RECURSO DA DECISÃO ARBITRAL
ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL
CADUCIDADE DA ACÇÃO
Sumário


Se o motivo que levou ao indeferimento liminar da primeira ação é imputável à autora, a mesma não pode beneficiar da possibilidade de propor nova ação, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 279º, nº 2, do CPC, 332º, nº 1 e 327º, nº 3, do CC, de forma a que a mesma se considere tempestiva.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

EMP01..., LDA. veio propor, em 25.9.2024, ação de anulação de decisão arbitral contra AA pedindo que se anule a decisão arbitral que a condenou a devolver a esta última o valor do sinal.

Como questão prévia alegou que intentou no Tribunal da Relação de Guimarães ação de anulação de decisão arbitral que correu termos com o nº 122/24.2YRGMR e que foi indeferida liminarmente.
Pretende que os efeitos civis derivados da propositura dessa primeira ação se mantenham nesta segunda ação, face ao disposto no art. 279º, do CPC.

Como fundamento do pedido de anulação alegou, em síntese, que a ré intentou contra si uma ação, que correu termos no Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do ..., no âmbito da qual foi condenada a devolver-lhe a quantia de € 3 600,00 que havia recebido a título de sinal.
Porém, não existe convenção de arbitragem, o que consubstancia motivo para anulação do julgamento, nos termos do art. 46º, nºs 1 e 3, al. a) e i) da LAV (Lei 63/2011, de 14.12).
Caso assim não se entenda, deve ser declarado que a ré não tinha legitimidade para instaurar a ação porque não era a única herdeira do falecido BB, com quem foi celebrado o negócio.

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Regularmente citada, a ré deduziu oposição invocando a caducidade do direito de pedir a anulação da decisão arbitral porquanto a decisão foi notificada às partes em 8.5.2024 e a ação só foi instaurada em 25 de setembro de 2024, altura em que já havia decorrido o prazo de 60 dias que o art. 46º da LAV concede para intentar tal ação, o qual terminou em 8 de julho de 2024.
Alegou ainda que a autora não se pode aproveitar da ação que intentou em 12.6.2024 para efeitos de obstar à caducidade, porquanto essa ação foi liminarmente indeferida por a pretensão da autora ser manifestamente improcedente, não tendo no caso aplicação o disposto no art. 279º, do CPC, visto que não houve qualquer absolvição da instância.
Acresce que a autora interveio no processo de arbitragem, onde se realizou o julgamento com a presença do respetivo mandatário, tendo sido produzida prova pessoal e documental. A autora nunca invocou nesse processo a inexistência de convenção de arbitragem o que significa que, conforme disposto no art. 46º, nº 4, da LAV, renunciou ao direito de com esse fundamento impugnar a sentença arbitral.
Quanto à ilegitimidade, a mesma não integra os fundamentos com base nos quais é possível pedir a anulação da sentença arbitral, de acordo com o disposto no art. 46º, nº 3, da LAV.
Ancorando-se nestes fundamentos pugnou pela improcedência da ação.
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A autora não apresentou resposta à oposição.
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As questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes:

I - saber se se verifica a caducidade do direito da autora pedir a anulação da decisão arbitral;
II - na hipótese negativa, saber se a autora renunciou ao direito de impugnar a sentença arbitral com fundamento na inexistência de convenção de arbitragem;
III - concluindo-se que não ocorreu tal renúncia, saber se a ré não possuía legitimidade ativa para instaurar a ação arbitral.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Com base nos documentos juntos a estes autos e nos atos praticados no âmbito do processo nº 122/24.2YRGMR, ao qual acedemos eletronicamente e cuja junção de certidão será infra determinada, resultam provados os seguintes factos:

