valor pelo qual pode ser vendido/comprado no mercado), havendo forçosamente que ter consideração o valor que o veículo representa dentro do património do lesado (antes do evento danificador), valor este que, embora integre a marca, o modelo, o ano da matrícula, as características técnicas e o seu estado, também integra necessariamente o conjunto concreto de necessidades que o uso do veículo permite satisfazer ao lesado e de utilidades que esse uso lhe proporciona (valor patrimonial). IV - Invocando o proprietário do veículo danificado o direito à indemnização por reconstituição natural (reparação), competem-lhe os ónus de alegação e de prova do quantum indemnizatório (valor do custo da reparação), mas já incumbem necessariamente ao responsável pela satisfação da indemnização (normalmente, a Seguradora) os ónus de alegação e de prova da verificação de uma das causas de exclusão da reconstituição natural previstas na 2ªparte do art. 566º/1, já que qualquer destas causas consubstancia uma excepção peremptória impeditiva do direito à restauração natural. V - Também para efeitos de fixação desta indemnização pecuniária se deve rejeitar o critério do valor venal (valor comercial do veículo antes do acidente), devendo ter-se em conta o valor de substituição, ou seja, o custo de aquisição no mercado de um veículo com as mesmas características do danificado (e relativamente ao qual está excluída a restauração natural) e que possa cumprir as mesmas funções (em termos de satisfação de necessidades e de concessão de utilidades) que lhe estavam destinadas enquanto bem integrador do seu património. VI - No que concerne à indemnização dos danos da privação do uso do veículo, há que ter em consideração que: quando se fala em dano da privação do uso, reportamo-nos ao prejuízo resultante da impossibilidade temporária de usar um bem (dos inconvenientes da pura e mera impossibilidade de usar um bem) que integra o património do lesado; que esta impossibilidade configura sempre uma ofensa ao direito de propriedade sobre o veículo, uma vez que o conteúdo deste direito integra o poder/direito de usar, fruir e dispor do bem, no caso, um veículo (cfr. art. 1305º do C.Civil); e que cabe ao proprietário inerente faculdade de, em todo e em cada momento, optar de forma totalmente livremente se o utiliza ou não, sem que isso signifique que, quando opta por não o usar, o seu direito de propriedade sobre o bem pode ser ofendido/afectado (designadamente, em termos que tornar impossível a sua utilização). VII - A terceira corrente (tese intermédia) jurisprudencial sobre o dano de privação d uso, ao exigir para a indemnização do dano de privação do uso que o lesado demonstre que pretende usar o bem, não protege de forma integral todas as faculdades em que se expressa o direito de propriedade (faculdades que estão que até são constitucionalmente tuteladas pelo art. 62º da C.R. Portuguesa). VIII - Deve aderir-se à corrente à primeira corrente jurisprudencial segundo a qual a mera privação do uso do veículo é sempre, só por si, um dano de natureza patrimonial indemnizável uma vez que impede o proprietário de exercer uma das faculdades inerentes ao seu direito de propriedade sobre o mesmo (no caso, o direito de usar quando bem entender) e que o exercício da faculdade de uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, donde resulta que a mera privação e impossibilidade de uso representa impacto negativo na esfera jurídica do titular do direito de propriedade. IX - Este dano deve ser indemnizado pelo responsável civil que causou tal privação/impossibilidade ilícita e culposa, sem necessidade e independentemente da alegação e prova dos concretos danos sofridos pelo proprietário ou da alegação e prova de que fazia um efectivo uso, ou pretendia fazê-lo, do veículo. E só não deverá ser indemnizado no caso do responsável civil demonstrar que o proprietário do veículo não tinha qualquer interesse em exercer as faculdades e/ou obter as utilidades ordinárias e normais do mesmo ou que, por circunstâncias estranhas ao âmbito do seu domínio, o lesado não tinha qualquer possibilidade de utilização do veículo (o ónus de prova incumbe ao responsável porque estamos perante factos impeditivos da indemnização).
ACORDAMOS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES,
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1. RELATÓRIO
1.1. Da Decisão Impugnada
O Autor AA instaurou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra a Ré A EMP01... - COMPANHIA DE SEGUROS, SA, pedindo que: «A) Deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor a quantia de € 9.429,05, respeitante ao valor da reparação do ..-..-VA, a que acrescem os juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a citação até integral e efectivo pagamento, ou em alternativa que mande reparar o veículo e pague a respectiva reparação; B) Deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor a quantia diária não inferior a € 10,00 (dez euros), a título de imobilização e privação do uso do ..-..-VA, com início na data em que ocorreu o acidente, ou seja 02 de Junho de 2021, até àquela em que a Ré lhe pague o valor inerente à reparação, ou até à data em que o veículo seja restituído ao Autor totalmente reparado, quantia que, já liquidada, ascende nesta data ao montante global de € 1.810,00 (mil, oitocentos e dez euros), (181 dias x 10,00 €); C) Deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor, ou à oficina onde o ..-..-VA continua imobilizado, a importância por aquela reclamada, e devida a título de ocupação do espaço do veículo na referida oficina, quantia que, por ainda estar em curso, se relega a sua liquidação para execução de sentença».
Fundamentou a sua pretensão, essencialmente, no seguinte: «no dia 02/06/2021, cerca das 19:00 horas, na EN ...06, km 25,700, em ... (...), concelho ..., ocorreu um acidente de viação entre o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com matrícula ..-OQ-.., propriedade de BB, e conduzido por ordem, interesse e com o conhecimento desta por CC, e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com matrícula ..-..-VA, propriedade do Autor e conduzido pela sua irmã com o conhecimento deste, DD; o acidente deu-se por culpa única e exclusiva do condutor do ..-OQ-.., estando transferida para a Ré a responsabilidade civil emergente de acidente de viação através da apólice de seguro com o número ...62; como consequência directa do acidente descrito resultaram no ..-..-VA danos, no guarda-lamas direito, capot, faróis e farolins, pára-choques, mecânica e pintura, e, como não podia circular, foi transportado de reboque, para uma oficina; o Autor reclamou de imediato que a Ré procedesse à vistoria dos danos e alertou que o veículo era-lhe imprescindível, reclamando que a mesma lhe colocasse à disposição um veículo alternativo; por carta datada de 29-06-2021, a Ré informou o Autor aceitar que o valor da reparação ascendia a € 9.429,05, entendendo que a reparação era economicamente inviável, e pretendendo pagar ao Autor o montante de € 2.256,00, dizendo que o salvado tinha um valor de € 488,00; o Autor não aceitou os valores propostos já que pretendia a reparação do veículo, o qual, antes de ocorrer o acidente, estava em ótimo estado e tinha sido adquirido pelo Autor em estado de novo, a 19-05-2003; o veículo satisfazia plenamente as necessidades de transporte do Autor e de toda a sua família e antes do acidente, atento o seu estado, tinha um valor comercial não inferior a € 9.500,00; era com o veículo que o Autor fazia as deslocações diárias quer para o trabalho, quer para assistência médica, quer para compras para casa, quer para outras necessidades da vida familiar; a privação do seu uso vem-lhe causando transtornos e despesas e o aluguer de um veículo alternativo tem um custo diário não inferior a € 30,00».
Citada, a Ré contestou, pugnando por «ser a acção julgada de acordo com os factos apurados e a responsabilidade que deles resultar para cada um dos condutores intervenientes, com todas as consequências legais».
Fundamentou a sua defesa, essencialmente, no seguinte: «por contrato de seguro assumiu a responsabilidade pelo pagamento das indemnizações devidas pelos danos causados pelo veículo de matrícula ..-OQ-..; a Ré, em virtude da impossibilidade de definir a quem pertenceu a responsabilidade da produção do sinistro entendeu propor repartir a responsabilidade em 50%, mas nunca assumiu a responsabilidade do condutor do veículo por si segurado na produção do sinistro; realizada a peritagem foi possível apurar danos num montante total de €9429,05 com possível agravamento de 10% após desmontagem, razão pela qual viria a resultar uma perda total, isto porque o valor venal do veículo do Autor à data do sinistro era de € 5000,00 e os salvados eram no valor de € 488,00; a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo quando se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa100 % ou 120 % do valor venal do veículo consoante se trate respetivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos; as condições de segurança foram gravemente afetadas a nível de estrutura, de órgãos ativos como suspensão, direção e transmissão assim como órgãos passivos air-bags, pelo que a reparação é tecnicamente não aconselhável, podendo inclusive ser materialmente impossível uma vez que estamos a falar de uma viatura de dezoito anos e desconhecendo se existem peças originais disponíveis; e a reparação é excessivamente onerosa».
Foi proferido despacho saneador, no qual, para além do mais, se identificou o objeto do litígio e se selecionaram os temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença com o seguinte decisório: “Julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré EMP01..., S.A. a pagar ao autor AA a quantia global de €6.012,00 (seis mil e doze euros) acrescida de juros de mora contados desde a citação da ré até efetivo e integral pagamento, calculados à taxa supletiva prevista para as obrigações civis, absolvendo-a do demais peticionado…”.