1. AA apresentou no Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do ... reclamação contra EMP01..., Lda. a qual correu termos com o nº 7/2024.
2. No âmbito dessa ação realizou-se em 7.3.2024 a audiência de julgamento na qual estiveram presentes as partes e os respetivos mandatários, nomeadamente o Dr. CC, mandatário da reclamada EMP01..., que juntou procuração nessa diligência.
3. Nessa audiência, o mandatário da reclamada EMP01... impugnou o documento nº 1 junto com o requerimento inicial e requereu a junção aos autos de um documento.
4. Foi produzida prova por declarações de parte e prova testemunhal.
5. Depois de encerrada a audiência de julgamento, foi proferida decisão, em 3.5.2024, com o seguinte teor:
“Nestes termos, declara-se a presente acção procedente por provada e, em consequência, condena-se a Reclamada a devolver à Reclamante o montante de 3600,00€ dela recebido a título de sinal, no negocio em causa nos autos.”
7. A referida decisão foi notificada à reclamada EMP01... por carta registada com aviso de receção recebida em 8.5.2024.
8. Em 12.6.2024, EMP01..., Lda. apresentou neste Tribunal da Relação (embora aludindo ao Tribunal da Relação de Porto) requerimento no qual referiu que, não se conformando com a sentença, vem dela interpor recurso sobre matéria de facto e de direito, o qual é de apelação, a subir imediatamente e com efeito devolutivo, tendo junto alegações de recurso, contendo a motivação e conclusões, requerimento esse que deu origem ao processo nº 122/24.2YRGMR.
9. Nessa ação foi proferido despacho, em 9.7.2024, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que considerou que “assente que estamos perante uma acção de anulação da decisão arbitral e não de um recurso, verifica-se que não pode ser ordenada a citação da requerida, uma vez que os requisitos da petição inicial não se verificam (cfr. art. 552º do CPC), atenta a estrutura do recurso que a requerente seguiu, não estando, desde logo, identificadas as partes.
Como assim, tendo presente as considerações supra expostas, caso a requerente mantenha a sua pretensão, atento o disposto no art. 6º/1 e 2 do CPC, convido a mesma a apresentar nova petição inicial conforme ao legalmente estipulado, em 10 dias.
10. Notificada deste despacho, a requerente apresentou o requerimento de 31.7.2024, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, no qual refere que interpõe recurso sobre matéria de facto e de direito, o qual é de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo, tendo junto alegações e conclusões.
11. De seguida foi proferido despacho, em 17.9.2024, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, com o seguinte dispositivo:
Como assim, não tendo a requerente logrado apresentar nova petição para a pretendida acção de anulação de decisão arbitral, revelando-se a pretensão da requerente tal como apresentada manifestamente improcedente, sem necessidade de maiores explanações, indefiro liminarmente o requerimento inicial.
12. A presente ação foi proposta em 25.9.2024.
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Os factos dados como provados permitem que se profira de imediato decisão sobre as questões que se suscitam nos autos, sendo desnecessária a inquirição da testemunha arrolada pela ré.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

I - Caducidade do direito da autora pedir a anulação da decisão arbitral

Com a instauração da presente ação, a autora visa anular a decisão arbitral que foi proferida pelo Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do ..., a qual correu termos com o nº 7/2024.
A decisão arbitral foi notificada à ora autora por carta rececionada em 8.5.2024.
A presente ação foi instaurada em 25.9.2024.
Na oposição, a ré invocou a caducidade do direito de instaurar a ação por, quando esta foi proposta, já ter decorrido o prazo de 60 dias a que alude o art. 46º, nº 6 da LAV.

De acordo com o art. 46º, nº 6 da Lei de Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro) o pedido de anulação da decisão arbitral só pode ser apresentado no prazo de 60 dias a contar da data em que a parte que pretenda essa anulação recebeu a notificação da sentença ou, se tiver sido feito um requerimento nos termos do artigo 45.º, a partir da data em que o tribunal arbitral tomou uma decisão sobre esse requerimento.

Assim sendo, tendo a decisão arbitral sido notificada à autora em 8.5.2024, o prazo de 60 dias para instaurar a ação de anulação dessa decisão terminou em 8.7.2024, visto que 7.7.2024 foi um domingo.
A presente ação foi instaurada em 25.9.2024, ou seja, depois de terminado o aludido prazo de 60 dias.

A autora pretende prevalecer-se da instauração da ação nº 122/24.2YRGMR, ocorrida em 12.6.2024, com vista a sustentar a tempestividade da ação de anulação, invocando para o efeito o disposto o art. 279º, do CPC (diploma ao qual pertencem as normas subsequentemente citadas sem menção de diferente origem).

Dispõe o art. 279º, na parte que para o caso releva, que:

1 - A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra ação sobre o mesmo objeto.
2 - Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.

Este artigo regula as consequências da absolvição da instância que tem lugar nos casos previstos no art. 278º.

Como explica Miguel Teixeira de Sousa (in CPC Online acessível em blogue do IPPC) “[d]ado que a absolvição da instância se baseia numa excepção dilatória (art. 278.º, n.º 1) e porque, por isso, essa absolvição não conhece do mérito da causa (isto é, não considera a acção procedente ou improcedente), essa absolvição não adquire valor de caso julgado material (art. 619.º, n.º 1). Por esta razão, a absolvição da instância não origina a excepção de caso julgado (art. 577.º, al. i), 580.º e 581.º) e, por isso, não obsta a que se proponha uma nova acção com o mesmo objecto e –acrescente-se – entre as mesmas partes (n.º 1).