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1.2. Do Recurso do Autor
Inconformado com a sentença, o Autor interpôs recurso de apelação, pedindo que “por ter violado o disposto nos artigos 562º, do CC, 566º, nºs 1 e 2, do CC, 41º, nº 1, al. c) do DL 291/2007, de 21.8, 805º, n.º 3, do CC, 806º, n.º 3, do CC, 342º, n.º 2, do CC, 564º, n.º 1, do CC, 334º do CC, 570º do CC, deve a sentença ser revogada e substituída por outra nos termos expostos nas presentes alegações” e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações (que se reproduzem de forma integral):
“1ª. Nos presentes autos discute-se unicamente a fixação da indemnização a cargo da Recorrida, mas já não a existência dessa obrigação, sendo pacífico e incontroverso que a Recorrida se encontra obrigada a reparar os danos sofridos pelo Recorrente em virtude do acidente de viação, o qual ocorreu por culpa exclusiva do veículo segurado na Recorrida. 2ª. O princípio geral referente à obrigação de indemnização é o princípio da reconstituição natural consagrado no art. 562º, do CC, onde se estabelece que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. 3ª. Subsidiária ou sucedaneamente, existe a possibilidade de reparar o dano mediante o pagamento de indemnização em dinheiro ou por equivalente. 4ª. No caso concreto, a divergência entre as partes reside exatamente em saber se é ou não excessivamente onerosa para a Recorrida a reparação do veículo do Recorrente. 5ª. O Recorrente pretende que a Recorrida seja condenada a indemnizá-lo no montante correspondente ao custo de reparação do veículo VA, ou que a Recorrida seja obrigada a mandar efetuar a reparação, custeando o seu valor, pedidos que formula de forma alternativa na p.i. e que são atinentes à reconstituição natural. 6ª. O Recorrente considera que perante os factos dados como provados, a Recorrida seguradora deveria ter sido condenada no referido no pretérito artigo, uma vez que desses factos não resulta que a reparação seja excessivamente onerosa. Na realidade, sobre esta matéria está dado como provado que: Q. Tendo, por carta datada de 29-06-2021, informado o autor que o valor da reparação ascendia a €9.429,05, entendendo, no entanto, que a reparação era economicamente inviável. R. Pretendendo pagar ao autor o montante de €2.256,00. S. E dizendo que o salvado tinha um valor de €488,00. U. Um veículo semelhante ao VA, foi publicitado em “site” automóvel pelo preço de €7.800,00. W. Não existem peças novas para reparação e substituição dos elementos passivos de segurança, entre eles os airbags, do VA. X. O valor dos salvados do VA cifra-se em €488,00, e o venal em €6.500,00. 7ª. Nas palavras de Antunes Varela (in Das Obrigações em Geral, Vol. I, pág. 877) excessiva onerosidade ocorre “quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural envolve para o responsável”. 8ª. O Acórdão da Relação de Évora, de 25.1.2018, Relator Manuel Bargado (in www.dgsi.pt) considera, em termos que aqui perfilhamos, que “a existência da excessividade da restauração natural resulta da verificação cumulativa de dois requisitos, sendo o primeiro o do benefício para o credor, consequente à reconstituição, e o segundo o de que esta se revele iníqua e abusiva, por contrária aos princípios da boa-fé, pelo que a reconstituição natural será excessivamente onerosa para o devedor e, portanto, de excluir, por inadequada, apenas quando se apresente manifestamente desproporcionada, em face do sacrifício que importa exigir do lesante, quando confrontado com o interesse do lesado na integridade do seu património”. 9ª. Sendo a excessiva onerosidade da reconstituição natural matéria de exceção, compete ao sujeito da obrigação de indemnização a prova respetiva, conforme as regras de repartição do ónus da prova constantes do art. 342º, nº 2, do CC. 10ª. Por conseguinte, impendia sobre a ré a prova dos factos de onde se pudesse retirar a conclusão da excessiva onerosidade da indemnização por reconstituição natural. Nada se provou sobre esta matéria com exceção do valor do veículo e do valor de reparação. 11ª. Da matéria dada como provada resulta que: Em virtude do acidente, o veículo ficou impedido de circular, pelo que o Recorrente deixou de o poder utilizar para as aludidas finalidades. O VA tinha sido inspecionado a 6.5.2021 e não tinha quaisquer deficiências, apresentando como percorridos 297083 quilómetros. Um veículo semelhante ao VA, foi publicitado em “site” automóvel pelo preço de € 7.800,00. O valor dos salvados do VA cifra-se em € 488,00, e o venal em € 6.500,00. 12ª. Assim, embora o valor da reparação seja superior ao valor venal do veículo, não se pode considerar que a indemnização por reparação natural seja excessivamente onerosa para a seguradora uma vez que não existe manifesta desproporção entre o interesse do autor lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural envolve para a seguradora, não representando o mesmo um sacrifício excessivo em termos patrimoniais. 13ª. Por outro lado, a reparação também não representa qualquer enriquecimento para o Recorrente, pois não há qualquer indício de que o VA passe a valer mais depois de reparado. 14ª. Assim, e em conclusão, estando assente que sobre a Recorrida impende a obrigação de indemnizar o Recorrente pelos danos decorrentes do acidente e não tendo a mesma provado, como lhe competia, factos de onde se possa concluir pela excessiva onerosidade da reparação do veículo, não se verifica a hipótese prevista no art. 566º, nº 1, do CPC, que permite a indemnização em dinheiro, devendo antes a indemnização consistir na reconstituição natural de acordo com o princípio geral estabelecido no art. 562º, do CC, ou no pagamento do valor real da reparação. 15ª. Quanto à privação do uso do veículo, está dado como provado que o acidente ocorreu no dia 2.06.2021, o veículo ..-..-VA era utilizado diariamente pelo Recorrente nas suas deslocações pessoais e encontra-se imobilizado desde a data da ocorrência do descrito sinistro até à presente data. 16ª. Com base nessa facticidade – e à semelhança do que se concluiu na sentença recorrida – dir-se-á ser a mesma suficiente para permitir afirmar que a privação do uso da viatura nos moldes referidos causou ao Recorrente um prejuízo patrimonial, prejuízo que é indemnizável. 17ª. A falta de reparação de uma viatura sinistrada ou, quando esta não seja viável pela sua onerosidade, a indemnização correspondente, não retiram ao lesado o prejuízo que este sofreu pela privação do veículo, pelo menos até à reparação ou disponibilização do pagamento dessa mesma indemnização. 18ª. Porque não foram provados factos que permitam concluir pelo valor exacto do dano, impõe-se o recurso ao disposto no art. 566º, n.º 3, do CC, fixando-se a indemnização de acordo com a equidade, segundo juízos de verosimilhança e probabilidade, em atenção ao curso normal das coisas e de harmonia com as circunstâncias do caso concreto. 19ª. Segundo o art. 42º do Dec. Lei n.º 291/2007: «1 - Verificando-se a imobilização do veículo sinistrado, o lesado tem direito a um veículo de substituição de características semelhantes a partir da data em que a empresa de seguros assuma a responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente, nos termos previstos nos artigos anteriores». 20ª. No caso sub júdice, não obstante estar provado que a Recorrida informou o Recorrente que o veículo ..-..-VA se encontrava em situação de perda total e que a respectiva indemnização teria por base o montante de € 2.256,00, correspondente ao valor venal do veículo antes do acidente, ao qual seriam descontados € 488,00 a título do valor do salvado, esse facto, por si só, é irrelevante com vista à cessação da obrigação de indemnização por privação do uso, visto que o Recorrente rejeitou a proposta de perda total de veículo e do montante da indemnização apresentada, pugnando pela reparação do veículo. 21ª. Diferente seria se o tribunal viesse dar razão à seguradora/recorrida relativamente à situação de perda total e ao montante que esta propôs pagar ao lesado, posto que, nesta hipótese, a partir do momento da apresentação da proposta indemnizatória por parte da seguradora teria ocorrido mora do credor e a seguradora não teria de responder pelo agravamento dos danos após a constituição em mora. 22ª. No caso em apreço, o Tribunal não aceitou os valores propostos pelo Recorrente, e deu como provado que os salvados ascendiam a € 488,00, e o valor venal a € 6.500,00. Sendo que igualmente deu como provado que um veículo semelhante ao do Recorrente foi publicitado em “site” automóvel com valor de venda de € 7.800,00. 23ª. Logo, inexiste qualquer mora do credor, já que o Recorrente tinha o direito de não aceitar a indemnização proposta, como não aceitou. 24ª. Assim, mercê da imobilização do veículo sinistrado, não se tratando de uma situação de perda total e nem tendo a seguradora disponibilizado uma viatura de substituição pelo período necessário à reparação, o lesado tem direito a ser indemnizado pela privação do uso da viatura entre a data em que se deu o acidente (data em que o proprietário ficou privado do uso da coisa) até ao pagamento pela Recorrida do valor devido a título do custo da reparação do veículo. 25ª. Isto porque, como salienta o Ac. do STJ de 17/01/2013, proc. n.º 169/1993.P1.S1 (relator João Bernardo), o “dano da privação do uso é um dano evolutivo (aumenta até à entrega do veículo reparado ou de substituição). 26ª. E, pelas razões já anteriormente explicitadas, também nesta parte não é possível concluir pela verificação de qualquer situação de abuso de direito ou de enriquecimento sem causa por parte do lesado. Sempre se acrescentará não resultar evidenciado nos autos que o Recorrente dispunha de meios económicos para reparar o veículo, pelo que fica afastada a imputação de um juízo de censura dirigida ao seu comportamento, concretizada por via da invocação do abuso de direito (art. 334º do CC) ou através da redução da indemnização, nos termos do disposto no art. 570º do CC, e esse ónus da prova incumbia à Recorrida”.
A Ré contra-alegou, pugnando pela improcedência total do recurso e manutenção da sentença recorrida.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo, não tendo sido objecto de alteração neste Tribunal da Relação.
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Foram colhidos os vistos legais.
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2. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR
Por força do disposto nos arts. 635º/2 e 4 e 639º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (as conclusões limitam a esfera de actuação do Tribunal), a não ser que se tratem de matérias sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, ou que sejam relativas à qualificação jurídica dos factos (cfr. art. 608º/2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº2, in fine, e 5º/3, todos do C.P.Civil de 2013).
Mas o objecto de recurso é também delimitado pela circunstância do Tribunal ad quem não poder conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis”[2] (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida[3]).
Neste “quadro legal” e atentas as conclusões do recurso de apelação interposto pelo Autor, são duas questões a apreciar por este Tribunal ad quem:
A) Se a indemnização pecuniária atribuído pelo Tribunal a quo (no valor € 6.012,00) a título de danos materiais sofridos pelo veículo do Autor deve ser alterada para uma indemnização por reconstituição natural, reconhecendo-se-lhe o direito ao valor correspondente ao custo da sua efectiva reparação (€ 9.249,05), ou o direito a exigir da Ré a reparação o veículo e a suportar o respectivo custo;
B) E se assiste ao Autor o direito a receber da Ré uma indemnização pela privação de uso do veículo.
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3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença ora impugnada, o Tribunal a quo considerou como provados os seguintes factos:
A. No dia 2 de junho de 2021, cerca das 19 horas, na EN ...06, ao km 25,700, em ... (...), concelho ..., ocorreu um choque frontal entre o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de serviço particular, matrícula OQ, propriedade de BB e conduzido por CC, e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de serviço particular, matrícula VA, propriedade do autor e conduzido pela sua irmã DD.
B. DD conduzia o ..-..-VA pela EN ...06 – uma faixa de rodagem com duas vias para o trânsito com sentidos opostos de marcha, separadas por uma linha longitudinal contínua – no sentido ... - ..., fazendo-o dentro da via da direita, atento o sentido que levava, e a uma velocidade não concretamente apurada.
C. Ao deparar-se com uma curva, que para si se desenhava à esquerda, de visibilidade reduzida, a DD vê a circular, em sentido contrário ao por si seguido, o OQ.
D. O condutor do OQ, ao descrever a curva que, para si, se desenhava à direita, invadiu a via em que seguia o VA, e, nessa via, junto à hemi-faixa, embateu na parte frontal esquerda desse veículo VA com a parte frontal do OQ.
E. O OQ tinha os pneus gastos e sem aderência, o que motivou que fosse levantado ao proprietário o auto de contraordenação n.º ...72....
F. O pneumático traseiro direito do VA ficou a uma distância de 0,50 metros da linha que delimita a berma direita da Estrada Nacional, e o pneumático frente direito a uma distância de cerca de 0,70 metros da mesma linha.
G. O pneumático traseiro esquerdo do VA ficou a cerca de 0,40 metros da linha delimitadora das duas faixas de rodagem e dentro da faixa sentido ... → ....
H. O OQ, com o embate, rodopiou, ficando atravessado na via em que seguia.
I. A estrada, no local, tem 5,30 metros de largura.
J. O piso é betuminoso e, à data do acidente, estava seco e limpo.
K. A proprietária do OQ transferiu para a ré, pela apólice de seguro em vigor à data do acidente com o número ...62, a obrigação de indemnização decorrente da responsabilidade civil emergente de acidente de viação.
L. Em consequência do embate, resultaram no VA danos, nomeadamente nos airbags, guarda-lamas direito, capô, faróis e farolins, pára-choques, mecânica e pintura, para cuja reparação são necessários pelo menos €9.429,05.
M. O VA foi transportado de reboque, do local onde ocorreu o acidente, para uma oficina sita na vila de ....
N. O Autor reclamou de imediato à ré a vistoria dos danos que o VA apresentava, indicando que o veículo lhe era imprescindível para efetuar as deslocações diárias, quer para ir para o trabalho, quer para ir às compras e outras.
O. E reclamou um veículo de substituição.
P. A ré vistoriou os estragos do VA.
Q. Tendo, por carta datada de 29-06-2021, informado o autor que o valor da reparação ascendia a €9.429,05, entendendo, no entanto, que a reparação era economicamente inviável.
R. Pretendendo pagar ao autor o montante de €2.256,00.
S. E dizendo que o salvado tinha um valor de €488,00.
T. O VA tinha sido inspecionado a 6.5.2021 e não tinha quaisquer deficiências, apresentando como percorridos 297083 quilómetros.
U. Um veículo semelhante ao VA, foi publicitado em “site” automóvel pelo preço de €7.800,00.
V. O valor estimado de reparação do VA referido em L foi o obtido sem desmontagem.
W. Não existem peças novas para reparação e substituição dos elementos passivos de segurança, entre eles os airbags, do VA.
X. O valor dos salvados do VA cifra-se em €488,00, e o venal em € 6.500,00.
Na mesma sentença ora impugnada, o Tribunal a quo considerou como não provados os seguintes factos:
1. O condutor do OQ conduzia a velocidade não inferior a 80 km / hora.
2. O pneumático frente esquerdo do VA ficou a cerca de 1 metro da linha delimitadora das vias de trânsito divisória.
3. A velocidade máxima no local é de 50 km / hora.
4. O VA foi comprado pelo autor em estado de novo, a 19.5.2003.
5. O VA, antes de ocorrer o acidente, tinha a pintura metalizada e estava nova, sem qualquer risco.
6. A chapa não tinha qualquer amolgadela ou rasto de ferrugem.
7. O veículo não tinha tido qualquer embate.
8. Era sistematicamente guardado em garagem fechada.
9. Efetuava todas as revisões em oficina da marca.
10. O VA, antes do acidente, vendia-se por preço não inferior a €9.500,00; ou por preço não superior a €5.000,00.
11. O veículo sinistrado é imprescindível ao autor.
12. Era com o mesmo que fazia as deslocações diárias quer para o trabalho, quer para assistência médica, quer para compras para casa, quer para outras necessidades da vida familiar.
13. A privação do seu uso vem-lhe causando transtornos e despesas.
14. O aluguer de um veículo alternativo do mesmo género tem um custo diário não inferior a €30,00.
15. A oficina onde o VA está imobilizado reclama o pagamento de valores pela ocupação do espaço.
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4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. Da Indemnização ou Reparação do Danos Materiais do Veículo
No presente recurso (como decorre das questões supra elencadas quanto ao respectivo objecto) não foi colocada em causa a sentença recorrida quanto ao juízo de mérito que «atribuiu ao condutor do veículo ..-OQ-.. a culpa exclusiva na eclosão do acidente (no qual também interveio o veículo do Autor/Recorrente) e a constituiu na obrigação de indemnizar pelos danos ocorridos», quanto ao juízo de mérito que «na sequência do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel celebrado pela proprietária do veículo ..-OQ-.., responsabilizou a Ré pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo autor» e quanto à absolvição da Ré do pedido formulado sob a alínea C) da parte final da petição inicial (condenação da Ré «a pagar ao Autor, ou à oficina onde o ..-..-VA continua imobilizado, a importância por aquela reclamada, e devida a título de ocupação do espaço do veículo na referida oficina»).
A impugnação recursiva reporta-se, apenas, à forma e quantum da reparação/indemnização dos danos materiais sofridos pelo veículo do Autor e à verificação de um dano indemnizável pela privação do uso do veículo.
Na presente questão, importa apreciar e determinar em que termos devem ser reparados/indemnizados os referidos danos materiais.
O dano é “perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar”[4]. Ou, por outra palavras, dano é “toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica”[5].
Os danos distinguem-se em danos patrimoniais e danos não patrimoniais (também designados por «danos morais»), conforme sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuniária: “os primeiros, porque incidem sobre interesses de natureza patrimonial ou económica, reflectem-se no património do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral”[6]. Como refere Antunes Varela[7], “alude-se ao dano patrimonial ou material para abranger os prejuízos que, sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, podem ser reparados ou indemnizados, senão directamente (mediante restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior à lesão), pelo menos indirectamente (por meio de equivalente ou indemnização pecuniária). Ao lado destes danos pecuniariamente avaliáveis, há outros prejuízos que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”.
Para o caso em apreço, releva apenas o dano patrimonial que abrange duas categorias de danos: a dos danos emergentes ou perda patrimonial, que compreende o prejuízo causado nos bens ou direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão; e a do lucro cessante ou lucro frustrado, que abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão[8]. Esta classificação dos danos patrimoniais obteve expressa consagração legal no art. 564º/1 do C.Civil: “O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”.
A obrigação de indemnização tem como escopo essencial, nos termos do disposto no art. 562º do C.Civil, a reconstituição da situação que existiria se o facto não se tivesse verificado, a qual pode ser alcançada através de dois processos: o da restauração ou reposição natural (este processo constitui a regra nos termos do disposto no art. 566º/1 do C.Civil); e o da satisfação em dinheiro ou equivalente, que só tem lugar quando a reconstituição natural é impossível, insuficiente ou inadequada, sendo certo que a indemnização em dinheiro é calculada em função da teoria da diferença - art. 566º/2 do C.Civil (a retribuição indemnizatória deverá, em princípio, fixar-se em valor equivalente à diferença entre a situação patrimonial do lesado no momento presente e a que a sua esfera jurídica acusaria na ausência do evento gerador da obrigação de ressarcimento).
Deste modo, quanto aos danos patrimoniais, sendo possível a reposição natural, será por ela que se deverá optar, uma vez que mais cabalmente assegura a reparação devida: “O fim precípuo da lei nesta matéria é, por conseguinte, o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes. Se o dano (real) consistiu na destruição ou no desaparecimento de certa coisa (veículo, quadro, jóia, etc.) ou em estragos nela produzidos, há que proceder à aquisição de uma coisa da mesma natureza e à sua entrega ao lesado, ou ao conserto, reparação ou substituição da coisa por conta do agente… Note-se que a lei (art. 562º) manda reconstituir, não a situação anterior à lesão, mas a situação (hipotética) que existiria, se não fora o facto determinante da responsabilidade”[9].
Mas se a reconstituição natural não for possível (por razões materiais ou jurídicas), ou não repare integralmente os danos (porque é insuficiente para cobrir todos os danos ou porque não abrange todos os aspectos em que o dano se desdobra) ou for excessivamente onerosa para o devedor (porque existe manifesta desproporção entre o interesse do lesado que deve ser reconstituído e o custo que a reparação natural implica para o responsável), por força do disposto no nº1 do citado art. 566º, os danos patrimoniais serão indemnizados mediante a entrega duma quantia em dinheiro. Esta indemnização em dinheiro equivalerá ao valor em que o património do lesado diminuiu em consequência do dano sofrido, e será medida pela “diferença entre a situação real actual do lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse o facto lesivo”[10]. Trata-se de uma consequência da teoria da diferença expressamente consagrada no art. 566º/2 do C.Civil: “Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”.
Portanto, no quadro legal traçado pelo art. 566º, a reconstituição natural constitui o meio-regra do cumprimento da obrigação de indemnização, que opera através da reparação do bem danificado ou da entrega de um outro bem idêntico ao danificado, apresentando a indemnização pecuniária um caracter subsidiário, enquanto sucedâneo para os casos de impossibilidade, de insuficiência ou de excessividade da reconstituição natural.
Mas “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos”, o nº3 do mesmo art. 566º determina que “o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
Embora o legislador tenha optado por não definir o conceito de equidade, esta corresponde à justiça do caso concreto e, julgar segundo equidade, é procurar a justiça do caso concreto limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal[11]. Assim, julgar segundo a equidade consiste obter a solução mais equilibrada no contexto da factualidade apurada no caso concreto, mas dentro de limites determináveis, sob pena, em caso contrário, se cair no puro e simples arbítrio. Explica-se no Ac. do STJ de 10/07/97[12] que “julgar segundo a equidade implica, de acordo com a especificidade do caso concreto, suprir a parcial falta de factos com princípios gerais de justiça e os ditames da consciência do julgador, sem que se chegue a um livre arbítrio”.
Em resumo, ao recorrer à equidade para fixar um montante indemnizatório, o Juiz está obrigado a atender sempre à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorrem no caso concreto, tendo o respectivo juízo de equidade que se fundar numa ponderação prudencial e casuística das circunstâncias do caso, sendo que a margem de discricionariedade que lhe é permitida nunca pode configurar uma «arbitrariedade» e nunca deverá colidir com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.
A responsabilidade do agente não abrange todos os danos sobrevindos ao facto ilícito, mas apenas os que dele resultam, ou seja, os causados por ele. Como refere Almeida Costa[13], “além do dano e do facto, exige-se que entre os dois elementos exista uma ligação: que o facto constitua causa do dano (...) Não há que ressarcir todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão só os que ele tenha na realidade ocasionado, os que possam considerar-se pelo mesmo produzidos”.
Com vista a resolver este problema da causalidade (ou seja, do nexo exigível entre o facto e o dano, para que este seja indemnizável), o legislador consagrou, no art. 563º do C.Civil, a teoria da causalidade adequada: “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Em matéria de acidentes de viação automóvel, o Dec.-Lei nº291/2017, de 21/09, aprovou o Regime do Sistema do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (e transposto parcialmente para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, que altera as Directivas nºs. 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho, e a Directiva n.º 2000/26/CE, relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis) - cfr. art. 1º deste diploma.
No capítulo III deste Dec.-Lei nº291/2017, sob a epígrafe «Da regularização dos sinistros», como decorre do respectivo art. 31º, é fixado um conjunto de regras e procedimentos a observar pelas seguradoras com vista a garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel.
Assim, nos subsequentes arts. 32º a 46º, são concretizadas as tais regras e procedimentos que visam facilitar e agilizar a resolução extrajudicial dos litígios decorrentes de acidentes de viação e que, para além do mais, impõem às seguradoras a obrigação de apresentação uma «proposta razoável de indemnização» com base em critérios objectivos.
As regras relativas à «proposta razoável de indemnização» em caso de perda total do veículo estão contidas no art. 41º Dec.-Lei nº291/2017 que prescreve:
“1 - Entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique uma das seguintes hipóteses: a) Tenha ocorrido o seu desaparecimento ou a sua destruição total; b) Se constate que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança; c) Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100 % ou 120 % do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos. 2 - O valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente. 3 - O valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização (…)”.
Este regime consagrado no capítulo III deste Dec.-Lei nº291/2017, instituidor do procedimento de apresentação de «proposta razoável de indemnização» e que inclui o art. 41º que consagra os critérios da perda total, apenas tem aplicação na fase extrajudicial de regularização e resolução do litígio decorrente de acidente de viação.
Frustrando-se a obtenção de acordo nesta fase extrajudicial, nomeadamente porque o lesado não aceitou a «proposta razoável de indemnização» da seguradora, finda o âmbito de aplicação do regime de regularização de sinistros previsto nos arts. 31º a 46º do Dec.-Lei nº291/2017, sendo inaplicável na fase judicial da resolução do litígio, na qual regem as regras gerais de fixação da indemnização previstas nos supra citados arts. 562º e 566º do C.Civil.