No caso em apreço, não houve absolvição da instância como consequência da procedência de uma exceção dilatória.

O despacho de 17.9.2024, proferido na ação nº 122/24.2YRGMR, considerou a pretensão da requerente manifestamente improcedente e indeferiu liminarmente o requerimento inicial em virtude de a requerente não ter apresentado uma petição inicial de ação de anulação decisão arbitral, antes tendo apresentado um recurso de decisão arbitral, vício que não supriu, apesar de ter sido convidada a fazê-lo por despacho proferido em 9.7.2024.
Assim, esta situação não se enquadra na previsão normativa do art. 279º.

Ainda que se entendesse diversamente, ou seja, que, numa interpretação extensiva, a situação de indeferimento liminar, por manifesta improcedência, poderia caber na previsão do art. 279º, importa analisar as ressalvas constantes do nº 2 do citado artigo.
O mesmo permite que os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu se mantenham, quando seja possível, se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância. Porém, ressalva o disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos.

Sobre o modo como se conjuga o regime do art. 279º do CPC com o regime da prescrição e caducidade constante da lei civil existe divergência na doutrina e na jurisprudência.
As posições divergentes encontram-se sintetizadas no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22.20.2018 (P 30/17.3T8VCL-A.P1 in www.dgsi.pt), o qual refere que “[n]o sentido de que relativamente à prescrição e à caducidade é inaplicável do disposto no nº 2, do artigo 279º do Código de Processo Civil ou o seu antecedente 289º, nº 2, do anterior Código de Processo Civil, havendo lugar à aplicação exclusiva dos artigos 327º, nº 3 e 332º, nº 1, ambos do Código Civil, pronuncia-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de fevereiro de 2012, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego, no processo nº 566/09.0TBBJA.E1.S1, acessível nas bases de dados da DGSI, acórdão secundado pelo proferido no mesmo Supremo Tribunal de Justiça em 16 de junho de 2015, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Hélder Roque no processo nº 1010/06.0TBLMG.P1.S1, também acessível nas mesmas bases de dados.
Esta posição jurisprudencial, afirmada dominante naquele Supremo Tribunal pelos referidos Conselheiros relatores, é secundada doutrinalmente no Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa, 2014, página 777. Também no Código Civil Anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Volume I, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, página 297, se refere que a “doutrina do nº 3 do artigo 327, mandada aplicar pelo nº 1 deste artigo 332º, substitui a do artigo 289º, nº 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção que este tinha antes do Decreto-Lei nº 47 690, de 11 de Maio de 1967.” Na mesma orientação, em anotação ao artigo 289º do Código de Processo Civil de 1961, com as alterações introduzidas pelo decreto-lei nº 47690, de 11 de maio de 1967, navegam Ary de Almeida Elias da Costa, Fernando Carlos Ramalho da Silva Costa e João A. Gomes Figueiredo de Sousa, quando referem que “[q]uanto à caducidade e à prescrição, há que atender ao que a lei civil estipula a tal respeito, que prevalece; quanto aos outros possíveis efeitos, regula o disposto no n.º 2 deste artigo.” Finalmente, o Sr. Professor Artur Anselmo de Castro escreve que para “os efeitos civis da prescrição e caducidade passaram a reger os arts. 327.º e 332.º do Cód. Civ. – art. 327.º, n.º 3 - «Se por motivo processual não imputável ao titular do direito o réu for absolvido da instância, ou o compromisso arbitral ficar sem efeito e o prazo de prescrição tiver, entretanto, terminado, ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão, não se considera completa a prescrição antes de findarem estes dois meses – art. 332.º; - e quanto à caducidade, se ela se referir ao direito de propor uma acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é-lhe igualmente aplicável a regra anterior do art. 327.º, mas se o prazo fixado à caducidade por inferior a dois meses é substituído por ele o designado nesse preceito.»”
No sentido da coordenação do regime processual com o regime substantivo em matéria de caducidade pronuncia-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de dezembro de 1995, relatado pelo então Juiz Desembargador Ribeiro Coelho, na apelação nº 870/6/95.
Na doutrina, no sentido da coordenação da lei adjetiva com a lei substantiva, pronunciam-se os Professores Lebre de Freitas e Isabel Alexandre.
A letra da lei processual, na parte em que ressalva o regime previsto na lei civil para a prescrição e a caducidade é compatível com qualquer das interpretações que antes se enunciaram.

Perante esta controvérsia jurídico-normativa, e face à idoneidade da letra da lei para acolhimento de qualquer uma das teses divergentes, o acórdão do STJ, de 27.2.2012, (P 566/09.0TBBJA.E1.S1 in www.dgsi.pt) considerou que a solução deveria ser encontrada mediante a ponderação do elemento histórico e com apelo a um elemento funcional ou teleológico de interpretação da lei.