Tem sido este o entendimento uniforme da jurisprudência:
- Ac. do STJ de 28/05/2024[14] - “V. A proposta razoável de indemnização que a empresa seguradora está obrigada a apresentar ao lesado (uma vez assumida a responsabilidade pelas consequências do acidente) não tem que ser por este aceita, e, se a rejeitar, já não poderão ser convocadas as normas do SORCA, em particular as do seu artigo 41.º que regulam a situação de perda total do veículo interveniente no acidente. VI. Frustrando-se o acordo com o lesado, apresentado em proposta pela seguradora, aplicam-se em toda a sua plenitude as regras gerais sobre o cálculo da indemnização contidas no Código Civil, mormente as dos artigos 562.º e seguintes”;
- Ac. da RC de 97/09/2021[15] - “1. O art.º 41º do DL 291/2007, de 21.8, contém regras de definição da indemnização por perda total aplicáveis no âmbito do procedimento de proposta razoável previsto no Capítulo III do referido diploma legal, destinado a agilizar o acertamento extrajudicial da responsabilidade. 2. Não tendo as partes chegado a acordo no aludido procedimento, recorrendo o A. à via judicial, relevam, apenas, as regras gerais enunciadas nos art.ºs 562º e 566º do CC”[16];
- e Acs. desta RG de 01/07/2021[17] (“O art. 41º do DL 291/2007 não define o conceito de excessiva onerosidade para efeitos de preenchimento da previsão do art. 566º, nº 1, do CC, não substitui as regras que regulam o conteúdo da obrigação de indemnização previstas nos arts. 562º e ss do CC e nem sequer tem aplicação em sede judicial ou litigiosa pois rege unicamente para o exclusivo efeito de apresentação pela seguradora da proposta de indemnização razoável, em fase de resolução extrajudicial do sinistro”) e de 18/03/202[18] [“III. O critério de “perda total”, implicando o cumprimento da obrigação em dinheiro e não através da reparação do veículo (art. 41º, n.º 1, do D.L. 291/2007, de 21.08), restringe-se ao procedimento de apresentação pela seguradora da “proposta razoável” aos lesados (arts. 38º e 39º do citado D.L. n.º 291/2007, de 21.08), destinado simplesmente a agilizar o acertamento extrajudicial da responsabilidade decorrente de acidente de viação. IV. Como tal, caso não haja acordo no âmbito do referido procedimento extrajudicial, deverão valer as regras gerais emergentes do disposto nos arts. 562º e 566º, do C. Civil (entre as quais avultam, por um lado, o princípio da reparação in natura e, por outro, o principio da reparação integral do dano)”][19].
A aplicação do disposto nos arts. 562º e 566º do C.Civil à reparação dos danos materiais em veículo automóvel em consequência de acidente de viação tem especificidades próprias.
Visando a obrigação de indemnização o escopo fundamental e essencial da reconstituição da situação que existiria se o facto não se tivesse verificado, e tendo o legislador estabelecido o primado da restauração e reposição natural, então o lesado (proprietário da viatura automóvel danificada) tem, em regra, o direito de exigir a reparação integral dos danos materiais do veículo causados pelo acidente por forma a que seja resposto no exacto estado em que se encontrava antes do evento (sinistro), sendo que esta forma de indemnização específica (reconstituição natural) só será de excluir quando se verifique uma das situações previstas na 2ª parte do nº1 do art. 566º [isto é, quando tal reparação seja impossível, não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o responsável pela indemnização (no caso, a seguradora)].
Frise-se, no entanto, que, como o STJ tem vindo a sustentar, o lesado possa optar, desde logo, pelo pedido de indemnização em dinheiro ao invés do pedido de reconstituição natural: decidiu-se no seu Ac. de 14/09/2010[20] que “O princípio da reconstituição natural constante do art. 562.º do CC não impõe que o lesado se obrigue a deduzir pedido de reconstituição natural e subsidiariamente pedido de indemnização, podendo deduzir este último a título principal; tal princípio não obsta a que o lesante declare oportunamente a sua vontade de reparar os danos por reconstituição natural”; e no seu Ac. de 14/03/2023[21] explica-se que “a primazia da reconstituição natural tem como fundamento o interesse do lesado, pessoa a quem, de resto, é atribuído o direito à indemnização”, pelo que, “se assim é, apenas o lesado poderá avaliar qual a melhor forma de ser ressarcido dos danos causados, não podendo o lesante impor-lhe uma determinada forma de ressarcimento”, concluindo que “o lesado poderá optar pelo tipo de indemnização que pretende, restando ao lesante invocar a impossibilidade, inexigibilidade ou excessiva onerosidade da opção de reconstituição natural ou, de outra perspectiva, que a restituição em espécie é adequada e suficiente, caso o credor opte pela indemnização em dinheiro”.
Quanto à primeira das causas de exclusão da indemnização por reconstituição natural, afigura-se-nos ser inequívoco que a reparação do veículo é impossível: quando se mostre material ou tecnicamente inviável, quer porque o grau destruição impede a sua reconstituição, quer pela inexistência de peças que permitam substituir as danificadas, quer pela verificação de danos em elementos estruturantes da segurança do veículo que não seja possível corrigir; ou quando seja tecnicamente contraindicada ou desaconselhada, nomeadamente por razões que estejam conexionadas com as condições de segurança do veículo (ou melhor, com a falta dessas condições).
Não se mostra relevante para o caso em apreço a segunda dessas causas (insuficiente para reparar de forma integral os danos).
Já quanto à terceira (e última) causa elencada na 2ª parte do art. 566º/1, a lei não definiu o conceito de «excessiva onerosidade» da reconstituição natural.
Segundo Menezes Leitão[22], esta previsão legal “deve ser interpretada restritivamente sob pena de se pôr em causa o direito do lesado a dispor do seu próprio património. Apenas quando a reconstituição natural se apresente como um sacrifício manifestamente desproporcionado para o lesante e se deva considerar abusiva por contrária à boa-fé a sua exigência ao lesado, é que fará sentido excluir o seu direito à reconstituição natural”.
Na jurisprudência[23] tem vindo a defender-se que “a existência da excessividade da restauração natural resulta da verificação cumulativa de dois requisitos, sendo o primeiro o do benefício para o credor, consequente à reconstituição, e o segundo o de que esta se revele iníqua e abusiva, por contrária aos princípios da boa-fé, pelo que a reconstituição natural será, excessivamente, onerosa para o devedor e, portanto, de excluir, por inadequada, apenas, quando se apresente como um sacrifício, manifestamente, desproporcionado para o lesante, quando confrontado com o interesse do lesado na integridade do seu património”.
Uma vez que a obrigação de indemnização está directamente conexionada com a reparação do dano real ou concreto, então a aferição da existência ou não de excessiva onerosidade da reconstituição natural não pode limitar-se uma mera comparação da diferença entre o preço da reparação e o valor venal do veículo danificado, mais se impondo confrontar aquele custo da reparação com o valor patrimonial do veículo, o qual engloba necessariamente o valor de uso que dele retira o seu proprietário, ou seja, o valor que o mesmo representava dentro do seu património antes de ter sido danificado.
Com efeito, em matéria de veículos automóveis usados é inquestionável que o valor venal/comercial de um veículo pode não corresponder ao “valor” que o mesmo representa para o respectivo proprietário quer na satisfação de necessidades, quer na utilidade que lhe proporciona, pelo que é precisamente o conjunto que tais satisfação e utilidade que integra e consubstancia o valor desse veículo no património do proprietário, sendo que é este “valor patrimonial” que foi afectado em razão dos danos causados pelo acidente e que deve ser tido em consideração a aferição da existência ou não de excessiva onerosidade da reconstituição natural.
Explica-se no Ac. do STJ de 10/02/2004[24] que “um veículo muito usado fica desvalorizado e vale pouco dinheiro, mas, mesmo assim, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto que a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor comercial pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, o que é o mesmo que dizer que pode não reconstituir a situação que o lesado teria se não fossem os danos” e acentua-se no Ac. desta RG de 11/07/2017[25] que “O veículo, pela sua antiguidade, pode ter um valor comercial reduzido ou diminuto, mas mesmo assim ser apto a satisfazer as necessidades do seu proprietário que, de forma nenhuma poderá satisfazer com uma quantia correspondente a esse valor comercial, o que significa que, sem ele, poderá ver-se privado das comodidades que um veículo, ainda que «velho», proporcionava o que não pode deixar de ser considerado na reconstituição natural como forma de reparação do lesado”.
Nesta linha de entendimento, impõe acompanhar-se o já citado Ac. do STJ de 31/05/2016[26] quando afirma que “é errado estabelecer-se a comparação entre o valor venal ou de mercado do automóvel, antes do acidente, por um lado, e o custo da sua restituição natural [reparação ou aquisição de bem idêntico, em valor e qualidades], por outro, porquanto os termos da relação são, antes, entre o valor necessário para a satisfação dos interesses legítimos do credor, por um lado, e o custo da restauração natural, por outro” (os sublinhados são nossos).
Portanto, na apreciação da excessiva onerosidade não basta ser demonstrado o valor venal/comercial do veículo (isto é, o valor pelo qual pode ser vendido/comprado no mercado), havendo forçosamente que ter consideração o valor que o veículo representa dentro do património do lesado (antes do evento danificador), valor este que, embora integre a marca, o modelo, o ano da matrícula, as características técnicas e o seu estado, também integra necessariamente o conjunto concreto de necessidades que o uso do veículo permite satisfazer ao lesado e de utilidades que esse uso lhe proporciona (valor patrimonial).
Invocando o proprietário do veículo danificado o direito à indemnização por reconstituição natural (reparação), competem-lhe os ónus de alegação e de prova do quantum indemnizatório (valor do custo da reparação), mas já incumbem necessariamente ao responsável pela satisfação da indemnização (normalmente, a Seguradora) os ónus de alegação e de prova da verificação de uma das causas de exclusão da reconstituição natural previstas na 2ª parte do art. 566º/1, já que qualquer destas causas (designadamente, as situações de impossibilidade e de excessiva onerosidade) consubstancia uma excepção peremptória impeditiva do direito à restauração natural[27].
Ocorrendo a demonstração de uma destas causas de exclusão da reconstituição natural, então assistirá ao proprietário do veículo danificado o direito a uma indemnização pecuniária (cfr. 1ª parte do nº1 do art. 566º) que deverá recompor a situação patrimonial que o mesmo teria caso o veículo não tivesse sofrido os danos, ou seja, que recomponha o interesse do lesado.
Também para efeitos de fixação desta indemnização pecuniária se deve rejeitar o critério do valor venal (valor comercial do veículo antes do acidente), devendo ter-se em conta o valor de substituição, ou seja, o custo de aquisição no mercado de um veículo com as mesmas características do danificado (e relativamente ao qual está excluída a restauração natural) e que possa cumprir as mesmas funções (em termos de satisfação de necessidades e de concessão de utilidades) que lhe estavam destinadas enquanto bem integrador do seu património[28].
Como se dá conta no citado Ac. da RP de 16/01/2024[29], “a jurisprudência tem, maioritariamente, entendido que o critério orientador adoptado quanto ao valor de substituição é o valor patrimonial e não o valor comercial ou venal”, explicando-se no Ac. da RL de 29/09/2020[30] que “Na aplicação concreta dos conceitos - valor de substituição, valor venal ou comercial e valor patrimonial - os princípios enformadores da indemnização em responsabilidade civil, apontam para que o quantitativo monetário devido pela perda de um bem material, seja fixado na medida suficiente e necessária e assim operar a substituição na esfera jurídica do lesado, por outro bem com valor económico e uso concreto equivalente ao bem danificado”.
Jamais se podendo deixar de ter presente que a efectiva compensação de dano só é atingida se o lesado receber uma soma em dinheiro com a qual possa conseguir as mesmas vantagens ou utilidades que perdeu em consequência do facto gerador da responsabilidade civil indemnizatória, então nas situações que está excluída a reconstituição natural do veículo (e que, de uma forma genérica, reconduzem-se uma situação equivalente a «perda total» do bem) importa averiguar, para fixação da subsidiária indemnização pecuniária, qual era o seu valor concreto dentro do património do lesado e qual o valor necessário para operar a sua equivalência, sendo que, em muitos casos, tal valor não corresponde apenas ao valor que seria obtido com a sua venda no estado em que se encontrava antes do evento danoso precisamente porque, para além do seu valor venal, o uso do veículo permitia ao seu proprietário a satisfação de necessidades e concessão de utilidades que estão muito para além do seu mero valor comercial de aquisição ou venda[31].