Refere o citado acórdão que “os trabalhos preparatórios do CC revelam claramente a intenção legislativa de, em sede de prescrição extintiva e caducidade, substituir o regime que constava do CPC de 1939, reformulando inovatoriamente toda esta matéria e inserindo-a sistematicamente e por inteiro no CC”.
O mencionado acórdão prossegue explicando que Vaz Serra propôs uma redação em que “o prazo para repropor a acção, terminada por mera decisão de forma, era de apenas 30 dias contados do respectivo trânsito, o que bem ilustra que nunca terá estado nos propósitos do legislador instituir no CC um regime «complementar» do que constava do nº2 do art. 298º do CPC, outorgando um prazo adicional de 1 mês para voltar a propor a acção ao autor que não tivesse actuado negligentemente, em termos de lhe ser imputável a prolação de mera decisão de conteúdo formal – mas consentindo sempre àquele que tivesse actuado sem a prudência e zelo exigíveis um prazo inicial de 30 dias para incondicionalmente repetir a acção e alcançar automaticamente a sobrevivência dos efeitos civis – impedimento da caducidade - da primeira acção.
Na verdade, a ratio que parece atravessar todo o regime inovatoriamente instituído no CC é a que se traduz em considerar que quem está onerado com um prazo de caducidade não pode – para impedir eficaz e definitivamente a extinção do direito exercitado judicialmente – limitar-se a apresentar em juízo tempestivamente uma qualquer petição, independentemente da sua consistência e da adequação para obter uma decisão de mérito no processo por ela iniciado. Pelo contrário, o ónus decorrente da fixação de um prazo – normalmente curto – de caducidade, traduzindo a intenção do legislador de ver resolvido definitivamente, em período temporal curto, o litígio porventura existente entre as partes, implicará um particular ónus de zelo, diligência  e prudência técnica  na propositura da acção e no subsequente desenrolar do processo, obstando a frustração da causa por motivo imputável em exclusivo ao autor a uma automática renovação do prazo de caducidade, entretanto consumado, decorrente da irrestrita oportunidade de repetir a causa e com isso obter automaticamente a sobrevivência dos efeitos civis decorrentes, no âmbito do instituto da caducidade, da proposição atempada da acção originária.
Pelo contrário, esse efeito já será justificado quando, tendo o autor agido com a diligência devida, a prolação de mera decisão de forma lhe não possa ser imputável, não resulte de culpa sua – sendo antes de atribuir às contingências de funcionamento do sistema judiciário, nomeadamente a dúvida razoável e fundada sobre determinado pressuposto processual - aquele cuja falta veio a ditar a absolvição da instância -  face à doutrina e jurisprudência existentes.
Note-se que – como referia Vaz Serra – o regime emergente da versão originária do nº2 do art. 298º do CPC acabava por ser desproporcionalmente favorável ao autor, ao permitir-lhe uma - eventualmente sucessiva - repetição de acções para suprimento de deficiências culposamente provocadas e que obstaram à obtenção de decisão de mérito, com a única condição de irem sendo repetidas no prazo de graça de 30 dias, contado da absolvição da instância que o autor culposamente provocou: fracassada a acção inicial por ineptidão da petição, o autor intentava nova acção, dentro dos 30 dias, a qual, por ex., estava inquinada de manifesta incompetência absoluta do tribunal, novamente suprível em 30 dias – e assim sucessivamente…
Como é evidente, o novo regime estabelecido no CC para a caducidade – envolvendo apelo a um juízo de culpa ou censurabilidade quanto ao motivo que ditou a absolvição da instância ( cfr. Ac. de 15/11/06, proferido pelo STJ no P. 06S1732) – é menos favorável para o autor, que vê determinados erros técnicos na aferição dos pressupostos processuais, envolvendo culpa da parte e seu mandatário, ou negligência manifesta na condução da lide (conduzindo à prolongada interrupção da instância, de modo a completar-se entretanto o prazo de caducidade inicialmente impedido com a propositura da acção – cfr. nº2 do art. 332º do CC) ditarem a caducidade do direito, apesar de a acção que acaba por se frustrar ter sido tempestivamente desencadeada.
Não parece, todavia, que este regime se possa ter por desproporcionado, sendo simples reflexo nesta matéria da vigência do princípio da auto-responsabilidade das partes, do qual decorre que falhas culposas na condução do processo pela parte ou seu mandatário podem efectivamente desencadear efeitos cominatórios ou preclusivos que acabem por prejudicar irremediavelmente a parte que agiu sem o zelo e diligência devidos.
Questão é que se proceda a uma interpretação razoável e funcionalmente adequada do conceito de culpa no desencadear da decisão de absolvição da instância, dela afastando os casos em que nenhuma culpa pode ser imputada à parte  -  por ex., quando a absolvição da instância é determinada por uma simplificação do processo ou separação de causas, determinada pelo juiz, em termos amplamente discricionários e prudenciais – cfr. art. 31º, nº4, do CPC; ou em que a falta do pressuposto processual que ditou a absolvição da instância decorre de dúvida fundada e razoável sobre a interpretação da lei ou de comportamento ou falta de cooperação da contraparte – e não de erro indesculpável da parte que injustificadamente iniciou uma acção que bem sabia - ou devia saber - que era inviável, em termos de virtualidade para nela se obter uma decisão de mérito”.