Revertendo ao caso em apreço, verifica-se que, na sentença impugnada, o Tribunal a quo considerou que «a reparação do VA, independentemente da sua viabilidade económica ou não, não é possível, por deixar sempre em causa a segurança do veículo. Quer isto dizer que, a reparação do veículo não constitui uma obrigação exigível à ré. Aliás, mais do que lhe não ser exigível. É-lhe impedida, na medida em que, não recuperando as características de segurança, não deixará nunca o VA de ser considerado, legalmente, como um salvado, nos termos do artigo 13.º, a) do DL 44/2005» e mais considerou que «a indemnização corresponde, então, exatamente ao valor do veículo no momento imediatamente anterior ao acidente, ou valor venal (€6.500), deduzido do valor do salvado que se mantém propriedade do autor (€488,00), ou seja, a indemnização corresponde à quantia de €6.012,00».
No seu recurso, o Autor/Recorrente vem defender o seu direito à reconstituição natural e na condenação da Ré no pagamento da indemnização no valor do custo da reparação (ou, alternativamente, na condenação na efectivação da reparação, custeando o respectivo valor), invocando, essencialmente, que «perante os factos dados como provados, a Recorrida seguradora deveria ter sido condenada a pagar o custo da reparação ou na realização da reparação, uma vez que desses factos não resulta que a reparação seja excessivamente onerosa», que «impendia sobre a ré a prova dos factos de onde se pudesse retirar a conclusão da excessiva onerosidade da indemnização por reconstituição natural», que «nada se provou sobre esta matéria com exceção do valor do veículo e do valor de reparação», e que «embora o valor da reparação seja superior ao valor venal do veículo, não se pode considerar que a indemnização por reparação natural seja excessivamente onerosa para a seguradora» (cfr. conclusões 4ª a 14ª).
Parece-se-nos inequívoco que o Autor/Recorrente não atentou no concreto fundamento explanado na decisão recorrida para não lhe reconhecer o direito à indemnização por reconstituição natural do seu veículo danificado.
Com efeito, embora as partes tenham discutido nos seus articulados a verificação da excessiva onerosidade da reparação do veículo (uma das causas de exclusão da restauração natural), certo é que, na contestação, a Ré (ora Recorrida) também alegou matéria que podia demonstrar uma situação de impossibilidade da reparação (outra causa de exclusão da restauração natural): «as condições de segurança foram gravemente afetadas a nível de estrutura, de órgãos ativos como suspensão, direção e transmissão assim como órgãos passivos air-bags, pelo que a reparação é tecnicamente não aconselhável, podendo inclusive ser materialmente impossível uma vez que estamos a falar de uma viatura de dezoito anos e desconhecendo se existem peças originais disponíveis».
Relativamente a esta matéria, o Tribunal a quo apurou e considerou provado que «não existem peças novas para reparação e substituição dos elementos passivos de segurança, entre eles os airbags, do VA» (cfr. facto provado W), sendo que os airbags constituíram precisamente um dos danos provocados pelo acidente (cfr. facto provado L).
E foi com base nesta factualidade que o Tribunal a quo entendeu que «a reparação do veículo do Autor, independentemente da sua viabilidade económica, não é possível, por deixar sempre em causa a segurança do veículo» e que «a reparação não era exigível à Ré e estava-lhe impedida». Ou seja, concluiu estar verificada a primeira causa de exclusão da reconstituição natural prevista no art. 566º/1 («quando reconstituição natural não seja possível»).
Como decorre do teor das conclusões formuladas, o Autor/Recorrente não colocou minimamente em causa (não impugnou) este fundamento da sentença recorrida, pelo que, neste segmento, a decisão encontra-se assente e transitada.
Mas sempre se diga que, independentemente de não ter sido impugnado, entendemos ser correcto este entendimento do Tribunal a quo: para além de ser materialmente inviável relativamente a parte dos danos (inexistência de peças que permitam substituir os airbags), verifica-se a existência de um dano num elemento de segurança passiva do veículo que não é possível de corrigir de forma definitiva, elemento de segurança este que se destina precisamente a proteger os ocupantes do veículo em caso de colisão, o que releva extrema importância na segurança rodoviária, o que atesta uma situação de falta de condições de segurança para a circulação automóvel (sempre se revelando contraindicada executar uma reparação que não garante todas as condições de segurança de que um veículo deve estar dotado). Portanto, estando demonstrado que a reparação do veículo acidentado não garante todas as condições de segurança necessárias e adequadas à sua circulação, o que não permite assegurar quer o interesse do seu proprietário (sem airbags, ele próprio e os restantes ocupantes do veículo não estariam protegidos em caso de colisão) nem o interesse geral na existência de efectiva segurança na circulação estradal, então este “quadro” representa uma situação em que não é possível a reconstituição natural do veículo (e também até perante uma situação em que não é possível a reparação integral dos danos).
Estando demonstrada uma das causas que legalmente excluem a indemnização através da reconstituição natural (impossibilidade de reparação), o que não foi impugnado no presente recurso, então mostra-se absolutamente inútil e prejudicada a apreciação da existência ou não de qualquer outra causa de exclusão, designadamente a situação de excessiva onerosidade da reparação: aliás, o Tribunal a quo nem sequer se pronunciou sobre esta causa.
Deste modo, porque não foi colocado em causa este fundamento legal impeditivo da reconstituição natural, mostram-se irrelevantes todas as conclusões formuladas pelo Autor/Recorrente no sentido de defender que a Ré/Recorrida incumpriu o ónus de prova que sobre si recaía de demonstrar a «excessiva onerosidade».
Logo, a Ré/Recorrida alcançou provar a verificação de uma excepção peremptória impeditiva do direito à reconstituição natural previsto no art. 562º do C.Civil, entendimento este que foi sufragado na sentença recorrida, que não foi impugnado em sede recursiva e se mostre juridicamente acertada.
Por conseguinte, não pode o Autor/Recorrente, em sede de recurso, subsistir e insistir na sua pretensão de obter a reconstituição natural do seu veículo, não lhe assistindo o direito a receber da Ré/Recorrida uma indemnização equivalente ao custo da reparação (nem o direito de exigir desta a realização da reparação com pagamento do respectivo custo), o que, por si só, implica a improcedência do presente fundamento de recurso (que, no fundo, se mostra deslocado perante o fundamento concreto em que se baseou a decisão recorrida para lhe recusar tal direito).
Ainda assim, sempre cumpre fazer um esclarecimento.
Como se deixou antedito, ocorrendo a demonstração de uma das causas de exclusão da reconstituição natural (previstas na 2ªparte do nº1 do art. 566º), assiste ao Autor/Recorrente (proprietário do veículo danificado) o direito à (subsidiária) indemnização pecuniária (cfr. 1ª parte do nº1 do art. 566º) com vista a recompor a situação patrimonial que teria caso o veículo não tivesse sofrido os danos.
Para efeitos da sua fixação, como também supra se explicou, deve rejeitar-se o critério do valor venal (valor comercial do veículo antes do acidente), havendo ter em conta o valor de substituição.
Percorrendo a factualidade provada, constata-se que apenas se apurou que «o valor dos salvados do VA cifra-se em €488,00, e o venal em € 6.500,00» (cfr. facto provado X). Ou seja, sabemos que o valor comercial do veículo danificado, antes do acidente, era de € 6.500,00.
E percorrendo a factualidade não provada, mais se verifica que o Autor/Recorrente não logrou demonstrar (tal como lhe incumbia em exclusivo, por serem factos constitutivos do seu direito – cfr. art. 342º/1 do C.Civil): por um lado, que o valor comercial do seu veículo era superior aos aludidos € 6.500,00 [não ficou provado que «o VA, antes do acidente, vendia-se por preço não inferior a €9.500,00» - cfr. facto não provado nº10]; por outro lado, que usava o seu veículo para satisfazer necessidades suas e da sua família e/ou que lhe proporcionava utilidades [não ficou provado que «o veículo sinistrado é imprescindível ao autor» nem que «era com o mesmo que fazia as deslocações diárias quer para o trabalho, quer para assistência médica, quer para compras para casa, quer para outras necessidades da vida familiar» - cfr. factos não provados nºs. 11 e 12]; e, por fim, qual era o seu estado de conservação [não ficou provado que «o VA, antes de ocorrer o acidente, tinha a pintura metalizada e estava nova, sem qualquer risco», nem que «a chapa não tinha qualquer amolgadela ou rasto de ferrugem», nem que «o veículo não tinha tido qualquer embate», nem que «era sistematicamente guardado em garagem fechada», e nem que «efetuava todas as revisões em oficina da marca» - cfr. factos não provados nºs. 5 a 9].
Daqui decorre inexistirem nos autos elementos probatórios que permitam comprovar que, no caso concreto, o valor de substituição do veículo do Autor/Recorrente tinha, antes do acidente, um valor superior àquele foi apurado quanto ao seu valor comercial.
Saliente-se que, apesar de estar provado que «um veículo semelhante ao VA, foi publicitado em “site” automóvel pelo preço de €7.800,00» (cfr. facto provado U), este dado probatório é, por si só, insuficiente para permitir reconhecer, com consistência, que o mesmo tinha um valor superior ao apurado valor venal (€ 6.500,00): como é notório, um mero anúncio publicitário de venda de um veículo usado nem sequer comprova que o mesmo venha a ser vendido pelo valor anunciado.
Perante estas específicas circunstâncias, entendemos que sempre se afiguraria aceitável, razoável e justificado que o Tribunal a quo tomasse apenas em consideração o valor venal do veículo (€ 6.500,00) para fixar a indemnização pecuniária, ao qual tinha que ser necessariamente deduzido o valor do respectivo salvado (€ 488,00) por continuar a ser da propriedade do Autor/Recorrente (como se refere no Ac. desta RG de 04/03/2021[32], “inexiste fundamento legal para excluir do valor indemnizatório relativo ao valor comercial do veículo acidentado o dos salvados respectivos, propriedade do lesado”, remetendo-se para a respectiva fundamentação que se subscreve).
Consequentemente e sem necessidade de outras considerações, perante tudo o que ficou exposto, a resposta à presente questão, que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que não assiste ao Autor/Recorrente o direito à reconstituição natural do veículo danificado (mas apenas o direito a indemnização pecuniária), pelo que o recurso improcede quanto a este fundamento.
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4.2. Da Indemnização pela Privação de Uso
No que concerne à indemnização dos danos associados à privação do uso de bens, na Jurisprudência formaram-se três entendimentos quanto à questão da necessidade (ou não) de demonstração da ocorrência de prejuízos concretos para o lesado resultantes da impossibilidade de uso e fruição do veículo para que o denominado dano de privação seja indemnizável, como se dá nota no Ac. do STJ de 28/01/2021[33]: “(…) sobre a problemática do direito à indemnização pela privação do uso de um determinado bem formaram-se três correntes (…) segundo uma tese, defendida, designadamente por Abrantes Geraldes (…) e Menezes Leitão (…) e perfilhada mormente no Acórdão do STJ, de 05.07.2007 (processo nº 07B18496), a privação do direito de uso e fruição integrado no direito de propriedade configura, por si só, um dano indemnizável, independentemente da utilização que se faça, ou não, do bem em causa durante o período da privação. Já para os defensores de uma segunda tese, defendida entre outros, nos Acórdãos do STJ, de 10.07.2012 (processo nº3482/06.3TVLSB.L1.S1), de 04.07.2013 (processo nº5031/07.7TVLSB.L1.S1) e de 10.01.2012 (processo nº189/04.0TBMAI.P1.S1), a atribuição de uma tal indemnização depende da prova do dano concreto, ou seja, para a determinação do dano deve o lesado concretizar e demonstrar a situação hipotética que existiria se não fosse a lesão (ocupação ou privação do uso). Assim, no que concerne à privação do uso de um bem imóvel, afirmou-se, nos Acórdãos do STJ, de 08.05.2007 (processo nº 07A1066) e de 06.05.2008 (processo nº 08A1389) , que a mera privação (de uso) da fração reivindicada ou do prédio reivindicado «impedindo, embora, o proprietário do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição nos termos do art. 1305º do CC, só constitui dano indemnizável se alegada e provada, pelo dono, a frustração de um propósito real, concreto e efetivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria, não fora a ocupação-detenção, pelo lesante». No mesmo sentido, afirmou-se no acórdão do STJ, de 10.07.2008 (processo nº 08A2179) que «A mera privação (de uso) do prédio esbulhado, impedindo, embora, possuidor do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição (nos termos do artigo 1305.º do Código Civil) só constitui dano indemnizável se alegada e provada, por aquele a frustração de um propósito, real, concreto e efectivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria, não fora a ocupação-detenção, pelo lesante. Por sua vez, para os defensores de uma terceira tese, sufragada entre outros, nos Acórdãos do STJ de 02.06.2009 (processo nº1583/1999.S1), de 12.01.2012 (processo nº 1875/06.5TBVNO.C1.S1), de 03.10.2013 (processo nº1261/07.0TBOLHE.E1.S1) e de 14.07.2016 (processo nº3102/12.7TBVCT.G1.S1), apesar de não chegar a prova da privação da coisa, pura e simples, também não é de exigir a prova efetiva do dano concreto, bastando, antes, que o lesado demonstre que pretende usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou alguma delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela atuação ilícita do lesante. Em sentido próximo, escreve Paulo Mota Pinto que a indemnização do dano da privação do uso pressupõe a demonstração da possibilidade de certa utilização concreta ou da afetação da possibilidade dessa utilização, como integradora das faculdades do proprietário. Assim, sendo a coisa em questão um prédio urbano, decidiu-se no Acórdão do STJ, de 26.05.2009 (processo nº09A0531), que «será suficiente demonstrar que se destinava a ser colocado no mercado de arrendamento ou que o seu destino era a habitação própria, se pudesse dispor dele em condições de normalidade. Mas será dispensável a prova efectiva que estava já negociado um concreto contrato de arrendamento e a respetiva renda acordada ou os prejuízos efectivos decorrentes de o não poder, desde logo, habitar»” (os sublinhados são nossos).
Embora no Ac. do STJ de 17/06/2021[34] se saliente que esta terceira corrente (posição intermédia) é tendencialmente maioritária na Jurisprudência do STJ, certo é que continua a existir divergência nesse Tribunal Superior sobre esta questão, como se comprova pelo muito recente Ac. do STJ de 10/12/2024[35], no qual se defende a primeira corrente (a mera privação do uso configura uma dano autónomo indemnizável).
Também ao nível dos Tribunais da Relação não existe unanimidade sobre a questão, como é o caso deste TRG: defendendo a primeira corrente, entre outros, os Acs. desta 1ªsecção de 27/04/2023[36] e de 29/05/2024[37]; e defendendo a terceira corrente, entre outros, os Acs. desta 1ªsecção de 14/09/2023[38] e de 19/01/2023 (do aqui Relator)[39].
Importa reponderar a questão.
Há que ter em consideração que: quando se fala em dano da privação do uso, reportamo-nos ao prejuízo resultante da impossibilidade temporária de usar um bem (dos inconvenientes da pura e mera impossibilidade de usar um bem) que integra o património do lesado; que esta impossibilidade configura sempre uma ofensa ao direito de propriedade sobre o veículo, uma vez que o conteúdo deste direito integra o poder/direito de usar, fruir e dispor do bem, no caso, um veículo (cfr. art. 1305º do C.Civil); e que cabe ao proprietário inerente faculdade de, em todo e em cada momento, optar de forma totalmente livremente se o utiliza ou não, sem que isso signifique que, quando opta por não o usar, o seu direito de propriedade sobre o bem pode ser ofendido/afectado (designadamente, em termos que tornar impossível a sua utilização).
Nestas circunstâncias, afigura-se-nos (agora) que a terceira corrente, ao exigir para a indemnização do dano de privação do uso que o lesado demonstre que pretende usar o bem, não protege de forma integral todas as faculdades em que se expressa o direito de propriedade (faculdades que estão constitucionalmente tuteladas pelo art. 62º da C.R. Portuguesa).
Acresce que se mostra relevante e assertiva a argumentação explanada no citado Ac. do STJ de 10/12/2024[40]: «(…) se é certo que o dano não se confunde com a ilicitude e que o que está em causa é impossibilidade de se satisfazer (pela utilização do bem de que se está privado) uma necessidade concreta, o certo é também que colocar exigências alegatórias/probatórias ao nível das utilidades concretas pretendidas por parte do lesado esvazia o funcionamento e préstimo da figura do “dano de privação do uso” (…) Ao direito subjetivo absoluto (como é o caso do direito de propriedade da A.) é intrínseco um dado conteúdo patrimonial, que se traduz numa nota de utilidade, pelo que sempre que tal utilidade não possa ser realizada, fruto da intervenção de um estranho à esfera de domínio traçado pelo direito (como é, no caso, o acidente de viação da responsabilidade da segurada da R.), tem de se considerar que ocorre um dano, que corresponde à utilidade ordinária e normal do bem e que é a consequência (dano consequencial) que a lesão tem na esfera da pessoa lesada. Só assim não sucederá se, em concreto, se demonstrar que a pessoa lesada não tem qualquer interesse nas faculdades/utilidades ordinárias e normais do bem ou se por circunstâncias estranhas ao âmbito do domínio o lesado não tiver qualquer possibilidade de utilização do bem, hipóteses em que será de concluir não ter existido tal dano consequencial e em que, se fosse outro o entendimento, se poderia falar dum enriquecimento injustificado do lesado (ao conceder-se-lhe uma indemnização em dinheiro por uma vantagem que não iria utilizar). Mas, em todas as demais hipóteses – ou seja, nada disto se demonstrando – estaremos, com todo o respeito por opinião diversa, perante uma privação do uso que configura um dano indemnizável (…) A responsabilidade civil, gerando obrigação de ressarcir, não pode concretizar-se, é certo, onde não há um dano a reparar, mas a verdade é que o próprio legislador, em situações bastante similares (de que são exemplos o art. 289.º/1 do C. C., sobre a reintegração do “valor correspondente”, e o art. 1045.º do C. C, a propósito da indemnização pelo atraso na restituição do locado), a atribuir ao interessado o direito ao recebimento de uma quantia que pondere o valor de uso dos bens, passando (o legislador) para um plano secundário a consideração do efetivo aproveitamento que deles faria o respetivo titular se acaso a privação se não tivesse verificado, ou seja, o legislador assume, em tais situações, que o reequilíbrio patrimonial pode/deve conseguir-se mediante a restituição do valor correspondente, equivalente, na prática, ao valor de uso atinente ao período de privação. Mais, é inquestionável que a privação do uso de uma coisa/veículo automóvel, inibindo o proprietário ou detentor de exercer sobre a mesma os inerentes poderes, constitui, em termos naturalísticos, uma perda, cuja constatação não é escamoteável; perda essa que é insuscetível de ser “naturalmente” reconstituída. E sendo inviável a reconstituição natural – sendo incontroverso o direito à reconstituição natural (art. 562.º e 566.º/1 do C. Civil) – tal não pode/deve conduzir à total liberação do responsável. Ao invés, perante tal constatação, em vez duma resposta formal e algo “artificial”, que exija a alegação e prova das concretas utilidades que o lesado perdeu – da concreta utilização que o lesado teria destinado ao bem de que se viu privado – será mais racional a solução que atribua uma indemnização por equivalente pecuniário que compense o lesado pela perda temporária da fruição; que, na balança dos interesses, restabeleça o equilíbrio patrimonial perdido, tendo como medida a diferença entre a situação presente e a que compreendesse os benefícios que o lesado ficou impedido de poder obter em consequência da privação (cfr art. 566.º/2, 563.º e 564.º/1 do C. Civil), recorrendo-se para tal, face às dificuldades de prova que existem em matéria de quantificação da indemnização por equivalente, à equidade (cfr. art. 566.º/3 do C. Civil). Impõe-se presumir – concorda-se com Abrantes Geraldes – que foi um legislador, sensato, ponderado e com sentido de justiça que procedeu à regulamentação abstrata das situações da vida real; e estamos – também se concorda – num campo em que se justifica “um maior esforço de esgotamento de todas as potencialidades do sistema normativo, por forma a acolher pretensões que aprioristicamente se revelem substancialmente justas”. “A realidade social que subjaz às normas vigentes e que sempre deverá estar presente quando se trata de proceder à sua aplicação revela que, em regra, o proprietário de um veículo (em geral, qualquer proprietário) faz do mesmo uma utilização normal, mais ou menos frequente, mais ou menos produtiva, raramente lhe sendo indiferente a situação emergente da sua privação decorrente da prática de um facto ilícito imputado a terceiro. (…) é essa normalidade a que o juiz deve recorrer quando se trata de dirimir litígios, em vez de partir do pressuposto, que nem a experiência, nem as circunstâncias de facto permitem confirmar, que o veículo representa tão só um elemento do património sem qualquer função regular, extraindo daí, através duma generalização abusiva, a conclusão da ausência de qualquer prejuízo ressarcível.”(…) Sendo inquestionável que o direito de propriedade integra, como um dos seus elementos fundamentais, o poder de exclusiva fruição, verificando-se a indisponibilidade material sobre o bem – no caso, um veículo automóvel – apenas perante um específico quadro factual, será possível afirmar que a privação do seu uso não foi causa adequada de danos merecedores de justa indemnização. De tal modo que, em termos de distribuição do ónus da prova, não será demasiado temerário afirmar que a privação do uso ao longo do tempo (em que ocorre a privação) preenche um dano consequencial (à lesão do direito de propriedade) emergente, sendo facto constitutivo do direito de indemnização; e que, constatada a privação do uso determinativa da perda temporária das faculdades inerentes ao direito de propriedade, a negação da indemnização pressuporá a contraprova de factos excludentes dum tal prejuízo patrimonial, isto é, que há um ónus da prova (contraprova) dos factos impeditivos, a cargo do responsável pela privação do uso. Dano emergente da privação do uso em que, face às dificuldades de prova que existem em matéria de quantificação da indemnização por equivalente, a equidade (cfr. art. 566.º/3 do C. Civil) tem um amplo campo de intervenção. Tudo ponderado – como sempre convém – pelas regras da boa fé (762.º do CC), que vedam ao lesado fazer exigências irrazoáveis reveladoras de um comportamento abusivo e do agravamento de posição do responsável. Todavia, fora disto – das regras da boa fé – não existe suficiente justificação legal, salvo o devido respeito, para exigir do lesado a comprovação do tipo de concreta utilização a que destinava o bem: se, na ponderação final, não deve admitir-se para o lesado um benefício indevido, também é inadequado que seja o lesante a colher benefícios.» (os sublinhados são nossos).
No “quadro” das considerações supra realizadas e desta argumentação que se mostra acertada e fundada, justifica-se a alteração da nossa posição sobre esta questão, e aderir ao entendimento (já perfilhado pelos dois Senhores Juízes aqui adjuntos) que defende que a mera privação do uso do veículo é sempre, só por si, um dano de natureza patrimonial indemnizável uma vez que impede o proprietário de exercer uma das faculdades inerentes ao seu direito de propriedade sobre o mesmo (no caso, o direito de usar quando bem entender) e que o exercício da faculdade de uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, donde resulta que a mera privação e impossibilidade de uso representa impacto negativo na esfera jurídica do titular do direito de propriedade.