Perfilhamos igualmente a posição sufragada neste acórdão do STJ, sobretudo na parte em que coloca a tónica na avaliação casuística da culpa no desencadear da decisão de absolvição da instância.

No caso dos autos, relembramos que a petição inicial foi liminarmente indeferida, por manifesta improcedência, em virtude de a autora ter apresentado um recurso, em vez de apresentar uma ação de anulação de decisão arbitral.
Previamente à prolação deste despacho foi proferido um outro que salientou a existência deste vício e permitiu à autora a apresentação de uma nova petição, nos moldes adequados.
Apesar de toda a vasta fundamentação e explicação existente no despacho de 9.7.2024, proferido na ação nº 122/24.2YRGMR, a autora apresentou o requerimento de 31.7.202024 que é novamente um recurso e não apresentou a petição inicial, conforme havia sido convidada a fazer.
Na sequência desta sua atuação, que fez em absoluto tábua rasa do despacho de convite à apresentação de petição inicial em vez de recurso, ocorreu o indeferimento liminar com fundamento em manifesta improcedência.

Assim sendo, por mais benevolente e flexível que se possa ser quanto à apreciação da culpa, no caso em apreço não existe forma de validamente se poder concluir que o indeferimento liminar decorre de motivo processual não imputável à autora. Na verdade, a única conclusão possível é que o indeferimento liminar decorre de culpa única e exclusiva da autora que não se esforçou minimamente por dar cumprimento ao despacho que a convidou a apresentar uma petição inicial e insistiu em apresentar, pela segunda vez, um recurso, depois de já lhe ter sido dito que tal era inviável à pretensão deduzida.

Relembramos que o art. 279º, nº 2, ressalva o disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos.
Ora, dispõe o art. 332º, nº 1, do CC, sob a epígrafe “absolvição e interrupção da instância e ineficácia do compromisso arbitral” que quando a caducidade se referir ao direito de propor certa ação em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 327.º; mas, se o prazo fixado para a caducidade for inferior a dois meses, é substituído por ele o designado nesse preceito.
Por seu turno, dispõe o art. 327º, nº 3, do mesmo diploma legal, que se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.
Ora, como já analisado, o motivo que levou ao indeferimento liminar é imputável à autora, razão pela qual a mesma não pode beneficiar da possibilidade de propor nova ação, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 279º, nº 2, do CPC, 332º, nº 1 e 327º, nº 3, do CC, de forma a que a mesma se considere tempestiva.

Pelo exposto, conclui-se que se encontra caducado o direito de propor ação de anulação de decisão arbitral em virtude de mesma ter sido proposta para além do prazo de 60 dias a que alude o art. 46º, nº 6, da LAV e a autora não se poder prevalecer da propositura tempestiva da ação nº 122/24.2YRGMR porquanto esta foi liminarmente indeferida, por manifesta improcedência, por motivo processual imputável à autora.
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Perante esta conclusão, fica prejudicado o conhecimento das demais questões.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue a ação condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Estando verificada a caducidade do direito de instaurar a ação, é a autora responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em declarar a caducidade do direito da autora instaurar a presente ação de anulação da decisão arbitral e, em consequência, absolvem a ré do pedido.
Custas da ação pela autora.
Valor da causa: € 9 000,00.
Incorpore nos presentes autos certidão da petição inicial, do despacho proferido em 9.7.2024, do requerimento apresentado em 31.7.2024 e do despacho proferido em 17.9.2024 no âmbito do processo nº 122/24.2YRGMR.
Notifique, com cópia da certidão das aludidas peças processuais.
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Guimarães, 6 de fevereiro de 2025

(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) Maria Gorete Morais
(2º/ª Adjunto/a) José Alberto Martins Moreira Dias