Logo, tal dano deve ser indemnizado pelo responsável civil que causou tal privação/impossibilidade ilícita e culposa, sem necessidade e independentemente da alegação e prova dos concretos danos sofridos pelo proprietário ou da alegação e prova de que fazia um efectivo uso, ou pretendia fazê-lo, do veículo[41]. E só não deverá ser indemnizado no caso do responsável civil demonstrar que o proprietário do veículo não tinha qualquer interesse em exercer as faculdades e/ou obter as utilidades ordinárias e normais do mesmo ou que, por circunstâncias estranhas ao âmbito do seu domínio, o lesado não tinha qualquer possibilidade de utilização do veículo (o ónus de prova incumbe ao responsável porque estamos perante factos impeditivos da indemnização).
Revertendo ao caso sub judice, verifica-se que, na sentença impugnada, o Tribunal a quo julgou improcedente a pretensão do Autor/Recorrente relativamente ao pedido indemnizatório pela privação do uso do veículo, singelamente com base na seguinte fundamentação: “Nenhum outro dano, presente ou futuro, foi demonstrado”.
Em sede de recurso, o Autor/Recorrente defende que lhe seja reconhecido o direito a ser indemnizado pela privação do uso do veículo danificado, defendendo, essencialmente, que: «está dado como provado que o veículo ..-..-VA era utilizado diariamente pelo Recorrente nas suas deslocações pessoais e encontra-se imobilizado desde a data da ocorrência do descrito sinistro até à presente data»; «com base nessa facticidade dir-se-á ser a mesma suficiente para permitir afirmar que a privação do uso da viatura nos moldes referidos causou ao Recorrente um prejuízo patrimonial, prejuízo que é indemnizável»; «porque não foram provados factos que permitam concluir pelo valor exacto do dano, impõe-se o recurso ao disposto no art. 566º, n.º 3, do CC, fixando-se a indemnização de acordo com a equidade»; «inexiste qualquer mora do credor, já que o Recorrente tinha o direito de não aceitar a indemnização proposta, como não aceitou»; e «mercê da imobilização do veículo sinistrado, não se tratando de uma situação de perda total e nem tendo a seguradora disponibilizado uma viatura de substituição pelo período necessário à reparação, o lesado tem direito a ser indemnizado pela privação do uso da viatura entre a data em que se deu o acidente (data em que o proprietário ficou privado do uso da coisa) até ao pagamento pela Recorrida do valor devido a título do custo da reparação do veículo» (cfr. conclusões 15ª a 24ª).
Embora com base em fundamentação parcialmente diversa deve reconhecer-se um direito indemnização ao Autor/Recorrente pelo dano de privação do uso. Explicando.
Não existem dúvidas que o veículo acidentado ficou impedido de circular em razão dos danos que lhe foram causados pelo acidente (cfr. facto provado L). E, como se concluiu no âmbito da questão anterior, nem sequer é possível a sua reparação (reconstituição) natural.
Logo, está demonstrado que, desde a data do acidente (02/01/2021), o Autor/Recorrente está privado/impossibilitado de usar o seu veículo.
Porém, ao contrário do que se invoca no presente recurso, não está comprovado nos autos que o veículo era utilizado diariamente por si nas suas deslocações pessoais, sendo que apenas ficou demonstrado que, quando reclamou à Ré a vistoria dos danos que o VA apresentava, o Autor indicou que o veículo lhe era imprescindível para efetuar as deslocações diárias, quer para ir para o trabalho, quer para ir às compras e outras (cfr. facto provado N), ou seja, esta factualidade não atesta uma efectiva utilização do veículo para esses fins, limitando-se a atestar que o Autor fez esta alegação junto a seguradora.
Mais: também não ficou demonstrado que «o veículo sinistrado é imprescindível ao autor» e nem que «era com o mesmo que fazia as deslocações diárias quer para o trabalho, quer para assistência médica, quer para compras para casa, quer para outras necessidades da vida familiar» (cfr. factos não provados nºs. 11 e 12). E assinale-se que também não alcançou provar que «a privação do seu uso vem-lhe causando transtornos e despesas» (cfr. facto não provado nº13).
Pese embora esta ausência de prova do concreto uso do veículo ou da concreta pretensão em usá-lo, como supra se explanou, aderimos ao entendimento segundo o qual a mera privação o uso do veículo é sempre, só por si, um dano de natureza patrimonial indemnizável, independentemente da alegação e prova desse efectivo uso (ou da correspondente pretensão) ou de concretos danos sofridos pelo proprietário.
Mas sempre se afirme que, estando o veículo a ser utilizado pelo Autor/Recorrente quando ocorreu o acidente, na nossa perspectiva, sempre estaria feita uma prova mínima do seu uso e da vontade de o usar.
Relativamente a este dano, em sede de contestação, a Ré/Recorrida não alegou (e muito menos provou) qualquer facto impeditivo do direito de indemnização (nomeadamente, que o Autor/Recorrente não tinha qualquer interesse em exercer as faculdades e/ou obter as utilidades ordinárias e normais do veículo ou que, por circunstâncias estranhas à sua vontade, não tinha possibilidade de o utilizar). Assinale-se que, no articulado de defesa, a Ré não questionou o direito de indemnização pela privação do uso do veículo, limitando-se apenas a invocar a excessividade do valor peticionado a tal título (cfr. art. 26º da contestação).
Portanto, estando demonstrado que, desde a data do acidente (02/01/2021), o Autor/Recorrente está privado/impossibilitado de usar o seu veículo, o que, por si só, integra um dano da natureza patrimonial, assiste-lhe o direito a ser indemnizado pela Ré Seguradora (responsável civil, por força do contrato de seguro).
Na petição, aquele reclamou a condenação da Ré a pagar-lhe «a quantia diária não inferior a € 10,00 (dez euros), a título de imobilização e privação do uso do ..-..-VA, com início na data em que ocorreu o acidente, ou seja 02 de Junho de 2021, até àquela em que a Ré lhe pague o valor inerente à reparação, ou até à data em que o veículo seja restituído ao Autor totalmente reparado, quantia que, já liquidada, ascende nesta data ao montante global de € 1.810,00 (mil, oitocentos e dez euros), (181 dias x 10,00 €)».
Embora esteja demonstrado que o Autor reclamou à Ré um veículo de substituição (cfr. facto provado O), esta nem sequer alegou nos autos (e, por isso, muito menos, provou) que lhe forneceu esse veículo de substituição, donde decorre que em nenhum momento temporal limitou o dano de privação do uso.
Não tendo o Autor/Recorrente alegado nem provado que suportou despesas para suprir a falta do veículo (ou melhor, suprir a privação do seu uso) e/ou que deixou de auferir proventos e/ou que suportou outros custos em razão da privação, a indemnização tem que ser fixada através do recurso à equidade (com efeito, a indisponibilidade de elementos para um cálculo exacto ou preciso dos prejuízos pode e deve ser superada com recurso à equidade - cfr. art. 566º/3 do C.Civil)[42].
Os critérios de equidade a aplicar devem assentar numa ponderação prudencial e casuística, ainda que no âmbito de uma margem de discricionariedade consistida ao julgador mas que não devem colidir com critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, tudo com vista a não se colocar em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade[43].
Ora, a Jurisprudência tem precisamente vindo a procurar definir um montante diário para auxiliar na fixação do valor compensatório deste dano. No já citado Ac. desta RG de 14/09/2023[44] dá-se nota de várias decisões que definem esse valor: “no Ac. do STJ de 02/02/2023, proc. 262/19.0T8ALB.P1.S1, (…) vinha atribuído e foi mantido o valor compensatório de € 15,00/dia, estando em causa um veículo pesado de mercadorias. No Ac. do STJ de 28/09/2021, proc. 6250/18.6T8GMR.G1.S1, (,..) vinha atribuído e foi confirmado o valor compensatório de € 13,00/dia, estando em causa um veículo ligeiro de passageiros. No Ac. da RC de 06/03/2012, proc. 86/10.0T2SVV.C1, (…) considerou-se que a quantia de €10,00 diários é adequada a título de indemnização pela paralisação diária de um veículo que satisfazia as necessidades básicas de deslocação do lesado e de um seu irmão que também o utilizava por empréstimo. No Ac. da RP de 07/09/2010, proc. 905/08.0TBPFR.P1, (…) foi considerado adequado, proporcionado e justo o montante de € 10,00 encontrado na decisão recorrida estando em causa um veículo ligeiro de passageiros. E finalmente no Ac. do STJ de 09/03/2010, proc. 1247/07.4TJVNF.P1.S1, (…) foi considerado adequado o valor de € 10,00 dia pela privação do uso de um veículo automóvel”.
No também já citado Ac. RG de 29/05/2024[45] explica-se que, na fixação do quantum diário da indemnização pela privação do uso do veículo através do recurso à equidade, deve ter-se como referencial o custo diário do aluguer de um veículo de características semelhantes à daquele praticado pelas empresas de aluguer de veículos junto da sua clientela (que constitui o tecto máximo), ao qual deve ser descontado dos custos de exploração e do lucro dessas empresas (que calcula absorverem mais de 60% daquele preço diário do aluguer).
No caso em apreço, não foi alegado nem provado o preço diário do aluguer de uma viatura de caraterísticas semelhantes à do Autor/Recorrente, pelo que este critério está prejudicado.
Neste “quadro”, tendo em consideração os valores de referência utilizados pela Jurisprudência para os veículos automóveis ligeiros de passageiros, tendo em consideração que o quantitativo diário indicado pelo Autor/Recorrente (€ 10,00) assentava na alegação não provada de que «o veículo acidentado era imprescindível para si, fazendo nele as deslocações diárias quer para o trabalho, quer para assistência médica, quer para compras para casa, quer para outras necessidades da vida familiar», e tendo em consideração que «não se pode perder de vista as regras da boa fé (cfr. art. 762º do C.Civil)» e que «tem que se tomar em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida»[46], entendemos que, neste caso concreto, é mais adequado, proporcionado e justo reduzir o valor peticionado, e fixar o quantum do valor diário da indemnização pela privação do uso do veículo no valor de € 8,00.
Este quantum diário deve ser atribuído no período que tem o seu início na data do acidente [02/06/2021 – cfr. factos provados Ae L], momento em que seu deu a privação do uso e o seu termo no momento em que a Ré Seguradora entregue ao Autor/Recorrente o valor da indemnização pecuniária fixada na sentença recorrida (€ 6.012,00) com vista a recompor a situação patrimonial que teria caso o veículo não tivesse sofrido os danos (quantia que, designadamente, caso o entenda, lhe permite adquirir outro veículo, o que permite cessar o dano da privação do uso). Sendo impossível a reparação natural, obviamente o termo não ocorre nem momento do pagamento do valor da reparação nem no momento da restituição do veículo reparado (como reclamou o Autor/Recorrente).
Deste modo, o valor da indemnização pela privação do uso do veículo à data da interposição da acção (30/11/2021) era no montante de € 1.448,00 (181 dias x € 8,00), e não no valor reclamado de € 1.810,00, ao que acresce o valor diário de € 8,00 desde o dia ../../2021 até ao momento em que a Ré/Recorrida pague ao Autor/Recorrente a indemnização pecuniária fixada na sentença recorrida (€ 6.012,00).
Uma última nota: nas contra-alegações de recurso, a Ré/Recorrida veio invocar uma situação de mora do Autor/Recorrente [«a imobilização do veículo se deveu a não aceitação por parte do Apelante do facto de o veículo VA se encontrar em situação de não ser possível a sua reparação por questões de segurança» - cfr. conclusão i)], sendo certo que, por antecipar tal «cenário», nas suas alegações o Autor/Recorrente afirmam a inexistência de mora da sua parte [cfr. conclusões 20ª a 23ª]. Sucede que, no que concerne à indemnização por dano de privação do uso do veículo, tal configura a dedução de uma questão nova:
- no nosso sistema processual civil, os recursos constituem um mecanismo destinado a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, não sendo lícito invocar questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida;
- como explica Luís Filipe Espírito Santo[47], “No conhecimento do objecto do recurso é basicamente apreciada a legalidade da decisão recorrida, em concreto o juízo de facto e de direito que incidiu sobre pretensão submetida ao veredicto judicial, naquele único e singular circunstancialismo, e não a tomada em consideração (pelo tribunal superior) de questões novas não suscitadas nem discutidas em 1ª instância. Está em causa a avaliação em segundo grau de uma decisão judicial pré-existente e não a possibilidade de iniciar uma nova e diversa discussão sobre temas não versados (que se viesse a reabrir originariamente). Trata-se de sindicar a valoração do juízo de facto e de direito emitidos pelo juiz de 1ª instância e não o conhecimento de novos factos ou de novas questões de direito que as partes - podendo fazê-lo - entenderam não apresentar, nem configurar ou esgrimir, no processo que decorreu na instância inferior. Com efeito, são as partes que definem, no âmbito da sua liberdade de actuação, predominante e decisiva no campo do direito privado, os termos enformadores da causa, por via da causa de pedido e pedido que nessa sede expõem, não fazendo sentido que, uma vez apreciadas em 1ªinstância as questões jurídicas que dividem os litigantes e obtida a decisão que sobre elas incide (esgotando-se nessa altura o poder jurisdicional do julgador, nos termos do artigo 613º, nº 1, do Código de Processo Civil), venham a suscitar-se, por via do recurso, questões que extravasam aquilo que constituiu o objecto da discussão travada perante o juiz a quo. A natureza da fase recursiva revela-se, assim, enquanto continuação da instância e não como configuração de uma nova instância, o que baliza, delimitando o objecto do recurso a conhecer pelo tribunal superior” (os sublinhados são nossos);
- tem sido este o entendimento unânime da jurisprudência do STJ: para além do já citado Ac. de 07/07/2016[48], refere-se também o Ac. de 29/09/2016[49], no qual se decidiu que “Os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se estas forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente modificar as decisões do tribunal recorrido sobre pontos questionados e «dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu»” e se concluiu que “não pode o tribunal de recurso “conhecer de questões que não tenham sido objeto da decisão recorrida ou que as partes não suscitaram perante o tribunal recorrido (arts. 627º, n.º 1 e 635º, n.º 2 e 4 do CPC)”. E mais se realça que no Ac. do STJ de 07/10/2021[50] decidiu-se que “Não é lícito que um recorrente invoque, em qualquer recurso, questões que não tenham sido objeto de apreciação pela decisão recorrida, pois os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação”;
- e, como resulta da mera consulta do teor dos articulados apresentados pelas partes e do teor da sentença recorrida, o Tribunal a quo não apreciou e decidiu sobre a existência ou não de tal eventual mora do credor (até porque não havia sido suscitada), pelo que esta questão não pode ser objecto de conhecimento e apreciação por este Tribunal ad quem (nem sequer por via do conhecimento oficioso).
Por conseguinte e sem necessidade de outras considerações, a resposta à presente questão, que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que assiste ao Autor/Recorrente o direito a receber da Ré uma indemnização pela privação de uso do veículo nos termos supra indicados (e não nos exactos termos que que foi peticionada) e, por via disso, procede (parcialmente) este fundamento do recurso
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4.3. Do Mérito do Recurso
Perante as respostas alcançadas na resolução das questões supra apreciadas, deverá julgar-se parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Autor/Recorrente, devendo a sentença recorrida ser mantida nos seus exactos termos quanto à indemnização pecuniária de € 6.012,00 (acrescida de juros), mas deve ser revogada na parte em que absolveu a Ré/Recorrida do pedido de indemnização pelo dano de privação do uso (o qual deve ser reconhecido nos termos indicados na questão que antecede).
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4.4. Da Responsabilidade quanto a Custas
Procedendo o recurso, porque ficaram ambos vencido, deverão o Autor/Recorrente e a Ré/Recorrida suportar as respectivas custas na proporção do respectivo decaimento que se julga adequado e justo fixar em 2/3 e em 1/3 respectivamente - art. 527º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013.
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5. DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Autor/Recorrente e, em consequência, mais decidem revogar a sentença recorrida na parte em que absolveu a Ré/Recorrida do pedido de indemnização pelo dano de privação do uso formulado pelo Autor/Recorrente, pelo que o respectivo decisório passa a ser o seguinte: “Julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré EMP01..., S.A. a pagar ao autor AA:
1) a quantia global de €6.012,00 (seis mil e doze euros), a título de indemnização pecuniária pelos danos materiais sofridos pelo do veículo, acrescida de juros de mora contados desde a citação da ré até efetivo e integral pagamento, calculados à taxa supletiva prevista para as obrigações civis; 2) a indemnização pela privação do uso do veículo à data da interposição da acção (30/11/2021) totaliza o montante de € 1.448,00 (mil quatrocentos e quarenta e oito euros), acrescida do valor diário de € 8,00 (oito euros) desde o dia ../../2021 até ao momento em que a ré EMP01..., S.A. pague autor AA a referida indemnização pecuniária de € 6.012,00. E absolvo a ré EMP01..., S.A.do demais peticionado”.
Custas do recurso de apelação pelo Autor/Recorrente e pela Ré/Recorrente na proporção de 2/3 e de 1/3 respectivamente.
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Guimarães, 06 de Fevereiro de 2025.
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
Relator - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício; 1ºAdjunto - José Alberto Moreira Dias; 2ºAdjunto - Fernando Manuel Barroso Cabanelas.
[1]A presente decisão é redigida segundo a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. [2]António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ªedição actualizada, Almedina, p. 139. [3]Ac. STJ de 07/07/2016, Juiz Conselheiro Gonçalves da Rocha, proc. nº156/12.0TTCSC.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. [4]Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 5ªedição, p. 558., p. 364 [5]Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 4ªedição, p. 389. [6]Almeida Costa, in obra citada p. 389. [7]In obra citada, p. 561. [8]Cfr. Antunes Varela, in obra citada, p. 559, e, por exemplo, Ac. STJ de 04/03/80, BMJ, 295º, p. 364. [9]Antunes Varela, in obra citada mas na 7ª edição, p. 903 e 904. [10]Antunes Varela, obra citada, p. 559. [11]Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Noções Fundamentais Direito Civil, 6ª edição, p. 104, nota 2, e Dário Martins de Almeida, in Manual de Acidente de Viação, 1980, p. 103/104. [12]In BMJ, 469º, p. 524. [13]In obra citada p. 391. [14]Juiz Conselheiro Oliveira Abreu, proc. nº3587/19.0T8OAZ.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. [15]Juiz Desembargador Fontes Ramos, proc. nº1022/20.0T8LRA.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc. [16]No mesmo sentido, Ac. da RC de 24/11/2024, Juiz Desembargador Moreira do Carmo, proc. nº50/23.9T8SEI.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc. [17]Juíza Desembargadora Rosália Cunha, proc. nº1135/20.9T8VCT.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg. [18]Juiz Desembargador António Barroca Penha, proc. nº2970/19.6T8VCT.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg. [19]Ainda no mesmo sentido, Ac. RG 10/07/2023, Juíza Desembargadora Margarida Pinto Gomes, proc. nº5025/21.0T8VNF.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg [20]Juiz Conselheiro Salazar Casanova, proc. nº403/2001.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. [21]Juiz Conselheiro António Magalhães, proc. nº5282/19.1T8GMR.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. [22]In Direito das Obrigações, vol. I, p.402. [23]Cfr. Ac. STJ 31/05/2016, Juiz Conselheiro Hélder Roque, proc. nº741/03.0TBMMN.E1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj e Ac. RE 21/05/2018, Juiz Desembargador Manuel Bargado, proc. nº, disponível em http://www.dgsi.pt/jstre. [24]Juiz Conselheiro Ponce de Leão, proc. nº03A4468, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. [25]Juíza Desembargadora Elizabete Valente, proc. nº2093/14.4TBBRG.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg. [26]Juiz Conselheiro Hélder Roque, proc. nº741/03.0TBMMN.E1.S1 [27]Cfr. os citados Ac. STJ 31/05/2016, Juiz Conselheiro Hélder Roque, proc. nº741/03.0TBMMN.E1.S1 e Ac. RG 01/07/2021, Juíza Desembargadora Rosália Cunha, proc. nº1135/20.9T8VCT.G1; o Ac. RG 25/06/2020, Juiz Desembargador Alcides Rodrigues, proc. nº1136/18.7T8PTL.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg; e o Ac. RP 16/01/2024, Juíza Desembargadora Ana Lucinda Cabral, proc. nº5816/21.1T8MAI.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp. [28]Cfr. neste sentido, o citado Ac. RG 25/06/2020, Juiz Desembargador Alcides Rodrigues, proc. nº1136/18.7T8PTL.G1. [29]Juíza Desembargadora Ana Lucinda Cabral, proc. nº5816/21.1T8MAI.P1. [30]Juíza Desembargadora Isabel Salgado, proc. nº14081/18.7T8LSB.L1-7, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl. [31]Na mesma linha de entendimento, veja-se Ac. RC 27/09/2023, Juiz Desembargador Fontes Ramos, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg. [32]Juiz Desembargador José Amaral, proc. nº6250/18.6T8GMR.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg. [33]Juíza Conselheira Rosa Tching, proc. nº14232/17.9T8LSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. [34]Juiz Conselheiro João Cura Mariano, proc. nº879/17.7T8EVR.E1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. [35]Juiz Conselheiro Barateiro Martins, proc. nº1821/21.6T8VNG.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. [36]Juíza Desembargadora Lígia Venada, proc. nº1790/22.5T8BRG.G1 (no qual foi 1º Adjunto o agoira aqui 2ºadjunto), disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg. [37]Juiz Desembargador José Alberto Moreira Dias (aqui 1º Adjunto), proc. nº1657/22.7T8BCL.G1 (no qual também foi 1º Adjunto o agora aqui 2ºadjunto), disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg. [38]Juiz Desembargador José Carlos Pereira Duarte, proc. nº2081/22.7T8GMR.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg. [39]Proc. nº191/21.7T8CMN.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg. [40]Juiz Conselheiro Barateiro Martins, proc. nº1821/21.6T8VNG.P1.S1. [41]O citado Ac. RG de 29/05/2024, Juiz Desembargador José Alberto Moreira Dias, proc. nº1657/22.7T8BCL.G1. [42]Cfr. Ac. STJ 02/02/2023, Juíza Conselheira Catarina Serra, proc. nº262/19.0T8ALB.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. [43]Cfr. Ac. STJ 28/09/2021, Juiz Conselheiro Oliveira Abreu, proc. nº6250/18.6T8GMR.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. [44]Juiz Desembargador José Carlos Pereira Duarte, proc. nº2081/22.7T8GMR.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg. [45]Juiz Desembargador José Alberto Moreira Dias, proc. nº1657/22.7T8BCL.G1. [46]Cfr. o citado Ac. STJ 10/12/2024, Juiz Conselheiro Barateiro Martins, proc. nº1821/21.6T8VNG.P1.S1. [47]In Recursos Civis, Edição CEDIS, Set. 2020, p. 7 e 8. [48]Juiz Conselheiro Gonçalves da Rocha, proc. nº156/12.0TTCSC.L1.S1. [49]Juiz Conselheiro Ribeiro Cardoso, proc. nº291/12.4TTLRA.C1.S2, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. [50]Juiz Conselheiro Jorge Dias, proc. nº235/14.9T8PVZ.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.